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Grandi_Finanças públicas e política econômica

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Finanças Públicas e Política Econômica no Brasil Recente: Um Olhar Panorâmico 
Guilherme Grandi1 
 
Resumo 
A partir da discussão de textos selecionados, o propósito deste artigo é apresentar um quadro 
das análises sobre finanças públicas e política econômica no Brasil. Com foco nos trabalhos 
que têm discutido a interdependência das políticas fiscal e monetária e suas implicações 
sobre a dívida pública e o desempenho econômico do país, apresentamos inicialmente uma 
retrospectiva histórica acerca das mudanças institucionais mais importantes que impactaram 
os regimes fiscal e monetário no período recente. Em seguida, tecemos algumas 
considerações sobre a situação fiscal do Estado brasileiro e o perfil do seu endividamento 
para, ao final, discutirmos o conceito de dominância fiscal, que, para parte da bibliogra f ia 
relevante, consiste em um dos principais fatores explicativos da crise econômica atual, que 
foi instrumentalizada juridicamente para depor Dilma Rousseff da Presidência da República, 
em 2016. 
 
Palavras-chave: Finanças pública; Política econômica; Dominância fiscal. 
 
 
Abstract 
 
From the discussion of selected texts, the aim of this paper is to present a picture of analysis 
on public finances and economic policy in Brazil. Focusing on the works that have discussed 
the interdependence of fiscal and monetary policies and its implications on public debt and 
the country's economic performance, we initially present a historical retrospective about the 
most important institutional changes that have impacted the fiscal and monetary regimes in 
the recent period. Then, we make some considerations on the fiscal situation of the Brazilian 
state and the profile of its indebtedness to discuss the concept of fiscal dominance, which, 
according to the some authors, is one of the main explanatory factors of the current economic 
crisis that was legally used in the impeachment of President Dilma Rousseff in 2016. 
 
Keywords: Public finance; Economic policy; Fiscal dominance. 
 
JEL: E52, E64 
 
 
 
1 Professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da 
Universidade de São Paulo (FEA/USP) e do Programa de Pós -Graduação em História Econômica da Faculdade 
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. 
 
 
2 
 
Introdução 
 O objetivo deste trabalho é singelo, pois consiste tão somente em apresentar um 
quadro das análises sobre finanças públicas e política econômica no Brasil à luz de uma 
bibliografia restrita, porém extremamente relevante, que tem discutido a interdependênc ia 
das políticas fiscal e monetária e suas implicações sobre a dívida pública e o desempenho 
econômico do país. Para tanto, iniciamos com uma retrospectiva histórica acerca das 
mudanças institucionais mais importantes que impactaram os regimes fiscal e monetário no 
período recente. Em seguida, tecemos algumas considerações sobre a situação fiscal do 
Estado brasileiro e o perfil do seu endividamento para, ao final, encerrarmos com algumas 
considerações sobre o conceito de dominância fiscal, que, segundo alguns autores, foi um 
dos principais fatores explicativos da crise econômica atual, que foi instrumentalizada 
juridicamente para depor Dilma Rousseff da Presidência da República, em meados de 2016. 
 
1. Mudanças institucionais dos regimes fiscal e monetário no Brasil 
 A origem do atual quadro institucional atinente à estrutura fiscal e monetária vigente 
hoje no Brasil remonta ao período de concepção e implementação do Programa de Ação 
Econômica do Governo (PAEG). Formulado durante o primeiro governo do regime ditatoria l 
instaurado em 1964 por um golpe civil-militar, o PAEG tinha por objetivos recuperar o 
crescimento econômico, que havia se arrefecido no biênio 1962/63, reduzir gradualmente o 
nível geral de preços ao alcançar uma taxa de inflação de 10% a.a. em 1966, atenuar as 
desigualdades regionais, setoriais e de renda, ampliar investimentos, promover o emprego e 
reverter a tendência de geração de déficits do balanço de pagamentos, visando aumentar a 
capacidade de importar da economia brasileira. Buscando atingir tais objetivos, o governo 
Castelo Branco fez uso de um amplo conjunto de políticas, tais como: política de redução do 
déficit do caixa governamental; política tributária voltada para o aumento da capacidade 
arrecadatória do governo com controle de gastos e ampliação da poupança interna; política 
monetária ajustada às metas de inflação e crescimento; política bancária destinada a 
melhorar a eficiência do sistema de oferta de crédito ao setor privado; e política de 
investimentos públicos a serem alocados, sobretudo, nos setores de infraestrutura. 
 Se, hoje em dia, existem dois órgãos-chaves da estrutura econômica do Estado, a 
saber, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e o Banco Central do Brasil (Bacen), cada 
qual responsável pelo bom funcionamento dos regimes fiscal e monetário do país, 
respectivamente, é preciso dizer que essa separação funcional nem sempre foi tão clara ao 
longo do desenvolvimento institucional do Estado brasileiro. 
 
 
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 A STN tem por responsabilidade administrar os recursos financeiros que entram nos 
cofres públicos e os programas de saneamento financeiro de estados e municípios, além de 
gerir a dívida pública da União. Já ao Bacen, cabe a execução da política monetária, cuja 
função primordial é a estabilidade da moeda nacional. Assim, agindo como o “banqueiro do 
governo” e o executor das operações de mercado aberto (open market), o Bacen detém o 
exercício exclusivo da competência da União para emitir moeda. Considerado também o 
banco dos bancos, cabe ao Bacen conservar o poder de compra da moeda nacional, além do 
seu atributo como reserva de valor e meio de troca. De acordo com Salto (2016, p. 203), a 
instituição máxima da autoridade monetária deve, portanto, “controlar a inflação e, para isso, 
fixa uma meta para a taxa básica de juros – a Selic –, o que exige gerenciar a liquidez do 
sistema monetário”. 
 Os nomes indicados pela Presidência da República aos cargos de presidente e 
diretores do Bacen ficam sujeitos à aprovação do Senado Federal, ao passo que, de acordo 
com as regras atuais, é vedada a concessão direta ou indireta de empréstimos pelo Banco ao 
Tesouro Nacional. Em linhas gerais, o Bacen deve regular a moeda e o crédito em níveis 
compatíveis com o desempenho da economia, agir como o depositário das reservas 
internacionais, realizar operações de venda de títulos públicos e atuar como o emprestador 
de última instância dos bancos comerciais que atuam no país. Dentre os principa is 
instrumentos de política monetária utilizados pelo Bacen, destacam-se os mecanismos de 
controle sobre: 
 A base monetária; 
 A taxa de redesconto bancária; 
 O depósito compulsório; 
 A taxa básica de juros (Selic). 
 A reforma financeira promovida pelo PAEG instituiu o mercado de títulos da dívida 
pública no país em conjunto com o mecanismo de correção monetária. Com a Lei n. 4.357 
de 16 de julho de 1964 relativa às Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), o 
governo instituiu um mercado de capitais mediante a captação de recursos no mercado 
interno, no qual tais títulos públicos se mostravam imunes aos efeitos da inflação devido à 
correção monetária. Pastore (2015) esclarece que, de início, as ORTNs foram concebidas 
como instrumento não-inflacionário de financiamento do déficit público e, tempos depois, 
 
 
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se transformaram em uma unidade para reajustar contratos, de modo a elevar 
progressivamente o grau de indexação da economia brasileira.2 Segundo Casa (2008, p. 8): 
Em conjunto às ORTN, foi criada pelo Decreto-Lei no 1079, de 29 de janeiro de 1970, a 
Letra do Tesouro Nacional (LTN), cuja finalidade era a de iniciar um processo de sintonia 
fina no ajuste da oferta de moeda,sobretudo no que dizia respeito ao impacto monetário 
das operações com títulos públicos federais. Numa política de curto prazo, que 
posteriormente passaria a ser conhecida por open market. Nesse contexto, a correlação 
entre inflação e dívida interna ainda não havia sido materializada como nas décadas 
seguintes, dado o também ainda pequeno estoque da dívida interna, tal que os efeitos 
sobre a não desvalorização desta, em função da correção monetária, apresentavam efeitos 
desprezíveis sobre o orçamento público. A dívida interna não possuía, nesta época, 
proporções consideráveis para gerar qualquer forma de estrangulamento às finanças 
públicas. 
 
