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Epistemologia da história da psicologia

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Faculdade de Psicologia da Universidade de lisboa
epistemologia e história da psicologia
Carolina Loureiro
2º ANO / 1º semestre
2020/ 2021
Origem experiencial do conceito de mente:
A experiência de mim próprio:
Há duas fontes para a experiência do mental:
· A de mim próprio;
· A dos objetos animados.
Ninguém duvida de que existe. Todos temos consciência automática de que somos nós quem age, quem sente, quem deseja.
Esse sentir-me o contro ativo do mundo traduz-se verdadeiramente na primeira pessoa dos verbos: eu quero, eu gosto, tenho sede. Além dos desejos e dos estados emocionais ou de carência temos consciência de sequências de acontecimentos imaginados ou recordados: podemos imaginar uma sequência de ações tão simples como planear o dia ou sonhar acordado. Posso ainda recordar uma pessoa ou uma ideia, ou analisar um problema, ou abstrair uma regra, comparando, detetando causas e consequências, e várias outras operações. E sinto que posso decidir que sou livre na minha decisão.
Não sentimos sempre o mesmo e podemos sentir coisas diferentes em relação ao mesmo objeto (passamos do gostar ao não gostar), mas não temos a dúvida de que somos nós, que sou eu, o sujeito, que sentem
Pode-se dizer que quando me concentro em alguma coisa, passo a ser essa concentração na coisa. 
Essa consciência de mim como sujeito é, na maior parte dos casos, tácita (implícita), mas não teorizada: sei que sou sujeito, mas não teorizo mais que isso. Pode suceder que transforme essa propriedade de ser sujeito em objeto (se eu tento conhecer o sujeito, transformo-o em objeto): eu-sujeito penso nela como objeto, mas a sede é sentida por mim, sujeito. Nesse caso poderei então abstrair a própria subjetividade: sei que sou um sujeito que sente, julga, quer, independentemente dos objetos do sentir, do julgar e do querer.
Afirmarei que sou uma entidade mental independentemente do estado mental em que me encontro. 
Poderei, para além disso, tentar caracterizar as funções desse eu-sujeito: percecionar, emocionar-se, desejar, julgar, comparar, analisar, decidir, etc.
Em suma, o mental que infiro a partir da minha experiência é um sentimento de existir como sujeito num mundo de objetos em relação aos quais me perspetivo como agente ou paciente- ajo ou sofro ação, ambos são sujeitos. Esses objetos podem ser mentais ou corresponderem a coisas que vejo e sinto fora de mim.
Quando penso em mim, objetualizo o que de mim sei. Para que a construção de uma imagem de mim seja possível, tenho de conseguir utilizar conceitos para me objetuar e, nesse sentido, o eu-objeto é sempre uma construção que, embora possa ser informada pelo eu-sujeito, difere da experiência de ser sujeito.
A mente é o sujeito consciente, centro ativo do mundo representado.
Interferência de estados mentais alheios:
Além de ter consciência de mim como sujeito, tendo a atribuir estados mentais a determinadas configurações preceptivas. Há vários níveis dessa atribuição:
· Os mais simples podem ser a atribuição de emoções a expressões faciais e corporais que são reconhecidas universalmente;
· A sintonia emocional entre duas pessoas, o “contágio emocional”;
· A atribuição de intenções a padrões geométricos que interagem.
O que estes dados sugerem é que o processo de atribuição de estados mentais é automático, implícito no próprio processo preceptivo.
Outro processo automático de atribuição de mentes consiste na perspetiva intencional: observando um objeto que exibe uma conduta num ambiente, atribuímos-lhe estados mentais descritos em termos de pensamentos, conhecimentos, intenções congruentes com a ação do objeto.
Além disso, compreendemos os estados mentais dos outros de formas mais complexas:
· Teoria da teoria: defende que temos uma “teoria” implícita sobre o que significam mentalmente os comportamentos dos outros;
· Teoria da simulação: defende que nos colocamos no ponto de vista da outra pessoa e simulamos o que ela sente.
Como vimos, o mental corresponde às forças invisíveis que determinam o movimento espontâneo e à nossa subjetividade. O vivo e o não vivo são, pois, distinguidos pela capacidade de gerar internamente movimento ou orientação. Essa capacidade é interpretada como uma intenção, isto é, um estado mental.
Parece provável que existam vários níveis de atribuição de intenções aos outros: a leitura automática de estados mentais revelada pelos trabalhos de expressões faciais, posições e movimentos talvez caracterize as formas mais simples de interação. Num nível mais elevado, há processos de simulação, como quando uma pessoa se coloca na posição de outra, podendo inclusivamente fazê-lo tomando em conta os valores e a personalidade dessa outra pessoa.
Dualismo: invisível/dinâmico – concreto/inerte:
Há, pois, um espaço “mental”, sentido quer na minha experiência em mim próprio, quer na interação com os outros.
Em qualquer caso, a experiência do mental é sentida como diferente da experiência do físico.
O mental é, pois, predominantemente sentido em mim e detetado, a partir do comportamento, pelos outros. Sendo sentido em mim, é-o de maneira mais ou menos independente do corpo.
Sentimos, então, um dualismo claro:
· O que é apenas corpo não é sentido como mente;
· O que é mental não é sentido como corporal.
A visão, a audição e a decisão são sentido como independentes do corpo.
A sensação de que, depois de o corpo morrer, a alma pode sobreviver ocorre em todas as culturas em que foi procurada.
O que é considerado “mente” parece, pois, ser aquilo que sinto como subjetivo, aquilo que acompanha os atos do meu corpo, espontaneamente fazemos a separação entre a sensação que acompanha os atos do corpo e esse mesmo corpo.
A mente nas culturas Ágrafas:
Alma e agência:
Há culturas que não têm a palavra para “mente”, mas todas têm palavra para “alma”. Mente e alma, a partir de Platão, são palavras quase intermutáveis e o conceito de alma apenas cedeu lugar ao de mente porque os pensadores quiseram autonomizar-se da visão religiosa, mais associada à palavra de alma.
