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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/339830731 Uma estratégia alimentar sem território. Chapter · March 2020 CITATIONS 0 READS 241 1 author: Cecília Delgado Universidade NOVA de Lisboa 59 PUBLICATIONS 48 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Cecília Delgado on 10 March 2020. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/339830731_Uma_estrategia_alimentar_sem_territorio?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/339830731_Uma_estrategia_alimentar_sem_territorio?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Cecilia_Delgado5?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Cecilia_Delgado5?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Universidade_NOVA_de_Lisboa?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Cecilia_Delgado5?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Cecilia_Delgado5?enrichId=rgreq-e9307d7b876503b81b2c1cb0da9a2a87-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzOTgzMDczMTtBUzo4Njc2MTM5NjE4OTU5MzlAMTU4Mzg2NjY5NjgyMw%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf IberografIas 37 IberografIas 37 PoNTes eNTre agrICULTUra faMILIar e agrICULTUra bIoLÓgICa Cristina Amaro da Costa (coordenação), Cristina Parente, Ana Aguiar, Raquel Guiné, Daniela Costa, Helena Esteves Correia e Cláudia Chaves Colecção Iberografias Volume 37 Título: Pontes entre Agricultura Familiar e Agricultura Biológica Editores: Cristina Amaro da Costa (Coord.), Ana Aguiar, Cristina Parente, Daniela Costa, Helena Esteves Correia, Raquel Guiné, Paula Correia, Cláudia Chaves Autores: Ana Aguiar, Ana Entrudo, Andreia Martins, Ângelo Rocha, Aníbal Cabral, Carmo Bica, Cecília Delgado, Cláudia Chaves, Cristina Amaro da Costa, Cristina Parente, Daniela Costa, Duarte Costa Guimarães, Emília Coutinho, Emiliano Tapia, Fábio Gomes, Fernando Carlos Alves Martins, Fernando Delgado, Fernando Oliveira Batista, Filipa Almeida, Filipa Janson, Francisco Bendrau Sarmento, Frederico Costa Guimarães, Helena Esteves Correia, Irene Aurora Santos, Isabel Mourão, Joana Neto, Joaquim Pinho, José Rocha Fernandes, José Sousa Guedes, Liliana Pinto, Luísa Silva, Manuel António Silva, Maria C. Silva, Maria do Céu Godinho, Maria Helena Marques, Maria Victória Garcia Medina, Paula Nelas, Paula Correia, Paulo Barracosa, Pedro Barbosa, Pedro Reis, Sara Moreira, Raquel Guiné, Raúl Rodrigues, Rui Dionísio, Rui Jacinto, Telmo Costa, Vitor Barros Pré-impressão: Âncora Editora Capa: Cláudia Fonseca | Âncora Editora Fotografia: Ana Santos (Portugal) Impressão e acabamento: Grafisol 1.ª edição: março 2020 Depósito legal n.º *** ***/2020 ISBN: 978 972 780 717 8 ISBN: 978-989-8676-22-1 Edição n.º 41037 Centro de Estudos Ibéricos Rua Soeiro Viegas n.º 8 6300-758 Guarda cei@cei.pt www.cei.pt Âncora Editora Avenida Infante Santo, 52 – 3.º Esq. 1350-179 Lisboa geral@ancora-editora.pt www.ancora-editora.pt www.facebook.com/ancoraeditora O Centro de Estudos Ibéricos respeita os originais dos textos, não se responsabilizando pelos conteúdos, forma e opiniões neles expressas. A opção ou não pelas regras do novo acordo ortográfico é da responsabilidade dos autores “Agradece-se ao Projeto PROJ/CI&DETS/CGD/0006: “Pontes entre Agricultura Familiar e Agricultura Biológica”, financiado através da parceria entre o Politécnico de Viseu e Caixa Geral de Depósitos, e ao CI&DETS e CERNAS, financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)” Apoios: PreâMbULo O rural e a agricultura: das ausências à geografia da esperança Rui Jacinto 11 Pontes. e redes. Cristina Amaro da Costa 19 CaPíTULo 1. agrICULTUra faMILIar e agrICULTUra bIoLÓgICa: CoNCeITos e PráTICas Editores: Helena Esteves Correia e Daniela Costa 23 CoNCeITos agricultura familiar e biológica: modelos tecnológicos e dinâmicas Pedro Reis 29 agricultura familiar e agricultura biológica: conceitos Isabel Mourão 33 PráTICas ProVe – Promover