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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ANÁPOLIS - UniEVANGÉLICA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO POR PRINCÍPIOS GUEDES JOSÉ DE OLIVEIRA FILHO RAFAEL DE CARVALHO ZIMMERMANN ROCINDES JOSÉ CORRÊA ABORDAGEM EDUCACIONAL POR PRINCÍPIOS EM MISSÕES TRANSCULTURAIS ANÁPOLIS - GO 2020 GUEDES JOSÉ DE OLIVEIRA FILHO RAFAEL DE CARVALHO ZIMMERMANN ROCINDES JOSÉ CORRÊA ABORDAGEM EDUCACIONAL POR PRINCÍPIOS EM MISSÕES TRANSCULTURAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário de Anápolis - UniEVANGÉLICA como requisito parcial para a obtenção do Título de Especialista em Educação por Princípios. Orientador: André de Souza Lima ANÁPOLIS - GO 2020 FOLHA DE APROVAÇÃO GUEDES JOSÉ DE OLIVEIRA FILHO RAFAEL DE CARVALHO ZIMMERMANN ROCINDES JOSÉ CORRÊA ABORDAGEM EDUCACIONAL POR PRINCÍPIOS EM MISSÕES TRANSCULTURAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário de Anápolis - UniEVANGÉLICA como requisito parcial para a obtenção do Título de Especialista em Educação por Princípios Anápolis, 30 de maio de 2020. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________ Prof. Esp. André de Souza Lima Orientador ________________________________________________ Profa. Ma. Cheila Cristina Müller Goergen Convidado ________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Flávio Portela Veras Convidado 3 ABORDAGEM EDUCACIONAL POR PRINCÍPIOS EM MISSÕES TRANSCULTURAIS Guedes José de Oliveira Filho1 Rafael de Carvalho Zimmermann2 Rocindes José Corrêa3 Orientador: Especialista André Souza Lima 4 Resumo: Com o objetivo de contribuir para uma reflexão sobre educação, especialmente no que diz respeito aos referenciais filosóficos que embasam os processos educacionais, este trabalho apresenta uma pesquisa bibliográfica de um breve panorama histórico da educação cristã. Mostra a relação entre os conceitos de cultura, cosmovisão e comunicação transcultural como determinante para a formulação de uma proposta educacional relevante em qualquer tempo ou lugar. Uma linha do tempo demonstra, com base na ética bíblica, como a cosmovisão cristã definiu os modelos educacionais em diferentes épocas na História da Humanidade, permeando as grandes transformações na sociedade. A partir destas bases, o trabalho estabelece as relações entre os conceitos fundantes e os fatos históricos na concepção da Abordagem Educacional por Princípios (AEP). Uma lista de exemplos é apresentada, bem como uma pesquisa científica em que foi possível estabelecer relação causa-efeito entre ação missionária, proposta educacional e desenvolvimento social, em determinadas regiões ou contextos. Conclui-se, sendo possível observar como os pilares da Educação por Princípios foram empregados com êxito e estrategicamente agregados a projetos missionários cristãos, em ambientes transculturais. Palavras Chave: Educação, Cosmovisão Cristã, Transculturalidade. Abstract: In order to contribute to a reflection on education, especially with regard to the philosophical references that underlie educational processes, this work presents a bibliographic research and a brief historical overview of Christian education. It shows the relationship between the concepts of culture, worldview and cross-cultural communication as a determinant for the formulation of a relevant educational proposal at any time or place. A timeline demonstrates, based on biblical ethics, how the Christian worldview defined educational models at different times in human history, permeating major transformations in society. From these bases, the work establishes the relationships between the founding concepts and the historical facts in the conception of the Educational Approach by Principles AEP. A list of examples is presented, as well as a scientific research in which it was possible to establish a cause-effect relationship between missionary action, educational proposal and social development, in certain regions or contexts. In conclusion, it is possible to observe how the pillars of Education by Principles were successfully used and strategically added to Christian missionary projects, in cross-cultural environments. Keywords: Education, Christian Worldview, Transculturality. 1 INTRODUÇÃO Evangelizar é comunicar os valores do Evangelho a alguém que ainda não os conhece, na expectativa de que esse novo conhecimento, as Boas-Novas, produzam verdadeiras transformações naqueles que a recebem, assim pode-se dizer que evangelizar é educar para a 1 Graduação em Teologia. E-mail: guedesjose858@gmail.com. 2 Graduação em Marketing. E-mail: cvnrafael@hotmail.com. 3 Graduação em Ciências Aeronáuticas. E-mail: rocindes.correa@unievangelica.edu.br 4 Graduação em Teologia e História. Especialista Educação Religiosa Escolar e Teologia Comparada. E-mail: lima.religiao@gmail.com 4 salvação. Expressões bíblicas como "fazer discípulos" ou "ensinar as nações " reforçam a ideia de que a missão do povo de Deus seria de caráter educacional e transcultural. Uma ação evangelizadora integrada a uma educação transformadora deve partir do pressuposto que a verdadeira educação é aquela fundamentada nos princípios de Deus, contidos em sua Palavra, e que devem nortear as relações das pessoas com Ele, com seus semelhantes e até com a natureza. Ou seja, só é possível cumprir a missão de Deus observando os Princípios de Deus. O foco do trabalho missionário é fazer com que o Evangelho seja pregado, ouvido, entendido e crido em todas as nações para a salvação dos povos, segundo a Grande Comissão de Jesus Cristo para sua Igreja, em Mateus 28:18-20. A mensagem do Evangelho tem esse poder em si mesma. Porém, quando se aprofunda no entendimento da missão e olhando para o ministério de Jesus Cristo na terra, verifica-se que a responsabilidade missionária vai muito além da pregação (BÍBLIA ARA, 2017). Fazer discípulos de todas as nações inclui o ensino dos princípios e valores do Reino de Deus de modo que todas as coisas sejam observadas e guardadas. Isso aponta para uma Educação ministrada com excelência e eficácia, capaz de adequar todo processo de ensino e aprendizagem, com a finalidade de formar uma geração transformada e transformadora. Quando a missão de evangelizar envolve comunicar os valores do Evangelho a pessoas em outros limites geográficos e diferentes contextos socioculturais, caracteriza-se a evangelização transcultural, na qual a complexidade do processo de comunicação é ainda maior. Assim, a tarefa missional deve integrar-se a uma educação, que só será transformadora, quando adotar princípios éticos e morais. A Abordagem Educacional por Princípios (AEP) pode contribuir significativamente com esse processo de comunicação intercultural e transformador, por basear-se em fundamentos como a soberania de Deus e a dignidade do homem e utilizar ferramentas e métodos que valorizam a individualidade das pessoas e suas reais necessidades, valendo-se de professores e gestores que também adotam princípios de Deus como Caráter e Mordomia. Para facilitar um pouco mais a compreensão do assunto e tornar a leitura mais prazerosa, o texto foi construído em quatro capítulos, sendo o capítulo primeiro trata-se desta introdução. No segundo capítulo estão apresentados os conceitos de cultura e cosmovisão, com destaque à cosmovisão do Cristianismo, segmento religioso a que foi delimitada a pesquisa. Em seguida apresenta-se o conceito de Educação, com ênfase no processo comunicacional, especialmente na comunicação transcultural,para então, serem apresentadas as bases da AEP, 5 objeto deste estudo. Já sendo possível observar que, conceitualmente, existem relações entre Cultura, Comunicação, Educação e princípios. O Terceiro capítulo inicia-se com uma linha do tempo, de maneira que seja possível relacionar as principais fases do pensamento judaico-Cristão, na História da Humanidade. O estudo passa a destacar o primordial papel da educação nesse processo: como aconteceu, seus principais atores, filosofias e métodos, buscando identificar os pontos convergentes com os fundamentos propostos pela AEP, nas épocas e modelos educacionais estudados: Judaísmo, início da Era Cristã, Escolástica, Reforma Protestante, os Puritanos no Novo Mundo, chegando aos dias atuais. O quarto e último capítulo, numa pesquisa bibliográfica, lista diversos casos concretos em que a educação foi parte integrante da ação evangelizadora em ambiente transcultural. São citados exemplos em diferentes países e pesquisas científicas já realizadas, sendo possível observar que missionários educadores se valeram dos fundamentos da AEP, com resultados expressos em ressignificação cultural, transformação social e desenvolvimento econômico. Para finalizar a pesquisa, apresentam-se as considerações, com algumas reflexões finais sobre a matéria apresentada no texto, além de alguns julgamentos pertinentes ao assunto abordado. A pesquisa, por meio de uma breve reflexão histórica em forma de revisão bibliográfica, busca responder à seguinte pergunta: Entendendo a Educação como parte integrante da evangelização transcultural, como a AEP foi considerada e utilizada por diversos atores na atividade cristã missionária, ao longo dos tempos e em diversos contextos e situações? Tal problemática foi discutida e a resposta à indagação acima foi construída no transcorrer da pesquisa. Após a questão levantada, vieram os objetivos, sendo que de uma maneira geral a intenção foi contribuir para uma reflexão sobre educação, em contextos transculturais, especialmente no que diz respeito aos referenciais filosóficos que embasam os processos educacionais. E de uma maneira mais peculiar, teve-se como fim mostrar a relação entre os conceitos de cultura, cosmovisão e comunicação transcultural, na educação; apresentar uma linha do tempo, demonstrando como a cosmovisão cristã definiu modelos educacionais em diferentes épocas na História da Humanidade; exemplificar, com citação de casos em que a Educação por Princípios foi parte integrante da ação evangelizadora em ambiente transcultural. Para o cumprimento da investigação utilizou-se, como metodologia, a pesquisa bibliográfica. Deste modo, alguns passos foram observados, ou seja, a escolha do objeto; a delimitação do tema; o reconhecimento das obras que foram utilizadas; a reunião destas; o 6 exame e a interpretação do assunto e por último a redação do texto, sendo que o mesmo passou por uma revisão austera com o intuito de corrigir o todo para que se pudesse apresentar um trabalho com coerência e coesão textual, criticidade, logicidade e precisão nos argumentos postos. 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 CULTURA, COSMOVISÃO E COMUNICAÇÃO TRANSCULTURAL NA EDUCAÇÃO POR PRINCÍPIOS. Para melhor elucidação do conteúdo discorrido neste trabalho foram apresentados a seguir conceitos e definições a partir do referencial da AEP, conforme apresentados nos documentos da Associação de Escolas Cristãs de Educação por Princípios (AECEP). A AEP é uma concepção de ensino e aprendizagem que parte do raciocínio sobre verdades bíblicas e identifica os fundamentos do conhecimento, conduzindo à reflexão da causa para o efeito visando produzir competência realizadora e caráter cristão. Sua aplicação consistente contribui para formar erudição baseada numa cosmovisão cristã e líderes servidores, aptos a cumprir os propósitos de Deus com suas vocações (AECEP, 2013). Toda abordagem educacional deve ter filosofia, metodologia e currículo, porém, para que seja aplicada em uma cultura diferente é necessário um prévio estudo antropológico para conhecer a cultura, a cosmovisão, a língua e o modelo educacional existente, e assim poder utilizar as ferramentas desta abordagem para transmitir conhecimento de forma relevante. 2.1.1 Conceito de Cultura O conceito de cultura, segundo estudos publicados pelo Jornal American Anthropologist (Vol. XIX, 1917) citado por Lidório (2008, p. 8) é “todo comportamento aprendido, assimilado, avaliado e sujeito a progressos; tudo aquilo que independe de uma transmissão genética”. 7 Jacques Turgot1 e Jean-Jacques Rousseau2 nesta trilha, defenderam a transmissão do conhecimento como fator responsável pela cultura e desembocaram na ideia da educação como agente responsável pela formação do homem. Já Hilbert (apud LIDÓRIO, 2011, p. 29-30) conceitua cultura como “os sistemas mais ou menos integrados de ideias, sentimentos, valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz”. Constata-se, portanto que Cultura é informação, isto é, um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos que se aprende e transmite aos contemporâneos e aos vindouros. É o resultado dos modos como os diversos grupos humanos resolveram os seus problemas ao longo da história. A cultura é um sistema de símbolos compartilhados com que se interpreta a realidade e que conferem sentido à vida dos seres humanos. 2.1.2 Conceito de Cosmovisão A cosmovisão de um povo estabelece os princípios fundamentais da sua cultura. Esta por sua vez, afeta todas as áreas e instituições da vida: educação, política, desenvolvimento e economia. Para conhecer a cultura e a cosmovisão de um povo, é necessário observação, pesquisa e análise de seus padrões de pensamentos, crenças, ideias e pressuposições sobre o mundo e suas heranças de geração em geração. Tudo isso vai determinar a maneira que o indivíduo interpretará o mundo, os acontecimentos, bem como as informações que o mesmo receberá no processo de ensino e aprendizagem. Praticamente, todas as culturas vivem na perspectiva de dois mundos, ou duas dimensões: a natural e a transcendente, a material e a espiritual, o físico e o metafísico, corpo e alma, fé e razão, e assim por diante. A maneira como estes dois “mundos” se relacionam, na compreensão de cada povo, define sua cosmovisão. É a partir dessa relação que se estabelecem os pressupostos que definem a maneira de ver o mundo e como se respondem às grandes questões da existência, Tais como: Criação ou surgimento do universo, fenômenos da natureza, origem e propósito da vida, a existência de Deus ou outras divindades, quem somos, destino final, coisas do futuro, etc. 1 TURGOT, Jacques (1727-1781). Plano para dois discursos sobre a história universal. 2 ROUSSEAU, Jean-Jacques (1712-1778). Discurso sobre a origem e o estabelecimento da desigualdade entre os homens. 1775. 8 De certa maneira, também, pode-se relacionar diferentes cosmovisões às principais correntes filosóficas. Assim, para o TEISMO, há um Deus que criou o mundo e o mantém, criou o homem e com ele se relaciona; para o DEISMO, há uma divindade criadora, mas deixa o mundo seguir seu próprio rumo, bem como os homens; já para o NATURALISMO, não existe um Deus criador, tudo se resume em espaço, tempo, e matéria. Enquanto para o PANTEISMO tudo pode ser deus. Estas correntes fornecem também as bases para as principais religiões, a saber: o Cristianismo está para o Teísmo, como o Agnosticismo está para o Deísmo, o Ateísmo para o Naturalismo, enquanto as religiões animistas se alinham ao Panteísmo. 2.1.3 Conceito de Educação Segundo Rinaldi et al (2018, p. 16) “educação é um conjunto de instruções e disciplinas que visam iluminaro entendimento, corrigir o temperamento, formar maneiras e hábitos no indivíduo, de forma a torná-lo apto para cumprir plenamente a sua vocação perante Deus e a sociedade”. A educação cristã é o ensino sistemático e consistente tendo como o seu fundamento a Bíblia, e seu objetivo final é formar discípulos de Cristo. Educação também é evidenciada por Giles (apud BORGES, 2017, p. 175) como sendo “A enculturação visa transformar a criança, naturalmente egocêntrica, no adulto participante da cultura do grupo [...] é a cultura que vai determinar, em grande parte, o seu desenvolvimento intelectual, emocional e espiritual, preparando-a para perceber e reagir ao ambiente em vive.” Sendo a Educação o processo pelo qual se transmite, ou se comunica tais valores, crenças e conhecimentos às gerações futuras, definindo, inclusive filosofias, currículos e métodos, pode-se afirmar que há uma relação intrínseca entre Cultura, Cosmovisão, Religião e Educação, com especial atenção ao processo comunicacional. 