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Raquel Tiveron - Justiça Restaurativa 2017

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Sumário
1.	 Agradecimento
2.	 prefácio
3.	 UM	UNIVERSO	EM	EXPANSÃO:	RAQUEL	TIVERON	ESTÁ
VOCACIONADA	PARA	SER	A	MELHOR	JURISTA	DA	SUA
GERAÇÃO	BRASILEIRA
4.	 INTRODUÇÃO
1.	 PARTE	I
2.	 A	CRISE
3.	 DO	PARADIGMA
4.	 PUNITIVO
5.	 tudo	o	que	é	sólido
6.	 desmancha	no	ar?
7.	 CAPÍTULO	I
8.	 O	SISTEMA	PENAL	POSTO	EM	QUESTÃO	crise	de	legitimidade	da
pena	de	prisão?
1.	 1.1	A	tensão	entre	facticidade	e	validade	no	direito:a	importância	do	reconhecimento	da
legitimidade	da	lei	penal
2.	 1.2	O	déficit	de	legitimidade	da	lei	penal
3.	 1.3	O	uso	político	da	sanção	penal	para	excluir:	uma	visão	agnóstica	da	pena
4.	 1.4	Críticas	às	tradicionais	funções	da	pena:	retribuição	e	prevenção
5.	 1.4.1	Comunicando	a	pena	ao	ofensor:	a	prevenção	especial
6.	 1.4.2	A	ideia	de	prevenção	dirigida	à	sociedade
7.	 1.5	A	cifra	obscura	da	criminalidade
8.	 1.6	Ineficácia	dissuasória	da	pena	de	prisão
9.	 1.7	Os	números	da	eficácia	invertida	da	prisão
9.	 CAPÍTULO	II
10.	 OS	DEPÓSITOS	DE	PRESOS	COMO	FATOR	CRIMINÓGENOa	morte
dos	ideais	de	“ressocialização”?
1.	 2.1	A	prisão	como	fator	criminógeno
2.	 2.2	A	realidade	carcerária
3.	 2.3	O	pessimismo	do	nothing	works
4.	 2.4	O	endurecimento	via	pena	de	morte
5.	 2.5	Just	deserts
6.	 2.6	Poderia	a	pena	de	prisão	ser	abolida?
1.	 PARTE	II
7.	 A	EMERGÊNCIA	DO	PARADIGMA	DA	TRANSMODERNIDADE
11.	 da	insurgência	à	assimilação	da	justiça	restaurativa?
12.	 CAPÍTULO	III
13.	 DIÁLOGOS	ENTRE	A	FILOSOFIA	DO	DIREITO,	A	SOCIOLOGIA
JURÍDICA	E	A	TEORIA	POLÍTICAfundamentos	plurais	do	novo
paradigma
1.	 3.1	Contextualizando	a	revolução:	a	pós-modernidade
2.	 3.1.1	A	superação	paradigmática	rumo	à	transmodernidade
3.	 3.1.2	Justiça	restaurativa	e	transmodernidade
4.	 3.2	O	fundamento	político	da	jurisconstrução:	a	democracia	deliberativa
5.	 3.2.1	A	ampliação	de	atores	para	o	debate	na	jurisconstrução
6.	 3.2.2	Avaliando	o	grau	de	inclusão	participativa	e	de	deliberação	democrática	do	novo
paradigma
7.	 3.2.3	O	enquadramento	do	modelo	jurisdicional	penal	na	teoria	política	democrática
contemporânea
8.	 3.2.4	A	democracia	deliberativa
9.	 3.2.5	A	poliarquia
10.	 3.2.6	A	justiça	restaurativa	como	forma	de	poliarquia	diretamente	deliberativa
11.	 3.2.7	Críticas	à	democracia	deliberativa
12.	 3.3	Compreendendo	a	dinâmica	do	encontro	restaurativo	e	as	suas	bases	filosóficas
13.	 3.3.1	A	justiça	restaurativa	como	esfera	pública	de	deliberação
14.	 3.3.2	Justiça	restaurativa:	um	locus	para	o	reconhecimento	recíproco
15.	 3.3.3	O	impacto	do	encontro	face	a	face	segundo	Lévinas
16.	 3.3.4	O	agir	comunicativo	habermasiano
17.	 3.3.5	A	dinâmica	do	círculo	restaurativo
18.	 3.3.5.1	A	metodologia	da	CNV
19.	 3.3.5.2	O	caso	do	encontro	entre	um	adolescente	autor	de	“sequestro	relâmpago”	e	sua
vítima,	um	policial
20.	 3.3.5.3	O	caso	do	encontro	entre	uma	vítima	idosa	e	o	ladrão	de	sua	residência
21.	 3.4	Uma	nova	racionalidade	para	a	pena:	a	função	comunicativa
22.	 3.4.1	A	racionalidade	comunicativa	de	Habermas
23.	 3.4.2	A	função	comunicativa	da	pena
24.	 3.4.3	As	ponderações	de	Joel	Feinberg
25.	 3.4.4	Críticas	e	respostas	à	proposta	comunicativa	da	pena
1.	 PARTE	III
26.	 ONDE	SE	ENCONTRA	O	FUNDAMENTO	DA	VALIDADE	DA	JUSTIÇA
RESTAURATIVA?
14.	 A	BUSCA	DE	SUA	SUSTENTABILIDADE	TEÓRICA
15.	 CAPÍTULO	IV
16.	 DAS	ESTRADAS	LARGAS	AOS	BECOS	SEM	SAÍDAa	vereda	dos
movimentos	criminológicos	até	a	emergência	restaurativa
1.	 4.1	A	justiça	restaurativa	na	contramão	do	atavismo	positivo
2.	 4.2	Normalidade	e	funcionalidade	do	crime	—	o	influxo	das	teorias	sociológicas
3.	 4.2.1	A	apoteose	do	bem-estar	e	a	frustração	de	status:	uma	contribuição	da	teoria	da
anomia
4.	 4.2.2	A	ordem	social	como	um	mosaico	de	grupos	(teorias	subculturais)
5.	 4.2.3	O	crime	como	resultante	das	interações	psicossociais	do	indivíduo
6.	 4.2.4	As	teorias	do	controle	social
7.	 4.2.5	Prevenção	situacional	do	crime
8.	 4.3	Labelling	approach,	interacionismo	simbólico	e	construtivismo	social
9.	 4.4	Apontando	as	antinomias	do	sistema	penal:	o	papel	das	teorias	críticas
10.	 4.4.1	A	criminologia	radical
11.	 4.4.2	Neorrealismo	de	esquerda
12.	 4.4.3	Minimalismo	penal
13.	 4.4.4	Garantismo
14.	 4.4.5	Abolicionismo
15.	 4.5	Entre	pirâmides	e	círculos:	a	proposta	da	criminologia	pacificadora
16.	 4.5.1	A	pirâmide	de	pacificação	de	Fuller
17.	 CAPÍTULO	V
18.	 A	DINÂMICA	VITAL	DA	JUSTIÇA	RESTAURATIVA	princípios,
características,	procedimentos,	atores	e	apostas
1.	 5.1	Os	princípios	da	justiça	restaurativa
2.	 5.1.1	Um	destaque	para	a	voluntariedade
3.	 5.2	Os	atores	no	procedimento	restaurativo
4.	 5.2.1	Facilitadores
5.	 5.2.2	O	advogado:	aliado	ou	opositor?
6.	 5.2.3	Ofensores	—	uma	nova	visão	do	“inimigo”
1.	 5.2.3.1	Uma	observação	necessária:	a	desumanização	do	ofensor	e	a	mídia
2.	 5.2.3.2	O	caso	da	vítima	de	estupro	que	encarou	seu	ofensor
7.	 5.2.4	Vítimas
8.	 5.2.5	A	relação	entre	ofensor	e	vítima
9.	 5.2.6	Predisposição	vitimária	e	níveis	de	vitimização
10.	 5.2.7	Reaproriação	dos	conflitos	ou	retorno	à	vingança	privada?
11.	 5.2.8	A	vitimização	secundária
12.	 5.3	O	papel	da	comunidade	na	justiça	restaurativa
13.	 5.3.1	A	janela	da	disciplina	social
14.	 5.3.2	A	vergonha	reintegradora
15.	 5.3.3	Riscos	do	incremento	do	controle	social	pela	justiça	restaurativa
1.	 PARTE	IV
16.	 A	PRÁXIS
17.	 RESTAURATIVA
18.	 NO	ORDENAMENTO
19.	 JURÍDICO	BRASILEIRO
19.	 uma	estranha	no	ninho?
20.	 CAPÍTULO	VI
21.	 O	DILEMA	DA	JUSTIÇA	RESTAURATIVA	NO	BRASIL:	política	de
governo	ou	política	de	estado?
1.	 6.1	A	experiência	paulista	de	justiça	restaurativa
2.	 6.1.1	O	diferencial	em	São	Caetano	do	Sul:	a	estratégia	de	sensibilização	de	lideranças	e
de	“mudança	de	lentes”	dos	agentes	públicos
3.	 6.1.2	A	evolução	do	projeto	e	a	situação	atual
4.	 6.2	Justiça	para	o	Século	XXI	em	Porto	Alegre
5.	 6.2.1	A	evolução	do	programa	gaúcho
6.	 6.3	Uma	justiça	para	maiores	no	Distrito	Federal
22.	 CAPÍTULO	VII
23.	 EM	BUSCA	DE	UM	ESTATUTO	LEGALconsolidando	a	justiça
restaurativa	no	ordenamento	jurídico	brasileiro
1.	 7.1	O	espaço	legislativo	para	a	edificação	da	justiça	restaurativa	no	Brasil
2.	 7.1.1	Na	infanto-adolescência
3.	 7.1.2	Nos	juizados	especiais	criminais
4.	 7.2	A	compatibilização	da	justiça	restaurativa	com	a	lei	brasileira
5.	 7.2.1	O	respeito	aos	direitos	fundamentais	dos	acusados
6.	 7.2.2	A	obrigatoriedade	da	ação	penal:	mitos	e	verdades
7.	 7.2.3	A	mitigação	do	princípio	da	obrigatoriedade	da	ação	penal	em	outros	países
8.	 7.2.4	Limites	da	capacidade	operacional	do	estado	(ou	o	estado	de	ineficiência	estatal)
9.	 7.3	A	construção	de	uma	política	pública	de	resolução	de	conflitos
10.	 7.3.1	O	Programa	Nacional	de	Direitos	Humanos	(PNDH-3)	e	a	lei	do	SINASE
11.	 7.3.2	A	política	pública	de	tratamento	adequadoaos	conflitos	do	CNJ
12.	 7.3.3	O	Projeto	de	Lei	nº	7006,	de	2006
13.	 7.4	O	desafio	de	um	novo	papel	para	o	Ministério	Público	brasileiro
14.	 7.4.1	A	participação	ministerial	na	experiência	comparada
15.	 7.4.2	A	nova	identidade	do	Ministério	Público	brasileiro	pós-88:	indutor	de	política
criminal
16.	 7.4.3	Considerações	parciais
24.	 CAPÍTULO	VIII
25.	 PESQUISA	EMPÍRICA	E	ENCONTROS	RESTAURATIVOS	EM
DOIS	CASOS	DRAMÁTICOS	a	busca	da	dimensão	humana	em	meio	a
conflitos	hediondos
1.	 8.1	A	justiça	restaurativa	em	crimes	graves
2.	 8.2	Estudo	comparativo	—	caso	de	estupro	tratado	na	justiça	restaurativa	no	DF	e	no
exterior
3.	 8.2.1	Caso	1	—	Estupro	de	vulnerável	por	três	jovens,	um	deles	menor	de	idade
4.	 8.2.2	Caso	2	—	Estupro	de	vulnerável	entre	irmãos
5.	 8.2.3	Análise	dos	aspectos	relevantes	em	cada	situação
6.	 8.3	A	justiça	restaurativa	para	crimes	cometidos	em	contexto	de	violência	doméstica
7.	 8.4	Pesquisa	de	campo:	comparação	entre	os	graus	de	informação,	comunicação	e
reparação	do	sistema	de	justiça	criminal	e	do	programa	de	justiça	restaurativa	do	DF
8.	 8.4.1	Aspectos	metodológicos	da	pesquisa	de	campo
1.	 8.4.1.1	Objetivo	geral
2.	 8.4.1.2	Objetivos	específicos
9.	 8.4.2	Hipóteses	testadas	na	pesquisa	de	campo
10.	 8.4.3	Sujeitos,	locais	e	instrumento	de	coleta	de	dados
11.	 8.4.4	Metodologiade	investigação	e	análise
12.	 8.4.5	Contextualizando	a	pesquisa
1.	 8.4.5.1	Histórico	e	peculiaridades	das	cidades	pesquisadas
2.	 8.4.5.2	Perfil	dos	entrevistados
13.	 8.4.6	Resultados
14.	 8.4.7	Outras	considerações	relevantes
1.	 8.4.7.1	Descriminalização	de	condutas	de	menor	potencial	ofensivo
2.	 8.4.7.2	Aplicação	de	programas	restaurativos	para	delitos	cometidos	em	contexto	de
violência	doméstica
3.	 8.4.7.3	Uso	abusivo	de	álcool	ou	drogas	e	a	importância	da	integração	da	justiça
restaurativa	com	as	políticas	públicas	de	saúde	e	com	a	comunidade
15.	 8.4.8	Conclusão
26.	 CONCLUSÕES
27.	 REFERÊNCIAS
AGRADECIMENTO
Uma	tese	de	doutorado	não	é	escrita	e	amadurecida	durante	quatro	anos	sem	o	apoio	e	a	colaboração	de
importantes	pessoas.	Quero	registrar	meu	agradecimento	e	carinho	especial:
A	Deus,	pelas	bênçãos	e	pelas	dificuldades	permitidas,	para	que	eu	aprendesse	a	superá-las;
À	minha	mãe	e	ao	meu	pequeno	anjinho,	pois	sei	que	 juntos	assistem	ao	coroamento	do	esforço	que
vivenciaram	comigo.	Aquela,	por	mais	tempo	e	este,	durante	sua	breve	passagem	neste	mundo;
Ao	 Álvaro	 e	 à	 Valentina,	 pelo	 amor	 incondicional,	 pela	 paciência	 e	 pela	 companhia	 nas	 longas
madrugadas;
Ao	 meu	 pai,	 pelo	 seu	 exemplo,	 pelo	 incentivo	 aos	 estudos	 e	 por	 todas	 as	 oportunidades	 que	 me
proporcionou;
Ao	Júnior,	pela	ajuda	com	seu	colossal	conhecimento	informático	e	generoso	coração;
À	 Claudia,	 Dalilian	 e	 Luciene,	 pela	 sua	 dedicação	 à	 pequena	 Valentina,	 para	 que	 eu	 tivesse	 a
tranquilidade	de	estudar;
À	 Rosemari	 Barletta,	 pela	 companhia	 firme	 e	 permanente	 ao	 longo	 desses	 anos	 e	 pelo	 apoio
incondicional	à	confecção	desta	tese,	cuja	“gestação”	vem	acompanhando;
Ao	meu	orientador,	Prof.	Dr.	Roberto	Freitas	Filho,	pela	confiança	em	mim	depositada	e	por	todos	os
seus	ensinamentos,	como	professor	e	como	pessoa;
Ao	amigo,	mentor,	filósofo,	habitante	eterno	do	meu	coração,	Prof.	Dr.	Rossini	Corrêa,	detentor	de	um
conhecimento	 monumental,	 sorriso	 aberto	 e	 amizade	 incondicional,	 pelo	 seu	 amparo	 nas	 horas	 de
desespero,	pelo	incentivo	à	pesquisa	e	à	publicação	e	por	sua	eterna	e	sincera	disponibilidade	em	ajudar;
Ao	Prof.	Dr.	Bruno	Amaral	Machado,	meu	 exemplo	 profissional,	 acadêmico	 e	 humano,	 que,	mesmo
estando	em	um	patamar	de	conhecimento	muito	acima	dos	mortais,	não	se	furta	a	descer	e	iluminar	com
seu	brilho	único	aos	que,	como	eu,	lhe	pedem	socorro;
Aos	 meus	 professores	 do	 UniCEUB,	 na	 pessoa	 dos	 docentes	 Álvaro	 Ciarlini,	 Léa	 Ciarlini,	 Bruno
Amaral	 Machado	 e	 Luciana	 Musse,	 membros	 da	 minha	 banca	 de	 qualificação,	 pela	 disposição	 em
discutir	comigo	a	pesquisa	e	dar	um	norte	a	ela;
Aos	professores	Josué	Silva	e	René	Mallet	Raupp,	profissionais	excepcionais	em	suas	áreas,	sem	cujo
conhecimento	esta	tese	não	seria	possível	da	forma	em	que	se	encontra;
À	Thays	Braga,	pesquisadora	nata,	que	emprestou	sua	gentileza	e	simpatia	ao	trabalho	de	campo;
Ao	Conselho	Superior	do	MPDFT,	pela	confiança	em	mim	depositada,	concedendo-me	licença	para	a
redação	 desta	 tese	 e,	 especialmente	 ao	 Prof.	 Dr.	 Rogério	 Schietti,	 que	 acreditou	 e	 encampou
pessoalmente	este	sonho;
Ao	Dr.	Weiss	Webber	 e	 à	Lúcia	Helena	Barbosa	 de	Oliveira,	 pessoas	 e	 profissionais	 singulares,	 que
labutam	diuturnamente	para	a	humanização	do	sistema	de	 justiça	criminal	e	para	a	 implementação	da
Justiça	Restaurativa;
Ao	 corpo	 de	 funcionários	 do	 UniCEUB,	 nas	 pessoas	 especialíssimas	 de	 Rosilene	 Croner	 Abreu	 e
Rosileide	Oliveira	Nunes,	rosas	na	minha	vida,	que,	com	amizade	e	apoio,	tornaram	essa	missão	mais
leve;
Por	último,	e	não	por	ser	menos	importante,	à	valorosa	equipe	da	Justiça	Restaurativa	do	TJDFT	—	nas
pessoas	da	Helena,	do	Manoel	e	da	Bárbara,	visto	que	acreditam	na	causa	 restaurativa	e	a	vivenciam
inspirando	todos	que	têm	a	sorte	de	cruzar	os	seus	caminhos	—,	pelo	crédito	e	pelo	amplo	e	irrestrito
apoio	para	a	confecção	deste	trabalho;
Sem	a	ajuda	de	todos	vocês,	amigos,	esta	tese	não	seria	possível!