 Já no campo fiscal, com a instituição de uma série de impostos indiretos como o 
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre a Circulação de 
Mercadorias (ICM), a reforma tributária do PAEG permitiu o aumento da arrecadação ao 
mesmo tempo em que intensificou o caráter regressivo do sistema de tributos do país, 
prejudicando, desse modo, os extratos de renda mais baixos da escala social. Além disso, 
observou-se um controle maior dos gastos públicos, a adoção de uma política de arrocho do 
nível real de salários e a criação, pela Lei n. 4.594, do Bacen. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 O prazo de resgate das ORTNs variava de 1 a 20 anos e seu valor nominal era reajustado periodicamente de 
acordo com a inflação passada mais uma taxa de juros de 6% ao ano. Já os ajustes nos valores dos títulos eram, 
inicialmente, trimestrais e, em seguida, passaram a ser mensal no decorrer da década de 1960, conforme 
critérios de ajustes predefinidos pelo Ministério da Fazenda. Havia também uma determinação do governo 
segundo a qual o agente que comprasse o título até maio de 1966 poderia optar pela cláusu la de correção 
monetária ou pelo reajuste com base na variação da moeda norte-americana, o dólar. A cláusula de correção 
cambial estabelecia que os detentores das ORTN poderiam optar pela correção do valor dos títulos em função 
dos coeficientes calculados pelo Banco Central com base na variação da cotação da moeda em relação ao dólar 
oficial (Casa 2008: 6, nota de rodapé 1). “Entre 1966 e 1971, a demanda por ORTN cresceu mais do que a 
necessidade de captação do governo federal. As ORTN foram lançadas, a priori, com prazo de 1 ano, mas 
passaram a ser emitidas com prazos mais curtos, dado o incremento de demanda por essa modalidade de título 
indexado, uma amostra inicial do que seria, anos mais tarde, a exacerbação da preferencia pela liquidez, 
manifestada pelas quase moedas. Apesar de não ter sido criada com o objetivo de ser unidade de conta as 
ORTN ganharam um espaço notório, por passarem a ser usadas como referência de va lor para outros contratos” 
(Casa, 2008, p. 8, nota de rodapé 2). 
 
 
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Tabela 1. Brasil: dívida interna, carga tributária, crescimento do PIB e inflação (% ) 
 
 
 Parcela significativa do déficit do governo passou a ser financiado por títulos da 
dívida a partir de 1965, pois, no período imediatamente anterior, entre 1960 e 1964, o déficit 
era quase que integralmente financiado através da expansão da base monetária. Não à toa, 
dentre os resultados alcançados pelo PAEG, destaca-se a trajetória de queda da relação 
déficit/PIB que de 4,3% em 1963, recuou para 3,2% em 1964, 1,6% em 1965 até se reduzir 
para 1,1% em 1966. 
 Nesse passo, importa notarmos que o arcabouço institucional forjado no correr dos 
anos 1960 vigorou, ressalvada algumas pequenas alterações, até meados dos anos 1980. 
Sancionada em 17 de março de 1964, a Lei n. 4.320 definiu as normas gerais de direito 
financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos 
municípios e do Distrito Federal. A esse respeito, é possível dizer que ao longo de 
aproximadamente vinte anos não tivemos no país um órgão exclusivamente responsável 
pelas finanças do Tesouro Nacional, de modo que a execução do orçamento da União se 
fazia por um departamento do Banco do Brasil (BB) subordinado às determinações 
estipuladas pela Comissão de Programação Financeira do Ministério da Fazenda. 
 
 
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 Dessa forma, as finanças públicas e a gestão do padrão monetário no Brasil acabavam 
por se confundir e se sobrepor, primeiro, no âmbito do BB e, a partir de 1965, através da 
atuação do Bacen. Até a criação deste, “o BB era responsável pelo redesconto, pelo 
recebimento dos depósitos compulsórios e voluntários dos bancos, pelo suprimento de 
moeda manual ao sistema bancário, pela compensação de cheques, pela fiscalização bancária 
e pelo exercício do monopólio oficial de câmbio” (Nóbrega, 2016, p. 29). Com funções 
típicas de um banco central, portanto, o BB tinha autonomia para expandir indefinidamente 
seus empréstimos por meio de sua Carteira de Redescontos, além de outros instrumentos que 
compunham a política creditícia do governo como a Carteira de Crédito Agrícola e 
Industrial. O problema, na visão de alguns especialistas, é que o BB concedia empréstimos 
e subsídios de modo demasiadamente amplo e, o que se mostrou extremamente 
problemático, a margem do controle orçamentário do governo. Portanto, a política de crédito 
do governo federal não dependia da aprovação da Câmara dos Deputados e do Senado 
Federal, isto é, não era necessária a prévia autorização legislativa, embora tal autonomia na 
concessão do crédito fosse a raiz de algumas das principais distorções que afetaram, por 
décadas, o regime fiscal e o controle das contas públicas no Brasil. 
 A gestão da dívida pública passou a ser de responsabilidade do Bacen por meio de 
uma conta corrente do órgão mantida no BB, denominada “conta movimento”. Por meio 
dela era possível ao BB zerar o déficit do seu caixa junto ao Bacen diariamente, de modo a 
monetizar tal déficit e proporcionar uma fonte abundante de recursos para suas operações 
como banco comercial e de fomento. Todavia, a autorização para expandir a dívida pública, 
bem como a aprovação do que se convencionou chamar “orçamento monetário”, cabiam ao 
Conselho Monetário Nacional (CMN), criado junto com o Bacen, e não ao Congresso 
Nacional. No ativo desse orçamento, constavam as seguintes contas: 
 Empréstimos do BB ao setor privado; 
 Crédito rural; 
 Sustentação do preço do café; 
 Diversos fundos de fomento operados a taxas de juros subsidiadas; 
 Déficit público. 
 O Tesouro Nacional buscava financiar a dívida pública por meio dessa conta 
movimento do BB, instrumento que provou ser, à luz da história, um facilitador do 
financiamento inflacionário do déficit público. Já o CMN funcionava muito mais como uma 
 
 
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instituição de fomento do que como autoridade fiscalizadora da política econômica voltada 
para o controle da inflação. 
 Não obstante, o início da reestruturação do Sistema Financeiro Nacional, visando 
mitigar as distorções geradas pelo modus operandi acima descrito, data de 1985, ano que 
assinala uma importante alteração institucional caracterizada pela separação das contas e das 
funções do Bacen, do BB e do Tesouro Nacional. No ano seguinte, em 1986, tal reforma se 
aprofundou mediante a extinção do orçamento monetário e da conta movimento do BB, 
permitindo assim a transferência da gestão da dívida pública federal do Bacen para a alçada 
do Tesouro Nacional. Tal processo de reestruturação se completou, todavia, em 1988 com a 
transferência das funções de autoridade monetária do BB para o Bacen. 
 De acordo com o artigo 3o da Lei 11.803 de novembro de 2008, parte dos recursos 
do Bacen deve ser transferida ao Tesouro Nacional como forma de amortização daquela 
parcela da dívida pública em poder do Banco. Na presença de resultados negativos do Bacen, 
o Tesouro Nacional deve cobri-los de modo a garantir certo nível do patrimônio líquido da 
autoridade monetária, pois, do ponto de vista de sua contabilidade,“seu resultado positivo é 
registrado como uma obrigação da instituição para com o Tesouro, enquanto o negativo é 
contabilizado como um direito a ser recebido do TN.” (Loyola, 2016, p. 228). 
 Por meio da lei supracitada, criou-se o mecanismo de equalização cambial entre o 
Bacen e o Tesouro Nacional, no qual o custo de carregamento das reservas internaciona is 
(diferença entre sua rentabilidade e o custo médio de captação do Bacen), além do saldo das 
operações de swap cambial realizadas no mercado interno, são transferidos ao Tesouro 
Nacional. Como ganhos e perdas do Bacen dependem do comportamento da taxa de câmbio , 
eventuais oscilações desta pode provocar um superdimensionamento do seu balanço como 
consequência do aumento do estoque de títulos públicos em sua carteira e dos depósitos na 
Conta Única do Tesouro (CUT): “Num semestre em que o Bacen obtém lucro, há 
transferência do resultado para a CUT; naquele em que sofre prejuízo, o Tesouro compensa 
o Bacen via emissão de títulos para sua carteira” (Loyola, 2016, p. 230). 
 Importante como instituição demarcadora das funções do Bacen e do Tesouro 
Nacional, a CUT assume um papel fundamental na gestão do caixa do governo – isto é, no 
seu fluxo de pagamentos e recebimentos – com implicações diretas sobre o nível de reservas 
bancárias e, por conseguinte, sobre o manejo da política monetária via determinação no curto 
prazo do nível da taxa de juros. Em suma, a remuneração da CUT, por meio da taxa média 
dos títulos públicos constantes na carteira do Bacen, confere um nível adequado de eficiênc ia 
e transparência à gestão financeira do Tesouro Nacional. 
 