Os etnólogos procuraram estabelecer uma tipologia das almas e concluíram que a maior parte delas se refere a uma “inteligência/verdade” que dá vida ao corpo. Há almas do corpo responsáveis pela animação desse corpo. Há almas mais independentes desse corpo (como as almas dos xamãs); essas almas mais independentes do corpo podem ser mais agentes ou mais conscientes de si próprias, sendo que a alma agência decide e age voluntariamente.
O conceito espontâneo, primitivo, de alma corresponde ao conceito de agência consciente, quer em nós, quer nos outros. Não imaginemos, pois, a noção primitiva de alma como uma noção abstrata: é a noção de estar vivo e de ser agente, se sentir e de agir; exatamente a nossa experiência de viver.
Almas fora do corpo:
A ideia de que a mente-agência se pode separar do corpo e que determina as ações corporais, é uma característica da nossa espécie. Somos inaptamente dualistas porque sentimos a mente e a matéria como entidades diferentes.
Agências desencarnadas: os espíritos:
Quando as pessoas de culturas ágrafas encontram um fenómeno poderoso, procuram a causa para esse fenómeno. A noção de causa puramente física que ganhou importância no Ocidente foi desenvolvida especialmente na Grécia, a partir dos pré-socráticos, mas em muitas culturas humanas, a uma pergunta causal responde-se com a identidade de um agente invisível (deuses, espíritos, etc.).
A explicação desta tendência para explicar fenómenos através da inferência de agentes invisíveis é fácil de compreender:
1. Identifica-se um efeito (uma coisa a explicar);
2. Infere-se uma intenção por detrás desse efeito e, em consequência;
3. Postula-se um agente portador dessa intenção e realizador desse efeito (um deus ou espírito do trovão, da seca, ou o criador do mundo).
Este fenómeno ocorre mesmo que não haja qualquer testemunho do corpo desse agente. Postular-se-á, pois, um espírito, provavelmente de corpo invisível, que raramente se mostra ou que pode instalar-se em qualquer corpo que queira.
Em todos os casos daagência que não tem corpo, que tem corpo invisível, que pode mudar de corpo ou separar-se dele, trata-se sempre da separação da agência e do seu suporte material ou, se preferirmos uma fórmula mais simples, da alma e do corpo. 
Conclusão do anteriormente dito:
Em conclusão, todas as culturas têm noção de que o homem é um corpo guiado por alma. A conduta dos outros agentes e dos fenómenos dinâmicos é sempre interpretada em termos de intenções. 
Somos, pois, espontaneamente dualistas, tendemos a acreditar na separação entre alma e corpo e concebemos um agente como dirigido pela sua alma (os seus desejos e sentimentos) mais do que pelo sue corpo, que tem de ser animado para permanecer vivo. É destas duas intuições fundamentais que nos sentimos como agência e que detetamos nos outros agências, que se desenvolve a noção de mente.
Posições de primeira, segunda e terceira pessoa:
O mental é uma qualidade da nossa experiência e uma interpretação intencional do movimento ou de acontecimentos inexplicáveis. Não é, pois, um objeto.
Contudo, para pensar numa coisa qualquer, temos de a transformar em objeto da nossa atenção: eu, sujeito, concentro-me numa coisa, objeto. Para que eu possa pensar na mente tenho, portanto, de a transformar em objeto. Posso fazê-lo de duas maneiras:
· Concentrar-me nos meus estados mentais e tentar descrevê-los;
· Inferir estados mentais a partir da conduta dos outros.
A essa distinção chama-se, de maneira um tanto imprecisa, posições de primeira e terceira pessoas.
Na posição de primeira pessoa, o sujeito examina a sua mente, quer no momento imediato, quer pela recordação do que sentiu (descrever o que sinto- estados mentais- ou representar na mente sem recurso ao exterior- descrever objetos mentais por memória ou imaginação).
Do processo automático de atribuição de estados mentais que ocorre quando duas pessoas interagem, estamos a falar então da posição de segunda pessoa.
Na posição de terceira pessoa, tento hipotetizar quais os processos mentais que me permitem explicar a conduta “vista de fora”. Muitas vezes, quando se fala da posição de terceira pessoa, está implicado que se suprime a introspeção, por ser considerada subjetiva, como método de chegar às hipóteses de explicação da mente.
Modelos da mente:
Qualquer que seja o método a que se recorra (primeira, segunda ou terceira pessoa), para teorizar sobre a mente, terei de a transformar num objeto conceptual que eu, sujeito, posso pensar e modificar.
Historicamente, as hipóteses da mente distribuem-se em dois grandes problemas:
· Como pode a mente chegar onde quer que seja;
· Como podemos controlar-nos para agir de maneira justa e atingir a felicidade.
A mente como mistério:
Dificuldade de descrição do mental:
Por ser invisível, a mente é difícil de descrever por ausência de referentes comuns. Não posso apontar para uma emoção e dizer “isto é a angústia”; posso dizê-lo de um comportamento, porque quer eu quer o leitor o vemos, mas não de um estado mental. Para o conseguir, terei de seguir uma estratégia indireta: apresentar uma imagem ou uma situação que desencadeie uma sensação, quer em mim, quer no leitor, e dar nome ao sentimento que ocorre através da imagem. Nunca saberei, com certeza, se o leitor teve a mesma emoção que eu.
Dir-se-ia que posso, em contrapartida, descrever os meus estados mentais, mas isso só é verdade até certo ponto. De facto, não é possível evocar, com intensidade, sentimentos diferentes em sucessão, de maneira a compará-los uns com os outros.
Além disso, não consigo tornar os estados mentais em objetos, isto é, coisas em que me concentro: apenas posso evocar um estado mental recordando um estímulo que o desencadeia; e posso, até certo ponto, fazê-lo para vários estados, em sucessão rápida. 
Mas, mesmo evocando experiências, não conseguirei descrever muito, porque é muito mais difícil descrever estados dos sujeito do que estados do objeto. Apenas posso recordar um desencadeador desse estado mental e assim reviver tenuemente esse estado mental. A mente é, pois, muito difícil de decompor em partes, de analisar e de descrever.