PREFÁCIO
UM	UNIVERSO	EM	EXPANSÃO:	
RAQUEL	TIVERON	ESTÁ	VOCACIONADA	PARA	SER	A
MELHOR	JURISTA	DA	SUA	GERAÇÃO	BRASILEIRA
Rossini	Corrêa	1
Um	 dos	 nós	 górdios	 da	 crise	 da	 modernidade	 e	 da	 construção,	 ainda
embrionária,	 da	 pós-modernidade,	 sem	 a	 mínima	 dúvida,	 se	 encontra	 na
dimensão	 institucional	 da	 Sociedade,	 na	 medida	 em	 que	 a	 crise	 do	 Estado
alcança	uma	ressonância	quase	universal,	a	perpassar	as	organizações	sociais
de	 substrato	 urbano-industrial.	 A	 chamada	 Grande	 Sociedade,	 na	 tessitura
complexa	 de	 elementos	 que	 a	 definiram,	 seguramente	 encontrou	 em	 sua
caminhada	estadual,	em	última	instância,	o	ribombar	da	Revolução	Francesa,
a	 experiência	 da	Codificação	 do	Direito	 e	 a	mística,	 senão	mistificação,	 da
Escola	da	Exegese.
Os	 clamores	 da	 Razão,	 retomados,	 no	 mínimo,	 desde	 o	 século	 XIII	 da
cristandade,	 por	 Santo	 Tomás	 de	 Aquino,	 na	 esteira	 do	 seu	 Mestre	 de
Pensamento,	Alberto	da	Saxônia,	que	se	 tornaria,	em	Paris,	Alberto	Magno,
por	 ser	 considerado	 ali	 o	 maior	 sábio	 de	 todos	 os	 tempos	 e	 um	 preceptor
apoteótico	em	sua	Universidade	e	se	 transformaria,	na	Igreja,	Santo	Alberto
Magno,	 em	 virtude	 da	 proclamação	 dos	 elevados	 serviços	 que	 o	 alçaram,
também,	 ao	 reconhecimento	 como	 Doutor	 e	 à	 sua	 proclamação	 como
padroeiro	dos	cientistas,	não	cessaram	de	avançar.
O	Renascimento	recepcionou	o	espírito	do	racionalismo	medieval,	passando,
entretanto,	 a	 cultivá-lo,	 mais	 por	 ser	 portador	 da	 supostamente	 confiável
ordenação	da	razão,	do	que	por	ser	aristotélico.	Começará	no	Ressurgimento
o	 processo	 de	 desconstrução	 incessante	 do	Estagirita,	 que	 foi	merecedor	 da
melhor	 dedicação	 intelectual	 e	 acadêmica	 não	 apenas	 de	 Santo	 Alberto
Magno	 e	 de	 Santo	 Tomás	 de	 Aquino,	 em	 seu	 resgate	 e	 nos	 comentários
produzidos,	desde	que	ambos	já	dialogavam	com	a	tradição	do	aristotelismo
árabe.
Avicena	era	persa,	nascido	em	980	e	Averróis	era	andaluz,	nascido	em	1126,
constituindo	os	dois	estrelas	polares	de	uma	suntuosa	tradição	da	Era	de	Ouro
do	 Islã,	 religião	em	expansão	no	mundo	desde	o	 seu	nascimento,	no	 século
VII	depois	de	Cristo,	do	Oriente	Médio	para	o	Norte	da	África	e	deste	para	a
Península	 Ibérica,	 enquanto	 procurava	 a	 vastidão	 de	 outros	 horizontes	 da
geografia	conhecida.	Avicena	e	Averróis	 foram	produtos	do	código	ético	do
Islã	original,	a	que	se	reportou	Roger	Garaudy,	quando	os	califas	não	eram	do
petróleo,	 e	 trouxeram	 para	 a	 Península	 Ibérica,	 e	 desta	 para	 a	 Europa,
significativos	 valores	 civilizatórios.	 Ambos	 foram	 mestres	 de	 múltiplos
saberes,	 inclusive	 da	 teologia	 profunda	 e	 do	 direito	 canônico	 muçulmano,
irrigando	 a	 sua	 visão	 de	 mundo	 com	 o	 singular	 conhecimento	 da	 tradição
filosófica	grega,	inclusive,	de	Platão	e	de	Aristóteles.
O	trabalho	de	Santo	Alberto	Magno	e	Santo	Tomás	de	Aquino	foi,	portanto,
de	 resgate,	 comentário	 e	 estabelecimento	 de	 Aristóteles	 no	 ambiente
universitário	 da	Alemanha,	 da	França	 e	 da	 Itália,	 cristianizando-o,	 ao	passo
em	 que,	 do	 Estagirita	 ofereciam	 interpretação	 distinta	 da	 consagrada	 pelo
islamismo	 da	 tradição	muçulmana,	 que	 levaria	 a	 cristandade	 da	 cavalaria	 à
sangrenta	 experiência	das	Doze	Cruzadas,	 por	hipótese,	 em	busca	do	Reino
Cristão	de	Jerusalém.
O	Renascimento	começou	todo	um	processo	de	racionalismo	anti-aristotélico,
por	combater	a	Igreja,	o	Papado	e	o	Estado	Religioso,	cuja	doutrina	teológica
passou	 a	 repousar	 em	 fundamentos	 racionais	 advindos,	 de	 maneira	 mais
próxima,	do	Estagirita,	cuja	filosofia	foi	posta	em	auxilio	de	sua	doutrina	da
fé	desde	a	cristianização	de	Sócrates,	por	São	Justino	e	de	Platão,	por	Santo
Agostinho.	Confrontar	a	Igreja,	o	Papado	e	o	Estado	Religioso,	com	certeza,
passou	a	 ser	 confundido	com	a	negação	de	Aristóteles.	Eis	o	Estagirita,	 em
consequência,	contestado	na	política	de	Nicolau	Maquiavel,	na	epistemologiade	Francis	Bacon	e	na	filosofia	social	de	Thomas	Hobbes,	entre	muitos	outros
que	se	seguiriam,	em	movimento	que	duraria	meio	milênio.	O	Ressurgimento
pretendeu	 retornar	 à	 cultura	 do	 paganismo,	 dela	 retirando	 a	 tradição
aristotélica,	 que	 se	 cristianizara	 na	 sociedade	 medieval	 contestada	 pela
modernidade	em	ascensão.
Os	iluministas	–	cujo	movimento	intelectual	foi	maturado	entre	1650	e	1750,
difundindo-se	da	Holanda	para	 a	França,	 a	 Itália,	 a	Escócia,	 a	Alemanha,	 a
Inglaterra	e	outras	paragens	da	Europa	–	tornaram-se	herdeiros	desta	tradição
racionalista	 advinda	 do	Medievo	 e	 retomada	 no	 Renascimento,	 exaltando-a
como	 instrumento	 de	 reinvenção	 geométrica	 do	 mundo	 da	 vida.	 Neste
sentido,	 advogaram	o	 advento	de	um	Estado,	 de	um	Poder	 e	 de	um	Direito
segundo	 os	 ditames	 da	Razão.	Nos	momentos	mais	 radicais	 do	movimento
iluminista,	sem	cuidados,	a	Razão	foi	o	substituto	simbólico	de	Deus.
Na	 esfera	 jurídica,	 o	 Direito	 dos	 iluministas	 foi	 reivindicado	 segundo	 a
perspectiva	 naturalista.	 Sucede	 que,	 uma	 vez	 conquistado	 o	 Poder	 pela
Revolução	 Francesa,	 caminhou-se	 na	 diretriz	 da	 consumação	 do	 Estado
Nacional	 Soberano,	 que	 começara	 a	 nascer	 entre	 os	 séculos	XIII	 e	XIV	 da
cristandade.	 A	 centralidade	 do	 Estado	 tornou-se	 a	 regra	 magna	 da	 era	 das
nações,	 conformando	as	 ideias	de	 soberania	econômica	e	 soberania	política,
em	um	mundo	de	assimetrias	entre	nações	e	colônias	e	de	embates	imperiais
entre	nações	do	epicentro	da	comunidade	internacional.
As	metrópoles	do	mundo	estatizaram	o	Direito,	positivando-o,	ao	revés	de	sua
reivindicação	naturalista	pretérita	à	Revolução	Francesa	e	difundindo-o	como
o	máximo	de	engenharia	jurídica	racional,	por	meio	da	obra	de	codificador	de
Napoleão	 Bonaparte.	 Aquilo	 a	 que	 denominei	 alhures	 de	 ‘Razão	 Legal’
tornou-se	a	regra	redutora	da	experiência	jurídica,	cujo	positivismo	repudiou,
em	seu	monismo	estatista,	todos	os	pluralismos	jurisprudentes,	para	restringir
o	 Direito	 ao	 Estado,	 na	 reificação	 do	 Legalismo,	 do	 Tecnicismo	 e	 do
Formalismo,	em	Norma	Geral	que	pretendeu	responder	a	 toda	a	complexa	e
variegada	 experiência	 de	 vida	 social,	 no	 suposto	 de	 que	 dispunha	 de
previsibilidade	 e	 de	 completitude	 suficientes	 para	 equacioná-la	 em	 sua
totalidade.
Nada	 mais	 falacioso.	 De	 mim	 para	 mim,	 sonhando	 com	 o	 reverso,	 de	 um
Direito	 que,	 transfigurado,	 servisse	 de	 energia	 de	 transfiguração	 da	 vida
social,	 emancipando-a	de	maneira	 solidaria,	 escrevi	 em	determinado	 tempo:
‘Da	ampliação	das	 referidas	experiências	dar-se-á	a	ponte	para	o	 futuro,	em
que	 poderão	 sobreviver	 os	 julgamentos	 por	 Tribunal,	 mas	 excelerão	 a
negociação,	 a	 conciliação,	 a	 facilitação,	 a	mediação	 e	 a	 arbitragem,	 em	um
mundo	 de	 luta	 por	 um	 Direito	 mais,	 muito	 mais	 comprometido	 com	 a
Sociedade	do	que	com	o	Estado;	com	o	Caso	do	que	com	a	Lei;	com	a	Justiça
do	 que	 com	 a	 Segurança;	 com	 as	 Pessoas	 do	 que	 com	 as	 Coisas;	 sabendo
sempre	 que,	 no	 Caso,	 o	 prioritário	 é	 a	 consideração	 das	 Pessoas,	 centelhas
humanas	e	divinas	de	dramas	e	de	esperanças.	Construí-lo	é	tarefa	de	todos.