 
8 
 
 A gestão fiscal no Brasil experimentaria um novo ciclo de mudanças a partir da nova 
constituição elaborada pela Assembleia Constituinte de 1988. Dentre as principais medidas 
aprovadas que tiveram impacto significativo sobre as finanças públicas do país, destacam-
se: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária 
Anual (LOA). Descreve-se abaixo, primeiramente, cada uma dessas instituições e, em 
seguida, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada posteriormente em 2000. 
 i. PPA – Plano Plurianual 
 O Plano Plurianual (PPA) consiste num instrumento de planejamento governamenta l 
que estabelece diretrizes e metas para a administração pública federal por um período de 4 
anos. Sujeito à aprovação por lei quadrienal, tal Plano tem vigência entre o segundo ano de 
um mandato majoritário e o final do primeiro mandato seguinte. A finalidade do PPA é 
organizar ações do governo em programas que resultem em bens e serviços para a população. 
Nele deve constar todos os atributos das políticas públicas que serão executadas no período, 
como metas fiscais e financeiras, público-alvo das diferentes políticas e o arrolamento 
detalhado dos serviços previstos no Plano a serem prestados à sociedade. 
 ii. LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias 
 Trata-se de um instrumento constitucional que compreende as metas e prioridades da 
administração pública federal relativa às despesas de capital para o exercício finance iro 
subsequente, à orientação e elaboração da lei orçamentária anual, às alterações na legislação 
tributária e à definição da política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. 
 iii. LOA – Lei Orçamentária Anual 
 A exemplo da LDO, a Lei Orçamentária Anual (LOA) também configura um 
instrumento constitucional que, por sua vez, define as prioridades contidas no PPA e as metas 
que deverão ser atingidas naquele ano. Mediante tal lei, o Congresso Nacional busca 
disciplinar todas as ações do governo federal, haja vista que nenhuma despesa pública pode 
ser executada fora do orçamento. No entanto, como nem tudo que exige algum tipo de gasto 
na esfera pública decorre de ações do governo federal, a atuação dos governos estaduais e 
municipais devem ser registradas em suas respectivas leis orçamentárias, logo, cabe a tal lei 
definir a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. 
 Nesse sentido, deputados e senadores devem discutir a proposta da LOA, uma 
espécie de orçamento fiscal, enviada pelo poder executivo à Comissão Mista de Planos, 
Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), podendo, inclusive, propor modificações 
julgadas necessárias por meio das emendas parlamentares. Em seguida, vota-se o projeto de 
lei e, após sua aprovação, o projeto deve ser sancionado pelo Presidente da República 
 
 
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transformando-se, assim, em lei. É por meio da LDO que se define a meta de superávit 
primário e, do ponto de vista prático, tal valor se tornou uma despesa obrigatória, deixando 
aquelas de caráter mais discricionário do orçamento de custeio e capital na posição de 
resíduo e passíveis de revisão diante do risco de não se atingir a meta de superávit primário 
ou de insolvência da dívida pública, como salienta Lopreato (2013, p. 185): 
O ritual da execução orçamentária assumiu a seguinte forma: aprovado o orçamento fiscal 
(LOA), logo nos primeiros meses do ano ocorre o contingenciamento de parte dos gastos 
à espera da evolução efetiva da arrecadação tributária. Se o desempenho da receita seguir 
a programação original, o valor contingenciado cai paulatinamente até a liberação total 
das despesas, isto é, quando houver a garantia de que a meta de superávit primário será 
alcançada. Em caso de queda da arrecadação ou de movimentos inesperados de câmbio e 
de juros, com reflexos na situação fiscal, amplia-se o corte das despesas discricionárias e 
eleva-se o superávit primário com o objetivo de assegurar a trajetória esperada da relação 
dívida pública/PIB. 
 
 iv. LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal 
 A última e uma das mais importante leis que adquiriu expressiva visibilidade nos 
últimos anos no Brasil, em virtude do processo político que culminou no afastamento de 
Dilma Rousseff do cargo de presidente da República, é a chamada Lei de Responsabilidade 
Fiscal (LRF). Fruto de um programa amplo de reforma do Estado brasileiro que envolveu, 
dentre outras medidas, a privatização de empresas estatais, a mudança no tratamento do 
capital estrangeiro, a renegociação das dívidas estaduais e o saneamento do sistema 
financeiro, a LRF se insere no esforço de ajuste fiscal que o governo passou a perseguir a 
partir de 1999, isto é, logo após a crise cambial e o estabelecimento do tripé macroeconômico 
composto por superávits primários, metas de inflação e câmbio flutuante. 
 Uma das alterações mais importantes da agenda de reformas da segunda metade dos 
anos 1990 resultou do programa do Bacen de extinção ou privatização dos bancos estaduais, 
visando transformá-los em agências de desenvolvimento. Em paralelo, o governo lançou o 
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional 
(Proer), cuja finalidade era conceder uma linha especial de assistência financeira que 
viabilizasse reorganizações societárias no sistema. De acordo com Bacha (2012, p. 173), o 
“Proer permitiu a transferência para o governo federal dos créditos duvidosos dos bancos em 
dificuldade, tendo como contrapartida a garantia de certa tranquilidade no sistema 
financeiro”. Em conjunto, tais medidas tinham o objetivo de eliminar uma grave fonte de 
expansão autônoma de moeda e gastos públicos, cujos efeitos sobre a tarefa de controlar a 
inflação, por parte do Bacen, e sobre a disponibilidade de caixa para a concretização dos 
planos federais de investimento público eram evidente e constantemente sentidos pelo 
governo. 
 
 
10 
 
 De modo mais específico, a LRF estabelece parâmetros a serem seguidos no que 
tange ao gasto público de cada ente federativo (estados e municípios), incluindo a União. 
Além de introduzir a noção de risco na atividade de concessão de crédito, a LRF estabelec e 
princípios rígidos para a participação da despesa de pessoal nas receitas do setor públicoe 
restringe gastos durante o período eleitoral. A ideia por detrás da Lei é que cada aumento de 
gasto precisa necessariamente vir de uma fonte específica e correlata de financiamento. 
Visando preservar a situação fiscal dos entes federativos de acordo com seus balanços 
anuais, a LRF é um instrumento de enforcement aos gestores que faz com que eles respeitem 
questões relativas ao fim de cada mandato, de modo a não exceder o limite de gasto 
permitido, induzindo-os, assim, a entregar contas públicas mais equilibradas aos seus 
sucessores. Grosso modo, seu objetivo é o de garantir a saúde financeira de estados e 
municípios, a aplicação de recursos nas esferas adequadas e uma boa herança administra t iva 
para os futuros gestores públicos. 
 
