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Teoria do 
Conhecimento
Material Teórico
Responsável pelo Conteúdo:
Prof. Ms. Alexandre Saramelli
Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
O problema da verdade e da validade do conhecimento
5
• Introdução: a pergunta pela verdade
• Conclusão
Objetivos Gerais
 · Distinguir o problema da verdade da questão da validade e ampliar a capacidade 
do aluno em discutir, propor e avaliar critérios não só da verdade do conhecimento 
como também da validação de seus pressupostos, métodos e objetivos. 
Objetivos específicos
 · Levantar as noções de verdade a partir das diferentes formas de conhecimento;
 · Refletir sobre os conceitos e pressupostos implicados no conceito de verdade;
 · Aprender a relacionar verdade e o problema da linguagem;
 · Refletir criticamente a busca pela verdade diante do discurso ideológico;
 · Contextualizar o problema da verdade do conhecimento à luz das dimensões 
éticas e políticas.
Começaremosagora o estudo do problema da verdade, talvez o mais intrigante da história 
da filosofia. Procuraremos, à luz das grandes teorias sobre o tema, levantar os problemas que 
envolvem o conhecimento da verdade de modo a torná-lo bem próximo de você. 
A linguagem é simples, mas o tema é complexo. Sugerimos algumas leituras, alguns filmes 
e outras obras para complementar o texto teórico. Demos mais importância ao tema do que 
aos autores, poisas próximas unidades trabalharão os autores. 
Fique atento às questões que serão levantadas – as perguntas em filosofia continuam sendo 
mais importantes que as respostas. Você é convidado a filosofar junto e colocar sua experiência 
de vida para confrontar os autores e os conceitos. A teoria serve para orientar a vida. 
A verdade tem múltiplas faces,são diversas as abordagens e dimensões a partir das quais 
se pode discorrer sobre o assunto, escolhemos aquelas que mais incidência tem no cotidiano 
de nossas vidas. Os conceitos serão apresentados como propostas de esclarecimento e 
padronização da linguagem. Observe outras possibilidades de apresentar os critérios que 
definem o problema da verdade. 
O roteiro é simples: começaremos demonstrando a relevância da verdade em nosso 
dia a dia por meio da pergunta pela verdade (Introdução);depois, trabalharemos a relação 
entre verdade e validade do conhecimento; discutiremos alguns critérios para uma nova 
noção de verdade que dê conta da pluralidade das formas de conhecimento já apresentadas 
anteriormente; em seguida, propusemos uma relação entre verdade e linguagem, verdade 
e ideologia; e, finalmente, avançaremos para concluir com uma análise da verdade sob o 
prisma da política e da ética. Faça bom proveito! 
O problema da verdade e da validade do 
conhecimento
6
Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
Contextualização
Vamos trazer o tema da verdade para o campo do dia a dia das controvérsias religiosas. 
Procure observar e escutar como são tratadas as diferenças religiosas entre igrejas 
e confissões de fé. Observe o fenômeno não só entre pessoas de diferentes igrejas ou 
religiões, mas internamente, entre fiéis que confessam o mesmo credo. Observe: quem 
manda e quem tem o poder de ditar a regra (o dogma)? Não é isso que apontamos sobre 
a dimensão política da verdade? 
Do mesmo modo, ouvindo e aprendendo com o mesmo fenômeno, observe como se dão os 
confrontos:a que nível pode chegar uma simples discussão sobre se isso é ou não é pecado,se 
o culto deve ser feito desse ou daquele jeito. Procure ligar o que você aprendeu sobre a relação 
entre verdade e ética com a experiência das disputas religiosas em torno da verdade. 
7
Introdução: a pergunta pela verdade
Fonte: iStock/Getty Images
A variedade de conhecimentos traz consigo a 
pergunta sempre atual pela verdade: Quid est 
veritas? A antiga e surpreendente novidade dessa 
pergunta, a mesma que fez Pilatos a Jesus (BIBLIA, 
João, 18:38), continua ressoando sob as mais 
diversas e contraditórias circunstâncias. 
Glossário: Quid est veritas? – Que é a verdade?
Por vezes, pergunta-se pela verdade com o firme propósito de desautorizar um discurso que 
se impõe como verdadeiro. Algumas vezes, a pergunta surge irônica, desinteressada, como 
que proclamando sua completa inutilidade. Outras vezes, mais do que pergunta, ela se abre 
como afirmação de uma impossibilidade: a verdade não existe; e se existe, é impossível chegar 
a um acordo que a defina; e, mesmo que fosse possível tal acordo, seria impossível atingi-la. 