Jamais	 valerá	 apenas	 ficar	 à	 espera,	 pois	 a	 tibieza	 é	 contrária	 à	 lição	 da
sabedoria	e	não	transfigura	em	claridade	as	névoas	cinzentas	da	existência’.
A	 ‘Razão	 Legal’	 por	 mim	 criticada,	 impermeável	 ao	 magistério	 de	 Pietro
Verri,	 em	 Observações	 sobre	 a	 Tortura	 e	 de	 Cesare	 Beccaria,	 em	 Dos
Delitos	 e	 das	 Penas	 ,	 duas	 magistrais	 figuras	 do	 iluminismo	 italiano,
programou	 de	 maneira	 diversa	 o	 sistema	 penal,	 em	 paradigma	 totalmente
fracassado,	 por	 sua	 incapacidade	 de	 restaurar	 para	 a	 sociabilidade	 aqueles
que,	regra	geral,	a	sociedade	empurrou	para	a	criminalidade.	De	onde	o	mal
formado	como	‘gente’	do	sistema	prisional	resultar	deformado	como	‘bicho’.
O	 sistema	 penal	 passou	 a	 ser,	 de	 maneira	 crescente	 na	 modernidade,	 a
consumação	da	tragédia.
Eis	que	a	Tese	Doutoral	de	Raquel	Tiveron,	ora	 servida	em	 livro,	 intitulada
Justiça	Restaurativa	e	Emergência	da	Cidadania	na	Dicção	do	Direito	,	a
qual	constitui	a	melhor	contribuição	das	letras	jurídicas	nacionais	à	relevante
temática	em	questão,	vem	significar,	na	melhor	tradição	dialética,	a	presença
da	utopia	no	Direito	à	Esperança,	na	expectativa	de	que	topias	sejam	possíveis
e	tópicas	conquistem	substantivação,	na	dinâmica	da	construção	global	de	um
novo	modo	de	produção	jurídica.
Trata-se	de	uma	obra	de	estreia	adulta	de	uma	jurista	destinada	a	ser	única	em
sua	 geração	 brasileira,	 se	 confirmar,	 como	 está	 desafiada	 a	 fazê-lo,	 com
constante	trabalho,	fidelidade	criativa	e	renovada	reflexão,	a	vocação	de	que	é
portadora.	 Raquel	 Tiveron,	 desta	 maneira,	 acrescentará	 ao	 ser	 humano
excepcional	que	é,	em	sua	aguda	sensibilidade	aberta	à	beleza	e	à	alegria,	os
horizontes	 múltiplos	 do	 trabalho	 intelectual	 fértil	 e	 diferenciado,	 no	 qual
inscreverá,	decerto,	as	digitais	de	sua	personalidade	de	jurista	comprometida,
filosófica	 e	 sociologicamente,	 com	 os	 valores	mais	 expressivos	 da	 tradição
humanística,	em	busca	de	um	ser	mais	humano,	em	uma	ordem	social	em	que
o	todo	seja	mais	de	todos.
Compreendendo	o	estrangulamento	moral	do	direito	de	punir	do	Estado,	cujo
sistema	 penal	 instituiu	 a	 decomposição	 do	 humano	 como	 mecanismo
vingativo	 de	 punição,	 Raquel	 Tiveron,	 que	 também	 visualiza	 o	 porquê	 de
outras	 camadas	 sociais	 conhecerem	 a	 impunidade,	 mergulha	 na	 Justiça
Restaurativa	enquanto	semente	de	um	paradigma	criminal	alterativo,	no	qual
Ego	 e	Alter	 ,	 em	 dialogia	 reconstrutiva	 do	 humano	 perdido,	 possam	 em	 si
reinventar	a	humanidade	possível.	É	a	percepção	de	que	a	(re)humanização	de
todos	 é	 um	 produto	 do	 Verbo,	 esta	 própria	 condição	 do	 humano,	 que	 o
humano	 define	 e	 o	 humano	 restaura,	 à	margem	 da	marcha	 do	 ordinário	 no
sistema	 judicial	 do	Estado,	 no	 qual	 a	Lei	Geral	 se	 aplica,	 com	 cegueira	 do
espírito	e	à	distancia	de	toda	e	qualquer	pedagogia,	à	multiplicidade	de	casos
concretos,	como	guilhotina	à	procura	de	pescoços,	sem	sensibilidade	humana
e	moral	frente	às	dores	e	dramas	da	vida	do	mundo	desumano.
Raquel	Tiveron	contribui	de	maneira	decisiva	para	o	debate	em	torno	de	um
novo	 modo	 de	 produção	 do	 direito,	 receptivo	 ao	 concurso	 vertical	 da
Sociedade,	como	alternativa	à	máquina	deficitária	e	em	crise	de	legitimidade,
do	 Estado	 da	 era	 das	 nações.	 Do	 argumento	 teórico	 à	 análise	 empírica,	 o
presente	livro	conversa	com	o	direito	comparado	e	reclama	não	somente	uma
mudança	 legislativa	 no	 Brasil,	 bem	 como	 uma	 renovação	 de	 mentalidade
compatível	 com	 as	 exigências	 da	 sociedade	 pós-moderna	 em	 formação,
exigente	 em	 todas	 as	 latitudes,	 sobretudo,	 nos	 domínios	 em	 que	 não	 há
tradição	de	devolução	dos	poderes	aos	geradores	do	poder.
É	a	situação	do	Brasil,	este	‘acampamento	apressado’	de	que	falava	Gilberto
Amado,	 a	 tremular	 no	 fio	 da	 navalha,	 correndo	 o	 risco	 de	 ‘encontrar	 a
decadência	 sem	 ter	 experimentado	 a	 civilização’,	 como	 sublinhou	 Claude
Levi-Strauss.	Brasil	que	não	pode	ser	objeto	de	desistência,	como	reclamou	a
altivez	 moral	 e	 política	 de	 Eduardo	 Campos,	 candidato	 à	 Presidência	 da
República	 vitimado	 em	 acidente	 aéreo,	 em	 13	 de	 agosto	 de	 2014,	mas	 que
deixou	 um	 legado	 de	 ética	 pública	 que	 fecundará	 os	 sonhos	 das	 novas
gerações,	cuja	bandeira	será	a	de	transformar	o	‘acampamento	apressado’	em
responsável	civilização,	capacitada,	esta,	a	ser	e	a	estar,	aqui	e	no	mundo,	com
a	soberana	consciência	de	que	gente	tem	que	ser	tratada	como	gente.
A	Justiça	Restaurativa	versada	por	Raquel	Tiveron	foi	delineada	com	mão	de
mestra	 e	 compreendeu	 em	 profundidade	 o	 evolver	 do	 rio	 subterrâneo	 a
procurar	a	superfície,	no	compromisso	com	os	seus	mais	relevantes	aspectos	–
‘gestão	 emancipatória	 e	 participativa	 do	 conflito,	 devoluçãoda	 sua
administração	 aos	 seus	 protagonistas,	 o	 empoderamento	 comunitário	 e
elevado	 conteúdo	 pedagógico’	 –	 a	 construir	 uma	 legitimidade	 nova,	 para	 a
combalida	arquitetura	da	justiça	criminal.
Neste	 sentido,	 quando	 o	 polêmico	 Desembargador	 Estadual	 do	 Rio	 de
Janeiro,	Siro	Darlan,	em	entrevista	à	BBC	Brasil,	realiza	a	impugnação	global
do	papel	que	a	Constituição	da	República	Federativa	do	Brasil	–	Artigo	127	-
O	 Ministério	 Público	 é	 instituição	 permanente,	 essencial	 à	 função
jurisdicional	 do	 Estado,	 incumbindo-lhe	 a	 defesa	 da	 ordem	 jurídica,	 do
regime	 democrático	 e	 dos	 interesses	 sociais	 e	 individuais	 indisponíveis	 –
reserva	 ao	 Ministério	 Público,	 o	 livro	 ora	 publicado	 encontra	 em	 Raquel
Tiveron	alguém	que	o	vincula,	por	meio	da	Justiça	Restaurativa,	ao	visceral
compromisso	democrático	e	aos	caminhos	desafiantes	da	transmodernidade.
Se	 se	 quiser,	 entretanto,	 na	 valorosa	 tessitura	 da	 Tese	 Doutoral	 Justiça
Restaurativa	 e	 Emergência	 da	 Cidadania	 na	 Dicção	 do	 Direito	 ,
construída	por	Raquel	Tiveron	como	testemunho	do	seu	excepcional	talento,
encontrar	um	ponto	central,	a	melhor	resposta	será	a	de	que	o	seu	centro	está
em	toda	parte,	segundo	uma	irrecusável	exigência.	Qual?	A	de	que,	em	toda
parte	 deste	 todo	 orgânico,	 de	 maneira	 essencial,	 exista	 o	 compromisso
humano	 com	um	mundo	mais	 humano,	 de	 interminável	 construção,	mas	 de
necessária	 e	 infinita	 procura,	 a	 reconhecer	 o	 fundamento	 de	 validade	 da
magna	 aspiração:	 ‘Bem-aventurados	 os	 que	 têm	 fome	 e	 sede	 de	 justiça,
porque	serão	fartos	’	(Mateus	5.6).
Por	 ora,	 convido	 todos	 a	 saciarem	 a	 sua	 fome	 e	 a	 sua	 sede	 de	 justiça,
realimentando	 a	 constante	 busca,	 na	 bem-aventurança	 da	 leitura	 de	 Raquel
Tiveron	 e	 de	 sua	 decisiva	 obra	 Justiça	 Restaurativa	 e	 Emergência	 da
Cidadania	 na	 Dicção	 do	 Direito	 .	 Desfrutemos	 juntos	 deste	 banquete	 do
espírito	que,	segundo	a	nossa	maior	satisfação,	já	está	soberanamente	servido,
para	 que	 nunca	mais	 se	 tenha	 por	 ‘satisfeita	 a	 Justiça’,	 por	 alguma	 ‘salutar
dureza’	das	Leis,	quando	em	gemidos	não	só	a	Natureza,	mas	a	Consciência,
como	no	verso	de	Manuel	Maria	Barbosa	du	Bocage:
AO	RÉU	QUE	FOI	CONDUZIDO	AO	PATÍBULO
NO	DIA	11	DE	JULHO	DE	1797
Ao	crebro	som	do	lúgubre	instrumento,
Com	tardo	pé	caminha	o	delinquente;
Um	Deus	consolador,	um	Deus	clemente
Lhe	inspira,	lhe	vigora	o	sofrimento:
Duro	nó	pelas	mãos	do	algoz	cruento
Estreitar-se	no	colo	o	réu	já	sente;
Multiplicada	a	morte	anseia	a	mente,
Bate	horror	sobre	horror	no	pensamento:
Olhos	e	ais	dirigindo	à	Divindade,
Sobe,	envolto	nas	sombras	da	tristeza,
Ao	termo	expiador	da	iniquidade:
Das	leis	se	cumpre	a	salutar	dureza:
Sai	a	alma	dentre	o	véu	da	humanidade;
Folga	a	Justiça,	e	geme	a	Natureza’.
Brasília-DF,	agosto	de	2014.
1	Advogado	e	Professor	em	Brasília.	Filósofo	do	Direito,	Rossini	Corrêa	é	autor	de	Saber	Direito	 –
Tratado	 de	Filosofia	 Jurídica;	 Jusfilosofia	 de	Deus;	Crítica	 da	Razão	Legal;	O	Liberalismo	 no
Brasil;	 e	Teoria	 da	 Justiça	 no	Antigo	Testamento	 .	 Pertence	 à	Academia	Brasiliense	 de	Letras.	 É
membro	titular	do	Conselho	Federal	da	Ordem	dos	Advogados	do	Brasil.
INTRODUÇÃO
O	objetivo	do	presente	estudo	é	avaliar	as	condições	para	o	desenvolvimento
da	justiça	restaurativa	no	Brasil	como	um	novo	paradigma	de	justiça	criminal,
cujo	propósito	é	orientar	o	trabalho	dos	órgãos	desse	sistema.
A	 primeira	 parte	 do	 estudo	 será	 dedicada	 à	 análise	 do	 paradigma	 punitivo
atual	 e	 o	 contexto	 fático,	 político,	 jurídico	 e	 filosófico	 da	 sua	 crise.	 Este
paradigma	 apresenta	 sinais	 de	 esgotamento	 que	 podem	 ser	 constatados	 na
realidade	 precária	 do	 sistema	 carcerário	 no	 qual	 ocorrem	 corriqueiras
violações	dos	direitos	 fundamentais	 dos	 apenados	 e	dos	princípios	basilares
do	Estado	democrático	de	direito.	Exemplo	disso	é	o	histórico	“massacre	do
Carandiru”,	com	a	morte	de	111	presos	e	o	recente	assassínio	de	63	reclusos
no	presídio	maranhense	de	Pedrinhas.
Considerando	a	forma	como	são	acautelados	os	apenados	atualmente,	a	pena
de	prisão	tem	sido	aplicada	mediante	o	sacrifício	da	dignidade	humana,	o	que
compromete	 a	 legitimidade	 do	 sistema	 punitivo.	 O	 cárcere	 encontra-se
colapsado	com	a	ocupação	de	mais	de	meio	milhão	de	pessoas	em	trezentas
mil	vagas	e	com	outros	trezentos	e	vinte	mil	mandados	de	prisão	aguardando
cumprimento,	 segundo	 dados	 do	 Conselho	 Nacional	 de	 Justiça	 (CNJ)	 e	 do
Sistema	 Integrado	 de	 Informações	 Penitenciárias	 do	 Ministério	 da	 Justiça
(InfoPen),	explorados	na	primeira	parte	do	trabalho.
Quanto	 ao	 modo	 de	 acautelar	 os	 presos,	 a	 realidade	 brasileira	 viola
frontalmente	 a	 normativa	 internacional,	 tornando	 quimérica	 a	 aplicação	 das
“Regras	 Mínimas	 da	 ONU	 para	 o	 Tratamento	 de	 Prisioneiros”,	 consoante
registrou	a	Comissão	Parlamentar	de	Inquérito	(CPI)	do	Sistema	Carcerário.