2.1.4 Comunicação Transcultural Em face destes conceitos, faz-se necessário pontuar o principal obstáculo a ser ultrapassado pela educação: uma comunicação eficaz. Sem comunicação não existe educação. Quando estamos vivendo em outro contexto cultural é necessário um conhecimento prévio da cosmovisão que permeia a sociedade. 9 De acordo com o Webster's Dictionary (1828) comunicação é “o ato de transmitir, conferir ou entregar de um para outro; como a comunicação de conhecimentos, opiniões ou fatos. Relações por palavras, letras, sinais ou mensagens; intercâmbio de pensamentos ou opiniões, por conferência ou outros meios”. Modernamente, em um conceito expandido, assim se define comunicação: Provêm do termo latim “communis”, que significa comum, por esse motivo, ao comunicar-se se estabelece algo comum com alguém. A comunicação como conceito é um processo de interação social através de símbolos e sistemas de mensagens que produzem como parte da atividade humana. A comunicação é uma atividade inerente à natureza humana que implica a interação e a posição comum de mensagens com significados, através de diversos canais e meios para influir, de alguma maneira, no comportamento de outros e na organização e desenvolvimento dos sistemas sociais. Disponível em: <https://queconceito.com.br/comunicacao.> Acesso em: 17 jun 2020. A comunicação, portanto, pode ser definida como processo em que uma informação (formal ou informal) é transmitida, decodificada, interpretada e associada ao universo de quem a recebe. Isso depende, é claro, de sua aceitação ou rejeição. Lidório (1998, p. 37) valendo-se do conceito de interpretação cognitiva, como pressuposto antropológico conforme defendido por M. W. Bourret, afirma que “de várias formas, cultura é comunicação... e que cada forma cultural é repleta de valores de expressão, atitudes e conotações que variam de pessoa a pessoa e de grupo a grupo.” 2.1.4.1 Elementos da Comunicação Uma mensagem só é compreendida quando se consegue decodificá-la. E para decodificá-la faz-se necessário identificar os códigos utilizados. O processo de criptografia utilizado para salvaguardar mensagens confidenciais é semelhante. Uma mensagem, em Português, por exemplo, passa por um processo criptográfico que a torna ilegível. Para criptografá-la, porém, é necessário a utilização de um código predefinido, pois este deve ser o mesmo utilizado para descodificá-la e assim torná-la idêntica à sua forma original. Os agentes distintos, quem envia e quem recebe, precisam, portanto, partilhar o mesmo código. Quando tal mensagem cai em mãos adversárias, utilizam programas para descobrir o código usado, ou um https://queconceito.com.br/organizacao https://queconceito.com.br/desenvolvimento 10 código próximo. Se descobrem um código próximo, conseguem muitas vezes lê-la, mas não com perfeição. Na guerra fria esses processos custaram caro, pois transmitiam mensagens partidas ou com sentido inexato. O fato é que, quanto mais próximo for o código mais perfeita será a compreensão da mensagem. (LIDÓRIO, 2011). Culturalmente falando, existem códigos universais que fazem com que a humanidade possa partilhar de valores também universais. Há, porém, códigos particulares que definem identidade social, grupal ou étnica do cada indivíduo. Tais códigos particulares fazem com que uma pessoa compreenda bem sua própria mensagem, porém, se for transmitida com seus próprios códigos, aquele que a recebe terá incrível dificuldade para compreendê-la. A não ser que o agente que a recebe possua habilidade para interpretar os códigos de quem a envia. 2.1.4.2 Códigos Receptores Segundo Lidório (2011, p. 10) ao se transmitir uma mensagem, a do Evangelho, por exemplo, precisa-se pensar nos códigos receptores. “Tais códigos são, possivelmente, o capítulo principal na vida de alguém que deseja transmitir uma mensagem que seja plenamente compreendida. Tais códigos receptores envolvem a língua, a cultura e o ambiente.” Imagem 1:Teoria do Iceberg Cultural Fonte: Repositório digital do Google imagens (2020) 11 A Teoria do Iceberg aplicada à comunicação indica que a esmagadora maioria dos fatores que influenciam no processo comunicacional não são os funcionais, aqueles que aparecem, e sim os internos, menos perceptíveis, impregnados na cultura dos interlocutores, mas que realmente definem o teor e sentido do que se comunica. 2.1.5 Relação entre a Comunicação Transcultural e a AEP As teorias acima referenciadas, inevitavelmente, relacionam a proposta da AEP, com os modelos de comunicação transcultural. Só os educadores ancorados em valores mais profundos, podem produzir mudanças de comportamento igualmente profundas em seus alunos. Os princípios aqui relacionados são Caráter, Semeadura e Colheita. Por isso, é importante primeiramente, decodificar a sociedade, conhecendo o mais profundo possível a cultura que há de receber a nova mensagem, e utilizar códigos apropriados para traduzir a mesma, numa coerência com os fundamentos da AEP. Assim, o conteúdo acadêmico, sob a ótica da Palavra de Deus poderá chegar de forma clara, compreensível e aplicável, primeiramente aos educadores e, consequentemente, para os alunos. O trabalho, portanto, é feito na fonte, ou seja, por aquele que pretende transmiti-lo. 2.1.6 Contextualização dos Princípios e Verdades Bíblicas Contextualizar é tentar comunicar a mensagem, trabalho, Palavra e desejo de Deus de forma fiel à sua revelação e de maneira significante e aplicável nos distintos contextos, sejam culturais ou existenciais, ele expõe um desafio à Igreja de Cristo: comunicar o Evangelho de forma teologicamente fiel e ao mesmo tempo humanamente inteligível e relevante (HESSELGRAVE, 1984). Este é o desafio educacional e missional que se busca alcançar ao se implementar a Abordagem Educacional por Princípios em um contexto transcultural. A meta deve ser comunicar de forma inteligível, relevante e contextualizada, os Princípios e Verdades da Palavra de Deus, integrando-as aos conteúdos acadêmicos, currículos e métodos, em uma proposta alinhada com a filosofia da AEP, que tem por pilares os sete princípios de Deus, 12 conforme a cosmovisão bíblica e cristã, a saber: Soberania, Caráter, Mordomia, Individualidade, Aliança, Autogoverno e Semeadura-Colheita. 2.2 BREVE HITÓRICO DA EDUCAÇÃO EM MISSÕES Imagem 2: Linha do tempo da educação no cristianismo Fonte: Elaborada pelos autores 13 Ao apresentar a Linha do Tempo da Educação expõe-se uma abordagem sucinta de cada um dos principais eventos e seus personagens que foram decisivos para a formação da Cosmovisão Cristã através de princípios essenciais que demonstram uma Educação como responsávelpelo desenvolvimento integral do indivíduo e uma construção e manutenção de uma sociedade com propósito ético à luz das Escrituras Sagradas, totalmente responsável, sustentável e equilibrada, onde o ser humano possa ser instruído para que como relata 2 Tm. 3:17 “dessa forma, quem pertence a Deus pode ser plenamente equipado para toda boa obra.”. (BÍBLIA ARA, 2017). 2.2.1 A pedagogia de Jesus No Novo Testamento pode-se afirmar que a educação era integral, ou seja, instruindo a criança a não só aprender as disciplinas propostas, mas a ter conhecimento de Deus e ter um ofício. Ao falar de Jesus fica claro esses objetivos aplicados por seus pais humanos, que era o costume do povo Judeu, como descreve Dt 6:6-9. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. (BÍBLIA ARA, 2017). Nos relatos de Lucas 2:40, o autor afirma que Jesus “crescia em sabedoria, em estatura, e em graça para com Deus e os homens”. Além do ensino da Lei, dos livros sagrados do Antigo Testamento, Ele foi ensinado a ter um ofício. Conforme Prince (1980, p. 5) afirma em sua obra A Pedagogia de Jesus. Ninguém esteve melhor preparado, e ninguém se mostrou mais idôneo para ensinar do que Jesus. No que toca às qualificações, bem como noutros mais respeitos, Jesus foi o mestre ideal. Isto é verdade tanto visto do ângulo divino' como do humano. No sentido mais profundo, Jesus foi "um mestre vindo da parte de Deus". Muitos elementos contribuíram para prepará-lo eficientemente para o magistério. Alguns elementos eram meramente humanos; outros, divinos; alguns lhe eram inerentes, e outros, ele os desenvolveu. Quando os consideramos, nos sentimos estimulados e inspirados para cumprir nossa tarefa de professor. Observa-se, portanto, que Jesus é o personagem mais estudado em toda a história e de várias formas, seja como líder religioso, filho e Deus, como mestre ou como uma liderança revolucionaria. Vale destacar que Jesus como Educador Modelo, pensando em como ele 14 exerceu seu ministério que abordava a todos, adultos, crianças, todas as classes sociais distintas. Aqui a abordagem será a docência de Jesus com seu público principal: os adultos. Quanto à Pedagogia de Jesus Andrade (2000, p. 109) faz a seguinte exposição: Jesus como professor por excelência é conhecido como mestre dos mestres. Seus adversários mais ferrenhos não lhe puderam negar essas qualidades, pois Jesus revolucionou não somente o ensino de seu tempo, como tampem de todas as épocas. Ele falava por meio de Parábolas, usava a dicção profética, salmodiava quando seus discípulos pediam que os ensinasse a orar. Como professor era profeta, salmista e pregador. O Senhor Jesus foi o educador por excelência porque seus ensinos tinham qualidade total. Discorrendo acerca dos dons de serviço, o apostolo Paulo comparou o ensino a uma chama divina. De modo que como descrito em Rm. 12:7 ‘tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada; se é ensinar, haja dedicação ao ensinar’ Jesus usava a Andragogia.3 Jesus, esse mestre por excelência viveu e ensinou sempre aplicando os princípios fundamentais para uma transformação do homem de forma integral, como escreveu Jehle (2015, p. 78) desafiando o sistema educacional a aprender com Jesus, quando afirma que: É tempo de retornarmos a esse tipo de simplicidade. É tempo de estudarmos o Filho de Deus como nosso primeiro modelo de ensino. É tempo, também, de ter como nosso herói educacional, tanto na teoria como na prática, o mesmo que nós o reconhecermos como Senhor e nos submetermos ao seu senhorio. Se assim não for, seremos inconsistentes, na melhor das hipóteses, hipócritas na pior. Jesus revolucionou a forma do aprendizado, e, a prova disso está no que sua maneira de ensinar foi capar de realizar em homens distintos como eram seus discípulos. Os princípios aplicados por Jesus ficaram tão claros para eles que durante muitos anos foram a base utilizadas por eles para a formação integral dos ouvintes e continuadores da obra. 2.2.2 A pedagogia de Paulo Poderia aqui utilizar qualquer outro dos apóstolos de Jesus, pois todos foram educados e preparados por Ele, mas Paulo de todos os demais foi alguém que teve que reaprender a aprender e assim ser capacitado a ensinar a outros. Nos próprios relatos de Paulo ele diz que aprendeu aos pés de Gamaliel, alguém realmente capaz em ensinar, mas que não possuía os princípios para validar sua didática, tanto é que Paulo, mesmo sendo conhecedor das letras, não 3 Andragogia é a ciência que estuda como os adultos aprendem. (BELLAN 2005, p. 20) 15 sabia aplicá-las de forma correta e transformadora. Paulo, ao se encontrar com Jesus, tem sua vida transformada e isso fica transparente em todas as suas cartas. Durante sua vida ministerial Paulo se preocupou em trabalhar seus ouvintes focando a integralidade do homem, isto está claro na formação de Timóteo e Tito. A Timóteo ele orientou, conforme descrito em 2Tm 2:2 “e o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros.” (BÍBLIA ARA, 2017). A Tito, como exposto em Tt 1:1, ele escreveu “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade,” (BÍBLIA ARA, 2017). Já em Romanos 12:2, Paulo ensina que a mentalidade dos ouvintes pudesse ser transformada e ele apresenta essa transformação que só pode ser possível através da razão, uma renovação da mente que é a base para uma experiência agradável do ouvinte para com Deus (BÍBLIA ARA, 2017). Vê-se claramente os princípios de uma educação cristã nestas palavras do apóstolo. Ele continua a instruir dizendo que cada um deve fazer bom uso de suas habilidades. Sabendo aproveitar seus dons para melhor viver em sociedade. Como pode-se confirmar em Rm 12:6,7 “...tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo- nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo;” (BÍBLIA ARA, 2017). No projeto paulino de educação o que prevalecia era a condição de compreensão e de mudança, ou seja, o discurso precisa ser feito de forma clara e na língua do ouvinte. Na primeira carta ao Coríntios 14:1-3 esse mestre discorre sobre a importância disso: “Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis... Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando.” (BÍBLIA ARA, 2017). Paulo afirma então que só há resultado se o ouvinte entender o que está sendo dito e assim colocar em prática. Do ponto de vista de vista de Paulo, só contribui para o fortalecimento da comunidade aquele que fala a linguagem comum, em estilo de vida que contribua para a transformação de seus ouvintes e assim, possa ser influente onde está semeando. Os cristãos tem por finalidade fortalecer a educação por princípios bíblicos, assim como Paulo o fazia, demonstrando esta preocupação em todos os seus escritos. A proposta cristã, além de apresentar Deus, através da religião, deve ministrar de forma clara e inteligível todas as disciplinas de maneira completa e integral. Sem sombra de dúvidas, nos dias de Paulo a mensagem de Jesus Cristo ainda estava preservada. 16 2.2.3 Pais da Igreja Eurípides da Conceição, em seu livro “Ensinando através do Caráter” mostra a Escola de Alexandria, no segundo século, como modelo em que o princípio do caráter era largamenteenfatizado, sendo conhecida historicamente com uma proposta que estabelecia um diálogo entre a piedade e o intelecto e é considerada a “primeira Academia Cristã”. (CONCEIÇÃO, 2004) Conceição (2004, p. 95) cita ainda o Historiador Adolf von Harnack, que afirma: A importância da escola catequética de Alexandria na transformação do império pagão em império cristão e da filosofia grega em uma filosofia eclesiástica é imensurável. No terceiro século essa escola eliminou o politeísmo por meios científicos e ao mesmo tempo conservou tudo aquilo que tinha algum valor na ciência e cultura gregas. Os alexandrinos escreveram para os intelectuais do mundo inteiro e introduziram o Cristianismo na cultura mundial. Foi Orígenes4, um dos principais mestres de Alexandria, que passou a valorizar os estudos formais, adotando um programa educacional a começar com a gramática, a retórica e a literatura, chegando à Aritmética, à Geometria e à Astronomia. Ainda assim, Gregório enfatiza as virtudes morais e espirituais de Orígenes acima das intelectuais e que insistia com seus alunos que a “vida filosófica” só chegava àqueles que procurassem conhecer a si mesmo e se esforçassem para viver retamente. Percebe-se aqui claramente o Princípio do Autogoverno. Tanto Gregório quanto Clemente, recomendavam histórias e narrativas de grandes homens, ferramenta das biografias preconizadas pela AEP. Na escola de Alexandria a ética não era apenas uma disciplina do currículo, mas também seu objetivo. Segundo Mehat, Clemente via a função do tutor (paidagogos) como o papel de “ensinar não apenas a vida intelectual, mas treinar a alma e aperfeiçoa-la para uma vida virtuosa. (CONCEIÇÃO, 2004). A realidade do tempo de Eusébio5 de Cesária é outra. Este autor vive entre os séculos III e IV, momento em que o império Romano, particularmente a parte do ocidente, vive uma grande crise. E é nesse tempo que o cristianismo se torna uma religião importante, pois, através do imperador Constantino I se torna oficialmente a religião do império. Diferente da época de 4 Orígenes de Cesareia (263-340 d.C.) bispo de Cesareia. Sua formação teológica foi baseada no estudo da obra de Orígenes. Durante os debates contra o arianismo Eusébio foi um dos principais defensores de uma posição mediadora, que procurava manter unificada a indefinição dogmática dos primeiros pais da Igreja. 