Essa atitude provém do ceticismo, teoricamente pouco frequente em nosso meio, sobrevive, 
de fato, em termos práticos, em muitas de nossas relações, conversas e reuniões. Alguns, os 
menos escrupulosos, até chegam a dizer: “vamos terminar logo com essa conversa, pois não 
vamos chegar a lugar algum”. Posturas céticas revelam, na maioria das vezes, o cansaço, a 
impaciência e intolerância para com a busca, que realmente é difícil, de acordos em torno do 
que possa ser verdadeiro. 
Os hábitos de impaciência e intolerância com a discussão de temas filosóficos ou outros que 
geram discordâncias e polêmicas mostram a que ponto chegou uma civilização que prefere a 
força bruta ao invés do diálogo para a resolução de seus conflitos. 
Outras vezes, a questão da verdade surge para legitimar os mais sórdidos interesses, 
dissimulando os mais perversos projetos de destruição da verdade alheia – isso quando não é 
o outro em si a quem se deseja eliminar. 
Entretanto, a pergunta pela verdade também tem faces positivas. A mais importante 
é aquela que reflete uma busca apaixonada e incansável por critérios que possam ir 
descortinando o véu que obscurece uma aproximação com a verdade. Essa busca fundamental, 
cuja posse nunca se tem, é encontrada na simplicidade do conhecimento comum de gente 
que vive procurando superar os problemas do seu cotidiano. Aparece também de outra 
forma,na busca diligente do filósofo e do cientista que se dedicam, cada qual a seu modo, na 
apuração de critérios que sejam cada vez mais seguros na proposição do verdadeiro. Pode 
ser constatada igualmente na atividade do artista, cujo afã é exprimir sua percepção subjetiva 
da verdade. O mesmo acontece com o mito e na fé religiosa, em que predomina a linguagem 
mítica de ver o mundo. 
8
Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
A pergunta pela verdade é e permanecerá relevante do ponto de vista da vida prática e 
cotidiana, mas também do ponto de vista de quem reflete sobre as condições de possibilidade 
do conhecimento. A questão da verdade está presente, portanto, não só em todas as formas 
de conhecimento, como está no próprio ato de conhecer, pois o conhecimento pressupõe 
que ao menos uma vez se pergunte o que significa conhecer a verdade. Como, quando e em 
que condições a conhecemos? De fato é possível atingi-la? Quais critérios definem o que é o 
conhecimento seguro e verdadeiro? 
Verdade ou validade do conhecimento?
A verdade é,antes de mais nada, um valor. Se a temos, somos valorizados; se, porém, 
dela estamos longe, somos ignorados. O conhecimento que pretensamente se supõe que 
não garante a verdade não tem valor, por isso não tem validade. Verdade e validade do 
conhecimento se confundem, mas são distintas. A validade do conhecimento está em sua 
capacidade de garantir maior ou menor aproximação da verdade. 
Diante da variedade de conhecimento, pode-se perguntar não só pela verdade, mas pela 
validade. Perguntar pela validade equivale a questionar o seu método ou procedimento, 
significa perguntar pelas fontes e condições que produzem o conhecimento. Exemplo: o juiz 
pode negar a produção de uma prova para incriminar alguém porque julgou inválida não a 
prova em si, mas o meio ou instrumento, ou a circunstância que a produziu. Assunção de 
culpa mediante tortura, por exemplo, não é um meio válido para culpabilizar e muito menos 
condenar alguém. O mesmo ocorre com o conhecimento,certos instrumentos de averiguação 
ou aproximação ao objeto podem ser considerados inválidos naótica de avaliação de outra 
forma de conhecimento. 
A ciência, por exemplo, considera inválido o modo subjetivo, com ênfase na sensibilidade 
estética com que o artista propõe a narrativa sobre o mesmo objeto que ela procura 
descrever. O objeto pode ser o mesmo. Por exemplo, a água:para o artista, o que importa 
é como ele sente, vê e percebe a água –o que vale é a expressão estética;para o cientista, 
a água é H2O com propriedades físicas e químicas que precisam ser compreendidas pela 
razão lógica e descritiva. 