e vender José Sousa Guedes 43 O que fazer para aproximar a agricultura familiar da agricultura biológica. Ângelo Rocha 47 A Segurança alimentar, do ponto de vista da agricultura familiar e biológica, como um caminho de cura do nosso planeta. Liliana Pinto 49 Testemunho de um horticultor de agricultura convencional. Manuel António Silva 53 Agricultura familiar, agricultura biológica e desenvolvimento rural. Perspetiva de uma família de jovens agricultores. Filipa Janson, Frederico Costa Guimarães, Duarte Costa Guimarães 57 Um exemplo do programa PROVE na Área Metropolitana do Porto. Pedro Barbosa 59 CaPíTULo 2. agrICULTUra faMILIar: do dIreITo à aLIMeNTação aTé ao CoNsUMo Editores: Paula Correia e Raquel Guiné 63 do dIreITo e das PoLíTICas o alimento e a agricultura familiar. Paula Correia e Raquel Guiné 67 Uma estratégia alimentar sem território. Cecília Delgado 71 O papel central da mulher para a realização da alimentação enquanto direito. Maria Victória Garcia Medina 77 A agroecologia como abordagem crítica para pensar a agricultura familiar, a agricultura biológica e o desenvolvimento rural. Irene Aurora Santos 81 sementes que guardam diversidades. Maria Helena Marques 85 ao TerrITÓrIo e às Pessoas Os pequenos agricultores familiares e o direito à alimentação. Aníbal Cabral 91 Un proyecto en Salamanca: “5 Colectivos en red – La dignidad de la vida para permanecer en su propia tierra”. Emiliano Tapia 95 Estratégia Terras de S. Pedro – Município de S. Pedro do Sul. Joaquim Pinho 99 «O som é a enxada»: promover a agricultura de proximidade através de uma rádio comunitária. Sara Moreira e Filipa Almeida 101 Agricultura familiar: do direito à alimentação até ao consumo. José Rocha Fernandes 105 CAPíTULO 3. AgRiCULTURA fAMiLiAR E dESEnVOLViMEnTO RURAL: SOCiOLOgiA, TerrITÓrIo e aMbIeNTe Editores: Ana Aguiar e Cristina Amaro da Costa 109 soCIoLogIa e TerrITÓrIo Cultivar laços de confiança e afectividade no seio de uma agricultura familiar que se quer de cariz biológico. Paulo Barracosa 113 Olhares fragmentados sobre as paisagens rurais dos fogos de 2017 no interior do país. Fernando Delgado 117 Agricultura familiar, agricultura biológica e desenvolvimento rural Fernando Oliveira Batista 129 Rede Rural nacional – Construir pontes para o desenvolvimento Rural. Ana Entrudo e Carmo Bica 137 Pontes entre a agricultura familiar e a agricultura biológica Fernando Carlos Alves Martins 141 aMbIeNTe Por uma Cultura Agroalimentar Sustentável. Vitor Barros 147 Agricultura familiar, agricultura biológica e desenvolvimento rural: aspetos em torno da proteção das plantas. Maria do Céu Godinho 153 Património frutícola do Minho – Bases para um desenvolvimento sustentável Raúl Rodrigues 157 Agroecologia e a consolidaçãoda agricultura familiar na comunidade dos países de língua portuguesa. Francisco Bendrau Sarmento 161 CaPíTULo 4. PoNTes agrICULTUra faMILIar e agrICULTUra bIoLÓgICa. UM ProjeTo CoNsTrUIdo Editores: Cristina Amaro da Costa, Ana Aguiar e Cristina Parente 165 Contruir pontes entre agricultura familiar e agricultura biológica. Cristina Amaro da Costa, Raquel Guiné, Daniela Costa, Helena Esteves Correia, Cláudia Chaves, Ana Aguiar, Cristina Parente 167 Adesão e resistência a práticas de agricultura biológica entre agricultores familiares: uma abordagem a partir de grupos focais. Cristina Parente 171 Agricultura familiar do norte e centro de Portugal: práticas de agricultura sustentável. Ana Aguiar 181 Agricultura familiar: perceções e atitudes face ao uso de pesticidas. Telmo Costa, Cristina Amaro da Costa 185 Caracterização da agricultura familiar na região de Entre douro e Minho. Luísa Silva, Ana Aguiar 195 a metodologia Lean como ferramenta de avaliação da eficiência de explorações de agricultura familiar. Luisa Silva, Ana Aguiar, Cristina Parente, Cristina Amaro da Costa 199 “A azeitona e a fortuna: às vezes, muita; às vezes, nenhuma”: a saúde da mulher agricultora. Cláudia