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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Área de Engenharia e Arquitetura Luciana Pietrosanto Milla - CRB 8/8129 Regiani, Luana Espig, 1992- R263d RegDiamantina e o percurso da arquitetura moderna : Lucio Costa, Juscelino Kubitschek - e Oscar Niemeyer / Luana Espig Regiani. – Campinas, SP : [s.n.], 2019. RegOrientador: Rafael Augusto Urano de Carvalho Frajndlich. RegDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo. Reg1. Arquitetura moderna - Brasil. 2. Patrimônio histórico - Brasil. 3. Arquitetura colonial - Diamantina (MG) - Obras ilustradas. 4. Oscar Niemeyer. 5. Movimento moderno (Arquitetura) - Brasil. I. Frajndlich, Rafael Augusto Urano de Carvalho, 1982-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo. III. Título. Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Diamantina and the Brazilian modern architecture route: Lucio Costa, Juscelino Kubitschek - and Oscar Niemeyer Palavras-chave em inglês: Architecture, Modern - 20th century - Brazil Architecture, Colonial - Brazil Architects - Brazil World Heritage areas - Conservation and restoration Modern movement (Architecture) - Brazil Área de concentração: Arquitetura, Tecnologia e Cidade Titulação: Mestra em Arquitetura, Tecnologia e Cidade Banca examinadora: Rafael Augusto Urano de Carvalho Frajndlich [Orientador] Guilherme Teixeira Wisnik Silvana Barbosa Rubino Data de defesa: 15-07-2019 Programa de Pós-Graduação: Arquitetura, Tecnologia e Cidade Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.og/0000-0002-3950-0454 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/3110818847848603 Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) Agradeço ao professor Dr. Rafael Urano Frajndlich pelos horizontes de pesquisa que foram abertos com sua chegada na pós-graduação. Obrigada pelas orientações instigantes e revisões atentas. Agradeço à professora Dra. Regina Tirello pelo importante papel para o ingresso no mestrado. Meus agradecimentos aos professores da banca de qualificação: Dr. Eduardo Rossetti e Dra. Silvana Rubino. À professora Silvana, agradeço especialmente pelas preciosas observações desde a Iniciação Científica, essenciais para todas as viagens que se seguiram. Agradeço também ao professor Dr. Guilherme Wisnik pelos pertinentes e atenciosos comentários na banca de defesa. Obrigada, in memoriam, aos Professores Alexandre Eulálio e José Cláudio Gomes, cujas coleções doadas, respectivamente, às bibliotecas da Unicamp e da USP, possibilitaram o início deste trabalho. Agradeço às instituições que disponibilizaram seus arquivos. No Rio de Janeiro, ao Arquivo Central do IPHAN, fundamental para a pesquisa, e agradeço, em particular, à Tatiana Lopes Salciotto e sua atenção em cada pedido. Na mesma cidade, à Fundação Oscar Niemeyer. Em Brasília, ao Memorial JK. Em Belo Horizonte, ao IEPHA e ao fortuito encontro com Bruno Fioravante e André Miranda. Em Diamantina, muitos foram os lugares que, ao preservarem a memória da cidade, colaboraram profundamente com este trabalho. Devo agradecimentos ao Arquivo Público Municipal pela disponibilidade ao abrir o acervo de projetos. Ao Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese, à Verônica de Mendonça Motta, pelo auxílio com os jornais “A Estrela Polar”. À Biblioteca Antônio Torres. Ao Escritório Técnico do IPHAN e à Vanessa de Pádua Mello por compartilharem as bases que possibilitaram a confecção dos mapas. Também ao Instituto Casa da Gloria, que permitiu que utilizasse sua biblioteca para escrever parte da dissertação. Especialmente, agradeço ao Museu Tipografia Pão de Santo Antônio e ao seu secretário, Emanoel Ricardo Maria, pela generosidade ao compartilharem o rico acervo da instituição com os exemplares da Voz de Diamantina, essenciais para recuperar fatos e datas dos eventos narrados. Agradeço também, imensamente, à Casa de Juscelino. Ao Serafim Jardim, pela incansável disponibilidade para contar e manter a história do ex-presidente em sua cidade natal. Ao Rômulo Barbosa, que também abraçou essa missão. Obrigada por abrirem, sem restrições, a biblioteca e os arquivos. Ainda no antigo Arraial, agradeço ao Hotel Tijuco e toda a sua equipe pela recepção nas duas estadias. Em momentos cruciais para a pesquisa, foi um privilégio estar ali e ser tão bem recebida. Especialmente, agradeço ao Rony Odlanier Silva, gerente do hotel, um dos grandes responsáveis por preservar o edifício e sua história e que com muita dedicação atende aos pesquisadores e turistas que se interessam pelo Tijuco. Agradeço ao Professor Dr. Marcos Lobato Martins pela disponibilidade em conversar e compartilhar seus textos. Sua vasta produção sobre a região foi primordial para o trabalho. Muito obrigada ao Professor Erildo Nascimento de Jesus que prontamente, seja numa conversa no Beco do Mota ou por e-mail, esclarecia qualquer dúvida sobre a cidade. Além de emprestar o livro com os desenhos do Lucio Costa. Agradeço excepcionalmente ao Michel Becheleni pela disponibilidade, generosidade e atenção ao realizar as fotos aéreas, fazendo registros atuais expressivos que ajudarão a documentar a cidade pela história. Obrigada também à Telma Pio, pelos materiais compartilhados. À Fernanda Valim, pela gentileza e pelos encontros proporcionados, incluindo a tarde de aquarela. À Dalva, Maria Dalva Aquino, e o seu Cantinho na Rua do Amparo onde encontrava não só a comida mais gostosa, mas também muito carinho. Agradeço ao diamantinense Manuel Dimitri de Almeida Gomes pelas caminhadas e conversas que tanto colaboraram com o mestrado. Obrigada pelo amparo incondicional, sem o qual este trabalho não teria sido feito da mesma forma. Também à Larissa Doalla, pela importante ajuda com o livro esquecido. Em Minas, agradeço ainda ao Paulo T. G. Pinto pelos lindos registros em Diamantina e pela disponibilidade em todos os pedidos de ajuda ao longo dos últimos dois anos. Ao Bernardo Puhler, pelas músicas que traziam a luz da Serra do Espinhaço enquanto escrevia em Campinas, Curitiba ou São Paulo. Em Campinas, agradeço aos colegas do Grupo de Pesquisa de História da Arquitetura: Protagonistas – GHIPARQ. Agradeço aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação - FEC/Unicamp por toda a ajuda e disponibilidade ao longo do processo do mestrado. Também aos funcionários da Biblioteca Octávio Ianni, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, pelo auxílio durante o estudo. Muito obrigada à Taiana Car Vidotto e à Giovana Martino por compartilharem a experiência como monitoras na disciplina de projeto de interesse social. Ao Francisco de Carvalho Dias de Andrade, pelas respostas atenciosas e detalhadas com as referências responsáveis pelo direcionamento do primeiro capítulo. Devo também sinceros agradecimentos à Saeko Suzuke e à Ana Ribeiro pelo cuidado que tiveram comigo e com a minha saúde. Ao Lucas Ariel e ao Maurício Ferreira, pela casa mais aconchegante em Barão. Obrigada por me receberem com tanto carinho. Ao Lucas, agradeço também pelas longas conversas e mensagens de apoio. Ao Fernando Nakandakare, por compartilhar os anseios da pesquisa, mas também momentos de descontração. Ao Flavio Bragaia, pela amizade proporcionada pelo mestrado. Agradeço à Marília Dantas por dividir responsabilidades, amizade e muito carinho. Ao Bruno Geraldi Martins, que sempre tem as palavras mais queridas, a energia mais pura e o abraço para todas as horas. A pesquisa foi escrita em algumas casas. Agradeço a todos aqueles com quem compartilhei as alegrias e também as dificuldades da rotina. Em Barão Geraldo, agradeço ao Pierluigi Pirozzi, Lucas Pacheco, Antoine Beuvain, Dínamis Lara e Walter Gagliardi. Ao Walter, sou especialmente grata pela amizade que continua constante, mesmo com adistância. Em São Paulo, agradeço ao Pedro Murilo Freitas pela receptividade e pela biblioteca que tanto colaborou com o texto. Muito obrigada, sobretudo, à Giulia Vercelli, que entre a Itália e o Brasil esteve sempre presente desde 2013 e que tanto me apoiou no desenvolvimento deste trabalho, além dos essenciais e felizes momentos de viagem, descanso e conversa. Ainda na capital, agradeço à Juliana Reis e à Camila Midori Yoshida, que encararam uma mudança nessa reta final. Estar com vocês no último mês fez toda a diferença. Muito obrigada à minha amiga-irmã, Thaís Marília Fillus, com quem há vinte anos compartilho, diariamente, das pequenas às grandes coisas. Sou imensamente grata por sempre poder contar com você. Obrigada à Angelina Benvenutti Regiani, minha irmãzinha, que sempre pergunta como vai meu trabalho e tem se revelado uma excelente escritora. Agradeço aos meus pais, Eloiza Espig e Jesuan Henrique Felde Regiani, e seus companheiros Luiz Alex Bomfim e Adriana Benvenutti Regiani. Por fim, agradeço especialmente à Eloiza Espig pelo apoio irrestrito em todas as instâncias referentes a este mestrado. Fiel e atenta leitora, meu percurso até aqui seria impossível sem você. Obrigada por estar presente em mais uma fase que se encerra e obrigada pelo amor que tanto acolhe e ensina. Esta dissertação foi realizada com o apoio da FAEPEX – Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão da UNICAMP. Alumbramento Eu vi os céus! Eu vi os céus! Oh, essa angélica brancura Sem tristes pejos e sem véus! Nem uma nuvem de amargura Vem a alma desassossegar. E sinto-a bela... e sinto-a pura. [...] Eu vi a estrela do pastor... Vi a licorne alvinitente!... Vi...vi o rastro do senhor!... E vi a Via-Láctea ardente... Vi comunhões... capelas... véus... Súbito... alucinadamente... Vi carros triunfais... troféus... Pérolas grandes como a lua... Eu vi os céus! Eu vi os céus! Eu vi-a nua... toda nua! Manuel Bandeira, 1919 Diamantina faz parte da origem e afirmação da história da arquitetura moderna brasileira. Isso se deve ao elo que consolida entre as pretensões de um ideal nativo e de um progresso latente no país, sobretudo pelos discursos de Juscelino Kubitschek e Lucio Costa. O ex-presidente tem o antigo Arraial do Tijuco como berço familiar e de formação pessoal, enquanto o arquiteto, na viagem que realiza em 1924, descobre ali o que considerava ser o autêntico passado colonial. De modos distintos, ambos remontam à materialidade e à narrativa de Diamantina nas justificativas de suas decisões e formas de engendrar a construção cultural do Brasil. Ao elaborar essa ideologia vinculada à cidade, valem-se também de ações executivas concretas através do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e das esferas de poder governamental que viabilizaram, nos anos 1950, o desenho de edifícios públicos por Oscar Niemeyer. Os fatos, documentos, textos, imagens e projetos que articulam a cidade à união extemporânea dos responsáveis por Brasília serão confrontados, lançando luz em como Diamantina é testemunho da arquitetura colonial trabalhada através de sucessivas intervenções para se tornar um dos modelos de conciliação prática e ideológica entre presente e passado na arquitetura moderna brasileira. Palavras-chave: Diamantina; Lucio Costa; Juscelino Kubitschek; Oscar Niemeyer; Arquitetura Moderna Brasileira. Diamantina is widely considered a cornerstone on the notion of origin of Brazilian Modern Architecture. The city connects the pretensions of a latent progress in the country made by two important authors for the diffusion of the avant-guarde trends in Brazil: Juscelino Kubitschek and Lucio Costa. The former President Kubitschek was born and has in the old Arraial do Tijuco his Alma Mater. The architect Costa has travelled to Diamantina in 1924, in a journey where he understood to find the legitimate representations of the Brazilian colonial past. Both intellectuals use in their narratives and in their decisory processes aspects of Diamantina a good formal examples on how to build a modern cultural construction of Brazil. Along with the weaving of this ideology on the city, they made practical executive actions on its form through Costa’s work in the National Historical and Artistic Heritage Service (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN) and Kubitschek’s terms in offices of the Government, which enabled the design of public buildings by Oscar Niemeyer in the 1950s. The facts, documents, texts, images and projects that render the city as common ground for these two protagonists of Brazilian Modernism – and builders of Brasília – will be confronted, revealing convergences and differences of though on how they understood the city. Moreover, it is intended to shed light on how Diamantina has witnessed the works on colonial architecture made in the last century by the modernists to shape a model of practical and ideological conciliation between present and past in Modern Brazilian Architecture. Keywords: Diamantina; Lucio Costa; Juscelino Kubitschek; Oscar Niemeyer; Brazilian Modern Architecture. Figura 1: Rua das Mercês, Diamantina, c. 1920. Fonte: Acervo IMS. Autor: Chichico Alkmim. Em 1924, Lucio Costa viajou até Diamantina. No antigo Arraial do Tijuco, alumbrou uma nova percepção sobre o passado colonial e passou, ao longo dos anos seguintes, a formular uma visão crítica das pretensões de busca de uma identidade nacional conforme intendia seu círculo de intelectuais neocoloniais. O vilarejo é também a cidade natal de Juscelino Kubitschek, que usará seu berço como referência onipresente em sua trajetória política, iniciada em 1933. Em 1937, tem-se a fundação do SPHAN1 – com participação ativa de um Lucio Costa já convertido às postulações das vanguardas, sendo Diamantina tombada em 1938. Acontecimentos reforçados na década seguinte e reafirmados nos anos 1950, quando surge em Diamantina mais um personagem relacionado a arquitetura moderna: Oscar Niemeyer. Nenhum outro conjunto urbano de herança portuguesa preservado teve tantos edifícios projetados pelo arquiteto carioca quanto o antigo Arraial do Tijuco2. À luz dessas questões, Diamantina e o Percurso da Arquitetura Moderna busca traçar a linha entre fatos que, na origem, são eventuais, mas que na sua inter-relação confluíram para a construção de aspectos de uma modernidade arquitetônica nacional. Lucio Costa nasceu em 1902 e morou na Europa até os 14 anos. O retorno ao Brasil é descrito como “uma revelação”3. Do desembarque no Rio de Janeiro destaca “as montanhas diferentes, a mata, o casarão, o céu perto, o mar [...] espetáculo de prender a respiração”4, um comentário que demonstra o encantamento diante da paisagem brasileira. O jovem cursou a Escola Nacional de Belas Artes e, como arquiteto, foi enviado para Diamantina em 1924, descrevendo o deslumbramento provocado pela cidade com a mesma palavra, “revelação” 5, que havia usado para as terras cariocas. Neste importante ano, não por acaso, inicia um traço que o distinguiria: suas ideias são divulgadas através de textos, sendo que uma de suas 1 A instituição foi criada sob a denominação SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no entanto, em 1946, foi transformado em Diretoria, DPHAN, passando, em 1970, a ser Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, utilizando a sigla IPHAN. De 1990 até 1994, foi denominado Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), até que, novamente, voltou à sigla IPHAN, designação vigente até hoje. Embora a dissertação utilize documentações e toque em assuntos referentes aos anos de 1937-1959, será utilizado, no decorrerdo texto, a sigla SPHAN. 2 Cf. CALDAS, Bruno Tropia. Hoje, o passado de amanhã: a arquitetura de Oscar Niemeyer em sítios históricos brasileiros. III ENANPARQ. Arquitetura, Cidade e Projeto: uma construção coletiva, 2014. 3 COSTA, Lucio. Rio de Janeiro, in. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 27. 4 Idem. 5 COSTA, Lucio. Diamantina, in. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 27. primeiras entrevistas publicadas tem como argumento a viagem de estudos recém-realizada6. No começo profissional, Costa foi partidário do movimento neocolonial, para em seguida negá-lo e se tornar, durante as décadas seguintes, “o responsável pela produção e difusão pública de enunciados que deram sustentação” e que tornaram possível “o extraordinário sucesso de uma certa ‘arquitetura moderna brasileira’ ”7. Tamanha responsabilidade atribuída ao arquiteto se deve à atuação multidisciplinar que permeava seus projetos, escritos e atividades públicas e políticas, estas relacionadas a sua participação no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional com funcionário atuante em despachos, pareceres e intervenções. Juscelino Kubitschek teve um início de trajetória diverso, afastado das metrópoles. Saiu de Diamantina pela primeira vez em 1919 para prestar um concurso em Belo Horizonte. A capital mineira ainda era, então, um “esboço cartográfico”, mas para o jovem interiorano, acostumado com o tecido colonial, foi esse contato com a cidade planejada que também provocou “um deslumbramento”8. Das dificuldades nos primeiros anos, Kubitschek passou pela carreira de médico até ter contato com a política, na qual se firmou como expoente, alçando cargos de deputado, prefeito, governador e presidente da república. Diamantina esteve em sua mente e em seus discursos ao longo de seus anos como governante. Referia-se à cidade como berço não só de seus interesses pela escala atemporal, mas conectava as próprias memórias com as do vilarejo. Durante as atuações de Costa e Kubitschek entre os anos 1930 e 1950, Diamantina recebeu tanto projetos de salvaguarda, através do SPHAN, quanto de caráter moderno, com desenho de Oscar Niemeyer. A elaboração de edifícios públicos diamantinenses por Niemeyer passa pelo respaldo que os dois personagens deram ao profissional. Costa foi seu mentor e abriu as portas que o levaram a participar de projetos como o Ministério da Educação e Saúde, o Pavilhão de Nova York e anuiu e defendeu sua primeira intervenção em uma cidade histórica: o Grande Hotel de Ouro Preto. Depois da obra inaugural em Minas Gerais, vieram 6 Cf. COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924. 7 LEONIDIO, Otavio. Carradas de razões: Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924-1951). Rio de Janeiro, RJ; São Paulo, SP: Editora da PUC-Rio: Loyola, 2007. p.15. 8 KUBITSCHEK, Juscelino. Meu caminho para Brasilia. Volume 1. Rio de Janeiro, RJ: Bloch, 1974, p.59. os contatos que o levaram a Juscelino Kubitschek e, assim, a assinar o complexo da Pampulha e os diversos projetos que sucederam a carreira do político9. Niemeyer ganha relevância junto ao cenário político e ao público das artes e é considerado o mais celebrado arquiteto brasileiro no século XX10. Suas obras em Diamantina, embora pouco comentadas, são seminais para a compreensão da importância da história que conecta os fatos entre Pampulha e Brasília e os nomes de Costa e Kubitschek. Neste cenário cabem questionamentos: de que maneira Diamantina faz parte da mudança de postura de Lucio Costa em relação as vanguardas? Como a cidade foi incluída nos discursos e intervenções de Juscelino Kubitschek? E de que forma os projetos de Oscar Niemeyer se relacionam com este contexto e vinculam a representação de uma Diamantina colonial ao moderno? É mister que a atuação concreta dos intelectuais, entremeando preservação e intervenção e as aspirações das vanguardas com o colonial, associou ao antigo Arraial do Tijuco uma questão ideológica que permeou tanto a imagem pretendida pelo político quanto os aspectos fundacionais atribuídos pelo arquiteto e pode-se pensar em Diamantina como uma das alegorias que levava ao moderno e a consolidação de seus preceitos. Walter Benjamin havia identificado a alegoria como elemento principal na representação de mundo do Barroco11. Através das narrativas alegóricas, seria possível abrir as camadas dos sentidos de obras de arte e de cidades, diante da evocação de outras realidades. 9 Oscar Niemeyer, em seu livro de memórias, relata que o primeiro contato com Kubitschek veio por intermédio de Capanema: “Um dia Capanema me levou a Benedito Valadares, governador de Minas Gerais, que pretendia construir um cassino no ‘Acaba Mundo’. E foi nessa ocasião que conheci Juscelino Kubitschek, candidato a prefeito de Belo Horizonte. Fiz o projeto, que mostrei a Benedito, mas o assunto só foi retomado meses depois, quando JK, prefeito da cidade, novamente me convocou. No dia combinado voltei a Belo Horizonte com Rodrigo. [...]” In: NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: memórias. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 1998, p.93. Juscelino Kubitschek, por outro lado, conta que o primeiro contato foi por Rodrigo Melo Franco de Andrade. Insatisfeito com o suposto concurso que havia realizado para a Pampulha, saiu daquela “situação de embaraço” com a indicação dada pelo Diretor do SPHAN: “Estava no meu gabinete quando fui procurado por Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do Departamento do Patrimônio Histórico Nacional, do Ministério da Educação. Conversamos sobre a Pampulha e, revelando-lhe meu desagrado [...] perguntou-me se não desejava experimentar um arquiteto que, naquele momento, estava em Belo Horizonte e que, apesar de sua pouca idade, já revelava impressionantes dons de originalidade artística. Imediatamente mandei que o trouxessem ao meu gabinete. [...] Oscar Niemeyer – era esse o nome do jovem arquiteto [...]” In: KUBITSCHEK, Juscelino. Meu Caminho para Brasília. Volume 2. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1974, p. 35-36. 10 Cf. LIERNUR, Jorge. The South American Way. Block, Buenos Aires: n. 4, p. 23-41, dez 1999; CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar, 2006. 11 BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Sérgio Paulo Rouanet (tradução, apresentação e notas). São Paulo: Brasiliense, 1984. Assim, lugares como Diamantina podem ser vistos como espaços, prédios e objetos concretos, mas também apontar para uma “totalidade singular que se apresenta sempre além do alcance de uma visão imediata. Essa visão supostamente sem mediações [...]” é cotidiana e poderia ser a vista do conjunto urbano, mas também uma “visão aurática de um objeto único, permanente e não-reproduzível”12 como um monumento, uma cidade histórica. A alegoria de Diamantina foi aperfeiçoada por Costa e Kubitschek. A cidade era uma dessas relíquias espalhadas pelo território mineiro e as viagens de “descoberta” pelo interior foram fundamentais. A ida de Lucio Costa a Diamantina colaborou para consolidar a visão de redenção nacional nas narrativas alegóricas veiculadas pelos modernos brasileiros. Embora a viagem estivesse dentro do programa que pretendia organizar um estudo dos motivos arquitetônicos do Brasil colonial pelos neocoloniais13, o tempo e a mudança de postura de Costa fizeram com que se alinhasse com as pretensões de vanguarda e seus partidários que se reuniram anos depois no SPHAN. O que se buscava tanto nas excursões modernistas quanto nas neocoloniais era principalmente a produção do século XVII e XVIII. Diamantina, nesse período, seguiu umalógica de formação diferente das demais cidades mineiras que desenvolviam o povoamento ao longo dos caminhos da mineração. A exceção do antigo Arraial do Tijuco, além da descoberta do diamante no início da década de 172014, foi a adoção de uma solução quadrangular e concentrada. Vasconcellos destaca a evolução do traçado urbano no período: Ter-se-iam então três etapas principais cumpridas em seu desenvolvimento: a primeira, de 1700 a 1720, relativa ao povoamento esparso, em vários arraiais, de limitação indeterminada; a segunda de formação polarizada, de 1720 a 12 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retorica da perda: os discursos do patrimonio cultural no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora da UFRJ, 1996. p. 128-129. 13 KESSEL, Carlos. Arquitetura Neocolonial no Brasil: entre o pastiche e a modernidade. Rio de Janeiro: Jauá, 2008, p. 133-134. 14 Cf. MARTINS, Marcos Lobato. Breviário de Diamantina: uma história do garimpo de diamantes nas Minas Gerais (século XIX). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014; FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde: o Regimento Diamantino de 1771 e a vida no Distrito Diamantino no período da Real Extração. São Paulo, SP: Annablume, 1996. 1750, quando se organizou em reticulado sua parte urbana propriamente dita; a terceira, de 1750 em diante, relativa à consolidação e expansão. 15 Na Figura 2 é possível observar a evolução do Tijuco no século XVIII. A primeira etapa é marcada pela constituição do Arraial Rio Grande, onde no rio de mesmo nome os minérios começaram a ser explorados. Um dos córregos deste rio recebeu o nome de Tijuco e na sua margem direita se instalou o povoamento inicial, correspondente hoje as proximidades da Rua do Burgalhau. Na fase seguinte, os demais arraiais são formados em núcleos esparsos: o Arraial de Baixo, na entrada do caminho que vinha pelo Serro, o de Cima, na saída para Barra do Guacuí e, por último, o dos Forros. Os quatro arraiais seriam as balizas para configurar o território do Arraial do Tijuco, cujas delimitações foram dadas pelos caminhos que conectavam essas aglomerações primitivas16. 15 VASCONCELLOS, Sylvio. Formação urbana do Arraial do Tejuco. Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.14. Rio de Janeiro, 1959. p. 121-134. 16 Cf. Idem. 19 Figura 2: Mapa do desenvolvimento do traçado urbano do Arraial do Tijuco no séc. XVII Fonte: Elaborado pela autora com base em Cruz (2016, p. 69) e no acervo do Escritório Técnico do IPHAN em Diamantina (2018). 19 Fi gu ra 2 : M ap a do d es en vo lv im en to d o tr aç ad o ur ba no d o A rr ai al d o T iju co n o sé c. X V II Fo nt e: E la bo ra do p el a au to ra c om b as e em C ru z (2 01 6, p . 6 9) e n o ac er vo d o Es cr itó ri o Té cn ic o do IP H A N e m D ia m an tin a (2 01 8) . Com as vias principais e o centro delimitados, o vilarejo se desenvolve. Na primeira metade do século XIX, a localidade chamou a atenção de viajantes estrangeiros e permeou diversos relatos17. Para Tschudi havia “uma aura de mistério que envolve seu nome e sua história”18, sendo o principal elemento mistificante a mineração e as relações dela derivadas. Também como resultado da exploração de diamantes, John Mawe ressalta que o Tijuco era um “lugar florescente”19. A impressão de prosperidade é confirmada por Johann Moritz Rugendas: “há em Tijuco muitos funcionários e negociantes, o que dá maior encanto às relações sociais” e relata que, mesmo merecendo “muito mais do que Vila do Príncipe, que é a sede da comarca, ser chamado cidade ou vila” 20, o Tijuco permanecia como Arraial. A decisão de manter o vilarejo como arraial era uma medida de controle político-administrativo em virtude da exploração dos diamantes21. Pelo interesse da metrópole pela região, as autoridades agiram com maior rigor e influenciaram a conformação urbana concentrada do Distrito Diamantino, que se valia da regra que para melhor vigiar os moradores era melhor não os deixar se espalhar22. O Arraial, por fim, se tornou Vila em 1831 e, em 1838, passou a ser cidade de Diamantina. Apesar do progresso com que iniciou aquele século, as atividades de produção de diamante diminuíram na segunda metade do XIX23. A cidade buscou alternativas na indústria e no comércio e, estando na entrada do sertão, funcionou como o “grande empório do Norte”24, 17 No texto são citados alguns autores e suas excursões pelo Brasil, passando por Diamantina: John Mawe (1809- 1810); Carl Friedrich Philipp Martius e Johann Naptist Von Spix (1818); Auguste de Saint-Hilaire (1817-1822); Johann Moritz Rugendas (1822-1825) e Johann Jakob Von Tschudi (1858). Cf. MUCIDA, Danielle Piuzana et al. Viajantes naturalistas do século XIX: a reconstrução do antigo Distrito Diamantino na literatura de viagem. Caderno de Geografia, V.21, n.36, 2011. PP. 66-86. Disponível em <http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/article/view/2809>. 18 TSCHUDI, Johann Jakob von. Viagens através da América do Sul. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e culturais, 2006. v.2, p. 93. 19 MAWE, John. Viagem ao interior do Brasil, principalmente aos Distritos do Ouro e do Diamante. Rio de Janeiro: Ed. Zélio Valverde, 1944. p. 221-222. 20 RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Martins. Ed. da Universidade de São Paulo, 1972. p.40. 21 O Arraial do Tijuco pertencia a Vila do Príncipe, atual Serro. Ademais, as medidas de controle têm início em 1745, quando a Coroa portuguesa proibiu a livre entrada na região, buscando evitar os contrabandos. Ao persistirem os roubos, surgiu, em 1771, a Real Extração dos Diamantes e o Livro da Capa Verde com uma série de determinações que visavam regular a vida na região. Surgia uma concepção que via na Demarcação Diamantina um “estado dentro do estado”. Cf. MARTINS, Marcos Lobato, op. cit. p.19-25; FURTADO, Júnia Ferreira, op.cit. 22 D’ASSUMPÇÃO, Lívia Romanelli. Diamantina: uma formação urbana original. Revista Barroco. São Paulo, 1993, n. 17. p. 227-230. 23 O ciclo do diamante durou até cerca de 1870, quando a entrada do diamante sul-africano no mercado internacional provocou a baixa nos preços. Cf. MARTINS, Marcos Lobato. op.cit. p. 366. 24 Ibid. p. 401-404 encontrando um mercado consumidor fiel diante da dificuldade de levar os mais diversos produtos para o interior. Desse período, temos projetos como a Fábrica de Tecidos do Biribiri, de 1876, e do mercado, construído em 1835 e adquirido pelo município em 1890 para funcionar como Mercado Municipal25. Além da questão comercial, Diamantina também se afirmou como local de alto poder episcopal após a instalação do Bispado em 185426 e de referência na educação regional, com o Colégio Nossa Senhora das Dores e o Seminário Sagrado Coração de Jesus27, mantendo o retrato enunciado por Saint-Hilaire de uma localidade com “gosto pela literatura e um desejo mais vivo de se instruir” 28. A movimentação do distrito não impedia que a distância que se encontrava dos grandes centros fosse sentida. A paisagem das pedras anunciava ao visitante quanto se avançava pelo interior do continente e o surpreendia: Sente-se o viajante, nesses deliciosos jardins, atraído de todos os lados por novos encantos [...] Volvendo o olhar pacífico e variegado ambiente para a distância, o espectador vê-se todo contornado por altas montanhas rochosas que, iluminadas pelos ofuscantes raios solares, refletem uma luz resplandecente de seus vértices brancos(...) 29 Desse isolamento, vem o retrato formal que se cristaliza no tempo até o início do século XX. Diamantina recebeu tardiamente os traços da modernidade: a iluminação elétrica chega em 1910, a linha de tremem 1914. Datam desse período reinvindicações de melhorias do espaço público, através do embelezamento de praças e parques, e de infraestrutura urbana, 25 Inicialmente construído como “Intendências dos Lages”, o edifício foi adquirido pela Câmara Municipal para atender a demanda de um local apropriado para o comércio. Ibid. p. 277-292. 26 Para criar a diocese foi necessário um decreto-lei do Estado Imperial Brasileiro, neste caso lei civil n. 673 de 10 de agosto de 1853, executada em 1854. Cf. SANTOS, Dayse Lucide Silva. Cidades de vidro: a fotografia de Chichico Alkmim e o registro da tradição e da mudança em Diamantina (1900 a 1940). 2015. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. p. 133. 27 O Colégio Nossa Senhora das Dores foi fundado em 1866 e funcionava na Casa da Glória. Em 1878, recebeu o conhecido passadiço. Já o Seminário do Sagrado Coração de Jesus, foi fundado em 1864. Cf. BARACHO, Cláudia Elizabeth. Grupo Escolar Professora Júlia Kubitschek: modernização na arquitetura e nas concepções educacionais em Diamantina, 1951-1961. 2016. 142 p. Dissertação (Mestrado Profissional) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, 2016. p. 65. 28 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1974, p.33. 29 SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817- 1820. Vol II. São Paulo: Melhoramentos, em colaboração com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em convênio com o Instituto Nacional do Livro – MEC, 1976 apud D’Assumpção, 1995, p. 77. com os calçamentos das vias e o saneamento30. Foi nesse contexto que cresceu Juscelino Kubitschek, até que ele parte do interior para Belo Horizonte. Lucio Costa, ao fazer o caminho inverso, encontra a imagem de Diamantina com o mesmo conjunto colonial emoldurado pela Serra dos Cristais visto pelos exploradores do século XIX (Figura 3). O visitante que chegava no Arraial dos anos 20 se deparava com um conjunto urbano mais concentrado que as demais cidades mineiras, se assemelhando a retícula portuguesa, mas diferindo dela por não possuir uma centralidade associada a uma grande praça, fato que pode ser explicado pela ausência de uma Casa de Câmara e Cadeia31. O conjunto arquitetônico era composto principalmente por residências e, desde o final do século XVIII, contava também com edificações assobradadas que poderiam ser de uso misto32. Embora o programa das habitações, a conformação no lote e o arranjo das edificações ao longo das vias sejam semelhantes as cidades que surgiram no mesmo período, como Ouro Preto e Mariana, Diamantina possui particularidades. Na escala urbana, nota-se como suas igrejas se relacionam com o conjunto quase se confundindo com o casario, conferindo uma delicadeza peculiar se comparada as demais cidades setecentistas mineiras33. Provavelmente seja um resultado da dificuldade de terrenos livres onde as Irmandades pudessem prever, além da expansão dos templos, o cemitério anexo e o “cenário urbano”34. 30 GOODWIN Jr., James William. As Cidades de Papel: Imprensa, Progresso e Tradição. Diamantina e. Juiz de Fora, MG (1884-1914). Dissertação de Doutorado em História Social. FFLCH/USP, São Paulo, 2007. p. 166-168. 31 Cf. PESTANA, Til. Diamantina. In: Actas do Colóquio Internacional Universo Urbanístico Português – 1415-1822. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, p. 582. 32 LEMOS, Celina Borges. Diamantina e sua arquitetura nos contextos da formação do arraial e consolidação da vida: registros e manifestos da modernidade na paisagem cultural entre os séculos XVIII e XIX. In: Anais XIII Seminário sobre Economia mineira 2006. Diamantina: CEDEPLAR/FACE, 2006. p. 72-93. 33 D’ASSUMPÇÃO, Lívia Romanelli. Diamantina: uma formação urbana original. Revista Barroco. São Paulo, 1993, n. 17. p. 230. 34 Idem. 23 Figura 3: Panorama de Diamantina no início do século XX. Fonte: Acervo do Museu do Diamante. 23 Fi gu ra 3 : P an or am a de D ia m an tin a no in íc io d o sé cu lo X X. F on te : A ce rv o do M us eu d o D ia m an te . 