A validade do conhecimento, assim como o valor de qualquer coisa, está em função 
dos objetivos e dos meios que se quer utilizar para conhecer. Quando se prioriza a forma 
contemplativa e intuitiva do conhecimento, pode-se validar a busca subjetiva; mas quando se 
prioriza a forma racional e objetiva, válido é apenas o conhecimento submetido ao controle 
experimental do sujeito. 
Afinal, validade e verdade se equivalem? Às vezes sim, sobretudo quando só é válido aquilo 
que se considera verdadeiro;às vezes não, pois a verdade pode não ter valor ou ser ignorada 
se o caminho que se propõe para atingi-la é desqualificado ou considerado inadequado. Por 
exemplo, caso um dado seja apresentado como verdadeiro, mas não se consiga provar que 
de fato o é, a apresentação não tem validade. O problema está no critério da prova. O que 
de fato tem condições de garantir certo e seguramente o que é verdadeiro? A linguagem que 
o expressa, o método que se emprega ou os fatos que se alude para demonstrá-la? Veja que 
temos por enquanto mais perguntas do que resposta. A pressa para obter respostas implica 
ignorar a complexidade do tema. 
9
Essa unidade não proporá nenhum tratado filosófico definitivo e dogmático a respeito da 
verdade. A intenção é oferecer um percurso de reflexão que possa: primeiro, desfazer alguns 
preconceitos em relação ao que se supõe ser a verdade; segundo, encaminhar o esclarecimento 
de alguns temas que estão diretamente ligados à questão da verdade; terceiro, propor alguns 
critérios mínimos para amadurecer a discussão gerada pela crise de conhecimento e de certezas 
que estamos vivendo atualmente. Por isso, decidimos seguir o mesmo caminho que viemos 
fazendo até aqui, ou seja, vamos retomar cada uma das formas de conhecimento que foram 
expostas na unidade anterior e refleti-las agora sob a ótica da questão da verdade. 
Sendo assim, é preciso buscar, nem que seja de maneira provisória, um conceito mínimo 
e operativo de verdade para que, com ele, compreenda-se como cada uma das formas de 
conhecimento traduz a seu modo a dimensão da verdade. 
Critérios para uma nova noção de verdade 
Até aqui,, viemos trabalhando com a perspectiva de perceber o conhecimento como relação 
do ser humano com o mundo que se dá de maneira diversa, conforme os diferentes modos 
de se estabelecer um relacionamento. Procuramos distinguir e apresentar as características 
elementares que identificam uma forma de conhecimento em relação à outra. Neste sentido, 
segundo essa perspectiva, perguntar por uma verdade absoluta ou universal, ou ainda pela 
forma de conhecimento que mais se aproxima da verdade, já é, em si, um equívoco, pois 
cada forma de conhecimento compreende a busca pela verdade de maneira a salientar ou 
privilegiar um ou outro aspecto da realidade, um ou outro aspecto da relação “sujeito-objeto”, 
do ser humano com o mundo a sua volta.
Isso significa que cada forma de conhecimento possui, ainda que de modo impreciso, 
variável e não definitivo, um conceito próprio de verdade. Tentemos nos aproximar de cada 
um desses conceitos, retomando, agora sob a ótica da verdade, cada uma das formas de 
conhecimento anteriormente analisadas.
A verdade para o senso comum
A verdade do senso comum está na descoberta espontânea e intuitiva de realidades que 
ajudam a solucionar os desafios da vida. A verdade está no caráter operativo e prático desse 
conhecimento, está na capacidade de adaptação, uso e compreensão imediata da experiência 
acumulada e transmitida pela tradição ao lidar com os problemas mais concretos da existência 
– que são, em geral, aqueles ligados à sobrevivência. 
Verdadeiro para o senso comum é tudo aquilo que serve às necessidades da vida 
prática e cotidiana; falso é tudo aquilo que não serve para superar as dificuldades do dia adia 
e não se adapta à experiência habitual. A verdade para o senso comum está no ato mesmo 
da comunicação,o conhecimento comum transmite a verdade, talvez, a mais elementar para 
o ser humano: viver é comunicar-se, mediante a linguagem comum de sua comunidade, viver 
é comunicar-se consigo mesmo, com seus semelhantes e com o mundo todo à sua volta. Sem 
essa verdade transmitida naturalmente pelo senso comum seria impossível tornar-se humano. 
