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[Digite aqui] i Roberto Aguilar Machado Santos Silva Suzana Portuguez Viñas Autores Roberto Aguilar Machado Santos Silva Suzana Portuguez Viñas Santo Ângelo, RS 2020 2 Exemplares desta publicação podem ser adquiridos com: e-mail: Suzana-vinas@yahoo.com.br robertoaguilarmss@gmail.com Supervisão editorial: Suzana Portuguez Viñas Projeto gráfico: Roberto Aguilar Machado Santos Silva Editoração: Suzana Portuguez Viñas Capa:. Roberto Aguilar Machado Santos Silva 1ª edição 3 Autores Roberto Aguilar Machado Santos Silva Etologista, Médico Veterinário, escritor poeta, historiador Doutor em Medicina Veterinária robertoaguilarmss@gmail.com Suzana Portuguez Viñas Pedagoga, psicopedagoga, escritora, editora, agente literária suzana_vinas@yahoo.com.br 4 Todo homem pode, se assim desejar, se tornar o escultor de seu próprio cérebro. Santiago Ramon y Cajal Santiago Ramón y Cajal (1 de maio de 1852 - 17 de outubro de 1934), foi um neurocientista, patologista e histologista espanhol especializado em neuroanatomia e sistema nervoso central. Ele e Camillo Golgi receberam o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906. Ramón y Cajal foi a primeira pessoa de origem espanhola a ganhar um Prêmio Nobel científico. Suas investigações originais da estrutura microscópica do cérebro fizeram dele um pioneiro da neurociência moderna. Centenas de seus desenhos que ilustram as arborizações ("crescimento de árvores") de células cerebrais ainda estão em uso, desde meados do século 20, para fins educacionais e de treinamento. 5 Dedicatória ara todos os que moldam cérebros e mentes. E especialmente para Maria Nunes e Deuse Coelho. Roberto Aguilar Machado Santos Silva Suzana Portuguez Viñas P 6 Nada é permanente, exceto a mudança. Heráclito Heraclito (pt) ou Heráclito (pt-BR) de Éfeso (Ἡράκλειτος ὁ Ἐφέσιος, Éfeso, aproximadamente 500 a.C. - 450 a.C.) foi um filósofo pré-socrático considerado o "Pai da dialética". Recebeu a alcunha de "Obscuro" principalmente em razão da obra a ele atribuída por Diógenes Laércio, Sobre a Natureza, em estilo obscuro, próximo ao das sentenças oraculares. Na vulgata filosófica, Heráclito é o pensador do "tudo flui" (em grego, πάντα ῥεῖ; transl.: panta rei, sintetizando a ideia de um mundo em movimento perpétuo, em oposição ao paradigma de Parmênides) e do fogo, que seria o elemento do qual deriva tudo o que nos circunda. De seus escritos restaram poucos fragmentos (encontrados em obras posteriores), os quais geraram grande número de obras explicativas. 7 Apresentação ma “mudança radical” é uma transformação de tal magnitude que altera a própria natureza do assunto. Recentemente, experimentamos essa mudança no estudo da neuroplasticidade. O livro sobre neuroplasticidade mostra-nos “um fenômeno em que diferentes estímulos levam ao aumento ou diminuição do número de células cerebrais e à remodelação das sinapses. Nesse ínterim, se houver uma mudança mágica para aumentar a neuroplasticidade, a pesquisa mostra que isso envolve exercícios, prática e exposição a novos estímulos. Roberto Aguilar Machado Santos Silva Suzana Portuguez Viñas U 8 Sumário Introdução.....................................................................................9 Capítulo 1 - Neuroplasticidade..................................................10 Capítulo 2 - Princípios da neuroplasticidade e comportamento.........................................................15 Capítulo 3 - Cérebro: usa-o ou perde-o? as prática de exercícios cerebrais e a neuroplasticidade.........48 Capítulo 4 - . Neuroplasticidade e educação: aprender muda fisicamente o cérebro.......................................65 Epílogo.........................................................................................69 Bibliografia consultada..............................................................70 9 Introdução neuroplasticidade pode ser definida como a capacidade do cérebro de mudar, remodelar e reorganizar com o objetivo de melhor capacidade de adaptação a novas situações. Apesar de o conceito de neuroplasticidade ser bastante novo, é uma das descobertas mais importantes da neurociência. "O fato é que as redes neurais não são fixas, mas ocorrem e desaparecem dinamicamente ao longo de nossa vida, dependendo das experiências. Enquanto praticamos repetidamente uma atividade, como uma sequência de movimentos ou um problema matemático, circuitos neuronais estão sendo formados, conduzindo para uma melhor capacidade de realizar a tarefa praticada com menos desperdício de energia. Assim que pararmos de praticar uma determinada atividade, o cérebro redirecionará esses circuitos neuronais por um princípio muito conhecido de "use ou perca". A neuroplasticidade leva a muitas ocorrências diferentes , como habituação, sensibilização a uma determinada posição, tolerância à medicação e até recuperação após lesão cerebral. A 10 Capítulo 1 Neuroplasticidade e acordo com Vida Demarin, Sandra Morović e Raphael Béné (2014), do Medical Center Aviva, Zagreb (Croácia) e Medical Center Vires Refotae, Zagreb (Croácia), há cerca de 120 anos, William James foi o primeiro a sugerir a teoria da neuroplasticidade em sua obra Princípios de Psicologia. Ele sugeriu que o cérebro humano é capaz de mudanças funcionais contínuas. O neurocientista polonês Jerzy Konorski foi o primeiro a de! ne o termo "neuroplasticidade" em 1948. Konorski sugeriu uma teoria pela qual os neurônios que foram ativados pela proximidade de um circuito neural ativo mudam e se incorporam a esse circuito. Donald Hebb, um psicólogo canadense estabeleceu uma regra de Hebb, de! ned também como pré-pós coincidência, implicando que mudanças de processos bioquímicos em um neurônio podem estimular sinapses vizinhas simultaneamente ativadas, sendo este o princípio básico da plasticidade sináptica. Paul Bach-y-Rita é o pioneiro em demonstrar neuroplasticidade em casos reais, afirmando que regiões saudáveis do cérebro podem assumir as funções de partes lesadas do cérebro. "Essa foi a base de seu tratamento para pessoas que sofreram danos vestibulares. Ele patenteou um aparelho que, quando conectado à língua, estimula os receptores por vibrações em uma frequência e amplitude em correlação com a análise de pixels do entorno. Edward Taub apoiou a pesquisa e desenvolveu primeiro tratamentos reais e aplicáveis para pacientes. Ele provou, primeiro usando macacos rhesus, depois em humanos, que amarrar a metade saudável do corpo em caso de hemiplegia “força” a parte danificada do cérebro a uma reabilitação mais rápida. Michael Merzenich é mais um neurocientista que deixou sua marca no campo da neuroplasticidade. Ele projetou um software para ajudar as pessoas com dificuldades de aprendizagem. Todos esses cientistas tiveram que lutar contra um dogma acadêmico que desaprovava a existência de neuroplasticidade do cérebro D 11 adulto, exceto durante a fase de desenvolvimento. Até a década do cérebro (1990-2000), a própria palavra 'neuroplasticidade' levava aartigos que não eram publicados em revistas de prestígio. Quando questionado, Eric Kandel, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, disse que a neuroplasticidade é o que marcou a década do cérebro. Tipos de neuroplasticidade Neuroplasticidade é um termo geral, definindo o fato de que o cérebro muda, reconhecendo a necessidade de maior definição do termo. Nós distinguimos neuroplasticidade estrutural de funcional. a) Neuroplasticidade estrutural A plasticidade sináptica refere-se a mudanças na força entre os neurônios (sinapses), pontos de encontro químicos ou elétricos entre as células cerebrais. A plasticidade sináptica é um termo geral, e o nome em si não tem significado diferente de que algo mudou dentro da sinapse, mas pode incluir muitos processos específicos, como mudanças de longo prazo no número de receptores para certos neurotransmissores, ou mudanças onde algumas proteínas estão sendo sintetizado mais dentro da célula. Sinaptogênese refere- se à formação e adaptação de sinapses ou grupo de sinapses em um circuito neural. A plasticidade estrutural é uma marcação normal dos neurônios fetais durante o desenvolvimento do cérebro e é chamada de plasticidade do desenvolvimento, incluindo neurogênese e migração neuronal. A migração neuronal é um processo no qual os neurônios viajam de seu "local de nascimento" na zona ventricular ou subventricular fetal, em direção à sua posição final no córtex. Durante o desenvolvimento, as áreas do cérebro se tornam especializadas para certas tarefas, como o processamento de sinais das áreas circundantes por meio de receptores sensoriais. Por exemplo, na área do cérebro occipital, a quarta camada do córtex hipertrofia para receber sinais da via visual. Neurogênese é a formação de novos neurônios. É um 12 processo que ocorre principalmente durante o desenvolvimento do cérebro, embora na última década a neurogênese tenha sido encontrada também no cérebro adulto. Por outro lado, a morte neuronal ocorre ao longo da vida, devido a danos cerebrais ou morte celular programada. Outras formas de neuroplasticidade estrutural incluem mudanças na densidade da matéria branca ou cinzenta, que podem ser visualizadas por ressonância magnética. Base neurobiológica da neuroplasticidade Ao observar a neuroplasticidade em nível molecular, todos os tipos de plasticidade sináptica compartilham a modulação de exocitose de neurotransmissores, no nível de uma única sinapse ou entre uma rede neuronal maior. A plasticidade sináptica depende principalmente de neurotransmissores