5 Eusébio de Cesareia (ca. 265 — Cesárea, 30 de maio de 339) (chamado também de Eusebius Pamphili, "Eusébio amigo de Pânfilo") foi bispo de Cesareia e é referido como o pai da história da Igreja porque nos seus escritos estão os primeiros relatos quanto à história do cristianismo primitivo. https://pt.wikipedia.org/wiki/265 https://pt.wikipedia.org/wiki/30_de_maio https://pt.wikipedia.org/wiki/339 https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A2nfilo_de_Cesareia https://pt.wikipedia.org/wiki/Bispo https://pt.wikipedia.org/wiki/Arquidiocese_de_Cesareia_da_Palestina https://pt.wikipedia.org/wiki/Padre_da_Igreja https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo 17 Paulo, o cristianismo agora torna-se uma identidade cristã que se irradiava por quase todos os espaços do império no ocidente e no oriente. Outro fato histórico bastante importante que explicitou o fortalecimento dos cristãos foi o primeiro Concílio de Nicéia, realizado em 325 d. C., convocado por Constantino I (272-337). Assim, quando Eusébio de Cesárea escreveu sua história eclesiástica o cristianismo não era apenas uma religião dos gentios e de filósofos convertidos, a exemplo de Paulo, mas estava se tornando, gradativamente, religião do estado. Eusébio, em sua justificativa, apresenta a importância do povo e da religião cristã. Em sua obra História Eclesiástica, enfatiza a necessidade de se promover uma educação por princípios, ao afirmar que o conhecimento deve ser através do ensinamento de Cristo. Não tem dúvidas que isso se aplica pela prudência, justiça, força de caráter, virtude, coragem e piedosa confissão de um único Deus Supremo. Baseado em suas palavras pode-se dizer que os Princípios da AEP estão aqui descritos. 2.2.4 Escolasticismo6 O processo de educação na idade média era de total responsabilidade da igreja. As escolas funcionavam anexas às catedrais ou às escolas monásticas, muitas funcionavam nos mosteiros. Para acontecer o ensino precisava-se de uma autorização, cedida pelos bispos e pelos os diretores das escolas eclesiásticas, que com medo de perderem a influência dificultavam ao máximo essa concessão. Como na idade média havia um monopólio da cultura e do pensamento por parte da igreja católica, a educação teve grande influência religiosa. Eram os integrantes da igreja que estabeleciam o que deviam ser estudados, os conteúdos da educação. Grande parte dos estudantes vinham da nobreza pois era a camada social que possuía recurso financeiro para manter os filhos nas escolas. Já os camponeses e seus filhos, sem recurso financeiro, não tinham acesso à educação escolar, ficando sem saber ler e escrever por toda a vida. Todavia, vale ressaltar valor dos mosteiros, que desempenharam importante papel na preservação da Ciência ao longo da Idade Média. Sua grande contribuição foi manter vivos 6 Seguindo-se ao período da escola patrística, a filosofia praticada no seio do cristianismo passou a ser ensinada em escolas, a partir do século IX. O período conhecido como escolástica perdurou até o fim da idade média e tem seu nome derivado da palavra latina "scholasticus", que significa "aquele que pertence a uma escola". Utilizou-se da base proposta pela patrística, mas com maior dedicação a atividade especulativa, deixando de lado, em parte, a teologia e dedicando-se a formulação da filosofia cristã. https://www.infoescola.com/filosofia/patristica/ https://www.infoescola.com/historia/baixa-idade-media/ 18 escritos dos filósofos Aristóteles e Platão. Há evidências da prática de educação clássica nos mosteiros e, sem dívidas, salvaram muitos clássicos da extinção. Ilustre representante desta época, Tomás de Aquino7, visava à perfeição humana, tendo a prudência, a justiça, a temperança e a fortaleza como virtudes morais, que ocuparam lugar central em sua obra. O legado teórico, ao qual tinham acesso aqueles mestres, apontava que os homens não agiriam naturalmente de maneira virtuosa, sendo necessário, além da definição de regras, o ensino de valores morais para o bem viver em sociedade. Nesta esteira, e reagindo contra as limitações da época, professores e alunos organizaram-se em associações denominadas universitas8, que mais tarde tornaram-se em universidades. 2.2.5 A Reforma Protestante9 Martinho Lutero10, em sua concepção de educação, incentiva os conselhos de todas as cidades da Alemanha a que criarem e manterem escolas e, numa prédica de 1524, orienta que os pais mandem seus filhos à escola. Havia em Lutero uma concepção bem elaborada e fundamentada de educação. Este tema não figura entre aqueles que ele tinha como meta fundamental para discussão, dado que viveu toda a sua vida em clima de combate ideológico. Uma das grandes contribuições de Lutero no campo de educação reside no fato de ter defendido a universalização da alfabetização, 7 Santo Tomás de Aquino (1224/5-1274) é considerado o mais elevado pensador escolástico. Sua filosofia e sua teologia influenciaram pensadores tanto de orientação cristã como de orientação não cristã. Refletindo sobre as convergências e as divergências entre a razão e a fé, ele considera que a Filosofia e a Teologia têm, portanto, semelhanças e diferenças, uma vez que tomam, respectivamente, tais objetos como matérias fundamentais de estudo. Ao estabelecer os campos comuns e particulares da Filosofia e da Teologia, promove não só a conciliaçãoentre elas, mas, também, uma simbiose, já que tanto a razão quanto a fé procedem da mesma fonte (Deus) e não podem contradizer-se. Orientado por tais considerações, tece uma reflexão de caráter educacional que se consigna em sua obra intitulada Sobre o ensino ou De Magistro. 8 A palavra “universidade” tem a sua origem no latim“universitas”, que significa ‘universalidade, conjunto, totalidade, companhia, corpo, comunidade, colégio, associação, corporação’. As primeiras universidades surgiram no continente europeu, sendo inicialmente designadas Universitas Magistrorum et Scholarium – Associação de Mestres e Alunos. O vocábulo latino, que historicamente seria do século XIV, é formado por ‘UNUS’ (um, ideia de unidade) e ‘VERTO’ (voltar, torcer, tornar) – ou seja, tornando em um. O termo ‘UNUS’ também é utilizado em palavras como ‘universal’ e ‘universo’, todas referindo-se ao conceito de unidade. 9 Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão do século XVI liderado por Martinho Lutero, simbolizado pela publicação de suas 95 Teses em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. 10 Martinho Lutero, em alemão: Martin Luther (Eisleben, 10 de novembro de 1483 — Eisleben, 18 de fevereiro de 1546), foi um monge agostiniano e professor de teologia germânico que tornou-se uma das figuras centrais da Reforma Protestante. https://pt.wikipedia.org/wiki/Reformismo https://pt.wikipedia.org/wiki/Crist%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Martinho_Lutero https://pt.wikipedia.org/wiki/95_Teses https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Todos_os_Santos_(Wittenberg) https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Todos_os_Santos_(Wittenberg) https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_alem%C3%A3 https://pt.wikipedia.org/wiki/Eisleben https://pt.wikipedia.org/wiki/10_de_novembro https://pt.wikipedia.org/wiki/1483 https://pt.wikipedia.org/wiki/18_de_fevereiro https://pt.wikipedia.org/wiki/18_de_fevereiro https://pt.wikipedia.org/wiki/1546 https://pt.wikipedia.org/wiki/Monge https://pt.wikipedia.org/wiki/Agostiniano https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante 19 que se tornou, depois dele, uma das mais importantes bandeiras defraudadas, e em fim, conquistada pelos reformadores. A educação, pelo fato de viver a salvação deve estar do alcance de todos. E essa talvez seja a maior das contribuições da reforma à construção da modernidade no Ocidente. O sistema educacional dominante na Europa no século XVI era o sistema da idade média derivada da teologia filosófica de Tomás de Aquino. Como é do conhecimento de muitos, esse teólogo tentou fazer uma síntese entre a teologia cristã e o pensamento de Aristóteles. No final da idade média Séc. XIV e Séc. XV começaram a ocorrer algumas mudanças no sistema educacional das universidades europeias. A reação da renascença e do humanismo começou a direcionar o pensamento educacional para as realidades deste mundo, isto é, para as coisas que ocorriam na esfera horizontal. Foi nesse período de conflitos e de mudanças na filosofia da educação das escolas e universidades europeias que João Calvino11 entrou em cena. Calvino teve a sua educação superior na Universidade de Paris, onde adquiriu – como ele próprio testificou – uma boa noção das diferenças entre as velhas e as novas ideias educacionais. Estritamente falando, Calvino nunca foi um filosofo da educação. Não há nenhuma declaração formal de sua filosofia educacional. Como observa Moore (Apud CAMPOS, 2000, p. 2) “certamente Calvino não era nenhum filosofo da Educação, [porque] nem havia tal disciplina reconhecida entre os eruditos do seu tempo”. Todavia, observa-se que Calvino ficou tão envolvido com a educação do povo de Genebra que se pode perceber um norte educacional na tarefa que realizou no coração francês da Helvetia. No trabalho dele é visível, sem dúvida alguma, a educação por princípios sendo aplicada e sendo a mola que o impulsionou nessa trajetória. 