10
Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
Verdade para a ciência
A ciência, sobretudo depois dos críticos do conhecimento científico, tais como David Hume 
(1711-1776), Karl Popper (1902-1994) e Thomas Kuhn (1922-1996), tem se comportado 
com menos arrogância em relação à posse da verdade. A própria história da ciência tem 
progredido a partir de rupturas (KUHN)1. Conforme a circunstância, muda-se o paradigma 
que modela a atividade do cientista. O que era verdade ontem deixou de sê-la com uma nova 
descoberta, e essa nova descoberta poderá, mediante outra, vir a perder seu status de verdade. 
Assim tem acontecido com a ciência e assim deverá continuar acontecendo. 
O progresso do conhecimento científico ocorre segundo um processo de acúmulo de 
experiências, descobertas de novas informações e evidências que vão sugerindo novas leis e 
teorias gerais cada vez mais completas sobre a realidade. Uma nova descoberta pode refutar a 
generalidade de uma teoria até então aceita como verdade. A teoria da relatividade de Einstein 
ofereceu um novo paradigma de compreensão para os fenômenos físicos que superaram o 
paradigma da teoria newtoniana. A certeza científica não é como se pensa, realidade irrefutável 
(POPPER)2. Qualquer evento novo pode fazer ruir certezas que balizaram certas proposições 
científicas até então concebidas como verdadeiras. 
O trabalho de David Hume procurou apontar a incapacidade de se demonstrar, pelo processo 
da indução, a certeza de que o mesmo evento na natureza deverá ocorrer da mesma forma 
só porque uma lei científica o propôs a partir de outros casos observados. A própria incerteza 
virou teoria em ciência. Em física quântica, Heisenberg (1901-1976) formulou o princípio da 
incerteza baseado em suas observações do mundo subatômico. Para ele, é impossível determinar 
com precisão a localização e a velocidade de um elétron simultaneamente à sua observação – 
veja, nem mesmo a ciência parece ter a última palavra no que diz respeito à verdade3. 
O conceito de positivo de verdade em ciência tem sido predominante privilegiado, apesar 
da vigência de outros modelos de práticas científicas, principalmente em ciências humanas. 
Positivo é o fenômeno que pode ser experimentalmente verificado, observado com os nossos 
cinco sentidos;aquilo que não se pode ver, tocar, cheirar, palpar, sentir, ouvir e provar não 
pode ser objeto da busca pela verdade,segundo esse conceito de verdade científica. 
A verdade, em ciência, passa pela necessidade de descrever um objeto tal como ele se 
apresenta em sua objetividade, isto é, tal como ele pode ser captado e percebido por todos, 
independentemente das inclinações, dos gostos e interesses dos sujeitos. A verdade, em 
ciência, é, pois, um conceito que deve surgir como produto de uma acurada e 
diligente mensuração do objeto. Medir, pesar, calcular e apresentar dados passíveis 
de quantificação são exigências de natureza científica –mapas, gráficos e números 
fazem parte do cotidiano da atividade científica. A verdade matemática constitui num 
dos modelos mais persuasivos da verdade científica. 
1 Thomas Kuhn (1922-1996) publicou pela primeira vez em 1962 sua célebre obra defendo essa tese das revoluções científicascom 
base no conceito de paradigma (KUHN, 2003). 
2 Karl Popper (1902-1994) propôs e tentou demonstrar - de modo que causou muita polêmica entre os estudiosos - que uma boa 
teoria científica não se mede pela verdade, mas pelas possibilidades que lhe permitem ser falsa (POPPER, 1993). 
11
Verdade no mito?
A verdade do mito está na interpretação intuitiva e significativa da realidade que se pode 
extrair do relato nele implicado. O mito não descreve o real em categorias racionais e factuais; 
não pretende reproduzir uma expressão do real que não seja ficção, metáfora, alegoria. Sua 
verdade encontra-se na interpretação de uma situação que atinge em profundidade 
algum sentido escondido que só a imagem fictícia, em forma de fábula, conto ou 
novela é capaz de revelar. Ler a verdade do mito através apenas do relato que ele propõe 
em sua superfície é não compreendê-la. Sua verdade está no conjunto significativo do relato, 
nunca nas imagens do relato entendidas como reprodução mecânica do real.
A busca da verdade em filosofia
A verdade da filosofia encontra-se no seu próprio esforço de buscá-la através de categorias 
racionais, independentemente de “pré-juízos” ou “pré-conceitos”. O conhecimento filosófico 
propõe não uma verdade, mas verdades que devam surgir de um processo de reflexão autônoma, 
racional e disposta a enfrentar o desafio dos princípios causais que possam validar ou invalidar 
sua fundamentação, tanto prática quanto teórica. Verdade em filosofia nunca é uma 
posse definitiva, mas sempre uma busca apaixonada, cujo limite é a fidelidade à 
própria razão.