de ligação a receptores. Os eventos mentais ativam uma grande cascata molecular neural, incluindo fatores regulatórios referentes ao DNA e RNA. Pesquisas sobre mudanças de longo prazo dentro da sinapse consideram diferentes tipos de memória com base em diferentes mecanismos. Dentro do córtex, os receptores de glutamato desempenham o papel principal, pois o glutamato é o neurotransmissor excitatório mais importante. Se vários impulsos, de neurônios vizinhos, em um tempo muito curto, ocorre a ativação de receptores metabotrópicos de glutamato (NMDA, do inglês NMDA é uma sigla para N-metil D-Aspartato). Isso permite o influxo de cálcio que participa da síntese de proteínas e altera permanentemente o neurônio pós-sináptico. Remodelação de circuitos neuronais após lesão cerebral Depois de estabelecer o fato de que o cérebro tem a possibilidade de remodelar seus próprios mapas neurais, a principal questão para a medicina da 13 neurorehabilação é como direcionar essa neuroplasticidade para recuperar funções perdidas causadas por um déficit neurológico. Isso enfatiza a necessidade de definir neuroanatomicamente todas as lesões neurológicas. Quando sabemos qual via neural está danificada, podemos começar a procurar desvios. a) Reabilitação do movimento Quando aprendemos movimentos complexos, o cérebro em primeiro lugar reconhece os movimentos motores básicos e os divide e armazena em um determinado modelo que é então lembrado. A mesma rede de neurônios será ativada toda vez que observamos, pensamos ou fazemos um certo movimento, ou ouvimos sons que nos lembram desse movimento. Se nos concentrarmos em movimentos repetitivos, é importante entender o propósito do movimento. Por exemplo, para um paciente que pratica a pronação manual, o movimento em si não é o objetivo; o objetivo é que ele consiga abrir a porta novamente. Desta forma, podemos estimular outros circuitos neuronais que podem levar à execução deste objetivo final. A reabilitação neurológica deve se concentrar na conveniência do movimento. Isso torna a familiarização com os hábitos do paciente antes do AVC muito importante. A maioria dos movimentos complexos que realizamos, primeiro observamos durante a infância. É útil repetir esses movimentos durante o processo de reabilitação. O córtex pré-motor ventral e a base do lobo parietal são áreas corticais pertencentes ao sistema de neurônios-espelho. Essas áreas têm se mostrado grandes alvos neuroanatômicos para exercícios de reabilitação. O objetivo é atingir sua ativação por meio de qualquer parte saudável conectada da rede cortical. O sistema de neurônios-espelho será ativado de maneira diferente em cada pessoa, dependendo do nível de prática de movimento específico do indivíduo. Por exemplo, se um paciente tocou violão e dançou tango antes do derrame, a própria observação dessas atividades ativará fortemente seus neurônios espelho, o que leva à estimulação de uma área de rede maior e à reconexão de um grande número de sinapses. 14 b) Processamento neuronal de diferentes sinais Em 1821, um soldado francês chamado Charles Barbier, visitou uma instituição real „escrita noturna”, em Paris, apresentando sua invenção, um código de 12 pontos que oferece aos soldados possibilidades de se comunicarem e compartilharem informações no campo de batalha, sem a necessidade de discurso. O uso do código se mostrou muito difícil para os soldados, mas não para um menino cego daquela instituição, Louis Braille. O Braille reduziu o número de pontos de 12 para 6 e publicou o primeiro livro em Braille em 1829. Em 1839, ele acrescentou símbolos matemáticos e musicais. Como uma pessoa cega pode processar e traduzir a posição dos pontos tão rápido? Se a experiência está mudando drasticamente ou partes do cérebro estão danificadas, partes do cérebro podem mudar sua função sem mudanças estruturais. A partir deste exemplo, o córtex visual de uma pessoa cega, se não estiver recebendo informações da via visual, pode processar a sensação do tato. 150 anos depois, Uhl e seus colegas de trabalho provaram que a leitura tátil em um sujeito cego ativa a parte visual occipital do córtex. A remodelação de mapas cerebrais após lesão cerebral é um termo revolucionário que abriu caminhos para uma nova compreensão da neurorreabilitação. Depois de aceitar o fato, o futuro da neurorreabilitação consiste em definir as vias neurais e as maneiras pelas quais podemos recuperar a função perdida usando as vias de contorno no cérebro. Nosso cérebro muda constantemente durante a vida. Durante o desenvolvimento fetal, as mudanças estruturais são dominantes, como neurogênese e migração de neurônios, enquanto no cérebro adulto o tipo dominante de neuroplasticidade é funcional, permitindo que o cérebro se adapte constantemente ao ambiente e às lesões. O maior desafio para a neurorreabilitação no futuro é encontrar e definir as vias neurais principais e secundárias e, então, ter como objetivo apoiar a neuroplasticidade dos circuitos neurais compensatórios. 15 Capítulo 2 Princípios da neuroplasticidade e comportamento egundo Bryan Kolb e Robbin Gibb (2008), da University of Lethbridge, Alberta (Canadá), a neurociência comportamental passou grande parte do século XXbuscando as regras fundamentais de organização cerebral. Uma suposição subjacente a grande parte desse trabalho era que há constância na organização e função cerebral, tanto entre as espécies de mamíferos quanto dentro delas. Um princípio inesperado que surgiu, no entanto, foi que embora haja muita constância no funcionamento cerebral, também há uma variabilidade notável. Essa variabilidade reflete a capacidade do cérebro de alterar sua estrutura e função em reação à diversidade ambiental, refletindo, assim, uma capacidade que costuma ser chamada de plasticidade cerebral. Embora esse termo seja agora comumente usado em psicologia e neurociência, ele não é facilmente definido e é usado para se referir a mudanças em muitos níveis do sistema nervoso, desde eventos moleculares, como mudanças na expressão gênica, até o comportamento. A relação entre mudanças moleculares ou celulares e comportamento não é de forma alguma clara e é atormentada S 16 pelos problemas inerentes em inferir causalidade a partir da correlação. No entanto, acreditamos que seja possível identificar alguns princípios gerais de plasticidade e comportamento do cérebro. Ao fazermos isso, tentaremos vincular esses princípios a potenciais implicações clínicas. Suposições subjacentes à plasticidade cerebral Aqui, Bryan Kolb e Robbin Gibb (2008) consideram os princípios da plasticidade do cérebro e eles consideraram cinco suposições subjacentes que irão colorir nossa perspectiva. A plasticidade do cérebro tira proveito de um projeto básico, mas flexível, para a organização cerebral que é formado durante o desenvolvimento O processo de desenvolvimento do cérebro é um feito notável da natureza. Bilhões de neurônios e glias devem ser gerados, devem migrar para seus locais corretos e devem formar redes neuronais que podem sustentar funções que vão desde simples reflexos posturais até pensamentos complexos. Você provavelmente já ouviu falar da "matéria cinzenta" do cérebro, que é composta de células chamadas neurônios, mas um tipo menos conhecido de célula cerebral é o que compõe a "matéria branca". Estas são chamadas de células gliais. 17 As células da glia, geralmente chamadas neuróglia, nevróglia, gliócitos ou simplesmente glia (em grego, γλία : "cola"), são células não neuronais do sistema nervoso central que proporcionam suporte e nutrição aos neurônios. Geralmente arredondadas, no cérebro humano as células da glia são encontradas em frequência próxima a 1:1 em relação aos neurônios pelas estimativas mais recentes. Esse valor, aceito atualmente, difere em algumas ordens de grandeza em relação a outras estimativas que eram difundidas anteriormente e que previam uma quantidade de células da glia, aproximadamente, 1000 vezes maior que a dos neurônios no corpo humano. Ao contrário do neurônio, que é amitótico, nas células gliais ocorre a mitose. Por décadas, neurocientistas acreditaram que os neurônios eram os responsáveis por toda a comunicação no cérebro e sistema nervoso, e que as células gliais, embora nove vezes mais numerosas que os neurônios, apenas os alimentavam. Novas técnicas de imagem e instrumentos de “escuta” mostram que as células gliais se comunicam com os neurônios e umas com as outras.