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Parecer Jurídico - Concessão de Área Pública e o Princípio da Derrotabilidade

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PARECER JURÍDICO 
Licitação - Concorrência Pública nº 035/2019 
Objeto: ​Outorga de permissão de uso de bem público, mediante pagamento mensal com 
encargo destinado à exploração comercial nos Parques Municipais de Goiânia, conforme 
condições e especificações constantes no Edital e seus anexos. 
1. SÍNTESE 
Trata-se de processo licitatório que tem como objetivo, outorgar permissão para uso 
de bem público, mais precisamente em áreas voltadas ao comércio tradicional em parques de 
toda a capital, definidos como quiosques. 
As áreas atualmente estão ocupadas por comerciantes, que possuíam até o presente 
momento autorização para uso dos locais, bem como para proceder com atividade econômica 
de aspecto mercantil e cultural. 
Com a implementação de certame licitatório com o objetivo de auferir concessão 
licitatória pelo uso dos espaços públicos, tais autorizações de uso foram invalidadas de 
maneira arbitrária, de modo que comprometesse toda a atividade comercial destes pontos 
públicos em toda a capital. 
Assim, a Prefeitura de Goiânia por meio da Agência Municipal de Meio Ambiente 
(AMMA) inaugurou processo licitatório para dar cumprimento ao que demanda a legislação 
vigente de licitações, optando pelo cumprimento estrito de todos os procedimento inerentes ao 
instituto administrativo, sem considerar o aspecto social, cultural e até mesmo principiológico 
que embasa toda a questão fática adiante debatida. 
Pois bem, com a processualização administrativa licitatória, houveram algumas 
insurgências por parte dos comerciantes que atualmente ocupam tais pontos em toda a capital. 
Ressalta-se que são pessoas de baixo poder econômico, ainda agravado pelos prejuízos 
decorrentes da pandemia que atualmente assola o cenário global. 
Os cessionários em questão chegaram a explanar as motivações contrárias ao 
procedimento licitatório, pois este comprometeria negativamente, seu sustento familiar. Além 
das mencionadas consequências, deve-se evidenciar que a licitação prejudicará patrimônio 
cultural goianiense, por se tratarem tais pontos de comércio, de bem cultural da cidade. Em 
Goiânia, tais pontos possuem relevância social, pois além de estabelecer atividade essencial 
para centenas de famílias, desenvolve a cultural local, estabelecendo corporatura 
antropológica aos locais públicos, evidenciando surgimento de valor cultural e social ao 
interesse coletivo. 
É o relatório, passo a opinar. 
2. DO PRINCÍPIO DA DERROTABILIDADE 
O princípio da derrotabilidade é instrumento constitucional e filosófico que tem como 
principal ideal a submissão da norma positivada, em prol de aspectos relacionados à ideia de 
justiça e do que se torna genuíno de maneira geral. 
A derrotabilidade das normas jurídicas encontra embasamento no preceito de justiça 
social, partindo do pressuposto constituído pela própria Constituição Federal, ao estabelecer 
princípios que norteiam a busca pela justiça e a isonomia, além de estabelecer gerações de 
direitos, consolidando vertentes voltadas aos valores lógico-normativos relacionados à 
igualdade, fraternidade e liberdade. 
Ainda na mesma escala explanativa, elucida-se que com a instauração do referido 
princípio, todas as normas jurídicas abrigarão exceções, que se coadunam o verdadeiro 
sentido da norma e não sua pura e estrita aplicação. 
A positivação não deve ser o embasamento mais consistente, devendo a justiça e 
valoração normativa prevalecer em todos os casos. Logicamente tal pressuposto não exclui a 
aplicação da lei em sua forma natural, mas deve ser relativizada em prol de bens jurídicos que 
merecem prioridade em face dos demais. 
No presente caso em questão, evidencia-se a presença de aspectos inerentes ao ideal 
de justiça, bem como os valores jurídicos que portam a norma. A correlação da necessidade 
pública é de fato um importante fator a ser considerado pela Prefeitura de Goiânia. 
Sabe-se que a atividade econômica dos comerciantes cessionários dos pontos por toda 
Goiânia, possuem valor social diante de interesses unicamente econômicos, priorizados pelo 
poder público. 
Os pontos públicos são em sua maioria locais tradicionais, onde comerciantes 
contextualizam a boa convivência, no sentido de contribuir para a harmonia local, o que vai 
muito além de uma simples atividade econômica de valor mercantil. 
Deve-se ressaltar tal aspecto, como meio de impugnar a presente licitação, levando à 
sua desconsideração, uma vez que restam evidenciados os valores harmônicos patrimoniais da 
cultura local, bem como os valores sociais portados por estes integrantes culturais. 
A derrotabilidade deve ser aplicada por se tratar de matéria pertinente ao princípio, 
que elucida a valorização destas famílias, invocando o cumprimento e a supremacia do 
interesse público à matéria, por possuir valor social e cultural. A medida justa consiste em 
equilibrar a relação jurídica estabelecida pela prefeitura junto aos comerciantes que 
atualmente ocupam os espaços públicas aqui discutidos. 