24 Na escala do lote, destaca‐se a solução formal das fachadas, onde o aproveitamento intencional do afloramento da estrutura de madeira confere tratamento plástico e verdade construtiva às edificações35, além da profusão de cores do conjunto. Brandão afirma que “rudes, mas acolhedoras, os ‘incultos pedreiros’ deram‐nos o selo da simplicidade e da pureza, fazendo inclusive com que se perdessem ‘certos maneirismos preciosos e um tanto arrebitados’ que ainda havia na metrópole”36. Foi essa autonomia e singeleza da casa colonial tijucana que chamou a atenção de Costa. Se em 1924, ao também percorrer o caminho modernista em direção à Minas, Lucio ainda não estava alinhado com o movimento moderno, o discurso já assinalava a necessidade de um diálogo: “Naturalmente será preciso conciliar tais vestígios de uma época passada com o raffinement da vida moderna. Surge justamente aí a principal tarefa do arquiteto”37. Lucio Costa, ao traçar um fio condutor entre origem e futuro da arquitetura brasileira, se insere em um grande projeto de reconstituição ideológico‐cultural do país. Dentro desse projeto, a defesa do patrimônio arquitetônico integra um eixo fundamental. Uma “boa causa” da qual Costa se ocupa, “uma causa, aliás, que, desde a primeira viagem à Diamantina havia sensibilizado Lucio Costa; que, portanto, sempre fora sua”38. Consequentemente, Diamantina também está no contexto das discussões do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Passa a nossa cidade juntamente com outras em todo o Brasil para o patrimônio histórico nacional, sendo aqui criado um departamento. Agora já não se podia fazer nenhum melhoramento por pequeno que fosse sem ordem e direção do Patrimônio, o que tirava um pouco o seu progresso, mas em compensação acabou a dor de cabeça dos católicos para efetuarem os consertos de que tanto necessitavam as nossas igrejas, algumas ainda do tempo do Tijuco. [...] A política estava forte e trazendo grandes vantagens para Diamantina, pois começava a elevar‐se nosso conterrâneo e grande amigo de 35 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Bens tombados de Diamantina. Brasília, IPHAN, 2003. p.22. 36 BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Arquitetura residencial no barroco mineiro. Revista AP, n.5, p.26‐30, 1996. 37 COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun.1924 38 LEONIDIO, Otavio. Carradas de razões. Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924‐1951). Rio de Janeiro: tese de doutorado, Departamento de História, PUC‐Rio, 2005, p. 195. 25 sua terra natal [...] Juscelino Kubitschek de Oliveira. A nossa cidade começou a progredir assustadoramente e obtinha tudo com facilidade. 39 É nesse quadro de dualidade entre preservação e desenvolvimento que o SPHAN aprova alguns projetos modernos no tecido histórico de Diamantina. Repetindo a colaboração desenvolvida em Belo Horizonte, Juscelino encomenda uma série de projetos para Oscar Niemeyer: a Sede Social do Diamantina Tênis Clube na Praça de Esportes; o Hotel de Turismo; o Grupo Escolar Júlia Kubitschek; a Faculdade de Odontologia e o aeroporto40. As demandas viabilizadas por Kubitschek representavam as convicções de um processo modernizador onde, do interior paracentro, das pequenas as grandes cidades, criava‐se uma ideologia política que poderia também ser traduzida pela arquitetura. Para dar nexo ao arco que parte de casualidades dos anos 1920 até coordenadas ações de intervenção na cidade colonial nos anos 1950, a abordagem metodológica da pesquisa buscou cotejar questões arquitetônicas e políticas tecidas nesse período no Brasil com Diamantina. Os trajetos de Lucio Costa e Juscelino Kubitschek no antigo Arraial do Tijuco, traduzidos em textos, desenhos, projetos técnicos e burocráticos, extrapolaram questões locais e contribuíram para evidenciar uma construção ideológica que encontrou em Diamantina uma representação: “[...] e como a humanidade não pode prescindir de representações [...] há, afim de não suportar inconscientemente esse fardo, a necessidade de ‘analistas’.ʺ41 Assim, investigar as questões que culminaram nessa alegoria requer um olhar atento para a história. ”E se a arquitetura tem o seu poder, a história tem outros. [...] Conhecer os limites já é um bom negócio e a história pode contribuir com isso.”42. As delimitações trazidas pelos autores estudados possuem, por um lado, materiais para entender Diamantina e, por outro, criam uma imagem da cidade e das pretensões em relação a ela – e ao país. Para entender a nuance dos fatos, foi preciso buscar as fontes primárias. 39 SANTOS, Luiz Gonzaga dos. Memórias de um carpinteiro. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares, 1963. p.77‐ 78. 40 O aeroporto não foi construído e existem ressalvas em relação a autoria do projeto da Faculdade de Odontologia. Cf. MACEDO, Danilo, A Matéria da Invenção: Criação e construção das obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais. 1938‐1954, Dissertação de mestrado, Belo Horizonte: UFMG, 2002. 41 TAFURI, Manfredo. apud OCKMAN, J. ʺVenice and New Yorkʺ in. Casabella n.619‐620, 1995, p.67. “[...] and since humanity cannot do without representations – the ‘symbolic forms of Cassirer – thus, in order not to bear this burden unconsciously, the need for ‘analysts’.” Tradução da autora. 42 Idem. “And if architecture has its power, history has others. [...]To know limits is already a good deal, and history can contribute to that. ”. Tradução da autora. 26 As documentações pessoais têm um caráter sentimental, como é o caso das anotações de Costa no verso do recibo do hotel de 192443 ou ainda a carta de Kubitschek para o amigo Augusto44. Elas endossam os relatos enternecidos publicados posteriormente, seja em livros biográficos – exemplo dos textos de Registro de uma vivência e Meu caminho para Brasília, ou nos depoimentos transcritos. Esses discursos, elaborados quando já se sabia o alcance que teriam, afirmam a posição de Diamantina numa elaboração histórica e demonstram as convicções idealizadas em torno da cidade. Nas entrevistas, o conjunto diamantinense aparece como ilustração e Juscelino Kubitschek se mantém mais saudosista ao expressar suas memórias da terra natal, conforme nas falas concedidas a Maria Victoria Benevides45, enquanto Lucio Costa busca explicar o alumbramento causado pelo vilarejo através de elementos arquitetônicos, como na primeira edição da revista Pampulha46. Já nos documentos institucionais, a postura adotada tanto por Costa quanto Kubitschek demonstra um lado mais objetivo, focado em viabilizar projetos na cidade. Nesse ponto, os arquivos do IPHAN ganham protagonismo à medida que são evidenciados os diversos períodos de atuação de Lucio Costa em Diamantina: desde a pouco conhecida visita de 1937 até as polêmicas quanto a necessidade de novas edificações públicas dentro do tecido histórico nos anos 195047. Há também as questões do então governador de Minas Gerais com o órgão de proteção ao patrimônio, visto a troca de telegramas para possibilitar a construção das obras de Niemeyer no perímetro tombado. Quando, no entremeio de textos, surgem informações gráficas através de desenhos, projetos e retratos, o trabalho ganha outra dimensão. A concepção e assimilação imagética de Diamantina é composta pelas fotografias do período feitas por Chichico Alkmim, Erich Hess e Assis Horta e pelos desenhos de juventude de Costa e de outros viajantes contemporâneos ao arquiteto, como Alfredo Norfini e José Wasth Rodrigues. Os desenhos 43 COSTA, Lucio. Verso do recibo do Hotel Roberto. Diamantina, 1924. Acervo Casa de Lucio Costa. Disponível em: <http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/2888>. Acesso em: 15 maio 2017. 44 KUBITSCHEK, Juscelino. Correspondência a Augusto, 09/03/1941, Palace Hotel Poços de Caldas, In. MEMORIAL JK, 016/A.C. 45 OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek I (depoimento, 1974). Rio de Janeiro, CPDOC, 1979; OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek II (depoimento, 1976). Rio de Janeiro, CPDOC, 1979. 46 PAMPULHA. Belo Horizonte: Caminho Novo Empresa Jornalística e Panela; Instituto dos Arquitetos do Brasil, Seção Minas Gerais, N. 01 nov/dez. 1979, p.12‐20. 47 Exemplo da polêmica quanto ao novo edifício da rodoviária. Cf. COSTA, Lucio. Parecer, 27 de agosto de 1959. BARRETO, Paulo Theodin. Informação sobre pedido para ser levantado o tombamento de quatro prédios (...) de Diamantina, de 27 de julho de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 27 originais de Costa, expostos no museu Casa de Juscelino em Diamantina, demonstram os detalhes construtivos, enquanto as aquarelas, mais divulgadas em publicações, despertam outras questões. Já as fotografias de Alkmim relatam o cotidiano do antigo Arraial justamente no período que toca a pesquisa, e as de Hess, contratado pelo SPHAN e orientado pelo próprio Lucio Costa na expedição dos anos 1930, apresentam a cidade pelo olhar de um visitante. Há ainda a expressão espacial realizada na década de 1950, quando das linhas articuladas por Oscar Niemeyer surgem os projetos modernos de intervenção no centro histórico. Tafuri afirma que certamente documentos e contexto histórico importam, mas que “não há nada mais enganoso e hermético que uma arquitetura sem desenho”48. Analisar as obras de Niemeyer e o que elas representam naquele momento, seja na tradução do ideal moderno dentro de um perímetro mineiro e barroco tombado, seja na questão política através de Kubitschek, é perceber as intenções e alusões nos seus traços. Para além disso, também é investigar os entremeios das construções dos projetos. Mesmo que a pesquisa não tenha encontrado tantas respostas nos acervos documentais da capital mineira, o arquivo do IPHAN deu o lastro para compreender a relação entre o então governador de Minas Gerais, o Serviço e o arquiteto e, nos arquivos municipais, foi possível encontrar um desenho ainda desconhecido do projeto da Praça de Esportes de 195149. O lastro documental e biográfico para cobrir as três figuras que constroem a dissertação não seria suficiente para entender a protagonista imanente do trabalho. Para compreender Diamantina, a pesquisa de campo foi essencial. Quando fala sobre os bens a serem protegidos ou preservados, Márcia Chuva ressalta a “necessidade incontornável de contato, de experiência e de vivência”. Pode‐se pensar nas primitivas viagens modernistas até as rotineiras excursões que caracterizaram o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sendo que “para a fruição estética, essa experiência é imprescindível. ”50. Ao todo foram cerca de quatro meses de permanência, divididos em duas viagens para o antigo arraial. Nelas, foram registradas imagens, desenhos, anotações e textos afim de48 TAFURI, M. ʺLʹarcheologia del presenteʺ in. BIANCHINO, G. Il disegno dellʹarchitettura. Parma: Centro di studi e archivio della comunicazione, 1983, p. 24. “Intendo dire che no c’è nulla di più ingannevole e di ermetico che un’architettura senza disegno, certo anche senza documenti, anche senza contesto storico, ma in particolare senza disegni.”. Tradução da autora. 49 Arquivo Púbico Municipal de Diamantina – Série Plantas Diversas Antigas. Cx. 07. 50 CHUVA, Márcia. O modernismo nas restaurações do SPHAN: modernidade, universalidade, brasilidade. Revista IEB, São Paulo, n.55, 2012, p.97. 28 apreender as percepções da cidade, além do contato com pesquisadores locais. Também foram visitadas as obras de Oscar Niemeyer e foram percorridos os locais caros a Juscelino Kubitschek na sua cidade natal, com foco na Casa de Juscelino e na preservação da memória do ex‐presidente pelo museu, incluindo uma conversa (transcrita nos apêndices) com Serafim Jardim, presidente da Casa e amigo que acompanhou Kubitschek depois do exílio. O depoimento de Jardim trouxe uma visão da relação de Juscelino com Diamantina extemporânea aos cargos públicos, mostrando uma continuidade de interesse pela terra natal. Sobressaíram‐se também os arquivos que preservaram a memória da imprensa local, com jornais de cunho católico, A Estrela Polar, partidário pessedista, O Nordeste, e popular, Voz de Diamantina. Percorrer a cidade buscando os possíveis caminhos realizados em 1924 permitiu vislumbrar os pontos que constam nos registros de Lucio Costa e que mais tarde também foram preservados pelo SPHAN. Andar pelas capistranas do centro histórico traz a consciência que a Diamantina que se apresenta para o visitante contemporâneo é aquela que os protagonistas das intervenções dos anos 1930 a 1950 quiseram mostrar. Em outro momento do percurso, foi refeito o trajeto de Costa na primeira visita a Minas Gerais, quando, além da permanência em Diamantina, passou brevemente pelas cidades de Ouro Preto, Mariana e Sabará51. Estar nos quatro vilarejos históricos em sequência foi importante para visualizar consonâncias e divergências entre os conjuntos coloniais preservados e o que se sobressai no mais distante deles. Na viagem, incluiu‐se ainda Belo Horizonte, tanto pela pesquisa no Arquivo Público Mineiro, quanto para auxiliar na compreensão do significado da construção da Pampulha, que junto com as obras em Diamantina, é um elo importante que rege a relação de Kubitschek e Niemeyer no período pré‐Brasília. A respeito da capital federal, é ela que, junto com o Rio de Janeiro, fecha o arco das cidades percorridas em virtude da pesquisa. Na busca por fontes primárias, mostrou‐se indispensável ir além de Minas Gerais. Brasília e Rio de Janeiro foram as duas frentes responsáveis por cobrir outros arquivos referentes a Juscelino Kubitschek e Lucio Costa. A consulta restrita permitida no Memorial JK contrasta com a disponibilidade do Arquivo 51 Cf. COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924. 29 Central do IPHAN, onde foram encontrados os alicerces para estabelecer as relações entre Costa, Kubitschek, Niemeyer, Diamantina e o patrimônio. No que diz respeito às fontes secundárias, a pesquisa se pautou, inicialmente, nas coleções Alexandre Eulálio, da Biblioteca Central César Lattes da Unicamp e na José Claudio Gomes, da Biblioteca de Pós‐Graduação da FAUUSP. Tanto Eulálio52, professor da Unicamp, quanto Gomes53, professor da USP, tiveram Diamantina como objeto de interesse e estudo. Evidencia‐se a importância do livro raro, “O Discurso de Diamantina”, que pertencia à Eulálio e contém a transcrição do discurso que Kubitschek realiza na cidade natal assim que é eleito presidente e também as análises de Diamantina, que se tem acesso, realizadas por Gomes. Somou‐se à leitura das coleções, a leitura de dissertações, teses, artigos e livros pertinentes ao tema tendo como fio a investigação de Diamantina como parte da construção de uma modernidade. Para aprofundar a visão de Diamantina por Lucio Costa, partindo da percepção da materialidade da cidade através de seus desenhos nos anos 1920 e perpassando o pensamento que desenvolveria nas décadas seguintes quando assimila a conexão entre o passado e as vanguardas, ressaltam‐se as teses de Caion Meneguello Natal e Samuel Silva de Brito. Já ao se ater ao período de transição na obra e no pensamento de Costa, culminando com a atuação no SPHAN e tecendo um círculo de interesse do arquiteto onde a viagem a Diamantina permeou questões primordiais, merecem destaque os trabalhos de Otavio Leonidio e Cristiane Souza Gonçalves. A fim de dialogar com esses e outros autores e embasando os argumentos tecidos pela dissertação, valeu‐se, principalmente, da vasta produção textual do próprio arquiteto e dos seus inúmeros depoimentos para os meios de comunicação. Assim como Lucio Costa, Juscelino Kubitschek publicou diversos escritos, além de deixar registrados discursos e entrevistas. Para debater com as falas do político e buscando 52 Cf. MACEDO, Sílvia Quintanilha. Alexandre Eulalio: retrato de um intelectual singular. Tese de Doutoramento. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 2004; Obra Completa de Alexandre Eulálio. In: <http://www.unicamp.br/~boaventu/page20.htm> 53 Cf. SILVA NETO, Manoel Lemes. “Do todo à parte”. Revista Óculum, n. 15. Campinas: FAUPUCCAMP, 2012. < http://periodicos.puc‐campinas.edu.br/seer/index.php/oculum/article/view/880> RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva; CONSTANTINO, Norma Regina Truppel ; ENOKIBARA, Marta . José Cláudio Gomes. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 023.01, Vitruvius, jul. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/06.023/3315>. 30 perfazer os modos pelos quais a ideologia de Diamantina foi construída, destaca‐se o livro de Josanne Guerra Simões e também o texto de Marcos Lobato Martins. Buscando compreender a figura de Kubitschek no contexto de diversas interpretações sobre as tradições, necessárias para a modernização em meio a um cenário de busca por uma identidade nacional tanto política quanto arquitetônica, evidenciam‐se a biografia elaborada por Claudio Bojunga e os trabalhos de Maria Victoria Benevides. Ao relacionar os trajetos de Costa e Kubitschek em Diamantina ao percurso da história da arquitetura moderna brasileira e aos reflexos no vilarejo através dos projetos dos anos 1950, a dissertação também se apoia em nomes como Adrián Gorelik e especificamente, pensando nas edificações desenhadas por Oscar Niemeyer, nos estudos de Danilo Macedo e Bruno Tropia Caldas. A argumentação busca, no seu conjunto, expor como Diamantina precisou ser continuamente revisitada. Embora estivesse sob o signo ideológico da pureza para os intelectuais modernistas, existia, em sua condição originária, uma inadequação com os intentos mais literalmente progressistas, o que demandava diferentes pensamentos e ponderações que frequentemente recaiam na necessidade de conciliar preservação e intervencionismo na cidade. Em si isso é um dilema comum nos tecidos tombados, mas o peso ideológico de uma Diamantina lendária conforme aparecia nos discursos de Kubitschek, nos ideais de Costa e no SPHAN forçaram o debate a se tornar mais afinado. Os dilemas estéticos que conectam o casario diamantino com as casas de Warchavchik, por exemplo, são traço estético dos desdobramentos vanguardistasda viagem de Costa em 1924. As querelas acerca da demolição do mercado da cidade, das residências no Beco do Mota ou acerca da construção da Rodoviária e dos projetos de Niemeyer são o outro lado: as intervenções práticas. Ambos demonstram a distinção de Diamantina nos salões e sucursais em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e, posteriormente, em Brasília. A dissertação busca dar perspectiva aos ideários lançados em uma cidade cuja noção de pureza eventualmente poderia ser pretexto para a tornar a‐histórica. Seguindo o percurso dos intelectuais que nela passaram e cujo legado a define, é nítida a inserção de Diamantina no começo do século XX em amplos debates do seu tempo. Sua condição atual é igual testemunho desse posicionamento (Figura 4). 31 Figura 4: Panorama de Diamantina, 2017. Em vermelho, alterações destacando as obras de Oscar Niemeyer. Fonte: Acervo da autora. 31 Fi gu ra 4 : P an or am a de D ia m an tin a, 2 01 7. E m v er m el ho , a lte ra çõ es d es ta ca nd o as o br as d e O sc ar N ie m ey er . F on te : A ce rv o da a ut or a. 32 1. LUCIO COSTA: O DESENHO DA PUREZA Em Diamantina, Lucio Costa elaborou uma série de desenhos. Na maioria deles, seus traços evocavam detalhes construtivos. As doze ilustrações que se tem acesso são registros a lápis de fechaduras, balaústres, portas, janelas, púlpitos e beirais. Porém, as imagens mais divulgadas como referências da sua viagem de 1924 são as poucas aquarelas que mostram, em cores, representações da perspectiva interna da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, da externa do passadiço do antigo Colégio Nossa Senhora das Dores e de uma via, talvez o Beco da Tecla1 (Anexo A, Imagens I, II e III). De sua autoria, não chegou até nós um panorama amplo que mostre visualmente a cidade descrita por ele na entrevista concedida para o jornal A noite, logo após retornar da excursão mineira, ou no depoimento, décadas depois, em Registro de uma vivência. Conhece‐se a visão inicial de Diamantina através de suas palavras: A janela do meu quarto, no Hotel Roberto2, dava para a rua (...). Um piano distante tocava quando desci e me pus a caminhar pelas capistranas, trilha de lajes maiores no meio das ruas empedradas: no alto de uma ladeira os dois sobrados do colégio de freiras, um ainda setecentista, o outro já do Império, ligados por um elegante passadiço; no largo fronteiro a uma igreja o típico cruzeiro de madeira guarnecido dos símbolos do martírio, com uma figueira enroscada, nascida do seu pé3. Depois a fachada da casa de Chica da Silva, a 1 O desenho aparece na reportagem do Jornal A Noite com a legenda: “uma das ruas mais interessantes de Diamantina, conservando em quase todos os seus aspectos a feição hispano‐árabe”. Pela descrição e pela imagem, acredita‐se ser o Beco da Tecla. Em 1943, Mariano usará a perspectiva para ilustrar seu texto. Cf. COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924; MARIANO FILHO, José. Influências muçulmanas na architectura tradicional brasileira. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1943, p.67. 2 O Hotel Roberto ficava na Rua Direita, consta nos jornais dos anos 1920 o endereço “No largo da Sé” ou nos recibos emitidos “em frente a Sé”. Ressalta‐se que a Sé ainda era a colonial, demolida em 1932. Numa busca para compreender qual era o edifício do Hotel, constatou‐se, através de uma fotografia de época, que provavelmente o Hotel estava instalado no mesmo sobrado no qual, na virada do século XIX para o XX, possuía parte como residência o avô de Juscelino Kubitschek e onde, em 1902, o ex‐presidente nasceu. Mais tarde, o hotel foi transferido para o sobrado na esquina da Rua Direita com a Travessa do Carmo. 3 Sabe‐se que é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário por citar a condição única do cruzeiro. O templo foi construído por volta de 1772 e na frente do edifício, onde está uma praça, nasceu uma gameleira e não uma figueira, como confunde‐se Costa, que cresceu emaranhada com o cruzeiro ali existente. 33 famosa amante do contratador, resguardada por extenso muxarabi, e, defronte, a capela do Carmo, construída para ela (...).4 O texto sugere pontos percorridos pelo arquiteto em extremos do perímetro que mais tarde seria tombado pelo SPHAN (Figura 5). Os edifícios no passeio são representativos diamantinenses de rezar, morar e educar e demonstram como Costa, em um primeiro momento, não ateve suas análises a uma única função, mas ao uso total da cidade. A maioria das particularidades esmiuçadas são formais, como “beirais fortemente balanceados, tratados em madeira com caibros aparentes e perfilados, balcões com balaústres torneados, portas de ricas almofadas, ferragens, gelosias, alpendres”5 (Anexo A, Imagens IV a XII). Detalhes “convenientemente documentados” para ajudar a “definir a nossa arquitetura”6, cumprindo o intuito do convite de José Mariano Filho para que Lucio Costa fosse à cidade. No final da década de 1910 e início da década de 1920, as novas construções passavam pelo embate do que seria uma arquitetura nacional autêntica. A historiografia nos conta que, até então, a preocupação de se representar uma brasilidade não existia e a arquitetura seguia correntes como o neoclassicismo, neogótico, art nouveau e demais formas do ecletismo7. Intelectuais passaram a questionar o modelo em vigor e a defender a busca por um estilo nacional pautado pelo estudo da arquitetura colonial, escolhida como aquela que representava as origens brasileiras do construir. Dessa forma, surge o neocolonial. Mariano, recifense radicado no Rio de Janeiro, fazia parte da corrente carioca de personalidades que era partidária do novo estilo. A arquitetura era um tema caro ao médico que, como presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes8, financiou as excursões que fomentaram argumentos e imagens em prol do uso do vocabulário colonial como meio de expressar, de modo preciso, o que seria o tão buscado estilo nacional. Com este objetivo, Mariano convidou profissionais de sua estima para visitarem as cidades mineiras. Nestor de 4 COSTA, Lucio. Diamantina, in: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 27. 5 COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924. 6 Idem. 7 Cf. REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004; CZAJKOWSKI, Jorge. Guia da arquitetura eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2000. 8 Além de presidir a Sociedade Brasileira de Belas Artes por muitos anos, foi diretor da Escola Nacional de Belas Artes entre 1926‐1927 e também fundou o Instituto Brasileiro de Arquitetos e a Sociedade Central de Arquitetos em 1921, presidindo ambas e as unindo em 1924 como Instituto Central de Arquitetos. 34 Figueiredo foi a Ouro Preto, Nereu Sampaio a São João Del Rei e Congonhas do Campo, Ângelo Bruhns a Mariana e a Lucio Costa coube a última cidade do sentido Rio de Janeiro‐ Minas Gerais da antiga Estrada Real9: “Eu era o mais novo, então, me mandaram para mais longe”10. Porém, Costa não foi o único viajante que percorreu as 36 horas de trem até Diamantina em nome das pesquisas de grupos neocoloniais. Ricardo Severo ‐ engenheiro, arqueólogo e arquiteto português residente em São Paulo, promoveu excursões com objetivos semelhantes na mesma época11. Sob seu patrocínio, os pintores José Wasth Rodrigues e Alfredo Norfini foram enviados para interior do Brasil e Diamantina fazia parte do roteiro. JoséWasth Rodrigues era paulistano, conhecido por pinturas de painéis, azulejos e de paisagens antigas do estado. Em 1916, Monteiro Lobato escreveu um artigo elogiando o artista12, que passaria a fazer ilustrações para a Revista do Brasil e para livros de autores como Guilherme de Almeida e Alcântara Machado. Alfredo Norfini, por sua vez, era florentino e se fixou em São Paulo em 1911, após passagens por Buenos Aires, Campinas e Rio de Janeiro. No mesmo ano, por recomendação de Ramos de Azevedo, foi nomeado professor titular do Liceu de Artes e Ofícios. No momento das excursões para o interior brasileiro, os dois pintores tinham carreiras mais consolidadas que o jovem Lucio Costa. 9 Cf. NATAL, Caion Meneguello. Da casa de barro ao palácio de concreto: a invenção do patrimônio arquitetônico no Brasil (1914‐1951). Tese (doutorado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 2013, p. 113‐114 e TELLES, Augusto da Silva. Neocolonial: la polémica de José Marianno. In: AMARAL, Aracy (cord.). Arquitetura Neocolonial: América Latina, Caribe, EUA. São Paulo: Memorial/Fundo de Cultura Econômica, 1994. 10 COSTA, Lucio. Sobre o Patrimônio. Boletim do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural ‐ IBPC, 27 de fevereiro de 1992. In: NOBRE, 2010, p. 215. 11 No final da década de 1910, o português Ricardo Severo patrocinou as excursões dos pintores José Wasth Rodrigues, Alfredo Norfini e Felisberto Ranzini pelo Brasil. Através delas, seria possível desenvolver um material que fundamentasse o vocabulário neocolonial. Os estados percorridos foram São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará e Maranhão, dando privilégio às cidades interioranas, sobretudo as mineiras. Cf. MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra/Annablume, 2012, p. 65‐67 e NATAL, op. cit., p. 103‐105. 12 LOBATO, Monteiro. A propósito de Wasth Rodrigues. O Estado de São Paulo, São Paulo, 9 de janeiro de 1916. 35 Figura 5: Mapa do Percurso de Lucio Costa em 1924. Elaborado com base nos relatos de Lucio Costa em Registro de uma Vivência e nos desenhos realizados na viagem em 1924. Na legenda, os edifícios foram nomeados de acordo com a função que ocupavam na época. Hoje, a Câmara Municipal (9) é o fórum da cidade. O Grupo Escolar Matta Machado (8) era, entre os séculos XVIII e XIX, a Casa de Intendência. No século XX e até recentemente foi a prefeitura, sendo que hoje continua a abrigar órgãos administrativos. A Casa do Muxarabi (7) é a Biblioteca Antonio Torres. Na Casa de Chica da Silva (5), funciona a sede do escritório técnico do Iphan em Diamantina. Já o colégio Nossa Senhora das Dores (3) pertence a UFMG e abriga o Instituto Casa da Glória. Na primeira sede do Hotel Roberto (2) funcionam lojas comerciais. A antiga Estação de Trem (1) é a Sede do Corpo de Bombeiros. Fonte: Elaborado pela autora (2018) 35 Fi gu ra 5 : M ap a do P er cu rs o de L uc io C os ta e m 1 92 4. El ab or ad o co m b as e no s re la to s de L uc io C os ta e m R eg is tr o de u m a V iv ên ci a e no s de se nh os re al iz ad os n a vi ag em e m 1 92 4. N a le ge nd a, o s ed if íc io s fo ra m n om ea do s de a co rd o co m a fu nç ão q ue o cu pa va m n a ép oc a. H oj e, a C âm ar a M un ic ip al (9 ) é o fó ru m d a c i da de . O G ru po E sc ol ar M at ta M ac ha do (8 ) e ra , e nt re o s sé cu lo s XV II I e X IX , a C as a de In te nd ên ci a. N o sé cu lo XX e a té re ce nt em en te fo i a p re fe itu ra , s en do q ue h oj e co nt in ua a a br ig ar ó rg ão s ad m in is tr at iv os . A C as a do M ux ar ab i ( 7) é a B ib lio te ca A nt on io T or re s. N a C as a de C hi ca d a Si lv a (5 ), fu nc io na a s ed e do e sc ri tó ri o té cn ic o do Ip ha n em D ia m an tin a. Já o c ol ég io N os sa S en ho ra d as D or es (3 ) p er te nc e a U FM G e a br ig a o In st itu to C as a da G ló ri a. N a pr im ei ra s ed e do H ot el R ob er to (2 ) f un ci on am lo ja s co m er ci ai s. A a nt ig a Es ta çã o de T re m (1 ) é a S e d e do C or po d e Bo m be ir os . Fo nt e: E la bo ra do p el a au to ra (2 01 8) 36 A viagem de Norfini para Minas Gerais foi realizada em 1921 e dela resultaram mais de uma centena de registros. Dos que foram divulgados, cinco são do antigo Arraial do Tijuco (Anexo A, Imagens XXVII a XXXI). Rodrigues, por sua vez, visitou o estado em 1919 e em 1930, elaborou maior quantidade de materiais sobre Diamantina e foi mais rigoroso nas pranchas de detalhes, dando atenção, assim como Costa, aos pormenores das construções diamantinenses (Anexo A, Imagens XIII a XXVI). Dos pontos em comum entre os registros, destaca‐se o passadiço da Casa da Glória13. A ponte surge tanto na aquarela de Costa, quanto no desenho de Rodrigues (Anexo A, Imagens III e XIII). Ressalta‐se ainda as imagens da Casa de Chica da Silva, presentes na narrativa dos enviados por Severo e que atestam a importância dessa personagem central no imaginário construído em torno de Diamantina (Anexo A, Imagens XV e XXX); as perspectivas do Beco da Tecla, uma de cada extremo, denotando a peculiaridade da viela (Anexo A, Imagens II e XVIII) ; e os desenhos precisos feitos por Costa e Rodrigues do muxarabi da edificação construída no século XVIII na Rua da Quitanda (Anexo A, Imagens IV e XXII). Porém, todo o esforço feito ao enviar os profissionais para elaborar materiais que guiassem os intelectuais pelo neocolonial acabou restrito às mãos daqueles que patrocinaram as excursões. Ricardo Severo e José Mariano não publicaram os desenhos resultantes das viagens de seus enviados. Sem as imagens, Diamantina nos anos 1920 foi divulgada pelas palavras. Em abril de 1926, Wasth Rodrigues concede uma entrevista para o jornal Estado de São Paulo. O depoimento fazia parte da série que ficou conhecida como “inquéritos sobre arquitetura colonial”14. Apesar do pintor ressaltar que “sua pena dispõe de eloquência mais 13 A Casa da Glória é constituída por dois sobrados, sendo que o mais antigo foi construído por volta de 1775, e deve o nome à sua antiga proprietária, Josefa Maria da Glória. Em 1813, ali passaram a residir os intendentes de diamantes. Em 1864, passou a abrigar a sede do 2º Bispado de Minas Gerais. Em 1867, foi repassada às Irmãs de São Vicente de Paulo que nela criaram um educandário feminino, o colégio e orfanato Nossa Senhora das Dores. Em 1878, as irmãs construíram o passadiço ligando o orfanato ao prédio da frente, edifício de 1850 que havia pertencido ao Cel. Rodrigo de Souza Reis. Na metade do século XX, com a desativação do Colégio, passou por um período de abandono até ser adquirido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1979, onde abrigou o Centro de Geologia Eschwege até 1999, sendo transformado no Instituto Casa da Glória – IGC/UFMG até o presente. Cf. MARTINS, Marcos Lobato, Martins, Júnia Maria Lopes, O Colégio Nossa Senhora das Dores de Diamantina e a Educação Feminina no norte\nordeste mineiro (1860‐1940)‐ Educação em Revista, Belo Horizonte (17): 11‐19,11‐19, jun. 1993 14 “Sob direção do jornalista Fernando de Azevedo, a série de nove artigos objetivou reavaliar o movimento neocolonial para estabelecer critérios rígidos à utilização do vocabulário arquitetônico antigo na realização de novos projetos. [...] contaram com a opinião de Ricardo Severo, José Marianno, José Wasth Rodrigues, Alexandre 37 sugestiva do que sua palavra”, são compartilhadas posições relevantes do estudioso da arquitetura antiga brasileira, lembrando que “de nove anos a esta parte é nessapesquisa que se absorve todo o meu tempo e se concentra o meu maior interesse”. Das repetidas viagens para o interior, Minas se mostrou “manancial inesgotável de documentação arquitetônica”, considerando Diamantina um dos “principais núcleos de arte e tradições antigas”. O parecer de Wasth Rodrigues ainda diz: Olhemos, pois, para o passado, se quisermos inspirar‐nos melhor. [...]O que a caracteriza [a arquitetura antiga] é a harmonia de linhas, admirável bom senso que presidiu a maior parte dessas construções. 15 Lucio Costa seguiu uma orientação semelhante no depoimento de 18 de junho de 1924 para o jornal A Noite, onde o argumento central da entrevista foi o retorno do arquiteto da sua excursão. Das conclusões, é possível perceber como o tempo pretérito se apresentava como o lugar de resgate das proporções: É preciso aproveitar o que herdamos de nossos avós. Mas fazê‐lo conservando, antes que tudo, a beleza das proporções: proporções gerais – onde as linhas horizontais dominam dando ao todo uma impressão de calma e tranquilidade [...] 16 Para relacionar a redescoberta das heranças coloniais com a atualidade, os artistas demonstravam a preocupação por uma técnica alinhada com o presente: “As exigências e as condições da vida moderna não permitiriam copias servis de modelos de construções que satisfaziam a outros tempos de menos exigências”, como disse Wasth. Mantém‐se a ideia da beleza impressa pela proporção, mas ela deve ser polida de complicações construtivas e relativizada por objetivos racionais, mediados pela sinceridade ‐ naquele momento expressa pela influência colonial em contraponto aos “exageros” ecléticos17. Para ambos, existia um despropósito dos estilos em vigor, contra os quais a arte Albuquerque e Adolpho Pinto Filho, além da perspectiva do próprio Azevedo sobre o assunto.” In: NATAL, op. cit., p. 82. 15 RODRIGUES, José Wasth. In: Architectura Colonial IV: uma palestra com o Sr. Wasth Rodrigues. Jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 de abril de 1926. 16 COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924. 17 Cf. LEONIDIO, Otavio. Carradas de razões. Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924‐1951). Rio de Janeiro: tese de doutorado, Departamento de História, PUC‐Rio, 2005, p. 33‐35. 