2. A deterioração recente do quadro fiscal brasileiro 
 A difícil situação das contas públicas existente hoje no país tem como origem as 
mudanças introduzidas no regime fiscal desde a eclosão da crise internacional de 2008. À 
época, o governo Lula adotou uma política fiscal anticíclica ainda mais expansionista do que 
a de anos precedentes, marcada por uma vertiginosa expansão do crédito estatal bancada por 
emissão de títulos da dívida pelo Tesouro Nacional (Werneck, 2010). Se, entre 2002 e 2008, 
o superávit primário foi de 3,4% do PIB em média, a partir do início de 2009 tal indicador 
se arrefeceu, passando a situar-se em torno de 0,8% do PIB entre esse ano e 2016, segundo 
as estatísticas fiscais disponibilizadas pelo Bacen em sua página na internet. O ano de 2013 
foi o último no qual o governo conseguiu um resultado primário superavitário. Nesse sentido, 
o que até então parecia erros pontuais de conduta da política econômica – o descumprimento 
das metas fiscais – passou a ter um caráter permanente como se pode observar no gráfico a 
seguir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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 Gráfico 1. Brasil: resultado primário do setor público consolidado (% PIB) 
 
 Fonte: Bacen. 
 
 Foi também em 2013 que o governo Dilma Rousseff reduziu as tarifas de energia, 
baixou impostos incidentes sobre a cesta básica e ampliou o programa de isenções fiscais 
com desoneração da folha de pagamento, numa atitude um tanto desesperada de buscar 
estimular o retorno da capacidade de crescimento da economia, haja vista a significa t iva 
queda do nível de crescimento experimentada pela economia brasileira que de 7,5% em 
2010, desceu a 4,0% em 2011, 1,9% em 2012, obteve uma leve recuperação em 2013 (3,0%), 
despencou para 0,5% em 2014, até alcançar o fundo do poço em 2015 com uma retração de 
3,8%. O ano de 2016 também não foi muito alentador já que a economia recuou um pouco 
menos do que no ano anterior (-3,5%). 
 
Gráfico 2. Brasil: taxa de crescimento anual do PIB e do PIB per capita (% ) 
 
Fonte: IBGE. 
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
4,4
1,4
3,1
1,1
5,8
3,2
4,0
6,1
5,1
-0,1
7,5
4,0
1,9
3,0
0,5
-3,8 -3,5
2,9
0,0
1,7
-0,2
4,4
2,0
2,8
4,9
4,0
-1,2
6,5
3,0
1,0
2,1
-0,4
-4,6 -4,4
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
PIB PIB per capita
 
 
12 
 
Para Werneck (2010), o aspecto mais alarmante do regime fiscal durante o período 
2010-2016 é a ocorrência de um processo de desmonte institucional cujo resultado mais 
evidente se traduz no desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e à separação do 
setor público não-financeiro das instituições financeiras federais, a exemplo da relação de 
“mão dupla” que ocorreu no período entre o Tesouro Nacional e o Banco Nacional de 
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O primeiro emprestou ao segundo um total 
de cerca de R$ 450 bilhões, entre 2008 e 2013, e como esse tipo de concessão de subsídios, 
por meio de operações de crédito com recursos públicos, não tem a liquidez das reservas 
internacionais, seus valores foram sistematicamente desconsiderados pela governo no 
cálculo da dívida líquida do setor público. A respeito do que diversos economistas 
denominam como a perda de credibilidade da gestão fiscal no Brasil recente, Nóbrega (2016, 
p. 50) faz a seguinte observação: 
As manobras fiscais comandadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Tesouro Nacional 
foram inúteis para o objetivo de convencer a opinião pública de que o governo cumpria 
metas de superávit primário. De nada adiantou o governo alegar que as manobras eram 
conhecidas do Congresso e que foram aprovadas com o Orçamento da União. É verdade 
que o Congresso sancionou, infelizmente, as manobras e o cálculo do superávit primário 
e da dívida líquida do setor público, mas isso não torna efetivo o que se obtém com 
artificialismos. 
 
 Esses artificialismos os quais o autor se refere é o que se convencionou chamar mais 
recentemente de “contabilidade criativa” ou “pedaladas fiscais”. Bolle (2016, p. 144) é 
enfática ao afirmar que o “arquiteto da contabilidade criativa” no Brasil foi o chefe do 
Tesouro Nacional, Arno Augustin, que em 2012 teria iniciado a elaboração de um plano 
“ardiloso” que redundaria nas manobras contábeis para ofuscar os verdadeiros resultados 
primários do governo.3 Na prática, tal estratégia resultou na gradativa redução do superávit 
primário, a partir de 2011, e no não cumprimento de sua meta. 
 Resultados deficitários, no entanto, não representam a excrescência máxima do 
mundo das finanças públicas, pois é comum à atividade governamental gastar mais do que 
se consegue arrecadar. Numa simples acepção, a ocorrência do déficit público se dá quando 
o governo despende mais recursos do que o montante formado pela arrecadação tributária 
(G > T). Neste caso, o governo deverá captar parte da poupança privada (S) para financ iar 
seus gastos, o que provavelmente tornará o nível de poupança maior do que o nível de 
 
3 Segundo Pastore (2015, p. 265), os efeitos da “contabilidade criativa” sobre a apuração dos resultados 
primários do governo já estão presentes desde 2010. Entre 2002 e 2008, o superávit primário foi de 3,5% do 
PIB, em média, e, “corrigido das manobras contábeis”, sofreu queda a partir do início de 2009, passando a 
situar-se em torno de 1,5% do PIB. 
 
 
13 
 
investimento, pois parte dos recursos entesourados acabam sendo direcionados para o 
financiamento dos gastos públicos (S > I). 
 Para financiar o déficit público o governo pode: (i) expandir a base monetária, 
emitindo moeda, o que contribui para o aumento da inflação; e (ii) emitir títulos da dívida 
pública no mercado (open market) e, assim, se endividar. Mas, afinal, por que o governo 
costuma gastar mais do que arrecada? A resposta, contudo, é simples e direta, é porque faz-
se mister financiar as atividades governamentais que abrangem três funções básicas: 
 Função alocativa – que diz respeito ao fornecimento de bens públicos; 
 Função distributiva – associada à distribuição da renda nacional; 
 Função estabilizadora – vinculada ao manejo da política econômica visando a um 
nível adequado de emprego, a estabilidade dos preços e a promoção do crescimento 
econômico. 
 
 Se desconsiderarmos as atividades e os resultados patrimoniais das empresas estatais, 
o conceito denominado Necessidades de Financiamento do Governo (NFG) pode ser 
expresso da seguinte forma: 
 
NFG = CG + JD + IP – T (1) 
 
onde, CG corresponde ao consumo do governo, JD são os juros da dívida pública, IP os 
investimentos públicos e T a receita tributária líquida de subsídios e transferências, exclusive 
juros. Já a poupança do governo (SG) se define por: 
 
SG = T – (CG + JD) (2) 
 ou 
SG = IP – NFG (3) 
 
Logo, temos outra definição para o conceito em questão:NFG = IP – SG (4) 
 
 Desse modo, conclui-se que a ocorrência de déficit não significa que a poupança do 
governo seja negativa, mas indica tão somente que, embora positiva, a poupança se encontra 
 
 
14 
 
num nível inferior ao valor correspondente ao investimento público. Todavia, a equação (4) 
não é consistente, pois, em termos operacionais, o conceito oficial de déficit nominal é dado 
pelas Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP), que representa a variação 
do endividamento do setor público não-financeiro junto ao sistema financeiro e ao setor 
privado (doméstico e internacional). Nesse passo, as NFSP equivalem ao déficit nomina l 
(dn), expresso pela seguinte equação: 
 
dnt = CGt – Tt + iBt-1 (5) 
 
na qual CGt são as despesas primárias do setor público, Tt a arrecadação tributária, i a taxa 
de juros e Bt o estoque da dívida em t. 
 Já o conceito de Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) desconta da dívida bruta 
os ativos financeiros em poder do setor público, como créditos junto ao setor privado 
doméstico ou reservas internacionais em poder do Bacen. Assim, o saldo líquido do 
endividamento do setor público não-financeiro e do Bacen corresponde ao conjunto 
representado pelo sistema financeiro público e privado, o setor privado não-financeiro e a 
designação resto do mundo. 
 É importante notar que a DLSP é um conceito de endividamento que trata como 
ativos apenas os de caráter financeiro, por isso incorpora-se os ativos e passivos finance iros 
do Bacen incluindo a base monetária. Em contrapartida, por não computar a existência de 
ativos reais/patrimoniais, as privatizações de empresas públicas não são consideradas como 
receita para efeito de apuração do déficit público. A razão desse expurgo se deve ao objetivo 
de apuração do déficit, isto é, o propósito de avaliar o impacto do setor público sobre a 
demanda agregada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
Gráfico 3. Brasil: DLSP, dez/2014 a jul/2016 (saldo em milhões de reais) 
 
Fonte: Bacen. 
 