[4][5] As células gliais são capazes de modificar esses sinais nas fendas sinápticas entre os neurônios e podem até mesmo influenciar o local da formação das sinapses. Devido a essa proeza, as células gliais podem ser essenciais para o aprendizado e para a construção de lembranças, além de importantes na recuperação de lesões neurológicas. Experiências para provar isso estão em andamento. Embora um projeto genético completo para a organização neuronal possa ser possível para uma criatura simples como o nematóide Caenorhabditis elegans, que tem um total de 302 neurônios, não é remotamente possível para o cérebro dos mamíferos ter um projeto específico. O melhor que se pode esperar da natureza é produzir um esboço de organização cerebral que deve ser moldado pela experiência para que os animais explorem ecologias específicas, incluindo culturas. A desvantagem de tal flexibilidade é que é possível cometer erros, 18 mas este problema é certamente compensado pela vantagem de ter um cérebro que pode aprender habilidades motoras ou perceptivas complexas que dificilmente poderiam ter sido previstas pela evolução milhares ou mesmo milhões de anos antes . As funções cerebrais são localizadas e distribuídas Uma das grandes questões na história da pesquisa do cérebro está relacionada ao fato de as funções estarem discretamente localizadas no cérebro. A resolução para este debate foi importante porque o grau de localização da função impõe restrições à extensão potencial da plasticidade funcional. Quanto mais distribuída uma função, maior a probabilidade de que as redes neurais subjacentes à função sejam flexíveis após uma lesão cerebral. Ao entrarmos no século XXI, fica claro que as funções são localizadas e distribuídas ao mesmo tempo. Considere a linguagem. Embora existam zonas de linguagem discretas no córtex, a linguagem é muito mais distribuída pelo córtex do que seria esperado dos neurologistas clássicos. Mas há limites para funções distribuídas, especialmente nos sistemas sensoriais. Por exemplo, a informação que chega ao lobo occipital viaja do olho para as áreas subcorticais, depois para a área visual 1 (V1), onde é processada e, em seguida, é enviada para outras regiões visuais como V2 e para V3 etc. Se V1 está apenas 19 parcialmente danificado, o V2 ainda receberá alguma entrada e poderá funcionar, embora não normalmente. Além disso, após dano parcial, as redes neurais em V1 e V2 podem se reorganizar e possivelmente facilitar algum tipo de melhoria funcional. Mas se V1 estiver completamente (ou substancialmente) danificado, áreas visuais a jusante, como V2, não serão fornecidas com entradas adequadas e nenhuma quantidade de reorganização em V2 poderia instanciar a recuperação funcional. A localização parcial das funções, portanto, coloca restrições significativas sobre a plasticidade e a recuperação da função. A via visual primaria é também chamada de via geniculoestriatal, porque passa pelo núcleo geniculado lateral no trajeto para o córtex visual primário, também conhecido como córtex estriado devido às estrias ricas em mielina que percorrem suas camadas do meio. Uma segunda via que se origina na retina dirige-se ao coliculo superior, é importante por controlar os movimentos oculares, e termina na formação pontina do tronco encefálico. A terceira via se estende desde a retina até a área pré-tectal do mesencéfalo, onde estão os neurônios que medeiam os reflexos pupilares que controlam a quantidade de luz que entra nos olhos (Souto e Pereira, 2020). Mudanças no cérebro podem ser mostradas em muitos níveis de análise. Embora seja, em última análise, a atividade das redes neuronais que controla o comportamento e, portanto, as mudanças na atividade da rede neuronal são responsáveis pela mudança comportamental, há muitas maneiras de examinar as mudanças na atividade das redes. As mudanças podem ser inferidas de 20 medidas globais da atividade cerebral, como nas várias formas de imagem in vivo, mas tais mudanças estão muito distantes dos processos moleculares que as conduzem. Mudanças na atividade das redes provavelmente refletem mudanças na sinapse, mas as mudanças na atividade sináptica devem resultar de mais mudanças moleculares, como modificações nos canais, expressão gênica e assim por diante. O problema em estudar a plasticidade do cérebro é escolher um marcador substituto que melhor se adapte à pergunta feita. Mudanças nos canais de potássio podem ser perfeitas para estudar mudanças pré- sinápticas em sinapses específicasque podem estar relacionadas ao aprendizado simples em invertebrados, mas são impraticáveis para entender as diferenças sexuais no processamento da linguagem. Este último pode ser melhor estudado por imagem in vivo ou análise post mortem da morfologia celular. Nenhum nível de análise está "correto". O nível apropriado deve ser adequado para a questão de pesquisa em questão. Um substituto conveniente para a mudança sináptica em estudos laboratoriais do cérebro e do comportamento é a morfologia dendrítica. Nesse tipo de estudo, neurônios inteiros são corados com um metal pesado (ouro, prata ou mercúrio) e o espaço dendrítico é calculado (figura a seguir). Pressupõe-se que, conhecendo o espaço disponível para sinapses, é possível inferir associações entre a organização sináptica e o comportamento - não obstante os problemas inerentes aos estudos correlacionais discutidos a seguir. Os estudos de Jacobs e Scheibel (Jacobs et al., 1993; Jacobs & Scheibel, 1993) fornecem um bom exemplo. Esses 21 pesquisadores examinaram a morfologia dendrítica de neurônios piramidais em cérebros pós-morte de pessoas cujo histórico educacional e profissional era conhecido. A comparação dos números das sinapses na zona posterior da fala de pessoas com educação universitária, ensino médio ou menos do que o ensino médio mostrou que havia progressivamente mais sinapses nos neurônios de cérebros com mais educação. O estudo não pode nos dizer por que essa correlação está presente, mas nos diz que há alguma relação entre a experiência e a organização sináptica 22 Para serem funcionalmente significativas, as mudanças que refletem a plasticidade do cérebro devem persistir por pelo menos alguns dias. As mudanças na atividade neuronal relacionadas à plasticidade cerebral podem ser de duração limitada, talvez na ordem de segundos ou milissegundos. Embora essas mudanças sejam interessantes por si mesmas, estamos focando nossa atenção em mudanças mais duradouras que persistem por pelo menos alguns dias. Esta é uma suposição prática quando pensamos sobre como as experiências podem estar relacionadas às mudanças crônicas de comportamento vistas após lesão cerebral ou com dependência. Correlação não é uma palavra de quatro letras Por sua própria natureza, a neurociência comportamental busca correlatos neuronais do comportamento. Algumas dessas mudanças estão diretamente associadas ao comportamento, mas outras são mais ambíguas. Considere um exemplo. Se um indivíduo receber uma droga psicoativa, podemos observar uma mudança aguda de comportamento óbvia, como aumento da atividade motora. Se a droga for tomada repetidamente, podemos ver que há um aumento crescente na hiperatividade dependente da droga, um fenômeno conhecido como sensibilização 23 comportamental induzida por drogas. Se procurássemos mudanças no cérebro relacionadas à sensibilização observada, poderíamos encontrar uma mudança no número de sinapses em alguma região discreta do cérebro, como o nucleus accumbens (NAcc). Tanto a mudança comportamental quanto a sináptica são correlatas à administração do medicamento. Mas qual é a relação entre a mudança comportamental e sináptica? Podemos concluir que a droga causou a mudança comportamental, mas é menos claro que a droga causou diretamente a mudança neuronal. Talvez a mudança comportamental tenha causado a mudança neuronal ou talvez ambos estivessem relacionados a alguma outra mudança no cérebro. Assim, uma crítica comum aos estudos que tentam vincular as mudanças neuronais ao comportamento é que "eles são apenas correlatos". Isso é verdade, mas dificilmente é uma razão para descartar tais estudos. A tarefa é tentar quebrar a correlação, mostrando que uma mudança pode ocorrer sem a outra. A presença de tais evidências invalidaria a causalidade, mas, infelizmente, a falha em quebrar a correlação não é prova de causalidade. Em última análise, a prova estaria em mostrar como as mudanças sinápticas surgiram, o que presumivelmente envolveria análise molecular, como uma mudança na transcrição do gene. Para muitos estudos, isso seria um desafio extremamente difícil e muitas vezes impraticável. Em nossa opinião, uma vez que entendemos as “regras” que governam as mudanças neuronais e comportamentais, seremos mais capazes de procurar mudanças moleculares. Além disso, argumentamos que um certo nível de 24 ambigüidade no grau de causalidade é perfeitamente justificável neste estágio de nosso conhecimento. Compreender o mecanismo preciso pelo qual as mudanças sinápticas podem ocorrer não é necessário para prosseguir com outros estudos que visam melhorar o resultado funcional. Princípios da plasticidade cerebral Embora seja presunçoso tentar identificar os princípios básicos da plasticidade cerebral quando muito ainda é desconhecido, acreditamos que o progresso na última década nos permite começar a identificar algumas das regras subjacentes à plasticidade cerebral. Esses princípios devem ser vistos como um trabalho em andamento que, sem dúvida, será expandido e demonstrado ao longo da próxima década. Quando o cérebro muda, isso se reflete na mudança comportamental. A função primária do cérebro é produzir comportamento, mas o comportamento não é constante. Aprendemos e lembramos, criamos novos pensamentos ou imagens e mudamos ao longo de nossa vida. Todos esses processos exigem mudanças nas redes neurais. Segue-se que sempre que as redes neurais mudam, o comportamento, incluindo o comportamento mental, também 25 muda. Um corolário desse princípio é que, para mudar o comportamento, devemos mudar o cérebro. Esta última ideia é especialmente importante quando procuramos tratamentos para lesões ou doenças cerebrais. A plasticidade é encontrada em todos os sistemas nervosos e os princípios são conservados. Mesmo os animais mais simples, como o nematóide C. elegans, podem apresentar aprendizagem simples que está correlacionada com a plasticidade neuronal. Da mesma forma, existe agora uma extensa literatura mostrando alterações neuronais e outras em invertebrados, como os caramujos marinhos, durante o aprendizado simples, incluindo o aprendizado associativo. Além disso, agora ficou claro que os sistemas nervosos simples e complexos mostram alterações pré e pós-sinápticas e que as alterações são notavelmente semelhantes. Há razões para acreditar, por exemplo, que há mudanças semelhantes ao NMDA no aprendizado tanto em mamíferos quanto em invertebrados. Os detalhes dos segundos mensageiros pós-sinápticos podem diferir em sistemas simples e complexos, mas os princípios gerais parecem ser conservados em animais simples e complexos. O cérebro é alterado por uma ampla gama de experiências. 