38 colonial poderia oferecer um respiro e uma direção. Quando Rodrigues foi questionado se era a favor do movimento neocolonial, afirmou: Não faço mais que seguir um movimento que me parece universal. O regionalismo é consequência do excesso de cosmopolitismo [...] É preciso, pois, conhecer perfeitamente a arquitetura colonial para podermos extrair o estilo “internacionalmente” de uma arte toda feita “espontaneamente”.18 Apesar da aparente proximidade de discurso entre pintor e arquiteto, é possível perceber nuances. Costa já sinalizava para o apreço das construções passadas “sem a preocupação de chamar a atenção pela extravagância das formas” e convidava o leitor para “olhar um pouco para esse nosso céu” onde nevoeiros e neves não precisavam ser levados em consideração. Se “a beleza absoluta não existe”, a arquitetura deveria acompanhar também as condições do lugar e a finalidade para a qual era destinada19. O arquiteto ainda menciona o excesso de ornamentos e a dissimulação dos materiais: Acabar com essas pequenas complicações que, a título de embelezamento e a pretexto de efeito decorativo, todo o construtor se acha com o direito de “criar”, e cujo verdadeiro fim é, além de “epater ler bourgeois”, justificar o custo excessivo em que ficar a obra e mascarar a inferioridade do material e acabamento.20 Wasth Rodrigues acreditava que a modernidade viria pela forma e agilidade com a qual poderiam ser feitos e empregados os elementos coloniais nos dias atuais. “Do ponto de vista pitoresco”, os motivos de decoração das “casas modernas” viriam não das residências coloniais, mas do “interior das igrejas”. Quanto à atribuição do arquiteto, só era necessário que desviasse os olhos dos “catálogos econômicos” para esses “magníficos exemplares”: Para que as construções inspiradas nessa arte tradicional satisfaçam a sensibilidade moderna, bastará que o arquiteto que as projeta, associe ao “estilo 18 RODRIGUES, José Wasth. In: Architectura Colonial IV: uma palestra com o Sr. Wasth Rodrigues. Jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 de abril de 1926. 19 COSTA, Considerações sobre o nosso gosto e estilo, op. cit. 20 Idem. 39 profundo da arte colonial” o espirito ágil e flexível, vivo e atual, a cujo sopro se renove, sem perder a sua fisionomia, a arte antiga.21 O pintor se atém à decoração como o meio pelo qual a arte colonial seria traduzida nas novas construções. A função do edifício a que se destinam, por outro lado, não aparece como questão. Para Lucio Costa e seus colegas, era o oposto: O estilo vem por si. [...] Basta que cada arquiteto e cada proprietário tenha sinceramente o desejo de fazer uma obra que preencha da melhor maneira possível os fins a que se destina.22 As diferentes visões de Costa e Wasth Rodrigues são comprovadas também pelos desenhos. No Anexo A é possível observar como o arquiteto seguiu a proposta de uma documentação técnica, com desenhos dimensionados e escalas indicadas, ao passo que os detalhes construtivos registrados por Wasth Rodrigues, embora tanto ou mais numerosos que os de Costa, parecem buscar ser apenas um catálogo de elementos para serem conhecidos ou copiados, sem apresso ao anotar as medidas das proporções originais. Essas divergências se mostraram cruciais na atuação profissional dos viajantes nas décadas seguintes. Em Diamantina, cerca de dez anos depois das excursões registradas pelos intelectuais, o caso da Catedral exemplifica as posturas contrárias adotadas. A Matriz de Santo Antonio, feita em 1750 e exemplo central da escala dos templos do conjunto, foi demolida em 1932 e José Wasth Rodrigues projetou o edifício que a substituiu (Figura 8). A polêmica em torno da demolição da antiga Sé e construção da nova Catedral pode revelar uma vontade por parte do desenhista de dar, segundo seus parâmetros, uma igreja que se destacasse no tecido diamantinense, enquanto o bispado pretendia expressar sua imponência. Se a Sé com seus largos e materiais criava uma relação de proporção com as construções civis ao redor, o novo edifício foi desenhado fora da escala da cidade e, apesar de se apropriar de alguns fragmentos do repertório barroco, se aproxima mais das regras compositivas do ecletismo. O eixo de implantação, em relação ao edifício original, foi rotacionado e a lateral da Catedral ficou para a Rua Direita, onde antes era a frente da Sé, interferindo na preservação da trajetória urbana 21 RODRIGUES, Architectura Colonial IV: uma palestra com o Sr. Wasth Rodrigues, op. cit. 22 COSTA, Considerações sobre o nosso gosto e estilo, op. cit. 40 do antigo Arraial do Tijuco. Previsivelmente, Lucio Costa considera o novo projeto uma “porcaria” que “não tem nada com Diamantina”23 (Figuras 6 e 7). 23 COSTA, Lucio. Entrevista: Lucio Costa. Revista Pampulha. Belo Horizonte: Caminho Novo Empresa Jornalística e Panela; Instituto dos Arquitetos do Brasil, Seção Minas Gerais, N. 01 nov/dez. 1979, p.16. Figura 6: Antiga Sé de Diamantina, c. 1920. Fonte: Santos (2015, p. 147). Autor: Chichico Alkmim. Figura 7: Panorama com a nova Catedral de Diamantina, década de 1940. O edifício destaca‐se no centro, no meio das construções coloniais. Fonte: Santos (2015, p. 149). Autor: Chichico Alkmim 41 Figura8: Cathedral de Diamantina, Corte CD, Projeto de J. W. Rodrigues, 1930 Fonte: Arquivo Público Municipal de Diamantina As ponderações de Costa sobre sua viagem seguem um arco mais longo. Nos primeiros meses que sucedem a ida a Diamantina, anos antes da polêmica da nova Catedral de Wasth Rodrigues, e de volta ao Rio de Janeiro, Lucio Costa participa, em agosto de 1924, do 31º Salão de Belas Artes da ENBA. Devido ao curto espaço de tempo entre os eventos e ao discurso feito pelo arquiteto na entrevista concedida depois da sua volta, afirmando que havia visto “um estilo inteiramente diverso desse colonial de estufa, colonial de laboratório”24 da capital, supõe‐se que os trabalhos apresentados no Salão foram realizados antes da viagem de estudos25. 24 COSTA, Considerações sobre o nosso gosto e estilo, op. cit. 25 BRITO, Samuel Silva de. Lucio Costa: o processo de uma modernidade: Arquitetura e projeto na primeira metade do séc. XX. 2014. 2 v. Tese (Doutorado) ‐ Curso de Arquitetura, Projetos Arquitetônicos, Universidad Politécnica de Catalunya, Barcelona, 2014, p.125. 42 O catálogo revela que o arquiteto expôs dez propostas26. Costa não as assinava sozinho, a autoria era compartilhada com o seu sócio desde 1922, Fernando Valentim do Nascimento. Na exposição, foram laureados com a Grande Medalha de Prata27 e as obras apresentadas permeavam o eclético, como o Atelier propriedade do Sr. Chambelland, e o neocolonial, estas as que mais impressionaram, como conta a matéria do jornal O Paiz: Esbarrei logo com as magnificas aquarelas de Lucio Costa e Fernando Valentim, ambos brasileiros e demonstradores ardentes e puros do nosso maravilhoso estilo neocolonial, o único que nos é próprio e que condiz com o clima e a organização do nosso país.28 Figura 9: Perspectiva da Casa Antunes exposta no Salão de 1924. Fonte: Brito (2014, p.133) 26 Propriedade do Barão Smith de Vasconcellos; Propriedade do S. J. Antunes (perspectiva, hall, elevação); Propriedade de Mll. M. L. V. Ruy Barbosa (perspectiva e interior, plantas e jardins); Túmulo (interior); Concurso J. Mariano Filho (perspectiva, hall, conjunto e seção); Propriedade do Sr. Valentim do Nascimento (entrada do subterrâneo e fotografias); Propriedade do Sr. Arnaldo Guinle (perspectiva, plantas, seção, interior, estudo colonial); Jardim propriedade do Sr. C. Amoroso Costa; Atelier propriedade do Sr. R. Chambelland; Propriedade do Sr. Vasco Lima. Cf. SLADE, Ana. Arquitetura moderna brasileira e as experiências de Lucio Costa na década de 1920. Revista Artes & Ensaios, nº 15, p. 2007, p. 86. 27 SLADE, Ana. Arquitetura moderna brasileira e as experiências de Lucio Costa na década de 1920, op. cit. 28 CHRYSAN‐THÈME. A semana. O paiz, Rio de Janeiro, p.3, 17 ago. 1924. Apud. BRITO, S. S., 2014, p. 132. 43 Figura 10: Perspectiva da Casa Vasco Lima exposta no Salão de 1924. Fonte: Brito (2014, p.133) Os desenhos mencionados são as casas para o Sr. J. Antunes e para o Sr. Vasco Lima29 (Figuras 9 e 10). Seriam essas as propostas com aspiração colonial elaboradas por Costa antes da viagem para Diamantina. Sucedendo a viagem, está a casa projetada para Olga e Raul Pedrosa na Rua Rumânia30. Lucio Costa relata que Valentim já estava envolvido com os primeiros estudos em 192231, mas, sendo a conclusão do projeto posterior a excursão para 29 As aquarelas dos projetos foram localizadas por BRITO (2014) em uma revista de época “A ideia ilustrada”, n. 23, que teve a página recortada e colada em um dos livros onde Paulo Santos colecionava matérias de periódicos do início do século XX: SANTOS, Paulo Ferreira (org.). [livro Q n. 18 recortes de jornal XXXVIII]. Rio de Janeiro: [s.n.], 19‐in?. In: BRITO, 2014, p. 134. 30 Segundo Slade (2007), o projeto foi concluído em 1924 após o retorno de Diamantina ou, segundo Guimaraens (1996) e Bruand (2008) em 1925. Tais afirmações podem ter como evidência a ausência do mesmo na exposição da ENBA. 31 COSTA, Lucio. Fernando Valentim. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 431. 44 Minas, pode‐se tomar a residência da família Pedrosa (Figuras 11 e 12) como a primeira tentativa de se fazer uma arquitetura livre de estilos: As principais mudanças que podem ser aqui observadas em relação aos projetos neocoloniais feitos antes da viagem a Diamantina [...] estão na maior sobriedade e simplicidade conferidas pela harmonia dos volumes e pelo uso de extensas superfícies brancas. [...] Parece‐nos que procurou experimentar ali a liberdade no fazer arquitetônico, de maneira similar à enunciada em seu texto – sem a preocupação de fazer um estilo nacional, na crença de que o estilo viria, como afirmou, “por si”. E assim mostrou mais liberdade tanto em relação às normas compositivas beaux‐arts (sem, no entanto, as abandonar) quanto em relação ao uso de uma tipologia definida e também de um estilo “pronto”.32 Figura 11: Fachada e corte da Casa Pedrosa, 1924. Fonte: Brito (2014, p.144) 32 SLADE, Ana. Arquitetura moderna brasileira e as experiências de Lucio Costa na década de 1920. Revista Artes & Ensaios, nº 15, p. 2007, p. 52. 45 Figura 12: Plantas da Casa Pedrosa, 1924. Fonte: Brito (2014, p.133) Continuando uma década que seria marcada por viagens, Lucio Costa, ao concluir seus estudos na ENBA, recebeu como prêmio uma passagem de ida e volta à Europa. Para viabilizar os demais custos da excursão, o arquiteto rascunha um pedido de financiamento nas folhas timbradas do seu escritório com Valentim (Figuras 13 e 14). 46 Figura 13: (Acima) Verso da primeira página da justificativa de Lucio Costa para o financiamento da viagem à Europa, 1926. Destaque para o nome de Le Corbusier. Fonte: Casa de Lucio Costa. In: Brito (2014). Figura 14: (Abaixo) Terceira página da justificativa de Lucio Costa para o financiamento da viagem à Europa, 1926. Fonte: Casa de Lucio Costa. In: Brito (2014). 47 O documento33 elenca razões e objetivos da missão e traz, já em 1926, o nome de Le Corbusier em dois momentos como questão a ser estudada na viagem. No verso da primeira folha, o arquiteto franco‐suíço está no topo de uma lista com outras duas referências: Les principes de l’architecture, John Belcher, e The seven lamps of architecture, John Ruskin. Na terceira folha, surge a segunda citação: Estilo ‐ Como conciliar resolver o problema da harmonia como dentro da liberdade de estilo. Se só aceitar os estilos baseados no Clássico (Neo‐grego, Renascença, Luiz XIII‐XVI, Barroco, os estilos germânicos). Como encarar a orientação modernista, o abandono às formas consagradas, a criação do “estilo estrutura”. (Escola de Le Corbusier) A alusão ao mestre moderno chama atenção e está no mesmo ponto que levanta a inquietação sobre como manter a harmonia e a liberdade compositiva. Vale também ressaltar outros pontos que, mesmo ainda influenciados por um raciocínio de formação eclética, fazem referência a atitudes que seriam determinantes nas décadas seguintes, como os princípios de preservação de bens históricos e a relação de novas construções com o pré‐existente. Por se tratar em proposições anotadas livremente conforme os assuntos surgiam e despertavam o interesse em serem estudados, o documento é ainda mais espontâneo: [...] ‐ Como conciliar os interesses individuais dos proprietários com o interesse coletivo, interesse da cidade, queé o aspecto de cada rua considerada como uma massa arquitetônica (Teorias de J. Belcher). ‐ Princípios a adotar para a conservação dos trechos antigos de valor artístico ou histórico. Como tratar as partes vizinhas de construção recente. [...] 33 O documento foi catalogado pela Casa de Lucio Costa e analisado por BRITO, S. S., 2014, p. 178‐181. Cf. COSTA, Lucio. V D 05‐01504 L. Razões que justificam a proposta. [Rascunho das justificativas de financiamento para a viagem à Europa em 1926‐1927]. 5fls. 1926?. Disponível em: <http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/1805>. Acesso em: 8 jan. 2019. 48 ‐ O elemento linha ‐ qual escolher, a técnica italiana, com o domínio da linha horizontal, ordens sobrepostas, acentuando os frisos, a técnica francesa, onde domina a linha vertical, ordens abrangendo andares sucessivos encaixando os vãos correspondentes em feixes verticais. Admitindo‐se ambos os princípios como concilia‐los. Como aceitar o partido americano que trata os pavimentos térreo e último como faixas independentes, isolados dos demais andares?34 [...] Como o arquiteto recém‐formado consegue outros meios de financiar a viagem35, não precisa levar adiante esses planos de estudo. A remota menção a Le Corbusier – que mostra que o arquiteto sabia das vanguardas ‐ foi colocada de lado, tornando‐se apenas um auspício do nome que mais tarde tanto influenciaria a arquitetura de Lucio Costa e do Brasil36. No continente europeu, Costa visita a França, a Itália e a Suíça no momento que o movimento moderno já estava em andamento. Esteve em Paris apenas um ano após a exposição do pavilhão da revista L’Esprit Nouveau e três anos após a publicação de Vers une Architecture. Décadas depois, em uma entrevista, disse que a viagem de 1926 não alterou de imediato sua relação com a arquitetura, mas que no futuro percebeu muitas coisas gravadas no seu subconsciente. Apesar de não se envolver com as iniciativas de vanguarda dos países visitados, quando volta diz sentir “verdadeiro desencanto pela arquitetura que fazia”37. Além disso, depois de meses viajando, envia uma carta para família: Cansado de ver tanta coisa interessante em tão pouco tempo, já quase nada sinto e quase nada me emociona. Procuro em vão ter aquela sensação de alegria sincera, profunda e ingênua que eu sempre tinha, e me fazia tanto bem. Era 34 COSTA, Lucio. V D 05‐01504 L. Razões que justificam a proposta. [Rascunho das justificativas de financiamento para a viagem à Europa em 1926‐1927]. 5fls. 1926?. Disponível em: <http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/1805>. Acesso em: 8 jan. 2019. 35 Acredita‐se que Costa usou um prêmio que recebeu na loteria nessa mesma época e com ele teve condições de manter‐se por quase um ano viajando. Cf. BRITO, Samuel Silva de. Lucio Costa: o processo de uma modernidade: Arquitetura e projeto na primeira metade do séc. XX. 2014. 2 v. Tese (Doutorado) ‐ Curso de Arquitetura, Projetos Arquitetônicos, Universidad Politécnica de Catalunya, Barcelona, 2014, p.181. 36 Na volta da viagem, Costa conta a história da brincadeira de forca realizada com Mary Houston no navio. A intelectual propôs um nome que começava com “L” e enforcou Lucio Costa, que não adivinhou o nome de Le Corbusier. Cf. COSTA, Lucio. Mary Houston. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 48. 37 COSTA, Lucio. Brasília é uma síntese do Brasil. O Estado de São Paulo, caderno Cultura, p. 2, 13 fev. 1988. 49 como uma onda de ar fresco e puro que respirasse. [...] E há momentos em que tenho ímpetos de fugir, de esconder‐me num país bem estúpido [...] Onde não havendo essa quantidade excessiva de coisas de valor, qualquer pequena “trouvaille” é um grande prazer, um tesouro.38 O jovem arquiteto só voltaria a sentir tal comoção ao retornar ao Brasil, no estado que o havia apresentado Diamantina. Por conta da desconfiança de uma doença pulmonar, Costa volta para Minas Gerais, onde se trata no convento do Caraça. O claustro “perdido a uma altitude de mil e quatrocentos metros – cercado de montanhas”39 estava há duas horas de distância do primeiro povoado. Era o final do ano de 1927 e as montanhas e o isolamento remetiam ao contexto encontrado na viagem de 1924. O reencontro com as terras mineiras também foi o reencontro com o colonial que havia conhecido no Arraial do Tijuco e Costa foi presenteado com uma nova trouvaille. [...] No último dia do ano, com o jumento resvalando nas pedras soltas da serra, desci até Catas Altas do Mato Dentro para visitar a rica matriz. Estava deserta. Apenas uma velhinha sentada num dos bancos. Em meio ao esplendor da talha, dos dourados, das imagens, das pinturas, ela sentia‐se visivelmente em casa. Estava ali à vontade, como se tudo aquilo tivesse sido concebido para o seu uso e gozo exclusivo, como se tudo lhe pertencesse. Morava num casebre, mas dispunha da imensa nave e dos gigantescos retábulos para a sua conversa diária – em clima de graça, louvor e glória – com Nossa Senhora e Senhor.40 A continuação da viagem por mais alguns meses ainda permitiria que o arquiteto visitasse outras igrejas entre Sabará, Ouro Preto e Mariana, algumas registradas em seu caderno (Figura 15). 38 COSTA, Lucio. Cartas. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 44. 39 COSTA, Lucio. O palácio da Embaixada Argentina. O jornal. 28 de abril de 1928. In: NOBRE, 2010, p. 29. 40 COSTA, Lucio. Catas Altas do Mato Dentro: In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 519. 50 Figura 15: Desenho da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto, 1928. Fonte: Casa de Lucio Costa. Autor: Lucio Costa. Por mais que tenha se atentado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto, Costa, ao voltar de viagem, não fez boas ressalvas sobre o autor de sua portada, Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho41. O escultor de importância reconhecida era, junto com nomes como Manuel da Costa Ataíde, um artista que despertava grande atenção dos estudiosos. Em 1929, Costa, a pedido de Manuel Bandeira42, escreve o texto “O Aleijadinho e a arquitetura tradicional” para a edição especial de O Jornal dedicada a Minas Gerais43. 41 Segundo o IPHAN, “através de estudos comparativos com outras portadas de autoria do Aleijadinho, a exemplo da portada de São Francisco da mesma cidade e as das Ordens Terceiras de São João Del Rei, a monumental portada do Carmo é também a ele atribuída”. Cf. http://portal.iphan.gov.br/ans.net/tema_consulta.asp?Linha=tc_belas.gif&Cod=1374. Acesso em 10 jan. 2019. 42 COSTA, Lucio. Conversa caseira. Entrevista a Maria Elisa Costa. 22 de janeiro de 1990. In: NOBRE, 2010, p. 191. 43 COSTA, Lucio. O Aleijadinho e a arquitetura tradicional. O Jornal, Rio de Janeiro, s.d. In: XAVIER, Alberto Melchiades (Org.). Lúcio Costa: sôbre arquitetura. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitarios de Arquitetura, 1962. 51 E é assim que a gente compreende que ele tinha espirito de decorador, não de arquiteto. O arquiteto vê o conjunto, subordina o detalhe ao todo, e ele só via o detalhe [...] Os seus maravilhosos portais podem ser transportados de uma igreja para outra sem que isso lhes prejudique [...] São coisas a parte. Estão ali como que alheios ao resto. [...] Os poucos arquitetos que têm estudado de verdade a nossa arquitetura do tempo colonial, sabem o quanto é difícil, por forçada a adaptação dos motivos por ele criados. [...]A nossa arquitetura é robusta, forte, maciça e tudo que ele fez foi magro, fino, quase medalha. A nossa arquitetura é de linhas calmas, tranquilas, e tudo que ele deixou é torturado e nervoso. Tudo nela é estável, severo, simples, nada pernóstico. Nele tudo instável, rico, complicado, e um pouco precioso. [...] 44 Para Leonídio, a principal questão de Lucio Costa naquele momento era quanto do trabalho de Aleijadinho poderia ser aproveitado, quantos elementos de sua produção excêntrica poderiam estar presentes na arquitetura brasileira contemporânea45 e, como nesse sentido, Costa não o considerava assim “tão indispensável”46. O arquiteto escreveu sobre a obra do artista mineiro com os olhos de quem acabara de vencer o concurso para a embaixada da Argentina47 com um projeto que tinha como base elementos de várias fases da renascença espanhola, mas que no seu conjunto buscava “a fisionomia da nossa própria arquitetura tradicional”. Para tanto, justificava o descarte de alguns estilos ao fazer suas escolhas. Um, em especial, chama a atenção: Finalmente, os estilos francamente modernos – como tive a ocasião de ver ultimamente na Europa muita coisa interessante – são, mesmo quando adaptadas com moderação as ideias de Le Corbusier, arriscados. 44 Idem. 45 LEONÍDIO, Otavio. Carradas de razões: Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924‐1951). Rio de Janeiro: PUC‐Rio; São Paulo: Loyola, 2007, p. 51‐52. 46 COSTA, op. cit. 47 O projeto da Embaixada Argentina é de 1928, o texto sobre Aleijadinho é de 1929. 52 Pode ser gosto do momento, questão de moda, parecer amanhã ridículo, extravagante, intolerável, como por exemplo hoje nos parece o art nouveau de 1900. Estamos perto demais, não podemos ainda julgá‐lo.48 Em breve, o arquiteto carioca mudaria de opinião a respeito dos “estilos francamente modernos”. Como também, décadas depois, disse se arrepender das declarações dadas a respeito de Aleijadinho na reportagem do final dos anos 192049. Nos interessa, nos discursos veiculados nesse período, perceber como expõem o passado que Lucio Costa evocava: a “arquitetura, dita colonial, que me apaixonava era até 1700 e poucos”50 e revela o que, naquele momento, considerava serem as palavras que simbolizavam a nossa arquitetura: robusta, forte, maciça, estável, severa, simples, com linhas calmas, tranquilas. Pouco se atenta para a passagem de Considerações sobre nosso gosto e estilo onde Lucio Costa diz: “De minha viagem à Diamantina e pequena demora em Sabará, Ouro Preto e Mariana [...]”51. Ela revela que o arquiteto também esteve nesses lugares e pôde, ainda em 1924, começar a traçar um paralelo entre as principais cidades históricas mineiras. Embora não as tenha registrado naquela ocasião, na segunda viagem a Minas, elas figuram em seus desenhos52, que priorizaram as igrejas. Situação similar pode ser observada se compararmos os registros das mesmas cidades mineiras visitadas pela comitiva paulista que foi a Diamantina. Para Alfredo Norfini e José Wasth Rodrigues, as igrejas também foram protagonistas nas recordações de Sabará, Ouro Preto e Mariana. Comparando com os desenhos feitos pelos três estudiosos em Diamantina, nota‐se que os inúmeros templos da cidade não compõem as perspectivas externas e ficaram de lado no retrato geral dos viajantes. A exceção é uma das aquarelas de Norfini onde a Igreja de Nossa Senhora do Rosário aparece parcialmente no canto (Anexo A, Imagem XXVIII). Assim, as viagens de Costa, Norfini e Rodrigues, mesmo que realizadas em anos diversos, apontam para a interpretação que o valor atribuído a Diamantina vinha, 48 COSTA, Lucio. O Aleijadinho e a arquitetura tradicional, op. cit. 49 Cf. COSTA, Lucio. Lucio Costa sobre Aleijadinho. Revista Gávea, n.3. Junho de 1986. In: COSTA, NOBRE, 2010, p. 102‐103. 50 Idem. 51 COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924. 52 Cf. Lucio. IV e 01‐00284 L. Desenhos da viagem a Minas. 16fls. 1927‐1928. Disponível em: <hup://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/637>. Acesso em: 10 out. 2018. 53 sobretudo, das manifestações populares de arquitetura, das pequenas casas no meio das quais as singelas igrejas setecentistas se misturam e dividem, sem competir, o olhar do observador. Para além das particularidades, a cidade havia mostrado a Lucio Costa o significado de pureza. O termo será chave para desvelar dilemas que o acompanhavam desde 1924 e que persistiram até 1930. A divergência entre a arquitetura e a estrutura, a construção propriamente dita tem tomado proporções simplesmente alarmantes. Em todas as grandes épocas as formas estéticas e estruturais se identificaram. Nos verdadeiros estilos, arquitetura e construção coincidem. E quanto mais perfeita a coincidência, mais puro o estilo. O Parthenon, Reims, Sta. Sofia, tudo construção, tudo honesto, as colunas suportam, os arcos trabalham. Nada mente. 53 Se a passagem de Le Corbusier pelo Rio de Janeiro um ano antes não havia chamado a atenção de Costa54, ao se deparar com a revista Para Todos55 com a foto de uma casa de Gregori Warchavchik “simpática, harmoniosa, bem equilibrada”56 ficou seduzido (Figura 16). Warchavchik, arquiteto ucraniano radicado em São Paulo57 desde a primeira metade da década de 1920, publicou, no ano seguinte da viagem de Costa a Diamantina, o artigo “Acerca da arquitetura moderna”58. O manifesto, divulgado pelo jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro, é considerado a primeira referência em favor da arquitetura moderna no Brasil. Todavia, apenas em 1930, Lucio Costa entraria em contato com as ideias e projetos desenvolvidos na capital paulista. A divulgação da “Exposição de uma casa modernista” teve 53 COSTA, Lucio. O novo diretor da Escola de Belas Artes e as diretrizes de uma reforma. O Globo, 29 de dezembro de 1930. In: NOBRE, 2010, p. 34‐35. 54 Le Corbusier veio ao Brasil em 1929 e fez conferências em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sobre o evento no Rio, Costa conta: “Cheguei um pouco atrasado e a sala estava toda tomada. As portas do salão da Escola estavam cheias de gente e eu o vi falando. Fiquei um pouco, depois desisti e fui embora, inteiramente despreocupado, alheio à premente realidade.” Cf. COSTA, Lucio. Presença de Le Corbusier. Revista Arquitetura . In: NOBRE, 2010, p. 121. 55 Acredita‐se ser a edição 591 ou a 592 da revista Para Todos. A primeira, de 12 de abril de 1930, continha a divulgação da Exposição de uma casa modernista – projeto construído na Rua Italópilis. A segunda, de 19 de abril de 1930, já possuía uma reportagem detalhada com diversas fotografias. Disponível em: http://www.jotacarlos.org/revista/index.html. Acesso em 02 jan. 2019. 56 COSTA, Lucio. Conversa caseira. Entrevista a Maria Elisa Costa. 22 de janeiro de 1990. In: NOBRE, 2010, p. 191. 57 Cf. LIRA, José. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2011. 58 WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da arquitetura moderna. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1 de novembro de 1925. 54 extenso apelo midiático, “[...] a cobertura dos jornais foi quase diária: desenhos, fotografias e caricaturas da casa espalharam‐se por toda parte e, [...] uma nova imagem da moradia atingiria ampla difusão”59, tocando também o arquiteto carioca. Figura 16: Revista Para Todos. Edição 592, 19 de abril de 1930, p. 35. Fonte: Acervo J. Carlos em revista 59 LIRA, José. Warchavchik:Fraturas da vanguarda. op. cit., p. 196‐197. 55 É pela forma de resolver o plano ordinário do morar que Lucio Costa por fim vislumbra o moderno como opção legítima. Reconhece ali o mesmo encantamento despertado pelas casas de Diamantina. Se a casa moderna de Warchavchik aparentava não disfarçar sua estrutura de concreto, Diamantina, na sua sinceridade, deixava à mostra as estruturas de madeira de suas casas. Estaria nessa escala particular da cidade um dos pontos que a tornava única e passível de ser um lugar revelador para aqueles que a descobriam. Ao lado das construções barrocas, jesuíticas, arquitetura francamente religiosa, há a arquitetura civil, de um aspecto muito característico, e de particular interesse porque nela se encontram os elementos básicos para solução inteligente de um projeto de aparência muito simples, porém bastante complexo e difícil: o projeto e a construção das pequenas casas, casas de cinquenta e duzentos contos, que a todo momento e em todos os cantos se constroem.60 Assim, de uma análise à luz do tempo passado, pode‐se inferir novos significados aos desenhos de 1924. Das pranchas de Costa, talvez a mais significativa seja a dos beirais (Anexo A, Imagem XII), referência direta da relação intrínseca entre plástica e técnica. Essa é a pureza que tanto o deslumbra. É a palavra que perdura em seus relatos posteriores: “Aquilo, pra mim, foi uma revelação, a pureza daquela arquitetura, fiquei impressionado, foi meu primeiro contato com a arquitetura mineira” Revista Pampulha, 1979 “Era um ambiente singelo, puro. Isso foi a coisa que mais me tocou neste contato direto com o Brasil antigo” Boletim do IBPC, 1992 “A pureza da distante Diamantina dos anos vinte marcou‐me para sempre” Registro de uma vivência, 1995 60 COSTA, Lucio. Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jun. 1924. 56 A noção de pureza o ajudou a consolidar o salto em direção as vanguardas. Pureza não entendida em sua chave eugenista, mas no âmbito de uma questão formal, de uma opção de estrutura arquitetônica sincera em seus materiais e esforços. O desenho de uma residência serve de testemunho para esse período de transição projetual. Em 1930, o arquiteto elabora duas propostas para a casa de Ernesto Gomes Fontes. Uma consta em seus registros como a “última manifestação de sentido eclético‐acadêmico”61 e a outra é “a primeira proposição de sentido contemporâneo”62 (Figura 17). Figura 17: As duas propostas para a Residência E. G. Fontes. Fonte: Costa (1995, p. 57‐61) 61 COSTA, Lucio. Casa E. G. Fontes. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 55. 62 Idem, p. 60. 57 Costa estava convicto que a segunda versão era a melhor. Diante da relutância do proprietário, ele se retira da continuação do projeto: De acordo com a nossa conversa de 20 corrente, não podendo levar avante os estudos para a construção de sua residência da Tijuca, nem aceitar a fiscalização que me propôs, autorizo‐o a utilizar, como melhor lhe parecer, as soluções por mim apresentadas até a presente data, exceptuando‐se, naturalmente, o ante‐projecto completo executado a seu pedido, e que representa a minha opinião definitiva a respeito.63 A postura enfática do arquiteto reflete os demais acontecimentos do período. Alguns meses depois de ter contato com a reportagem sobre a casa de Warchavchik, Lucio Costa recebe o convite inesperado para ser diretor da ENBA64. O caminho que se sucede passa por episódios, exaustivamente comentados65, que corroboram para a afirmação definitiva do arquiteto diante do moderno. Ao assumir a direção da Escola Nacional de Belas Artes, implementa uma série de reformas, visando [...] aparelhar a Escola de um curso técnico científico tanto quanto possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita harmonia com 63 Idem, p. 66. 64 Não se sabe ao certo as circunstâncias do convite. Aceita‐se a versão dada por Costa: “Estando eu lá [Correias], recebi um chamado ‐ porque houve a Revolução de 1930 ‐ para comparecer ao Ministério da Educação e Saúde, que estava provisoriamente instalado no edifício da Assembleia, pelo Rodrigo Melo Franco de Andrade, que era o chefe de gabinete do ministro Francisco Campos. Fui convidado para dirigir a Escola Nacional de Belas Artes, mas procurei me furtar e expliquei que não me encontrava em condições de assumir. O governo estava mudando os diretores de toda a parte cultural: Biblioteca Nacional, Museu Histórico, Instituto de Música ‐ com Luciano Gallet, Rodolfo Garcia e vários outros. E ele achava que eu devia aceitar o convite, alegando que eu havia cursado a Escola, conhecia bem os problemas e seria uma oportunidade, então, de corrigir, orientar o ensino de outra forma se eu não o julgasse adequado.” (COSTA; NOBRE, 2010 p. 149). Quanto a Costa ser escolhido por Rodrigo Melo Franco de Andrade, o arquiteto diz: “E eu atribuo essa escolha ao seguinte: em 1929, um ano antes, o Manuel Bandeira tinha aparecido lá no meu escritório, na avenida Rio Branco 46, para pedir que eu colaborasse no número comemorativo do Jornal de Minas, que ia completar cinquenta anos ‐ ele queria que eu escrevesse alguma coisa.” (COSTA; NOBRE, 2010, p. 191). 65 Cf. LEONIDIO, Otavio. Carradas de razões. Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924‐1951). Tese de doutorado, Departamento de História, PUC‐Rio, Rio de Janeiro: 2005; BRITO, Samuel Silva de. Lucio Costa: o processo de uma modernidade: Arquitetura e projeto na primeira metade do séc. XX. 2 v. Tese (Doutorado) ‐ Curso de Arquitetura, Projetos Arquitetônicos, Universidad Politécnica de Catalunya, Barcelona, 2014; NATAL, Caion Meneguello. Da casa de barro ao palácio de concreto: a invenção do patrimônio arquitetônico no Brasil (1914‐1951). Tese (doutorado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 2013. 58 a construção. Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos como orientação crítica e não para aplicação direta.66 O autor do projeto que tanto chamara sua atenção foi convidado para compor o novo quadro de professores. Costa vai a São Paulo especialmente para encontrar Gregori Warchavchik e, apresentados por Mario de Andrade, iniciam uma parceria que passaria pela experiência de ensino na ENBA até a formação de um escritório por alguns anos67. A revolução proposta por Costa também se refletiu na XXXVIII Exposição Geral de Belas Artes, o Salão de 31, como ficou conhecida. O evento organizado pelo arquiteto Lucio Costa, junto com o poeta Manuel Bandeira, a pintora Anita Malfatti, o pintor Candido Portinari e o escultor Celso Antonio, foi inaugurado em setembro de 1931 e abriu as portas para a arte moderna. Ao lado de obras de orientação conservadora, participaram nomes da pintura, da arquitetura e da escultura de vanguarda68. O Salão e as posturas de Lucio Costa como diretor deixaram explícito o rompimento do arquiteto com a estética defendida por José Mariano Filho. Se antes era dela grande incentivador, diante das suas novas convicções vanguardistas, passa a ser um crítico assíduo. Os jornais documentam as discussões: [...] O paladino da arquitetura de fundo nacional, o evocador piedoso da gloriosa arquitetura brasileira, o poeta que partia cheio de fé para Diamantina em busca de detalhes e sugestões para a reconstituição do velho estilo nacional, se fizera do dia para a noite um agente secreto do nacionalismo judaico. Abaixoa tradição, diz o cadete Lucio Costa! Viva Le Corbusier, o carrasco do sentimento acadêmico! E abriu sem demora as portas aos artistas que iriam 66 COSTA, Lucio. O novo diretor da Escola de Belas Artes e as diretrizes de uma reforma. O Globo, 29 de dezembro de 1930. In: NOBRE, 2010, p. 34‐35. 67 Cf. COSTA, Lucio. Gregori Warchavchik. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 72. 68 Destaca‐se: Di Cavalcanti, Tarsila, Cícero Dias, Guignard, Segall, Ismael Nery, Brecheret, Leo Putz, John Graz, Regina Gomide Graz, Antonio Gomide, Flávio de Carvalho, Afonso Eduardo Reidy, Gerson Pompeu Pinheiro, Marcelo Roberto; além dos alunos Alcides da Rocha Miranda, Carlos Leão, Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx. Cf. VIEIRA, Lucia Gouvêa. Salão de 1931: marco da revelação da arte moderna em nível nacional. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1984. 