Chaves, Cristina Amaro da Costa, Andreia Martins, Maria C. Silva, Fábio Gomes, Emília Coutinho, Paula Nelas 209 “A foice em seara alheia”: pontes nas relações entre a saúde e a agricultura. Cláudia Chaves, Cristina Amaro da Costa, Andreia Martins, Maria C. Silva, Fábio Gomes, Emília Coutinho, Rui Dionísio 215 CAPíTULO 5. POnTES EnTRE AgRiCULTURA fAMiLiAR E AgRiCULTURA BiOLÓgiCA reCoMeNdaçÕes a ParTIr de dINâMICas de aUsCULTação ParTICIPadas. Cristina Parente (Coord.), Joana Neto, Ana Aguiar, Raquel Guiné, Daniela Costa, Helena Esteves Correia, Cláudia Chaves, Telmo Costa, Cristina Amaro da Costa 225 PREâMBULO 11 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca O rural e a agricultura: das ausências à geografia da esperança Rui Jacinto CEI, investigação e desenvolvimento. O livro que se dá à estampa no âmbito da Coleção Iberografias culmina uma investi- gação a que o CEI acabou por se associar quando elegeu como vencedor o projeto “Pontes entre agricultura familiar e agricultura biológica”, submetido por Cristina Amaro da Costa, doutorada em Engenharia Agrícola e Professora no Instituto Politécnico de Viseu, à edição de 2017 do Prémio CEI – Investigação, Inovação & Território [CEI – IIT]. Como refere o preâmbulo do regulamento, o Prémio representa um “compromisso do Centro de Estudos Ibéricos (CEI) com a cooperação, a difusão do conhecimento e os territórios fronteiriços e de baixa densidade”, espaços onde se têm registado “múltiplas iniciativas que envolvem instituições e investigadores de diferentes regiões e países que apostam num justo equilíbrio entre a investigação e a ação”. Ao “distinguir trabalhos, projetos de investigação e outras iniciativas que revistam uma dimensão inovadora”, o que se pretende é “divulgar estudos, experiências e boas práticas que concorram para reforçar a coesão, a cooperação e a competitividade daqueles territórios”. Os apoios proporcionados por este Prémio enquadram-se em duas modalidades: (i) patroci- nar trabalhos e projetos de investigação sobre “territórios e sociedades em tempo de mudança” que apontem para temas como dinâmicas territoriais e iniciativas de desenvolvimento local, património, recursos do território e riscos naturais, coesão social (educação, saúde, com- bate à pobreza e inclusão social) e governança, capacitação e modernização institucional; (ii) apoiar “projetos e iniciativas inovadoras, em territórios de baixa densidade” que apostem na 12 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca dinamização das economias e das sociedades e na coesão dos territórios de baixa densidade e que privilegiem áreas temáticas como a valorização e o uso eficiente dos recursos endógenos, as tecnologias ao serviço da qualidade de vida e a inovação territorial. Dinâmicas territoriais e desenvolvimento rural. Os espaços rurais, particularmente os adjacentes à fronteira, são caracterizados por uma forte recessão agrícola e demográfica. O prolongado e inexorável êxodo a que esti- veram expostos, além de acentuar as suas debilidades, vincou um abandono que gerou um progressivo envelhecimento, isolamento e uma ausência cada vez mais pesada. A crise demográfica que os atravessa transformou-se numa variável que importa levar em consi- deração por se ter transformado numa condicionante capaz de hipotecar o futuro destas finisterras interiores. Os espaços rurais, que passaram a ser designados, eufemisticamente, territórios de baixa densidade, têm na demografia um dos sinais mais visíveis e que melhor expressa as profundas assimetrias territoriais que, embora antigas e há décadas identificadas, acabaram por atingir proporções desmesuradas. As áreas de fronteira estão, deste ponto de vista, no olho do furacão, são o epicentro duma crise que transcende a demografia. Nos longínquos anos 40, quando este cenário já se vislumbrava, o escritor Virgílio Godinho apelidou estes espaços interiores de Calcanhar do Mundo; José Cardoso