 Observa-se, a partir do Gráfico 3, que o saldo da dívida interna líquida no Brasil 
aumentou sua participação no PIB que de 46,9%, em dezembro de 2014, alçou-se para 58,5% 
em julho de 2016, um incremento de 32,9%. Descontados os saldos da dívida externa, a 
dívida líquida total recrudesceu nesse mesmo período de R$ 1.9 milhão para R$ 2.6 milhões, 
um aumento da ordem de 36,6%. Não à toa, entre dezembro de 2014 e julho de 2016, a 
dívida líquida total se elevou de 33,1% para 42,4% do PIB, o que reforça a tese acerca do 
impacto do descontrole das contas públicas, leia-se aumento do déficit, sobre o grau de 
endividamento do Estado brasileiro no período recente. 
 A verdade é que durante décadas no Brasil se usou o conceito de déficit operacional 
para aferir a sustentabilidade da dívida pública. O déficit assim concebido, ou seja, em sua 
acepção operacional, corresponde ao déficit primário acrescido do pagamento de juros reais 
sobre o estoque da dívida pública. Já o déficit nominal consiste na soma do déficit primário 
com os gastos com juros nominais – juros reais mais correção monetária – e a amortização 
da dívida pública. Em resumo, no caso do primeiro conceito, temos: 
 
-2.000.000	
-1.000.000	
0	
1.000.000	
2.000.000	
3.000.000	
4.000.000	
de
z/
14
	
jan
/1
5	
fe
v/
15
	
m
ar
/1
5	
ab
r/1
5	
m
ai/
15
	
ju
n/
15
	
ju
l/1
5	
ag
o/
15
	
se
t/1
5	
ou
t/1
5	
no
v/
15
	
de
z/
15
	
jan
/1
6	
fe
v/
16
	
m
ar
/1
6	
ab
r/1
6	
m
ai/
16
	
ju
n/
16
	
ju
l/1
6	
Dívida	interna	
Dívida	externa	
Dívida	total	
Déficit operacional
Déficit primário ou fiscal
+ pagto. de juros reais (descontado os efeitos da inflação) + 
amortizações da dívida pública
 
 
16 
 
 
De modo semelhante, pode-se representar a segunda definição da seguinte maneira: 
 
 
 Em relação à forma de apuração do nível de endividamento do Estado, estudiosos 
das finanças públicas têm reforçado a necessidade de considerar o déficit, em seu sentido 
nominal, em virtude dos efeitos da inflação sobre o orçamento do governo aliado ao fato do 
pagamento dos juros nominais sobre a dívida pública depender da taxa de inflação. Portanto, 
em contextos de alta inflação, o déficit nominal pode aumentar em excesso frente a certo 
equilíbrio do déficit operacional. A título de ilustração, convém recuperar o contexto anterior 
à implementação do Plano Real, quando, em 1993, a inflação foi de 2.490%, o orçamento 
operacional foi superavitário em 0,25% do PIB e o déficit nominal chegou 58,4% do PIB. 
Para Bacha (2012, p. 138-139): 
O orçamento operacional podia estar equilibrado, mas enquanto a inflação mantivesse 
elevado o déficit nominal, a oferta monetária no seu conceito amplo continuaria a se 
expandir, realimentando, assim, a taxa de inflação. A oferta de moeda no sentido amplo 
inclui o valor da dívida pública interna, que era um substituto quase perfeito da moeda 
[...]. Controlar o déficit nominal era um problema monetário, e não fiscal, no sentido de 
que se a inflação acabasse, o déficit nominal seria igual ao déficit operacional. Dessa 
forma, se o último estivesse equilibrado, a oferta monetária ampla deixaria de crescer, 
corroborando, assim, o fim da inflação. 
 
 Dados mais recentes não são, contudo, menos desalentadores. O déficit nominal teve 
uma piora da ordem de R$ 269,1 bilhões entre 2014 e 2015 quando se observou um aumento 
de R$ 343,9 bilhões para a impressionante marca de R$ 613 bilhões. Se parte dessa 
deterioração é resultante da majoração de gasto com juros que passou de R$ 311,4 bilhões 
para R$ 501,8 bilhões, um acréscimo de 61,1%, a outra parte pode ser explicada pelo déficit 
primário que saltou de 0,6% do PIB para 1,9% do PIB entre os mesmos dois anos. Tal 
deterioração do déficit nominal repercutiu na dívida bruta, pois a razão desta em relação ao 
PIB se elevou de 58,9% para 66,1% entre 2014 e 2015 (Salto, 2016, p. 211-212). 
 A verdade é que diante das três formas básicas de financiamento dos gastos do 
governo – via tributação, endividamento ou emissão de moeda –, a efetividade da política 
monetária executada pelo Bacen pode, via de regra, ser afetada por ações tomadas pelo 
Déficit nominal
Déficit primário ou fiscal
+ pagto. de juros nominais (juros reais corrigidos pela inflação) + 
amortizações da dívida pública
 
 
17 
 
Tesouro Nacional na esfera fiscal. Da mesma forma, a atuação da autoridade monetária pode, 
em determinadas circunstâncias, afetar negativamente a condução da política fiscal. Há, 
portanto, uma espécie de “equilíbrio instável” entre as políticas fiscal e monetária que, 
embora seja uma relação em geral tempestuosa, deve sempre ser perseguida de modo a 
buscar um objetivo maior pré-definido pelo governo. 
 Frente a essa permanente dificuldade da administração pública federal, a estratégia 
mais recomendada é a de promover a coordenação entre os dois tipos de política econômica 
visando assegurar a consistência intertemporal dos objetivos do Bacen e do Tesouro 
Nacional, respeitando, ademais, os desafios impostos pelos ciclos da economia no Brasil e 
no exterior. Assumindo, portanto, que a gestão do caixa do governo e da dívida pública tem 
expressivas implicações sobre a execução da política monetária, os fluxos dos caixas 
governamentais são, em geral, os maiores determinantes das flutuações de curto prazo da 
liquidez no mercado monetário. Assim, quando elevados déficits públicos são financiados 
pelo aumento da emissão de moeda, uma política fiscal expansionista tende a induzir a 
adoção de uma política monetária também expansionista. O resultado mais provável nesse 
caso é o recrudescimento da inflação. 
 Pelo artigo 164 parágrafo 1o da Constituição Federal: “É vedado ao Banco Central 
conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao TesouroNacional e a qualquer órgão ou 
entidade que não seja instituição financeira”. Assim, e consoante a determinação 
constitucional estabelecida e em vigor no país, o financiamento monetário do déficit público 
deve ocorrer mediante operações de mercado aberto do Bacen. O aspecto que à luz das 
evidências históricas mais recentes tem se mostrado problemático no caso brasileiro diz 
respeito à intensidade do financiamento dos gastos governamentais, por meio da emissão de 
títulos da dívida pública no mercado financeiro. Tal mecanismo tem acarretado o efeito de 
deslocamento do crédito privado (crowding out), de modo que as pressões do Tesouro sobre 
o mercado de capitais podem, segundo alguns analistas, pôr em risco a estabilidade do 
sistema financeiro do país. 
 A explicação para a ocorrência do crowding out reside no fato que o governo, para 
financiar o seu déficit, dispõe no mercado títulos públicos a uma taxa de juros maior do que 
a taxa de retorno que as empresas obteriam nos seus investimentos e, ao mesmo tempo, o 
sistema financeiro cria opções para que o público possa comprar frações desses títulos 
públicos através de diferentes fundos de investimentos. Logo, uma boa parte da poupança 
do setor privado é canalizada para o financiamento do déficit público do governo. 
 