A verdade na arte
A verdade da arte é a própria aproximação do real segundo as categorias 
da sensibilidade, subjetividade, do prazer estético e da criação-transformação 
do mundo. O artista não propõe verdades universalmente válidas para todo o sempre 
independente das circunstâncias; antes, propõe uma verdade cuja intenção é aproximá-la 
quanto mais possível for dos ideais de beleza, prazer e plenitude da vida humana.
Em resumo, a verdade não se obtém, como acabamos de constatar, através do ideal 
de absoluto e universal como se fosse captado em forma única;a revelação, apreensão e 
expressão da verdade dependem das diversas modalidades de conhecimento que condicionam 
a representação que dela fazemos. Tudo depende da forma como representamos aquilo que 
entendemos por verdade, o que nos conduz a uma reflexão mais profunda sobre a questão da 
linguagem e da ideologia.
12
Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
O problema da verdade e sua relação com a linguagem 
A questão da verdade é assunto de gente, o animal não está preocupado com a verdade. Evidentemente, 
as coisas, por sua vez, não podem colocar o mesmo problema. Tudo isso parece óbvio, mas o que 
estamos querendo afirmar é que a verdade é importante ao humano, por mais que a queiramos traduzir 
em discursos que buscam legitimação na realidade objetiva, o fato é que a realidade mesma subsiste 
sem a necessidade da verdade. Nós, seres humanos, imersos no mundo dos seres e das coisas, somos 
os únicos a colocar o problema da verdade, talvez porque sejamos, contraditória e ironicamente, os 
únicos a desenvolver o poder de construir um mundo de mentiras. 
Segundo Aristóteles (384-322a.C.), a verdade é uma questão que surge da relação entre a 
inteligência e as coisas. A definição clássica retomada por Tomas de Aquino (1225-1274), “veritas 
est adaequatio rei intellectus”,que significa literalmente“adequação ou concordância perfeita 
entre inteligência e realidade”,traduziria a noção ideal do que devemos entender sobre verdade. 
Apesar da clareza dessa definição, muito já se refletiu sobre suas múltiplas possibilidades de 
interpretação. Uma possibilidade de interpretação passa pela seguinte constatação: as coisas 
não possuem a verdade, o ser humano tampouco, a verdade está a meio caminho, exatamente 
no encontro, na relação entre um e outro. A verdade está na maneira como postulamos essa 
relação, esse encontro. 
Novamente, abrimos a possibilidade de uma compreensão aberta e plural de conhecimento. 
Outra constatação é que a verdade estará sempre condicionada ao discurso humano que 
busca tornar presente, ou melhor, “re-presentar”, a realidade. Neste sentido, a verdade será 
sempre um produto da linguagem humana, isto é, será sempre um produto das formas humanas 
de representação do real. Palavra e linguagem são expressões representativas da realidade – 
alguém já disse: o mapa não é o território, mas uma representação aproximada dele. 
O filósofo Ludwig Wittigenstein (1889-1951) já havia alertado que o universo dos limites 
de nossa linguagem denota os limites de nosso mundo. Nessa perspectiva, a verdade do 
real nos vem através dos limites de nosso vocabulário. Não conhecemos bem aquilo que 
não conseguimos traduzir e expressar através da linguagem,seja ela escrita, falada, cantada, 
pintada, esculpida ou gestualmente dramatizada. 
A verdade, portanto, depende da linguagem humana. A linguagem contém 
o poder de exprimir, falsear, ocultar, mascarar ou revelar um mundo que, em 
si mesmo, não é nem verdadeiro, nem falso. Verdadeiro ou falso é, a rigor, o que 
expressamos sobre o real. Verdadeiro ou falso é o nosso discurso, não a realidade. Eis porque 
conceber a verdade do ponto de vista da linguagem significa, entre tantos problemas, levantar 
a questão da ideologia.
13
O problema da verdade e sua relação com a Ideologia 
Ideologia, o que é? Estamos diante de um conceito filosófico bastante complexo e que de 
certa forma está condicionado pela posição teórica que o filósofo assume perante a realidade. 