O	 embrutecimento,	 a	 ociosidade,	 o	 abandono	 e	 as	 violações	 sexuais	 fazem
com	que	 o	 recluso	 se	 torne	 outra	 vítima,	 gerando	 a	 chamada	 “síndrome	 de
vitimização	 do	 cárcere”.	 Esta	 síndrome	 causa	 revoltas	 e	 motins	 face	 à
impossibilidade	de	se	executar	as	condenações	sob	a	égide	da	legalidade	e	da
humanidade.
Os	sintomas	de	debilidade	do	paradigma	punitivo	atual	se	manifestam	não	só
no	 campo	 fático,	mas	 também	no	político	 e	 no	 jurídico.	Quanto	 ao	 aspecto
político,	 denuncia	 a	 criminologia	 crítica	 que	 atesta	 que	 o	 direito	 penal	 vem
sendo	utilizado	 como	 técnica	 de	 controle	 social	 em	prol	 da	 criação	 de	 uma
sociedade	 de	 controle	 e	 exclusão.	 Nesta	 sociedade,	 são	 selecionadas,	 para
repressão	severa	(por	meio	de	políticas	endurecedoras	do	tipo	“lei	e	ordem”),
as	condutas	conflituosas	praticadas	pelas	camadas	mais	débeis	e	marginais	da
sociedade	(em	geral,	delitos	patrimoniais).
Este	 uso	 de	 sanções	 penais	 é	 incoerente,	 já	 que	 condutas	 que	 causam
prejuízos	muito	maiores	 do	 que	 todos	 os	 roubos	 e	 furtos	 somados	 do	 país,
como	 a	 corrupção,	 são	 pontualmente	 punidos.	 Portanto,	 o	 uso	 político	 e
incoerente	da	sanção	penal	—	que	permanece,	inclusive	no	projeto	de	reforma
do	Código	Penal	—	também	contribui	para	o	questionamento	da	legitimidade
do	sistema.
Para	o	exame	dessas	questões,	será	utilizado	o	estudo	bibliográfico	de	autores
da	 criminologia,	 em	 especial	 da	 corrente	 crítica,	 ou	 seja,	 autores	 como
Alessandro	 Baratta,	 Claus	 Roxin,	 Louk	 Hulsman,	 Lola	 Aniyar	 de	 Castro,
Eugenio	Raúl	Zaffaroni,	Antonio	Beristain	e	Juarez	Cirino	dos	Santos.
Do	ponto	de	vista	jurídico,	as	finalidades	atribuídas	em	lei	à	pena	privativa	de
liberdade	 —	 em	 especial	 as	 de	 prevenção	 do	 delito,	 de	 reinserção	 e	 de
“ressocialização”	 do	 condenado	 —	 são	 diuturnamente	 descumpridas.	 Ao
invés	 de	 desempenhar	 suas	 funções	 jurídicas	 declaradas,	 a	 pena	 de	 prisão
opera	 numa	 eficácia	 invertida,	 que,	 no	 lugar	 de	 reduzir	 a	 criminalidade,
incrementa-a,	 pois	 o	 contato	 com	 outros	 presos	 no	 cárcere	 propicia
oportunidades	para	mais	práticas	criminosas,	à	medida	que	consolida	valores
delitivos,	gerando	a	reincidência.
Desta	 forma,	 a	 seletividade	 das	 pessoas	 a	 serem	 encarceradas	 e	 a
impossibilidade	de	 cumprimento	dos	 fins	 prescritos	 pela	 lei	 incutem	à	pena
certa	dose	de	injustiça,	colocam	em	evidência	a	fragilidade	dos	fundamentos
do	modelo	punitivo	e	põem	em	xeque	a	sua	legitimidade	(SILVA	et	al,	2006,
p.	801	e	KARAM,	2004,	p.	93).
Seria	 impossível	 tratar	 de	 temas	 como	 pena	 e	 prisão	 sem	 perpassar	 pelos
aspectos	 filosóficos	 sobre	 o	 assunto,	 tendo	 em	 vista	 que	 o	 fundamento	 do
direito	 de	 punir,	 a	 natureza	 da	 pena,	 sua	 finalidade,	 o	 emprego	 da	 pena	 de
morte,	 por	 exemplo,	 a	 despeito	 do	 seu	 conteúdo	 marcadamente	 jurídico,
sempre	foram	objeto	de	reflexão	por	parte	dos	grandes	filósofos	da	história.
Este	assunto	é	tratado	na	primeira	parte	dotrabalho.
Compreender	 os	 fundamentos	 desta	 crise	 de	 legitimação	 do	 direito	 penal,
sejam	 fáticos,	 jurídicos,	 políticos	 ou	 filosóficos,	 pode	 auxiliar	 no
desenvolvimento	 de	 alternativas	 para	 se	 minimizar	 os	 efeitos	 negativos	 da
aplicação	 da	 pena	 e	 fazê-la	mais	 consentânea	 com	 os	 princípios	 do	 Estado
democrático	 de	 direito.	 Neste	 trabalho,	 referimo-nos	 especificamente	 à
alternativa	 representada	 pela	 justiça	 restaurativa	 cujo	 formato	 e	 benefícios
serão	evidenciados	na	segunda	parte	deste	estudo.
Em	resposta	à	crise	paradigmática	relatada,	a	justiça	restaurativa	se	apresenta
como	paradigma	alternativo	que	oferece	uma	resposta	ao	crime	inspirada	nos
valores	 transmodernos	 de	 convergência,	 humanização	 e	 “outridade”.	 Ela
reconhece	o	crime	como	um	conflito	humano	e	propõe	um	modelo	penal	mais
reparador	e	integrador.
A	justiça	restaurativa	promove	uma	intervenção	tridimensional	sobre	o	crime:
mediante	a	reparação	dos	danos	patrimoniais	e	emocionais	das	vítimas,	com	a
responsabilização	 e	 reintegração	 do	 ofensor	 e	 pela	 participação	 comunitária
no	processo.
Ela	o	faz	por	meio	de	um	processo	deliberativo	que	congrega	os	afetados	por
um	 delito	 na	 construção	 de	 respostas	 para	 o	 tratamento	 do	 delito	 (a
“jurisconstrução”,	 anunciada	 por	 Warat).	 Estas	 características	 da	 justiça
restaurativa	conferem	a	ela	componentes	democráticos	significativos,	como	a
participação	 e	 a	 deliberação,	 características	 que	 a	 diferenciam	 do	 sistema
ordinário	 de	 justiça,	 e	 que	 podem	 contribuir	 para	 suprir	 o	 seu	 déficit	 de
legitimidade,	fato	que	é	identificado	na	primeira	parte	deste	estudo.
A	teoria	política	contemporânea	(de	Schumpeter,	Robert	Dahl,	Joshua	Cohen
e	Charles	Sabel)	será	usada	a	para	enquadrar	a	justiça	restaurativa	e	o	sistema
de	justiça	criminal	em	modelos	democráticos	com	o	fito	de	avaliar	qual	deles
promoveria,	em	maior	grau,	os	valores	democráticos	fundamentais.
A	 filosofia	 e	 os	 conceitos	 teóricos	 de	 Jürgen	 Habermas	 (esfera	 pública	 de
deliberação,	agir	comunicativo	e	racionalidade	comunicativa),	de	Emmanuel
Lévinas	 (encontro	 face	 a	 face)	 e	 de	 Axel	 Honneth	 (reconhecimento
intersubjetivo	 recíproco)	 serão	 usados	 para	 se	 compreender	 a	 dinâmica
restaurativa	 e	 os	 seus	 fundamentos.	 Para	 tanto,	 será	 feita	 uma	 revisão
bibliográfica	 do	 referencial	 teórico	mencionado	 sem	o	propósito	 de	 abordar
todas	as	dimensões	da	teoria	completa	de	cada	um	deles.
Por	 ser	 um	 paradigma	 em	 construção	 e	 não	 possuir	 uma	 teoria	 própria,	 a
justiça	restaurativa	se	vale	do	conhecimento	das	escolas	criminológicas	que	a
antecederam	 para	 engendrar	 uma	 teoria	 de	 resposta	 ao	 crime,	 integrando
elementos	 de	 várias	 delas.	 Na	 terceira	 parte	 do	 trabalho,	 com	 auxílio	 do
método	 histórico,	 será	 percorrido,	 por	 meio	 de	 um	 estudo	 longitudinal,	 os
movimentos	criminológicos	que	mais	contribuem	para	a	sua	edificação.
Na	quarta	parte	deste	trabalho	será	avaliada	a	práxis	restaurativa	brasileira	por
meio	dos	 três	programas	pioneiros	de	 justiça	 restaurativa	 iniciados	em	2005
que	já	apresentam	alguns	resultados	nestes	nove	anos	de	atividade.	Optou-se
pelo	 corte	 metodológico	 para	 o	 exame	 de	 apenas	 estas	 três	 experiências
brasileiras	por	elas	possuírem	dados	consolidados	há	mais	tempo	e	por	serem
as	 incentivadoras	 das	 demais.	 Conhecer	 estes	 programas,	 ao	mesmo	 tempo
em	que	se	dissemina	a	informação	sobre	o	que	tem	sido	feito,	torna	possível
se	 identificar	 onde	 estão	 as	 principais	 lacunas	 e	 ausências	 visando	 ao	 seu
aperfeiçoamento.
Procurar-se-á	identificar	seus	méritos,	a	fim	de	testá-los	por	meio	de	hipóteses
junto	à	opinião	dos	usuários	do	sistema	de	justiça	por	meio	de	uma	pesquisa
exploratória	 de	 campo.	 As	 respostas	 quantitativas	 serão	 trabalhadas
estatisticamente,	a	fim	de	confirmar	ou	refutar	as	hipóteses	estabelecidas.
O	estudo	será	completado	qualitativamente	com	a	análise	comparativa	de	dois
casos	de	estupro	tratados	pela	justiça	restaurativa	—	um	no	Brasil	e	outro	no
exterior	—	a	fim	de	aprofundar	a	compreensão	da	dinâmica	e	dos	princípios
restaurativos.	Os	casos	 foram	selecionados	metodologicamente,	procurando-
se	 explorar	 a	maior	 quantidade	 de	 variáveis	 possíveis	 em	 cada	 um	 deles,	 a
despeito	das	diferenças	de	contexto	em	que	ocorreram.	Considerou-se	o	fato
de	se	tratarem	de	crimes	graves,	de	natureza	sexual,	cujas	vítimas	e	ofensores
possuíam	 a	 mesma	 idade	 na	 data	 dos	 fatos	 (treze	 e	 dezoito	 anos,
respectivamente)	 e	 eram	 conhecidos	 entre	 si	 (no	 primeiro	 caso,	 irmãos;	 no
segundo,	namorados).	Dessa	forma,	tornar-se-á	possível	a	sua	avaliação	com
profundidade	 e,	 ao	 mesmo	 tempo,	 a	 comparação	 para	 a	 extração	 de
conclusões	válidas.
A	 partir	 do	 estudo	 dos	 casos,	 será	 possível	 visualizar	 as	 similaridades	 e	 as
diferenças	 das	 intervenções	 restaurativas	 no	Brasil	 e	 no	 exterior,	 e	 também
perceber	 as	 vantagens	 que	 o	 tratamento	 restaurativo	 oferece.	 Afinal,	 tão
válido	 quanto	 o	 conhecimento	 teórico	—	 constituído	 a	 partir	 de	 conceitos
gerais,	efetuado	na	primeira	parte	da	pesquisa	—	é	o	conhecimento	indutivo,
obtido	a	partir	da	prática,	como	a	reflexão	ora	proposta.
A	 justiça	 restaurativa,	 em	 especial	 sob	 a	 forma	 de	mediação	 penal,	 já	 está
incorporada	e	em	vigor	no	ordenamento	jurídico	de	alguns	países	europeus	e
americanos,	 independentemente	 do	 sistema	 de	 direito	 adotado	 e	 está
integrando	ousados	projetos	de	modernização	da	justiça.
Na	 Espanha,	 por	 exemplo,	 mecanismos	 de	 justiça	 restaurativa	 estão	 em
andamento	em	mais	de	quarenta	tribunais.	No	Canadá,	o	Código	Penal	e	a	lei
menorista	 (“Youth	 Criminal	 Justice	 Act”	 —	 YCJA)	 foram	 alterados	 para
incluírem	princípios	restaurativos.	Na	Nova	Zelândia,	há	a	previsão	expressa
no	 “Sentencing	 Act”	 de	 2002	 da	 obrigação	 de	 juízes	 de	 condenação
considerarem	 os	 processos	 restaurativos	 como	 atenuantes	 da	 pena.	 Estes
estatutos	serão	analisados	na	terceira	parte	do	estudo,	todavia	sem	a	pretensão
de	 esgotar	 o	 seu	 exame	 ou	 de	 advogar	 a	 sua	 cópia	 para	 o	 ordenamento
jurídico	brasileiro,	em	respeito	às	especificidades	locais,	tão	valorizadas	pela
justiça	restaurativa.
Neste	processo,	destaca-se	também,	o	necessário	envolvimento	do	Ministério
Público	 em	 virtude	 da	 sua	 posição	 de	 titular	 da	 ação	 penal	 e	 da	 sua
conformação	constitucional	ampliada	pela	Constituição	Federal	de	1988	para
a	concretização	de	suas	promessas	de	cidadania.	Na	Alemanha	e	em	Portugal,
por	 exemplo,	 a	 remessa	 de	 um	 processo	 para	 o	 acordo	 restaurativo	 fica	 a
cargo	do	Ministério	Público.	Neste	último	país,	é	o	Ministério	Público	quem
designa	o	mediador	para	a	causa.	O	mediador	é	escolhido	dentre	vários	que
constam	de	uma	lista	de	profissionais	cadastrados	no	Ministério	da	Justiça.
No	México,	 em	2008,	procedeu-se	 a	uma	 reforma	constitucional	na	qual	 se
permitiu,	 entre	 outras	 medidas,	 a	 mediação	 penal	 no	 sistema	 de	 justiça
criminal.	 Esta	 reforma	 representou	 uma	 mudança	 paradigmática	 muito
significante,	porque	estatuiu,	em	sede	constitucional,	que	as	leis	devem	prever
meios	alternativos	de	resolução	de	disputas	inclusive	em	matéria	penal,	e	que
o	 Ministério	 Público	 pode	 considerar	 critérios	 de	 oportunidade	 para	 o
exercício	da	ação	penal.