Se algo é difícil de tornar em objeto, então também é difícil defini-los. Para objetificar a subjetividade, em vez de darmos atenção ao vetor que vai de nós ao objeto, temos de dar atenção ao que sentimos durante a ativação desse vetor; teríamos de passar pela ação/reação para a observação de nós. É isto que é muito difícil de fazer.
Acresce que atualmente apenas se considera conhecimento objetivo o que assenta na descrição de um objeto claro, descrição essa que deve ser quantitativa, se possível. Aplicar essa ideia ao estudo do mental implica uma contradição: o mental é o subjetivo e não o objetivo. Como vimos, é necessário transformar a subjetividade num modelo, isto é, num objeto mental, para poder objetificar a mente.
A mente e o sobrenatural:
O sobrenatural está afastado das nossas vidas, porque conseguimos explicar quase tudo em termos de causas naturais. Mas o sobrenatural subiste nos espíritos menos informados.
O sobrenatural ocorre sempre que a ordem que é esperada é violada de maneira incompreensível. O que é comum a todos os casos de sobrenatural é a interpretação de um fenómeno, de uma pessoa, de uma atividade, como dependente ou em contacto com um agente invisível.
Perante o enorme e muito poderoso, que assusta e não se compreende, há uma experiência específica: a experiência do numinoso, a identificação do sagrado.
A mente é agente e invisível: não podemos vê-la, mas sabemos que ela tem intencionalidade e que causa acontecimentos. O mundo do misterioso e do oculto compõe-se, igualmente, de forças (agentes) invisíveis e consiste na atribuição de agência a entidades que a não suportam (as estrelas, as cartas, os astros, seres invisíveis, etc.).
Como vimos, utilizamos precisamente o mesmo mecanismo para interpretar a conduta dos outros: aquilo que parece ser intencional é interpretado como sendo produto de uma menta.
Mas, se é verdade que faz sentido interpretar a minha conduta e a dos outros, que têm mentes como eu, como resultando de intenções, motivos, planeamento e emoções, aplicar essa interpretação a coisas não animadas é um erro de juízo provocado pela nossa tendência automática para interpretar os acontecimentos inabituais e incompreensíveis como produto de uma mente intencional.
É o facto de essas crenças serem tão resistentes, quer à razão, quer aos dados empíricos, que a nossa mente deteta intenções e agentes invisíveis em tudo; o espírito racional tem tido a maior dificuldade em convencer a humanidade de que se trata apenas de uma ilusão.
Embora, quer a mente, quer o oculto, sejam misteriosas, vagas e inquietantes, há duas diferenças fundamentais entre a psicologia e o ocultismo:
· A psicologia tenta descrever e explicar as funções mentais de modo a esclarecer o que parece misterioso;
· O ocultismo faz o contrário, enfatizando o misterioso, o não compreensível, as forças ocultas que apenas o iniciado é capaz de decifrar e manipular;
· A psicologia ocupa-se de uma coisa que existe, a mente;
· O ocultismo ocupa-se com fantasias que nenhum estudo sério mostra existirem.
Em suma, a psicologia é o estudo racional dos processos mentais, enquanto que o ocultismo é um resultado irracional desses processos mentais.
Os primórdios da psicologia na Grécia:
Os gregos arcaicos:
Numa obra muito conhecida, Mimesis, Auerbach apresenta a Grécia arcaica como absolutamente exterior e não psicológica, ou seja, o contado é aquilo que é visto, e não se teoriza para além do que se vê. As personagens são, assim, vazias de conteúdo psicológico, sendo apenas corpos que movem pelas suas paixões ou vontades dos deuses. As suas vontades e emoções são as que são traduzidas pelas ações. O relatado é apenas o visível.
Na Grécia arcaica, mesmo as paixões que moviam os homens eram consideradas produtos das entranhas (dos líquidos que percorriam o corpo) e a morte era a morte do corpo. Após a morte, a única coisa que restava da vida era a alma, que era vista como algo espectral (fantasmagórico)que não se assemelhava ao homem vivo (corpo e alma como entidades distintas). Os Deuses eram os verdadeiros imortais pois, no seu sangue, corria uma substância que os mortais não tinham: o ichor.
Na Grécia arcaica, haviam vários termos para aquilo que, mais tarde, se chamou de mente: Psyche ou psuche, que era o “hálito” que animava os corpos e que os abandonava no “último suspiro”.
Thymus ou thumus era o nome dado ao conjunto das motivações e emoções, ou seja, as paixões (motivações + emoções = paixões).
Nous era responsável pela perceção da verdade.
Na Grécia arcaica, dizia-se que os deuses gregos são pouco divinos e muito humanos, tendo os defeitos e as virtudes dos homens e sendo apenas imortais devido a um processo meramente material e concreto. (Deuses vistos à semelhança dos homens, mas apenas com muito mais poder)
Como os fenómenos não visuais não estavam presentes nesta altura, o visualismo e concretismo extremo têm um grande peso no desenvolvimento intelectual da Grécia.
Os conhecimentos considerados científicos nos dias de hoje são muito diferentes dos que eram considerados na Grécia antiga, uma vez que utilizam regras de validação muito diferentes. É no entanto, verdade, que foi na Grécia antiga que se se começou a tentar compreender o mundo e fenómenos exteriores: explicava-se o visível não com agentes místicos, mas sim com coisas visíveis ou plausíveis no visível.
Aqui, o objetivo era explicar o mundo e não o homem, sendo que os gregos defendiam que tudo era feito de matéria, ao invés de forças místicas, sopros, etc.
A especulação cósmica e a descoberta do pensamento:
Como vimos, um acontecimento não quotidiano é sempre explicado por um agente intencional, ainda que este possa não ser diretamente visível.
A mente é uma dedução da ação e nunca é considerada por si só. São os gregos que separam ação e mente.