A supremacia do interesse público deve ser invocada como meio de estabelecer 
equilíbrio à questão suscitada. Deve-se levar em conta a quantidade de famílias afetadas e, 
portanto, o grave prejuízo cultural ocasionado pelas medidas administrativa propostas pela 
AMMA. 
3. DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE 
Os fatos aqui debatidos também se relacionam com a incidência de razoabilidade 
administrativa, haja vista que o poder público deve sempre relativizar o que parece absoluto 
do ponto de vista legal. O legalismo excessivo compromete a ordem administrativa, 
corrompendo o bom direito e sua aplicação na vida das pessoas. 
Por isso, a administração pública deve adotar a razoabilidade como maneira de 
estabelecer equidade à presente questão. A equidade é objetivo republicano, consubstanciado 
em direito pátrio devendo sempre ser almejado como meio de harmonizar os embaraços 
ocasionados pela deturpação consuetudinária as vezes perpetrada pelo próprio poder público. 
Desta forma, no presente caso, por se tratarem de diversas questões que se coadunam 
com o interesse público, no ponto de vista social e cultural, deve-se relativizar a aplicação de 
legislação licitatória, por entender que tais locais atualmente funcionam como alternativa 
benéfica ao município e à coletividade. 
Não se deve almejar apenas o interesse econômico da concessão, uma vez que o 
município detém prioridades, dentre elas o valor social de suas políticas públicas. O 
instrumento ora utilizado e o preceito adotado pela prefeitura para realização do certame só 
possui conotação financeira, não ganhando nenhum anseio público ou contribuição cultural ao 
âmbito público. Pelo contrário, se evidencia a hipervalorização do benefício econômico, 
deixando de lado os vários aspectos do conflito. 
Se tais cessionários possuíam até recentemente as autorizações para o uso de área 
pública, poderia a prefeitura realizar cadastro e regularização dos mesmos, como maneira de 
manter o direito de uso, preservando de maneira totalmente legal e razoável a sociabilidade do 
impasse ora debatido. 
4. DO CERCEAMENTO À COMPETITIVIDADE E INFERIORIZAÇÃO DA 
PROPOSTA MAIS VANTAJOSA 
Alémdas questões sociais de valorização da cultura e da tradicionalidade dos 
quiosques e locais públicos já suscitados, elenca-se vícios procedimentais que permeiam as 
ações administrativas do município, mais precisamente a AMMA. 
O processo licitatório nº 035/2020 cuja modalidade é concorrência pública, fere os 
princípios da competitividade e da isonomia. É fato que o município ao adotar tal 
procedimento desta modalidade, prioriza o retorno econômico que tal ato administrativo 
poderá conceder ao município. 
Por tal procedimento, o rito de concorrência pública gera prejuízos ao âmbito social 
aqui discutido, não sendo de nenhuma forma a proposta mais vantajosa para o interesse 
coletivo. Ainda, deve-se ressaltar que a modalidade concorrência em casos de concessão para 
uso de área pública, em que pese ser legal e totalmente regular, não possui eficiência em 
estabelecer regularidade e bom uso às áreas, por cercear a competitividade no seguinte caso. 
Sabe-se que o princípio da competitividade é baluarte dos processos licitatórios, por 
ser a maneira mais prática e eficaz de fornecer variedade de propostas e vantagem ao interesse 
público. Embora seja o procedimento de lances simples, que melhor aufere recurso 
econômico, não será nem de longe o mais eficaz para garantia das questões sociais e culturais 
inerentes ao interesse coletivo da capital. 
Definir a modalidade concorrência pública é impossibilitar a participação destes 
comerciantes, que atualmente, sobrevivem de maneira simples com os poucos proventos que 
auferem em sua atividade rotineira. 
O que merece destaque e total atenção do poder público é a dedicação dessas pessoas, 
que além de se instalarem em pontos para desempenho de atividade para sua subsistência, 
também consolidam importante fator social tradicional para o município. 
Além das benesses econômicas que o certame proporcionará à prefeitura, deve-se 
levar em conta a vantagem da proposta, como bem preceitua o artigo 3º​1 da própria lei de 
licitações nº 8.666/1993. 
A vinculação ao certame por meio de edital é salutar para a legalidade do processo, 
mas não pode prevalecer em detrimento dos demais bens jurídicos a serem tutelados e 
revistos pelo poder municipal. 
1 ​Art. 3​o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da 
proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será 
processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da 
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento 
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. 
Assim, deve haver relação jurídica de proporcionalidade e razoabilidade, de maneira 
que garanta aos atuais cessionários, o direito de participar do certame, de maneira justa e 
funcional, obtendo possibilidade de garantir a melhor proposta junto ao poder público. 