 
18 
 
 Ademais, diante de um ambiente de alta inflação causada pelo financiamento de parte 
do déficit via emissão monetária, a tendência de desvalorização da moeda cria um incentivo 
para que os bancos ofereçam ativos financeiros que acabam substituindo a moeda na sua 
função tradicional de reserva de valor, com custos de transação relativamente baixos para as 
camadas da população cujo nível de renda os permite o acesso aos serviços prestados por 
esses ativos financeiros. Já quando o endividamento do governo é feito fundamentalmente 
pela contração de empréstimos no mercado externo, um dos resultados mais prováveis é o 
comprometimento do equilíbrio do balanço de pagamentos, além de se criar uma situação 
na qual o aumento da aversão ao risco por parte dos investidores pode acabar gerando graves 
consequências sobre o mercado de câmbio. 
 Além da emissão monetária e da emissão de títulos públicos no mercado finance iro, 
outra forma de financiamento comum a muitos governos mundo afora é por meio do aumento 
da carga tributária, sobretudo, via elevação dos impostos indiretos. Nessa circunstância, a 
elevação de preços decorrente do repasse do custo representado pelo aumento tributário 
tende a exigir alguma mudança de rota das ações do Bacen para controlar o efeito 
inflacionário sobre o nível geral de preços da economia. O mesmo tende a ocorrer quando o 
manejo dos preços administrados e das tarifas de empresas controladas pelo governo é 
utilizado como instrumento de captação extra para o financiamento dos gastos públicos. 
 Mas, o que estudos empíricos recentes têm dito a respeito da recente expansão do 
crédito subsidiado pelo BNDES às atividades produtivas no Brasil? Um trabalho realizado 
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), com dados de painel referentes a 123 países, 
conclui que a atuação de bancos controlados pelo governo enfraquece sua disciplina fiscal 
(Gonzalez-Garcia and Grigoli, 2014). Ademais, uma política de expansão do crédito pelos 
bancos públicos, seja para financiar o Tesouro, seja como instrumento de políticas públicas, 
pode afetar a condução da política monetária gerando consequências que podem prejudicar 
a estabilidade do sistema financeiro. 
 O aumento da participação do crédito ofertado pelos bancos públicos 
(fundamentalmente Caixa Econômica Federal e BNDES) sobre o total de crédito no país ao 
longo do período de 2008 a 2015 foi da ordem de 15,7% do PIB (Loyola, 2016, p. 240). Se, 
em 2008, o BNDES participava com cerca de 30% do crédito a pessoa jurídica no Brasil, em 
2010, tal participação chegou a aumentar, pelo menos, oito pontos percentuais (Torres Filho, 
2012, p. 109). Em junho de 2016, a participação dos bancos públicos no total de crédito no 
país chegou a impressionante marca de 56,6% (Safatle, Borges e Oliveira 2016, p. 99). 
 
 
19 
 
 Para Loyola (2016, p. 242-243), não apenas os riscos fiscais são verossímeis no caso 
da recente expansão do crédito público subsidiado, mas, também, a política monetária do 
Bacen pode ser comprometida tendo-se em conta que os créditos do BNDES têm sua 
remuneração dissociada da taxa básica de juros da economia, a taxa Selic. Grande parte dos 
seus financiamentos são feitos com base na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) que guarda 
certa independência do governo ao depender tão somente de decisões ad hoc. Desta feita, o 
custo de financiamento do BNDES não se eleva frente a um aumento da taxa de juros pelo 
Bacen. Associadas aos financiamentos imobiliários, feitos com recursos das cadernetas de 
poupança e do Fundo de Garantia (FGTS), e ao crédito rural, as operações do BNDES fazem 
parte do chamado “crédito direcionado” que, ao final de 2015, representou cerca de 49% do 
crédito total da economia brasileira. 
 A explicação para o aumento do crédito direcionado nos últimos anos está nos 
expressivos aportes de recursos feitos pelo Tesouro Nacional ao BNDES a partir de 2008. A 
esse respeito, Loyola (2016, p. 244) pondera sem tergiversar: 
No final de 2015, os créditos do Tesouro junto ao BNDES montavam a 8,7% do PIB, 
enquanto um ano antes esse percentual era de apenas 0,2%. Não é exagero afirmar que, 
com este tipo de mecanismo, o Tesouro se tornou o banco central do BNDES, ao fixar a 
taxa de juros relevante para suas operações e agir como seu emprestador de última 
instância. 
O segundo fator relevante foi o persistente descolamento entre as trajetórias das taxas de 
juros praticadas no crédito direcionado e a Selic, instrumento de política monetária. 
 
 O fato é que a fixação da taxa básica de juros da economia afeta toda a estrutura do 
mercado da dívida pública. Seu principal efeito é sobre o custo do endividamento do Tesouro 
Nacional que, a depender do nível de endividamento do governo e da magnitude da elevação 
da Selic pelo Bacen, pode decidir por alterar o seu resultado primário com vistas a manter 
uma trajetória sustentável da dívida pública. 
 A taxa de câmbio, um dos principais preços da economia, é outro importante canal 
de transmissão pelo qual o aumento das taxas reais de juros afeta a inflação, portanto, a 
condução da política monetária. O argumento é simples: na presença de taxas de juros 
domésticas mais elevadas do que as taxas de juros internacionais (caso do Brasil), os juros 
recebidos pelo Bacen na aplicação das reservas internacionais, sendo eles inferiores aos juros 
pagos pelo Tesouro aos portadores de títulos da dívida interna emitidos no processo de 
esterilização das intervenções no mercado de câmbio, tendem a gerar um impacto prejudicia l 
ao resultado contábil do Bacen. 
 Há quem defenda a tese de que o Tesouro Nacional deveria abrir mão de utilizar os 
bancos públicos como instrumentos de financiamento de longo prazo que possam prejudicar 
 
 
20 
 
a autonomia do Bacen e os objetivos pretendidos por sua política monetária.4 Isto ocorre, 
como vimos, através da transferência de volumosos recursos, a título de capitalização ou de 
créditos de financiamento com taxas subsidiadas muito aquém das taxas praticadas no 
mercado de crédito privado. 
 Já quanto ao relacionamento do Tesouro com o Bacen, Loyola afirma que a vedação 
legal à emissão de títulos pelo Bacen demanda a criação de mecanismos mais transparentes 
que impossibilitem o financiamento monetário do déficit público. Para tanto, as operações 
compromissadas do Bacen deveriam ter a finalidade de controle da liquidez monetária em 
vez de serem instrumento de financiamento da dívida pública, “que substitui a emissão 
primária de papéis pelo Tesouro em condições aceitáveis pelo mercado”. E, além disso, o 
autor sugere que a possibilidadede distribuição de resultados não realizados do Bacen ao 
Tesouro deve ser evitada ao máximo, visando “a mitigar o risco de financiamento do Tesouro 
pela autoridade monetária” (Loyola, 2016, p. 251). 
 A verdade, no entanto, é que a autoridade monetária teve um papel contracíclico 
importante frente à crise financeira internacional deflagrada em setembro de 2008. À época, 
o Bacen baixou as taxas de juros e, com a liberação dos compulsórios, bancos privados 
compraram carteiras de crédito de instituições de menor porte, ao passo que os Certificados 
de Depósitos Bancários foram assegurados pelo governo por meio do Fundo Garantidor de 
Crédito (Torres Filho, 2012, p. 105). Todas essas medidas, em conjunto com o aumento do 
saldo dos empréstimos do BNDES, foram fundamentais no sentido de recompor a liquidez 
do sistema bancário nacional e, assim, evitar a propagação do choque financeiro externo 
iniciado com a falência do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos. 
 Barbosa (2013, p. 82-83) nos fornece uma imagem acerca do contexto da crise e de 
suas principais implicações sobre o mercado de crédito no Brasil, o que, para alguns dos 
críticos da política econômica dos governos Lula e Dilma, seria o período que assinala o 
início de um movimento que redundaria, pouco tempo depois, na adoção da chamada “nova 
matriz macroeconômica”. 
[...] a “fuga para a qualidade” decorrente da quebra do Lehman Brothers gerou um 
aumento expressivo nos depósitos realizados em instituições financeiras federais. O 
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal foram os principais beneficiados por esse 
movimento e, portanto, estiveram em condições favoráveis para atender a demanda por 
 