Tales de Mileto, quando se referia à mente, não diferia dos gregos arcaicos. Por exemplo, dizia que os ímanes tinham alma (isto é, que tinham agência/mente), já que todos os movimentos não causados pela gravidade ou pela transmissão de movimento tende a ser compreendido como algo “mentalmente causado”, parece “ter vontade/mente”. Não se sabe muito mais da posição de Tales acerca da mente, mas acreditava na imortalidade da alma e não acreditava na doutrina da metempsicose (transmigração das almas).
Com o tempo, vão havendo variações acerca do pensamento sobre o mundo. Anaximandro postulou que tudo era feito de apeiron, isto é, de infinito ou de indeterminado (o apeiron é o resultado de várias relações opostas: frio com quente, seco com molhado. Sendo um elemento presente em tudo); já Anaximenes defendia que o mundo era feito a partir de ar.
A este grupo de teóricos/filósofos chama-se de “os físicos”, uma vez que libertaram o pensamento e foram capazes de o aplicar à natureza, sem a participação de elementos místicos. Inventaram uma linguagem nova para se referirem ao que é externo a nós, ao mundo físico que nos rodeia.
Apesar da visão da mente ser ainda muito primitiva, a corrente de pensamento dos físicos abre um caminho muito importante: as coisas, como as vemos, têm uma realidade muito diferente daquela que nos é revelada pelos sentidos. A sua geometria, aquilo de que são feitas não é traduzido pela perceção que temos dessas coisas. Há, pois, um mundo escondido onde se pode procurar pela razão e pela especulação. O pensamento – a razão- liberta-se, assim, da perceção.
Pitágoras não concorda com o pensamento dos físicos.
Pitágoras acreditava que a mente era independente do corpo e que migrava de corpo em corpo com a morte, necessitando sempre de um suporte, um corpo, que fosse por ela animado, tal como era defendido com os povos arcaicos. Ele acreditava, também, que era a alma que apreenderia a verdade e não os sentidos.
Xenófanes de Cólofon, contemporâneo de Pitágoras, explicita pela primeira vez um tema muito importante para a filosofia: o de que as coisas não são como nós as imaginamos, mas são o que são independentemente da maneira como as vemos. Este argumento era aplicado à forma como os mortais visualizavam os deuses e os seus comportamentos. Os homens visualizavam os deuses como sendo, de certo modo, semelhantes, sendo que tecnicamente os deuses seriam agentes impossíveis de imaginar e que, não é por os percecionarmos assim que eles efetivamente o são.
Heraclito de Eléia sugere que tudo quanto pensamos e sentimos é uma ilusão. Tudo é um fluxo em permanente mudança, e o que acabámos de ver imediatamente antes já é diferente agora, ainda que os nossos sentidos neguem isso.
Parménides de Eléia defende, ao contrário de Heraclito, que a verdade física das coisas é una, eterna e imutável, mas que são os sentidos que nos enganam.
Há uma tendência comum a todos estes autores apesar das suas diferenças: a realidade não é alcançada pelos sentidos, mas encontra-se num plano só acessível pelo pensamento.
Uma outra corrente que existia na altura era o materialismo, com Empédocles de Acragas, em que este afirmava que os objetos emitem eflúvios (vapores?) que são cópias deles mesmos. Capturaríamos esses eflúvios com cada modalidade sensorial e eles misturar-se-iam no sangue. Com o bater do coração transformar-se-iam em consciência.
Esta teoria materialista convive com a ideia de transmigração das almas, mas Empédocles leva a dúvida sobre a identidade da perceção e das coisas (ou seja, o que eu vejo não é o que realmente é) à sua conclusão lógica: se há diferença entre perceção e realidade, é necessário saber como se faz a tradução de uma na outra. 
Este é um começo para a epistemologia psicológica: estudar o processo de conhecimento com base nos mecanismos percetivos.
Leucipo de Mileto e Demócrito de Mileto tornam esta corrente mais moderna ao defender que as qualidades sensoriais eram meras aparências, não porque houvesse características mentais que determinavam a experiência, mas porque as coisas não eram o que pareciam. Assim, os sabores amargos ocorreriam porque os átomos são pequenos, finos e angulosos; e uma coisa parecer-nos-ia doce por ser composta pro átomos maiores e arredondados. (Átomos são vistos como a unidade indivisível infinita da matéria; tudo é composto por átomos)
Assim, nos gregos, a centração nas coisas e não na mente levou à compreensão de que as próprias coisas são ilusões. Esta visão é importante, uma vez que se normalmente se opõe ao “realismo ingénuo”, a crença de que as coisas são como as percecionamos, a verificação de que as coisas só existem porque são representadas na mente e de que a mente, sendo subjetiva, interpreta essas coisas de modo as podermos conhecer como são. No entanto, nos gregos, o caminho não foi esse: permaneceram centrados nas coisas, não no sujeito de representação (nós, que vemos as coisas) e, ao verificarem que as aparências podem enganar, localizaram esse engano na natureza escondida das coisas e não nos processos de subjetividade.
Há uma tendência para a explicação do Cosmos e não de Anthropos, do Mundo e não do Homem. E há uma tendência para a explicação de Physis e não de Psyche, das coisas e não da mente. 
Esta questionação do mundo concreto, levou progressivamente ao ceticismo porque os pré-socráticos (todos os autores de que falámos até agora) compreenderam que o que se observa não corresponde ao que é. Mas enquanto Pitágoras pensava que a capacidade de ir para lá das aparências pertencia à alma, mas o movimento dos pensadores gregos posteriores, deslocou-se mais para as coisas do que para a alma.
A alma, quando referida, é apenas parcialmente independente do corpo.
Este ceticismo veio gerar o que chamamos de sofismo. Os sofistas eram pessoas que ensinavam a pensar, a defender e a atacar tudo e o seu contrário independentemente da verdade.