26 Praticamente toda experiência tem o potencial de alterar o cérebro, pelo menos brevemente. Agora foi demonstrado que uma ampla variedade de experiências também pode produzir mudanças duradouras, que vão desde experiências motoras sensoriais gerais até drogas psicoativas e estimulação elétrica do cérebro. A maior parte desses estudos usaram técnicas morfológicas, como microscopia eletrônica ou colorações do tipo Golgi, e mostraram que mudanças dependentes da experiência podem ser vistas em todas as espécies de animais testados, desde moscas-das-frutas e abelhas a ratos, gatos e macacos. Considere alguns exemplos. Quando os animais são colocados em ambientes complexos em vez de simples gaiolas de laboratório, dentro de 30 dias ocorre um aumento de cerca de 5% no peso do cérebro e na espessura cortical, um aumento na acetilcolina cortical e fatores neurotróficos (por exemplo, fator de crescimento do nervo (NGF), cérebro fator neurotrófico derivado (BDNF), fatorde crescimento de fibroblastos-2 (FGF-2)), bem como alterações nas propriedades fisiológicas dos neurônios, como as medidas em estudos de potenciação de longo prazo (LTP). Embora a maioria dos estudos tenha enfocado as mudanças neocorticais, mudanças semelhantes também podem ser vistas no hipocampo e no corpo estriado. As mudanças anatômicas e fisiológicas estão associadas à melhora do desempenho em testes de comportamento motor e cognitivo e, embora os dados sejam correlacionais, geralmente se assume que as mudanças morfológicas são responsáveis pela facilitação do comportamento. Mudanças no cérebro que dependem da 27 experiência não requerem procedimentos tão intensos quanto um alojamento complexo. O aumento da experiência social aumenta seletivamente as sinapses no córtex orbital frontal. Também vimos que a estimulação tátil tanto na infância quanto na idade adulta altera as células do córtex sensório-motor. Este último tratamento também tem sido usado em animais com lesões corticais para estimular o crescimento dendrítico e facilitar a recuperação funcional. Embora haja poucas evidências de que o exercício pode aumentar a plasticidade no cérebro normal, há evidências crescentes de que pode facilitar as mudanças plásticas no animal de laboratório ferido e no cérebro humano. Um exemplo final pode ser visto nos efeitos das drogas psicoativas. Robinson & Kolb (1999a) mostraram que doses repetidas de anfetamina ou cocaína administradas a ratos produziram um aumento persistente no comprimento dendrítico e na densidade da coluna localizada no córtex pré-frontal medial (mPFC) e NAcc, mas não nas regiões corticais sensório-motoras adjacentes. Agora parece que doses repetidas de todos os medicamentos psicoativos, incluindo medicamentos prescritos, mudam a morfologia neuronal. Os detalhes das alterações morfológicas induzidas por drogas variam com a droga, mas o princípio geral é que as drogas psicoativas alteram a morfologia neuronal no cérebro e isso pode ser visto tanto em medidas dendríticas quanto em uma variedade de medidas mais moleculares. Mais uma vez, a relação entre as mudanças comportamentais, como a sensibilização comportamental induzida por drogas, e as redes neuronais 28 alteradas ainda não foi provada, mas há poucas dúvidas de que os efeitos crônicos do uso de drogas não são neutros para o funcionamento cerebral. A capacidade das drogas de alterar a morfologia neuronal pode ser importante para a reabilitação porque as drogas podem ser combinadas com tratamentos comportamentais, como terapia de reabilitação, incluindo terapia cognitiva. Tomados em conjunto, os exemplos descritos acima ilustram o poder da experiência na modulação das redes cerebrais e na facilitação da remodelação estimulada por terapias comportamentais. Embora a experiência seja provavelmente mais eficaz na remodelação das redes neurais à medida que são reparadas após a lesão, a melhora ainda pode ocorrer tarde após a lesão. Os estimulantes psicomotores podem fornecer uma maneira poderosa de reinstaurar a plasticidade cerebral tardiamente após a lesão para facilitar a eficácia das terapias comportamentais. Mudanças plásticas são específicas da idade. Quando ratos recém-desmamados, adultos ou senescentes foram colocados em um ambiente complexo, previmos que encontraríamos mudanças maiores nos animais mais jovens, mas, para nossa surpresa, encontramos uma diferença qualitativa na resposta neuronal à mesma experiência. Assim, enquanto os ratos em todas as idades mostraram um aumento no comprimento dendrítico e ramificação nas células piramidais neocorticais após o alojamento complexo, os ratos colocados nos ambientes 29 quando crianças mostraram uma diminuição na densidade da coluna enquanto os ratos adultos jovens ou senescentes mostraram um aumento na densidade da coluna. Uma queda semelhante na densidade da coluna vertebral foi encontrada em estudos posteriores em que ratos recém-nascidos receberam estimulação tátil com uma escova macia por 15 minutos, três vezes ao dia durante os primeiros 10 dias de vida. A questão óbvia é se os efeitos comportamentais no complexo habitacional são os mesmos, dependendo da idade de experiência. Nossos primeiros resultados sugerem que há uma vantagem nas tarefas cognitivas e motoras e que não importa quando a experiência ocorreu. Existem maneiras claramente diferentes de organizar redes neuronais para melhorar os comportamentos motores e cognitivos. Esse ponto é importante quando consideramos os tratamentos para disfunção cerebral - pode haver muitas maneiras de facilitar a recuperação. Eventos precoces, incluindo eventos pré-natais, podem influenciar o cérebro ao longo da vida Descobertas de que as experiências pós-natais iniciais podem alterar a organização neuronal nos levou a perguntar se as experiências pré-natais também podem alterar a organização cerebral. Em um estudo, as mães grávidas foram colocadas em ambientes complexos por 8 horas por dia antes da gravidez e depois durante as 3 semanas de gestação. (Em diferentes estudos, as mães ficavam nos ambientes durante o dia ou a noite, 30 mas isso não fazia diferença.) A análise dos cérebros adultos de seus bebês mostrou uma diminuição no comprimento dendrítico e um aumento na densidade da coluna na idade adulta. Ficamos surpresos com o grande efeito da experiência pré-natal e com o fato de ser qualitativamente diferente da experiência tanto no período juvenil quanto na idade adulta. Mais recentemente, mostramos que uma variedade de experiências pré-natais alteram a organização do cérebro na idade adulta, incluindo estimulação tátil pré-natal (ou seja, estimulação da mãe grávida), exercícios durante a gravidez, estresse pré-natal e drogas psicoativas. Todas essas experiências também alteram cronicamente as funções motoras e cognitivas, com o efeito preciso variando com as diferentes experiências. Embora não saibamos como essas mudanças pré-natais podem influenciar o efeito das experiências pós-natais, está claro que as experiências pré-natais produzem efeitos crônicos na organização e no comportamento do cérebro. É lembrado aqui a ideia de reserva cognitiva (ou neural) como sendo os fatores-chave no início das demências. Os eventos do início da vida podem influenciar a reserva cognitiva na idade adulta ou na senescência? Mudanças plásticas são dependentes da área Embora sejamos tentados a esperar que as mudanças plásticas nas redes neuronais sejam bastante gerais, está se tornando claro que muitas mudanças dependentes da experiência são altamente específicas. Os exemplos mais claros podem ser vistos 31 em estudos neuropsicológicos nos quais os animais são treinados em tarefas cognitivas ou motoras. Por exemplo, ratos treinados em uma tarefa visuoespacial mostram mudanças específicas no córtex visual, enquanto os ratos treinados em tarefas motoras mostram mudanças específicas no córtex motor. Essas mudanças específicas dependentes da tarefa são razoáveis em vista da localização relativa das funções no córtex. Mas nem todas as mudanças dependentes de área são previstas com tanta facilidade. Considere dois exemplos. Observamos acima que o efeito das drogas psicoativas parece ser seletivo para regiões que recebem inervação dopaminérgica. Portanto, ficamos surpresos ao descobrir que o córtex orbitofrontal (OFC), outra região que recebe inervação dopaminérgica, mostrou alterações induzidas por drogas que são opostas às do mPFC e NAcc (Robinson e Kolb, 2004). Assim, enquanto os estimulantes psicomotores aumentaram o comprimento dendrítico e a densidade da coluna no mPFC, eles diminuíram as mesmas medidas na OFC. Os efeitos contrastantes dessas drogas nas duas regiões pré-frontais são intrigantes, dada a similaridadeno talâmico e outras conexões das duas regiões. Curiosamente, também existem efeitos diferenciais dos hormônios gonadais nas duas regiões pré- frontais: os neurônios mPFC têm mais espaço sináptico nos homens, enquanto os neurônios OFC têm mais espaço nas mulheres. Embora ainda não saibamos o que essas diferenças significam em termos comportamentais, pode haver poucas dúvidas de que