2.2.6 Os Puritanos12 Ao estudar a história percebe-se que a educação cristã praticada pelos puritanos se destacou, mesmo enfrentando forte oposição. Eles tratavam a educação como assunto importante e prático. Entendiam que Deus tinha um padrão para este assunto. Por isso, 11 João Calvino (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. 12 O puritanismo designa uma concepção da fé cristã desenvolvida na Inglaterra por uma comunidade de protestantes radicais depois da Reforma. Segundo o pensador francês Alexis de Tocqueville, em seu livro A Democracia na América, trata-se tanto de uma teoria política como de uma doutrina religiosa. https://pt.wikipedia.org/wiki/Noyon https://pt.wikipedia.org/wiki/10_de_julho https://pt.wikipedia.org/wiki/1509 https://pt.wikipedia.org/wiki/Genebra https://pt.wikipedia.org/wiki/27_de_maio https://pt.wikipedia.org/wiki/1564 https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo https://pt.wikipedia.org/wiki/Inglaterra https://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_protestante https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexis_de_Tocqueville https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_pol%C3%ADtica https://pt.wikipedia.org/wiki/Doutrina https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o 20 precisavam ser zelosos e precisos em suas ações. Ryken (1992, p. 92) expressa bem essa ideia quando afirma “os puritanos sabiam para o que era a educação[...] Valorizavam uma mente educada e aprendizagem acima dos bens”. Pode-se dizer que a educação puritana nasce da intersecção de temas como Teologia, Filosofia, Vocação, Ministério, Pregação, Família, governo e Lei. A Tese de Harvard, de 1670, descreveu as sete artes literais como “um currículo de sete sessões, dos quais o centro é Deus”. De acordo Nicodemos “os puritanos salientavam a necessidade de uma orientação educacional e, frequentemente, mencionavam um dito rabínico ‘se um pai não ensina a lei e Deus, e se não treina em uma profissão descente, está criando o para ser um ladrão’. Nesse contexto Portela (apud OLIVEIRA, 2013, 2) define o objetivo da educação cristã como: A transmissão de uma visão integrada e coerente de vida ao aluno, relacionada com o criador e com os seus propósitos, não ficando restrita à transmissão de conhecimentos variados uns dos outros e da sua própria constituição própria e moral. É também, a busca de coerência e honestidade intelectual para ensinar todas as ares de conhecimento harmonicamente, sem sonegar a verdade de Deus, em quem se processa toda a integração de conhecimento. A educação como um todo estava fortemente ligada a base familiar. É interessante notar que os puritanos entendiam claramente que uma família estruturada na palavra de Deus traria tremenda vantagem para o êxito nos estudos. O conceito deles a respeito da família e da educação era entendido sempre no contexto do relacionamento pessoal com Deus, de maneira que sabiam as prioridades corretas de cada conhecimento. Sem sombra de dúvida eles trabalhavam com a educação por Princípios. 2.2.7 Tempos Atuais Observa-se atualmente um fortalecimento da Cosmovisão cristã através da Educação por Princípios que, se originou nos Estados Unidos pela FACE- Fundação para a Educação Cristã Americana, com o intuito de restaurar o autogoverno e o caráter cristão do indivíduo, das famílias, da igreja e das nações. Na década de 1950, a América havia esquecido sua missão original e fundadora, baseada em princípios bíblicos que estabeleceram uma nação livre. O movimento conservador, surge para conter as crescentes influências do socialismo e progressismo na educação, controlada pelo governo. A FACE resgata a história cristã da América e o método de educação 21 construído sobre os princípios bíblicose publica o Webster's Dictionary (1828) da Língua Inglesa, o único dicionário atualmente impresso que contém definições consistentes com uma cosmovisão bíblica. Verna Marie Hall (1912-1987), co-fundadora da FACE, ao perceber o declínio e a degeneração dos Estados Unidos, começou uma pesquisa que a levou a entender que a causa não era econômica ou política, social ou mesmo moral, mas espiritual. Compilou uma série sobre "Os fundamentos bíblicos da Constituição", para incluir a raiz, o fruto e a restauração da América ao seu propósito providencial no plano de Deus13. A AEP chega ao Brasil em 1988, por meio de Cida Mattar, a partir dos estudos com Paul Jehle, tendo como berço Belo Horizonte, onde foi estabelecida a primeira escola com esta abordagem. A AECEP fundada por Roberto Rinaldi e outros, em 1997, em São Paulo é uma organização não governamental e interdenominacional, com a visão de atender a demanda de escolas cristãs de várias localidades, buscando apoio para sua constituição e desenvolvimento. Hoje conta com escolas e educadores associados na maioria dos estados brasileiros, crescendo continuamente. Infelizmente ainda desconhecida no contexto educacional dominante no país. Recentemente, a publicação de literatura especializada e o lançamento de cursos de Pós- Graduação Educação por Princípios pela UniEvangélica em Anápolis e Faculdade Batista Pioneira de Ijuí, representam um avanço para a maturidade da Proposta no Brasil.14 2.3 A AEP NA EDUCAÇÃO TRANSCULTURAL E MISSIONAL O capítulo I destacou os pontos conceitualmente convergentes entre AEP, Educação, enquanto processo de comunicação e transculturalidade. A linha do tempo apresentada no capítulo anterior permitiu a constatação da presença da ação comunicacional e educacional na cristianização e evangelização dos diferentes povos, através da história, assim como aponta para o fato de que este processo alcança sua completude à medida que determinados princípios e fundamentos metodológicos são adotados pelos seus atores. Aqui a ênfase será observar prevalência dos mesmos fundamentos na Educação Missional. Ou seja, identificar como os princípios considerados pela AEP estão presentes numa proposta educacional, como parte integrante de uma ação evangelizadora, holística e 13 Disponível em: < https://face.net/ > acesso em 16 maio 2020. 14 Disponível em:<https://aecep.org.br/> acesso em 16 de maio 2020. 22 transformacional, com o objetivo de comunicar os valores do evangelho, agregando princípios e conhecimentos, para o desenvolvimento de pessoas e de suas comunidades, em um ambiente transcultural. Naturalmente, coube à educação, em muitos casos iniciada e administrada por missionários, um papel preponderante neste processo, sendo possível destacar que os “princípios de Deus”, basilares da cosmovisão judaico-cristã, defendidos pela Reforma Protestante e consideravelmente reforçados durante o avivamento do Século XVIII,19 na Inglaterra, foram aplicados dentro de uma educação integral e transformadora, em diferentes contextos, conforme exemplificados a seguir. 