Para os sofistas, a única verdade reside nas afirmações de cada um, já que o mundo das aparências é enganador
A revolução socrático-Platónica:
Os gregos, na sequência de Tales, compreenderam que o mundo físico não é animado e não deve ser estudado em termos de intenções. Isso levou-os a investigaro mundo físico enquanto matéria, a pensar e a especular sobre ele. Mas essa especulação levou à conclusão de que os sentidos nos enganam. Não haveria verdades, tudo seria subjetivo e o pensamento serviria para defender o que se quiser.
Trata-se de uma crise filosófica: não há verdade possível e deixa-se de se acreditar na religião, na ética e nos valores.
Sócrates:
Tudo o que se sabe dele vem de Platão e, em muitos casos, falar de Sócrates é equivalente a falar de Platão. 
Sócrates caracterizar-se-ia principalmente por um método de interrogar sobre o que era socialmente estabelecido como verdade ética e, assim, chegar à “verdadeira verdade” sobre os motivos do nosso comportamento. Defendia também a imortalidade da alma e acreditava que o conhecimento era possível, necessário e que estava dentro de nós.
Sócrates também acreditava que a verdade não se atingia através dos sentidos e que estes eram enganadores: desaparecida uma sensação, o conhecimento perdura, o que significa que a verdade não está nos sentidos.
Esta compreensão das verdades era possibilitada pela alma que, tal como em Pitágoras, conhecia diretamente as essências e não as aparências, que são as únicas representações dos sentidos. Estas verdades têm de ser procuradas no próprio sujeito: apenas quem pratica a contemplação da mente consegue entender as essências puras.
Platão:
Platão vai buscar à subjetividade o seu pilar com que vai erguer um edifício de certezas. Apesar de toda a confusão dos sentidos, permanece o facto de que existem ideias claras, inequívocas, para o bem, o justo, o belo, etc.
Mesmo quando analisamos o mundo sensível, fazemo-lo a partir de conceitos que não se encontram nesse mundo sensível: diferença, semelhança, identidade, multiplicidade, são detetadas pela mente e não deduzidas pelos sentidos. Estas ideias não ocorrem com base nos sentidos. 
Assim, têm de ter uma outra origem: essa origem deve ser a própria mente. Mas as ideias claras só com dificuldade e graças a uma disciplina mental austera se conseguem atingir.
Somos perturbados pelos desejos do corpo- o poder, o prazer corporal- e não procuramos a verdade. É como se dessas ideias puras apenas tivéssemos uma recordação ténue (de quando não estávamos a ser perturbados pelo corpo).
Estas ideias puras, ou formas, existem como objeto de conhecimento ou como realidades: a alma racional pode apreender as ideias se for desenvolvido pensamento abstrato e, se conseguir submeter as paixões do corpo a uma disciplina rigorosa, temos então as ideias puras.
A ideia de que existem na mente já ideias inatas com origem no mundo imaterial, pertence ao movimento do idealismo, que é o âmago da filosofia de Platão. 
Como vimos, os gregos tinham primeiro isolado o mundo físico como diferente do sujeito. Ao perceber que esse mundo físico é, afinal, enganador, afirmaram que a única realidade era a subjetividade, sempre em mudança, de cada sujeito. Esse sujeito parece mutável, sem ordem, com subjetividades diferentes em momentos diferentes, e cai-se no relativismo de se afirmar que ele é apenas a realidade das coisas. Perante essa dificuldade, Platão erige uma verdade que o sujeito pode estudar: o mundo das ideias puras.
Para compreender este mundo, é necessário saber que Platão, tal como Pitágoras e vários outros pensadores, acreditavam na vida da alma racional independente do corpo e que, só quando a alma estivesse nesse estado incorpóreo (imaterial) teria acesso a toda a verdade pura. 
Ideias puras como realidades não psicológicas:
As ideias puras de Platão não são conceitos psicológicos; correspondem a realidades no mundo ideal. Os conceitos correspondentes a essas formas são apenas elaborações psicológicas. Ou seja, a ideia abstrata de Belo eu construo a partir de várias coisas belas. As formas são, então, produtos da mente e não existem fora dela e são independentes ao mundo percecionado.
Pode então defender-se que as ideias puras platónicas são uma reificação/coisificação e correspondem a uma transformação de uma construção da mente de algo exterior a essa mente.
No caso de Platão, trata-se da reificação de um conteúdo mental num conceito abstrato (“puro e ideal”) e não num conceito grosseiramente material.
Esta posição de Platão é um degrau necessário para a formação de uma psicologia: só compreendendo o sujeito como contemplador de um mundo mental é possível descrever esse sujeito mental. Posso apenas compreender-me como mente se for espetador de conceitos que criei para descrever essa mente (tenho determinadas maneiras de pensar, reagir, gosto mais disto do que daquilo).
Análise das ideias de Platão quanto à mente:
Até ao tempo de Platão, em Atenas, o significado de Psyche era relativamente incerto: queria dizer “ânimo” e “animação do corpo”. Era, pois, uma psique formulada em termos comportamentais e não de subjetividade. Platão altera essa situação: psique quer dizer mente, a nossa vida interior (a vida de que cada um de nós tem consciência).
Chegar às formas puras, isto é, viver no mundo das ideias, seria a maneira de nos elevarmos a um grau de felicidade mais seguro e menos incerto do que simplesmente procurarmos prazer.
A alma não é apenas racional, mas principalmente movida pelo desejo (alma motivada). Esse desejo, essa luta constante consigo e com os outros, é a própria vida. Numa vida não cultivada, os desejos são todos materiais/carnais. Numa alma harmoniosa, esses objetivos são substituídos pelo desejo da posse das ideias puras.
Caminho de aperfeiçoamento espiritual:
Conflito entre tendências da mente: Platão explica a alma em termos do funcionamento de várias tendências. Procura explicar como atingir a justiça e, no processo, fornece uma teoria motivacional. Para se compreender o funcionamento dessas várias tendências convém recordar que Platão queria chegar a uma formulação justa e ética, não só da pessoa, mas também da sociedade.
Assim, quer numa república, quer numa pessoa justa, há três funções interligadas. Isto é o mesmo que dizer que a psique tem três funções:
· Os filósofos e a razão (logistikon);
· Os guardas e a paixão (thymos);
· Os artesãos e os apetites corporais (epitymetikon).