Na	 Argentina,	 a	 mediação	 penal	 o	 ocorre	 no	 âmbito	 do	 próprio	Ministério
Público	(no	“Gabinete	de	Resolução	Alternativa	de	Litígios	Departamentais”
do	Ministério	Público).	A	ele	é	 textualmente	atribuída	a	responsabilidade	de
pacificar	 conflitos	 e	 buscar	 a	 reconciliação	 entre	 as	 partes,	 com	 respeito	 às
garantias	constitucionais	e	neutralizando	os	prejuízos	derivados	do	processo
penal.
No	 Brasil,	 por	 não	 haver	 uma	 legislação	 específica	 para	 regulamentá-la,	 a
prática	 restaurativa	vem	encontrando	o	 seu	caminho	em	espaços	 em	que	há
alguma	margem	legal	para	a	justiça	consensuada(como	nos	juizados	especiais
criminais	nos	quais	é	autorizada	uma	solução	conciliatória	para	o	crime)	ou
quando	o	 fato	não	 é	 tecnicamente	 considerado	crime	 (para	 atos	 infracionais
praticados	 por	 adolescentes,	 inimputáveis	 penalmente)	 e,	 por	 isso,	 não	 são
passíveis	tecnicamente	de	pena	ou	de	persecução	penal.
Entretanto,	para	se	desenvolver	e	ser	amplamente	adotada	no	Brasil,	a	justiça
restaurativa	 precisa	 oferecer	 respostas	 a	 dois	 questionamentos:	 como
compatibilizá-la	com	alguns	direitos	e	garantias	individuais	dos	acusados	(por
exemplo,	o	princípio	da	presunção	de	inocência	ou	da	não-culpabilidade),	 já
que	 ela	 tem	 como	 pressuposto	 o	 reconhecimento	 e	 a	 responsabilização	 do
ofensor	pela	prática	do	delito?	 e	Como	compatibilizá-la	 com	o	princípio	da
obrigatoriedade	 da	 ação	 penal	 pública	 pelo	 Ministério	 Público,	 quando
presentes	indícios	de	autoria	e	materialidade	do	crime?
Isso	 porque	 a	 participação	 do	 ofensor	 no	 acordo	 restaurativo	 demanda,	 em
primeiro	 lugar,	 o	 reconhecimento	 da	 sua	 responsabilidade	 pelo	 ato.	 O
problema	 jurídico	 que	 se	 instaura	 a	 este	 respeito	 é	 o	 de	 que	 esta	 exigência
pode,	aparentemente,	contrastar	com	a	garantia	da	presunção	de	inocência	ou
da	não-culpabilidade	do	acusado.
O	 princípio	 da	 obrigatoriedade	 da	 ação	 penal	 pública	 informa	 que	 o
Ministério	 Público	 está	 obrigado	 a	 oferecer	 a	 denúncia	 ao	 tomar
conhecimento	 de	 uma	 conduta	 típica	 e	 antijurídica.	 Assim,	 a	 atuação
ministerial	será	vinculada,	ou	seja,	ele	não	pode	optar	por	não	denunciar	em
tais	casos,	ainda	que	por	razões	de	política	criminal,	tendo	em	vista	a	natureza
indisponível	do	interesse	público.
Entretanto,	a	vigorar	esse	entendimento,	quase	não	haverá	espaço	de	consenso
para	as	partes	deliberarem	a	respeito	do	tratamento	para	as	consequências	do
crime,	o	que	impedirá	o	desenvolvimento	da	justiça	restaurativa	para	abarcar
crimes	 mais	 graves.	 Dessa	 forma,	 os	 programas	 de	 justiça	 restaurativa
continuarão	 restritos	 aos	 conflitos	 de	menor	 potencial	 ofensivo,	 no	 qual	 há
algum	 espaço	 legal	 reservado	 ao	 consenso	 das	 partes	 para	 a	 resolução	 do
conflito	 (nos	 crimes	 de	 ação	 penal	 privada	 ou	 pública	 condicionada	 à
representação	do	ofendido).
Portanto,	 viabilizar	 a	 aplicação	 da	 justiça	 restaurativa	 a	 crimes	mais	 graves
parece	 ser	 a	 saída	 para	 que	 ela	 possa	 ser	 útil	 para	 auxiliar	 no
desencarceramento	e	nas	mudanças	dos	números	e	da	realidade	prisional.
Estas	 são	questões	que	necessitam	 ser	 enfrentadas	—	e	o	 serão	no	decorrer
deste	 trabalho	—	 para	 que	 a	 justiça	 restaurativa	 tenha	 chance	 de	 florescer,
abrindo	 uma	 chance	 para	 que	 as	 partes	 envolvidas	 no	 conflito	 como
protagonistas	alcancem	o	consenso	e	decidam	a	melhor	forma	de	solucionar
os	seus	litígios.
PARTE	I
A	CRISE
DO	PARADIGMA
PUNITIVO
TUDO	O	QUE	É	SÓLIDO
DESMANCHA	NO	AR?
CAPÍTULO	I
O	SISTEMA	PENAL	POSTO	EM	QUESTÃO	CRISE	DE
LEGITIMIDADE	DA	PENA	DE	PRISÃO?
Na	primeira	parte	do	estudo,	analisam-se	os	sinais	de	esgotamento	do	sistema
penal	a	fim	de	compreender	o	contexto	fático	da	sua	crise	de	legitimação.
Os	 sintomas	 da	 debilidade	 deste	 sistema	 se	 manifestam	 na	 realidade	 das
prisões,	 nas	 quais	 ocorrem	 corriqueiras	 violações	 dos	 direitos	 fundamentais
dos	apenados,	o	que	evidencia	a	fragilidade	do	modelo	punitivo,	desafiando	a
sua	legitimidade	e	a	propositura	de	alternativas	a	ele.
O	conceito	habermasiano	de	 tensão	entre	 facticidade	e	validade	do	direito	é
utilizado	para	explicar	como	a	dissenção	entre	os	 fins	programados	da	pena
(prevenir	 e	 “ressocializar	 2	 ”)	 e	 a	 realidade	 fática	 do	 seu	 cumprimento
(reincidência	 e	 geração	 de	 carreiras	 criminosas	 a	 partir	 da	 prisão)	 afetam	 a
legitimidade	 do	 direito	 penal	 e	 do	 próprio	 sistema	 de	 justiça	 criminal,	 pois
fazem	com	que	se	questione	o	uso	da	força	e	do	poder	de	punir	pelo	Estado.
A	criminologia	crítica	é	empregada	para	demonstrar	esta	crise	de	legitimidade
e	de	eficiência	do	sistema,	visto	que	as	supostas	vantagens	anunciadas	por	ele
são	muito	 inferiores	aos	custos	arcados	pela	população	sem	que	se	dispense
aos	reclusos	um	tratamento	digno	(o	qual	está	bastante	distante	das	“Regras
Mínimas	da	ONU	para	o	Tratamento	de	Prisioneiros”),	conforme	constatou	a
CPI	do	sistema	carcerário.
Por	fim,	seria	impossível	 tratar	de	temas	como	pena	e	prisão,	sem	perpassar
pelos	aspectos	filosóficos	sobre	o	assunto,	tendo	em	vista	que	o	fundamento
do	direito	de	punir,	a	natureza	da	pena,	sua	finalidade,	o	emprego	da	pena	de
morte,	 por	 exemplo,	 a	 despeito	 do	 seu	 conteúdo	 marcadamente	 jurídico,
sempre	foram	objeto	de	reflexão	por	parte	dos	grandes	filósofos	da	história.
1.1	A	tensão	entre	facticidade	e	validade	no	direito:	
a	importância	do	reconhecimento	da	legitimidade	
da	lei	penal
Antes	 de	 abordar	 a	 crise	 do	 sistema	 penal	 propriamente	 dita,	 é	 preciso
demonstrar	 a	 importância	 do	 reconhecimento	 da	 sua	 legitimidade	 pelos
cidadãos.	 Isso	porque,	a	confiança	na	 lei	e	a	crença	na	sua	 legitimidade	são
pressupostos	de	primeira	ordem	para	o	 funcionamento	exitoso	do	sistema	e,
por	outro	lado,	a	deslegitimação	contínua	da	lei	penal	pode	contribuir	para	o
comprometimento	deste	modelo.
Habermas	 observa	 que,	 para	 existir	 socialmente,	 o	 direito	 deve	 satisfazer
simultaneamente	 a	 duas	 condições	 necessárias,	 ainda	 que	 aparentemente
contraditórias:	a	facticidade	e	a	validade.
O	direito	preenche	os	requisitos	da	facticidade,	ou	seja,	existe	como	um	fato
social	concreto,	à	medida	que	está	positivado	(incorporado	ao	mundo	jurídico
por	um	ato	legislativo)	e	por	ser	dotado	de	coerção	(que	lhe	confere	eficácia).
Essas	 características	 —	 positividade	 e	 coerção	 —	 tornam-no	 apto	 a	 ser
conhecido	e	obedecido	pelos	cidadãos	(COELHO,	2013d,	p.	1).
Além	da	 facticidade,	há	a	necessidade	de	se	conferir	validade	ao	direito,	no
sentido	 de	 que	 seja	 reconhecido	 como	 “valioso”	 pelos	 cidadãos.	 Sobre	 a
importância	do	atributo	da	validade,	assevera	Habermas	(1997a,	p.	9):
o	modo	de	operar	de	um	sistema	político,	constituído	pelo	Estado	de	direito,	não	pode	ser
descrito	adequadamente,	nem	mesmo	em	nível	empírico,	quando	não	se	leva	em	conta	a
dimensão	de	validade	do	direito	e	a	força	legitimadora	da	gênese	democrática	do	direito.
Para	 o	 reconhecimento	 da	 sua	 validade,	 o	 direito	 precisa	 preencher	 duas
condições:	 proteger	 a	 liberdade	 e	 possuir	 legitimidade.	 Na	medida	 em	 que
protege	as	liberdades	individuais,	o	direito	é	considerado	caro	aos	cidadãos.	O
seu	 reconhecimento	 como	 legítimo	 faz	 com	 que	 o	 direito	 obtenha	 adesão
racional	por	parte	dos	indivíduos	(COELHO	2013d,	p.	1).
Consoante	 Habermas,	 as	 duas	 características	 do	 direito	 —	 facticidade	 e	 a
validade	—	 são	 complementares	 e	 essenciais,	 a	 despeito	 de	 se	 encontrarem
em	 constante	 tensão.	 Assim,	 a	 liberdade	 (condição	 de	 validade)	 limita	 a
coerção	 estatal	 (condição	 de	 facticidade),	 mas	 ao	 mesmo	 tempo	 a	 torna
aceitável.	 Já	 a	 coerção	 limita	 a	 liberdade,	 mas,	 por	 outro	 lado,	 a	 torna-a
possível.	Nas	palavras	de	Habermas	(1997a,	p.	49),	“as	normas	do	direito	são,
ao	 mesmo	 tempo	 e	 sob	 aspectos	 diferentes,	 leis	 da	 coerção	 e	 leis	 da
liberdade.”
O	mesmo	se	passa	com	a	positividade	e	a	legitimidade.	Para	Habermas,	não
basta	que	as	normas	tenham	sido	positivadas	para	terem	validade,	pois	o	fato
de	 estarem	 positivadas	 quer	 dizer	 que	 elas	 existirem,	 no	 entanto	 podem	 ter
sido	 impostas,	 por	 exemplo,	 o	 que	 não	 as	 justificaria	 do	 ponto	 de	 vista	 da
legitimidade:
Só	 vale	 como	 direito	 aquilo	 que	 obtém	 força	 de	 direito	 através	 de	 procedimentos
juridicamente	 válidos	 —	 e	 que	 provisoriamente	 mantém	 força	 de	 direito,	 apesar	 da
possibilidade	de	derrogação,	dada	no	direito.	Porém,	o	sentido	desta	validade	do	direito
somente	 se	 explica	 através	 da	 referencia	 simultânea	 à	 sua	 validadesocial	 ou	 fática
(Geltung)	e	à	sua	validade	ou	legitimidade	(Gültigkeit)	(HABERMAS,	1997a,	p.	50).
No	mesmo	 sentido,	 o	magistério	 de	 José	Rossini	Campos	 do	Couto	Corrêa
(2011,	 p.	 175)	 salienta	 que	 existência	 e	 legitimidade	 são	 coisas	 distintas,
sendo	que	esta	seria	fruto	do	procedimento,	como	defende	Habermas:
Não	nasceu	o	Homem	para	o	Estado,	nasceu	o	Estado	para	o	Homem.	E	mais:	ninguém
autorizou	o	Estado,	em	seu	nascedouro,	a	retirar	a	Vida	do	Homem.	E	ainda:	a	simples
existência	do	Estado	e	do	Direito	a	ambos	não	legitima.	O	consentimento	é	consequência
do	procedimento.
Observa	André	 Coelho	 (2013d,	 p.	 1)	 que,	 sem	 legitimidade,	 a	 positividade
consistiria	em	atos	de	decisão	que	não	teriam	por	que	serem	obedecidos.	Por
outro	lado,	sem	positividade,	a	legitimidade	é	impossível:
A	positividade	implica	possibilidade	de	tornar	qualquer	conteúdo	em	direito,	ao	passo	que
a	 legitimidade	 obriga	 a	 que	 apenas	 certos	 conteúdos	 possam	 ser	 tornados	 direito.	 No
plano	 conceitual,	 novamente,	 ambos	 são	 opostos.	 Contudo,	 sem	 legitimidade,	 a
positividade	 consistiria	 em	 atos	 de	 decisão	 que	 não	 teriam	 por	 que	 ser	 obedecidos,
enquanto,	sem	positividade,	os	conteúdos	que	merecem	ser	obedecidos	não	teriam	atos	de
decisão	 com	 os	 quais	 se	 tornarem	 obrigatórios.	 Novamente,	 sem	 positividade,	 a
legitimidade	é	impossível,	mas,	sem	legitimidade,	a	positividade	é	inaceitável	(COELHO,
2013d,	p.	1).