a resposta diferencial de duas regiões corticais 32 semelhantes a drogas e hormônios deve ser importante para a compreensão de suas funções. Mudanças plásticas dependem do tempo. Há evidências crescentes de que as mudanças na plástica não são constantes e podem mudar com o tempo. O exemplo mais claro vem de estudos de drogas. Por exemplo, embora haja grandes aumentos na densidade da coluna e comprimento dendrítico 2 semanas após a interrupção da administração de cocaína, essas alterações desaparecem lentamente ao longo de um período de 4 meses. Em contraste, quando os ratos recebem morfina e os cérebros são examinados imediatamente após a cessação da droga, há um aumento na arborização dendrítica no NAcc, mas um mês depois as mudanças são exatamente o oposto (Robinson e Kolb, 1999b). Uma razão para os efeitos dependentes do tempo da exposição à droga pode ser que o comportamento está mudando conforme os animais estão primeiro em abstinência e depois se adaptam à ausência da droga. A plasticidade dependente do tempo também pode ser observada em resposta à estimulação elétrica cerebral repetida. A estimulação repetida de baixa intensidade pode levar lentamente ao desenvolvimento de convulsões espontâneas, um fenômeno conhecido como kindling. O desenvolvimento de convulsões está correlacionado com mudanças no comprimento dendrítico e densidade da coluna que se normalizam um mês após a cessação da estimulação elétrica. Curiosamente, a estimulação 33 também produz mudanças fisiológicas que não mudam. Neste caso, parece que a experiência (ou seja, a estimulação elétrica) produz alterações dendríticas e fisiológicas, mas as duas não estão relacionadas. A possibilidade de que existam diferentes mudanças crônicas e transitórias dependentes da experiência nos neurônios cerebrais é consistente com estudos genéticos que mostram que existem diferentes genes expressos de forma aguda e crônica em resposta a ambientes complexos. A diferença em como as mudanças transitórias e persistentes nas redes neuronais se relacionam com o comportamento é desconhecida. A lesão cerebral produz alterações plásticas que variam com a etiologia. Embora possamos apontar para uma causa proximal específica de uma lesão cerebral, como um derrame, o resultado final da lesão cerebral não é o resultado de um único evento causal. Em vez disso, há um evento inicial seguido por uma cascata de eventos celulares que podem comprometer seriamente o cérebro lesado, bem como regiões cerebrais que não foram diretamente lesadas. Essas alterações pós-lesão podem ser rápidas, como mudanças no pH ou equilíbrio iônico que podem ocorrer segundos ou minutos após uma lesão, ou podem ser mais lentas, como a produção de glias que migram para o tecido lesado. De mais interesse, no entanto, são as mudanças de longo prazo nas redes neuronais que fundamentam as funções pós-lesão emergentes. A natureza dessas mudanças varia com a causa da lesão. O 34 cérebro adulto pode ser lesado de várias maneiras, incluindo especialmente acidente vascular cerebral, traumatismo craniano e excisão neurocirúrgica para doenças. A literatura sobre recuperação e reabilitação funcional presumiu razoavelmente que, após o período inicial pós-lesão, os pacientes com diferentes tipos de lesões cerebrais provavelmente se beneficiariam de forma semelhante com os tratamentos. No entanto, essa presunção se baseia na suposição de que os processos reparativos que começam espontaneamente após a lesão são semelhantes para diferentes tipos de lesões. Um estudo de Gonzalez e Kolb (2003) nos leva a questionar essa suposição. Esses autores deram aos ratos lesões equivalentes do córtex sensório-motor, mas produziram o dano por oclusão arterial, remoção vascular ou sucção cirúrgica. Os resultados comportamentais foram semelhantes em três grupos, com sintomas motores crônicos graves nos membros contralaterais. Da mesma forma, os volumes de infarto foram essencialmente idênticos entre os grupos. O que foi surpreendente, no entanto, foi quando os autores examinaram a morfologia dos neurônios no estriado e na área perilesional, descobriram que cada grupo era diferente. Por exemplo, os cérebros com lesões de sucção mostraram atrofia de campos dendríticos, enquanto os cérebros de animais com lesões de descamação vascular mostraram campos reconfigurados com aumento da arborização dendrítica. Apressamo-nos em observar, entretanto, que a recuperação comportamental dentro dos diferentes grupos foi comparável, pelo menos com as medidas comportamentais que os autores empregaram. Essa descoberta é 35 uma reminiscência da evidência que mostra que as experiências perinatais podem ter efeitos diferentes na organização do cérebro, mas efeitos semelhantes no comportamento. Uma mensagem do estudo de Gonzalez e Kolb (2003) é que a capacidade de recuperação induzida pelo tratamento provavelmente não é equivalente após lesões com etiologias diferentes, porque o cérebro está mudando de maneira diferente com etiologias diferentes. Esta conclusão tem implicações óbvias para a reabilitação de pacientes humanos, embora não tenhamos conhecimento de quaisquer estudos diretos sobre o assunto. A plasticidade neuronal após lesão cerebral varia com a idade. Desde a época de Broca, sabe-se que as crianças parecem ter melhores resultados após lesões precoces do que os adultos, mas estamos apenas começando a entender por que isso acontece. Pierre Paul Broca (Sainte-Foy-la-Grande, 28 de junho de 1824 — Paris, 9 de julho de 1880) foi um cientista, médico, anatomista e antropólogo francês. Formado em medicina aos 20 anos, logo se tornou professor de patologia cirúrgica da Universidade de Paris e um renomado pesquisador médico em diversas áreas. Os primeiros estudos sistemáticos sobre os efeitos comparativos da lesão cerebral precoce foram feitos por Margaret Kennard, que estudou os efeitos das lesões do córtex motor em macacos 36 bebês. Sua observação seminal foi que os animais com lesões iniciais apresentaram melhor recuperação das funções motoras do que aqueles com lesões na idade adulta. Embora tenha havido suporte posterior para as descobertas de Kennard de que “quanto mais cedo melhor”, outros estudos em macacos foram menos favoráveis. Somente depois que a idade variou sistematicamente em estudos em ratos e gatos é que a relação entre a idade na lesão e o resultado funcional se tornou mais clara. Nós examinamos o comportamento de ratos adultos que tiveram lesões focais no córtex mPFC, motor, temporal, parietal posterior ou cingulado posterior nos dias pós-natal 1, 4, 7, 10 ou 90 (ou seja, adulto). O resultado geral foi que, independentemente da localização da lesão, o resultado funcional sempre foi melhor após a lesão durante a segunda semana de vida, que no rato é um período de intensa sinaptogênese cerebral e formação glial. Um padrão semelhante de resultados pode ser visto em estudos paralelos dos efeitos das lesões corticais em gatinhos por Villablanca e seus colegas, embora como o rato e o gato se desenvolvam em taxas diferentes, as idades precisas sejam diferentes nas duas espécies. O ponto principal aqui é que a data de nascimento é irrelevante - é o estágio de desenvolvimento neural que é importante. Mas quais mudanças cerebrais são responsáveis pelos efeitos da idade? Agora existem evidências convincentes de quenovos neurônios podem ser formados após a lesão e especialmente após a lesão neonatal. Por exemplo, ratos com lesões de mPFC em torno do dia 10 pós-natal mostram uma regeneração espontânea de 37 grande parte do tecido perdido. A remoção do tecido remove a recuperação funcional e o bloqueio do novo crescimento do tecido impede a recuperação. Embora a regeneração espontânea possa ocorrer após lesões de mPFC, tal regeneração é incomum, mas pode ser induzida por infusão de FGF-2 após lesão cortical no dia 10. Novamente nesses estudos a remoção do novo tecido leva a um retorno dos déficits funcionais e a prevenção do novo crescimento impede a recuperação funcional. O efeito da idade na plasticidade pós-lesão provavelmente não é apenas relevante durante o desenvolvimento. Teuber (1975) relatou que soldados com lesões cerebrais também mostraram um benefício por serem mais jovens: os de 18 anos se saíram melhor do que os de 25, que se saíram melhor do que os soldados mais velhos. Em geral, presume-se que as mudanças plásticas são menos prováveis de ocorrer à medida que o cérebro envelhece, mas isso não foi bem estudado e há poucas dúvidas de que mesmo os animais senescentes podem apresentar uma plasticidade cortical considerável. Ainda são necessários estudos sistemáticos da plasticidade cerebral e do comportamento ao longo da vida, tanto em animais normais quanto em animais com lesão cerebral. Mudanças dependentes da experiência interagem. Em princípio, existem três maneiras de um cérebro lesionado compensar a perda de tecido: (1) reorganização das redes neuronais existentes; (2) desenvolvimento de novas redes; e (3) regeneração do tecido perdido. Todos os três ocorrem após lesão 38 cerebral precoce. Nós consideramos cada um brevemente. Os primeiros estudos sobre compensações anatômicas após lesão cerebral precoce enfocaram a conectividade após dano unilateral ao sistema motor. A descoberta geral foi que se houver dano perinatal ao córtex que normalmente dá origem às vias corticobulbar e corticoespinhais, a via intacta no lado oposto brota novas conexões tanto para as regiões motoras subcorticais do hemisfério danificado quanto através de um aumento ipsilateral via corticoespinhal. Acredita-se que