Há, então, três tipos de forças a agir na nossa alma e qualquer uma delas pode tomar precedência e dominar a consciência (o eu-sujeito), mas apenas uma delas nos permite escolher o nosso rumo, a razão.
Platão diz que em todas as pessoas há desejos contrários à razão e que se há pessoas que os controlam a ponto de quase os extinguir, outras há em quem eles se reforçam e multiplicam. Sendo particularmente evidentes nos sonhos.
Platão parece oscilar entre a ideia de uma alma racional una e de uma alma tripartida. Defende que na República não se pode usar um conceito unitário quando há conflitos internos.
Teoria da visão: Através da teoria do raio de fogo, no Timeu, verificamos que a mente vai buscar, não recebe. Isto é uma prova do voluntarismo, da inspiração na própria experiência. Isto é, o que sentimos, é aquilo que vamos buscar porque queremos ver, não o que o exterior nos impõe.
Imortalidade da alma: Platão acredita na imortalidade das almas, no entanto, contradiz-se em duas das suas formulações acerca das mesmas:
· A alma racional (que contempla as ideias puras) é imortal e as almas inferiores morrem;
· As almas justas são recompensadas, enquanto que as más vão para o Tártaro, onde ficam por um tempo proporcional aos seus feitos impiedosos.
Dada a teoria da visão, é miais provável que seja a segunda hipótese.
Psicologia, ética ou epistemologia? A psicologia platónica é a hierarquia dos objetos de consciência, a teoria da relação entre os sentidos e a alma e a teoria das três vontades. 
Como a realidade última é invisível, imaterial e apenas imaginável por hipóteses mentais, tem de existir uma psicologia mínima que mostra as operações da alma e a maneira como ela chega a essa realidade última. É, pois, uma parte de uma ética, um programa de conduta para melhorar o homem e a sociedade e não uma psicologia.
A mente, contudo, é inequivocamente afirmada: ela é o que permiteexplicar o visível e hipotetizar o invisível.
A psicologia é geralmente fundada em um de dois pontos de partida: na ética e na epistemologia. Fundar a psicologia na ética, implica afirmar um modelo de ação e tentar compreender o que temos de fazer para nos adequar a esse modelo.
A outra fundação da psicologia é a procura de como pensar a verdade. Para isso, temos de descrever as operações que nos permitem chegar a conceitos.
Assim, Platão fundou a maior parte dos temas da filosofia posterior e afirmou a superioridade da mente sobre o resto da nossa vida.
Aristóteles:
Aristóteles não aceitava a teoria das formas: considerava que o espírito humano não possuía as ideias – essências- do belo, do justo, do puro, e defendia que a mente não era um espelho dos sentidos.
Aristóteles chamava a atenção para a natureza corporal e material das funções da vida- possibilitada pela alma-, adotava uma posição mais idealista e mais próxima do platonismo quando se referia às capacidades epistémicas (à procura das essências). Essas essências ou “universais”, não poderiam ser avançados pelos sentidos: teriam de ser identificados “de dentro” da alma.
Segundo Aristóteles, pode-se fazer dez tipos de juízos sobre uma coisa, e esses tipos de juízos são designados de categorias:
· Substância (uma coisa é uma determinada coisa: Sócrates é um homem);
· Qualidade (determinada coisa é preta);
· Quantidade (uma dada coisa tem dimensão);
· Relação (uma coisa é maior/menor que outra);
· Espaço (o lugar onde está);
· Tempo (esta coisa apareceu ontem);
· Posição (está deitado);
· Estado (aquilo está molhado);
· Ação (A age sobre B);
· Afeção (B é afetado por A).
Estas características não são propriamente psicológicas- são abstrações dos tipos de conceitos usados para pensar as coisas- mas são necessárias ao entendimento. Estão presentes nas coisas, existem independentemente da mente, mas têm de estar também na mente para que a perceção e o pensamento delas seja possível.
Embora rejeite as ideias inatas platónicas, Aristóteles pergunta “como poderíamos aprender e apreender sem conhecimento pré-existente”. Quer isto dizer que conhecer uma coisa resulta das características quer da coisa, quer do conhecedor.
As ideias não estariam, então, originalmente presentes na mente, mas apenas a capacidade para as apreender a partir dos sentidos e de as formular. Essa capacidade seria mental e anterior à experiência. Aristóteles pensava que, a partir dos sentidos apenas se atinge o acidental: é a razão, ou a mente, que deve encontrar as essências e os universais.
Assim, quando Aristóteles se refere à mente como uma folha em branco, quer dizer apenas que a experiência e os sentidos têm de lhe fornecer a matéria-prima para ela funcionar. Mas a experiência só é possível se houver, na razão, qualquer coisa de prévio (a priori) e que possibilite que a experiência seja recebida, avaliada e generalizada. 
Nesta perspetiva, a mente deteta os universais através da generalização, mas não os cria: eles existem, não como coisa física, mas como realidade do pensamento.
Um outro aspeto importante em Aristóteles é a distinção entre potência e ato, que tem o significado próximo de realização. Uma bolota tem o carvalho em potência, mas tem de crescer para que o carvalho seja realizado, ou seja ato. As noções de potência e ato significam que Aristóteles acreditava que o mundo tinha um sentido, uma direção. Que a natureza estava organizada teologicamente. Acreditava, pois, que todas as coisas estavam associadas a um plano divino e que a função do homem era desvendar o plano da natureza.
Outra característica do pensamento de Aristóteles é a afirmação de que todas as coisas são compostas por forma (alma) e a matéria. A forma determina a essência de uma coisa, e a matéria pode ser transformada de maneira a tomar outra forma. Chamou-se a esta teoria de Teoria das causas ou Teoria da forma+matéria ou Hilemorfismo.
O De Anima e o seu significado:
O texto que funda a psicologia é o De Anima, ou Peri Psyches em grego. 
A base do pensamento de Aristóteles é o Hilemorfismo: todas as coisas têm matéria e forma são independentes mas criam um ser uno.