59 dentro da própria escola trabalhar contra o sentimento nacional. [...] (MARIANO FILHO, 1931) 69 Foi Bahia e Recife, foram as velhas cidades de Minas que, aos poucos, me abriram os olhos e me fizeram compreender a verdadeira arquitetura, não futurista como o sr. José Mariano diz (ele sabe perfeitamente que não se trata de futurismos), mas simplesmente contemporânea, em acordo com os nossos materiais e meios de realização, os nossos hábitos e costumes. Nada mais, apenas isso. Estudando a nossa antiga arquitetura, não do ponto de vista de amador e diletante mais ou menos expansivo do sr. Mariano, mas como profissional, analisando os sistemas construtivos absolutamente honestos em que a fisionomia arquitetônica reflete não mais ou menos, porém fielmente, exatamente a construção, em que tudo de fato é aquilo que parece ser [...] (COSTA, 1931) 70 A resposta de Lucio Costa ressalta a importância das viagens pelo interior brasileiro e reafirma a relevância da observação da verdade estrutural que as antigas construções demonstravam. Costa se coloca como o técnico que soube distinguir delas não apenas um dicionário visual a ser reproduzido, mas sim o saber construtivo desprovido de falsas camadas. Mesmo que Mariano tenha financiado o primeiro vislumbre desse passado autêntico, menos de uma década depois a visão do mecenas já não condizia com a do arquiteto que se formara. O embate ainda renderia longas polêmicas71, mas a mudança de Lucio Costa era definitiva. 69 MARIANO FILHO, José. Escola Nacional de Arte Futurista. O Jornal, 22 jul. 1931. 70 COSTA, Lucio. Uma Escola viva de Belas Artes. O Jornal, Rio de Janeiro, 31 jul. 1931. 71 Cf. NATAL, Caion Meneguello. Da casa de barro ao palácio de concreto: a invenção do patrimônio arquitetônico no Brasil (1914‐1951). Tese (doutorado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 2013, p. 156‐163. 60 A saída de Costa da direção da ENBA em 193172 aumentou a atenção para a causa defendida e o arquiteto passou a personificar um dos incentivadores da arte moderna associada a brasilidade. Através dos episódios do início da década de 1930, grande parte da imprensa, dos intelectuais e do meio acadêmico tomaram partido diante da renovação da arquitetura brasileira. Ora ponhamos os pontos nos is: que mal fez Lucio Costa contra a arte tradicional? Nenhum. [...] Os alunos da Escola, os professores e artistas modernos, todas as pessoas sensatas e lógicas, os próprios princípios de igualdade tão apregoados pela Segunda República, pedem a concorrência. Lucio Costa precisa voltar ao seu posto e restabelecer aquele critério admirável de concorrência que dera vida nova e felicidade ao ensino da Escola. 73 O pioneirismo de Lucio Costa em inserir os preceitos modernos na academia seria refletido pelos alunos formados sob a influência de suas atitudes, parte dos primeiros grandes arquitetos modernos brasileiros. Se Diamantina plantou a semente do desconforto74 em Costa em relação ao neocolonial, a reforma do ensino da ENBA plantou, em uma geração de alunos cariocas75, a semente das vanguardas. Mesmo que a reforma não tenha perdurado, foi elemento fundamental para despertar os arquitetos para o que acontecia no além‐mar. Assim, por mais que as primeiras viagens de investigação para Minas – seja as de Mario de Andrade ou as financiadas por Ricardo Severo, tenham partido de São Paulo e que a primeira casa alinhada às vanguardas seja paulista, foi no Rio de Janeiro que o moderno atingiu as raízes do ensino da profissão no país. Lucio Costa, além de implementá‐lo, consolidou‐o nas décadas seguintes ao projetar o Ministério da Educação e Saúde76 e fomentou suas discussões ao trazer 72 Costa perdeu apoio político no governo e, associado a pressão que sofria dos professores catedráticos, decide pedir demissão da Escola. Cf. PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Neocolonial, Modernismo e Preservação do Patrimônio no Debate Cultural dos Anos 1920 no Brasil. São Paulo: EDUSP: Fapesp, 2011, p. 215‐222. 73 ANDRADE, Mário de. “Escola de Belas Artes”. Diário Nacional, São Paulo, 4 de outubro de 1931. 74 O termo “semente do desconforto” é usado por Maria Elisa Costa: “Tinha uma coisa tão normal na arquitetura civil de Diamantina, que essa experiência ficou, digamos assim, como a semente de um desconforto. E ao mesmo tempo, junto com esse desconforto em relação ao que ele fazia, veio também a indagação natural: ‘mas qual deve ser a linguagem da minha época?’”. In: Wisnik, Guilherme (org.). O risco — Lucio Costa e a utopia moderna. Rio de Janeiro: Bang Bang,2003,p. 137. 75 Entre os alunos do período, destacam‐se: Oscar Niemeyer, Calos Leão, Jorge Moreira, Alcides da Rocha Miranda, Abelardo de Souza, Affonso Eduardo Reidy, Luiz Nunes e Roberto Burle Marx. 76 O projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública foi possível depois de uma série de articulações. Quando Gustavo Capanema tomou posse do Ministério da Educação, Costa viu ali a possibilidade de apoio federal para a 61 Le Corbusier e colocá‐lo em contato com a geração que vislumbrava continuar o legado que ali se fortalecia. Nos anos que antecederam a proposta do Ministério, foi constituído um “pequeno reduto purista”77 interessado na renovação da técnica e da expressão arquitetônica. Estudavam as lições de Gropius, Mies van der Rohe e, principalmente, Le Corbusier. Nesse período, Lucio Costa escreveu Razões da nova arquitetura. “Razões” se destaca como a primeira tentativa por parte de Costa de um registro teórico do que seria a arquitetura contemporânea78. Oportunamente, o texto foi publicado no momento em que se decidia o desfecho do concurso do MES. O parecer favorável a Costa permitiu que ele colocasse os preceitos modernos em prática, e, junto com a equipe responsável e com o mestre franco‐suíço, realizasse [...] o edifício do Ministério, em meio à espessa vulgaridade da edificação circunvizinha, como algo que ali pousasse serenamente, apenas para o comovido enlevo do transeunte despreocupado, e, vez por outra, surpreso à vista de tão sublime manifestação de pureza formal e domínio da razão sobre a inércia da matéria.79 As transformações pretendidas na década de 1930, sobretudo aquelas relacionadas ao Ministério da Educação e Saúde não só como edifício, mas como instituição pública de influência, ultrapassavam âmbitos arquitetônicos e buscavam a formação do homem brasileiro80 . Para fundamentar esse homem, foram recrutados uma série de intelectuais modernos,incluindo Lucio Costa. Ao falar do início daquela década em Registro de uma arquitetura moderna no Brasil. Em 1935 é realizado um concurso para o projeto do novo edifício que abrigaria o MES, mas o Ministro o invalida e convida Lucio Costa para fazer o projeto, o arquiteto pede então à consultoria de Le Corbusier, que vem ao Brasil pela segunda vez, permanecendo, em 1936, seis semanas com o grupo montado por Costa para projetar o Ministério. Cf. SEGRE, Roberto. Ministério da Educação e Saúde. Ícone urbano da modernidade brasileira 1935‐1945. São Paulo, Romano Guerra, 2013. 77 Palavras do arquiteto, grifo nosso. Costa ressalta projetos e participações no período: “O albergue da Boa Vontade, risco original dos arquitetos Reidy e Pinheiro, as casas Nordchild e Schwarrtz, de Warchavichik, os apartamentos da Rua Senador Dantas e Lavradio, de Luís Nunes – transferido depois para o Recife, onde, na Diretoria de Arquitetura, contaria com a colaboração de Joaquim Cardoso, – a primeira série de casas de Marcelo Roberto (...), de Carlos Leão, Jorge Moreira, José Reis, Firmino Saldanha, seguidos da iniciação de Oscar Niemeyer, Alcides Rocha Miranda, Milton Roberto, Aldary Toledo, Vital Brasil, Ernani Vasconcellos, Fernando de Brito, Hélio Uchôa, Hermínio Silva e todos os demais”. In: COSTA, Lucio. Muita construção, alguma arquitetura e um milagre. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 de junho de 1951 78 Cf. LEONIDIO, Otavio. Carradas de razões. Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924‐1951). Tese de doutorado, Departamento de História, PUC‐Rio, Rio de Janeiro: 2005, p 143‐167. 79 COSTA, Lucio. Muita construção, alguma arquitetura e um milagre. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 de junho de 1951 80 CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, arquitetura e patrimônio. In: [Dulce Pandolfi (org.)] Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed.Fundação Getulio Vargas, 1999 p. 181. 62 vivência, o arquiteto ressalta a “Tomada de consciência”81 diante das discrepâncias. O trem que levava a Petrópolis mostrava “na mesma plataforma, o confronto: de um lado os veranistas [...] na volta às mansões da serra; do outro, o trem do subúrbio apinhado de suarentos operários [...] na volta do trabalho para os casebres”. A “constatação” foi de que “[...] a realidade industrial a que chegamos está em completo desacordo com a realidade social em que vivemos” 82. Não obstante tal simpatia com hipóteses à esquerda83 (Roberto Schwarz considerava Costa “discretamente marxista”84), construiu dois dos principais edifícios modernos – o MES e o pavilhão do Brasil na feira Mundial de Nova York – durante o governo Vargas85. O fato de aceitar participar da repartição varguista “[...] deixa transparecer a crença moderna de que era o Estado o lugar da renovação e da vanguarda naquele momento, assim como o vislumbre da possibilidade de aplicar na realidade ideias de reinterpretação ou reinvenção de um país [...]”86. Já o Estado “por meio do mecanismo de reinterpretação coletiva, através de seus intelectuais, se apropria de práticas populares para apresentá‐las como expressões de cultura nacional”87. Pelas duas causas, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desempenha um papel importante, recaindo sobre ele e sobre as figuras a ele filiadas a tarefa de estabelecer no presente o que importava do passado. 81 Cf. COSTA, Lucio. Tomada de consciência. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 80. 82 Cf. COSTA, Lucio. Constatação. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 82. 83 Décadas depois, Lucio Costa diria: “Eu sou um simpatizante do socialismo, mas sem partido. Sou um liberal por natureza.” COSTA, Lucio. Profissão de fé. Revista IstoÉ, 18 de novembro de 1987. In: NOBRE, 2010, p. 181. 84 Cf. SCHWARZ, Roberto. Que horas são?: ensaios. 2. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2006, p.111. 85 Ao ser questionado, nos anos 1990, sobre como a arquitetura moderna serviu ao gosto de regimes autoritários, que o MES foi feito sob o Estado Novo, Costa disse: “O bom urbanismo está acima das ideologias. [...] Tudo depende dos profissionais responsáveis. Se eles são submissos a caprichos políticos, então são irresponsáveis. O verdadeiro urbanismo está acima da direita e da esquerda. ”. COSTA, Lucio. O século por Lucio Costa. Folha de S. Paulo. 23 de julho de 1995. In: NOBRE, 2010, p. 239‐240. 86 CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, arquitetura e patrimônio. Op. cit., p. 182. 87 ORTIZ, Renato. Estado, cultura popular e identidade nacional. 4. reimp. 5. ed. São Paulo, Brasiliense, 2003, p. 135. 63 Costa participa da fundação do SPHAN em 193788. Diamantina é tombada no ano seguinte89, junto com outros cinco agrupamentos urbanos, todos em Minas. É interessante notar que, em paralelo ao conjunto das demais cidades, são tombados nelas uma série de edifícios90. Já em Diamantina, na ausência de exemplares das obras de Aleijadinho, Mestre Ataíde ou outras figuras que se destacavam individualmente, o que permanecia em evidência era a totalidade da obra em sua distinta pureza. Um ano depois do processo inicial, um único bem isolado é tombado na cidade91: a Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo (Figura 18), a mesma igreja da aquarela feita por Lucio Costa em 1924. Figura 18: Entorno e Igreja da Ordem Terceira de N. Sra. do Carmo, Diamantina, 1938. Destaque para torre que, ao contrário de hoje, encontrava‐se na parte anterior da igreja. A transferência foi realizada após intervenção uma do SPHAN, alegando que na conformação original a torre ficava na parte posterior. Fonte: IPHAN (2010, p.22). Autor: Erich Hess. 88 Lucio Costa participa, desde 1937, das atividades do SPHAN. Em 1939, seu vínculo se consolida ao ser contratado permanentemente como consultor. Em 1946, a partir de uma reforma administrativa, assume com mais rigor o cargo de diretor da Divisão de Estudos e Tombamento. Cf. BRITO, Samuel Silva de. Lucio Costa: o processo de uma modernidade, op. cit., p. 411‐415. 89 Diamantina foi tombada em 16 de maio de 1938, processo nº 64‐T‐38, inscrição nº 66, constando do Livro de Belas Artes, v. 1, p. 12. 90 Além de Diamantina, são tombados os conjuntos urbanos de Serro, São João del Rei, Mariana, Ouro Preto e Tiradentes. Sobretudo nas três últimas, junto com o conjunto, são tombados uma série de bens isolados. Cf. <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Lista_bens_tombados_processos_andamento_2018>Acesso em: 01. Abr. 2018. 91 A Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo é tombada em 1939. Só dez anos depois, em 1949, outros bens isolados serão tombados na cidade: as Igrejas do Senhor do Bonfim, de São Francisco de Assis, do Amparo, do Rosário e das Mercês. Já em 1950, é tombada a Casa de Chica da Silva e o Edifício do Fórum. 64 A proteção do conjunto urbano deu à cidade uma série de premissas. “Temos o bem tombado porque singular, típico. Ou porque excepcional, o único, o ápice. De uma época, da simultaneidade a um evento, de uma maneira de se construir”92. Dessa forma. Diamantina justificava sua preservação por várias frentes: era uma cidade singular na entrada do sertão mineiro, símbolo não apenas de uma época específica da mineração com a retirada dos diamantes, mas também de uma tradição construtiva que mantinha em pé tanto casas quanto igrejas. Mais que um método colonial, o pau‐a‐pique também ajudou a fundamentar as técnicas da vanguarda: “o engenhoso processo de que são feitas [as casas]– barro armado com madeira – tem qualquer coisa do nosso concreto armado”93. Essa comparação foi feita por Lucio Costa em Documentação Necessária, artigo seminal da primeira edição da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional94. No início das atividades do SPHAN, Costa atuava em várias frentes. O projeto para o museu de São Miguel das Missões é dessa época e foi, segundo Rodrigo de Melo Franco de Andrade, a “primeira contribuição do grande arquiteto para o órgão administrativo do qual ele viria a tornar‐se o técnico mais influente e destacado”95. Em Diamantina, Lucio Costa se ateve às questões burocráticas e decisórias do patrimônio. Costa retorna ao município em 1937 junto com a comissão responsável pelo tombamento96 e participa das resoluções referentes à construção de novos edifícios, aos 92 RUBINO, Silvana. As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimonio Historico e Artistico Nacional, 1937‐1968. Dissertação (mestrado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP, 1992, p. 2‐3. 93 COSTA, Lucio. Documentação Necessária. Revista do Serviços do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 1, p.31‐40, 1937. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat01_m.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2017. 94 Cf. ANDRADE, Francisco de Carvalho Dias de. Uma poética da técnica: a produção da arquitetura vernacular no Brasil. 2016. Tese (doutorado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, p 63‐84. 95 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Rodrigo e o SPHAN. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura: Fundação Nacional Pró‐Memória, 1987, p. 160. 96 Nos anos 1970, uma nota no jornal Voz de Diamantina faz menção a viagem, quando defende o conjunto de Bribiri: “Devo esclarecer‐lhe que em 1937, quando aí estiveram para fazer o tombamento histórico da cidade, o Dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade, de saudosa memória, e a quem Diamantina multo deve, acompanhado dos Drs. Afonso Arinos de Melo Franco, Virgílio de Melo Franco, Lúcio Costa e Epaminondas Macêdo, todos ficarem vivamente Impressionados com a beleza de Biribiri [...]”. In: Voz de Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, ano 69, n. 3, 14 outubro 1973, p.4. Também o fotógrafo Erich Hess comenta sobre a viagem em uma entrevista: “Naquela época, estava lá também o Lucio Costa, que tinha feito, junto com o Rodrigo, no início de 1937 ou fins de 1936, uma viagem para Diamantina. E foi aí que disseram: “Bom, você não podia dar uma viagem para Diamantina?” Eu disse: “Perfeitamente”. ” In: Entrevista com Erich Joachim Hess. Memórias do Patrimônio, 3. Rio de Janeiro, IPHAN/ DAF/Copedoc, 2013. 65 levantamentos e as preservações individuais no antigo Arraial. Como na nota enviada a Epaminondas Macedo, onde o arquiteto elenca pontos a serem observados pelo engenheiro ao realizar o levantamento da cidade, entre eles as igrejas, o mercado, a casa de Chica da Silva, o Colégio das Freiras, a Casa de Muxarabiê e a Casa Kubitschek97. Anos depois, o jornal Voz de Diamantina, ao falar sobre as benfeitorias do órgão de preservação do patrimônio na cidade, cita praticamente os mesmos pontos relacionados por Lucio Costa98. Nos anos 1940, em uma carta enviada pelo prefeito da cidade, nota‐se como o arquiteto era de fato uma referência: Afim de serem estudados diferentes problemas de nossa Diamantina, subordinados ao parecer técnico do Patrimônio, peço‐lhe, com real interesse, sua vinda e a do Dr. Lucio Costa a esta cidade. Além de muito grata, sua visita teria a grande vantagem de firmar cordial cooperação dos construtores e proprietários diamantinenses, facilitando, ainda, uma compreensão indispensável à expansão harmônica da cidade. 99 Na década seguinte, as polêmicas quanto ao lugar onde a rodoviária seria construída passam pela então DPHAN (Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). É emitido um parecer negando o destombamento de quatro prédios, no meio do centro histórico, que teriam como finalidade ampliar a área de um lote vago para receber o edifício100. Lucio Costa, como Diretor da Divisão de Estudos e Tombamento, completa a 97 COSTA, Lucio. Indicações do Dr. Lucio Costa para a inspeção a ser realizada em Diamantina pelo Dr. Epaminondas Macedo, sem data, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. In: Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Inventário. MG Pasta 3, Cx. 25. 98 “Além da casa do Pe. Rolim, a DPHAN realizou em Diamantina a reconstrução do Mercado Municipal e do Colégio N. S./ das Dôres, das igrejas do Amparo, Mercês, Bomfim; a igreja de Sant’Ana do Inhai, no distrito do mesmo nome; a da casa Colonial n. 47, à rua Francisco Sá, que se destina ao futuro Museu de Diamantina”. In: VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Semanário independente, registrado no Departamento de Imprensa e Propaganda, ano 9, n. 25, 19 maio 1946, p.4. 99 FIGUEIREDO, Luiz Kubitschek. Carta do Prefeito de Diamantina para o Diretor Rodrigo de Melo Franco de Andrade. Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 24 de marco de 1941. In: Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Obras. Pasta 478, Cx. 105. 100 BARRETO, Paulo Theodin. Informação sobre pedido para ser levantado o tombamento de quatro prédios (...) de Diamantina, de 27 de julho de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 66 análise, chamando a atenção que “[...] na escolha do novo local deve‐se ter em vista, além da preservação da integridade urbana, a comodidade dos passageiros” 101. A nota resume esse interesse de Costa na cidade: pensando no desejo de preservação referente à ‘pureza’ que emanava de seu tecido íntegro, havia o cuidado em manter a funcionalidade, referente a chegada dos passageiros. Aqui entra sua atuação no SPHAN, uma vez que em seus breves despachos tem como preocupação o percurso pela cidade e sua relação com os usos e formas de Diamantina. A autoridade de Costa resolve a preservação buscando uma imagem integral da cidade pura. Para construí‐la, a participação dos fotógrafos era fundamental. Erich Hess foi um dos primeiros colaboradores fotógrafo do SPHAN e sua viagem inaugural a serviço da Secretaria foi para Diamantina em 1938: Mandava‐me então, o Diretor [...] documentar fotograficamente as relíquias históricas e artísticas de Minas; e gosto de recordar que, das instruções que recebi para a tarefa, constavam desenhos do punho do Mestre Lucio Costa, onde se especificavam detalhes de monumentos ou obras de arte que deviam ser fotografados minuciosa e especialmente.102 Erich Hess menciona que na excursão de 1937 feita pelos diretores chamou especialmente a atenção de Costa os detalhes dos altares laterais, os quais foi incumbido de registrar junto com os outros pontos da lista do pedido oficial (Figura 19): o Colégio Nossa Senhora das Dores, o mercado, os balaústres, as imagens, mobiliário e pintura dos forros nas igrejas, os beirais, os conjuntos de casas e em especial a casa do senhor Smith e a casa da Rua Direita, da família Kubitschek103. A viagem a Diamantina é considerada por Erich Hess uma descoberta como fotógrafo104 e mais uma vez o antigo Arraial do Tijuco assume o papel de alumbramento que lhe atribuía Costa. 101 COSTA, Lucio. Parecer, 27 de agosto de 1959. In: BARRETO, Paulo Theodin. Informação sobre pedido para ser levantado o tombamento de quatro prédios (...) de Diamantina, de 27 dejulho de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 102 HESS, Erich. 1959. Apud GRIECO, Bettina Zellner. O fotógrafo Erich Joachim Hess. In: ______ (Org.). Entrevista com Erich Joachim Hess. Rio de Janeiro: IPHAN/ DAF/ Copedoc, 2013. (Memórias do Patrimônio, 3), p. 40. 103 Arquivo Central do Iphan. Rio de Janeiro. Caixa Memória Oral. MO‐12_EJH. Eric Joachim Hess. 104 Afirmação feita pelo fotógrafo em entrevista realizada em 1983. In: GRIECO, Bettina Zellner. O fotógrafo Erich Joachim Hess. In: ______ (Org.). Entrevista com Erich Joachim Hess. Rio de Janeiro: IPHAN/ DAF/ Copedoc, 2013. (Memórias do Patrimônio, 3). 67 Figura 19: Lista para a viagem de Erich Hess a Diamantina, 1938. Fonte: ACI/RJ. Caixa Memória Oral. MO‐12_EJH. 68 Figura 20: Telhados do conjunto de Diamantina, c. 1938. Fonte: IPHAN (2010, p.30). Autor: Erich Hess. 69 Os fotógrafos são os encarregados de retratar as descobertas patrimoniais pelo país105. Lucio Costa chega a recomendar que também cada técnico da repartição seja um fotógrafo habilitado “capaz de fazer a sua própria documentação nas viagens de reconhecimento, pesquisa ou inspeção. ”106. Os profissionais se aproximam dos viajantes neocoloniais e seus registros. Entretanto, os desenhos dos anos 1920 não colaboraram com os levantamentos técnicos do SPHAN e apenas quando o movimento moderno estava engendrado e à sua maneira indissociável das questões patrimoniais é que as ilustrações dos motivos coloniais, desenvolvidas no início do século XX, convenientemente chegaram ao público, estabelecendo o nexo entre a pureza diamantina e o auge das vanguardas nacionais. Os desenhos de Norfini foram divulgados em 1953, depois de adquiridos pelo Museu Histórico Nacional e publicados em um dos volumes dos anais da instituição, dedicados ao documentário iconográfico de cidades e monumentos do Brasil. No texto de apresentação, ressaltava‐se que aqueles trabalhos eram uns dos mais interessantes do cartulário do museu e que Norfini, “apaixonado de nossas velhas coisas”, sabia manifestar na sua reprodução o seu sentimento, agora possível de ser conhecido pelo grande público.107 Já Wasth Rodrigues publicou, em 1944, seus registros com o título “Documentário Arquitetônico: Relativo à Antiga Construção Civil no Brasil”108. Acredita‐se que o pintor só conseguiu reaver os desenhos após a morte de Ricardo Severo, quando então pode reuni‐los e divulga‐los109. Na introdução, não faz nenhuma referência direta ao engenheiro, apenas afirma que circunstâncias “alheias à nossa vontade” haviam impedido a publicação anteriormente110. Apenas os desenhos de Lucio Costa tiveram, ironicamente, seus originais omitidos até recentemente. A Sra. Marlene Bezerra, antiga nora de José Mariano Filho, conservou‐os em 105 Cf. COSTA, Eduardo Augusto. Arquivo, poder, memória: Herman Hugo Graeser e o arquivo fotográfico do IPHAN. 2015. 444 p. Tese (doutorado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/281153>. Acesso em: 6 fev. 2019. 106 COSTA, Lucio. Plano de trabalho para a Divisão de Estudos e Tombamento da DPHAN. Arquivo Central do IPHAN/ Seção Rio de Janeiro. Série Personalidades/Lucio Costa. 107 ANAIS DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL: Documentário Iconográfico de Cidades e Monumentos do Brasil. Aquarelas e Desenhos de A. Norfini e Texto de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, v. 7, 1953. 108 Cf. RODRIGUES, José Wasth. Documentário Arquitetônico: relativo à antiga construção civil no Brasil. Belo Horizonte; São Paulo: Editora Itatiaia; EDUSP, 1979. 109 MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra/Annablume, 2012, p. 65‐67 e NATAL, op. cit., p. 65‐66. 110 RODRIGUES, op. cit., p.1. 70 privado até que manifestou ter em mãos os registros a lápis da viagem do arquiteto. Então a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, com o apoio da Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia ‐ CBMM, os incorporou ao Museu Mineiro. No início dos anos 2000, parte dos desenhos passaram para o Museu Casa de Juscelino na rua São Francisco em Diamantina e permanecem expostos na cidade onde foram feitos111. Quando foram adquiridos, a CBMM fez uma publicação de tiragem restrita112. Por fim, a divulgação que teve mais alcance foi feita pelo próprio arquiteto quando, em 1995, publicou Registro de uma vivência incluindo as duas aquarelas, o desenho de uma janela e um texto memorial da cidade visitada na juventude. Naquele ano, Costa recebeu uma carta da Sra. Bezerra ‐ a mesma que anos depois entregaria os desenhos a lápis para o governo mineiro: Professor Lucio Costa, Sou guardiã daquela belíssima aquarela da Igreja do Carmo, em Diamantina. Disputei‐a no meu desquite de Claudio Mariano. Morei longos anos na Casa Grande do Engenho da Serra em Jacarepaguá (restaurada por Wasth Rodrigues) cujas arcadas, certa vez na Escola de Belas Artes, o sr. as desenhou no ar ao me identificar e revelar‐lhe que possuía desenhos seus. Sequer podia imaginar a importância de Diamantina na sua obra monumental. Passei a semana mergulhada na leitura dos seus registros, com emoção! [...] Muito obrigada. Sinceramente.113 111 Em depoimento para a autora, o Sr. Serafim Jardim confirma a história: “[...] quando apareceu na secretaria de cultura uma senhora que o marido tinha morrido há pouco tempo e ele tinha trabalhado com o Lucio Costa (aqui há uma pequena confusão, na verdade o marido da Sra. Bezerra era Claudio Mariano, filho de José Mariano Filho), e eram dele esses rascunhos, ela então tentou vender, mas a CBMM, que é uma empresa de nióbio de Araxá, adquiriu para a secretaria de cultura, comprou. O que aconteceu: a secretaria de cultura pegou esses cinco desenhos e deixou aqui comigo [...] e tem que ficar aqui mesmo na Casa para contar a história de Diamantina [...]” 112 Lucio Costa: desenhos da juventude. Organização J. D. Vital – Belo Horizonte: CBMM, 2001. 113 BEZERRA, Marlene. Sobre aquarela de Diamantina. Petrópolis, 1995. Acervo Casa de Lucio Costa: VI.A.02‐ 02602. Disponível em: < http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/2883>. Acesso em: 16 jun 2018. Segundo consta no site do acervo, “Maria Elisa Costa comprou da autora desta correspondência a referida aquarela.” Já a aquarela do Passadiço da Casa da Glória, segundo uma declaração de recibo para reprodução assinada pelo próprio Lucio Costa, é de propriedade de Maria Lucia Silveira de Castro. In: COSTA, Lucio. Aquarela: Passadiço de Diamantina‐ Declaro que me foi entregue [...]. Acervo Casa de Lucio Costa: IV.E.03‐02233 L. Disponível em: < http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/2493>. Acesso em: 16 jun 2018. 71 Em Registro, a forma como o arquiteto organiza suas memórias não segue uma linha temporal, mas acompanha o percurso que desejava autenticar como a sua vivência. Diamantina tem um papel central logo de início, enquanto os textos envolvendo o SPHAN, a tradição e Aleijadinho estão no último terço do volume. Entre as duas partes estão Oscar Niemeyer, Brasília e os projetos do período. O fio de sua trajetória passa por elas, mas mantém suas pontas no patrimônio. Diamantina, na construção extemporânea do autor, foi o seu despertar. Estava ali o gênio da raça114, o inculto pedreiro115, capaz de resolver dilemas complexos com soluções simples. Através dessa experiência, pôde apreender técnica e discurso, vislumbrando a síntese entre a modernidadee a tradição. Já a consciência da obra de Aleijadinho surge nas décadas seguintes como um desfecho: “E isso que estava faltando, esse aboutissement, foi uma coisa que felizmente ocorreu através do Aleijadinho, senão ficaria sem conclusão, sem remate.” 116. O gênio local de Antonio Francisco Lisboa representaria um expoente do período colonial, assim como Oscar Niemeyer seria o do moderno: [...] foi o nosso próprio gênio nacional que se expressou através da personalidade eleita desse artista, da mesma forma como já se expressara no século XVIII, em circunstâncias, aliás, muito semelhantes, através da personalidade de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.117 Se a figura de Aleijadinho poderia encontrar um paralelo em Niemeyer, Diamantina nos ajuda a desvendar Costa e a fundamentar a sua construção da tradição. Cabe perceber o arquiteto e seus pensamentos entre um “romantismo estético e um cientificismo iluminista”118. Se a cabana de Laugier e a tenda de Le Corbusier são arquétipos que 114 [...] estava eu acostumado a ver em cada novo país percorrido uma architetura característica, que refletia o ambiente, o gênio da raça [...] que transformava em pedra e nela condessava numa synthese maravilhosa toda uma época, toda uma civilização, toda a alma de um povo.” In: COSTA, Lucio. A alma dos nossos lares, A Noite, Rio de Janeiro, 19 mar. 1924. 115 COSTA, Lucio. Documentação Necessária. Revista do Serviços do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 1, p.31‐40, 1937. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat01_m.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2017. 116 COSTA, Lucio. Lucio Costa sobre Aleijadinho. Revista Gávea, n.3. Junho de 1986. In: COSTA, NOBRE, 2010, p. 111. 117 COSTA, Lucio. Depoimento. In. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997., p. 199. 118 GUIMARAES, Cêça de. Lucio Costa: um certo arquiteto em incerto e secular roteiro. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1996, p.5. 72 representam cada tentativa de refundação da arquitetura diante de uma crise119, não seria possível pensar que, sendo a arquitetura e a modernidade brasileiras pautadas por questões patrimoniais, tenham elas como um dos arquétipos um bem histórico, tombado e solidificado, capaz de permear essa gênese? A construção do fio que conecta, na simplicidade estrutural funcional, passado e presente, é uma maneira brasileira de cotejar os postulados de Le Corbusier que, através de “uma leitura estritamente funcionalística”, correspondem “no seu caráter de síntese aos elementos essenciais da arquitetura entendidos como fatos originais”120. Há sim algo de diferente na modernidade da arquitetura brasileira, mas sempre aludindo a uma pretendida pureza. Entre Niemeyer e Aleijadinho, as casas do Arraial do Tijuco e os projetos de Costa, as vanguardas se firmaram como válidas em um país de dimensões maiores que qualquer país europeu. Foi um processo construído ao longo dos anos, cuja origem remonta à viagem de Lucio Costa a Diamantina. Figura 21: Casa em construção em Diamantina com estrutura de madeira, c. 1938. Os panos de vedação associados a esse tipo de estrutura são construídos, em geral, utilizando a técnica tradicional do pau a pique ou taipa de mão. Fonte: IPHAN (2010, p.14). Autor: Erich Hess. 119 Cf. PRACCHI, A. ; CORATO, A. C. S. ; Maria Helena da Fonseca Hermes . A arquitetura do Iluminismo: alguns aspectos da ideologia e da práxis. São Carlos: Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo ‐ IAU‐USP, 2013. 120 “[...] também em Le Corbusier o processo dedutivo insere‐se em alguns postulados fundamentais. Estes postulados, mesmo os que mais parecem depender de uma leitura estritamente funcionalística, correspondem exatamente no seu caráter de síntese aos elementos essenciais da arquitetura entendidos como fatos originais [...]” In: GRASSI, Giorgio. La costruzione logica dell’architettura. Padova, 1967. 73 2. JUSCELINO KUBITSCHEK: ENTRE PRESERVAÇÃO E PROGRESSO Em dois documentos do IPHAN constam referências à casa de Juscelino Kubitschek em Diamantina. Tratam‐se das indicações de Lucio Costa sobre pontos para registrar na cidade entre 1930 e 1940. Um deles é a nota enviada a Epaminondas Macedo onde o arquiteto elenca edificações a serem observadas pelo engenheiro ao realizar o levantamento da cidade, entre elas a “Casa Kubitschek’121 (Figura 22). O outro documento é a lista para o fotógrafo Erich Hess mencionando, em um dos itens, a “Casa da Rua Direita (Família Kubishek [sic]) – o teto pintado”122. Possivelmente, a casa da Rua Direita em questão é a do avô de Kubitschek e onde nasceu o ex‐presidente123. 121 COSTA, Lucio. Indicações do Dr. Lucio Costa para a inspeção a ser realizada em Diamantina pelo Dr. Epaminondas Macedo, sem data, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. In: Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Inventário. MG Pasta 3, Cx. 25. 122 Arquivo Central do Iphan. Rio de Janeiro. Caixa Memória Oral. MO‐12_EJH. Eric Joachim Hess. 123 O sobrado fica na Rua Direita, n. 106. No documento para Hess, entre parênteses, está escrito “forro pintado”. Na mesma rua, no número 36, fica a Casa do Forro Pintado, indicando que talvez tenha acontecido uma confusão. Porém, acredita‐se que a reafirmação do pedido pela “Casa Kubitschek” na lista posterior feita para Epaminondas Macedo demonstra a clareza quando ao interesse pela casa associada ao sobrenome do político. Figura 22: Indicações de Lucio Costa para inspeção a ser realizada por Epaminondas Macedo, Diamantina, s/d. Fonte: ACI/RJ ‐ Série Inventário. MG Pasta 3, Cx. 25. 74 Nasci em Diamantina no dia 12 de setembro de 1902, num sobrado que pertencia ao meu avô e que ficava situado a rua Direita, quase em frente à Catedral. Era um sobradão colonial, como muitos outros existentes na cidade [...]124 Figura 23: Rua Direita, Diamantina, entre 1910‐1932. Em 1910, a iluminação elétrica foi instalada e em 1932 a Sé foi demolida. Fonte: Acervo IMS. Autor: Chichico Alkmim. No entanto, a casa comumente associada ao político é a da Rua São Francisco, onde morou com a mãe e a irmã até sair da cidade e que fazia questão de visitar nas suas idas a Diamantina. É onde hoje funciona a Casa de Juscelino, museu dedicado ao ex‐presidente. 124 Versão preliminar do livro Meu caminho para Brasília com anotações manuscritas. KUBITSCHEK, Juscelino. Meu Caminho para Brasília. 1º Volume. In: Biblioteca do Memorial JK. 75 Morávamos, então, na casa da rua São Francisco. Ali vivi durante onze anos, até que me mudei para Belo Horizonte. [...] O quarto, que me coubera em nossa casa, era diminuto. Dispunha de espaço apenas para uma cama e uma minúscula mesa, feita de caixote, e da respectiva cadeira que minha mãe arranjara, não sei onde. No documento para Epaminondas Macedo não há um indício sobre qual era a casa, se a do avô ou da mãe. Não se sabe porque tais residências, aparentemente iguais a muitas outras, mereciam destaque. Talvez seja um indicativo de que Costa já estava atento para a situação de que um político de importância ascendente era filho daquela cidade, o que justificava o registro de suas origens. O fato é que a casa da Rua São Francisco foi vistoriada oficialmente pelo SPHAN em 1957125 (Figura 24), constatando ser reconhecida como símbolo da carreira do então presidente e mostrando que existia uma relação entre o instituto,Diamantina e a figura de Kubitschek. Figura 24: Casa onde Juscelino Kubitschek morou na Rua São Francisco. Levantamento realizado pelo DPHAN em 1957. Fonte: ACI/RJ‐SO, Pasta 579, Cx. 198. A cidade natal de Juscelino Kubitschek é onipresente ao longo de sua vida política. No discurso feito em Diamantina logo após as eleições para presidente, ressalta que sempre 125 Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Obras, Pasta 579, Cx. 198. 