4 Sobre a questão dos Bancos Centrais Independentes (BCIs), Mendonça (2003, p. 119) faz a seguinte ressalva: 
“A propalada conclusão de que BCIs implicariam menores taxas de inflação só é observado para o caso de 
economias industrializadas, o que, por conseguinte, sugere que não é uma estrutura adequada para que 
economias emergentes encontrem o caminho da estabilidade”. Tanto para este autor quanto para Paula e 
Saraiva (2015), a proposta de coordenação das políticas fiscal e monetária seria o melhor arranjo para se atingir 
os propósitos da política econômica dos governos, pois além de conferir maior credibilidade ao Bacen 
possibilita a este ampliar os objetivos da política para além da estabilidade dos preços. 
 
 
21 
 
crédito da economia entre 2009 e 2010. Do ponto de vista macroeconômico, a ação 
empresarial do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal compensou parcialmente 
a desaceleração no crescimento da oferta de crédito por parte do setor privado. Passando 
ao BNDES, a queda do financiamento privado de longo prazo com base em fontes 
externas de captação levou o governo a assumir um papel mais ativo no financiamento do 
investimento. Nesse campo a principal iniciativa foram os empréstimos do governo 
federal ao BNDES, que por sua vez utilizou os recursos assim captados para expandir 
suas operações de crédito no período 2009 a 2010. Os focos principais dessas operações 
foram o investimento de longo prazo, sobretudo em infraestrutura, e o financiamento de 
capital de giro para micro e pequenas empresas. Os financiamentos foram realizados com 
taxa de juro subsidiadas, pois além de fornecer os recursos ao BNDES, o governo federal 
também assumiu parte dos custos operacionais de algumas operações por aquele banco. 
 
 Resta pontuarmos que, segundo o próprio ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, 
um dos elementos dessa “nova matriz” é a execução de uma política de juros reais reduzidos 
próxima a um patamar semelhante ao dos padrões internacionais. Ao atrair o capital externo 
para a arbitragem, juros elevados acabam gerando outras duas distorções na economia, 
segundo o ex-ministro: câmbio sobrevalorizado e carga fiscal elevada.5 Corria o ano de 2012 
quando seu ministério propôs tal “mudança de paradigma” na política macroeconômica que, 
grosso modo, tinha por finalidade melhorar a competitividade do setor produtivo do país por 
meio de uma política fiscal anticíclica, frente ao cenário de crise internacional, que reduzisse 
os custos financeiros para empresas e famílias estimulando assim investimento e consumo. 
 Para os economistas liberais contrários à política econômica do governo Rousseff, a 
insistência na adoção desse pacote de medidas que vimos discutindo aqui composto, 
fundamentalmente, por expansão do gasto público, desoneração de impostos, represamento 
de preços administrados e crédito público subsidiado, é a evidência irrefutável de que, após 
a reeleição da presidente, o governo se tornou refém de um modelo de gestão 
reconhecidamente marcado pela dominância fiscal. 
 
3. Dominância fiscal e ineficácia do regime de metas inflacionárias 
 A dominância fiscal consiste, segundo Sargent e Wallace (1981), numa situação na 
qual o regime monetário é condicionado pela política fiscal. Pode-se formular dois 
exemplos, um com e outro sem a presença de dominância fiscal. O primeiro, com a presença 
de dominância fiscal, pode ser ilustrado a partir de uma situação segundo a qual a autoridade 
fiscal, o Tesouro Nacional, tem autonomia para determinar como o déficit público deverá 
ser financiado; se por meio da venda de títulos da dívida pública ou pela receita de 
senhoriagem resultante do aumento da emissão de moeda. Já uma situação sem dominânc ia 
 
5 Texto disponível em: https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-primeiro-ano-da-nova-matriz-economica-
por-mantega. 
https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-primeiro-ano-da-nova-matriz-economica-por-mantega
https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-primeiro-ano-da-nova-matriz-economica-por-mantega
 
 
22 
 
fiscal seria aquela em que o Bacen determina de forma independente de qualquer outro órgão 
estatal a quantidade de moeda a ser emitida, de acordo com seus objetivos de controle da 
inflação. 
 Para alguns economistas, são inúmeros os casos de crises econômicas, marcadas pela 
escalada da inflação, que podem ser explicados pela presença de dominância fiscal em 
relação à gestão da política econômica dos mais distintos países em crise. Esta visão tem 
sido propalada, por exemplo, por Bolle (2016) e Salto (2016) em suas interpretações sobre 
a crise recente da economia brasileira. Este último (2016, p. 212), ao comentar sobre a 
situação fiscal do Brasil em 2014/15, observa que: 
A deterioração fiscal ocorrida concomitantemente à contração monetária (aumento dos 
juros), à desvalorização cambial e ao aumento da inflação configura um quadro de 
dominância fiscal. A atividade piora além do previsto, prejudicando as receitas e, assim, 
o déficit nominal e a dívida pública. 
 
 Ao longo do período que vai de 1995 a 2015, o Estado brasileiro pagou aos detentores 
de títulos da dívida pública, sob a forma de juros, o acumulado equivalente a R$ 3,4 trilhões, 
segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional. Aliado a isso, a reversão desse dito 
quadro de dominância fiscal é um dos objetivos propugnados pelo “ajuste fiscal” anunciado 
pelo governo de Michel Temer em meados de 2016. A emenda constitucional que impõe um 
limite máximo aos gastos públicos (“PEC do teto”), aprovada recentemente pelo Congresso 
Nacional, visa coibir o crescimento real do gasto primário do governo dado o seu atrelamento 
à taxa de inflação do ano anterior. Assim, é de se esperar que com esse represamento das 
despesas primárias nos próximos anos, o saldo de arrecadação gerado deverá ser revertido 
para o pagamento de juros e, dependendo do desempenho da economia e da trajetória das 
receitas fiscais do governo, parte dele deverá ser direcionado para o abatimento do principa l 
da dívida pública. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
Gráfico4. Brasil: Juros nominais e Necessidade Financeira do Setor Público (% PIB) 
 
Fonte: Bacen. 
 
 Beluzzo e Galípolo (2017, p. 161) notam que o limite dos gastos públicos proposto 
pelo “novo regime fiscal”, deve, caso o país permaneça estagnado ou produza um baixo nível 
de crescimento, deteriorar ainda mais o quadro fiscal do Estado. O que se sabe, contudo, é 
que a recuperação em termos sustentáveis não virá sem grandes desafios, já que, segundo 
dados do IBGE, a taxa média de desocupação da força de trabalho foi de 12,7% em 2017, a 
maior da série histórica iniciada em 2012. Isto equivale a cerca de 13,2 milhões de 
desempregados, número recorde dos últimos cinco anos. Acrescenta-se a isso o fato do 
rendimento real médio dos trabalhadores empregados ter ficado estável na comparação do 
último trimestre (de novembro de 2017 a janeiro de 2018) em relação tanto ao trimestre 
anterior quanto ao mesmo período de 2016. 
 Não obstante à estabilidade do nível de rendimento dos trabalhadores brasileiros, o 
coordenador da área Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, observa que não 
houve melhora da qualidade do emprego ao longo de 2017. Embora os dados da Pnad 
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) apontem para uma desaceleração do nível 
de desocupação da mão de obra, “não há qualquer indício de recuperação dos empregos com 
carteira assinada”.6 A expansão, portanto, se deu por conta do aumento do emprego informal 
e da inserção no mercado de pessoas que trabalham por conta própria, sem qualquer tipo de 
benefício e garantia trabalhistas. 
 
