Buscar

2020 2 aula 8- modernismo 3 - guimarães rosa

Prévia do material em texto

João Guimarães Rosa
Literatura Brasileira Prosa 
Profa. Sueli Salles
Modernismo- 3ª fase
3ª. Geração Modernista. 
Clarice Lispector, 
Lygia Fagundes Telles e a prosa intimista. 
João Guimarães Rosa e a renovação da representação literária do sertanejo. 
Leitura de contos de G.Rosa: A menina de lá, A terceira margem do rio.
João Guimarães Rosa (1908-1967) 
nasceu na cidade de Cordisburgo, Minas Gerais, no dia 27 de junho de 1908. Em 1918, foi para Belo Horizonte. Formou-se médico em 1930, exerceu a medicina pelo interior de seu Estado, onde recolheu importante material para suas obras. Foi diplomata entre os anos de 1938 e 1944. Poliglota, falava mais de nove idiomas.
Seus primeiros trabalhos como escritor foram contos, publicados na revista O Cruzeiro, em 1929. A partir de então, vieram livros de coletânea de contos e seu único romance, Grande Sertão: Veredas. Em 1934, Guimarães Rosa foi para o Rio de Janeiro onde prestou concurso para o Itamarati. Entre 1938, foi nomeado cônsul-adjunto na cidade de Hamburgo, na Alemanha. Em 1945 voltou para seu Estado para rever os lugares onde passou a infância, em busca de material literário. Em 1946, estreou com o livro de contos “Sagarana”, de cunho regionalista, a obra levou o escritor ao renome, pela originalidade de sua linguagem.
Em 1956, publicou duas obras-primas “Corpo de Baile” (novelas) e “Grandes Sertões: Veredas” (romance). O autor publicou ainda “Primeiras Estórias” (1962) e “Tutaméia – Terceiras Estórias” (1963). Nesse mesmo ano foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, mas a sua cerimônia de posse foi adiada por 4 anos. Finalmente, em 1967, Guimarães Rosa tomou posse. Três dias depois de tomar posse, tem um ataque cardíaco, falecendo no Rio de Janeiro, no dia 19 de novembro de 1967.
A Terceira Margem do Rio
(Primeiras estórias, 1962)
Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.
Nos slides anteriores, vimos os três primeiros parágrafos do conto.
Observe:
Em amarelo: dados sobre o pai;
Em azul: dados sobre a mãe;
Em verde: dados sobre a canoa;
Em rosa: dados sobre o rio.
O que se pode deduzir sobre esses itens até o momento?
A menina de lá 
(Primeiras estórias, 1962)
	Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor–de -Deus. O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.
	Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia.–“Ninguém entende muita coisa que ela fala...”– dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo: -“Ele xurugou?” – e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: -“Tatu não vê a lua...”– ela falasse. Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.
	Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. –Nhinhinha, que é que você está fazendo?”–perguntava - se. E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: -“Eu... to-u... fa-a-zendo”. Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?
	Nada a intimidava. Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo -“Menino pidão... Menino pidão...”Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: -“Menina grande... Menina grande...”Com isso Pai e Mãe davam de zangar-se. Em vão. Nhinhinha murmurava só: - “Deixa... Deixa...”–suasibilíssima, inábil como uma flor. O mesmo dizia quando vinham chamá-la para qualquer novidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças. Não se importava com os acontecimentos. Tranquila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater -lhe, não ousassem; nem havia motivo. Mas, o respeito que tinha por Mãe e Pai, parecia mais uma engraças espécie de tolerância. E Nhinhinha gostava de mim.
	Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. –“ Cheiinhas!”–olhava as estrelas, deléveis, sobrehumanas. Chamava as de “ estrelinhas pia pia ”. Repetia: -“Tudo nascendo! ”– essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. –“A gente não vê quando o vento se acaba...” Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: -“Alturas de urubuir...” Não, dissera só: - “... altura de urubu não ir.”(...) Outra hora falava -se de parentes já mortos, ela riu: -“Vou visitar eles...” Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: -“Ele te xurugou?” Nunca mais vi Nhinhinha.
Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer milagres. Nem Mãe nem Pai acharam logo a maravilha, repentina. Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada, olhando o nada diante das pessoas: -“Eu queria o sapo vir aqui” Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar, o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, porvezo, acenou -lhe com o dedo. Mas, aí, reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas uma bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela riu: -“Está trabalhando um feitiço ...” Os outros se pasmaram; silenciaram demais. (...)
	Decidiram de guardar segredo. Não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes de mais perto, devia saber. Também, o Pai, Tiantônia e a Mãe, nem queria versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.
	O que ao Pai, aos poucos, pegava a aborrecer, era que de tudo não se tirasse o sensato proveito. Veio a seca, maior, até o brejo ameaçava se estorricar. Experimentaram pedir a Nhinhinha: que quisesse a chuva. –“Mas, não pode, ué...”– ela sacudiu a cabecinha. Instaram - na: que, se não, se acabava tudo, o leito, o arroz, a carne, os doces, frutas, o melado. –“ Deixa... Deixa...”– se sorria, repousada, chegou a fechar os olhos, ao insistirem, no súbito adormecer das andorinhas. 
	Daí a duas manhãs quis: queria o arco-íris. Choveu. E logo aparecia o arco-da-velha, sobressaído em verde e o vermelho– que era mais um vivo cor-de-rosa. Nhinhinha se alegrou, fora do sério, à tarde do dia, com a refrescação. Fez o que nunca lhe vira, pular e correr por casa e quintal.
	- “Adivinhou passarinho verde?”–Pai e Mãe se perguntavam. Esses, os passarinhos, cantavam, deputados de um reino. Mas houve que, a certo momento, Tiantônia repreendesse a menina, muito brava, muito forte, sem usos, até a Mãe e o Pai não entenderam aquilo, não gostaram. E Nhinhinha, branda, tornou a ficar sentadinha, inalterada que nem sesonhasse, ainda mais imóvel, com seu passarinho -verde pensamento. Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.
	E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu. Diz-se que da má água desses ares. Todos os vivos atos se passam longe demais. Desabado aquele feito, houve muitas diversas dores, de todos, dos de casa: um de –repente enorme. A Mãe, o Pai e Tiantônia davam conta de que era a mesma coisa que se cada um deles tivesse morrido por metade. E mais para repassar o coração, de se ver quando a Mãe desfiava o terço, mas em vez das ave-marias podendo só gemer aquilo de –“Menina grande... Menina grande...”– com toda ferocidade. E o Pai alisava com as mãos o tamboretinho em que Nhinhinha se sentava tanto, e em que ele mesmo se sentar não podia, que com o peso de seu corpo de homem o tamboretinho se quebrava.
	Agora, precisavam de mandar um recado, ao arraial, para fazerem o caixão e aprontarem o enterro, com acompanhantes de virgens e anjos. Aí, Tiantônia tomou coragem, carecia de contar: que, naquele dia, do arco-íris da chuva, do passarinho, Nhinhinha tinha falado despropositado desatino, por isso com ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites de verdes brilhantes... A agouraria! Agora, era para se encomendar o caixãozinho assim, sua vontade?
	O Pai, em bruscas lágrimas, esbravejou: que não! Ah, que, se consentisse nisso, era como tomar culpa, estar ajudando ainda Nhinhinha a morrer... 
	A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou –o sorriso tão bom, tão grande –suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! –pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha•
Análise dos textos
Compare os dois contos de G.Rosa e discuta:
1- Comente as semelhanças entre as personagens Nhinhinha (A menina de lá) e o Pai (A terceira margem do rio) em relação à comunicação verbal, ao mistério e ao que provocam nos familiares.
2- Comente a relação entre esses personagens e o espaço real (meio ambiente) e o espaço figurativo (lá? Terceira margem do rio?).
3- Comente a sensação de impotência dos familiares no destino dessas personagens. Você consegue fazer associações com situações cotidianas da sua vida, ao ler esses textos?
 A nova geração de escritores: 
Daniel Galera, 
Clarah Averbuck 
Lourenço Mutarelli: O cheiro do ralo(Mutarelli)
 Geovani Martins: O sol na cabeça