76 honrou com suas responsabilidades públicas, “ficando à altura das tradições desta velha, querida e legendária cidade”126. O ex‐presidente mistura a memória do vilarejo com a sua e Diamantina poderia ser narrada pelos seus discursos e entrevistas: De 1720 até praticamente a Independência, Diamantina foi um centro extraordinário de irradiação de cultura, e a cultura daquele tempo se fazia na base do amor à liberdade. Por uma razão simples: éramos colônia127, e o primeiro sentimento é o de independência, e esse sentimento se confunde inteiramente com o de liberdade. A liberdade é uma palavra que está integrada inteiramente no vocábulo democracia, governo do povo [...]. Assim, quando perguntam porque desenvolvi esse sentimento democrático: eu bebi isso no leite, no café, no ar de Diamantina, nas serenatas da minha terra. 128 Kubitschek parecia ter a propensão de tornar‐se “ideólogo de sua própria vida”, termo usado Bourdieu em A ilusão biográfica129. O sociólogo francês ressalta que o relato autobiográfico se baseia em “extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva” que estabeleça relações inteligíveis entre os estados sucessivos na existência que está sendo narrada. Ao selecionar acontecimentos significativos em sua origem e estabelecer entre eles conexões, instituindo‐os como parte das causas de uma trajetória, a atitude de Kubitschek pode ser vista por essa ótica. A ideia de trajetória por si só associa a história de vida com um percurso e, não por acaso, o livro de memórias de JK se chama Meu caminho para Brasília. No texto, assim como em Registro de uma vivência de Lucio Costa, Juscelino Kubitschek coloca Diamantina em suas primeiras páginas e com isso dá à cidade não apenas a conotação de início, mas também “de princípio, de razão de ser”130. 126 Livro da Coleção Alexandre Eulálio da Biblioteca Central Cesar Lattes da Universidade Estadual de Campinas – BCCL/UNICAMP. KUBITSCHEK, Juscelino. O discurso de Diamantina. Rio de Janeiro, RJ: [s.n.], 1956. p. 21. 127 Kubitschek destaca na entrevista a questão do Livro da Capa Verde, onde estavam contidos os dispositivos legais que Portugal impunha afim de assegurar o monopólio da exploração da mineração. Cf. FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde: o Regimento Diamantino de 1771 e a vida no Distrito Diamantino no período da Real Extração. São Paulo, SP: Annablume, 1996. 128 OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek I (depoimento, 1974). Rio de Janeiro, CPDOC, 1979, p. 5. 129 BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos da história oral. (8ª edição) Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 184. 130 Idem. 77 Duas leituras subjetivas da cidade que recaíram em interesses preservacionistas. Kubitschek e Costa, cada um à sua maneira, exerceram autoridade sobre a narrativa de Diamantina guiados por uma memória sentimental, cujo contraste revela nuances acerca da imagem da cidade feita pelos modernos. A Diamantina que Lucio Costa conhece não é mediada pela posterior visão do ex‐ presidente. Por poucos anos, os dois não se encontram na cidade131. Na cronologia que os permeia, em 1934, quando o arquiteto escreveu Razões da Nova Arquitetura afirmando que “[...] o velho espírito – transfigurado – descobre na mesma natureza e nas verdades de sempre, encanto imprevisto [...]” e que assim “mais um horizonte então surge, claro, na caminhada sem fim”132, Juscelino Kubitschek venceu a primeria eleição como deputado federal. Político influente desde 1933, quando assumiu seu primeiro cargo como secretário da Interventoria de Minas Gerais, era presença constante na cidade. O início de sua carreira pública coincide com a morte do senador Olímpio Mourão, líder político de Diamantina, e Kubitschek aproveita o fato para iniciar a consolidação de uma base na cidade natal. O município viu‐se órfão, não possuía agora ninguém que os representasse junto ao governo estadual para a obtenção de recursos, obras, nomeações. Até que algum aventureiro lançasse mão... ou descobrisse o filão. O interventor Valadares percebeu a oportunidade que surgia – a fortuna que passava [...] Alertou seu secretário para o problema, instando‐o a assumir a chefia política do município. [...] Assim, utilizando o trânsito que o cargo lhe conferia, agilizava com muita atenção – e como bom filho da terra – os pedidos provenientes de Diamantina.133 131 Aos 18 anos, Kubitschek sai da cidade materna definitivamente. Sete anos depois, surge a primeira nota a seu respeito no jornal local: “Acaba de receber o grau em sciencias medico‐cirurgicas pela Escola de Medicina de Bello Horizonte, o nosso jovem conterrâneo, dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira [...]”. Antes haviam as notas de aniversário, comuns em pequenas cidades. No entanto, a primeira falando propriamente de Juscelino no principal jornal da cidade é essa. In: PÃO DE S. ANTONIO. Diamantina: Pia União do Pão de Santo Antonio, ano 20, n. 22, 25 dezembro 1927, p.2. 132 COSTA, Lucio. Razões da nova arquitetura, in. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 108. 133 SIMÕES, Josanne Guerra. Sirênico Canto: Juscelino Kubitschek e a construção de uma imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p.36. 78 Na campanha para deputado, Juscelino inicia uma prática que o acompanharia em toda a carreira: percorreu todos os distritos do município, conversando tanto com chefes locais quanto com moradores, algo incomum na tradicional política diamantinense134. Perdeu na cidade, mas ganhou nos distritos e na zona rural e foi eleito com a maior votação para deputado federal no estado, mostrando que a tática deu certo. Nos anos seguintes, nas eleições municipais de 1936, foi o responsável direto pela campanha elegendo 11 dos 15 vereadores distritais e o amigo Joubert Guerra como prefeito de Diamantina135. Foi o início de uma hegemonia que fez dos candidatos apoiados por Kubitschek vitoriosos por mais de três décadas no Arraial136. O ex‐presidente exerceu seu primeiro mandato político até o final de 1937, quando ocorreu o golpe do Estado Novo. Nesse período, Costa realizou o projeto do Ministério da Educação e Saúde e participou, ao mesmo tempo, da fundação do SPHAN. Diamantina, por sua vez, foi tombada em 1938. A estrada do político, do arquiteto e da cidade correram em paralelo. Se a viagem a Diamantina não foi capaz de fazer emergir imediatamente uma nova postura em Lucio Costa, a cidade foi protagonista intrínseca, nas décadas seguintes, do discurso e das atitudes do arquiteto envolvendo o passado e a conexão com o moderno. Já para Juscelino Kubitschek, foi referência constante na carreira política, seja para aplicar seus projetos, para buscar apoio ou para conectá‐lo à escala das pequenas cidades e seus habitantes. Lucio Costa, nos seus relatos, considera o vilarejo “uma revelação”137, já Juscelino Kubitschek menciona Diamantina como uma cidade que “tem o privilégio e o condão de jamais fazer esquecidas as suas ruas íngremes, assuas casas velhas, onde tudo evoca episódios de um passado que é orgulho não apenas deste pedaço de Minas, mas de toda a Pátria brasileira”138. O casario colonial é elaborado como uma imagem capaz tanto de justificar a origem interiorana e mineira singular de Kubitschek, quanto a capacidade de síntese de Costa que apreendeu ensinamentos com os elementos vernaculares de construção. 134 MARTINS, Marcos Lobato. “Quem é rei nunca perde a majestade”? JK na política de Diamantina no período 934‐1970. Mneme ‐ Revista de Humanidades, v. 18, n. 41, p. 130‐162, 16 ago. 2018. 135 Cf. KUBITSCHEK, Juscelino. Meu Caminho para Brasília. Volume 1. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1974. 136 Cf. MARTINS, Marcos Lobato. “Quem é rei nunca perde a majestade”? JK na política de Diamantina no período 934‐1970. op.cit. 137 COSTA, Lucio. Diamantina, in. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997., p. 27. 138 KUBITSCHEK, Juscelino. O discurso de Diamantina. Rio de Janeiro, RJ: [s.n.], 1956. p. 18. 79 A necessidade desse desvio pela construção do espaço parece tão evidente quando é enunciada – quem pensaria em evocar uma viagem sem ter uma ideia da paisagem na qual ela se realiza? [...]139 Além de uma memória nostálgica, esse elo da morfologia de Diamantina com um passado autêntico será fruto de uma elaboração ideológica tecida pelos dois protagonistas para justificar iniciativas de vanguarda. Não apenas um espaço físico, a cidade é um dos espaços sociais onde os acontecimentos biográficos de ambos “se definem como colocações e deslocamentos”140 de uma posição a outra, de uma transição. Para desvencilhar do seu aspecto místico este “conceito que se determina a si mesmo” ele é transformado em pessoa [...] uma série de pessoas que representam “o Conceito” na história, a saber “os pensadores”, os “filósofos” e os ideólogos que são considerados, por sua vez, como os fabricantes da história [...] 141 Quando se propõe alumbrar a cidade de Diamantina e a ideologia a ela vinculada, refere‐se ao discurso ideológico “elaborado na chave retórica da persuasão: o ideólogo quer convencer o interlocutor de que seus argumentos foram construídos em nome e por meio da razão universal”142. Juscelino Kubitschek e Lucio Costa tomam Diamantina como uma referência comum e, diante do poder técnico que detinham, a transformam no projeto de um ideal que ultrapassa as questões individuais e se apresenta como modelo nacional. “... se reconhece explicitamente que a técnica, sendo desenvolvimento e progresso, não poderá não conduzir a profundas transformações na estrutura da sociedade e do Estado”143. Político e arquiteto não só anunciaram o antigo Arraial como digno de fazer parte de um percurso rumo ao desenvolvimento, mas também colaboraram eles mesmos com o tecido da cidade através de projetos modernos e de salvaguarda, traduzindo a ideologia criada em artifícios tangíveis. 139 BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. Op. cit. p. 190‐191. 140 Idem. 141 MARX, Karl. A ideologia alemã: critica da filosofia alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feurbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas. Coautoria de Friedrich Engels. 3. ed. Portugal; Brasil: Presença: Martins Fontes, [19‐], p. 59. 142 BOSI, Alfredo. Ideologia e contraideologia: temas e variações. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010, p.72. 143 ARGAN, Giulio Carlo. Architettura e ideologia. Tradução da autora. Texto original disponível em: BIRAGHI, Marco; DAMIANI, Giovanni (curad.). Le parole dellʹarchitettura: unʹantologia di testi teorici e critici : 1945‐2000. Torino: Einaudi, 2009. 80 Se a Lucio Costa coube uma atuação vinculada à proteção do patrimônio, Juscelino Kubitschek pôde ir além nas estruturas executivas. Em 1935, partindo para a posse como deputado federal, Kubitschek envia um telegrama ao Coronel Joscelino Pio Fernandes: “envio a Diamantina, por seu intermédio, minhas saudações, reiterando‐lhes e a todos os correligionários segurança meu apoio e firme propósito trabalhar sempre benefício interesse nosso município”144. Cumprindo sua palavra, mantém o apoio à cidade em todos os cargos que ocupa. Mesmo com a interrupção do mandato como deputado em 1937, ainda era visto pelos diamantinenses como o homem vinculado a Getúlio Vargas e a Benedito Valadares145. A passagem pela Prefeitura de Belo Horizonte reforçou sua influência. Joubert Guerra, o prefeito de Diamantina que Kubitschek havia ajudado a eleger, foi convidado para ser chefe da casa civil na capital. As iniciativas arrojadas de Kubitschek como governante do município lhe deram grande visibilidade e ajudaram a firmar sua imagem de “realizador confiável”146. Quando se elege governador do Estado em 1950, o apoio se intensifica: Nenhum de nós, meus caros amigos de Diamantina, terá deixado de sentir a cada instante, inquietas ou tranquilas que sejam as horas da nossa vida, a presença desta cidade no mais fundo do nosso coração [...] Este não é um retorno, porque na verdade sempre estive aqui e sempre me preocuparam os destinos da minha cidade e dos meus caros conterrâneos.147 A conjunção entre Estado, cultura e vanguarda proposta nos anos 1950 envolvia os discursos sobre desenvolvimento, que apresentavam “a vigência de uma relação simétrica e regular entre crescimento econômico e tecnológico e invenção cultural”148. No governo estadual mineiro, o progresso seria baseado no planejamento racional das ações governamentais e das potencialidades geradas pela ciência e pela técnica, consolidadas pelas realizações do binômio energia e transporte. Nesse sentido, a modernização “acenava para 144 KUBITSCHEK, Juscelino. In: PÃO DE S. ANTONIO. Diamantina: Pia União do Pão de Santo Antonio, ano 29, n. 32, 05 maio 1935, p.3. 145 Cf. MARTINS, Marcos Lobato. “Quem é rei nunca perde a majestade”? JK na política de Diamantina no período 934‐1970. Op.cit. p. 135. 146 Idem. 147 KUBITSCHEK, Juscelino. In: A Estrela Polar. Diamantina, Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, ano LI, n. 19. 17 maio 1953, p.1. 148 BOSI, Alfredo. Ideologia e contraideologia: temas e variações. Op. cit. p.235. 81 toda a sociedade, a todos enquadrando nos benefícios futuros que daí adviriam149, chegando ao homem também através de projetos de equipamentos públicos. Kubitschek, que havia iniciado a parceria com Oscar Niemeyer na prefeitura de Belo Horizonte, continua contando com o arquiteto no governo de Minas. Diamantina é uma escolha natural para a aplicação do modelo que traduz em edificações e estradas a modernização das pequenas e longínquas cidades. Entre diversas obras, além de realizar melhorias na estrada que liga Diamantina a Curvelo, e essa a Belo Horizonte, Kubitschek encomenda cinco projetos para Niemeyer: a Sede Social do Diamantina Tênis Clube, o Hotel de Turismo, o aeroporto, a Faculdade de Odontologia e o Grupo Escolar Júlia Kubitschek150. Ressalta‐se que durante o governo estadual de Kubitschek foram construídos mais de uma centena de prédios escolares em Minas Gerais 151, mas além do Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte, apenas o de Diamantina foi projetado por Niemeyer. Os projetos demonstram a ideia de renovação e os programas escolhidos vão de encontro a proposta do governo, aplicada na sua cidade de origem e com o respaldo da arquitetura moderna. No início dos anos 1950, Diamantina contava com 56.025 habitantes e, embora fizesse parte dos poucos municípiosde Minas Gerais com população superior a 50 mil moradores, o número a aproximava mais da classificação dos que possuíam entre 20 e 50 mil residentes. Eram nesses municípios que moravam a maioria dos mineiros – e dos brasileiros, cerca de 45%152. A cidade também representava a distribuição mineira entre o urbano e o rural: do total de seus habitantes, apenas 17,56% habitavam no perímetro urbano, número próximo do estadual, 18,53% e do nacional, 24,95%153. Portanto, também numericamente poderia ser 149 SIMÕES, Josanne Guerra. Sirênico Canto: Juscelino Kubitschek e a construção de uma imagem. Op. cit. p.101 150 O hotel, a sede social e a escola foram realizados, já o aeroporto não foi construído e existem ressalvas em relação a autoria do projeto da Faculdade de Odontologia. Cf. MACEDO, Danilo, A Matéria da Invenção: Criação e construção das obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais. 1938‐1954, Dissertação de mestrado, Belo Horizonte: UFMG, 2002. 151 Cf. QUATRO anos no governo de Minas Gerais 1951‐1955: sintese das realizações do governador Juscelino Kubitschek de Ol iveira. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1959; JK, seus ministros e colaboradores ‐ Guia de Fundos, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC: <http://jk.cpdoc.fgv.br/trajetoria‐de‐vida/09‐governador‐de‐minas‐gerais‐1951‐1955> 152 Dados com referência no Censo Demográfico de 1º VII 1950, realizado pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística ‐ Conselho Nacional de Estatística. Cf. <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/67/cd_1950_v1_br.pdf>. Acesso em 30 abr. 2018. 153 Idem. 82 vista como um padrão e possuía mais uma justificativa para ser escolhida como o lugar do ensaio de uma modernidade. As práticas de caráter propagandístico de Juscelino Kubitschek também encontravam um ponto de reverberação na cidade, multiplicado pelos meios de comunicação em massa. É notório como três diferentes jornais diamantinenses, cada um com sua vertente, engrandecem‐no. Como exemplo, temos a repercussão da visita oficial realizada em maio de 1953. O jornal “O Nordeste”154, pertencente a uma sociedade anônima de cunho político pessedista, em 9 de maio de 1953 dizia: “Finalmente hoje, Diamantina terá a suprema honra de receber a visita oficial de seu dileto filho [...]” (Figura 27). Já no dia 10 de maio, deram as boas‐vindas os periódicos “A Estrela Polar”155 (Figura 26), da Arquidiocese de Diamantina e o “Voz de Diamantina”156 (Figura 25), semanário independente: “Diamantina recebeu ontem entre flores e aplausos o eminente preclaro mineiro Exmo. Sr. Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, em visita oficial a sua terra natal, e nesta oportunidade o nosso prezado conterrâneo está inaugurando diversos melhoramentos nesta cidade. ”. Decretado feriado municipal no dia 9, “O Nordeste” e “A Estrela Polar” divulgaram a programação oficial da visita de três dias, que incluía homenagens, bailes, reuniões políticas, visita as obras do Hotel de Turismo e da Santa Casa e lançamento das pedras fundamentais da Escola Julia Kubitschek e da Sede do Diamantina Tenis Clube. A viagem é uma síntese da forma de governar de Kubitschek e atesta o apresso e a busca por manter sólida sua base na cidade de origem. Nas palavras do jornal católico, uma “demonstração eloquente de amor ao seu berço e à sua gente. ”. 154 O NORDESTE. Diamantina, ano IV, n. 58. 09 maio 1953. 155 A ESTRELA POLAR. Diamantina, Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, ano LI, n. 18. 10 maio 1953. 156 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Semanário independente protetor da ʺObra do Pão de S. Antonioʺ, ano 51, n.06, 10 maio 1953. 83 Figura 25: VOZ DE DIAMANTINA, 10 de maio de 1953. Fonte: Acervo Museu Tipografia Pão de Santo Antônio. 84 Figura 26: A ESTRELA POLAR, 10 de maio de 1953. Fonte: Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina. 85 Figura 27: O NORDESTE, 9 de maio de 1953. Fonte: Acervo Casa de Juscelino. 86 Para consolidar esse traço, além das visitas oficiais: Toda vez que era eleito, seja para deputado, governador, seja para presidente ou senador, ele aparecia em Diamantina quase incógnito, chamava uma ou duas pessoas de sua amizade, montava a cavalo e ia aos distritos agradecer os votos [...], visitando cada casa do lugar. [...]157 Vivendo em movimento entre uma cidade e outra, Juscelino Kubitschek estabeleceu contato direto com as populações humildes e distantes do centro. Sua associação com Diamantina foi determinante para aproximá‐lo do homem do interior. Em uma entrevista, contou que o escritor Vivaldi Moreira disse que “filho de professora pobre lá de Diamantina, que chega a presidente da República, é um mau político”158. Kubitschek roga para si a identificação com esse homem brasileiro, no reconhecimento das origens simples e interioranas, na crença em um futuro promissor: “se pode considerar a possibilidade aberta por sua história de vida que permitia criar laços de identificação, e mesmo de aspiração, com a grande maioria da população: o exemplo vitorioso de luta pela sobrevivência e ascensão social”159. Diamantina é o locus da concretização de vários desses signos. Cidade pequena, longínqua, histórica. Se por um lado é assimilada com outros municípios através de denominadores comuns, por outro tem uma mistificação que a exalta: a descoberta do diamante, a paisagem da serra, o casario colonial, os personagens como Padre Rolim, Chica da Silva e Juscelino Kubitschek, que toma para si essa representação: se ao mesmo tempo é o homem comum que cresce num lugar que passa pelas mesmas dificuldades que a maioria dos municípios brasileiros, demonstrando ter possuído as mesmas angustias que os moradores dessas localidades, por outro foi também ele extraordinário em suas realizações, digno de constar nas linhas da história, assim como o antigo Arraial do Tijuco. A imagem da cidade e do homem são associadas. Talvez seja possível ver esse quadro nas fotografias de Chichico Alkmim, tradicional fotógrafo diamantinense, cujo período 157 ANTUNES, Américo (org). João Antunes: vozes e visões. Diamantina: s.n., 2009. In: MARTINS, Marcos Lobato. “Quem é rei nunca perde a majestade”? JK na política de Diamantina no período 934‐1970. Op.cit. p. 143. 158 OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek II (depoimento, 1976). Rio de Janeiro, CPDOC, 1979, p. 55. 159 SIMÕES, Josanne Guerra. Sirênico Canto: Juscelino Kubitschek e a construção de uma imagem. Op. cit. p.51. 87 de atuação coincide com o recorte em estudo: abriu seu estúdio em 1912 e encerrou suas atividades em meados de 1950160. Alkmim registrou a Diamantina da juventude de Kubitschek, passando pelo período da viagem de Costa, o início da atuação do SPHAN e a construção dos projetos de Niemeyer. Fotografou a cidade suspensa entre o passado colonial e as intervenções modernas e registrou sobretudo seus habitantes. Os rostos e os cenários são engendrados pela fotografia e ajudam a traduzir os discursos do político e do arquiteto. Figura 28: Autobonde na Praça Antônio Eulálio, Diamantina, 1924. Fonte: Acervo IMS. Autor: Chichico Alkmim. Na fotografia da acima (Figura 28), vemos uma cena na Praça Antônio Eulálio. Em primeiro plano, estão os meninos que se diferenciam entre os que tem os pés vestidos ou descalços, um importante traço de classe do período. Juscelino Kubitschek contava pertencer ao segundo grupo: “não podia comprar livros, não podia comprar sapatos! Andava descalço,tudo isso”161, se encaixando nos personagens que compõe a maioria da imagem. A foto é de 160 Cf. FERRAZ, Eucanaã (Org.). Chichico Alkmim: fotógrafo. São Paulo: Instituto Moreiras Salles, 2017. 176 p. 161 OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek II (depoimento, 1976). Rio de Janeiro, CPDOC, 1979. 88 1924 e poderia ser uma passagem vista por Lucio Costa no primeiro contato com a cidade. Nela, podemos perceber os elementos arquitetônicos que chamaram sua atenção: os arcabouços de madeira, a vedação em taipa de mão, os cachorros e beirais, as sombras que sugerem o colorido dos sobrados. Os registros de Alkmim também guardam tradições que a modernidade iria transformar. É o caso do Mercado Municipal, ponto comercial importante para onde convergiam as tropas na entrada do Vale do Jequitinhonha desde o final do século XIX162. No primeiro contato com a cidade, o edifício e seus arcos não despertaram o interesse de Costa, que não o incluiu em seus desenhos. Chichico Alkmim fotografa o contexto no início do século XX (Figura 29). Figura 29: Praça Barão de Guaicuí e Mercado Municipal, Diamantina, c. 1920. Fonte: Acervo IMS. Autor: Chichico Alkmim. 162 Cf. MARTINS, Marcos Lobato. O comércio de ʺgêneros do paísʺ no Mercado de Diamantina, Minas Gerais: décadas de 1880 a 1930. Locus (UFJF), Juiz de Fora, v. 16, n. 2, p. 157‐173, 2010. 89 A mesma variação dos meninos da foto anterior aparece no centro da fotografia da Praça Barão de Guaicuí. À direita, o terreno vago que em 1922 receberia um edifício eclético163, seguido das demais construções com comércio no térreo e seus clientes e vendedores apoiados nos batentes das portas à espera do clique de Chichico. Por fim, no canto esquerdo, o mercado e os animais de carga dos tropeiros, homens que não aparecem neste panorama. Erich Hess, como fotógrafo do patrimônio, iria registrá‐los no final dos anos 1930 (Figura 30): “Mercado ‐ interior em dia de movimento”, dizia um dos itens do pedido oficial do SPHAN164: Figura 30: Interior do Mercado e dinâmica dos tropeiros, Diamantina, 1938. Fonte: IPHAN/ Negativo ‐ N29313 50161872 In: Campos (2009, p.283) Em 1936, pouco antes das fotografias de Hess, ganha força o debate referente à demolição do Mercado Municipal. Alegava‐se o intenso transito de tropas nas ruas do centro e a insalubridade do lugar. Consta, nos arquivos da prefeitura, um estudo para desapropriação do espaço e construção do novo edifício para a Diretoria Regional dos Correios e Telegraphos 163 O edifício de dois andares, onde hoje funciona o Restaurante Apocalipse, foi construído por Franklin de Carvalho em 1922. Cf. SANTOS, Dayse Lucide Silva. Cidades de vidro: a fotografia de Chichico Alkmim e o registro da tradição e da mudança em Diamantina (1900 a 1940). 2015. Tese (Doutorado) ‐ Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. p. 119 e 219. 164 Arquivo Central do Iphan. Rio de Janeiro. Caixa Memória Oral. MO‐12_EJH. Eric Joachim Hess. 90 (Figura 31). Kubitschek, como deputado federal, garantiu a verba165, “ilustre e prestigioso filho desta terra, que tudo fará para que a nossa D.R. tenha um prédio condigno”166. Porém, com o tombamento da cidade em 1938, o mercado passa a ser protegido pelo estado. Os jornais locais criticavam constantemente a construção. Com a atuação do SPHAN, a narrativa ganhou um novo vértice. Questionava‐se, nas reportagens, a demora da prefeitura em demolir o edifício, que caso já tivesse tomado essa atitude [...] não teria surgido essa história de monumento histórico que alegam os srs. Representantes do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, quando aqui estiveram. [...] Ninguém pode acreditar que aqueles homens, acostumados a apreciar e a valorizar edifícios objetos de arte antiga, considerassem aquele 165 “O Deputado dr. Juscelino Kubitschek, para maior garantia da execução da construção do edifício dos Correios e Telegrafos desta cidade, conseguiu, que se incluísse, de novo, no Orçamentos das Despesas da União, para 1937, a dotação dos 420,000$000, destinados aquele fim”. In: VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Semanário independente, protector da ʺObra do Pão de S. Antonioʺ, ano 1, n. 29, 29 agosto 1936, 4p. 166 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Semanário independente, protector da ʺObra do Pão de S. Antonioʺ, ano 2, n. 5, 13 março 1937, 4p. Figura 31: Planta da praça do Mercado, Diamantina, 1936. Linha preta mais forte corresponde ao perímetro do mercado e a linha tracejada vermelha é a projeção do edifício que seria construído. Fonte: Arquivo Público Municipal de Diamantina. 91 casarão sujo e pestilento como monumento antigo, quando ele é de construção de pouco mais de 40 anos167, e nada tem de artístico.168 Por fim, o jornal noticia: “Parece que se decidiu que o Mercado permanece, mas será contra a vontade da população diamantinense”169. O edifício, a esse ponto, já era caro a Lucio Costa, que ressaltou na inspeção geral realizada por Epaminondas Macedo que, ao visitar o mercado, era preciso “verificar o que se poderá fazer em favor da higiene sem prejuízo das qualidades típicas da construção”170. As primeiras obras de restauro do edifício começaram em 1940171, abrandando as discussões com a população e com governo municipal a esse respeito. O desuso do local como ponto de troca e comércio, como se via desde o século XIX, veio com o tempo. A chegada da ferrovia em 1914 havia apenas encurtado as distâncias percorridas pelas tropas, que se mantinham como o único elo entre boa parte das localidades. Foram as estradas de rodagem e seus caminhões que substituíram a grande maioria das caravanas de muares entre os anos 1940 e 1950172. Estradas, muitas vezes, abertas por iniciativa de Juscelino Kubitschek. Era essa a modernidade que o político visava. O caso do mercado é significativo porque ilustra as nuances entre as imagens que Kubitschek buscava para si. Representa situações que combatia – a morosidade do transporte, as dificuldades higienistas. Ao mesmo tempo, demonstra os caminhos que ele via como solução: se o mercado parecia insalubre, se 167 Segundo os dados do jornal, a construção do mercado seria de aproximadamente 1890. Porém, segundo Leandro Campos, que se apoia no texto de Machado Filho, a data consignada para a construção da edificação que deu origem ao Mercado Municipal de Diamantina é 1835. Também é a data considerada pelo IPHAN. Cf. CAMPOS, Leandro Augusto Ferreira. A caixa vazia: Preservação e história no mercado municipal de Diamantina. Op. cit; MACHADO FILHO, Aires da Mata. Arraial do Tijuco, cidade Diamantina. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo, 1980 p. 225; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Bens tombados de Diamantina. Brasília, IPHAN, 2003. p.46. 168 PÃO DE SANTO ANTONIO. Diamantina: Pia União [do Pão de Santo Antonio], [ano 03 mutilado], n. 40, 11 junho 1939, 8p. 169 VÓZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Semanário independente, protector da ʺObra do Pão de Santo Antonioʺ, ano 3, n. 43, 02 julho 1939, 6p. 170 COSTA, Lucio. Indicações do Dr. Lucio Costa para a inspeção a ser realizada em Diamantina pelo Dr. Epaminondas Macedo, sem data, Serviço do Patrimônio Artístico Nacional. In: Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Inventário. MG Pasta 3, Cx. 25. 171 Cf. CAMPOS, Leandro Augusto Ferreira. A caixa vazia: Preservação e história no mercado municipal de Diamantina.2009. 402 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. 172 Cf. MARTINS, Marcos Lobato. O comércio de ʺgêneros do paísʺ no Mercado de Diamantina, Minas Gerais: décadas de 1880 a 1930. Locus (UFJF), Juiz de Fora, v. 16, n. 2, p. 157‐173, 2010. 92 não estava de acordo com aparência pretendida pela cidade e se tinha outra obra para ficar no lugar, que fosse então demolido e ele, como membro do governo, viabilizaria a nova construção. Não era o passado evocado pelo mercado que o interessava. Por outro lado, existiam tradições que estavam alinhadas com as suas pretensões e que poderiam ser reafirmadas, como a reputação de Diamantina como educandário regional: [...] cidade matriz, de onde, desde os tempos coloniais, se irradiou civilização para amplíssimo território, de área maior que a de alguns países europeus. E não é de hoje que os seus colégios, o seu seminário, a excelência do seu clima, os primores de sua civilidade para aqui atraem estudantes, não só do nordeste e do norte de Minas, mas também do centro e da Mata.173 Figura 32: Alunas em frente ao Colégio Nossa Senhora das Dores, Diamantina, s/d. Fonte: Acervo IMS. Autor: Chichico Alkmim. 173 KUBITSCHEK, Juscelino. Discurso: solenidade de formatura da primeira turma de cirurgiões‐dentistas da Faculdade de Odontologia de Diamantina. 15 de dezembro de 1956. Biblioteca da Presidência da República. 93 Figura 33: Normalistas do Colégio N. Sra. Das Dores, Diamantina, 1938. Fonte: IPHAN (2010, p.9). Autor: Erich Hess O ensino secundário oferecia como opções a Escola Normal, o Lyceu de Artes e Officios da União Operária Beneficiente, o Curso de Humanidades do Seminário Episcopal e o Colégio Nossa Senhora das Dores174. O último, referência para viajantes e fotógrafos pelo seu passadiço (Figuras 32 e 33), tinha como endereço a Rua da Glória, mesmo logradouro da moderna Faculdade de Odontologia fundada por Juscelino Kubitschek em 1953 e da Escola Normal reativada pelo então governador em 1951175. A Faculdade reforçou tanto o eixo urbano de educação, quanto o ideário buscado por Kubitschek. No discurso como patrono da primeira turma de cirurgiões‐dentistas de Diamantina, afirmou que a criação do curso visava levar às populações do interior também os benefícios dos cursos superiores. Mais que isso, se a mineração e o comércio decaíram, acreditava que pelo viés da instituição de ensino a cidade teria novas oportunidades. 174 MARTINS, Júnia Maria Lopes; MARTINS, Marcos Lobato. O Colégio Nossa Senhora das Dores de Diamantina e a educação feminina no norte\nordeste mineiro (1860‐1940). Edu. Rev., Belo Horizonte, n. 17, 1993, p. 11‐19. Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/pdf/edur/n17/n17a03.pdf>. Acesso em: 02 out. 2018. 175SOARES, Layane Camposi; FREITAS, Flávio César. Histórias de Instituições Educativas, Diamantina/MG: supressão e reabertura da Escola Normal Oficial de Diamantina (1938‐1951). VII Congresso Brasileiro de História da Educação, Cuiabá ‐ MT, p.1‐13, 2013. 94 Tem rasgos de epopeia a história desta cidade e do seu povo, a áspera peleja que sustentaram, desde que se esvaiu a antiga riqueza, e no solo rochoso ficou apenas a memória dos fabulosos tesouros de antanho. Meu pensamento se volta, neste instante, para aqueles que já não se acham ao nosso lado – sombras amadas que galhardamente lutaram, em condições adversas, para conservar, altaneiro, o pendão de nossa municipalidade, os foros do seu espírito, a altivez de sua pobreza. Que mais pura efusão cívica, que mais legitimo orgulho não haveria de inflamar em seus corações, ao verem ressurgir, sob outra forma, uma forma por certo mais alta e nobre, o antigo esplendor desta terra?176 Tendo as fotografias como ilustração e pensando nas falas e decisões políticas de Juscelino Kubitschek pelas narrativas do Mercado Municipal e da Faculdade de Odontologia, é possível notar a distinção entre a representação diamantinense que ele gostaria de alterar e qual gostaria de manter e reafirmar. Já a preservação da imagem literal da cidade, expressa pelo patrimônio edificado, estava sob tutela do SPHAN. Enquanto Kubitschek era governador, foi apenas com a anuência e colaboração do órgão que os projetos modernos foram construídos177 e foram pelas medidas protecionistas da instituição que o conjunto colonial se manteve, podendo ilustrar a permanência visual dos discursos do político ao se referir à sua lendária cidade. A autoridade do SPHAN permanece evidente na segunda metade da década de 1950, quando Juscelino Kubitschek já era presidente. A necessidade de construir uma rodoviária no antigo Arraial é uma das narrativas que atesta o poder da repartição. Costuma‐ se chamar a atenção para o comentário de Lucio Costa na ocasião, sem se atentar para os fatos que antecederam o parecer sobre o edifício para passageiros178. 176 KUBITSCHEK, Juscelino. Discurso: solenidade de formatura da primeira turma de cirurgiões‐dentistas da Faculdade de Odontologia de Diamantina. 15 de dezembro de 1956. Biblioteca da Presidência da República. 177 Relação atestada por diversos documentos trocados entre o SPHAN/DPHAN e Kubitschek, entre eles ressalta‐ se: ANDRADE, Rodrigo M. F. Telegrama enviado ao Governador Juscelino Kubitschek em 16/06/1951. ACI/RJ‐SO Cx. 140 Pasta 628.4. 