essas novas vias sejam a base dos melhores resultados motores das lesões iniciais. Achados paralelos são vistos nos sistemas sensoriais à medida que novas vias se desenvolvem após danos ao córtex visual primário. Curiosamente, porém, novos caminhos nem sempre são benéficos. Descobrimos que o dano ao mPFC na primeira semana de vida resulta em muitas redes anômalas, mas isso está correlacionado com resultados ruins em várias medidas de função cognitiva. Em geral, entretanto, o desenvolvimento de novas redes fornece uma explicação para o efeito Kennard. Outra maneira de fazer inferências sobre a remodelação da rede neuronal é examinar a morfologia dendrítica após lesões iniciais. O resultado geral desses estudos é que, quando o resultado funcional é bom, há um aumento na arborização dendrítica e na densidade da coluna em neurônios piramidais no manto cortical remanescente. Em contraste, quando o resultado funcional é ruim, há uma atrofia da árvore dendrítica e densidade da coluna vertebral. O surgimento das mudanças compensatórias benéficas na organização dendrítica leva várias semanas e está relacionado 39 ao surgimento da função cognitiva melhorada. A ideia de que a geração de novo tecido poderia ser possível após lesão cerebral em mamíferos pós-natais demorou a se desenvolver e enfrentou considerável ceticismo. Conforme os animais viajam pela vida, eles têm um número quase infinito de experiências que podem alterar a organização do cérebro. Praticamente não há estudos experimentais tentando determinar como as experiências de uma vida inteira podem interagir. Tentamos abordar essa questão em uma série de estudos em que animais receberam drogas psicoativas antes de serem colocados em ambientes complexos. Nossa hipótese é que, como o mPFC e o NAcc foram profundamente alterados pelas drogas, eles podem apresentar menos (ou nenhuma) mudança em resposta à experiência de habitação. Para nossa surpresa, não apenas o mPFC e o NAcc não mostraram resposta à experiência, mas também nenhuma outra região cortical. Por exemplo, os neurônios piramidais no córtex parietal, que normalmente apresentam grande mudança dependente da experiência, mas pouca mudança dependente da droga, não mostraram resposta ao complexo alojamento após experiência anterior com anfetamina, cocaína ou nicotina. Uma questão óbvia era se a experiência anterior com habitações complexas interferiria nas mudanças dependentes de drogas. É verdade. Animais com experiência de alojamento complexo antes de doses repetidas de nicotina mostram uma resposta muito atenuada à droga. Outro exemplo de interações em mudanças dependentes da experiência pode ser visto na resposta sexualmente dimórfica 40 dos neurônios corticais e do hipocampo ao alojamento complexo. Juraska (1990) mostrou que, enquanto os neurônios do córtex occipital apresentam aumento da árvore dendrítica em resposta ao complexo alojamento em homens, não há tais mudanças nas mulheres. Em contraste, as fêmeas apresentam aumento da árvore dendrítica no hipocampo, enquanto os machos não. Uma das experiências mais comuns da vida cotidiana é o estresse. Em vista dos efeitos significativos do estresse na morfologia dendrítica e na neurogênese, parece provável que o estresse irá interagir com outras mudanças dependentes da experiência. Descobrimos, por exemplo, que o estresse pré-natal bloqueia a recuperação normal da lesão cortical na segunda semana de vida. Finalmente, observamos que a exposição pré- natal às experiências descritas acima interage com a lesão cerebral pós-natal posterior para produzir mudanças diferenciais nas redes neuronais e recuperação funcional correlacionada. Por exemplo, ratos que tiveram experiência pré-natal por meio da exposição da mãe à estimulação tátil ou alojamento complexo mostram um efeito atenuado da experiência posterior de lesão cerebral perinatal e, em alguns casos, mostram recuperação quase completa que está correlacionada com mudanças dendríticas aumentadas. Em contraste, ratos expostos a estresse ou fluoxetina no pré-natal mostram um efeito comportamental exagerado das mesmas lesões cerebrais perinatais e o resultado ruim está correlacionado com um bloqueio aparente de alterações compensatórias pós-lesão. 41 A experiência afeta diferencialmente o cérebro normal e lesionado. Inicialmente, presumimos que uma determinada experiência produziria mudanças semelhantes no cérebro normal e lesado, embora possa haver diferenças quantitativas nas duas condições. Agora está ficando claro que a mesma experiência às vezes pode ter o efeito oposto no cérebro normal e lesado. Um exemplo é a estimulação tátil durante a infância: há uma diminuição na densidade da coluna em animais normais, mas um aumento em animais com lesão cortical. Estudos preliminares mostram efeitos semelhantes paradoxalmente diferentes de outros tratamentos, como habitação complexa e drogas psicoativas. Esse tipo de descoberta tem implicações importantes para o desenvolvimento de tratamentos de reabilitação, portanto, precisamos entender por que os efeitos são diferentes no cérebro normal e no cérebro lesado. Compreender a plasticidade normal nos dá uma chave para consertar o cérebro anormal. É nossa hipótese de trabalho que, à medida que aprendemos mais sobre como o cérebro normal pode ser alterado pela experiência, seremos capazes de aplicar esse conhecimento ao cérebro lesado. Esta estratégia está provando ser um sucesso. A conclusão geral desta literatura é que muitos, mas não todos, os42 fatores que produzem a reorganização dendrítica e o benefício funcional no cérebro normal podem fornecer benefícios após lesão cerebral em adultos e crianças. O maior benefício para animais de laboratório com lesões em qualquer idade é claramente o alojamento complexo. Como observado anteriormente, moradias complexas levam a aumentos em vários fatores de crescimento e incluem estimulação social, estimulação sensorial e aumento da atividade motora. É provável que a combinação de todos esses fatores forneça o grande benefício. Uma característica importante também é que há 24 horas de estimulação 7 dias por semana, ao invés de uma hora ou mais duas vezes por semana, como pode ser mais provável com a terapia típica administrada a pacientes humanos com lesão cerebral. Embora seja ideal fornecer a pacientes humanos algum tipo de terapia equivalente, isso provavelmente não seria prático para a maioria dos sistemas de saúde. Além disso, colocar animais ou pacientes humanos com déficits motores graves em ambientes complexos pode ser bastante estressante, portanto, precisamos procurar tratamentos alternativos. Até o momento, os tratamentos mais promissores incluem o uso de estimulantes psicomotores, como anfetamina ou nicotina. Os ensaios clínicos com anfetaminas deram resultados irregulares, provavelmente devido às diferenças no tamanho das lesões. Estudos laboratoriais sugerem que, enquanto ratos com lesões pequenas mostram um benefício significativo da anfetamina, aqueles com lesões grandes não o fazem. 43 A nicotina pode provar ser mais eficaz, pois tem mudanças generalizadas na morfologia neuronal no cérebro normal e estudos laboratoriais preliminares mostram que a nicotina é muito mais eficaz do que a anfetamina no tratamento de animais com grandes derrames corticais. Um tratamento adicional que está provando ser eficaz no tratamento de animais de laboratório e pacientes com AVC é a estimulação elétrica cortical direta. Uma extensão óbvia dos estudos de estimulação elétrica é a combinação da estimulação com outros fatores, como terapias sensoriais ou motoras ou estimulação psicomotora, embora, até onde sabemos, isso ainda não tenha sido tentado. Observamos também que as experiências pré-lesão podem interagir com os tratamentos pós-lesão. Lembre-se das complexas interações de experiência e drogas discutidas acima. Em um estudo preliminar, mostramos que a exposição anterior à nicotina bloqueou a eficácia do tratamento com nicotina pós-lesão, um resultado que lembra os estudos sobre drogas / ambiente. Em suma, acreditamos que existe um potencial considerável no tratamento de lesões cerebrais com fatores que são conhecidos por aumentar a plasticidade cerebral em animais normais. É provável que as combinações de tratamentos sejam as mais eficazes. Notamos também, entretanto, que é bastante provável que lesões de diferentes etiologias respondam de maneira diferente a fatores específicos. 