A palavra alma em Aristóteles tem vários significados. Uma definição de alma seria: a alma é a forma ou enteléquia (essência da alma?) do corpo, ou seja, é a passagem da potência a ato (o corpo tem potencialmente uma alma, e a existência dessa alma é a atualização dessa potencialidade). Por “forma”, no caso de alma, Aristóteles parece quere dizer “finalidade”. Assim, a alma seria responsável pelas funções (função = finalidade) que o corpo desempenha.
Na sua teoria, a explicação de um fenómeno implica elucidar quatro aspetos (causas):
· A matéria de que é feita;
· A forma que foi imposta à matéria;
· A causa eficiente (ou quem fez com que a coisa exista);
· A finalidade.
Aristóteles afirma que, ao estudar os organismos, é necessário compreender primeiro a finalidade para depois se poder compreender a organização. Atualmente, diríamos que, para estudar os organismos, deve-se primeiro identificar a função e, depois, compreender a organização.
Aristóteles distingue três almas:
· Alma das plantas/vegetativa, que assegura a vida e se baseia na alimentação e reprodução;
· Alma sensitiva (perceção e movimento), que caracteriza os animais:
· Os 5 sentidos fundem-se (senso comum) numa imagem mental (fantasma);
· Percecionar é sintonizar o que é comum entre objeto e sujeito;
· Percecionar implica prazer e dor e, por isso, desejo;
· O desejo baseia-se em imagens mentais (imaginação, phantasia);
· Essas imagens podem ser guardadas na memória.
No Homem, aparece mais uma nova característica da alma: a mente (ou razão, ou inteligência, ou nous). Há dois tipos de mente:
· Prática: planeamento e estratégia;
· Teórica
Tal como a perceção, a mente prática é concebida como a captura, pelo organismo, da forma de uma coisa exterior, A inteligência teórica, seria a captura das formas das próprias ideias (ex. a ideia de um triângulo). 
Assim, a mente pode ter consciência de si própria e tentar analisar-se.
O pensamento implicaria sempre imagens mentais, provenientes dos sentidos. Mas a mente não é cópia desses sentidos: tem de existir, na mente, antes de qualquer cópia, formas prévias que identifiquem as ideias. A mente tem, assim, uma espécie de armazém de formas que possam reconhecer o que os sentidos lhe fornecem. As formas inatas equivalem às ideias puras de Platão.
Contudo, a ênfase é diferente: enquanto Platão fala de reminiscências (conteúdos) das verdades, Aristóteles fala da capacidade de transformar o que existe apenas em potência de realidades do pensamento: a alma não teria ideias puras, mas apenas processos de chegar a formulações abstratas que são universalmente verdadeiras.
A mente ativa, Nous Poiêtikos:
Aristóteles faz ainda mais uma separação do nous. Por um lado, há a mente como potência, isto é, como possibilidade de se transformar nos seus objetos (se pensarmos e nos concentrar-mos em algo, a mente transforma-se na coisa pensada). Por outro lado, há o princípio ático que causa essa possibilidade de transformação da mente nos conceitos.
A esse princípio ativo, ou produtivo, chama-se mente ativa (nous poiêtikos). À mente que se transforma em todas as coisas, passou-se a chamar de mente passiva (nous pathetikós).
· Nous poiêtikos: tem as formas puras;
· Nous pathetikós: tem as imagens mentais, a memória e os sentidos que se estrutura, por influência do nous poiêtikos, em universais, sem matéria.
É a partir desta distinção de mente ativa e passiva que é possível compreender a posição de Aristóteles quanto à imortalidade da alma.
Apenas a mente ativa é imortal, porque é princípio criador, inalterável, independente das mentes individuais e existe no plano divino. Está separada do corpo.
A mente passiva é, por definição, independente do corpo, embora nele participe durante a vida do corpo. Por outro lado, o conhecimento individual, a experiência, os universais a que cada indivíduo chegou em vida através dos sentidos, da memória e das imagensmentais, sendo corporais, morrem com ele.
A mente ativa de Aristóteles é a resposta às ideias puras de Platão. Para Platão, todo o conhecimento seria um esforço para chegar às ideias puras de que temos ténue recordação. A posição de Aristóteles parece diferente porque as essências, os universais, numa palavra, as ideias puras, estão em nós em potência e são atingidas através do poder de atualização que é a mente ativa. Mas essa mente ativa, tal como as ideias puras, é exterior à mente individual. Embora com terminologia e elaboração diferente, também em Platão é necessário um esforço para chegar à razão.
Só muito mais tarde, com Guilherme de Occam, se defendeu que os universais são categorias puramente psicológicas.
Ainda assim, a formulação da “mente ativa” é um progresso importante relativamente ao Platão. Em Platão, a mente recorda-se da verdade que contemplou fora do corpo. Em Aristóteles a mente adquire capacidades de organização e de transformação das experiências sensoriais que permitem o pensamento abstrato. Tem, em si, as regras necessárias para chegar à verdade. É, pois, uma mente autónoma.
Conclusão sobre Aristóteles:
Apesar de todas as faltas de clareza e as aparentes contradições, o texto é uma tentativa de compreender a perceção, a ação e os processos internos, numa perspetiva comparada.
Quando se trata da mente, tenta uma caracterização do funcionamento conjunto do pensamento e da perceção. Em ambos os casos haveria uma captura da forma pelo sujeito de conhecimento; a mente faria uma espécie de abstração das formas e relacioná-las-ia. Aristóteles apresenta, assim, a primeira teoria psicológica autónoma.
A mente de Aristóteles implica três coisas diferentes mas relacionadas:
· O mecanismo invisível que anima, que dá vida aos organismos;
· O princípio agente que é responsável, nos animais, pelo comportamento intencional;
· A capacidade do planeamento e de pensamento abstrato.
Além disso, considerando a mente ativa imortal, implicaria uma quarta coisa:
· Um princípio espiritual que há em todos os homens e que lhes permite o entendimento.