178 Cf. COSTA, Lucio. Parecer, 27 de agosto de 1959. BARRETO, Paulo Theodin. Informação sobre pedido para ser levantado o tombamento de quatro prédios (...) de Diamantina, de 27 de julho de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 95 Em agosto de 1958, o arquiteto e chefe do 3º Distrito do DPHAN, Sylvio de Vasconcellos, comunicou ao Diretor no Rio de Janeiro que um incêndio havia consumido por completo um prédio no centro da cidade (Figura 34). Figura 34: Incêndio ocorrido em Diamantina, 1958. Fonte: Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. No início do ano seguinte, Vasconcellos volta a entrar em contato a respeito dos desdobramentos do ocorrido: Cumpre levar ao seu conhecimento que, atendendo a desejo do revmo. Arcebispo de Diamantina, que pretende afastar do centro da cidade o meretrício, foi solicitado ao sr. Presidente da República que levantasse o 96 tombamento de uma quadra, afim de serem demolidas as construções nela existentes, vizinhas da área onde deu incêndio há pouco tempo. Felizmente, o sr. Presidente da República, pessoal e peremptoriamente, negou‐se a tal iniciativa, esclarecendo que o assunto só poderia ser resolvido pelo Diretor desta repartição.179 A resposta de Rodrigo Melo Franco de Andrade enfatiza a postura de Kubitschek: “[...] Sendo manifesto o descabimento da medida pleiteada, confio em que a autoridade arquidiocesana não insista em obtê‐la, a vista de não ter surtido efeito a iniciativa tomada junto ao Chefe da Nação”180. O arcebispo naquele momento era Dom José Newton de Almeida, sucessor de Dom Serafim Gomes Jardim, e a atitude de Juscelino Kubitschek em negar o pedido ganha mais valor ao lembrarmos do poder que a igreja representava e sua interferência em questões políticas, como fez em favor do próprio Kubitschek em algumas ocasiões. Por mais que seus cargos públicos tenham sido exercidos em outras cidades, o apoio católico que recebeu não foi da Arquidiocese da capital mineira. Pelo contrário, em Belo Horizonte era constantemente criticado. Assim, foram os arcebispos da arquidiocese da cidade natal que o defenderam durante as eleições, merecendoenfáticos agradecimentos: [...] traz‐me aqui, também, uma dívida imperecível de gratidão com estes sacerdotes de Diamantina. Um, que me mandava no início da campanha uma carta, esteio de apresentação dos meus sentimentos e da minha formação espiritual; D. Serafim, arcebispo desta cidade; o outro, D. José Newton de Almeida [...] mandou, numa declaração pública a todo o Brasil, o testemunho de que eu havia nascido nesta cidade, aqui me formara nos sentimentos cristãos e católicos desta brava gente, e aqui recolhera nos ensinamentos da minha velha mãe e nas lições destas igrejas e do seminário [...] Quando Kubitschek assume o maior cargo do poder executivo federal, a Catedral de Diamantina já estava construída conforme o projeto de Wasth Rodrigues. Como o novo projeto rotacionou seu eixo em relação a antiga Sé, a frente da igreja passou a ficar voltada 179 VASCONCELLOS, Sylvio de. Ofício nº 238. Sobre Diamantina. 25 de março de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 180 ANDRADE, Rodrigo M. F. Resposta ao ofício nº 238. 30 de março de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 97 para uma das entradas de acesso do Beco do Motta, tradicional região de boemia, onde também ficavam os meretrícios. Denota‐se o propósito moralista do pedido, ressaltado por Vasconcellos nas correspondências com a diretoria. Nem mesmo a boa relação da Arquidiocese com Kubitschek e a troca de favores consolidada entre ambos interferiram na decisão do SPHAN. Apesar do possível mal‐estar criado com os sacerdotes que o apoiaram, Juscelino se mantém distante do caso. O prefeito da época entra em contato diretamente com Rodrigo Melo Franco de Andrade, alegando que as casas que pede pelo levantamento do tombo não possuem “valor arquitetônico individuado”181. Inicia‐se também a discussão sobre se seria possível construir a rodoviária no local (Figuras 35 e 36) e, se não, onde os técnicos indicavam sua implantação. Então surge a figura de Lucio Costa, dando o conhecido parecer sobre a questão e revelando uma preocupação funcional, cuidado que demonstra ao olhar para o vilarejo desde os anos 1920. Por fim, em setembro de 1959, o Conselho Consultivo nega a solicitação municipal, mantém a proteção ao conjunto e Melo Franco de Andrade comunica a prefeitura de Diamantina que o pedido foi indeferido “por julgar improcedentes os motivos alegados, ficando assim mantido o tombamento da área compreendida [...] como parte integrante e indispensável do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade”182. Observamos assim que, na ideologia de Diamantina, as alusões tendem a acontecer, a princípio, através de elementos como a casa, os detalhes da arquitetura colonial. São eles pano de fundo para moradores e passageiros, mas convergem para o protagonismo intrínseco da cidade visto como o conjunto protegido pelo patrimônio. 181 SANTOS, Sylvio Felício dos. Carta ao diretor do DPHAN sobre o levantamento do tombo de quatro construções. 22 de junho de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 182 ANDRADE, Rodrigo M. F. Resposta ao prefeito municipal de Diamantina sobre o cancelamento de trecho tombado. 29 de setembro de 1959. Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. 98 Figura 35: Proposta enviada pelo prefeito para circulação de veículos e localização do edifício da rodoviária, Diamantina, 1959. Fonte: Processo de Tombamento 0064‐T‐38 – ACI/RJ. Figura 36: Mapa de localização do desenho enviado pelo prefeito em 1959. Fonte: elaborado pela autora, 2019. 99 Erich Hess ressalta a primeira vez que vê as procissões “enormes, subindo lá pelo alto das igrejas, passavam pela cidade...”183. É pertinente notar a diferença nos registros de Chichico Alkmim, personalidade local que tende a capturar cenas pausadas (Figuras 23, 28, 29 e 32), e Hess, estrangeiro e viajante, para quem tudo era novo e que observa a procissão e as cenas a distância (Figuras 30, 33 e 37). No entanto, assim como Juscelino Kubitschek e Lucio Costa, a oposição das visões do nativo e do forasteiro acabam sendo atraídas para um quadro similar, emoldurado pela morfologia da cidade. Se pelo contraste com os componentes não ideológicos que os traços ideológicos saltam à vista184, Diamantina se torna um entremeio de imagens que trazem a promessa de uma vanguarda brasileira na qual existe plena sintonia entre política e estética. 183 HESS, Erich Joachim. (depoimento, 1983). In: GRIECO, Bettina Zellner. (Org.). Rio de Janeiro: IPHAN/ DAF/ Copedoc, 2013. (Memórias do Patrimônio, 3), p. 56. 184 BOSI, Alfredo. Ideologia e contraideologia: temas e variações. Op. cit. p.76. Figura 37: Cenas de uma procissão passando pelos arredores da Rua da Grupiara, Diamantina, 1938. Fonte: IPHAN (2010, p.21). Autor: Erich Hess. 100 Ao celebrar os cinquenta anos de fundação da nova capital federal, Andrey Schlee afirmou que “inventamos Diamantina e Brasília”185. A declaração é astuta ao misturar o aspecto factual, de que Brasília foi criada nas pranchetas de arquitetos e urbanistas, com uma nuance ideológica, ao mencionar que, mais que uma invenção, Diamantina tem o papel de uma conexão material nativa vinculada a modernidade e estruturada por figuras como Kubitschek e Costa. Em 1955, quando já se conhecia o resultado das eleições para Presidente da República, sai na imprensa diamantinense um apelo: E, à guisa de anseio derradeiro, só deixo a V. Excia. mais uma solicitação, em nome de seus conterrâneos: ‐ Copie, V. Excia. o gesto filial de Leonardo da Vinci, essa incomparável figura típica da Renascença florentina. Êsse mestre da pintura, dando um sentido romântico ao seu patriotismo e ao seu orgulho cívico, assinava‐se sempre: “Leonardo, o Florentino”. Diamantina espera que V. Excia, em tudo que fizer de útil por um Brasil melhor, não se esqueça das virtudes religiosas e cívicas que ela ensinou a V. Excia.. Diamantina espera que, com as graças de Deus, para orgulho dela e para felicidade do Brasil, V. Excia. possa sempre se assinar: “JUSCELINO, O DIAMANTINESE”!186 Não era preciso pedir. O nome da cidade há muito já era associado ao do político. A pureza legível de Diamantina compunha perfeitamente com as virtudes pretendidas por Kubitschek e as similaridades perpassavam a primeira camada e também se esbarravam em suas complexidades. Se a leitura de símbolos como a casa e o homem poderia acontecer de maneira imediata, as nuances surgiam após uma observação mais apurada. Nesse sentido, mais uma vez as questões envolvendo a preservação da cidade pelo SPHAN podem ajudar com representações. Como no citado caso do mercado que, ao ser restaurado, teve as paredes da parte posterior construídas em alvenaria, não mantendo o original pau‐a‐pique (Figuras 38 e 39). 185 SCHLEE, Rosenthal Andrey. Lucio Costa: o senhor da memória. In: [LEITÃO, F. (Org.)]. Brasília 1960 2010: passado, presente e futuro. Brasília: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009, p.14. 186 A ESTRELA POLAR. Diamantina, Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina ano LIII, n. 53. 30 outubro 1955, p.2. 101 Figura 38: Volume posterior do mercado ainda em pau‐a‐pique durante a reforma, Diamantina, 1942. Fonte: IPHAN/ SO‐ Pasta 589.4 ‐ Fotos Mercado (obra). In: Campos (2009, p.279). Figura 39: Aspecto do volume posterior do mercado feito em alvenaria após reconstrução. Diamantina, 1943‐?. Fonte: IPHAN/ SO‐ Pasta 589.4 ‐ Fotos Mercado(obra). In: Campos (2009, p.280). 102 Como as fachadas restauradas pelo SPHAN, a imagem de Juscelino associada à Diamantina deixa algumas dúvidas. No caso de ser um modo “de persuasão levado a efeito por meio da presença física e concreta de Kubitschek”187 interpretando um papel, a estratégia se encaixou perfeitamente em seu projeto, da mesma maneira que o SPHAN manteve seus mitos se pautando em uma política cultural bem equacionada e sucedida188. Porém, a construção dessas narrativas não invalida anseios pessoais genuínos. Assim como Mario de Andrade escreve a respeito de seu trabalho na repartição, em carta pessoal a Rodrigo de Melo Franco, contando que “reviravoltas e indecisões, não repare, são naturais na paixão em que estou de que meu trabalho saia bom e agrade a você com o Lucio”189, Juscelino escreve ao amigo Augusto sobre as dificuldades de seu cargo como prefeito de Belo Horizonte, destacando o fato de ser alguém que “nasceu em meio às emanações de cidade semilendária e tradicional”190. Para além dessas questões, a relação entre Juscelino Kubitschek e o SPHAN se afirmou, após os anos 1930, como de respaldo mútuo. O ex‐presidente não interviu nos pedidos que recebeu sobre a demolição das casas no Beco do Mota e também o SPHAN não se opôs às realizações modernas no perímetro histórico propostas pelo governador. Servia ao político, mas também à instituição, que afirmava mais uma vez qual vanguarda se adequava as suas propostas. Quando a polêmica sobre o local de construção da sede dos Correios foi encerrada e um terreno delimitado, o projeto proposto, seguindo os padrões da empresa em linhas art‐ déco191 (Figura 40), esbarrou nos pressupostos estéticos do Serviço que recomendou que o 187 SIMÕES, Josanne Guerra. Sirênico Canto: Juscelino Kubitschek e a construção de uma imagem. Op. cit. p. 66. 188 RUBINO, Silvana. As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937‐1968. Op. Cit., p. 75. 189 ANDRADE, Mário de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936‐1945). Brasília, DF: Ministério da Educação e Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional Pró‐Memória, 1981. 191 p., il. (Publicações da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 33). pg 180. 190 KUBITSCHEK, Juscelino. Correspondência a Augusto, 09/03/1941, Palace Hotel Poços de Caldas, In. MEMORIAL JK, 016/A.C. 191 Cf. REIS, Márcio Vinicius. O art déco na Obra Getuliana. Moderno antes do modernismo. 2014. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) ‐ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 103 novo edifício “tivesse aspecto exterior que não contrastasse com o das edificações locais”192. O SPHAN realizou um novo projeto (Figura 41), que, pelos seus princípios, mantinha “a harmonia e o encanto antigo” do conjunto urbano, afirmando não permitir “prédios com fachadas obedecendo à arte nova porque tais construções desfigurariam por completo Diamantina”193. Por outro lado, as intervenções projetadas por Niemeyer, segundo a repartição, se encaixavam na premissa de Lucio Costa de que “a boa arquitetura de um determinado período vai sempre bem com a de qualquer período anterior, ‐ e o que não combina com coisa nenhuma é a falta de arquitetura.194 Figura 40: projeto elabora pelo Departamento de Correios e Telégrafos para Diamantina, c. 1942. Fonte: ACI/RJ. In: Gonçalves (2010, p. 111). Figura 41: projeto elabora pelo SPHAN, c. 1942. Fonte: ACI/RJ. In: Gonçalves (2010, p. 111). 192 ANDRADE, Rodrigo M. F. de. Termo de declaração, em 10/08/1942. ACI/RJ‐SO n.480, Cx.105. Apud. GONÇALVES, Cristiane Souza. Experimentações em Diamantina. Um estudo sobre a atuação do SPHAN no conjunto urbano tombado 1838‐1967. Tese de Doutorado– FAUUSP, São Paulo: 2010. p.110. 193 Idem 194 COSTA, Lucio. Parecer apresentado a Rodrigo Melo Franco de Andrade sobre o projeto de Oscar Niemeyer para a construção do Hotel de Ouro Preto. ACI/RJ‐Sério Personalidades/Lucio Costa. Pasta 12, Cx.148. 104 Quando a arquitetura moderna entra na equação que envolve Diamantina, vem para “transformar a imagem em concretude”195 e fixa‐la na posteridade. Kubitschek era consciente deste efeito: Já a Diamantina não tem por que doer‐se da perda da pretérita grandeza. Já não há de se debruçar sobre o passivo, evocando, com nostalgia, os dias idos. O magnifico ressurgimento do presente restaura‐lhe o prestígio, devolve‐lhe a hegemonia de cidade que gerou cidades, assegura‐lhe novos triunfos, novas riquezas. Rodovias, linhas aéreas, fábricas, escolas, museu, biblioteca, ousada arquitetura moderna, que realça, pelo contraste, a beleza dos seus sobrados coloniais, trazem‐lhe vida nova, integram‐na, de modo pleno, na economia, na cultura, na ativa efervescência dos tempos modernos.196 Nessa proposta, a figura profissional do arquiteto ganhou protagonismo. Foi Rodrigo de Melo Franco de Andrade que sugeriu o nome de Oscar Niemeyer para Juscelino Kubitschek ainda nos anos 1940. O então prefeito de Belo Horizonte estava insatisfeito com o resultado do concurso que havia promovido para os projetos na Pampulha, elaborados “em estilo convencional” sem responder a beleza que “extasiava os olhos” na região. Andrade, em visita a Belo Horizonte acompanhado de Niemeyer, sugeriu que Kubitschek conversasse com o arquiteto, que possuía “impressionantes dons de originalidade”197. Imediatamente, providenciei para que o conduzissem ao meu gabinete. Pouco depois, entrava um jovem, de aspecto tímido, visivelmente constrangido por se encontrar com o Prefeito da cidade. Expliquei‐lhe meu problema e perguntei‐lhe se desejava cooperar comigo, apresentando‐me algumas sugestões.198 Ao descrever as ideias que tinha em mente, Kubitschek sugere um restaurante e também uma igreja “sob invocação de São Francisco – o mesmo patrono do velho templo de 195 SIMÕES, Josanne Guerra. Sirênico Canto: Juscelino Kubitschek e a construção de uma imagem. Op. cit. p. 88. 196 KUBITSCHEK, Juscelino. Discurso: solenidade de formatura da primeira turma de cirurgiões‐dentistas da Faculdade de Odontologia de Diamantina. 15 de dezembro de 1956. Biblioteca da Presidência da República. 197 KUBITSCHEK, Juscelino. Meu caminho para Brasilia. Volume 2. Rio de Janeiro, RJ: Bloch, 1974, p.35. 198 Versão preliminar do livro Meu caminho para Brasília com anotações manuscritas. Na versão final, o encontro é narrado suprimindo a impressão de constrangimento de Niemeyer. KUBITSCHEK, Juscelino. Meu Caminho para Brasília. 2º Volume. In: Biblioteca do Memorial JK. 105 Diamantina, no interior da qual estava sepultado meu pai”199. Oscar Niemeyer observou o terreno com atenção e no dia seguinte apresentou seus desenhos para o conjunto, fazendo com que o prefeito vislumbrasse “a beleza daquelas formas arquitetônicas”200. Juscelino Kubitschek conta que estava “ciente da revolução que se processava na Europa, liderada por Le Corbusier”201. Por mais que parecesse “imprudente tentar impor a arquitetura moderna” dentro de Minas Gerais, um estado de espírito conservador não apenas na esfera artística, mas também política e social, Kubitschek “julgava que o sopro renovador só poderia ser benéfico ao conforto e ao bem estar do homem” 202 e, consciente do passo ousado, aceitou o projeto de Niemeyer. Se lança os olhos para os dias de hoje, vê oobservador como o Arquiteto continua ser o intérprete das ideias e da civilização de nossa época, de seus anseios democráticos e de sua aspiração de entendimento e harmonia social. A moderna Arquitetura busca expressá‐los pelo uso franco e natural dos materiais de construção, pela supressão das partes inúteis, pela variação na simplicidade, pela economia do tempo, do espaço e do trabalho, combinados com um senso de liberdade que suprime a ideia de confinamento. É uma Arquitetura funcional e orgânica, que se coloca a serviço do individual sem jamais esquecer o social. Em verdade, [...] é ela o retrato fiel destes nossos tempos de imprevisíveis arrancadas para os caminhos do futuro.203 Se a arquitetura colonial serviu como base para solidificar uma imagem de político que valoriza as tradições, a arquitetura moderna marca seu percurso como provedor do desenvolvimento e realizador democrático. Lucio Costa, em nota inserida em uma publicação posterior de “Razões da Nova Arquitetura” afirma que “ser moderno é – conhecendo a fundo o passado – ser atual e 199 KUBITSCHEK, Juscelino. Meu caminho para Brasilia. Volume 2. Rio de Janeiro, RJ: Bloch, 1974, p.36. 200 Versão preliminar do livro Meu caminho para Brasília com anotações manuscritas. KUBITSCHEK, Juscelino. Meu Caminho para Brasília. 2º Volume. In: Biblioteca do Memorial JK, p 57. 201 Ibidem, p. 58. 202 Idem. 203 KUBITSCHEK, Juscelino. Discurso do Excelentíssimo Senhor Governador ao agradecer as homenagens que lhe foram prestadas na Escola de Arquitetura, com a inauguração de seu busto, em bronze em 1954. In: MATTOS, Anibal. Universidade de Minas Gerais. Atividades da escola de arquitetura: relatório apresentado pelo diretor. Belo Horizonte: Edições Arquitetura, 1955. 106 prospectivo”204. Se a partir dos anos 1920 Diamantina é associada à ideologia do passado, através da questão patrimonial, da referência para os fundamentos coloniais do modernismo e das intervenções dos anos 1950 há uma expansão da ideologia da cidade como protagonista na discussão do passado e do futuro conectados por atitudes políticas e práticas estéticas que envolviam textos, fotografias e arquitetura. Uma proposta de vanguarda aplicável nos pequenos municípios, grande maioria nacional com as quais os brasileiros se identificam, mas também em novas e grandes metrópoles, como Brasília. Em gesto análogo ao que Lucio Costa e Juscelino Kubitschek fizeram em Diamantina, Oscar Niemeyer traduziu em linhas os anseios de um progresso latente, criando os projetos necessários para o homem brasileiro moderno. Figura 42: Primeira Missa em Brasília, 3 de maio de 1957. Sabe‐se que Erich Hess também fotografou o evento (Cf. GRIECO, 2013, p.42). Autor: Mário Fontenelle, 1957. 204 COSTA, Lucio. Razões da nova arquitetura. In: Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997, p. 116. 107 3. PERCURSO EM DIAMANTINA: OSCAR NIEMEYER Percurso pode expressar tanto o ato de caminhar pela linha que atravessa o espaço como um objeto arquitetônico, quanto o lugar percorrido como uma estrutura narrativa1. Nas suas ruas e capistranas, Diamantina demonstra não apenas as transformações e permanências pelas quais passou entre os anos 1920 e 1950, mas também perpassa os pontos fundamentais do percurso da arquitetura brasileira no período: Lucio Costa e as viagens de observação do conjunto colonial, a atuação do SPHAN, a presença e atividade política de Juscelino Kubitschek e, por fim, as construções das obras de Niemeyer. Oscar Niemeyer desembarcou em Diamantina pela primeira vez em 1951. Em junho daquele ano, Rodrigo Melo Franco de Andrade enviou um telegrama ao então Governador Juscelino Kubitschek avisando que Niemeyer iria para a cidade no começo do mês seguinte2. A visita estava associada aos projetos encomendados por Kubitschek e que, com a anuência e coordenação do SPHAN, foram desenhados pelo arquiteto. Seu nome começou a aparecer nas notícias diamantinenses naquele período. Na edição de três de junho de 1951, o jornal Voz de Diamantina publica, na coluna da Associação Comercial, o resultado de uma audiência com o Governador. Nela, foram discutidos quatro problemas: a construção de uma estrada asfaltada entre Belo Horizonte e Diamantina, o telefone urbano e interurbano para a cidade, a construção do Campo de Aviação e, por fim, o Hotel de Turismo. Sobre o hotel, consta que “o projeto já foi feito pelo grande arquiteto Niemeyer”3. Nota‐se que o edifício é apenas parte de um panorama de demandas que têm como cerne melhorar a comunicação de Diamantina com o país. Quando chegou ao antigo Arraial do Tijuco, Niemeyer encontrou uma cidade parecida com aquela vista por Costa em 1924. Entre 1920 e 1950, a população que habitava o perímetro considerado urbano de Diamantina se manteve praticamente inalterada. Segundo os recenseamentos, foram contabilizadas pouco mais de seis mil pessoas, dados que se 1 CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. Prefácio de Paola Berenstein Jacques, Gilles ATiberghien. Tradução de Frederico Bonaldo. São Paulo, SP: G. Gilli, 2013, p. 31. 2 ANDRADE, Rodrigo M. F. Telegrama enviado ao Governador Juscelino Kubitschek em 16/06/1951. ACI/RJ‐SO Cx. 140 Pasta 628.4. 3 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 44, n. 13, 03 de junho de 1951, p. 3. 108 refletem nas edificações: o número de prédios também não apresentou mudanças significativas e de 1.042 passou para 1.1574. Quantificar o núcleo onde seriam realizadas as intervenções torna possível compreender a importância das mesmas naquele contexto. No centro, a manutenção do número de edifícios também se explica pelo início das ações do SPHAN. Apesar da subordinação das intervenções, na área convencionada como histórica, ocorrer desde o início do processo em 1938, o primeiro documento definindo o Perímetro de Tombamento só foi oficializado com a Lei Municipal nº69 em 31 de outubro de 1949. Pouco depois, os edifícios foram projetados por Niemeyer. Se, para o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tais projetos serviam para mostrar que estar a favor da preservação da cidade não significava, necessariamente, estar contra as ideias de “progresso” e “modernidade”; para Juscelino Kubitschek, eles representariam a tradução mais perfeita de seu plano político para o estado e para o país, aplicado em sua cidade natal. Diamantina tornou‐se, assim, um território para experimentações modernistas. 5 A cidade histórica, para a qual Niemeyer estava desenhando, era retratada pelo fotógrafo Assis Horta. Complementando as questões levantadas por Erich Hess e participando do cenário local que já contava com Chichico Alkmim, Horta foi, desde 1937, o profissional diamantinense contratado pelo SPHAN para registrar as demandas do patrimônio na localidade6. É seu o panorama onde podemos observar Diamantina pouco antes das intervenções modernas, com os terrenos que receberiam os projetos ainda vagos: 4 Em 1920, a população provável na sede municipal era de 6252 pessoas. Em 1950, 6386 pessoas. Porém, os dados de 1950 fazem uma diferenciação entre urbano, suburbano e rural. Como não se conhece ao certo os perímetros considerados nos recenseamentos, ressalta‐se que, em 1950, para além das 6386 pessoas e 1157 edificações na localização urbana, existiam também outros 3791 habitantes e 903 edificações na área suburbana. Acredita‐se que oque era considerado área urbana é próximo ao perímetro tombado pelo SPHAN e o suburbano as adjacências próximas. Vale ressaltar também que o Município de Diamantina era composto por vários distritos e mais de 80% da população habitava a área rural. Assim, em 1950, o município possuía cerca de 56 mil habitantes. Dados com referência no Annuario Estatistico de Minas Geraes – Recenseamento de 1920< http://memoria.org.br/pub/meb000000468/anuario1921mg4/anuario1921mg4.pdf> e no no Anuário Estatístico de Minas Gerais – Recenseamento de 1950 <http://memoria.org.br/pub/meb000000468/anuario1950mg/anuario1950mg.pdf> Acesso em 10 jan. 2019. 5 GONÇALVES, Cristiane Souza. Experimentações em Diamantina. Um estudo sobre a atuação do SPHAN no conjunto urbano tombado 1838‐1967. Tese de Doutorado– FAUUSP, São Paulo: 2010, p.158. 6 Contratado pelo próprio Rodrigo M. F. de Andrade quando este, na visita antes do tombamento, procurou alguém que trabalhasse com fotografia para ser assistente do Serviço em Diamantina. Assis Horta, então com 19 anos, tinha acabado de abrir o “Photo Assis” e se ofereceu para a função. Prestou serviços ao SPHAN como freelancer até 1945, 109 Figura 43: Panorama de Diamantina. 1948. Autor: Assis Horta. Fonte: Acervo Museu do Diamante. Em vermelho, alterações da autora destacando a futura localização dos projetos de Oscar Niemeyer. As obras construídas se aproximam gradualmente do tecido histórico: a Sede Social do Diamantina Tênis Clube fica no limite da área protegida, mas fora dela; o Grupo Escolar Professora Júlia Kubitschek também está no limiar, porém dentro do perímetro tombado; a Faculdade de Odontologia possui uma localização mais privilegiada e o Hotel de Turismo é o que assume uma posição central de destaque (Figura 44). quando foi contratado oficialmente como funcionário do Patrimônio. Suas atribuições incluíam não apenas os levantamentos fotográficos, mas também medições, pesquisas nas documentações das ordens religiosas e até o desenvolvimento de croquis para os processos de tombamento. Cf. SILVA, Cleber Soares da. O olhar de Assis Horta: Tradição e dignidade em retratos de operários. 308 f. Dissertação (Mestrado) ‐ Curso de Pós‐graduação em Artes, Cultura e Linguagens, Instituto de Artes e Design, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/6585>. Acesso em: 03 jan. 2019. 110 Figura 44: Mapa de Diamantina no séc. XX com destaque para as obras de Niemeyer. Fonte: Elaborado pela autora (2019) 110 Fi gu ra 4 4: M ap a de D ia m an tin a no s éc . X X co m d es ta qu e pa ra a s ob ra s de N ie m ey er . F on te : E la bo ra do p el a au to ra (2 01 9) 111 Lucio Costa, em 21 de outubro de 1953, assina estar de acordo com as informações passadas em um documento, enviado por José Souza Reis, com as atualizações dos projetos em Diamantina: Localização das novas construções do ponto de vista da DPHAN. a) Grupo Escolar Parece‐nos bem localizado, num terreno de encosta e com o necessário desafogo. A excelência do projeto, que está sendo executado com apuro, deverá fazer dessa construção mais um elemento de interesse para a cidade. b) Hotel A localização do prédio é mais central, mas o terreno, também de encosta, é bastante amplo. c) Clube de Esportes Será construído um novo prédio, projetado pelo Oscar Niemeyer, no terreno do atual clube, fora da zona tombada. d) Escola de Odontologia Está sendo iniciada uma construção de volume considerável, dentro da zona tombada. Informou‐nos o Dr. Brandão Costa que só conseguiu obter o projeto agora, depois de muita insistência junto aos responsáveis. O arquiteto Oscar Niemeyer recebeu do Governador a incumbência de modificar o projeto, medida essa de grande interesse para a DPHAN.7 O informativo demonstra a anuência de Costa, a recorrência do nome de Niemeyer nas construções do período que eram de interesse do SPHAN e a onipresença de Kubitschek. É um indicativo da relação dos três nomes em Diamantina e das questões que vem a seguir. As especificidades dos projetos já foram analisadas por Danilo Matoso Macedo8 e por Bruno 7 REIS, José de Souza. Informação n.245 ao diretor, Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 19/10/1953. ACI/RJ‐SO, Pasta 482, Cx. 106. 8 Cf. MACEDO, Danilo, A Matéria da Invenção: Criação e construção das obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais. 1938‐1954, Dissertação de mestrado, Belo Horizonte: UFMG, 2002. 112 Tropia Caldas9. Caldas, ao estudar o trabalho de Oscar Niemeyer em Diamantina, descreveu questões projetuais e de pesquisa formal. Portanto, neste trabalho, pretende‐se apresenta‐los brevemente apenas como meio para elucidar novas colaborações vindas da interlocução entre as fontes primárias e a trajetória de Costa, Kubitschek e Niemeyer na cidade. A Sede Social do Diamantina Tênis Clube, situada na Praça de Esportes, foi desenhada para receber reuniões e festas. Além da excepcionalidade por ser um programa voltado ao lazer, até então pouco explorado pelo arquiteto10, foi o projeto que veio de um gesto mais livre. Desde a versão inédita encontrada no Arquivo Público Municipal (Figura 45), expressava o desejo de transparência e curvas delimitando as fachadas mais extensas do edifício, paralelas ao espinhaço. Na prancha desta variante, há uma breve descrição, escrita à mão, das intenções: A solução localiza o clube na parte mais apropriada do terreno de forma a garantir para o mesmo ambiente amplo e agradável, assim como vista para as dependências e jardins do clube. A parte de vestiários será situada junto à piscina constituindo um conjunto interessante com marquises, bares, etc.11 A versão posterior, publicada por Papadaki12, conta com alterações na fachada e na forma como os ambientes foram dispostos (Figuras 46, 47 e 48). Se antes eram previstos dois volumes distantes para que um deles servisse de apoio próximo à piscina, nesta nova hipótese eles estariam diretamente conectados. Mais próximo desta, o projeto realizado apresenta ainda novas alterações. O aspecto exterior permaneceu, mas o edifício de apoio, que seria implantado perpendicular ao volume principal, não foi feito. Já a escada foi realizada de maneira diversa, em um lance reto. O que perdurou comum a todas as propostas foi o grande 9 Cf. CALDAS, Bruno Tropia. Velho Tejuco moderno: A presença da arquitetura de Oscar Niemeyer em Diamantina – MG. 245 f. Dissertação (Mestrado) ‐ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. 10 Segundo Caldas, seria a terceira proposição de Niemeyer para este fim, sendo que os antecessores são a Iate Clube da Pampulha (Belo Horizonte, 1940) e o Iate Clube Fluminense (Rio de Janeiro, 1945). Cf. CALDAS, op. cit., p. 98. 11 Praça de Esportes. Arquivo Púbico Municipal de Diamantina – Série Plantas Diversas Antigas. Cx. 07. 12 Niemeyer projeta, no mesmo período, o Clube Libanês de Belo Horizonte. Uma proposta muito semelhante ao Clube de Diamantina tanto na primeira versão, parecida com o desenho dos arquivos da prefeitura diamantinense, quanto a versão posterior, publicada por Papadaki. Devido à grande semelhança, muitas vezes os projetos são confundidos ao serem apresentadas. Para diferenciar as maquetes, por exemplo, foi adotada a estratégia de mudar o cenário e sabia‐se que projeto era o de Diamantina porque havia uma torre de igreja ao fundo. Cf. CALDAS, op. cit., p. 110‐122; PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: Works in progress. New York: Reinhold, 1956. p. 112‐124.113 terraço do pavimento superior, com posição privilegiada para vislumbrar a cidade e a paisagem características. Por fim, o conjunto que ainda se observa pode ser lido a partir de dois elementos formais: “uma laje apoiada sobre um arco e a partir dele avançando em balanço para ambos os lados” e “uma abóbada curva em concreto apoiada sobre um par de arcos perimetrais que chegam independentes até o solo sobrepondo‐se ao primeiro elemento e cobrindo parte do terraço acima”13. 13 MACEDO, Danilo Matoso. Da matéria à invenção: as obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais, 1938‐1955. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2008, p. 241. Figura 45: Projeto da Sede Social do Diamantina Tênis Clube. Fonte: Arquivo Público Municipal de Diamantina. 114 Figura 46: Sede Social do Diamantina Tênis Clube ‐ Térreo 1. Entrada 2. Salão de jogos 3. Balcão 4. Sala de jantar privativa 5. Restaurante 6. Sanitários 7. Barbearia. 8. Salas privativas de jogos Fonte: Papadaki (1956) Figura 47: Sede Social do Diamantina Tênis Clube ‐ Primeiro Pavimento 9. Terraço 10. Salão 11. Bar 12. Serviço 13. Sala de leitura 14. Sanitários Fonte: Papadaki (1956) Figura 48: Croquis. Fonte: Papadaki (1956) 115 Figura 49: Sede Social em construção na Praça de Esportes. Fonte: Museu do Diamante. In: Caldas (2014, p.98) Autor: Assis Horta. Apesar de ser a primeira proposição elaborada por Niemeyer para Diamantina 14, foi aquela cuja obra mais se estendeu. Em 1955, a Sede Social do Diamantina Tênis Clube era anunciada na imprensa diamantinense como “a maior e mais arrojada criação de Oscar Niemeyer já conhecida na América do Norte e Europa”15, mas três anos mais tarde já surgiam denúncias quanto a paralisação da construção e a ausência de repasses de verbas do governo estadual. Ressaltava‐se que Kubitschek, então presidente da república, enviava os recursos, porém o governador se recusava a disponibilizá‐los e enquanto isso o edifício se degradava16. No ano seguinte, com tom ainda menos ameno e com críticas direcionadas ao projeto, no contexto que Brasília estava sendo concluída, a Voz de Diamantina vinculava os julgamentos sobre a Sede Social aos pareceres feitos sobre a nova capital. Comentando um artigo para a revista “Mundo Ilustrado”, onde críticos de arte, citando particularmente Charlotte Perriand, contrapunham os luxuosos edifícios públicos a aqueles construídos ao lado com falta de ar, luz e comodidades, o autor escreve: 14 CALDAS, op. cit., p. 99. 15 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 52, n. 40, 02 janeiro 1955. 16 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 52, n. 15, 26 janeiro 1958. 116 Não seria este cronista a quem faltam maiores conhecimentos no assunto, a pessoa indicada para criticar tal celebridade conhecida e comentada no mundo inteiro. Mas um exemplo frisante do que disseram os críticos de arte, é a Sede Social do Diamantina Tenis Clube desta cidade. Ao lado de custosas obras de esquadrias de alumínio, vidraçaria, plataformas, etc., ficaram as instalações para toilete. Pobres, mal ventiladas, inadequadas, onde não se poderá colocar um móvel para que uma senhora possa empoar o rosto como deve. Mas como diz o rifão popular: “errar é humano”. E um Oscar Niemeyer não erra: quando muito se engana.17 No início de 1960, as obras retomam com novo fôlego. No final daquele ano, após quase uma década, o projeto é concluído, mas permanece fechado e alvo de questionamentos. Inclusive a autoridade excessiva de Kubitschek é indagada, porque, segundo o cronista, ele impôs a localização e o projeto do edifício “a seu belo prazer”18. Por fim, a inauguração oficial aconteceu em setembro de 196219. Naquela década, o edifício teve seu auge e recebeu eventos sociais, bailes, cursos e exposições. Nos anos 1970, as notícias referentes as programações passam a ser raras e o espaço é desocupado e fechado. Foi o início do estado de ruina que permanece até hoje (Figura 50). Sem o respaldo do perímetro protegido pelo SPHAN, a medida de proteção adotada foi o tombamento municipal em 200420. Se por um lado a Sede Social na Praça de Esportes recebe críticas e ressalvas comuns à relação entre político e arquiteto, por outro demonstra a capacidade inventiva de Niemeyer dialogando com um lugar com as variáveis de Diamantina. As linhas que compõe o edifício contrastam com o casario, mas mantêm as proporções do conjunto. Quem olha de longe, percebe a curva que se apoia no terreno sem prejudicar a observação do que está além. Quem está no edifício, no alto da ladeira, observa o centro histórico. A cidade colonial permanece como protagonista. 