44 A força relativa (e duração) da plasticidade está relacionada à relevância do evento para o animal e à intensidade ou frequência dos eventos. Embora a maioria das experiências deva ser repetida para que possamos aprender, algumas experiências precisam ser encontradas apenas uma vez e há uma mudança de comportamento a longo prazo. Um exemplo são as aversões alimentares relacionadas a uma única incidência de doença, um fenômeno conhecido como condicionamento de aversão ao paladar. Se os animais são apresentados a um sabor novo que está associado à doença, há uma aversão imediata e permanente ao sabor. Esse aprendizado requer apenas uma única tentativa. O ponto principal é que as doenças relacionadas aos alimentos são altamente relevantes para o animal e o cérebro está claramente preparado para fazer certas associações. Um exemplo paralelo pode ser visto no imprinting em galinha (em inglês fowl), que é um processo em que um organismo aprende, durante um período sensível, a restringir suas preferências sociais a uma classe de objetos. Horn e seus colegas mostraram que há mudanças imediatas em uma parte do hiperstriato do filhote após a impressão visual. Foi demonstrada uma variedade de mudanças que ocorrem rapidamente, incluindo um aumento no comprimento dendrítico, mas uma diminuição na densidade da coluna, aumento da transmissão excitatória glutamatérgica, aumento da densidade do receptor NMDA, aumento da expressão gênica precoce imediata e outras alterações moleculares pós-sinápticas. Uma 45 característica importante dos experimentos de Horn é que embora os estímulos mais eficazes para as mudanças sejam aves, na ausência de aves ainda há mudanças, sugerindo flexibilidade no sistema de impressão inato. A intensidade dos estímulos pode ser manipulada em outros modelos variando as doses da droga, o tempo em alojamento complexo, a duração da estimulação elétrica, etc. Por exemplo, estudos de drogas mostram que baixas doses de estimulantes psicomotores produzem mudanças mais restritas na arborização dendrítica do que doses mais altas, enquanto doses adicionais de estimulantes psicomotores produzem aumentos crescentes na densidade da coluna. Da mesma forma, embora os animais possam apresentar aumento de material dendrítico nas células corticais piramidais após apenas alguns dias de alojamento complexo, os aumentos são muito maiores após períodos mais longos. Um aspecto interessante da estimulação elétrica é que, enquanto a estimulação de alta frequência (25-200 Hz) produzirá potenciação pós-sináptica aprimorada (ou seja, potenciação de longo prazo), a estimulação de baixa frequência (3 Hz) produzirá potenciação reduzida. As diferentes formas de estimulação levam à ativação de diferentes vias de sinalização pós-sináptica e uma série de diferentes mudanças plásticas (por exemplo, Teyler, 2001). Finalmente, uma meta-análise recente da fisioterapia após o AVC concluiu que a duração e a intensidade da terapia pós-AVC têm um efeito direto na recuperação nos testes de vida diária. Esses estudos não mediram as mudanças cerebrais, mas os benefícios 46 comportamentais da terapia fornecem uma sugestão bastante forte de que o tratamento alterou a organização cerebral. A plasticidade do cérebro nem sempre é uma coisa boa. Até este ponto, enfatizamos principalmente as mudanças plásticas no cérebro que podem apoiar a melhoria da função motora e cognitiva. Mas as mudanças plásticas também podem interferir no comportamento. Por exemplo, é razoável propor que alguns dos comportamentos desadaptativos de viciados em drogas podem resultar de mudanças relacionadas com drogas na morfologia neuronal pré-frontal (Robinson & Kolb, 2004). Outro exemplo pode ser visto na esquizofrenia. A esquizofrenia é um distúrbio do desenvolvimento no qual o cérebro começa a apresentar anormalidades na morfologia e no comportamento no final da adolescência. As anormalidades incluem volumes reduzidos dos lobos frontal e temporal, bem como volume ventricular aumentado. A análise morfológica de neurônios no córtex pré-frontal de cérebros pós-morte de pacientes esquizofrênicos mostra uma redução na arborização dendrítica e na densidade da coluna vertebral. A causa dessas mudanças é mal compreendida, mas uma hipótese é que as mudanças são em resposta a alguma anormalidade de desenvolvimento no hipocampo. A análise dos neurônios do hipocampo em tecido post-mortem de esquizofrênicos mostra a organização desorganizada das células piramidais que podem resultar de algum tipo de perturbação cerebral ou anormalidade genética. A 47 causa precisa é difícil de estudar em tecido post-mortem humano, mas é possível manipular o hipocampo em animais de laboratório em desenvolvimento. Estudos comportamentais de animais de laboratório com pequenas lesões ventraisdo hipocampo (ou inativação do hipocampo) na infância mostram distúrbios funcionais em adultos que são reminiscentes de animais com lesão pré-frontal em adultos. Estudos anatômicos de animais semelhantes mostram reduzida arborização dendrítica e densidade da coluna, semelhante ao que foi observado em pacientes esquizofrênicos humanos. Essas mudanças não são observadas em ratos com lesões semelhantes na idade adulta. Parece, portanto, que tanto os efeitos comportamentais quanto morfológicos da pequena lesão ventral do hipocampo ocorrem somente após uma perturbação na infância. Esta perturbação é proposta para levar a mudanças plásticas no córtex pré-frontal em desenvolvimento que levam a anormalidades comportamentais na idade adulta. Uma previsão desse modelo é que as anormalidades estruturais no lobo frontal não deveriam progredir na idade adulta, mas provavelmente permaneceriam estáticas. Esse parece ser o caso. Existem muitos outros exemplos de plasticidade patológica, incluindo dor patológica, resposta patológica à doença, epilepsia e demência. Um dos objetivos é encontrar maneiras de bloquear ou reverter a plasticidade patológica, embora isso provavelmente seja difícil. 48 Capítulo 3 Cérebro: usa-o ou perde-o? as prática de exercícios cerebrais e a neuroplasticidade hillip L. Ackerman, Ruth Kanfer e Charles Calderwood (2010) da Escola de Psicologia e Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), Se a inteligência aumenta, é mantida ou diminui com a idade na idade adulta tem sido um tópico de especulação, teoria e pesquisa empírica desde o início do século passado. Quando se trata de mudanças dentro dos indivíduos, dados longitudinais, como os descritos por Schaie (1996, 2005), fornecem uma visão consistente. Em média, conforme as pessoas atingem a meia-idade e além, há declínios significativos nas habilidades associadas ao processamento rápido de informações (como medidas de inteligência fluida [Gf]). No entanto, com o aumento da idade, há declínios mais modestos, ou pelo menos os declínios ocorrem mais tarde, para o domínio do conhecimento e habilidades verbais (por exemplo, medidas de inteligência cristalizada [Gc], amplamente consideradas - para uma revisão, ver Ackerman et al. , 2010). Recentemente, houve um aumento no interesse e na controvérsia sobre se atividades específicas podem ajudar os idosos a prevenir a perda da função cognitiva com o aumento da idade. Essa questão foi abordada tanto na P 49 literatura acadêmica quanto na literatura de políticas públicas e, recentemente, recebeu atenção substancial na mídia popular. Do ponto de vista científico, a questão fundamental é a confirmação ou refutação do conceito de “usar ou perder”. Ou seja, buscar a resposta para a questão de saber se existem atividades que podem atenuar ou interromper o declínio cognitivo relacionado à idade. Até o momento, entretanto, há muitas afirmações feitas, mas relativamente poucos estudos controlados randomizados e nenhum estudo onde medidas extensivas de habilidade são conduzidas para avaliar a transferência de treinamento. E, não houve contraste direto dos efeitos do envolvimento cognitivo para o conhecimento de domínio com os efeitos do envolvimento cognitivo para habilidades intelectuais fluidas. O estudo relatado neste artigo tenta fornecer mais evidências sobre o conceito de usar ou perder, usando um design dentro dos sujeitos, prática em tarefas de processamento cognitivo e leitura para conhecimento de domínio e uma ampla avaliação das habilidades cognitivas e de velocidade perceptiva. Treinamento direto No início da discussão, é importante observar que, de modo geral, não é controverso se os idosos podem aprender novas tarefas. Por exemplo, em um estudo inicial de treinamento cognitivo, Schaie e Willis (1978) forneceram a adultos entre 64 e 95 anos de idade programas de treinamento de 5 horas para raciocínio indutivo ou orientação espacial. Eles descobriram efeitos diretos 50 sobre o desempenho dessas duas habilidades em testes posteriores, que incluíram reteste após mais 14 anos. Esses resultados são uma demonstração notável de que um breve treinamento em medidas de habilidades intelectuais pode ter efeitos duradouros. Embora seja claro que os adultos mais velhos podem aprender novas habilidades, uma meta-análise de estudos de treinamento indicou que os adultos mais velhos tendem a adquirir novas habilidades de forma mais lenta e menos eficaz do que os adultos mais jovens. Em vez disso, o aspecto mais controverso do conceito de usar ou perder é se treinar adultos em tarefas cognitivamente intensivas resulta em transferência marcada de treinamento para outras tarefas que envolvem conteúdo cognitivo / intelectual. Especificamente, a questão central é: O treinamento tem alguma influência positiva além do desempenho nas próprias tarefas de treinamento? Transferência de treinamento A transferência de aprendizagem ocorre quando as pessoas aplicam informações, estratégias e habilidades que aprenderam a uma nova situação ou contexto. A transferência não é uma atividade isolada, mas sim uma parte integrante do processo de aprendizagem. Os pesquisadores tentam identificar quando e como a transferência ocorre e oferecer estratégias para melhorar a transferência. As pessoas armazenam proposições, ou unidades básicas de conhecimento, na memória de longo prazo. Quando novas 51 informações entram na memória de trabalho, a memória de longo prazo é pesquisada em busca de associações que se combinem com as novas informações na memória de trabalho. As associações reforçam as novas informações e ajudam a atribuir significado a elas. A aprendizagem que ocorre em contextos variados pode criar mais ligações e encorajar a generalização da habilidade ou conhecimento. As conexões entre o aprendizado anterior e o novo podem fornecer um contexto ou estrutura para as novas informações, ajudando os alunos a determinar o sentido e o significado e encorajando a retenção das novas informações. Essas conexões podem construir uma estrutura de redes associativas que os alunos podem recorrer para futura resolução de problemas. As informações armazenadas na memória são "flexíveis, interpretativas, genericamente alteradas e sua recuperação e transferência dependem amplamente do contexto". Quando Thorndike se refere à semelhança de elementos entre aprendizagem e transferência, os elementos podem ser condições ou procedimentos. As condições podem ser ambientais, físicas, mentais ou emocionais, e as combinações possíveis de condições são incontáveis. Os procedimentos incluem sequências de eventos ou informações. Embora a teoria seja que a semelhança dos elementos facilita a transferência, existe um desafio em identificar quais elementos específicos tiveram um efeito sobre o aluno no momento da aprendizagem. Fatores que podem afetar a transferência incluem: • Contexto e grau de aprendizagem original: quão bem o aluno adquiriu o conhecimento. 