Empregamos aqui o conceito de ideologia no horizonte do referencial da filosofia de Karl Marx 
(1818-1883), ou seja, concebemos ideologia como produto da vida material, diretamente 
ligada com as relações de interesse que estabelecemos com as realidades que nos cercam:
A produção de ideias e de representação da consciência está em 
primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e 
ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. 
As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos 
homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento 
material[...]. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida 
que determina a consciência.
(MARX; ENGELS, 1984, p. 36-37).
A ideologia como discurso dissimulador do real em seu sentido negativo reduz o significado 
da palavra ideologia em sua relação com a verdade, tal como queremos tratá-la no conjunto 
dessa unidade. Talvez a compreensão mais esclarecedora dessa relação complexa, abrangente 
e ambígua da ideologia enquanto discurso pretensamente revelador da verdade sobre o real 
esteja presente nas palavras da professora e filósofa Marilena Chauí:
[...] a ideologia não é apenas a representação imaginária do real para 
servir ao exercício da dominação em uma sociedade fundada na luta 
de classes, como não é apenas a inversão imaginária do processo 
histórico na qual as idéias ocupariam o lugar dos agentes históricos 
reais. A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, 
é a mentira necessária pela qual os agentes sociais representam 
para si mesmo o aparecer social, econômico e político, de tal 
sorte que essa aparência (que não devemos simplesmente tomar 
como sinônimo de ilusão ou falsidade), por ser o modo imediato e 
abstrato de manifestação do processo histórico, é o ocultamento 
ou a dissimulação do real. Fundamentalmente, a ideologia é 
um corpo sistemático de representações e de normas que nos 
“ensinam” a conhecer e a agir. A sistematicidade e a coerência 
ideológicas nascem de uma determinação muito precisa: o discurso 
ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular 
a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar 
uma lógica da identificação que unifique pensamento, linguagem e 
realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos 
os sujeitos sociais com uma imagemparticular universalizada, isto 
é, a imagem da classe dominante [...] 
(CHAUÍ, 1994, p. 3).
Desse modo, ideologia é um conjunto de ideias que se impõe como verdade, 
como interpretação fiel e absoluta dos fatos, sem admitir a distinção entre fato e 
discurso, acontecimento e interpretação. Toda busca da verdade, nesse sentido, 
tende e corre o risco de ideologização caso não estabeleça, antes de tudo, uma 
clara e nítida distinção entre realidade e representação. 
14
Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
De qualquer maneira, é preciso admitir: estamos irremediavelmente fadados a correr o 
risco do discurso e da interpretação ideológicas sobre a realidade, pois não há possibilidade 
de aproximação do real, pelo menos para o ser humano, sem a sua evocação, expressão 
pelo discurso representativo. Buscar a verdade é sempre, por isso mesmo, correr o risco de 
produção de ideologias. Nesse sentido, a humildade despretensiosa da consciência que se sabe 
não possuidora da verdade, muito menos daquela universal e absoluta, já é uma boa “vacina” 
contra o caráter “ideologizante” de qualquer que seja o discurso.
Conhecimento e verdade são temas que continuam a desafiar a reflexão dos pensadores. 
Esperamos, com isso, ter aberto uma discussão que continue o que aqui apenas começamos. 
A verdade do conhecimento é um problema nosso e cada um de nós tem o direito e o dever 
de se posicionar em relação a ela. Mais cedo ou mais tarde, somos todos chamados, teórica ou 
praticamente, a pronunciar uma opinião a esse respeito. Dizer que a verdade é relativa é uma 
conquista acertada da humanidade, vale como princípio para a constituição do diálogo, mas 
não como resposta suficiente diante de tantos conflitos em torno da busca pelo verdadeiro. 
Verdade e poder 
A busca pela verdade não é apenas uma questão da teoria do conhecimento e da filosofia. 
No seio do problema da verdade, na dimensão do relacionamento humano e da convivência 
em sociedade, o entendimento e a comunicação entre as pessoas passam pela instituição de 
critérios que controlam a noção de verdade dentro de um grupo, de uma comunidade e de 
toda uma sociedade. 
A primeira condição para o estabelecimento dos critérios que podem definir a verdade 
passa justamente pela questão do “poder” que a define. Antes mesmo de saber o que é 
verdade, há uma “luta política”, isto é, uma disputa, admitida ou não, explícita ou implícita, 
para ver quem, de fato, tem o poder e a legitimidade para definir o que é verdadeiro ou não.