17 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 54, n. 04, 25 outubro 1959. 18 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 55, n. 13, 25 dezembro 1960. 19 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 56, n. 48, 16 setembro 1962. 20 Inscrição no Livro de Tombo 07/2004‐ Decreto n° 44 de 12 de abril de 2004. 117 Figura 50: Vista aérea de Diamantina com destaque para a Praça de Esportes, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni. Figura 51: Vista aérea da Sede Social do Diamantina Tênis Clube na Praça de Esportes, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni. 118 Figura 52: Sede Social do Diamantina Tênis Clube. Fonte: Acervo da autora, 2017. 119 Enquanto a arquitetura e as dificuldades relacionadas ao projeto e sua viabilização marcaram o clube, o programa e o atendimento a demandas sociais e econômicas seriam as principais questões associadas aos edifícios educacionais desenhados por Niemeyer em Diamantina. O Grupo Escolar Julia Kubitschek21, hoje Escola Estadual Professora Julia Kubitschek, foi um dos melhoramentos anunciados por Juscelino Kubitschek ao assumir o governo estadual. A notícia no jornal A Estrela Polar sobre o discurso que faz na cidade, poucos meses depois da posse, conta que: Citou três cousas que pretende fazer em futuro próximo em Diamantina: um hotel de turismo, mais um grupo escolar e uma estrada de automóvel ligando Diamantina à Bahia. A grande massa popular que aglomerava na praça aclamou delirantemente o Governador e os demais visitantes, enquanto estrondavam foguetes e dinamites em todos os recantos da cidade. 22 O grupo escolar recebeu o nome da mãe do ex‐presidente, professora em Diamantina por mais de trinta anos. Além de uma homenagem à sua progenitora, Juscelino Kubitschek buscava atender às demandas do município. Ao viabilizar uma nova escola, a medida atingia diretamente a estatística que apontava que apenas 43% da população diamantinense com 10 anos ou mais sabia ler e escrever23. Num cenário onde a maioria dos edifícios destinados ao ensino na cidade adaptavam‐se a imóveis inicialmente destinados a outros fins, construir uma escola e ainda propor um projeto moderno reafirmava as transformações pretendidas por Kubitschek e validava, em mais um programa atendido, a arquitetura como sua aliada. 21 Cf. BARACHO, Cláudia Elizabeth. Grupo Escolar Professora Júlia Kubitschek: modernização na arquitetura e nas concepções educacionais em Diamantina, 1951‐1961. 2016. 142 p. Dissertação (Mestrado Profissional) – Programa de Pós‐Graduação em Ciências Humanas, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, 2016. 22 A ESTRELA POLAR Apud BARACHO, op. cit., p. 83‐84. 23 Dados com referência no Censo Demográfico de 1º VII 1950, realizado pelo InstituoBrasileiro de Geografia e Estatística ‐ Conselho Nacional de Estatística. Cf. < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/113/col_mono_n23_diamantina.pdf>. Acesso em 30 abr. 2018. 120 Depois da Escola Profissional de Belo Horizonte, de 1940, e do Colégio de Cataguases, de 1946, Oscar Niemeyer desenhava pela terceira vez um edifício escolar24. O projeto da escola de Diamantina, de 1951, foi realizado antes mesmo do Colégio Estadual Central na capital mineira, este de 1954. No antigo Arraial, a solução adotada pelo arquiteto apoia o edifício [...] em duas fileiras de pilares ovais e circulares separadas em 6,4m, com intervalo de 7,4m entre si, configurando um pilotis recuado quase convencional. A cada pilar corresponde uma divisão de sala de aula no pavimento superior e também uma mão francesa de seção variável em concreto, sustentando pela borda o avanço da laje de cobertura.25 No térreo, organizam‐se as áreas da diretoria, dos professores, de refeições, de apoio e um espaço coberto para os alunos. A conexão entre os andares acontece por uma rampa (Figura 53). Figura 53: Grupo Escolar Julia Kubitschek – Plantas 1.Entrada 2. Salão 3. Pátio coberto 4. Refeitório 5. Cozinha 6‐8. Secretaria, sala da diretoria e sala dos professores 9‐10. Consultório odontológico 11‐12. Consultório médico 13. Sanitários 14. Rampa 15. Corredor 16. Sala de aula Fonte: Papadaki (1956) 24 CALDAS, op. cit., p. 151. 25 MACEDO, Danilo Matoso. Da matéria à invenção: as obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais, 1938‐1955. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2008, p. 281. 121 Figura 54: Grupo Escolar Julia Kubitschek ‐ Corte Transversal Fonte: Papadaki (1956) Figura 55: Grupo Escolar Julia Kubitschek ‐ Croqui Fonte: Papadaki (1956) A pedra fundamental do novo edifício foi lançada em abril de 195326 e, um ano depois, as obras foram concluídas. Como sempre acontece, o eminente Governador do Estado aqui chegava em caráter particular, não só para visitar sua terra, como ainda para fiscalizar as diversas obras que o seu governo realiza neste Município. [...] o Grupo “D. Julia Kubitschek” já concluído, constituindo este um belo prédio de linhas absolutamente modernas e portentosas. As suas dependências foram 26 No mesmo dia, também foi lançada a pedra fundamental da Sede Social do Diamantina Tênis. Cf. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 50, n. 01, 05 abril 1953. 122 percorridas pelo Sr. Governador e demais pessoas que puderam constatar o estilo e a amplitude de suas instalações.27 A inauguração oficial aconteceu no dia 19 de junho de 1954. Na cerimônia, no final de seu discurso, Juscelino Kubitschek “prestou uma homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer e aos engenheiros que executaram a planta”28. Não há registros da presença do arquiteto no evento, nem de um acompanhamento mais assíduo das obras, ao contrário de Kubitschek, cujas visitas oficiais ou repentinas marcaram o governo estadual. Porém, a menção do nome do profissional ajuda a demonstrar o significado do político de ter confiado a um arquiteto específico aquele trabalho. Não apenas Kubitschek depositava suas aspirações em Niemeyer. A escola, ao contrário da sede social, já foi desenhada dentro do perímetro tombado, contudo o acervo do SPHAN não revela muito sobre o seu projeto. Sabe‐se que o Serviço acompanhou as obras, mas pouco registra o período entre desenho e construção. Os arquivos mais significativos são as fotografias feitas por Marcel Gautherot do prédio recém acabado29 (Figuras 56 e 57). Figura 56: Grupo Escolar Julia Kubitschek, 1956. Fonte: ACI/RJ‐SI, Pasta 04, Cx. 32. Autor: Marcel Gautherot. 27 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 51, n. 50, 14 março 1954, p.1. 28 A ESTRELA POLAR. Diamantina, ano 52, n. 25, 27 junho 1954. 29 Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Inventário. MG Pasta 04, Cx. 32. 123 Figura 57: Pátio coberto Grupo Escolar Julia Kubitschek. Figura 49: Grupo Escolar Julia Kubitschek, 1956. Fonte: ACI/RJ‐SI, Pasta 04, Cx. 32. Autor: Marcel Gautherot. Em 1964, o Grupo Escolar volta para a pauta dos jornais de Diamantina. Alega‐se a necessidade de um muro para evitar os roubos e danos que estavam sendo feitos nas instalações, além do uso do saguão aberto para “toda sorte de sujeira”30. Três anos depois, anuncia‐se que a escola não funcionaria no ano letivo corrente por falta de reparos, chegando ao ponto de “não poder receber os alunos, porque não oferece segurança”31. De modo que, mais de 600 crianças terão seus estudos interrompidos [...]. Enquanto isso, o magnífico prédio que custou milhões ao Estado e que foi projetado pelo famoso arquiteto Niemeyer, a ação do tempo vai dia a dia se deteriorando. Nenhuma providência se tomou até agora para a sua recuperação, pois ninguém se lembra de nós e estamos há muito tempo marginalizados [...]32 30 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 58, n. 14, 05 janeiro 1964. 31 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 61, n. 20, 12 março 1967. 32 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 61, n. 17, 19 fevereiro 1967. 124 O período político era delicado e nota‐se o abandono do edifício em um contexto pós‐golpe de 1964. Naquele momento, Kubitschek estava perdendo sua hegemonia em Diamantina: desde o início das eleições diretas pluripartidaristas até o final dos anos 1960, o candidato que apoiava vencia as disputas municipais33. Com os direitos políticos cassados e no exílio que durou até 1967, a crise de um projeto icônico para Kubitschek em sua cidade natal, e ainda relacionado à educação, é significativa. Por fim, as atividades retomam e, em 1969, uma nota avisa: “Niemeyer ficou triste quando soube que o Grupo foi murado. Mas foi o remédio contra a fúria iconoclasta dos mal‐educados”34. Ressaltam‐se também outras alterações ao longo do tempo. A rampa interna se tornou um imenso escorregador que causava grande alvoroço entre os alunos, até que o revestimento e o corrimão foram trocados. Além disso, um dos módulos das salas de aula era um bloco de sanitários no piso superior. Problemas técnicos o inutilizaram e em uma reforma ele passou a integrar o conjunto como mais uma sala. Porém, o vazamento principal não foi resolvido e, nos anos 1980, notou‐se que a infiltração estava comprometendo a estabilidade do conjunto. Como solução, foi construída uma fileira adicional de pilares no térreo. Ademais, atendendo a demandas práticas, uma biblioteca e novos sanitários foram improvisados no primeiro andar. Outras necessidades citadas pelos membros da escola são um espaço adequado para as atividades físicas e um auditório, cujo projeto cogitou‐se pedir para Niemeyer em 200735. A Escola Estadual Professora Julia Kubitschek continua suas atividades e atende cerca de 500 alunos. Referência na região, o apreço da comunidade pelo local é sentido nas visitas. Mantem‐se o uso original do prédio, assim como um painel de Di Cavalcanti, que recebe os estudantes na área comum desde os anos 195036. Das salas de aula, a implantação do edifício privilegia a vista de Diamantina. Assim, mesmo dentro de um espaço que pouco lembra as construções coloniais, a referência é mantida. 33 Cf. MARTINS, Marcos Lobato. “Quem é rei nunca perde a majestade”? JK na política de Diamantina no período 934‐1970. Mneme ‐ Revista de Humanidades, v. 18, n. 41, 16 ago. 2018,p. 141‐142. 34 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 63, n. 18, 02 março 1969. 35 Joia modernista incrustada em território barroco: Escola é presente para a cidade dos diamantes. Projeto Design, São Paulo, n. 334, p.62‐71, dez. 2007. 36 CALDAS, Bruno Tropia. Velho Tejuco moderno: A presença da arquitetura de Oscar Niemeyer em Diamantina – MG. 245 f. Dissertação (Mestrado) ‐ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014, p. 161‐162. 125 Figura 58: Vista aérea da Escola Estadual Professora Julia Kubitschek, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni. Figura 59: Vista aérea da Escola Estadual Professora Julia Kubitschek, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni. 126 Figura 60: Escola Estadual Professora Julia Kubitschek. Fonte: Acervo da autora, 2017. Não é tão comentado o fato que, logo no começo, o prédio foi cedido para que a faculdade de odontologia iniciasse suas atividades: 127 A Escola [de Odontologia] vai funcionar provisoriamente no novo edifício do Grupo Julia Kubitschek, no início da Avenida da Saudade, estando já bastante adiantados os trabalhos de construção do edifício próprio, na Rua da Glória.37 A Faculdade de Odontologia de Diamantina (FAOD) surgiu de uma reivindicação da Associação Comercial e Industrial junto ao governo estadual38. O pedido foi atendido por Kubitschek e, em 30 de setembro de 1953, a FAOD foi criada pela Lei Estadual nº990. Não bastavam apenas estradas, o norte de Minas Gerais carecia que também diminuíssem as distancias em outras áreas e o ensino superior se apresentava como um dos caminhos. Noticiava‐se a importância da iniciativa: À primeira vista, o fato se apresenta como o da criação de mais um instituto de ensino superior a colocar‐se ao lado dos já existentes. Contudo, o estabelecimento de uma Faculdade na vasta região do norte de Minas tem um sentido mais amplo, dada a utilidade do seu objetivo, destinada a atender uma zona do Estado que até hoje não conta com nenhum instituto universitário.39 Para a construção da sede da faculdade, foi escolhido um terreno anexo à Santa Casa de Caridade que se estendia até a Rua da Glória, associando o tradicional eixo de educação representado por essa via ao uso relacionado à saúde dos edifícios hospitalares existentes. Concluídos os arranjos para a disponibilização do terreno, o 2º Tenente arquiteto Raimundo Nonato Veloso elaborou a primeira versão do projeto40. Porém, como anunciado pelo documento do SPHAN já citado41, o Governador solicita que Niemeyer interfira no projeto, fato “de grande interesse” também para o órgão de proteção. Assim, nos arquivos, encontram‐se os desenhos de Nonato Veloso já com alterações a lápis modificando, principalmente, o volume do auditório (Figura 62). 37 A ESTRELA POLAR. Diamantina, ano 52, n. 17, 02 maio 1954. 38 CALDAS, op. cit., p. 168. 39 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 52, n. 05, 02 maio 1954. 40 O conjunto de desenhos apresentados, assinado pelo arquiteto da Polícia Militar, não possuía o título de faculdade, mas sim “Projeto do Conservatório de Música de Diamantina”. “Nesse ínterim [entre a aquisição do terreno e escolha do arquiteto], iniciou‐se a terraplanagem e preparação do lote, como se fosse para a construção de outro grupo escolar, artifício utilizado, para que não se espalhasse a notícia da criação de uma Faculdade em Diamantina, evitando‐se, assim, contratempo, com os adversários políticos e o surgimento de pedidos similares para outras regiões do Estado” FERNANDES; CONCEIÇÃO: 2005 apud CALDAS, op. cit., p. 169‐170. 41 REIS, José de Souza. Informação n.245 ao diretor, Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 19/10/1953. ACI/RJ‐SO, Pasta 482, Cx. 106. 128 Figura 61: Faculdade de Odontologia/ Conservatório de Música de Diamantina ‐ Térreo. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 172) Figura 62: Faculdade de Odontologia/ Conservatório de Música de Diamantina – Primeiro Pavimento com alterações a lápis. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 172) Figura 63: Faculdade de Odontologia/ Conservatório de Música de Diamantina – Fachada lateral direita Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 172) Figura 64: Perspectiva do projeto. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 173) 129 Não há como comprovar que as intervenções sobrepostas ao projeto original são de Niemeyer. No entanto, na sequência da pasta, encontra‐se um jogo de desenhos com o título “Faculdade de Odontologia de Diamantina: modificação do projeto” e em um deles aparece o escrito “Substitutivo de Oscar Niemeyer – outubro de 1953”42 (Figuras 65 a 69). Figura 65: Faculdade de Odontologia ‐ Térreo. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 181) Figura 66: Faculdade de Odontologia – Primeiro Pavimento. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 182) 42 CALDAS, op. cit., p. 171. 130 Figura 67: Faculdade de Odontologia – Corte com a indicação “Substitutivo de Oscar Niemeyer – outubro de 1953”. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 182) Figura 68: Faculdade de Odontologia – Fachada Principal. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 183) Figura 69: Faculdade de Odontologia – Fachada Rua da Glória. Fonte: IPHAN/ANS/RJ. In: Caldas (2014, p. 182) 131 Reportagens da época também anunciavam o edifício como sendo de autoria de Niemeyer e ajudam a comprovar a participação do arquiteto na intervenção. A Voz de Diamantina, na edição 21 de novembro de 1954, escreve: A Faculdade de Odontologia de Diamantina [...] funciona em prédio próprio, também projetado por dr. Niemeyer, com policlínica, onde os alunos recebem instrução técnico científica, dispondo de vinte consultórios dentários dos mais modernos; completo aparelho de raio X; salas para aulas teóricas, salas individuais para a prática de todas as disciplinas do curso.43 A conhecida urgência de Kubitschek para concluir seus planos e a relação cada vez mais consolidada entre político e arquiteto podem ter sido os fatores determinantes para que Niemeyer aceitasse o pedido de alterar um projeto já em andamento. Bruno Caldas ressalta que a proposta deve ser compreendida de maneira continua ao estudo inicial de Nonato Veloso, sem que isso exclua os méritos de adaptação de Oscar Niemeyer, que além de alterar as plantas, modificou as fachadas e as deixou mais discretas na paisagem diamantinense44. O térreo se tornou mais livre com a inserção de pilotis, prevendo espaços abertos e fechamentos em alvenaria. O muro de pedras demarca o acesso principal do edifício pela Rua da Gloria. Entre os níveis, uma grande escadaria permaneceu como elemento central do pátio, distribuindo o fluxo entre as salas localizadas nas laterais do primeiro pavimento. O auditório, com planta trapezoidal mais marcada que a primeira versão, permaneceu na cota mais elevada do terreno com uma entrada independente voltada para a rua, mas implantado paralelo a via. A fachada mais extensa, com cerca de sessenta metros de comprimento, conta com cinco pequenas aberturas quadrangulares e um plano cego. Já a face menor possui cerca de vinte metros formando um prisma, com fechamento feito com tijolos alternados.45 43 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 52, n. 34, 21 novembro 1954. 44 CALDAS, op. cit., p. 179. 45 Ibid., p. 180‐181. 132 Figura 70: Vista da fachada da Rua da Glória, da fachada principal e do pátio interno. Fonte: Fernandes; Conceição: 2005 p. 151. In: Caldas (2014, p.183) Mesmo dentro do perímetrode tombamento, conforme a faculdade crescia e as necessidades de adaptação surgiam, o edifício sofreu drásticas alterações e ampliações. O Instituto de Patrimônio chega a tomar conhecimento das pretensões da faculdade nos anos 1970. No final de 1973, O chefe do 3º Distrito comunica que empreiteiros foram contratados para orçar “a construção de um prédio volumoso de ampliação daquela escola”46. O então diretor do IPHAN, Renato Soeiro, encaminha uma carta ao diretor da faculdade: [...] encareço a V. Sª., seja respetivo projeto submetido à prévia aprovação deste Instituto, sob pena de infringência da legislação federal de proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional e de atentado equiparado aos cometidos contra o patrimônio nacional.47 A documentação encontrada não dá indícios quanto a continuação das discussões. Dos quatro projetos de Niemeyer construídos em Diamantina, a faculdade é o menos preservado. O crescimento e desenvolvimento da instituição, que se tornou ponto nodal não só para a educação, mas para o desenvolvimento da cidade e da região, não passou pelas rigorosas exigências de manutenção do patrimônio. 46 LACERDA, Roberto. Chefe do 3º Distrito do IPHAN para o Direto Renato Soeiro. Ofício nº 347/73. 4 de dezembro de 1973. Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Obras, Pasta 579, Cx. 198. 47 SOEIRO, Renato. Diretor do IPHAN para o Diretor da Faculdade de Odontologia. Ofício nº 059. 9 de janeiro de 1974. Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Obras, Pasta 579, Cx. 198. 133 Figura 71: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM Campus I. Fonte: Acervo da autora, 2017 e Caldas, 2014. A principal permanência que se observa é o uso do edifício. Levar opções de ensino superior público para o norte de Minas Gerais, conhecido pela escassez de recursos, foi uma política adotada por Kubitschek reforçada por governantes no início do século XXI. Em 2002, a então Faculdade Federal de Odontologia (Fafeod), com a ampliação dos cursos ofertados, tornou‐se Faculdades Federais Integradas de Diamantina. Em 2005, foi transformada em Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM e, em 2014, passou por nova expansão. O edifício na Rua da Glória, que recebeu a primeira turma de odontologia com quinze alunos, hoje, faz parte de um complexo com cinco campi da UFVJM espalhados por quatro cidades, somando mais de dez mil alunos. 48 Dos quatro edifícios construídos de Oscar Niemeyer em Diamantina, o último a ser comentado é o Hotel de Turismo, ou Hotel Tijuco. O projeto é o mais centralizado em relação à área de tombamento e também o mais registrado nas documentações disponíveis no 48UFVJM: 65 anos de tradição em ensino. 2018. Disponível em: <http://www.ufvjm.edu.br/universidade/historia.html?lang=pt_BR.utf8%2C+pt_BR.UT>. Acesso em: 11 fev. 2019. 134 IPHAN. Assim, através dele, é possível lastrear com maior precisão a forma como os projetos se desenvolviam na tríade entre governo, patrimônio e arquiteto. A proposta da construção de um hotel de turismo em Diamantina vem de antes do governo estadual de Juscelino Kubitschek. Luis Kubitschek de Figueiredo, primo de Juscelino e o mesmo prefeito que havia solicitado a vinda de Lucio Costa e Rodrigo Melo Franco de Andrade a Diamantina em 194149, envia, em 1944, outra correspondência a Andrade: Com este, tenho o prazer de passar as mãos de V. Excia., para o necessário parecer, dois ante‐projetos de construções que deseja esta Prefeitura realizar: o primeiro deles, se refere a um hotel de turismo; a um teatro, o segundo. Ambas as construções deverão ser feitas próximo à estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, zona baldia que tive a oportunidade de mostrar ao Dr. Lucas Mayerhofer e, onde, segundo o parecer desse técnico, poderão ser feitas edificações em estilo moderno, visto não haver pelas imediações prédio algum em estilo colonial, devendo ser tido em conta, porém, um conjunto harmonioso, orientado por esse Serviço. Apesar disso, solicitei ao arquiteto Virgilio de Castro projetos não destoantes da parte colonial da cidade. Pelos “croquis” que anexo, poderá ser observada a localização das novas obras a serem executas.50 No texto, chama a atenção a associação entre o distanciamento do núcleo histórico adensado e a possibilidade de construir um edifício em “estilo moderno”, mas subtende‐se que, apesar dessa opção, preferia‐se manter uma linguagem mais parecida com um arremedo do pré‐existente. Já o croqui mostra a possível localização do hotel de turismo (Figuras 72 e 73), próximo à área de chegada na cidade, e o intuito de criar um núcleo de entretenimento ao relacionar o edifício de hospedagem com um novo teatro e com a Praça de Esportes. 49 FIGUEIREDO, Luiz Kubitschek. Carta do Prefeito de Diamantina para o Diretor Rodrigo de Melo Franco de Andrade. Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 24 de marco de 1941. In: Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Obras. Pasta 478, Cx. 105. 50 FIGUEIREDO, Luiz Kubitschek. Carta do prefeito de Diamantina para o Diretor do SPHAN Rodrigo de Melo Franco de Andrade. 28 de julho de 1944. In: Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro – Série Obras. Pasta 478, Cx. 105. 135 Figura 72: Croqui do prefeito Luiz Kubitschek Figueiredo para o SPHAN indicando onde gostaria de construir o novo hotel, 1944. Fonte: ACI/RJ – Série Obras. Pasta 478, Cx. 105. Figura 73: Mapa de localização do desenho enviado pelo prefeito em 1944. Fonte: Elaborado pela autora, 2019. 136 A documentação não tem continuidade no SPHAN, acredita‐se que as propostas não vão adiante. O caso pode estar relacionado com o fato que Luiz Kubitschek de Figueiredo, mesmo tendo sido colocado no cargo pela influência do primo, então prefeito de Belo Horizonte, se tornou um dos integrantes da sua oposição local51 e, com isso, perdeu força política. A proposta de construir um hotel de turismo para a cidade é retomada apenas quando Juscelino Kubitschek assume como Governador e atende mais uma demanda da Associação Comercial e Industrial de Diamantina. Kubitschek assume em janeiro de 1951 e em abril do mesmo ano iniciam‐se as correspondências no SPHAN a respeito do empreendimento. Rodrigo M. F. de Andrade envia um telegrama para João Brandão Costa52, colaborador do Patrimônio na cidade: Peço suas providências coligir remeter urgente fotografias elucidativas todos aspectos terreno Prefeitura Macau do Meio que Govenador Estado pretende utilizar construção novo hotel (ponto) Saudações 53 Pelo teor do pedido, pode‐se inferir que a escolha do terreno na Rua Macau do Meio foi feita por Kubitschek. O local, na memória de antigos moradores, era ”um extenso muro branco e pelo lado de dentro se viam belos mamoeiros, ameixas do Japão, laranjeiras de diversas qualidades e era a pequena chácara do Sr. Cosme Couto”54. Assim, apesar da posição privilegiada, não possuía nenhuma construção expressiva no seu centro, como é possível observar em um registro aéreo feito por Assis Horta (Figura 74). Já as fotografias “elucidativas” pedidas por Melo Franco de Andrade, foram prontamente encaminhadas. Quatro dias depois do pedido, Brandão Costa as envia (Figura 75). 51 Nas eleições de 1950, Luiz Kubitschek de Figueiredo concorre pela UDN e perde para o candidato do PSD, Lomelino Ramos Couto. Cf. MARTINS, Marcos Lobato. “Quem é rei nunca perde a majestade”? JK na política de Diamantina noperíodo 934‐1970. Mneme ‐ Revista de Humanidades, v. 18, n. 41, 16 ago. 2018, p. 135 ‐ 141. 52 O advogado João Brandão, junto com o fotógrafo Assis Horta, eram os colaboradores do SPHAN em Diamantina. João Brandão era funcionário do Museu do Diamante que, ao ser incorporado ao SPHAN, passou a ser o colaborador do Seviço na cidade. Cf. GONÇALVES, Cristiane Souza. Experimentações em Diamantina. Um estudo sobre a atuação do SPHAN no conjunto urbano tombado 1838‐1967. Tese de Doutorado– FAUUSP, São Paulo: 2010, p. 109‐110. 53 ANDRADE, Rodrigo M. F. Telegrama enviado ao Dr. João Brandão Costa em 23/04/1951. ACI/RJ‐SO Cx. 140 Pasta 628.4. 54 SANTOS, Luiz Gonzaga dos. Memórias de um carpinteiro. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares, 1963. p.101‐ 106. 137 Figura 74: Vista aérea de Diamantina, com alteração da autora para indicar o terreno do hotel, 1948. Fonte: ACI/RJ‐SI, Pasta 03, Cx. 32. Autor: Assis Horta. Figura 75: Imagens enviadas por João Brandão Costa. Oficío nº 42‐51 para Rodrigo M. F. de Andrade em 27/04/1951. Fonte: ACI/RJ‐SO Cx. 140 Pasta 628.4. 138 Kubitschek, ao eleger este terreno, em detrimento daquele sugerido nos anos 1940, demonstra a opção por valorizar o centro histórico, ao invés de criar um novo eixo a partir da área de chegada da cidade. Alocar o Hotel de Turismo tão próximo do núcleo colonial dá indícios do que se esperava oferecer ao visitante e que vista da cidade seria privilegiada. Além de ser uma estratégia política, uma vez que a obra ganharia maior visibilidade e estaria em maior consonância com as pretensões do SPHAN. A participação do governador em todas as esferas de decisão e viabilização do projeto é sentida. Em junho, uma nova correspondência a respeito do hotel é enviada, o já comentado telegrama que possivelmente anuncia a primeira ida de Oscar Niemeyer a Diamantina: Figura 76: Telegrama enviado por Rodrigo M. F. de Andrade ao Governador Juscelino Kubitschek em 16/06/1951. Fonte: ACI/RJ‐SO Cx. 140 Pasta 628.4. Ao que Kubitschek responde: “Muito agradeço presado amigo gentileza comunicação constante seu telegrama dia 15 corrente, a respeito solicitação dirigida Niemeyer”55. 55 KUBITSCHEK, Juscelino. Telegrama enviado ao Rodrigo M. F. de Andrade em 28/06/1951. ACI/RJ‐SO Cx. 140 Pasta 628.4. 139 Concomitante às comunicações entre o Patrimônio e o governo estadual, já era divulgado aos diamantinenses que Oscar Niemeyer seria o autor do projeto56. Era a segunda vez que Niemeyer projetava um hotel em um tecido colonial. A primeira experiência, com o Grande Hotel de Ouro Preto em 1938, já completava mais de uma década. Uma bagagem sentida nas propostas enviadas para Diamantina. A primeira versão elaborada pelo arquiteto pode ser encontrada nas pesquisas de Macedo57 e Caldas58 (Figuras 77 a 80) e comparada com a versão final, publicada por Papadaki (Figuras 81 a 84). A base do programa se manteve. No térreo: recepção, restaurante e demais apoios; no andar superior: vinte e quatro quartos. Porém, as diferenças das decisões de projeto entre as versões são notáveis. As alterações para o desenho final trouxeram as propriedades que tanto caracterizariam o edifício. O arrimo no térreo, que era uma curva com forma mais livre, passou a ser uma única linha reta que trouxe proporção mais adequada ao andar. No primeiro pavimento, os quartos também foram redimensionados e aqueles voltados para a fachada principal ganharam uma varanda. Porém, a decisão que modificou a fachada e a relação do edifício com o exterior foi o partido estrutural. Em Diamantina, os calculistas dos projetos foram Werner Muller, na Sede Social do Diamantina Tênis Clube e no Grupo Escolar Julia Kubitschek, e Joaquim Cardozo no Hotel Tijuco59. “Neste hotel, o avanço da laje da cobertura em direção à rua é sustentado por pilares inclinados que levam cargas até o solo. De seu ponto de apoio, surge outro pilar, com inclinação oposta, reduzindo o vão da laje acima”60. A solução demonstra os desenvolvimentos estruturais que permitiam a existência de pilares em “V” numa modulação a cada 6,3 metros, ou seja, a cada dois dormitórios61. 56 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 44, n. 13, 03 junho 1951. 57 MACEDO, Danilo. A Matéria da Invenção: Criação e construção das obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais. 1938‐1954, Dissertação de mestrado, Belo Horizonte: UFMG, 2002, p.420. 58 CALDAS, op. cit., p. 130‐132 59 Cf, NASCIMENTO, Elisa Fonseca. “Arte e técnica na obra de Joaquim Cardozo : notas para a construção de uma biografia intelectual.” Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro : UFRJ/PROURB/Programa de Pós‐Graduação em Urbanismo, 2007; MACEDO, Danilo. Op.cit. 60 MACEDO, op. cit., p. 457. 61 Os “V”s do Hotel no Tijuco, criados por Niemeyer e calculados por Cardozo, seriam, segundo diversos autores, influência determinante na arquitetura brasileira, começando pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, projetado por Affonso Eduardo Reidy três anos depois. Cf. MACEDO, op. cit, p. 457; CALDAS, op. cit. p. 146; BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Tradução de Ana Goldberger. 4.ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999, p. 237; CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928‐1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001, p. 186. 140 Figura 77: Hotel de Turismo – Primeiro estudo – Térreo. Fonte: Arquivo Danilo M. Macedo. In: Macedo (2002, p. 420). Figura 78: Hotel de Turismo – Primeiro estudo – Primeiro Pavimento. Fonte: Arquivo Danilo M. Macedo. In: Macedo (2002, p. 420). Figura 79: Hotel de Turismo – Primeiro estudo – Corte Transversal. Fonte: Arquivo Danilo M. Macedo. In: Macedo (2002, p. 420). Figura 80: Hotel de Turismo – Primeiro estudo – Fachada frontal. Fonte: Superintendência do IPHAN em Minas Gerais. In: Caldas (2014, p. 132). 141 Figura 81: Hotel de Turismo – Térreo. Fonte: Papadaki (1956) Figura 82: Hotel de Turismo – Primeiro Pavimento. Fonte: Papadaki (1956) Figura 83: Hotel de Turismo – Croqui com corte transversal. Fonte: Papadaki (1956) Figura 84: Hotel de Turismo – Croqui da fachada principal. Fonte: Papadaki (1956) 142 Em 1953, o SPHAN recebe a correspondência com as atualizações das obras. Sobre o hotel, avisa que “encontra‐se com a estrutura adiantada” e adiciona uma informação: Conforme nos informou o arquiteto Oscar Niemeyer o Governador pretende construir em frente ao prédio do hotel uma agência de banco e uma pensão para estudantes, pensando fazê‐las com pequena altura, afim de manter o necessário desafogo para o hotel. Existem, no local em apreço, três casas de residência de 1 pavimento cujo aspecto, a nosso ver, carece de importância, individualmente. Numa delas a fachada foi reformada.62 É a única notícia que se teve acesso a respeito do edifício construído em frente ao Tijuco. Sabe‐se que as obras ocorreram concomitantes as do hotel e, à revelia da conduta adotada pelo Patrimônio em outras situações, as três casas foram demolidas. No lugar delas, ergueu‐se a construção de um pavimento que, apesar de tentar mimetizar sua cobertura ao utilizar as mesmas telhas do casario pré‐existente, se destaca devido as proporções da área que abrange. Além disso, a vista da construção pela Rua Macau de Baixo realça os elementos modernos do projeto63. Niemeyer, em suas lembranças, num dos poucos comentários feitos a respeito das obras em Diamantina, diz: “Para tudo JK me convocava, já era seu arquiteto preferido. E outras obras, por ele programadas, começaram a surgir pelo estado [...] o Banco do Brasil, em Diamantina, na sua cidade natal, etambém lá, o clube, a escola e o hotel”64. Porém, com a ausência de documentações, não se pode afirmar quem é o autor. Por fim, o Hotel de Turismo de Diamantina foi oficialmente inaugurado no dia 25 de março de 1956: Deverá ser inaugurado hoje o Hotel de Turismo de Diamantina [...] instalado em prédio próprio, projetado por Oscar Niemeyer e construído pelo Governo Estadual. Dotado de luxuosos apartamentos, de moderna instalação, 62 REIS, José de Souza. Informação n.245 ao diretor, Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 19/10/1953. ACI/RJ‐SO, Pasta 482, Cx. 106. 63 Na Figura 86, imagem aérea feita do hotel e seu entorno por Michel Becheleni, o edifício destaca‐se ao centro. É possível observar a fachada branca para a Rua Macau de Baixo e a estrutura em pilotis. 64 NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: memórias. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 1998, p.109. 143 ricamente decorado e mobiliado [...] está assim habilitado o Hotel de Turismo para receber os mais exigentes turistas nacionais ou estrangeiros.65 Apesar de já contar com opções hoteleiras, como o Grande Hotel e o Hotel Roberto, a construção de um novo edifício significava que a cidade estava “aparelhada” como qualquer outro destino mais conhecido. Dotada de “todos os requisitos modernos”, trazia a expectativa que Diamantina passaria a “ocupar lugar de relevo no quadro das atrações turísticas do País”66. Constam, nos arquivos do SPHAN, registros do hotel recém‐concluído feitos por Marcel Gautherot: Figura 85: Hotel Tijuco, c.1956. Fonte: ACI/RJ‐ SI, Pasta 03, Cx. MG 032. Autor: Marcel Gautherot. Cerca de dez anos depois, quando a estrada de Curvelo a Diamantina termina de ser asfaltada, o hotel passa por reparos “pela terceira ou quarta vez” e a nota publicada na Voz 65 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 54, n.32, 25 de março de 1956, p.1. 66VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 54, n.53, 19 de agosto de 1956, p.2. 