Consoante	Habermas	(1997a,	p.	12),	a	 legitimidade	do	Estado	mede-se	pelo
seu	reconhecimento	por	parte	dos	que	estão	submetidos	à	sua	autoridade.	A
legitimidade	 é	 condição	 direta	 de	 validade,	 que	 faz	 com	 que	 o	 direito	 seja
reconhecido	como	merecedor	de	obediência	(COELHO,	2013d,	p.	1).	Sobre	a
importância	da	legitimidade,	assevera	Habermas:
A	aceitação	da	ordem	jurídica	é	distinta	da	aceitabilidade	dos	argumentos	sobre	os	quais
ela	 apoia	 a	 sua	 pretensão	 de	 legitimidade	 […].	 Os	membros	 do	 direito	 têm	 que	 poder
supor	 que	 eles	 mesmos,	 numa	 formação	 livre	 da	 opinião	 e	 da	 vontade	 política,
autorizariam	as	regras	às	quais	eles	estão	submetidos	como	destinatários	[…].	O	direito
extrai	a	sua	força	muito	mais	da	aliança	que	a	positividade	do	direito	estabelece	com	a
pretensão	à	legitimidade	(HABERMAS,	1997a,	p.	59-60).
Assim,	 por	 causa	 da	 dependência	 recíproca	 entre	 facticidade	 e	 validade,	 o
direito	 (especialmente	 o	 direito	 penal)	 deve	 satisfazer,	 ao	 mesmo	 tempo,	 a
ambas	condições.	Por	conseguinte,	é	necessária	uma	constante	renovação	do
direito	 para	 que	 possa	 gerir	 seus	 eventuais	 déficits	 que,	 no	momento,	 é	 de
legitimidade,	 consoante	 identificaram	os	 criminólogos	 críticos,	 na	discussão
feita	a	seguir.
1.2	O	déficit	de	legitimidade	da	lei	penal
Na	opinião	da	criminologia	crítica	—	que	muito	contribuiu	para	uma	análise
questionadora	do	direito	penal	e	seus	fundamentos	—,	o	paradigma	punitivo
atual	encontra-se	esgotado	não	só	na	sua	eficácia	prática,	mas	também	na	sua
legitimidade	 moral	 (quanto	 ao	 direito	 de	 punir)	 e	 política	 (no	 tocante	 à
definição	 dos	 eventos	 classificados	 como	delitos).	 Segundo	 os	 críticos,	 este
modelo	lastreia-se	em	pressupostos	tradicionais	bastante	contestáveis,	como	o
de	que	há	pessoas	más,	merecedoras	da	pena	de	prisão.	Isso	ocorre	em	razão
de	uma	norma	oriunda	do	consenso	coletivo,	ou	seja,	a	lei	penal.
Quanto	à	 legitimidade	do	direito	de	punir,	 temos	que	a	aplicação	puramente
do	castigo	e	da	punição	sobre	o	condenado	é	oriunda	da	tradição	que	confere
autoridade	religiosa	e	moral	ao	soberano.	Considera	Warat	(2001,	p.	170)	que
o	 direito	moderno	 ostentou	 esta	 autoridade,	 legislando	 os	 significados	 e	 os
padrões	de	justiça	em	nome	de	uma	suposta	ordem	racional	plena.
Habermas	 (1997b,	 p.	 23)	 critica	 esta	 visão,	 asseverando	 que	 o	 conceito	 de
soberania,	 segundo	 o	 qual	 o	 Estado	 monopoliza	 os	 meios	 da	 aplicação
legítima	da	força,	traz	em	si	uma	ideia	absolutista	de	concentração	de	poder,
capaz	 de	 sobrepujar	 todos	 os	 demais	 poderes	 deste	 mundo”.	 Consoante	 o
autor,	o	ideal	é	uma	visão	procedimentalista	de	exercício	do	poder	que	remete
à	 ideia	 de	 soberania	 do	 povo	 e	 “chama	 a	 atenção	 para	 condições	 sociais
marginais,	 as	 quais	 possibilitam	 a	 auto-organização	 de	 uma	 comunidade
jurídica”	(HABERMAS,	1997b,	p.	25).
Aduz	 Beristain	 (2000,	 p.	 59)	 que	 “passamos	 da	 cultura	 mágica	 à	 cultura
mítica	 e	 depois	 ao	 homem	 racional,	 onde	 permanecemos	 estancados,
ancorados,	 há	 muitos	 séculos”.	 O	 atual	 paradigma	 punitivo,	 afirma	 o
professor	 espanhol	 (2000,	 p.	 176),	 “padece	 de	múltiplos	 anacronismos	 que
devem	 ser	 rejeitados,	 como	 o	 seu	 crasso	 maniqueísmo,	 sua	 excessiva
abstração	 filosófica,	 seu	 casamento	 com	 a	 moral	 religiosa,	 seu	 falso
pressuposto	 de	 que	 toda	 a	 sociedade	 está	 de	 acordo	 com	 o	 Estado,	 com	 a
classe	dominante,	 etc.	Esquece	a	diversidade	de	cosmovisões	que	convivem
na	sociedade	e	merecem	seu	amplo	respeito”.
No	 tocante	 ao	 segundo	 tipo	 de	 legitimidade	 (da	 criminalização	 ou	 da
definição	dos	 eventos	 classificados	 como	delitos),	 a	 lei	 penal	declara	 certos
tipos	de	conduta	como	erradas	e	exige	que	todos	os	cidadãos	acatem	os	seus
decretos.	Entretanto,	 tal	 legitimidade	 tem	sido	contestada	em	face	não	só	da
ausência	de	um	consenso	sobre	os	valores	por	ela	afirmados,	mas	porque	suas
determinações	 geralmente	 revelam	 a	 imposição	 de	 princípios	 próprios	 de
cidadãos	mais	favorecidos	socialmente	ou	exercentes	de	algum	poder	3	.
Neste	sentido,	assevera	Ferrajoli	(2010,	p.	18)	que	o	direito	penal	constituiria,
em	verdade,	uma	 técnica	de	controle	social,	conforme	várias	orientações	—
autoritárias,	 idealistas,	 ético-estatais,	 positivistas,	 irracionais,	 espirituais,
correcionais	ou	também	puramente	tecnicistas	e	pragmáticas	—	que	formam
o	fundo	filosófico	da	cultura	penal	dominante	4	.
Maria	Lúcia	Karam	(2004,	p	73)	5	argumenta	que
crimes	 são	 meras	 criações	 da	 lei	 penal,	 através	 da	 seleção	 de	 determinadas	 condutas
conflituosas	 ou	 socialmente	 negativas,	 que,	 por	 intervenção	 da	 lei	 penal,	 recebem	 esta
denominação.	O	que	é	crime	em	um	determinado	lugar,	pode	não	ser	em	outro;	o	que	hoje
é	crime,	amanhã	poderá	não	ser.
Quanto	 a	 este	 aspecto	—	de	 que	 o	 que	 é	 crime	 em	 lugar	 pode	 não	 ser	 em
outro	-	é	exemplar	a	descriminalização	do	uso	de	drogas	para	uso	recreativo,
recentemente	 admitida	 nos	 estados	 americanos	 de	Washington	 e	 Colorado,
num	país	conhecido	por	estar	há	mais	de	quarenta	anos	em	“guerra	contra	as
drogas”.
1.3	O	uso	político	da	sanção	penal	para	excluir:	
uma	visão	agnóstica	da	pena
Para	a	criminologia	crítica,	o	discurso	jurídico	define	o	crime	como	realidade
ontológica	 pré-constituída	 e	 apresenta	 o	 sistema	 de	 justiça	 criminal	 6	 como
instituição	neutra,	que	realiza	uma	atividade	imparcial.	Mas,	em	verdade,	de
acordo	 com	 esta	 escola,	 há	 uma	 criminalização	 desigual	 dos	 fatos	 (uso
político	da	 sanção	penal)	 se	concentrando	nas	drogas	e	na	área	patrimonial,
por	exemplo,	 e	não	nos	crimes	contra	a	economia,	 a	ordem	 tributária,	meio
ambiente	etc.	7
O	 sistema	 de	 justiça,	 por	 seu	 turno,	 funcionaria	 como	 instituição	 que
transforma	o	cidadão	em	“criminoso”,	segundo	o	alvedrio	dos	operadores	do
direito,	 “repletos	 de	 preconceitos,	 estereótipos,	 traumas	 e	 outras
idiossincrasias	pessoais”	(CIRINO	DOS	SANTOS,	2013b,	p.	2).	Ele	serviria,
antes	 de	 tudo,	 para	 diferenciar	 e	 administrar	 os	 conflitos	 existentes	 na
sociedade,	 taxando-os	 de	 “criminosos”	 (BARATTA,	 1987,	 p.	 628).	 Em
perspectiva	idêntica,	acrescenta	Louk	Hulsman	(2003,	p.	195):
somos	 inclinados	 a	 considerar	 “eventos	 criminais”	 como	 eventos	 excepcionais	 que
diferem	de	forma	importante	de	outros	eventos	que	não	são	definidos	como	criminais	[…].
Criminosos	 seriam	—	 nesta	 visão	—	 uma	 categoria	 especial	 de	 pessoas,	 e	 a	 natureza
excepcional	 da	 condutacriminal	 e/ou	 do	 criminoso	 justificam	 a	 natureza	 especial	 da
reação	contra	eles.
Ainda	 acerca	 da	 incoerência	 e	 do	 uso	 político	 da	 sanção	 penal,	Alessandro
Baratta	 (1987,	 p.	 19)	 define	 o	 sistema	 criminal	 como	 um	 “aglomerado
arbitrário	de	objetos	heterogêneos”	(comportamentos	puníveis),	que	não	têm
em	comum	outro	elemento	senão	o	de	estarem	sujeitos	a	respostas	punitivas,
em	 razão	 de	 uma	 definição	 completamente	 artificial,	 resultante	 de	 uma
decisão	 humana	 modificável.	 A	 fronteira	 entre	 o	 crime	 e	 outras	 ações
prejudiciais	ao	homem	é	artificial	e	está	constantemente	sujeita	a	mudanças.
Afinal,	os	crimes	não	são	atitudes	necessariamente	diferentes	de	outras	ações
pelas	quais	as	pessoas	prejudicam	as	outras.
Louk	Hulsman	(1993,	p.	64)	exemplifica	a	afirmativa	do	colega	italiano:	“um
belo	 dia,	 o	 poder	 político	 para	 de	 caçar	 as	 bruxas	 e	 aí	 não	 existem	 mais
bruxas.	(…).	É	a	lei	que	diz	onde	está	o	crime;	é	a	lei	que	cria	o	‘criminoso’”.
Nessa	mesma	esteira,	Alessandro	Baratta	questiona:
O	 que	 mais	 teriam	 em	 comum	 “delitos”	 tão	 diferentes	 entre	 si,	 como,	 por	 exemplo,	 o
aborto	e	o	funcionamento	ilegal	das	instituições	do	Estado,	a	injúria	entre	particulares	e	a
grande	criminalidade	organizada,	os	pequenos	furtos	e	as	grandes	 infrações	ecológicas,
as	calúnias	e	os	atentados	contra	a	saúde	no	trabalho	industrial,	além	do	fato	de	estarem
sujeitos	a	uma	resposta	punitiva?	Como	se	pode	aceitar	a	pretensão	de	um	sistema,	como
o	 penal,	 de	 responder,	 com	 os	 mesmos	 instrumentos	 e	 os	 mesmos	 procedimentos,	 a
conflitos	de	tão	vasta	heterogeneidade?	8	(BARATTA,	1987,	p.	642).
A	constatação	de	diferentes	condutas	a	serem	punidas	com	o	mesmo	remédio
—	a	pena	—	refuta,	portanto,	a	natureza	ontológica	do	crime	ou	do	ofensor.
Assim,	a	 seleção	de	condutas	 como	criminosas	encontraria	muito	mais	uma
justificativa	política	do	que	orgânica,	uma	manifestação	de	poder	do	Estado.
Nas	palavras	de	Maria	Lúcia	Karam	(2004,	p.	82),	“a	pena,	na	realidade,	só	se
explica	—	e	só	pode	se	explicar	—	em	sua	função	simbólica	de	manifestação
de	 poder	 e	 em	 sua	 finalidade	 não	 explicitada	 de	manutenção	 e	 reprodução
deste	 poder”.	 A	 mesma	 lógica	 é	 identificada	 por	 Louk	 Hulsman	 (2003,	 p.
191),	que	não	considera	“a	justiça	criminal	como	um	sistema	que	distribui	a
punição,	 mas	 como	 um	 sistema	 que	 usa	 a	 linguagem	 da	 punição	 de	 uma
maneira	que	esconde	os	 reais	processos	que	acontecem	e	gera	apoio	através
da	 apresentação	 incorreta	 destes	 processos	 como	 semelhantes	 a	 processos
conhecidos	e	aceitos	pelo	público”.
Os	valores	dignos	de	proteção	—	assim	escolhidos	por	quem	tem	o	poder	para
tanto	—	são	refletidos	não	só	na	definição	dos	tipos	penais,	como	na	realidade
carcerária	e	nas	propostas	de	política	criminal	e	atuação	legislativa	brasileira.
Conforme	Fabiana	Costa	Barreto	9	(SENADO	FEDERAL,	2013b,	p.	1),	apenas
nove	 tipos	 de	 crimes,	 na	 maioria	 patrimoniais,	 são	 responsáveis	 por
praticamente	 80%	 da	 população	 carcerária	 atual	 do	 país,	 entre	 eles:	 roubo
(simples	e	qualificado),	tráfico	de	entorpecentes,	furto	etc.	10
A	elaboração	do	projeto	de	reforma	do	Código	Penal	também	é	exemplo	desta
seleção.	 Na	 proposta,	 foram	 descriminalizadas	 condutas	 geralmente
perpetráveis	 pelas	 categorias	 privilegiadas,	 tais	 como	 a	 violação	 de	 direito
autoral	(quando	se	tratar	de	cópia	de	obra,	som	ou	vídeo	de	um	só	exemplar,
para	uso	privado);	a	eutanásia	e	o	aborto	no	caso	de	feto	anencéfalo	11	.	Houve,
além	disso,	um	endurecimento	da	lei	com	relação	aos	crimes	praticados	mais
comumente	pela	população,	como	 jogos	de	azar	 (transformando	em	crime	a
atual	 contravenção	 penal	 do	 “jogo	 do	 bicho”);	 crimes	 contra	 a	 honra	 (que
tiveram	 a	 sua	 pena	 máxima	 dobrada)	 e	 a	 criminalização	 da	 violação	 de
comunicação	 eletrônica	 ou	 intrusão	 informática	 (inspirada	 pela	 divulgação
não	 autorizada	 de	 fotos	 de	 uma	 famosa	 atriz	 televisiva).	 Dificultou-se,
também,	 a	 progressão	 de	 pena	 em	 casos	 com	 violência	 e	 grave	 ameaça	 ou
lesão	social,	como	no	caso	dos	constantes	“arrastões”	em	restaurantes	de	São
Paulo,	 que	 fez	 com	 que	 o	 movimento	 nos	 estabelecimentos	 diminuísse,
motivando	as	alterações,	segundo	declarou	o	relator	da	comissão	12	.