5. DO CABIMENTO DA MODALIDADE PREGÃO 
Pois bem, é certo que a modalidade pregão destina-se à contratação de bens e serviços 
comuns, independentemente do valor estimado da contratação. Nessa modalidade, os 
licitantes apresentam propostas de preço por escrito e por lances, que podem ser verbais ou na 
forma eletrônica. 
Além de ser modalidade mais justa e “social”, pode auferir êxito em instaurar 
eficiência ao poder público na busca por propostas mais vantajosas que se coadunam com o 
real sentido de bem jurídica público e indisponível. 
Nota-se assim, que o pregão é uma modalidade de licitação muito mais aprazível ao 
interesse público do que a concorrência, seja pela sua celeridade, seja pela simplicidade que 
envolve o procedimento. 
Por ser a concorrência um procedimento mais complexo, o pregão poderá trazer mais 
simplicidade processual para tratar de tema mais sofisticado como disposição de espaços 
públicos por meio de concessão. O pregão poderá ser procedimento mais abrangente do ponto 
de vista principiológico que visa a eficiência constitucional. 
Conclui-se que a modalidade pregão atende os pressupostos abarcados pelo intento da 
licitação, instaurando sociabilidade e acesso de mais participantes, incluindo aqueles que 
atualmente utilizam os locais. 
A concessão de uso de espaços públicos encontra embasamento legal, mas em que 
pese sua legalidade sobre o referido embate, deve haver equilíbrio entre os princípios e 
normas jurídicas, onde a prefeitura deve atuar ainda com total transparência e equidade 
quanto ao certame. 
Para contribuição de embasamento legal e valorativo da questão, o Ministério Público 
deve emitir parecer detalhado da questão, não devendo se omitir diante dos demais aspectos 
legais, pois até o presente momento todos os órgãos e entes públicos envolvidos no referido 
embate, se preocuparam tão somente com o recurso financeiro a ser levantado com a 
concessão. 
Conclui-se enfim, que a competitividade e acessibilidade aos atuais comerciantes é 
medida justa e necessária para convalidação dos ditames administrativos que envolvem a 
sociabilidade, no intuito de garantir o objetivo de uma real contribuição social à cidade, 
invocando ainda, fatores inerentes ao convívio e harmonia junto ao interesse público. 
6. CONCLUSÃO 
Por fim, cabe ressaltar que a justiça deve prevalecer até mesmo sobre normas 
positivadas e o aspecto legalista deve ser relativizado, não como forma de deturpar o sentido 
da lei, mas de garantir medida justa aliando-se a ela e sua interpretação valorativa. 
O campo lógico-normativo de Hans Kelsen deve ser proposto de maneira social e 
distribuída, em socorro àqueles que atuam com honestidade, zelando pelo trabalho, pela 
tradição e pelos costumes que aqui encontram harmonia em comunidade. 
Não se deve relativizar o errado, mas se deve garantir a erradicação da desigualdade, 
como fundamento republicano que promoveu tamanhas revoluções sistemáticas no Estado de 
direito que acompanha uma sociedade e que rege a ordem jurídica vigente. 
Sendo assim, roga-se pela aplicação da legislação, desde que haja acompanhamento de 
mais fatores substanciais que muito contribuem para auferimento de uma sociedade justa e 
que atende aos anseios do interesse público de maneira geral e não somente buscando a 
beneficiação do erário econômico. 
Conclui-se pela aplicação de todo o exposto, como forma de elucidar os instrumentos 
a serem utilizados, se valendo da justiça como fator de Gustav Radbruch​2​, que trouxe à tona o 
humanismo jurídico prevalecente, instaurando a ordem como um Estado que deve contribuir e 
não retirar ou arbitrar, como bem denota: 
Pretendeu-se completar, ou antes, substituir este princípio por est’outro: direito é tudo aquilo 
que for útil ao povo. Isto quer dizer: arbítrio, violação de tratados, ilegalidade serão direito 
desde que sejam vantajosos para o povo. Ou melhor, praticamente: aquilo que os detentores do 
poder do Estado julgarem conveniente para o bem comum, o capricho do déspota, a pena 
decretada sem lei ou sentença anterior, o assassínio ilegal de doentes, serão direito. E pode atésignificar ainda: o bem particular dos governantes passará por bem comum de todos. Desta 
maneira, a identificação do direito com um suposto ou invocado bem da comunidade, 
transforma um “Estado-de-Direito” num “Estado-contra-o-Direito”. Não, não deve dizer-se: 
tudo o que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só o que for direito será útil e proveitoso 
para o povo. 
2 ​Radbruch, Gustav, ​Filosofia do Direito​, Coimbra: Antonio Amado, 1979, pp. 415-418. Tradução de L. Cabral de 
Moncada. 
Desta forma, deve haver a profunda e genuína intenção de estabelecer equilíbrio, na 
medida mais justa de equidade, a ser um embasamento não somente legal, mas também 
humano. 
É o parecer. 
Goiânia, 27 de outubro de 2020. 
 
Gustavo M. Mundim 
OAB/GO nº 57.274

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