144 de Diamantina pede agilidade da Hidrominas ‐ Águas Minerais de Minas Gerais, a instituição pública que administrava o hotel67. Em 1972, uma nova notícia é veiculada: o Hotel de Turismo passaria a chamar “Hotel Tijuco”. Visando prestar uma homenagem à origem e ao povo da cidade de Diamantina, de tão acentuadas tradições históricas, a direção da Hidrominas resolveu mudar o nome do Hotel de Turismo para Hotel TIJUCO [...] 68. No ano seguinte, o edifício passa por uma remodelação: Não se concebe turismo sem bons hotéis e bons restaurantes. Diamantina, partindo para a exploração desta “indústria sem chaminés” [...] já os possui. O Hotel Tijuco passou ultimamente por uma grande remodelação, após quase dois meses de intensa reforma. [...] O Hotel conta agora com um belíssimo pátio de estacionamento, telefones nos apartamentos, portas de sucupira, fechaduras executivas, móveis no hall principal, reforma geral de toda a área ajardinada, além da pintura em todo o prédio.69 Dos projetos de Niemeyer em Diamantina, nota‐se que o hotel foi aquele que recebeu com maior assiduidade manutenções e que figurou em todas as décadas, independente do governo, como um investimento positivo que trazia como retorno o turismo. Fato comprovado pelo teor da notícia quando, em 1989, anuncia‐se a sua venda para a iniciativa privada: “A Hidrominas está pretendendo dispor de quatro hotéis de sua propriedade, entre eles os dois mais lucrativos o Grande Hotel de Ouro Preto e o Tijuco de Diamantina”70. Dois meses depois, a venda é confirmada: “Os novos proprietários são os Srs. José Hildebrando, José Tadeu Rocha e Geraldo Alves Coelho”71. 67 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 63, n.9, 01 de dezembro de 1968, p.4. 68 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 66, n.30, 28 de maio de 1972, p.2. 69 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 69, n.10, 02 de dezembro de 1973, p.1. 70 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 84, n.6, 23 de abril de 1989, p.2. 71 O hotel pertence à mesma sociedade, a qual somaram‐se os nomes de Marília Andrade Coelho e de Carla Maria Ramos Khouatir. Cf. CALDAS, op. cit., p. 127; VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 84, n.8, 25 de junho de 1989, p.1. 145 Figura 86: Vista aérea de Diamantina com destaque para o Hotel Tijuco, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni. Figura 87: Vista aérea do Hotel Tijuco, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni. 146 Figura 88: Hotel Tijuco. Fonte: Acervo da autora, 2018. 147 O Hotel Tijuco continua aberto para os hóspedes e entusiastas da cidade. Das suas varandas, é possível observar um panorama de Diamantina que se estende do centro histórico à Serra dos Cristais72, vislumbrando ainda o pico do Itambé. Dos edifícios, a Igreja de Nossa Senhora do Amparo aparece ao centro. No canto direito, as torres da Catedral de Wasth Rodrigues, seguidas, à esquerda, pela da Igreja de Nossa Senhora do Carmo mais ao fundo e pelo ornamento na ponta da torre da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Um observador mais atento, nota também o Mercado e parte de seus arcos. Elementos costurados pelo casario. Ao apoiar‐se no balcão, com seu muxaribi azul, não há como ignorar o Grande Hotel de Ouro Preto como um antecedente direto do Hotel Tijuco. Sobre a experiência prévia de Niemeyer ao desenhar uma intervenção numa cidade histórica, Lucio Costa disse: O projeto do Oscar Niemeyer Soares tem pelo menos duas coisas de comum com elas [as velhas construções]: beleza e verdade. [...] ao lado de uma estrutura como essa tão leve e nítida, tão moça, se é que posso dizer assim, os telhados velhos e despencando uns sobre os outros, os rendilhados belíssimos das portadas de S. Francisco e do Carmo, a casa dos Contos, pesadona, com cunhais de pedra do Itacolomi, tudo isso que faz parte desse pequeno passado para nós já tão espesso [...] parecerá muito mais distante, ganhará mais um século, pelo menos, em vetustez. E as duas grandes sombras, cuja presença o Manuel sentiu tão bem, avultarão – lendárias, quase irreais. 73 Para além dos monumentos citados, se o mesmo observador que estava em Diamantina se descola a Ouro Preto e observa a cidade por outra varanda, desenhada pelo mesmo arquiteto, e sua mirada se dirige para uma posição semelhante de quando estava no Tijuco, verá as torres da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar e a Igreja de São José, em evidência, à direita. (Figura 89) 72 O Conjunto Paisagístico da Serra dos Cristais no município de Diamantina foi tombado pelo Iphan, Processo de Tombamento nº 1.367‐T‐9. 73 COSTA, Lucio. Parecer apresentado a Rodrigo Melo Franco de Andrade sobre o projeto de Oscar Niemeyer para a construção do Hotel de Ouro Preto. ACI/RJ‐Sério Personalidades/Lucio Costa. Pasta 12, Cx.148. 148 Figura 89: (Acima) Panorama visto da varanda do Hotel Tijuco. Fonte: Acervo da autora, 2018. (Abaixo) Panorama visto da varanda do Grande Hotel. Fonte: Acervo do Grande Hotel de Ouro Preto. 148 Fi gu ra 8 9: (A ci m a) P an or am a vi st o da v ar an da d o H ot el T iju co . F on te : A ce rv o da a ut or a, 2 01 8. (A ba ix o) P an or am a vi st o da v ar an da d o G ra nd e H ot el . F on te : A ce rv o do G ra nd e H ot el d e O ur o Pr et o. 149 Embora os grandes templos se destaquem em Ouro Preto, e apesar da frequente associação da figura de Niemeyer a Aleijadinho, quando o arquiteto desenha o primeiro santuário de vanguarda do país, na Pampulha, [...] prefere as capelas dos primeiros arraiais como motor de inspiração peloseu alinhamento com as correntes que viam na arquitetura anônima ecos das funcionalidades e despojamentos vanguardistas, mas também porque ali era possível remontar a um ato fundacional.74 Figura 90: Comparação de dimensões e medidas da Capela do Padre Faria e Igreja da Pampulha com a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Fonte: A. Benoit e R.U. Frajndlich, 2019. 74 BENOIT, A.; FRAJNDLICH, R.U. A extinta pureza: a igreja da Pampulha e as capelas de Ouro Preto. Oculum Ensaios, v.16, n.2, p.291‐310, 2019. http://dx.doi.org/10.24220/2318‐0919v16 n2a4129 150 Figura 91: Comparação de dimensões e medidas da Capela do Padre Faria e Igreja da Pampulha. Fonte: A. Benoit e R.U. Frajndlich, 2019. A atenção para as obras de pequena escala constata um discurso alinhado a valorização que Lucio Costa dava aos vilarejos e seus “incultos pedreiros”75, uma representação na qual Diamantina é expoente. Assim como as capelas da antiga capital mineira, as maiores igrejas do Arraial do Tijuco foram construídas com menores proporções. É o caso da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ao utilizar a comparação elaborada por Benoit e Frajndlich (Figuras 90 e 91), na qual é possível perceber como as dimensões da Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha dialogam mais com a Capela do Padre Faria do que com a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, e associá‐la à Igreja do Rosário, única em Diamantina que, assim como a capela ouro‐pretana e o templo moderno, possui torre lateral à direita separada do corpo da igreja, a evidência fica clara (Figura 92). 75 Cf. COSTA, Lucio. Documentação Necessária. Revista do Serviços do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 1, p.31‐40, 1937. 151 Figura 92: Comparação das dimensões da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Diamantina, com a Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, e a Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Fonte: Elaborado pela autora (2019), com base em Benoit e Frajndlich (2019) e Fundação João Pinheiro (2006). O desenho também ajuda a dimensionar a afirmação que os templos diamantinenses se misturam ao casario e a compreender o impacto causado pelo projeto de José Wasth Rodrigues para a Catedral em 1932. Ao pensarmos que os monumentos de destaque do período colonial eram as igrejas, os monumentos modernos, para dialogarem com o tecido histórico sem competirem com ele, também deveriam estar mais próximos da escala das capelas da antiga capital mineira ou ainda das igrejas de Diamantina. Quanto mais respeitassem essa hierarquia, mais inseridos estariam os projetos (Figura 93). Oscar Niemeyer, na década de 1950, ao novamente intervir numa cidade patrimonial, revalida o que Lucio Costa viu nos anos 1920 e afirmou nos anos 1930. As pequenas casas, consequentemente as pequenas igrejas que se confundem nesse meio, seriam o caminho para a interlocução entre passado e presente. O ato fundacional estaria mais próximo delas. Assim como havia feito no edifício religioso na Pampulha, era com elas que era preciso dialogar ao projetar em Diamantina. 152 Figura 93: Comparação de dimensões da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e do Hotel Tijuco (vermelho), em Diamantina, com a Capela do Padre Faria e o Grande Hotel de Ouro Preto (azul). Fonte: Elaborado pela autora (2019), com base em Macedo (2008), Frajndlich e Benoit (2019) e Fundação João Pinheiro (2006). A interlocução dos edifícios com a cidade é sentida ao observamos um panorama feito a partir da torre da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. O registro, feito por Assis Horta em 1954, nos permite ver como tanto o hotel, na extrema direita da imagem, quanto a Igreja do Rosário, na extrema esquerda, se diluem no casario. Ao refazer a fotografia em 2018, nota‐ se o mesmo cenário (Figura 94). 153 Figura 94: (Acima) Panorama visto da torre da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, 1954. Fonte: Catálogo da exposição “Retratos” realizada no Palácio das Artes em Belo Horizonte (2015). Autor: Assis Horta. (Abaixo) Panorama visto da torre da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, 2018. Fonte: Acervo da autora. 153 Fi gu ra 9 4: (A ci m a) P an or am a vi st o da to rr e da Ig re ja d e N os sa S en ho ra d o A m pa ro , 1 95 4. Fo nt e: C at ál og o da e xp os iç ão “ R et ra to s” re al iz ad a no P al ác io d as A rt es e m B el o H or iz on te (2 01 5) . A ut or : A ss is H or ta . (A ba ix o) P an or am a vi st o da to rr e da Ig re ja d e N os sa S en ho ra d o A m pa ro , 2 01 8. F on te : A ce rv o da a ut or a. 154 No entanto, para melhor perceber os projetos e suas escalas, é necessário caminhar por Diamantina. Um ato feito pelos três personagens. Foi percorrendo suas ruas que Lucio Costa encontrou os vestígios arcaicos da arquitetura brasileira que ansiava descobrir. Em uma carta enviada pela sua irmã é possível perceber, além da face jovem do arquiteto, as expectativas anunciadas: As manhãs de Diamantina já te foram apresentadas ou só conheces meio dia em diante? O sol é redondo? Frio, quente? A lua é igual a daqui? Ou é feia, antiga, colonial ou bangalosa? [...] Lucio já vistes tijolos azuis, portões em ruínas, casas demolidas, já encontrastes os fósseis de arquitetura antediluviano?76 No último dia de sua viagem em 1924, Lucio Costa escreve no verso do recibo do hotel: “Como é triste partir. Partir est mourir um peu... Adeus Diamantina...”77. O arquiteto fala sobre o passeio final, quando caminha pela cidade e vê o entardecer da torre da igreja do Carmo. Juscelino Kubitschek, em anotações feitas à mão numa versão preliminar de Meu caminho para Brasília, escreve sobre as ruas do antigo arraial “pelas quais ainda hoje, e com frequência, costumo caminhar, as vezes com os meus próprios passos e sempre com a minha saudade”78. Quando relata o dia que parte pela primeira vez para Belo Horizonte, fala sobre a visão que teve ao percorrer a íngreme subida para a estação ferroviária: “Voltava‐me para contemplar a cidade [...] Mal eu podia distinguir, por entre as abertas do nevoeiro, o perfil severo das igrejas, destacando‐se, como exóticos altos‐relevos, no cenário do casario, que era um telão cinzento, unindo céu e terra”79. Na trajetória de Costa e Kubitschek em Diamantina, essa perspectiva fica clara. Fotografias, discursos e arquitetura se manifestando pela relação estreita com capistranas e becos. Por mais ingênuas que demonstrem ser, as memórias de um passado autêntico 76 COSTA, Magda Ribeiro da. Carta para Lucio Costa. Diamantina, 1924. Acervo Casa de Lucio Costa: VI.A.02‐ 01397. Disponível em: < http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/17282883>. Acesso em: 16 jun 2018. 77 COSTA, Lucio. Verso do recibo do Hotel Roberto. Diamantina, 1924. Acervo Casa de Lucio Costa. Disponível em: <http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/2888>. Acesso em: 15 maio 2017. 78 KUBITSCHEK, Juscelino. Versão preliminar do livro Meu caminho para Brasília com anotações manuscritas. 1º Volume. In: Biblioteca do Memorial JK. 79 KUBITSCHEK, Juscelino. Meu caminho para Brasilia. Volume 1. Rio de Janeiro, RJ: Bloch, 1974, p.57‐58. 155 diamantinense ganhariam importância ao serem inseridas no meio das justificativas da construção de projetos públicos. Oscar Niemeyer elabora a primeira proposta para o Hotel de Turismo tendo como base apenas as fotografias e os dados enviados pelo SPHAN, mas a versão definitiva feita após a visita ganha novas proporções eos elementos que caracterizariam o edifício. Caminhar pela cidade também mudou seu jeito de vê‐la. O projeto recebeu aberturas mais generosas, se debruçando na paisagem para que fosse possível vislumbrar a amplitude do panorama. Em outubro de 1953, o arquiteto percorre Diamantina mais uma vez: Niemeyer, na cidade. Desde sexta‐feira última encontra‐se em Diamantina, inspecionando as obras do Hotel de Turismo e do Grupo Escolar Julia Kubitschek, cujas plantas revolucionárias são de sua autoria, o famoso e internacional arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.80 Datam deste mesmo mês o documento com as atualizações das intervenções, veiculado no SPHAN por José Souza Reis81, e os desenhos de alteração da Faculdade de Odontologia82, indicando uma participação ativa do arquiteto junto as iniciativas do Serviço em Diamantina também como integrante do seu quadro. A experiência de estar na cidade era produtiva. Os projetos da década de 1950 aproximaram da prática a ideia de Diamantina como gênese e concretização das postulações da arquitetura moderna, reafirmando um trajeto histórico. Pode‐se encontrar os meandros do caminho que conectou a arquitetura colonial à moderna não só numa linha temporal, mas também podemos vê‐los expressos no traço que preservou o local de chegada na cidade e seu passeio até o centro tombado, passando por intervenções da metade do século XX. Quem chega à Diamantina hoje desembarca na rodoviária, construída em frente da antiga estação de trem83. Portanto, seja nos anos 1920 ou no período pós 1950, o ponto de 80 VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 51, n.29, 18 de outubro 1953. 81 REIS, José de Souza. Informação n.245 ao diretor, Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 19/10/1953. ACI/RJ‐SO, Pasta 482, Cx. 106. 82 Como comentado, embora não assinada pelo arquiteto, a versão encontrada no Arquivo Noronha Santos/RJ apresenta escrito em uma das pranchas “Substitutivo de Oscar Niemeyer – Outubro de 1953 – FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE DIAMANTINA – MODIFICAÇÃO DO PROJETO”. Cf. CALDAS, op. cit., 171‐183. 83 A polêmica sobre a construção do edifício da rodoviária se estende pelo final da década de 1950 e por toda a década de 1960. Por fim, a rodoviária foi construída ocupando parte do Largo Dom João, sendo inaugurada em 156 partida do percurso se mantém. Um caminho possível para guiar o visitante (Figura 89) parte dali e segue em direção ao Largo Dom João para então descer, à direita, a Rua São Francisco, passando pela Sede Social do Diamantina Tênis Clube e, mais a frente, pela antiga casa de Kubitschek. Ainda na lendária via, alguns metros abaixo da Casa de Juscelino84, inicia o perímetro definido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1999. A Rua São Francisco termina na igreja de mesmo nome e na Praça JK, que possui uma estátua do político desde 195885. O trajeto insere o viajante no centro histórico e, na praça que homenageia o ex‐presidente, virando à esquerda na Rua Macau do Meio, ele encontra um possível destino: o Hotel Tijuco. (Figura 95 a 97) O hotel é o lugar simbólico onde termina o percurso. O caminho não é aleatório. Ao decidir alocar o hotel numa posição central, Juscelino Kubitschek reafirma o núcleo colonial existente e as vias que levavam a ele. Uma opção diferente da observada na Pampulha, quando optou por criar um novo eixo para Belo Horizonte. No entanto, em ambos os casos, o político estava atento à oportunidade de exprimir materialmente o testemunho de um período: O homem público que busca, nas lições da história, diretrizes capazes de lançar sobre o futuro a luz da experiência das gerações que se sucederam, pode perfeitamente acompanhar, pelos testemunhos que a Arquitetura semeou do decurso das idades, através de edifícios e monumentos, o que tem sido a marcha dos homens e dos povos sobre a terra.86 janeiro de 1971 e está no mesmo local até hoje. Já a estação de trem, com a desativação da linha férrea, se tornou ociosa e passou a funcionar como sede do Corpo de Bombeiros. Cf. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 65, n. 14, 03 janeiro 1971, p1. 84 A Casa de Juscelino, localizada na Rua São Francisco 241, no mesmo endereço e imóvel onde Kubitschek passou a juventude, é um museu dedicado a resguardar e divulgar a memória do ex‐presidente. 85 A estátua foi inaugurada no dia 11 de abril de 1958 com a presença do então presidente. Cf. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina, ano 52, n.26, 13 abril 1958, p.1. 86 KUBITSCHEK, Juscelino. Discurso do Excelentíssimo Senhor Governador ao agradecer as homenagens que lhe foram prestadas na Escola de Arquitetura, com a inauguração de seu busto, em bronze em 1954. In: MATTOS, Anibal. Universidade de Minas Gerais. Atividades da escola de arquitetura: relatório apresentado pelo diretor. Belo Horizonte: Edições Arquitetura, 1955. 157 Figura 95: Mapa do percurso. Fonte: Elaborado pela autora (2019). 157 Fi gu ra 9 5: M ap a do p er cu rs o. F on te : E la bo ra do p el a au to ra (2 01 9) . 158 Figura 96: Vistas aéreas de Diamantina com destaque para o percurso proposto, 2019. Fonte: Acervo Rupestre Imagens. Autor: Michel Becheleni com modificações da autora em vermelho, 2019. 159 Figura 97: Desenho do percurso da rodoviária ao Hotel Tijuco. Vista observada dos dois lados da rua em relação ao pedestre que passa no meio da via. O desenho foi realizado com base em imagens de 2016, mas em 2107 foi realizada uma intervenção na Praça de Esportes que tornou novamente visível, para quem passa na R. São Francisco, o edifício da Sede Social. Fonte: Acervo da autora, 2017. 159 Fi gu ra 9 7: D es en ho d o pe rc ur so d a ro do vi ár ia a o H ot el T iju co . V is ta o bs er va da d os d oi s la do s da ru a em re la çã o ao p ed es tr e qu e pa ss a no m ei o da v ia . O d es en ho fo i r ea liz ad o co m b as e em im ag en s de 2 01 6, m as e m 2 10 7 fo i r ea liz ad a um a in te rv en çã o na P ra ça d e Es po rt es q ue to rn ou n ov am en te v is ív el , p ar a qu em p as sa n a R . S ão F ra nc is co , o e di fí ci o da S ed e So ci al . F on te : A ce rv o da a ut or a, 2 01 7. igreja de são franciscoestação largo dom joão largo dom joão casa juscelinorodoviária praça jk hotel tijuco praça de esportes 160 Para Oscar Niemeyer os projetos em Diamantina também representaram uma nova oportunidade de desenhar um conjunto de obras em diálogo. Nesse sentido, a última experiência antes de Brasília. As obras da capital federal são consideradas por ele os marcos de uma etapa profissional caracterizada “por uma procura constante de concisão e pureza”87. Em Depoimento, o arquiteto ainda afirma que passaram a lhe interessar [...] as soluções compactas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original. 88 O discurso se alinha com as descobertas de Lucio Costa em relação à pureza de Diamantina. Em “Ingredientes da concepção urbanística de Brasília”, Costa anunciou que o antigo arraial foi um dos precedentes da capital89. O arquiteto deixa de fora as teorias europeias e os congressos internacionais e cita alguns pontos: os eixos e as perspectivas de Paris, os grandes gramados ingleses, os terraplenos e arrimos chineses, as autoestradas e os viadutos americanos e – Diamantina. Ora, se no mesmo texto afirma que Brasília é uma concepção “original,nativa e brasileira” e o único elemento nacional na lista é a cidade mineira, pode‐se inferir que ele “não apenas reforça a ideia da originalidade nativa, mas também a do gênio nacional, capaz de – com base em simples experiências perceptivas e de determinadas condições materiais, sociais e temporais locais – dar as respostas mais criativas e surpreendentes”90. Gorelik, ao comentar Brasília, ressalta que o plano da cidade era autoconsciente de sua capacidade simbólica e teve a virtude de conseguir “por meio da pura radicalidade estética associada à mitologia política” uma identificação que as cidades obtém apenas através de uma 87 NIEMEYER, Oscar. Depoimento. In: Depoimento de uma geração: arquitetura moderna brasileira. Coautoria de Alberto Xavier. São Paulo, SP: CosacNaify, 2003. p. 238. 88 Ibid., p. 239. 89 “3º ‐ A pureza da distante Diamantina dos anos vinte marcou‐me para sempre. ”. “Ingredientes” da concepção urbanística de Brasília. In: COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed. São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997. p.282. 90 SCHLEE, Rosenthal Andrey. Lucio Costa: o senhor da memória. In: [LEITÃO, F. (Org.)]. Brasília 1960 2010: passado, presente e futuro. Brasília: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009. p.14. 161 longa “sedimentação histórico‐cultural”91. O alumbramento provocado por Brasília vem primeiro pela monumentalidade de seus eixos que de seus edifícios. Em Diamantina, não distante do Hotel Tijuco, no outro sentido da Praça JK, subindo pela Rua Direita no espaço próximo a catedral, Juscelino Kubitschek fez um discurso após ser eleito presidente92: Há 10 meses, passei a morar a bordo do avião que hoje me trouxe a esta cidade. [...] Mais de 200.000 quilômetros viajei pelo Brasil. Mais de cinco voltas à Terra, dei no decurso destes 10 meses, falando a todo o povo brasileiro. [...] contei a história singela de um diamantinense que nascera nestas ruas velhas, à sombra destes lares seculares [...]93 Quando Kubitschek desembarca em Diamantina para a ocasião do discurso mencionado, não é no projeto previsto por Oscar Niemeyer. O aeroporto, última proposta do arquiteto para o antigo Arraial do Tijuco, não foi construído94. Porém, é interessante como a figura do avião, da vista superior, pode representar a tomada de conhecimento de um lugar. Dos passeios aéreos de Le Corbusier nas cidades brasileiras, até o traçado de Lucio Costa para Brasília, no desenho próprio que cria no planalto. Contudo, talvez a chave de Diamantina está em não ser feita para ser vista de cima, mas sim para ser vista do chão. É dessa maneira que permite uma tangibilidade direta das descobertas que proporciona para aqueles que a visitam. 91 GORELIK, Adrian. Das vanguardas a Brasília: cultura urbana e arquitetura na América Latina. Belo Horizonte, MG: Editora da UFMG, 2005, p.155. 92 Acredita‐se que o discurso foi realizado na Praça Conselheiro Matta pois Juscelino menciona edifícios do local: ”[a multidão] está aqui, diante de um prédio que é hoje a Prefeitura municipal, mas que era, no tempo da minha infância, a sede do Grupo Escolar”. In: KUBITSCHEK, Juscelino. O discurso de Diamantina. Rio de Janeiro, RJ: [s.n.], 1956. p. 14. 93 KUBITSCHEK, Juscelino. O discurso de Diamantina. Rio de Janeiro, RJ: [s.n.], 1956. p. 17‐18. 94 Cf. Revista Habitat. Projeto para o aeroporto de Diamantina. São Paulo, n.20, março, 1955; CALDAS, op. cit. p. 188‐200. 162 CONSIDERAÇÕES FINAIS A relação ideológica que procurou‐se estabelecer através das experiências vanguardistas e a tradição barroca nacional entre os anos 1920 e 1930 teve Minas Gerais como o local excelente de uma arte que se encaixava no resgate de um Brasil autêntico e que era vista como plena de forças latentes, invisíveis até então para olhares não cativados por uma pretensão inovadora. “São degraus da arte de meu país / Onde ninguém mais subiu”, como escreveu Oswald de Andrade. Não bastava descobrir o barroco: era necessário descobrir o viés moderno imanente em suas ilações, o que se colocava como desafio inédito. Diamantina é um ponto particular dentro desse quadro. Não foi destino dos vanguardistas paulistas na conhecida excursão dos anos 1920, nem tinha exemplares das obras de figuras lendárias que atraíam aficionados em busca de relíquias. Não obstante, é fulcral na constituição do moderno por razões específicas: foi o destino de Lucio Costa em 1924, na conhecida viagem que o apresentou o colonial. Igualmente, foi berço de nascimento e formação de Juscelino Kubitschek, político de importância reconhecida na promoção de experiências arquitetônicas centrais no país. Se é consenso que era preciso inventar Diamantina, é verdade que essa invenção demandava duas vertentes: uma ideológica e outra prática. Ao suscitar os pontos nodais comumente associados à história da cidade e sua relação com as vanguardas, questões objetivas foram descritas e analisadas. A excursão de Costa passa a ser vista em um panorama mais amplo, afirmando factualmente seu caráter transformador e permanente na trajetória do arquiteto. Já a composição da figura pública de Kubitschek ganha espessura ao ser lastreada pela arquitetura patrimonial e moderna em seu berço natal. Fechando o arco, tem‐se as obras de Niemeyer, narradas através de dados que concatenaram os eventos e meandros de suas construções. Não bastariam cartas, depoimentos, artigos, desenhos e descrições legendárias da cidade sem que ela própria passasse por transformações tangíveis. Para viabilizá‐las, articulações políticas eram necessárias. Kubitschek teve um papel fundamental como estadista, mas o principal locus desse nexo foi o Iphan. O Serviço de Patrimônio catalisava decisões e criou uma instância moderadora paralela às particularidades governamentais da cidade e do país. Para isso, todo o seu aparelho foi utilizado: especialistas, fotógrafos, 163 pareceristas e arquitetos. De Costa e Niemeyer a Eric Hess e Assis Horta, uma rede foi mobilizada entre os anos 1930 e 1950 para dar o tom de como Diamantina entraria para a história como um dos berços excelentes das vanguardas brasileiras. Neste quadro, a excepcionalidade de Costa, Kubitschek e Niemeyer está na pertinência que tiveram em criar e pautar categorias pelas quais a cidade poderia ser lembrada. Lucio Costa dá a Diamantina a noção de alumbramento, um local cuja distância garantiria uma autenticidade que imediatamente servia de testemunho das atemporais qualidades da construção brasileira. Decorre desse caráter de epifania no seu encontro com o Arraial a exaltação da pureza de suas estruturas, sem a qual não seria possível que o carioca sustentasse a sua proposta de vanguarda, que até hoje é reconhecida como basilar na constituição da arquitetura moderna brasileira. Juscelino Kubitschek, por sua vez, conseguiu ampliar horizontes nessa elaboração. Seus discursos afirmam uma imagem virtuosa de Diamantina e também do homem diamantinense, figura exemplar do brasileiro que tem uma origem lendária, mas que vive longe das capitais e que assim tem posição privilegiada para ver os problemas esquecidos do país. As fronteiras rompidas por vias e projetos e a ambição do progresso balanceada com a possibilidade de manter tradições, ou seja, a ideia de conciliação entre pretensões inovadoras e passado autêntico, afirmam essa construção. Oscar Niemeyer é o mestre de obras desse edifício. Sua relação com Diamantina, nos anos 1950, é tão protocolar quanto foicom outras cidades em que construía intensamente: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, entre outras. Entretanto, seria apressado caracterizar a contribuição do arquiteto como ausente de compromissos. Seu afinamento com o Iphan e a aferição de escalas de seus edifícios com o entorno tombado demonstram o cuidado com que buscava associar suas obras modernas. A implantação decorosa dos prédios, além do ressalto de visuais consagrados do arraial, consolida a existência de um percurso moderno na cidade, no qual o caminhante pode livremente percorrer os limites de tempos. No entanto, as obras são mais caras a Diamantina que a Niemeyer, que pouco as destaca em seus relatos. É evidente que, ao final das contas, o mais divulgado exemplo dessas categorias, associadas pelos três protagonistas à construção de um conjunto de intervenções, é a capital federal do país, Brasília. 164 As qualidades comuns são nítidas, desde o percurso até a monumentalidade que se sobressai da relação de edifícios que, embora plasticamente expressivos, são de pequena escala. Os defeitos, também: se Brasília tem no plano piloto e sua relação com as cidades satélites dicotomias cruéis, é interessante lembrar que Diamantina é maior do que seu centro histórico e nada além do perímetro tombado e seu entorno imediato recebeu tanta qualidade, cuidado e atenção urbanística ao longo da segunda metade do século XX. Reafirma‐se o aspecto modelar do vilarejo mineiro como testemunha da associação entre ideologia, preservação histórica, pretensões modernizantes, governo e arquitetura. Se Minas Gerais foi uma escolha dos modernistas, o antigo Arraial do Tijuco foi uma escolha feita por Costa e Kubitschek dentro de Minas. Não por acaso, a nova capital foi projetada por um funcionário do órgão de proteção do patrimônio histórico, capaz de compreender Diamantina como uma alegoria moderna e política. Ao que o percurso no antigo arraial acrescenta: uma iniciativa de conciliação entre vanguarda e passado demanda um longo, coordenado e intensivo processo de construção. Diamantina consolida esse debate e aponta para a complexidade da modernidade brasileira e suas cidades. 165 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A ESTRELA POLAR. Diamantina, ano 52, n. 17, 02 maio 1954. A ESTRELA POLAR. Diamantina: Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, ano LI, n. 18. 10 maio 1953. A ESTRELA POLAR. Diamantina: Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, ano LI, n. 19. 17 maio 1953. A ESTRELA POLAR. Diamantina: Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, ano 52, n. 25, 27 junho 1954. A ESTRELA POLAR. Diamantina: Acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, ano LIII, n. 43. 30 outubro 1955. AMARAL, Aracy (cord.). Arquitetura Neocolonial: América Latina, Caribe, EUA. São Paulo: Memorial/Fundo de Cultura Econômica, 1994. ANAIS DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL: Documentário Iconográfico de Cidades e Monumentos do Brasil. Aquarelas e Desenhos de A. Norfini e Texto de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, v. 7, 1953. ANDRADE, Francisco de Carvalho Dias de. Uma poética da técnica: a produção da arquitetura vernacular no Brasil. 2016. (276 p.). Tese (doutorado) ‐ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. ANDRADE, Mário de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936‐1945). 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Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, ano 61, n. 20, 12 março 1967. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, ano 63, n.9, 01 de dezembro de 1968. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, ano 63, n. 18, 02 março 1969. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, ano 65, n. 14, 03 janeiro 1971. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, 03 janeiro 1971, ano 66, n.30, 28 de maio de 1972. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, ano 69, n. 3, 14 outubro 1973. VOZ DE DIAMANTINA. Diamantina: Propriedade da Associação do Pão de Santo Antônio, 03 janeiro 1971, ano 84, n.8, 25 de junho de 1989. WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da arquitetura moderna. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1 de novembro de 1925. WISNIK, Guilherme. “Plástica e anonimato: modernidade e tradição em Lucio Costa e Mário de Andrade”. Novos estudos. ‐ CEBRAP [online]. 2007, n.79, p.169‐193. WISNIK, Guilherme (org.). O risco — Lucio Costa e a utopia moderna.Rio de Janeiro: Bang Bang,2003. 177 ANEXO A VIAJANTES DOS ANOS 1920: Desenhos de Diamantina Compilação dos desenhos de Diamantina elaborados por Lucio Costa, José Wasth Rodrigues e Alfredo Norfini. LUCIO COSTA 1924 FONTES DOS DESENHOS DE LUCIO COSTA Imagens I e III: COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivencia. 2a. ed São Paulo, SP: Empresa das Artes, 1997 Imagem II: MARIANO FILHO, José. Influências muçulmanas na architectura tradicional brasileira. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1943. Imagens IV a XXII: Lucio Costa: desenhos da juventude. Organização J. D. Vital – Belo Horizonte: CBMM, 2001. Imagem I: Igreja de Nossa Senhora do Carmo Imagem II: Beco da Tecla Imagem III: Colégio Nossa Senhora das Dores Imagem IV Imagem V: Janela, Igreja do Carmo Imagem VI: Porta, Igreja do Carmo Imagem VII Imagem VIII: Púlpito, Igreja do Carmo Imagem IX: Balaústres, Igreja do Carmo Imagem X: Coroamento das portas internas e vários estudos de suporte de lan- ternas, Camara Municipal Imagem XI: Fechaduras, Colégio Nossa Senhora das Dores e Grupo Escolar Matta Machado Imagem XII: Estudo de beirais FONTE DOS DESENHOS DE JOSÉ WASTH RODRIGUES RODRIGUES, José Wasth. Documentário Arquitetônico: relativo à antiga construção civil no Brasil. Belo Horizonte; São Paulo: Editora Itatiaia; EDUSP, JOSÉ WASTH RODRIGUES 1919 e 1930 Imagem XIII: Colégio de Nossa Senhora das Dores Imagem XIV:Rua da Quitanda Imagem XV: Casa de Chica da Silva Imagem XVI: Casa do pintor Laporte Imagem XVII: Velho casarão Imagem XVIII: Beco da Tecla Imagem XIX: Chafariz Imagem XX: Painel de um teto de uma casa do XIV Imagem XXI: Diversos beirais pintados Imagem XXII: Muxarabi da Rua da Quitanda e sacada torneados Imagem XXIII: Detalhes Imagem XXIV: Ornamentação nos Vidros Imagem XXV: Espelhos de Fechaduras Imagem XXVI: Grades de Ferro Forjado FONTE DOS DESENHOS DE ALFREDO NORFINI ANAIS DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL: Documentário Iconográficode Cidades e Monumentos do Bra- sil. Aquarelas e Desenhos de A. Norfini e Texto de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, v. 7, 1953. ALFREDO NORFINI 1921 Imagem XXVII: Casa Colonial Imagem XXVIII: Igreja de Nossa Senhora do Rosário Imagem XXIX: Rua da Quitanda Imagem XXX: Casa de Chica da Silva/ do Contratador João Fernandes Imagem XXXI: Aldrabas dos portões do quintal da Casa de Chica da Silva LU C IO C O ST A 19 24 JO SÉ W AS TH R O DR IG UE S 19 19 e 19 30 AL FR ED O N O RF IN I 19 21 PA NO RA M A G ER AL 213 ANEXO B Registros fotográficos aéreos atuais de Diamantina com destaque para os projetos de Oscar Niemeyer. REGISTRO FOTOGRÁFICO AÉREO SEDE SOCIAL DO DIAMANTINA TÊNIS CLUBE - PRAÇA DE ESPORTES PERÍODO: Julho de 2019 FONTE: Acervo Rupestre Imagens AUTOR: Michel Becheleni REGISTRO FOTOGRÁFICO AÉREO ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA JULIA KUBITSCHEK PERÍODO: Julho de 2019 FONTE: Acervo Rupestre Imagens AUTOR: Michel Becheleni REGISTRO FOTOGRÁFICO AÉREO HOTEL TIJUCO PERÍODO: Julho de 2019 FONTE: Acervo Rupestre Imagens AUTOR: Michel Becheleni