Aristóteles tentou integrar os vários significados que a palavra “alma” tinha no seu tempo:
· Responsável pelo movimento e pela agência (Tales e os ímanes);
· Responsável pela vida (psyche);
· Responsável pelo desejo (thymus);
· Capaz de fazer juízos éticos e racionais (nous);
· É, pelo menos em grande parte, apenas material, mas tornado possível por uma agência sobrenatural (Deus).
Epicurismo e Estoicismo:
As duas escolas do pensamento costumam ser apresentadas conjuntamente porque os seus ensinamentos éticos, embora fundados em filosofias quase opostas, convergem na tentativa de definir uma vida justa.
O Estoicismo:
Para os estoicos, o mundo é todo material: compõe-se de corpos que existem no espaço e no tempo. Esse mundo é como que uma projeção da inteligência divina e, por isso, tem lógica e significado. Deus forma o mundo, destrói-o a seguir, volta a criá-lo, num ciclo sem fim. Como o mundo criado é o próprio Deus, cada criação é exatamente igual à anterior e tudo o que acontece é exatamente igual ao que já aconteceu.
Os corpos que compõem o mundo dividem-se em agentes e pacientes. Os agentes efetuam uma modificação no paciente. A alma, dado que é um agente, é um cirpo que age sobre outro corpo. A alma dirige o corpo a partir de um centro, o hegemonikon, em que convergem as sensações e de onde emanam as ações.
A alma humana adulta, que é racional, deve compreender que o mundo é Deus e que, por isso, o que acontece é o que tem de acontecer.
Há quem, na ignorância deste plano divino em que tudo tende para o bem, se revolte contra o destino e que tenha medo, desejo, que procure o prazer ou que sinta tristeza. Mas é um erro em que os sábios não cairão: sabendo que o que sucede é o que Deus desejou, aceitá-lo-ão com equanimidade e não se deixarão atrair pelos bens materiais como a saúde, a riqueza, o estatuto, o prazer. Em vez disso tentarão atingir a apatheia, isto é, a ausência de emoções que corresponde à serenidade do espírito, contentes por se conformar com a vontade de Deus. Não é que os prazeres sejam evitados, mas não são considerados valores realmente bons.
Há duas incongruências nesta teoria:
· Se a alma humana é racional, esperar-se-ia que todas as pessoas chegassem à verdade. Mas não é assim, todos somos sujeitos às paixões irracionais;
· Mas, se a alma é racional, de onde vêm estes sentimentos? A resposta é que eles vêm do ambiente e são ensinados. Mas, de onde é que vem a convicção de que são ensinados?
· A alma é identificada fisicamente com o centro das emoções. Então, se a alma é identificada com as emoções, como é possível declara que essas emoções são exteriores à alma?
· Se o mundo é uma repetição necessária que emana de Deus, esperar-se-ia não só que os acontecimentos fossem inalteráveis, mas também que a minha reação a eles o seja. Mas não o é.
Ou seja, tudo é determinado menos a minha decisão de aceitar ou não essa determinação; mas essa decisão, a sermos congruentes, também teria de ser determinada. 
Tudo se passa como se a afirmação de materialismo determinista se aplicasse aos acontecimentos exteriores a mim mas que tudo o que é interior, toda a minha atitude mental perante o que sucede dependesse apenas de mim, da minha vontade. E neste sentido, a posição estoica traduziria afina um dualismo matéria/mente disfarçado de materialismo.
Importa compreender que o estoicismo pretendeu enfatizar a importância do autocontrolo e da autodeterminação emocional.
Epicuro:
Talvez se possa resumir a sua teoria em dois pontos principais: o materialismo
anti metafísico e a ética. Epicuro era materialista: tudo era matéria, mesmo os deuses, seres perfeitos e imóveis que achava não interferirem em nada na ação humana. Recuperou a tradição jónica, e particularmente de Demócrito, e defendeu que tudo era feito de átomos. Há uma infinidade deles, mas não são todos do mesmo tipo: são diferentes consoante as substâncias a que vão dar origem – por exemplo, os da alma são redondos, porque a alma é subtil. Como há um número infinito de átomos, haverá um número infinito de cosmos. As coisas formam-se pelo entrechocar de átomos.
Se tudo é material, a perceção e a mente também o devem ser. Segundo Epicuro, toda a mente é perceção: consiste em imagens mentais obtidas por perceção e em combinações dessas imagens mentais. Contudo, os humanos têm livre-arbítrio, não são completamente determinados e podem resistir às suas tendências.
Defende que não se deve teorizar sobre o que não se vê. Mas que é Importante encontrar explicações não-metafísicas mas materiais para o que sucede.
A filosofia deve ocupar-se de saber como devemos levar uma vida boa e ter prazer. O prazer a que Epicuro se refere é a ausência de dor. Por isso, os prazeres que nos escravizam –o poder, o sexo, as riquezas, o comer e beber– devem ser obtidos com moderação, apenas na medida em que são necessários. Estando livre da escravidão dos prazeres básicos e das interações sociais penosas poderemos encontrar um estado de paz de espírito, a ataraxia, que é o prazer supremo.
Para chegar a esse estado tem de não se temer o desconhecido, de suportar a dor com indiferença, de não temer a morte. E Epicuro tem uma fórmula para isso: quem está morto não sente a morte, porque a alma se dissolve em átomos depois da morte. Ou seja, não se pode temer um estado em que nunca se vai estar, porque depois de morto cessarei de existir e de sentir. A morte é-me alheia e eu sou alheio à morte, e por isso não a devo temer.
A posição de Epicuro tem semelhança superficial com a estoica na medida em que em ambas a paz de espírito e a indiferença ao que sucede é o objetivo, mas as razões são muitíssimo diferentes. Nos estoicos a apatheia é atingida por se compreender que o mundo é perfeito, que foi feito por Deus e que tudo tem de acontecer como acontece; e no epicurismo a ataraxia deve ser atingida porque é a forma superior de prazer, e qualquer formulação de hipóteses sobre a estrutura do mundo deve ser evitada.

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