Edson	 Passetti	 13	 identifica	 certa	 seletividade	 em	 relação	 aos	 crimes
patrimoniais,	 asseverando	 que	 ela	 “dimensiona	 os	 privilégios,	 segrega	 os
demais	como	perigosos	e	os	associa	[os	crimes]	aos	mais	pobres”	 (2004,	p.
26).	Desse	modo,	a	igualdade	perante	a	lei	e	a	segurança	jurídica	do	cidadão
vulnerável	“desmoronam	diante	de	sua	clientela	restrita	a	um	limitado	número
de	violadores	 da	 lei	 penal”	 (KARAM,	2004,	 p.	 93).	Consoante	 essa	 autora,
uma	intervenção	assim	seleta	é,	por	isso	mesmo,	injusta,	pois	faz	com	que	a
reação	 punitiva	 se	 dirija,	 necessária	 e	 prioritariamente,	 aos	 membros	 das
classes	 subalternas,	hipossuficientes	 e	 alijados	de	poder	 (KARAM,	2004,	p.
93)	14	.
Esta	seletividade	não	é	só	 injusta	como	também	compromete	a	 legitimidade
do	 direito	 penal,	 construído	 para	 escudar	 o	 oposto	 desta	 realidade,	 ou	 seja,
protege	os	mais	fracos	contra	os	mais	fortes.	A	esse	respeito,	observa	Tatiana
Viggiani	Bicudo:
Entendemos	que	um	direito	penal	legítimo	é	aquele	que	representa	um	limite	máximo	ao
poder	puntivo	do	Estado.	Dito	em	outras	palavras,	 é	o	Direito	que	se	estrutura	como	a
garantia	dos	mais	fracos	contra	os	mais	fortes,	quer	seja	o	mais	forte	representado	pelos
poderes	públicos	quer	seja	pelos	particulares	(BICUDO,	2010,	p.	184).
O	 desenvolvimento	 deste	 modelo	 penalizador	 resultou	 na	 criação	 de	 uma
sociedade	de	controle	e	reclusão	caracterizada	pelo	encarceramento	em	massa
de	pessoas	socialmente	excluídas	devido	à	criação	de	um	complexo	prisional-
industrial	 composto	 por	 uma	 rede	 de	 funcionários	 e	 entidades	 (públicas	 e
privadas)	que	sobrevivem	por	força	da	acusação,	do	policiamento,	da	punição
e	da	continuidade	do	castigo	sob	forma	diversa	(estimagizadora),	mesmo	após
o	término	do	cumprimento	da	pena	(ANIYAR	DE	CASTRO,	1983,	p.	189).
A	esse	 respeito,	 observa	Alessandro	Baratta	 (2002,	 p.	 186)	que	 a	 sociedade
era	quem	necessitaria	de	reforma:
A	 verdadeira	 reeducação	 deveria	 começar	 pela	 sociedade,	 antes	 que	 pelo	 condenado:
antes	 de	 querer	 modificar	 os	 excluídos,	 é	 preciso	 modificar	 a	 sociedade	 excludente,
atingindo	assim,	a	raiz	do	mecanismo	de	exclusão.
Sobre	 uma	 eventual	 imposição	 da	 pena	 a	 um	 ou	 outro	membro	 das	 classes
dominantes	ou	a	algum	condenado	“enriquecido”,	Maria	Lúcia	Karam	(2004,
p.	 94)	 considera	 que	 tal	 fato	 serviria	 tão-somente	 para	 legitimar	 o	 sistema
penal	 e	 melhor	 ocultar	 o	 seu	 papel	 de	 dominação.	 Neste	 mesmo	 diapasão,
Boaventura	 de	 Sousa	 Santos	 (1996,	 p.	 33)	 considera	 que	 o	 combate	 à
corrupção	 é	 apenas	 pontual	 e	 não	 sistêmico.	O	 combate	 tópico	 à	 corrupção
consiste	 na	 sua	 repressão	 seletiva,	 incidindo	 sobre	 alguns	 casos	 eleitos	 por
razões	de	política	judiciária.
A	 sua	 investigação	 é	 particularmente	 fácil;	 porque	 contra	 eles	 há	 uma	 opinião	 forte	 a
qual,	se	defraudada	pela	ausência	de	repressão,	aprofunda	a	distância	entre	os	cidadãos	e
a	 administração	 da	 justiça;	 porque,	 sendo	 exemplares,	 têm	 um	 elevado	 potencial	 de
prevenção;	porque	a	sua	repressão	tem	baixos	custos	políticos	15	(SOUSA	SANTOS,	1996,
p.	33).
Dessa	 forma,	 consoante	 o	 autor,	 um	 ou	 outro	 caso	 de	 repercussão	 seria
selecionado	para	fins	de	repressão	exemplar	com	o	fim	único	de	transmitr	a
ideia	de	que	também	se	realiza	o	combate	à	“grande	criminalidade”.
Ferrajoli	 (2010,	p.	196)	salienta	outro	aspecto	relacionado	à	 legitimidade	da
lei	 penal:	 o	 seu	 custo.	 O	 autor	 não	 se	 refere	 apenas	 ao	 “custo	 da	 justiça”
propriamente	 dito,	 mas	 também	 ao	 “custo	 das	 injustiças”	 inerentes	 ao
funcionamento	 concreto	 de	 um	 sistema	 penal.	 Issoocorre	 porque,	 embora
todos	 estejam	 sujeitos	 às	 leis	 penais,	 nem	 todos	 “criminosos”	 se	 veem
submetidos	ao	processo	e	à	pena.	Muitos	culpados	subtraem-se	ao	julgamento
e	à	condenação	(“cifra	da	ineficiência”)	ou,	sendo	inocentes,	são	obrigados	a
suportar	um	julgamento,	o	cárcere	e	o	erro	judiciário	em	razão	da	inevitável
falibilidade	 do	 sistema	 penal	 (“cifra	 da	 injustiça”	 16	 ).	 Ambas	 as	 cifras	 são
facetas	do	“custo	da	injustiça”,	identificado	por	Ferrajoli.
Para	 o	 professor	 florentino,	 ambas	 as	 cifras	 geram	 complicações,
normalmente	 ignoradas	 quando	 se	 trata	 da	 justificação	 da	 pena	 e	 do	 direito
penal.	 Se	 os	 custos	 da	 ineficiência	 são	 geralmente	 tolerados	 com	 base	 em
doutrinas	 e	 ideologias	 de	 justiça,	 os	 custos	 da	 injustiça	 (impostos	 aos
inocentes),	na	sua	opinião,	são	injustificáveis	(FERRAJOLI,	2010,	p.	196).
Em	suma,	por	todos	os	motivos	elencados	é	que	os	chamados	“abolicionistas”
—	 como	 Juarez	 Cirino	 dos	 Santos	 e	 Eugenio	 Raúl	 Zaffaroni	 —	 não
reconhecem	a	legitimidade	ou	a	justificação	do	direito	penal.	Louk	Hulsman
(2003,	 p.	 198)	 acrescenta	 que	 “a	 justiça	 criminal	 não	 é	 “natural”	 e	 sua
“construção”	não	pode	ser	legitimada.	(…)	a	linguagem	prevalecente	sobre	a
justiça	criminal	tem	de	ser	desconstruída	e	a	justiça	criminal	aparecerá	como
um	problema	público	em	vez	de	uma	solução	para	problemas	públicos”.
Os	críticos	abolicionistas	defendem	a	supressão	do	direito	penal,	por	sua	total
ausência	 de	 fundamento	 ético-político	 e	 transferem	 ao	 Estado	 o	 ônus	 de
justificar	 suficientemente	 a	 utilização	 da	 pena,	 este	 “poderoso	 recurso	 de
coação	de	que	ele	dispõe	para	limitar	os	direitos	individuais	com	o	propósito
de	 assegurar	 a	 convivência	 pacífica”	 (ZAFFARONI;	 OLIVEIRA,	 2010,	 p.
471).	 Adiantam,	 outrossim,	 ser	 impossível	 essa	 justificativa,	 já	 que	 as
supostas	vantagens	do	sistema	criminal	são	inferiores	aos	seus	custos	(como
os	de	limitação	da	liberdade	de	ação	para	a	população	em	geral,	de	sujeição	a
um	processo	por	aqueles	tidos	como	suspeitos	e	de	punição	dos	condenados)
(FERRAJOLI,	2010,	p.	196).
Os	 abolicionistas	 acusam	 o	 sistema	 de	 justiça	 criminal	 ter	 se	 tornado	 um
arranjo	 de	 extremos,	 variando	 entre	 “prisões	 infamantes”	 e	 a	 “liberdade
condicional	 ineficaz”,	 sem	 abrir	 a	 possibilidade	 de	 outra	 resposta	 mais
eficiente	e	particularizada	aos	conflitos.	Usando	uma	analogia	médica,	Jerome
Miller	(1989,	p.	1)	17	diz	que:
seria	 como	pedir	 a	 um	médico	 uma	 solução	 para	 o	 alívio	 da	 dor	 de	 cabeça,	 sendo-lhe
informado	que	há	apenas	dois	tratamentos:	uma	aspirina	ou	uma	lobotomia.	Ou	então	ir
ao	médico	com	um	braço	quebrado	ou	com	uma	apendicite	aguda	e	ele	 lhe	oferecer	os
mesmos	dois	tratamentos	disponíveis:	uma	aspirina	ou	uma	lobotomia.
Esta	excrescência	 resulta	do	 fato	de	que,	como	qualquer	outra	doença	 física
ou	social,	o	comportamento	criminoso	não	é	unitário.	Da	mesma	forma	que	a
enfermidade,	 se	 as	 opções	 de	 tratamento	 são	 limitadas,	 a	 probabilidade	 de
sucesso	também	será.	A	conclusão	é	que	as	chances	terapêuticas	do	ofensor	18
são	tão	maiores	quanto	mais	opções	existirem.
No	mesmo	sentido,	acrescenta	Maíra	Rocha	Machado	(2012,	p.	1):
Não	há	dúvida	de	que	o	baixíssimo	grau	de	criatividade	para	se	pensar	sanções	que	sejam
adequadas	 e	 eficientes	 para	 lidar	 com	 as	 mais	 diversas	 modalidades	 de	 crimes	 são	 as
causas	da	obsolescência	do	sistema	penal.	Nos	crimes	que	lesionam	o	patrimônio	público,
causa	estranheza	que	o	foco	seja	a	prisão	e	não	a	recuperação	do	patrimônio	público	ou	o
aperfeiçoamento	de	mecanismos	de	controle	e	transparência	para	que	tais	práticas	sejam
evitadas.
Além	 de	 tornar	 o	 sistema	 ineficiente,	 esse	 cenário	 contribui	 para	 a
superlotação	 das	 prisões	 brasileiras.	 Temos	 quase	 meio	 milhão	 de	 pessoas
presas	e	somos	—	em	um	ranking	pouco	louvável	—	o	quarto	país	que	mais
encarcera	no	mundo	(perdendo	para	EUA,	China	e	Rússia).
Neste	ponto,	a	justiça	restaurativa	tem	muito	a	oferecer,	como	soluções	mais
apropriadas,	 reparadoras,	 criativas,	 estabelecidas	 pelas	 próprias	 partes.	Num
acordo	 restaurativo,	 as	 soluções	 são	 lastreadas	 na	 diversidade,	 com	 alta
sensibilidade	 para	 as	 condições	 locais	 e	 pessoais	 da	 ofensa	 e	 de	 suas
circunstâncias.	 Uma	 vez	 cada	 conflito	 é	 único,	 sentenças	 padronizadas	 não
seriam	adequadas	para	sua	solução,	embora	situações	semelhantes	anteriores
possam	servir	como	base	para	a	construção	de	uma	resposta.
Neste	diapasão	entre	minimalismo	ou	abolicionismo	do	direito	penal,	a	justiça
restaurativa,	 segundo	a	classificação	de	Luigi	Ferrajoli	 (2010,	p.	196),	pode
ser	 tida	 como	 uma	 doutrina	minimalista,	 reformadora	 do	 sistema	 penal,	 na
medida	 em	 que	 preceitua	 a	 redução	 da	 esfera	 de	 intervenção	 penal,	 ou,	 na
mais	ousada	das	suas	versões,	a	abolição	especifica	da	pena	de	reclusão	em
favor	de	sanções	penais	menos	aflitivas.
De	 todo	 modo,	 em	 quaisquer	 destas	 vertentes,	 a	 justiça	 restaurativa	 pode
auxiliar	 numa	 resposta	 à	 crise	de	 legitimidade	do	poder	punitivo	 estatal	 em
três	aspectos:	diminuindo	a	violência	estatal	representada	pela	pena	(mediante
a	apresentação	de	alternativas	para	reparação,	que	não	as	penas	excessivas	e
inutilmente	aflitivas)	19	;	minimizando	o	impacto	da	seletividade	das	condutas
criminosas	(visto	que	confere	voz	e	poder	decisório	aos	excluídos,	dando-lhes
substancial	 acesso	 à	 justiça)	 e	 mitigando	 (ou	 eliminando)	 os	 “custos	 das
injustiças”,	na	expressão	de	Ferrajoli,	uma	vez	que	o	acordo	restaurativo,	com
suas	 implicações,	 somente	 é	 firmado	 se	 contar	 com	 a	 voluntariedade	 e	 o
consenso	do	autor	do	fato.