Pires, outro escritor natural duma região com problemas comuns ao deste interior profundo, São João do Peso, no concelho de Vila de Rei, publicou um testemunho, onde perspassa a mesma ideia: “Eu próprio, da minha terra natal tenho uma definição antiga e simplista: deserto de pedras, padres e pedintes – e uma imagem mais recente: Sicília abandonada, sol a pino, ruas vazias, e a marcar o tempo o martelar dum sapateiro num portal. Aldeia emigrada portanto” (Jornal do Fundão, 3 de Fevereiro de 1974). O processo que nos trouxe até aqui é o resultado da confluência de múltiplas dinâmi- cas que vêm de longe, potenciadas por tendências mais recentes, igualmente pesadas, onde relevam alguns momentos marcantes, tais como: (i) o êxodo rural e a atração urbana, fenómeno persistente que ocorre com ritmos, destinos e intensidades, variáveis ao longo do último século, responsável pela con- centração da população no litoral, nas áreas metropolitanas e nas capitais de distrito, fenómeno que no passado mais recente levou à polarização demográfica nas sedes de concelho; (ii) o surto emigratório ocorrido depois da Segunda Guerra Mundial, muito intenso nos anos 60, que veio reorientar o fluxo transatlântico para os países da Europa, 13 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca evidenciando tanto a nossa dependência no contexto europeu como a inserção na divisão internacional do trabalho; (iii) a crise internacional (1973), concomitante da mudança política ocorrida em 1974, e de subsequente queda do império, que fizeram abrandar a emigração internacional, sobretudo para os destinos então típicos (França e Alemanha), e o consequente retorno abrupto de um fluxo de mais de meio milhão de portugueses provenientes das ex-colónias; (iv) a adesão à CEE (1986) e a tímida prosperidade, verificada nos anos imediatos que mudaram, paulatinamente, os fluxos migratórios, ao ponto de alterar o para- digma, levando ao aparecimento dum novo discurso que anunciava que Portugal havia deixado de ser um país de emigração para se tornar num país de imigração; (v) a apregoada globalização, que cavalgou os anos 90 e havia de invadir as primeiras décadas do século xxi, acabaria por desaguar na crise que se inicia em 2008 e na emergência dum novo surto emigratório, que atingiu um valor máximo em 2013, quantitativamente semelhante ao que se havia verificado em 1969, embora qualitativamente distinto, por envolver predominantemente população jovem relativamente qualificada. O impacto cumulativo de todos estes processos nas áreas rurais reforçou o abandono e aprofundou o sentimento real e simbólico de perda. Tais territórios acabaram,deste modo, ainda mais relegados para as margens dos nós da rede urbana e dos eixos que os ligam, afastando-os destes pólos e corredores que estruturam o desenvolvimento e organizam o território. Tais periferias sentem-se, assim, mais longe da vista e votadas a um esquecimento que lhes subtrai a mais ténue expetativa de sonho e de futuro, debilitando a já depauperada auto- estima e reduzindo drasticamente o horizonte de esperança. Eduardo Lourenço, profundo conhecedor desta realidade e exemplo lapidar da incapacidade destes territórios reterem os seus talentos, já nos havia alertado para estes tempos de profundas mudanças quando escre- veu, em 2001, que “nestas duas décadas não mudamos apenas de estatuto histórico-politico, de civilização e de ritos sociais que julgávamos, lamentando-o, característicos de uma sociedade quase marginal em relação aos padrões europeus. Mudamos, literalmente falando, e sem quase nos darmos conta disso, de mundo. Mudamos porque o mundo conheceu uma metamorfose sem precedentes, não apenas exterior, mas de fundo”. O saldo natural e o migratório negativos estão alinhados com outras variáveis socioeconómicas. Consonantes, são a ponta dum iceberg que representa uma situação difícil de contornar. O retrato frio e duro desenhado pelos indicadores