52 • Similaridade: semelhanças entre a aprendizagem original e a nova, como o ambiente e outras pistas de memória. • Atributos críticos: características que tornam algo único. • Associação: conexões entre vários eventos, ações, bits de informação e assim por diante; bem como as condições e emoções ligadas a ele pelo aluno. Os alunos podem aumentar a transferência por meio da prática eficaz e da abstração consciente do conhecimento. Abstração é o processo de examinar nossas experiências em busca de semelhanças. Os métodos para abstrair o conhecimento incluem buscar os princípios subjacentes no que é aprendido, criar modelos e identificar analogias e metáforas, todas as quais auxiliam na criação de associações e encorajam a transferência. O tópico da transferência de treinamentotem incomodado psicólogos experimentais e educacionais durante grande parte do século passado. Em uma série de estudos iniciais, Thorndike e Woodworth (1901) chegaram à conclusão de que a prática de tarefas mentais resultou em impacto relativamente pequeno no desempenho e aprendizagem de outras tarefas, a menos que as tarefas compartilhassem "elementos idênticos", o que significa que as tarefas tinham graus substanciais de determinantes comuns subjacentes de desempenho. Edward Lee Thorndike (31 de agosto de 1874 - 9 de agosto de 1949) foi um psicólogo americano que passou quase toda sua carreira no Teachers College, Columbia University. Seu trabalho em psicologia comparada e o processo de aprendizagem levou à teoria do conexionismo e ajudou a lançar a base científica para a psicologia educacional. Ele também trabalhou na 53 solução de problemas industriais, como exames e testes de funcionários. Ele foi membro do conselho da Psychological Corporation e atuou como presidente da American Psychological Association em 1912. Uma pesquisa da Review of General Psychology, publicada em 2002, classificou Thorndike como o nono psicólogo mais citado do século XX. Edward Thorndike teve um impacto poderoso na teoria do reforço e na análise do comportamento, fornecendo a estrutura básica para as leis empíricas na psicologia do comportamento com sua lei do efeito. Por meio de suas contribuições ao campo da psicologia comportamental vieram seus principais impactos na educação, onde a lei do efeito tem grande influência em sala de aula. Robert Sessions Woodworth (17 de outubro de 1869 - 4 de julho de 1962) foi um psicólogo acadêmico americano da primeira metade do século XX. Graduado em Harvard e Columbia, ele estudou com William James junto com psicólogos proeminentes como Leta Stetter Hollingworth, James Rowland Angell e Edward Thorndike. Seu livro-texto Psicologia: um estudo da vida mental, que apareceu pela primeira vez em 1921, teve muitas edições e foi a primeira introdução à psicologia para gerações de alunos de graduação. Seu livro de 1938 de Psicologia Experimental foi pouco menos influente, especialmente na segunda edição de 1954, escrito com Harold H. Schlosberg. Ele é conhecido por introduzir a fórmula de comportamento estímulo- organismo-resposta (S-O-R). Uma pesquisa Review of General Psychology, publicada em 2002, classificou Woodworth como o 88º psicólogo mais citado do século 20, empatado com John Garcia, James J. Gibson, David Rumelhart, Louis Leon Thurstone e Margaret Floy Washburn. Pesquisas e aplicações em meados do século 20 resultaram em perspectivas gerais sobre transferência que forneceram uma abordagem com base mais operacional, como a abordagem de superfície de transferência de Osgood. Abordagens mais recentes tentaram modelar a transferência de treinamento dentro de sistemas cognitivos maiores (por exemplo, o modelo ACT de Anderson). 54 O ACT (Adaptive Control of Thought) de Anderson (1990) tenta levar em consideração toda a nossa cognição humana, como linguagem, aprendizagem, tomada de decisão e assim por diante. Não é surpreendente, então, que seja um modelo complexo que pode ser difícil de explicar. Embora se possa dizer que a transferência de treinamento é melhor compreendida hoje do que em 1901, persistem problemas em prever quando ocorrerá a transferência e quanta transferência será obtida de um programa de treinamento específico. Ainda não há um tratamento definitivo que permita determinar se uma tarefa de transferência específica representa "transferência próxima" ou "transferência distante". Apesar dessas limitações, há dois pontos centrais que podem ser levantados a partir do corpo de pesquisa e da teoria sobre transferência. Em primeiro lugar, embora seja possível avaliar a transferência com uma variedade de designs diferentes, não se pode avaliar validamente a transferência sem o uso de algum tipo de controle ou grupo de comparação, porque os efeitos da prática em uma tarefa de transferência em si serão confundidos com os efeitos da transferência. Em segundo lugar, é mais difícil demonstrar a transferência entre tarefas que parecem ser relativamente diferentes na superfície, em comparação com tarefas que têm um alto grau de semelhança profunda e superficial. Portanto, a hipótese a priori na maioria do treinamento para situações de transferência ampla deve ser uma expectativa de um efeito de transferência nulo. Em uma revisão recente da literatura sobre treinamento e transferência em amostras de 55 adultos, essa perspectiva abrangente foi bem documentada por Green e Bavelier (2008). Transferência de treinamento em adultos No mais nítido contraste de pontos de vista sobre a questão dos benefícios do treinamento cognitivo em adultos, Salthouse (2006, 2007) revisou a literatura experimental existente e concluiu que, embora efeitos diretos da prática ou do treinamento possam ser encontrados, a evidência para transferência além do testes ou tarefas específicos eram, na melhor das hipóteses, duvidosos. Em resposta, Schooler (2007) argumentou que alguns estudos mostram evidências de transferência além das tarefas que receberam prática ou treinamento. Embora nenhum desses experimentos tenha demonstrado transferência substancial do aprendizado de tarefas específicas para mudanças mais gerais em amplas habilidades intelectuais, esses estudos compartilham duas limitações metodológicas. Em primeiro lugar, as amostras para esses estudos incluíram adultos com mais de 65 anos e com 95 anos. Essa faixa etária pode representar uma faixa de níveis de idade em que a aquisição de novas habilidades pode ser mais limitada, em comparação com adultos que estão no final meia idade. Em segundo lugar, as avaliações de transferência distante para habilidades tradicionais são baseadas em uma amostragem extremamente limitada de habilidades. A determinação de fatores de habilidade por medidas múltiplas é uma marca registrada da 56 pesquisa em psicologia diferencial, embora seja freqüentemente negligenciada em investigações experimentais básicas. A fim de fornecer avaliações adequadas (por exemplo, confiáveis e válidas) dessas habilidades, geralmente é aconselhável que pelo menos três bons testes de referência ou 'marcador' sejam administrados. Com isso como pano de fundo, é importante destacar que várias investigações recentes indicam a presença de efeitos de transferência em adultos. Talvez os resultados mais promissores tenham sido encontrados no aprimoramento das habilidades visuais e na velocidade de processamento. Os resultados desses estudos apóiam a noção de que jogar videogames de ação pode produzir transferência positiva para habilidades de atenção visuoespacial (Green & Bavelier, 2003, 2006), mesmo após uma quantidade relativamente modesta de treinamento (por exemplo, 10-30 horas). Embora esses estudos tenham avaliado principalmente as habilidades visuais, esta linha de pesquisa ilustra o potencial do treinamento de videogame para melhorar as capacidades existentes. Transferência de treinamento em adultos - habilidades cognitivas Uma extensa revisão da literatura sobre transferência de treinamento para habilidades cognitivas em adultos está além do escopo deste artigo (embora veja Green & Bavelier, 2008 para um tratamento extensivo deste tópico). Em vez disso, fornecemos 57 uma breve revisão dos tipos de experimentos e resultados salientes que têm amplo funcionamento intelectual como o alvo dos efeitos de treinamento e transferência. Estudos de treinamento e transferência que falham em usar grupos de controle ou fornecer outros meios de contabilizar os efeitos da prática sobre as tarefas alvo (transferência) podem fornecer evidências sugestivas de transferência, mas é impossível separar