2.3.1 Educação missional no mundo Vishal Mangalwadi, escritor cristão, descreve com muita propriedade a influência da cosmovisão cristã na cultura indiana, durante o período colonial inglês, como um dos fatores contribuintes para o desenvolvimento da Índia em diversas áreas. E, segundo o autor, o avivamento na Inglaterra foi o fator primário que impulsionou as nações de língua inglesa, criando um relacionamento peculiar entre espiritualidade bíblica e despertamento intelectual. MANGALWALDI (2012). Nesse contexto Cowing (apud MANGALWADI, 2012, p. 116) afirma que: Os novatos em focalizar os estágios da conversão estavam estudando um processo análogo à ainda misteriosa sequencia secular de reunir dados, alterar hipóteses e de alguma maneira reuni-los intuitivamente para sintetizar as conclusões. Esse tipo de raciocínio teria muita utilidade no futuro. O grande despertamento induziu ao intelectualismo de massas que, por fim, espalhou- se por todas as direções, desde a crença na soberania de Deus até o agnosticismo. 19 A Inglaterra da primeira metade do século XVIII caracterizava-se pela impiedade, corrupção e imoralidade. As pessoas não pensam, não falam, nem agem como faziam em 1750. Na segunda metade do século XVIII, a Inglaterra mudou. Foi radicalmente transformada. Isto porque milhares de pessoas foram transformadas. Este é um fato, que os filhos deste mundo não podem negar, por mais que tentem explicá-lo. Foi nesse período que surgiram as obras sociais de caráter cristão, as escolas dominicais — “um dos primeiros passos na educação popular da Inglaterra” —, a abolição do comércio de escravos, as reformas nas prisões, hospitais, bem como o moderno movimento missionário que alcançou muitos países na Ásia, África e Américas. Disponível em: <https://ministeriofiel.com.br/artigos/o-grande-reavivamento-na-inglaterra-no-seculo-xviii/> Acesso em 11 de maio 2020. https://ministeriofiel.com.br/artigos/o-grande-reavivamento-na-inglaterra-no-seculo-xviii/ 23 Outro ponto a ser considerado como elemento comum entre a ação missionária e a educação é o fundamental trabalho dos tradutores, que ao democratizarem as línguas, permitiram que conhecimentos antes sobre o domínio das elites, alcançassem também as massas. A tradução da Bíblia para Alemão, Francês e Inglês abriu caminhos pelos quais o conhecimento espiritual e o secular viriam a passar. Vale lembrar que a AEP relaciona a Linguagem aos princípios de individualidade e autogoverno. Rinaldi et al (2018, p.71) afirmam que “cada idioma tem sonoridade e dinâmica próprias e cada língua expressa a individualidade de um povo”. Naturalmente, a Bíblia contribuiu para a apropriação de novos referenciais que, ultrapassando as questões linguísticas, influenciaram na Cosmovisão dos povos expostos à cristianização, nos diferentes níveis, proporcionando também a ressignificação de princípios relacionados a governo, família, ética, política, justiça, mercado e etc. Este mesmo processo ocorre nos campos missionários, onde línguas nacionais foram estudadas, grafadas e difundidas de maneira que os benefícios ultrapassaram os limites da ação evangelizadora, alcançando diversos outros aspectos da vida nacional. Como exemplo, o “Hindi”, língua nacional da Índia, foi estudado pelos tradutores da Bíblia, os Rev. Gilchrist e Kellog, missionários linguistas. É sabido que S.H. Kellog reuniu mais de uma dúzia de dialetos para criar o atual Hindi, definindo as bases de sua gramática, ainda em uso. Malgalwadi é incisivo ao afirmar que foi a agenda dos seguidores de Cristo, com base no mandamento de amar ao próximo como a si mesmos, que incluiu o enriquecimento da língua e a educação de uma classe de indianos preparando-os para a liberdade e autogoverno. Mesmo que tivessem que lutar contra interesses comerciais da coroa, representados pela Companhia das Índias Orientais. Também nesta iniciativa, há que se destacar a atuação de oficiais Britânicos como Charles Grant e parlamentares como William Wiberforce que, como cristãos, fundamentaram suas ações nos princípios bíblicos, como mordomia e aliança, lutando por leis e decisões que favorecessem projetos educacionais nas colônias (MANGALWALDI, 2012). Grant elaborou documento orientando as políticas britânicas em relação às colônias, em que claramente ligava questões políticas, éticas e de educação. Wilberforce, ao apresentar este documento à Câmara dos Comuns, argumenta que seria imoral deixar a Índia a mercê de comerciantes e soldados. E que a Grã Bretanha, como nação cristã, tinha obrigações diante da Providência de Deus. Foram eles que exigiram que o Parlamento solicitasse à Companhia das24 Índias permissão para que os missionários servissem como educadores na Índia (MANGALWADI, 2012). Foram missionários, entre eles o conhecido Willian Carey, que começando pela tradução da Bíblia, depois fundaram faculdades, que vieram a ser as primeiras Universidades da Índia, (Allahadad, Calcutá e Bombaim). A visão era que os indianos viriam à faculdade para aprender a cultivar a mente e o espírito, de maneira a questionar a realidade socioeconômica ao seu redor, inquirir e encontrar a verdade que liberta indivíduos e edifica nações. De alguma maneira o nacionalismo britânico baseado na Soberania de Deus, permitiu o equilíbrio de forças para o ressurgimento e independência da nação indiana, bem como preparou seu povo para que se autogovernassem. Seguindo o modelo de Carey, missionários educadores lecionavam Ciências, Astronomia, Botânica, agricultura. É razoável afirmar que o interesse científico na Índia começou com os missionários e sua Bíblia, com as inevitáveis consequências relacionadas aos questionamentos de sua própria cultura e cosmovisão. (MANGALWADI, 2012). Cabe aqui alguns exemplos: uma visão de ciência e tecnologia, referenciado na cosmovisão cristã, com base no Princípio da Mordomia, que pressupõe a possibilidade de estudar, interpretar e até se utilizar da natureza a favor dos homens, como desviar o curso de um rio para construção de uma hidroelétrica, não seria possível em uma cosmovisão panteísta onde o rio é um deus, a ser cultuado, menos ainda a ser modificado ou dele ser tirado resultados econômicos Tais situações ficam ainda mais evidentes quando relacionados à vida e saúde humana. Cosmovisões que adotam o fatalismo, terão sempre mais dificuldades para aceitarem as ciências médicas, origem das doenças e possibilidades de tratamentos. Culturas ligadas à doutrina do carma veem o sofrimento como consequência de ações em vidas anteriores, e acreditam que interferir neste processo cósmico não diminui o sofrimento, pelo contrário, aumenta. Os que creem no nirvana apresentam uma tendência ao isolamento ou distanciamento das coisas materiais, tendo o desapego como uma virtude religiosa. O compromisso com a própria iluminação espiritual acaba por embotar possibilidades da educação e consequentemente, o desenvolvimento cultural e científico. Animistas, que veem animais domésticos como deuses, tem se privado do desenvolvimento da pecuária, renunciando a excelentes fontes de proteínas, em regiões onde ainda existem fome e desnutrição. O sistema de castas, também de ordem cultural, de organização social hierarquizada, com os Brâmanes no topo e os intocáveis (Dalitis) na base, 25 por milênios, manteve uma estrutura política, social e econômica injusta, mantendo multidões na pobreza, dificultando o desenvolvimento social. É num contexto como os acima citados, que em 1900, chega à Índia a jovem médica Ida Scudder, filha de missionários que lá já estavam, e cria uma pequena clínica, que mais tarde veio a tornar-se no Vellore Christian Medical College.20 Mahatma Gandhi chegou a considerá- lo como a melhor escola de Medicina da Ásia. Em funcionamento até hoje, com excelente padrão de formação acadêmica e grande contribuição social ao país (MANGALWADI, 2012). De mesma forma, Eric Liddell, atleta escocês que inspirou o personagem do famoso filme “Carruagens de Fogo”, volta para China, onde nasceu, como filho de missionários, após ser sido medalhista de ouro nas olimpíadas de Paris, em 1924. Renuncia uma possível bela carreira no Reino Unido, para ser missionário-professor em uma escola rural estabelecida por uma Missão. Sua biografia aponta que, como graduado em ciências puras na Universidade de Edimburgo, tendo também estudado no Oxford College, não foi apenas professor de Ciências, marcou as vidas de centenas de jovens chineses com seu caráter, atitudes, senso de chamado e coragem, pois morreu na China como herói, durante ocupação japonesa. Sem dúvidas, um “Educador por Princípios”. Liddell, aqui destacado, é apenas um exemplo em uma extensa lista de contribuição missionária cristã à Educação, ao redor do mundo. Apenas na China havia quatorze universidades cristãs, católicas e protestantes, que foram fechadas ou incorporadas pelo Estado, durante a revolução cultural, mas já haviam deixado sua marca na História da Educação daquele país.21 2.3.2 Exemplo de educação missional no Brasil Na história de Missões no Brasil, também há registros de atuação missionária que integrou projetos educacionais, em que também é possível identificar os fundamentos da AEP em sua proposta. Um caso de sucesso é o Instituto Presbiteriano Mackenzie, que inicia sua trajetória a partir de uma pequena escola em São Paulo, fundada por missionários, em 1871. 