demográficos e sócioeconómicos projeta uma geografia que deixa pouca liberdade a interpretações fora das dicotomias que balançam entre o preto e o cinzento carregado, onde o bran- co dificilmente conquista alguma representação. A adjetivação de Interior e de rural 14 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca profundo, que se atribui a esta parcela do país assumiu com o tempo um significado ambivalente: se, por um lado, caracteriza dinâmicas e especificidades que lhes são ine- rentes, por outro, confere a tais territórios uma conotação que os estigmatiza e ostraci- za. O que se passou a designar por Interior é trespassado por tensões entre contrários: tradição e modernidade, continuidade e mudança, presença e ausência, realidades que coexistem e se confrontam num mesmo espaço, onde convive um passado a que se pretende fugir e um futuro que parece cada vez mais distante. Contudo, será estultícia ficcionar um discurso liminar de opostos que se opõem radicalmente, como por vezes ouvimos, que procura fomentar um otimismo aparente e infundado, quiçá, gratuito e contraproducente. Será porventura mais aconselhado e proveitoso recusar aquelas e outras dicotomias, sempre limitativas e redutoras, que oscilam entre irredutíveis pessimismos e irreais otimismos1. Pano de fundo: evolução estrutural do rural e da agricultura. Os espaços rurais, como sabemos, são plurais e diversos, seja por influência das con- dições naturais, da matriz edafoclimática ou das mudanças verificadas, onde o desapareci- mento de funções tradicionais foi acompanhado da difusão nos campos de novos modos de vida. Tais mudanças alteraram os quadros de referência bem como os sentimentos de pertença, contributos decisivos para moldar uma nova identidade e alterar o conceito de rural tanto aos olhos internos como externos, seja de quem nele vive, de lá é oriundo ou aí chega de novo. O abandono demográfico e de algumas atividades ocorridas nos espaços rurais, mais evidente em certas regiões do país, é correlativo de mudanças estruturais e pro- fundas operadas na agricultura, confirmadas por vários estudos e ao longo dos sucessivos Recenseamentos Agrícolas que foram sendo realizados2. 1 Em algumas passagens retomou-se o artigo Calcanhar do mundo: da geografia das ausências à geografia da esperança publicado em 2015, na Revista Praça Velha, Revista Cultural da cidade da Guarda, CM Guarda, Ano XVII, Nº 35, 1ª série, novembro 2015, pp.: 243-260. 2 Segundo INE a primeira referência a um “levantamento” exaustivo, sistemático e organizado de dados estatísticos sobre a agricultura portuguesa foi o “Arrolamento Geral de Gados e Animais de Capoeira”, que remonta ao ano de 1934, arrolamentos que se repetiram em 1940 e em 1972. Ao longo deste período, no Continente, tiveram lugar outras operações igualmente importantes: Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente (1952-54 e 1968) e os Recenseamento Agrícola do Continente (1979, 1989, 1999, 2009 e 2019). Os últimos quatro Recenseamentos, que correspondem a levantamentos exaustivos e simultâneos em todas as regiões do país, ocorreram depois de adesão de Portugal à União Europeia; aguardam-se os resultados do Recenseamento de 2019 para se perceber o sentido e a profundidade das mudanças estruturais verificadas na última década. (http://ra09.ine.pt/xportal/xmain?xpid=RA2009&xpgid=ra_historia) 15 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca Os resultados dos Recenseamentos Agrícolas são lapidares sobre as profundas transfor- mações verificadas na agricultura portuguesa, depois da segunda metade do século xx, mas, fundamentalmente, após a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1986. O INE reconhece que a adesão “levou a que o destino da nossa agricultura passasse a depender fortemente da Política Agrícola Comum (PAC). A partir de então, acelerou-se a transformação da estrutura e da orientação da agricultura portuguesa que