Cada etapa da história humana produz seus critérios e sua noção de verdade. Essa noção 
é sempre produto de uma correlação de forças a partir da qual vence a noção que tem maior 
poder para se impor frente às demais. Houve uma época em que a verdade era decidida nos 
meios aristocráticos,o poder de decidir o que é verdadeiro estava nas mãos da nobreza; em 
outro momento, a história legou à religião e a seus representantes tal poder. Por vezes, esse 
poder se encontrou com os sábios. Hoje, é dado aos juízes e aos peritos do conhecimento 
científico cada vez mais especializado. O fato é que a verdade está condicionada social e 
historicamente pelo poder. 
Portanto, a verdade é também um problema político. O “verdadeiro” deve a cada momento 
ser compreendido através da luta entre ideias, interpretações e representações do real que se 
opõem, são concorrentes, e o são exatamente porque expressam o nível dos conflitos e das 
contradições presentes na história dos seres humanos situados em posições e situações sociais 
bem diferentes entre si. 
Isso tudo significa que, enquanto persistir a desigualdade social e o poder de decisão não 
alcançar a plenitude de processos efetivamente democráticos, a verdade continuará sujeita à 
manipulação de grupos e de interesses minoritários. Se a verdade absoluta não existe, isso não 
significa que a relatividade da verdade é uma questão resolvida. 
15
Mas, afinal de contas, quem continua decidindo o que deve ser acolhido como verdadeiro 
ou falso numa sociedade como a nossa? 
Um programa de televisão antigo chamado “Você decide”não era perverso porque 
manipulava e direcionava a resposta dos interlocutores que o assistiam, mas porque colocava 
o problema da verdade na esfera do privado, como se não houvesse necessidade do confronto, 
da assembleia, da discussão democrática em torno da busca pelo “verdadeiro”.
A questão não se resolve achando que a verdade esteja em “você”. Porém, isso não significa 
que se deva concordar com o “eu decido”. Tanto o “você” quantoo “eu” absolutos são 
perigosos quando se trata de aceitar cegamente com quem está a verdade. As duas soluções 
se equivalem, pois significam remeter e restringir a decisão pelo que deve ser verdadeiro na 
esfera do individual. A questão talvez não deva passar nem pelo “eu” nem pelo “você”, mas 
por “nós decidimos”. Somos nós – coletiva e democraticamente, através de processos lentos, 
difíceis e, às vezes, dolorosos – os responsáveis pela procura da verdade. 
A verdade é realmente um problema político e, enquanto tal, não é absoluta;mas 
também, muito menos, relativa. A verdade é uma construção dialética, que só pode nascer 
a partir de um confronto maduro, transparente, despojado de violência, permeado pela 
sensibilidade e racionalidade, qualidades que predispõem o ser humano ao debate coletivo 
das verdades de cada um. 
Verdade e ética
Por tudo isso, a verdade não é assunto estranho à ética, poisa busca pela verdade 
passa também por um novo posicionamento ético. Passa pela escolha das “armas”, dos 
“instrumentos”, dos “procedimentos” e, finalmente, pela postura com a qual se deve buscá-la. 
É preciso aprender que a verdade não se impõe pela força bruta, física e coercitiva,deve haver 
outras formas mais humanas de se travar a luta pela verdade. Nem tudo é humanamente ético. 
Qualquer que seja a teoria ou o critério que defina o que é “verdadeiro”, o pressuposto sempre 
será um valor. A ética precede a questão da verdade enquanto problema do conhecimento. A 
decisão pelas condições de validade do supostamente definido como “verdadeiro” a precede. 
Portanto, verdade tem a ver com decisão, valoração e, sendo assim, com a própria ética. 
16
Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
Conclusão
Se a verdade passa pelo pressuposto ético, qual deve, ou melhor, quais devem ser os 
critérios valorativos condicionantes de uma definição da verdade? A resposta a essa pergunta 
deverá ser assumida a cada momento, frente a cada nova situação, a cada novo problema 
em que a pergunta pela verdade se faça necessária. Isso, evidentemente, não elimina nosso 
esforço por estabelecer critérios mais gerais que possam validar uma busca pela verdade que 
seja realmente humana.
A opção pela vida talvez seja o valor fundamental para uma busca por verdades efetivamente 
humanas. Vida e liberdade talvez possam oferecer um pano de fundo criterioso para o 
estabelecimento de parâmetros na busca pela verdade. “(...) conhecereis a verdade, e a verdade 
vos libertará” (BIBLIA, João, 8: 32)parece ser um princípio sugestivo –o critério aí proposto 
é o da libertação. 