20 O VCMC é um estabelecimento baseado na fé, ministrando a pessoas de todas as religiões e de todas as esferas da vida, mantém um programa de divulgação de missões que busca ampliar a rede de organizações envolvidas no ministério de saúde e está comprometido a fortalecer campos missionários nos bolsões rurais em todo o país que não têm acesso a serviços médicos de qualidade. Como uma sociedade estritamente sem fins lucrativos, todos os fundos disponíveis são usados para subsidiar a educação dos estudantes e ainda tratamento gratuito ou subsidiado para pacientes merecedores; financiar atividades de extensão beneficente. Disponível em: <https://www.cmch- vellore.edu/ >. Acesso em: 11 maio 2020. 21 Disponível em: < http://en.chinaculture.org/library/2008-02/04/content_26029.htm> Acesso em 7 de maio 2020. https://www.cmch-vellore.edu/content.aspx?Pid=P171127016 https://www.cmch-vellore.edu/content.aspx?Pid=P171127016 26 Hoje, um sistema educacional com cinquenta mil estudantes, sendo a Universidade Presbiteriana Mackenzie a primeira colocada no ranking da Folha de São Paulo, entre as universidades não públicas do Estado. Recentemente lançou no cenário acadêmico nacional o “Discovery-Mackenzie”, um núcleo de pesquisas e estudos científicos que considera a cosmovisão cristã da criação.22 Ribeiro (apud BORGES, 2008, p. 78) em seu livro Confessionalidade e Construção Ética na Universidade, no capítulo sobre o Mackenzie, destaca palavras de seus fundadores, George e Mary Ann Chamberlain “... o fim deste internato é educar ministros para a igreja Presbiteriana, e ao mesmo tempo dar educação leiga aos que quiserem se utilizar do método e disciplina da Escola Americana.” Borges (2008, p. 85) cita também referências de educadores como Fernando Azevedo (1960) às práticas pedagógicas adotadas pela escola, cujo sucesso atribuía à mensagem e aos métodos trazidos por seus fundadores, em contraste com a precária organização escolar, então no Brasil, e afirma a autora que “unia um tipo de educação que evoca o ideal da educação puritana, na qual vida e educação são inseparáveis e derivada de uma filosofia de vida.” Percebe-se aqui uma clara relação com o modelo de educação tradicional dos Estados Unidos, mesma fonte que nutriu o surgimento do movimento da AEP. 2.3.3 Pesquisa relacionada à educação missional Bruce Wydick, da Universidade de São Francisco e pesquisador do Kellogg Institute, em seu livro Shrewd Samaritan, conclui que certos tipos se cosmovisão espiritual tendem a estar relacionadas com pobreza crônica e que, por outro lado, as religiões que enfatizam uma fé na provisão de Deus e numa sabedoria em lidar com escolhas, possuem mais disposição para o desenvolvimento social e econômico. Cita Nathan Numm e outros que verificaram estreita relação entre escolarização, padrão de educação e os currículos desenvolvidos por missionários em países da África e o futuro o desenvolvimento regional (WYDICK, 2019). Resta clara a ligação das conclusões de Wydick com os princípios de Carácter, Soberania e Mordomiade acordo com a AEP. Wydick, destaca a pesquisa de Robert Woodbarry, pesquisador senior da Baylor University, intitulada “The Missionary Roots of Liberal Democracy” publicada no American 22 Disponível em <https://www.mackenzie.br/> acesso em 23 de maio 2020. 27 Political Science Review, com várias premiações, mais de dez mil downloads e muitas citações em periódicos de Ciências Políticas. Sua pesquisa analisou mais de 50 itens de controle e variáveis, normalmente usadas nos estudos sobre democracia, com referenciais estatísticos, históricos e geográficos, e aponta a educação cristã, conduzida pelas missões, como um dos principais motores para o surgimento de diversos movimentos de nacionalismo e de democracia em vários países. Ficando estabelecida a relação causa-efeito (WYDICK, 2019). 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação atualmente tem sofrido forte influência do relativismo cultural, perda de referenciais e desconstrução de valores tidos como universais. Em consequência fica questionável seu primordial papel de preservação dos pilares da sociedade e de desenvolvimento de novos conhecimentos de forma ética e sustentável. Neste contexto, o presente estudo buscou resgatar a filosofia proposta pela AEP, de maneira a contribuir para uma ressignificação dos modelos educacionais existentes. Foram, portanto, apresentados, no texto, os conceitos fundamentais de cultura, cosmovisão, educação, comunicação transcultural, como eles se relacionam para formarem a base da concepção da Abordagem Educacional por Princípios, como uma filosofia educacional aplicável nos mais diversos contextos culturais. Somente depois de uma profunda análise antropológica e cultural, pode-se então utilizar uma linguagem clara, compreensível e aplicável no processo de ensino e aprendizagem. De igual modo foi possível observar que os fundamentos relacionados a cosmovisão bíblica percorreram de forma divinamente providencial em todos os períodos da história do povo de Deus, influenciando de forma significativa a cultura dos povos e nações. Com foco na sua aplicação, apresentou-se, também, diversas situações em que a metodologia de evangelização integrou processos educacionais pautados nos princípios bíblicos, com objetivo da transformação integral do indivíduo e da sociedade. Portanto, pode-se afirmar que a pesquisa realizada atingiu seu objetivo uma vez que contribuirá para uma reflexão sobre educação, especialmente no que diz respeito aos referenciais filosóficos que embasam os processos educacionais, expondo que a AEP inicia sua construção através da articulação dos conceitos de cultura e educação, consolida-se pela aplicação desta abordagem ao longo da história e demonstra sua eficácia em diferentes contextos transculturais, sendo por isso relevante nos dias atuais. Assim, respondendo à 28 pergunta geradora desta pesquisa, constasse-se ser possível observar como os pilares da Educação por Princípios foram empregados com êxito e estrategicamente agregados a projetos educacionais, desenvolvidos por missões cristãs, em ambientes transculturais. A pesquisa aponta ainda que, de posse destes conhecimentos, será possível capacitar educadores e gestores, implantando neles as sementes da AEP, sua filosofia, metodologia e currículo, equipando com suas ferramentas pedagógicas, para que assim possam semear, com o mesmo amor e dedicação, estes princípios nos corações dos alunos. Está claro que a Abordagem Educacional por Princípios, aplicada com toda a sua eficácia, com certeza produzirá uma geração humana com caráter cristão, completamente transformada, capaz também de influenciar e transformar o meio onde vive, com líderes servidores, aptos para cumprir plenamente a sua vocação perante Deus e a sociedade. REFERÊNCIAS AECEP. Referencial para estruturação e gestão de escolas de Educação por Princípio. Belo Horizonte: AECEP, 2013. ANDRADE, Claudionor C. Manual do superintendente da Escola Dominical: o modelo pedagógico de Jesus. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. 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