Destarte,	 a	 justiça	 restaurativa	 apresenta	 o	 potencial	 de	 aplacar	 a
“brutalidade”	 do	 sistema	 penal,	 tal	 como	 referido	 por	 Juarez	 Cirino	 dos
Santos,	 na	 medida	 em	 que	 oportuniza	 ao	 ofensor	 ser,	 de	 fato,	 escutado;
dispensa	tratamento	não	só	respeitoso,	mas	também	digno	e	humano	durante
o	 procedimento.	 A	 justiça	 restaurativa	 também	 possui	 mecanismos	 que
garantem	 que	 as	 obrigações	 constantes	 no	 acordo	 restaurativo	 não	 sejam
desmedidas	e	injustas,	já	que	necessitam	do	assentimento	do	ofensor,	do	seu
advogado	 (se	 for	 o	 caso)	 e	 do	 Ministério	 Público	 e	 do	 juiz	 (GARCÍA-
PABLOS	DE	MOLINA;	GOMES,	2012,	p.	367).
A	justiça	restaurativa	oferece,	ainda,	novas	propostas	finalísticas	para	a	pena,
como	a	de	reparação	e	de	comunicação	ao	ofensor	da	reprovabilidade	de	sua
conduta	 (presente	 na	 chamada	 “vergonha	 reintegradora”).	 São	 propostas
diversas	dos	 tradicionais	propósitos	de	 retribuição	ou	prevenção	da	pena,	as
quais	se	encontram	superadas,	conforme	justificado	a	seguir.
1.4	Críticas	às	tradicionais	funções	da	pena:	
retribuição	e	prevenção	20
O	artigo	59	do	Código	Penal	estabelece,	como	finalidades	da	pena	(na	qual	se
inclui	a	de	prisão),	a	retribuição	e	a	prevenção	do	crime	ao	determinar	ao	juiz
que	aplique	a	pena	“necessária	e	 suficiente	para	 reprovação	e	prevenção	do
crime”.
Edmundo	Oliveira	 explica	 que	 o	 caráter	 retributivo	 da	 pena	 não	 decorre	 de
considerações	de	ordem	moral,	mas	da	própria	natureza	do	mecanismo	usado
pelo	Estado	para	ilidir	a	criminalidade	e	aduz:
Até	 hoje	 não	 se	 inventou	 outro	 mecanismo	 diferente,	 até	 porque	 nenhum	 novo	 Pasteur
descobriu	a	vacina	contra	o	crime,	ainda	que	grande	parte	do	trabalho	dos	criminólogos
consista	 em	 identificar	 as	 causas	 da	 criminalidade	 e	 apontar	 a	 terapêutica	 dos	 crimes
(ZAFFARONI;	OLIVEIRA,	2010,	p.	472).
Ressalta	 o	 autor	 a	 função	 e	 a	 necessidade	 da	 pena	 a	 perpetuação	 do
funcionamento	deste	sistema:
sempre	que	houver	a	possibilidade	de	delitos,	será	então	forçoso	lançar	mão	da	ameaça
penal	para	evitar	o	crime	e	executá-la	se	ele	não	for	evitado,	a	fim	de	que	a	pena	não	se
desmoralize	como	promessa	lírica	que	não	se	cumpre	(ZAFFARONI;	OLIVEIRA,	2010,	p.
472).
Entretanto,	criminólogos	críticosapontam	outro	significado	para	a	pena	como
retribuição.	Consoante	informam,	retribuir	pela	imposição	da	pena	consistiria
simplesmente,	em	expiar	ou	compensar	o	mal	injusto	causado	pelo	crime,	sem
qualquer	racionalidade	utilitária,	unicamente	com	base	no	conteúdo	religioso
de	 expiação,	 à	 semelhança	 retributiva	 da	 justiça	 divina	 (CIRINO	 DOS
SANTOS,	2012b,	p.	3)	21	.
O	autor	faz	referência	à	época	em	que	se	atribuía	uma	compreensão	religiosa
à	justiça	penal.	Como	o	crime	suscitava	a	cólera	divina,	ela	só	seria	aplacada
com	o	respectivo	castigo,	o	que	tornava	necessária	a	expiação	do	culpado.
No	mesmo	rumo,	a	crítica	de	Louk	Hulsman	(1993,	p.	126	e	127):
O	“programa”	de	atribuição	da	culpa	típico	da	justiça	criminal	é	uma	cópia	verídica	da
doutrina	do	“último	julgamento”	e	do	“purgatório”	desenvolvidas	em	certas	variedades
pela	teologia	crista	ocidental.	É	marcado	também	pelas	características	da	“centralidade”
e	 do	 “totalitarismo	 específicas	 dessas	 doutrinas.	 Naturalmente,	 essas	 origens	 -	 essa
“velha”	 racionalidade	 -	 estão	 escondidas	 por	 trás	 de	 novas	 palavras:	 “Deus”	 é
substituído	por	“Lei”,	“consenso	do	povo”,	“purgatório”	é	 substituído	por	“prisão”	e,
em	certa	medida,	por	“multa”.
A	 retribuição,	 conforme	 descrevem,	 conceberia	 a	 pena	 como	 um	 fim	 em	 si
mesmo,	de	forma	absoluta,	como	um	“castigo”,	uma	“reação”	ou	“vingança”
pelo	crime.	Historicamente,	a	retribuição	é	associada	ao	princípio	bíblico	da
“lei	de	talião”	ou	“da	lei	da	vingança”.	Sintetizada	pela	expressão	“olho	por
olho,	dente	por	dente”,	este	ponto	de	vista	punitivo	argumenta	que	o	ofensor
deve	experimentar	o	mal	que	atraiu	para	si.
Nilo	 Batista	 (2004,	 p.	 111)	 assinala	 que	 esse	 sentimento	 de	 vingança,
atualmente	se	encontra	revertido	pelo	cognome	“justiça”,	exemplificado	pelo
jargão	publicitário	“não	se	cogita	de	vingança,	e	sim	de	justiça”.	Ao	mesmo
tempo,	assevera	Beristain,	esta	expressão	não	oculta	o	 sentido	vindicativo	e
expiacionista	do	sistema	penal	(2000,	p.	172).	Ela	estaria	ainda	radicada	num
suposto	nexo	entre	culpa	e	punição,	fundando-se	na	convicção	de	que	é	justo
“transformar	mal	em	mal”	(FERRAJOLI,	2010,	p.	236).
As	teorias	de	índole	retributiva	justificam	a	pena	pelo	seu	valor	axiológico,	ou
seja,	 a	 pena	 não	 seria	 “um	 meio”	 ou	 “um	 custo”,	 mas	 um	 dever-ser
metajurídico,	 que	 possui	 em	 si	 seu	 próprio	 fundamento.	 A	 legitimidade	 da
pena	 seria,	 portanto,	 apriorística,	 no	 sentido	de	 que	não	 é	 condicionada	por
finalidades	extrapunitivas	(como	prevenir	outros	delitos,	desestimular	crimes
na	comunidade,	reeducar	o	ofensor),	senão	como	reação	ao	delito.
Ferrajoli	 explica	 que	 as	 teorias	 retributivas	 contêm	 influência	 da	 ideia
kantiana	segundo	a	qual	a	pena	é	uma	retribuição	ética,	que	se	justifica	pelo
valor	moral	da	lei	penal	violada	e	pelo	castigo	que	é	imposto	ao	culpado	22	.	Em
sua	obra	“Fundamentação	da	Metafísica	dos	Costumes”,	publicada	em	1785,
Kant	 argumentou	 que	 os	 seres	 humanos	 são	 agentes	 livres	 e	 racionais	 23	 ,
portanto,	 devem	 reconhecer	 suas	 ações	 e	 aceitar	 suas	 consequências.	Desta
forma,	a	pena	como	retribuição	respeitaria	a	dignidade	do	ofensor,	porque	o
trataria	como	agente	responsável	por	seu	ato	(COELHO,	2012,	p.	1).
A	justificação	retributiva	é	chamada	quia	peccatum	,	ou	seja,	diz	respeito	ao
passado.	As	 razões	 utilitárias	 para	 a	 pena,	 por	 seu	 turno,	 a	 consideram	 e	 a
justificam	como	meio	para	a	prevenção	de	futuros	delitos,	isto	é,	são	do	tipo
ne	peccetur	,	ou	seja,	referem-se	ao	futuro	(FERRAJOLI,	2010,	p.	29	e	236).
Maria	 Lúcia	 Karan	 (2004,	 p.	 81)	 questiona	 a	 irracionalidade	 da	 pena
retributiva:
Por	que	razão	o	mal	deveria	ser	compensado	com	outro	mal	de	igual	proporção:	se	o	mal
é	algo	que	se	deseja	ver	afastado	ou	evitado,	por	que	se	deveria	reproduzi-lo,	por	que	se
deveria	 insistir	 nele	 com	 a	 pena?	 […]	 Decerto	 pareceria	 mais	 lógica	 a	 opção	 pela
reparação	 do	 dano	material	 ou	moral	 causado	 pelo	 crime,	 especialmente	 porque	 aí	 se
levariam	em	conta	os	interesses	das	pessoas	diretamente	afetadas.
Zaffaroni	 (1991b,	 p.	 210)	 complementa	 a	 crítica	 informando	 que	 o	 próprio
nome	“penalização”	indica	um	sofrimento.	Entretanto,	o	sofrimento	existe	em
quase	todas	as	penas	da	lei:	“sofremos	quando	se	embarga	a	casa,	quando	se
cobram	 juros	 de	mora,	 quando	 se	 anula	 um	processo,	 quando	 se	 coloca	 em
quarentena,	 quando	 se	 conduz	 à	 força	 para	 depor	 etc.”	 Nenhum	 desses
sofrimentos,	pontifica,	é	chamado	de	“castigo”,	porque	eles	têm	um	sentido,
isto	 é,	 servem	 para	 resolver	 um	 conflito.	 A	 pena,	 por	 outro	 lado,	 seria	 um
sofrimento	—	“órfão	de	racionalidade”	—,	que	há	séculos	procura	um	sentido
e	 não	 pôde	 ser	 encontrado,	 simplesmente	 porque	 existe	 a	 não	 ser	 como
manifestação	do	poder	24	.
Mais	modernamente,	 o	 ideal	 retribuicionista	 encontra-se	 preocupado	 com	 a
proporcionalidade	 na	 aplicação	 desta	 “vingança”.	 Seus	 defensores	 visam,
ademais,	garantir	que	os	ofensores	recebam	“a	justa	punição”	para	seus	erros,
de	 forma	proporcional	à	gravidade	de	sua	ofensa,	como	apregoa	a	 teoria	do
just	deserts	25	.
Passos	e	Penso	(2009,	p.	81)	destacam	que	a	função	da	pena	é,	portanto,	mal
compreendida,	pois	até	hoje	a	sociedade	a	associa	à	vingança,	enxergando	as
medidas	alternativas,	por	exemplo,	como	formas	de	impunidade:
Ainda	 não	 conseguimos	 diferenciar	 vingança	 de	 punição	 e	 a	 sociedade	 não	 consegue
visualizar	 resposta	 para	o	 delito	 sem	a	 pena	privativa	 de	 liberdade,	 entendendo	que	 as
medidas	e	penas	alternativas	refletem	a	impunidade.	Isso	significa	que	estamos	longe	de
compreender	a	punição	como	uma	função	de	controle	social,	no	qual	os	métodos	punitivos
têm	 sua	 especificidade	 e	 a	 sua	 validade,	 compreendendo	 a	 pena	 como	 um	meio	 e	 não
como	fim.
Aponta	 Beristain	 (2000,	 p.	 184)	 que,	 realmente,	 a	 pena	 representou	 um
progresso	 se	 comparado	 à	vingança	 imediata	 e	 ilimitada	 (especialmente	das
sociedades	 primitivas).	 A	 pena	 procura	 evitar	 os	 excessos	 de	 uma	 reação
incontrolada,	introduzindo	o	processo	no	lugar	da	vingança.	Não	obstante,	ele
mantém	 a	 disposição	 primitiva	 de	 inimizade	 das	 vítimas	 (e	 de	 toda	 a
sociedade)	 contra	 o	 ofensor.	 O	 processo	 penal	 não	 eliminaria	 essa	 relação
adversarial,	mas	a	 ritualizaria.	Ele	conservaria	o	“castigo”,	a	 inflição	de	dor
ao	ofensor	e	despreza	as	vítimas	para	que	o	Estado	ocupe	seu	lugar	26	.
A	 justiça	 restaurativa	 se	 opõe	 ao	 ideário	 meramente	 retributivo	 da	 pena	 e
propõe	um	novo	modelo	de	justiça	no	qual	a	resposta	para	o	crime,	ao	invés
de	 impor	 danos	 adicionais	 sobre	 o	 ofensor,	 procura	 restabelecer	 a	 situação
violada.	 Ela	 introduz	 a	 ideia	 de	 um	maior	 respeito	 pelo	 ofensor,	 resgata	 a
vítima	e	propicia	uma	atmosfera	de	diálogo,	visando	ao	entendimento	sobre
as	formas	de	restauração	do	“malefício”	causado,	em	substituição	do	tom	de
expiação	e	castigo	retributivos	(BERISTAIN,	2000,	p.	184).
Ao	 substituir	 a	 ideia	 de	 retribuição	 pela	 de	 reparação,	 a	 justiça	 restaurativa
busca	atitudes	positivas,	verdadeiramente	úteis	e	de	baixos	custos	 sociais	 (a
chamada	“restituição	criativa”),	cujo	foco	está	em	ações	futuras,	ao	invés	de
condutas	 do	 passado,	 sintonizando	 as	 exigências	 sociais	 e	 expectativas	 em
torno	de	uma	solução	do	crime	(BERISTAIN,	2000,	p.	185).
1.4.1	Comunicando	a	pena	ao	ofensor:	a	prevenção	especial
As	 doutrinas	 utilitaristas	 (ou	 relativas)	 são	 tradicionalmente	 divididas	 entre
teorias	da	prevenção	especial	e	da	prevenção	geral.
A	prevenção	especial	é	dirigida	ao	ofensor	e	comunica-lhe	as	consequências
da	pena.	É	subdividida	em	duas	categorias	—	negativa	e	positiva	—	conforme
a	 sua	 forma	 de	 atuação.	 A	 negativa	 (ou	 de	 neutralização	 do	 ofensor)	 se
verifica	 com	 a	 prisão	 do	 condenado	 e	 o	 seu	 confinamento	 no	 cárcere.	 A
dimensão	 positiva	 é	 a	 de	 correção	 do	 condenado	 por	 meio	 da	 pena	 (ou
“ortopedia

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