6 Ver matéria no link: https://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-118-no-4-trimestre-de-
2017.ghtml. 
6,56
7,28
6,72
5,98
5,32 5,13 5,03
5,41
4,45 4,68
5,48
8,50
6,46
2,88
3,54 3,57
2,74
1,99
3,19
2,41 2,47 2,27
2,96
6,05
10,22
8,93
0
2
4
6
8
10
12
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Juros nominais NFSP
https://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-118-no-4-trimestre-de-2017.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-118-no-4-trimestre-de-2017.ghtml
 
 
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 De acordo com Paula e Saraiva (2015), um dos aspectos que tem comprometido o 
bom desempenho da economia brasileira é a ineficácia da política monetária baseada no 
regime de metas de inflação. Estudos empíricos apontam que tal regime tem impactado 
negativamente sobre o nível de emprego e renda no país. Modenesi (2008), por exemplo, 
pondera que no Brasil o Bacen costuma aumentar mais intensamente a taxa básica de juros 
para conter, no curto prazo, um eventual sobreaquecimento da demanda ou um hiato 
inflacionário (diferença entre a inflação corrente e a meta inflacionaria), ao passo em que se 
reduz pouco a Selic quando o referido hiato diminui ou quando a economia experimenta uma 
desaceleração do seu nível de atividade. 
 Há evidências de que países emergentes como o Brasil enfrentam complicações 
adicionais, em comparação às nações desenvolvidas, para fazerem funcionar a contento seus 
regimes de metas de inflação, ainda mais considerando os expressivos efeitos das oscilações 
cambiais sobre seus preços domésticos, bem como a maior amplitude das obrigações 
financeiras que são cotadas em moedas estrangeiras (Paula e Saraiva, 2015, p. 162). Na 
presença de algum choque (seja ele externo ou de confiança em relação à economia 
brasileira) no qual um dos resultados previsto é o da contração da demanda por ativos 
brasileiros, a primeira variável macroeconômica a ser impactada será, sem dúvida, o câmbio. 
Este, provavelmente se depreciará afetando, assim, a dinâmica da dívida pública. Tal 
cenário, típico da conjuntura atual no Brasil, acarreta o aumento dos prêmios de risco dos 
ativos brasileiros, levando à contração do ingresso de capitais no país com reflexos 
importantes sobre o desempenho da atividade econômica. 
 O aumento dos prêmios de risco dos títulos públicos representa, para os analistas do 
mercado e agências de classificação de risco, o aumento da possibilidade de default do país. 
No que concerne à relação entre ativos financeiros e taxa de câmbio, é importante notar que 
há a disponibilidade tanto de ativos brasileiros transacionados no exterior, como os bônus 
de dívida soberana, quanto de ativos negociados no mercado doméstico (dívida pública 
interna, ações e outros ativos privados). Não obstante, o fato é que a elevação do risco contrai 
a demanda por todos os tipos de ativos indistintamente e, no mercado secundário (no 
exterior), ocorre a queda de seus preços e a elevação dos prêmios de risco. A dinâmica se 
completa com a redução dos ingressos, ou, dito de outra maneira, com a acentuação das 
fugas de capitais interessados em comprar ativos no país, depreciando assim o câmbio. 
 A diminuição do ingresso de capital no país leva à depreciação da taxa cambial e, 
consequentemente, à elevação da relação dívida/PIB, o que acaba exigindo alguma resposta 
do governo como, por exemplo, a elevação do superávit primário. Adicionalmente, a 
 
 
25 
 
depreciação cambial que interfere na relação dívida/PIB aumentando-a também afeta a taxa 
de inflação que tende a subir, o que induz o Bacen a aumentar os juros para conter o 
recrudescimento dos preços. 
 É sabido que a elevação da taxa Selic pode reduzir a inflação por meio de canais que 
contraem a demanda agregada, da apreciação do câmbio e das expectativas quanto à inflação 
futura. Aliado a isso, dirigentes da área econômica dos governos Lula e Dilma se mostravam 
alinhados em reiterar o compromisso governamental de manter a sustentabilidade da dívida 
por meio do princípio teórico keynesiano relativo ao efeito multiplicador dos gastos no PIB, 
e não como resultado do comprimento da meta do superávit primário (Lopreato, 2013, p. 
215). 
 
Gráfico 5. Brasil: relação dívida líquida do setor público/PIB (% ) 
 
Fonte: Bacen. 
 
 Se, para Werneck (2010), a postura de abandonar a tríade do modelo de política 
macroeconômica consagrado a partir de 1998/1999 foi usada pelo governo Lula para 
justificar sua estratégia de blindagem da economia brasileira à crise de 2008, para Lopreato 
(2013), tal guinada “desenvolvimentista”, marcada por uma maior intervenção estatal na 
economia, já pode ser notada em 2006, isto é, ao final do primeiro mandato de Lula e, 
principalmente, a partir da substituição de Antônio Palocci por Guido Mantega à frente da 
pasta da Fazenda. Palocci, fiel escudeiro da contração fiscal, propôs ao longo de sua gestão 
como ministro superávits primários da ordem de 4,25% do PIB, sem majoração de impostos 
e com o compromisso de reduzir a relação dívida/PIB. 
 Se isso foi possível de ser feito pelo governo Dilma, pelo menos nos três primeiros 
anos do seu primeiro mandato – como aponta o Gráfico 1 –, o mesmo não se pode dizer em 
relação aos anos 2014, 2015 e 2016. Não obstante ao fato, o que teria acontecido nesse 
período que levou a essa reversão da trajetória de queda da relação dívida líquida/PIB? À 
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 jul/16
 
 
26 
 
luz das evidências, não parece difícil encontrar respostas plausíveis, mesmo que parciais, a 
essa indagação. Não há dúvidas quanto ao afastamento da gestão macroeconômica de curto 
prazo do governo Dilma em relação à postura anteriormente adotada de caráter mais 
ortodoxo. A política fiscal excessivamente expansionista foi um traço marcante dos 
governos petistas. Não somente observa-se a geração de déficits primários a partir de 2014, 
mas a tentativa sistemática de redução da taxa de juros, num contexto de manutenção das 
expectativas de inflação acima da meta, também marcou, em termos decisivos, o seu 
governo. 
 Em situações de choque que levam a uma fuga de capitais do país e, simultaneamente, 
a uma depreciação do câmbio como visto anteriormente, a restriçãoà ação da autoridade 
monetária se impõe pela queda da demanda por títulos da dívida pública, um dos principa is 
ativos financeiros negociados hoje em dia. Nesse passo, o perfil dessa demanda consiste em 
algo extremamente importante, pois determina se o Bacen tem ou não condições de perseguir 
com eficácia o seu objetivo mais propalado: o controle permanente da inflação. 
 O fato é que o aumento da dívida pública, em virtude da geração de sucessivos 
déficits fiscais, torna o regime de metas inflacionárias de difícil execução, haja vista a 
necessidade de se monetizar a dívida. Assim, se por um lado, uma das pré-condições para o 
exercício autônomo do Bacen, logo para a viabilidade do regime de metas, é a ausência de 
dominância fiscal, como sustentam a maioria dos colaboradores do livro organizado por 
Salto e Almeida (2016), por outro lado, diante da presença de dominância fiscal, a dívida 
pública tende a se elevar caso a taxa de juros recrudesça também visando colocar a taxa de 
inflação dentro dos limites da meta. Neste cenário, o dilema e seu caráter paradoxal tornam-
se incontornáveis, pois, como argumentam Belluzzo e Galípolo (2017, p. 173) com base na 
da teoria fiscal de Michael Woodford, “a queda da inflação agrava a dinâmica perversa da 
relação dívida/PIB”. 
 
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