Como conclusão deste texto, propomos um pensamento incomum sobre a verdadeque não 
tem pretensão conceitual e dogmática, quer apenas provocar e deixar o debate aberto: para 
que serve a verdade? Para nada, se não libertar o ser humano, para isso é que serve a verdade. 
À luz desse princípio, talvez pudéssemos afirmar que, se existe alguma verdade que oprime, 
destrói e mata o ser humano, então, que essa verdade seja jogada no lixo. O que importa 
realmente é libertar o ser humano para viver bem consigo mesmo e com os outros. A verdade 
não é um fim em si mesmo, mas um serviço à vida. 
Nessa mesma perspectiva, escreve Otto Maduro sobre a verdade do humano:
[...] E diria que, precisamente, o sonho de boa parte da humanidade, 
de chegar a acordos mínimos que nos permitam levar a vida em 
paz e harmonia aponta para a idéia segundo a qual nossasverdades 
seriam mais verdadeiras se fossem parte de um mundo diferente e 
melhor: se essas verdades ajudassem a superar em vez de provocar, 
manter, justificar e “aperfeiçoar” as “artes” da guerra, a dominação, 
a destruição do meio ambiente. Ou, noutras palavras, vivemos em 
um mundo tão contaminado de falsidade (isto é, de destruição do 
autenticamente verdadeiro: a vida, a ternura, o desfrute solidário 
da existência ), que nossas pobres e humildes verdades só poderão 
ser “realmente verdadeiras”, só poderão chegar a ser provadas e 
mostrar-se verdadeiras, se porventura contribuírem - e na medida 
em que contribuírem - para transformar este mundo em um mundo 
verdadeiro(isto é, apto para acolher, estimular e nutrir a vida, a 
ternura, o desfrute solidário da existência)
(MADURO, 1994, p. 117-118).
Portanto, o que vale é o conhecimento que conduz às verdades vivificadoras de nossa 
humanidade. Buscar a verdade do conhecimento equivale, pois, a atirar-se à aventura de se 
viver admiravelmente em busca da plenitude do humano.
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Material Complementar
Livros:
Leia a crônica de Luis Fernando Veríssimo e observe como o medo, conflito, tabus, 
ideologias, interesses e outros valores geram discursos, dissimulações, mentiras e 
verdades... O que mais esse texto nos ensina?
A verdade
Luís Fernando Veríssimo
Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho deixando a água do riacho 
passar por entre os dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel de diamante ser levado 
pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em casa que fora assaltada por 
um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara 
desfalecida sobre um canteiro de margarida. O pai e os irmãos da donzela foram atrás 
do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não 
encontraram o anel de diamante. E a donzela disse:
– Agora me lembro, não era um homem, eram dois. E o pai e os irmãos da donzela 
saíram atrás do segundo homem e o encontraram, e o mataram, mas ele também não 
tinha o anel. E a donzela disse:
– Então está com o terceiro! Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante. E o pai 
e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no 
bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para 
a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, pata 
espanto dela.
– Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida - 
gritaram os aldeões.
– Matem-no!
– Esperem! - Gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo 
seu pescoço.
– Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu. E apontou para a donzela, diante do escândalo 
de todos. O homem contou que estava à beira do riacho, pescando, quando a donzela 
se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e 
pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem 
honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor 
do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo: “Já que 
meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor”. E ele sucumbira, pois 
era pobre, e a necessidade é o algoz da honra.
Todos se viram contra a donzela e gritaram; “Rameira! Impura! Diaba!” e exigiram seu 
sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
Antes de morrer, a donzela disse para o pescador:
– A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar 
pela sua. Onde está, afinal a verdade?
O pescador de ombros disse:
– A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? 
O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador. 
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Unidade: O problema da verdade e da validade do conhecimento
Referências
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 1983.
CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia. São Paulo: Cortez, 1993.
HEGENBERG. Explicações científicas – Introdução à filosofia da ciência. 2. ed. São Paulo: 
Edusp, 1974.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 7.ª ed. São Paulo: 
Perspectiva, 2003.
MADURO, Otto. Mapas para a festa – reflexões latino-americanas sobre a crise e o 
conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1994. 
MAGEE, Bryan. As ideias de Popper. São Paulo: Cultrix, 1973.
MARX, Karl e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1984.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo, Cultrix, 1993.
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Anotações

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