perdeu defini- tivamente a sua posição de principal atividade económica do país, que até então detinha”. É referido no estudo do INE que estamos a seguir que “entre 1965/68 e 1999, a agricul- tura portuguesa perdeu quase metade da sua mão-de-obra permanente” e o “número de explo- rações agrícolas e a superfície agrícola utilizada reduziu-se drasticamente”; “entre 1952/54 e 1999 desapareceram mais de 500 mil explorações agrícolas (mais de 50%) no Continente, quebra essa que se acentuou especialmente a partir de 1979”. A dimensão média das explo- rações agrícolas, por outro lado, “aumentou quase para o dobro: passou de cerca de 5 ha para mais de 9 ha”. Assistiu-se, entretanto, “a uma mecanização crescente da agricultura, que passou a utilizar métodos de produção tecnicamente mais evoluídos, os quais permitiram obter ganhos de produtividade. Também se intensificou o consumo de certos fatores de produção como os adubos e os pesticidas, que apesar de permitirem aumentar a produtivi- dade, agravou os problemas ligados à poluição e à preservação do meio ambiente”. O estudo referido trabalho salienta outros aspetos fundamentais, designadamente que “o número de tratores existentes nas explorações portuguesas quase que duplicou entre 1965/68 (pouco mais de 17 mil) e 1999 (quase 170 mil); “a ocupação cultural da terra também se alterou ao longo dos tempos: a terra arável, que em 1965/68 representava 77% da Superfície Agrícola Utilizada (SAU), passou a representar apenas 46% em 1999. Por outro lado, a superfície ocupada por pastagens permanentes aumentou mais de 5 vezes em igual período de tempo, de 7% para 36% da SAU”. Neste período, verifica-se “que as áreas de vinha e olival, culturas permanentes de grande significado e importância para o nosso país, se mantiveram estáveis ao longo do período de tempo considerado: em média, entre 1965/68 e 1999, o olival ocupou cerca de 44% da área de culturas permanentes e a vinha 33%”. O Recenseamento Agrícola de 2009, o último disponível enquanto não forem conhe- cidos os resultados do que foi realizado em 2019, fornece informação que destacada as principais variações ocorridas ao nível da estrutura das explorações agrícolas e dos sistemas produtivos praticados. Comparando os resultados de 2009 com os de 1999 destacam-se, sucintamente, alguns aspetos relevantes da evolução ocorrida na agricultura portuguesa: (i) Explorações: “uma em cada quatro explorações agrícolas cessou atividade, mas a su- perfície das explorações ainda ocupa metade do território nacional; as explorações de pequena dimensão continuam a predominar, mas 2/3 da Superfície Agrícola Utilizada (SAU) já é geridapor explorações de dimensão superior a 50 hectares 16 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca de SAU; aumento da SAU por exploração em mais de 2,5 hectares, passando em média de 9,3 hectares para cerca de 12 hectares, em resultado da absorção das super- fícies das pequenas explorações pelas de maior dimensão; o número de sociedades agrícolas (empresas agrícolas) cresceu 23% e já exploram 27% da SAU”. (ii) População agrícola: “a população agrícola familiar perde 443 mil indivíduos mas ainda representa 7% da população residente; as mulheres representam 1/3 dos produtores agrícolas e aumentam a sua importância em 8 pp.; a média de idades dos produtores agrícolas aumentou 4 anos”. (iii) As explorações portuguesas no contexto europeu: “as explorações agrícolas nacionais representam cerca de 3% das explorações e 2% da SAU da UE; a dimensão das explorações agrícolas em Portugal é, em média, 5 hectares inferior à da UE”. O que se acaba de expor leva-nos ainda a três conclusões importantes: (i) “a paisagem agrícola alterou-se para sistemas de produção mais extensivos, com as pastagens perma- nentes a ocuparem praticamente metade da Superfície Agrícola Utilizada”; (ii) “o produtor agrícola tipo é homem, tem 63 anos, apenas completou o 1º ciclo do ensino básico, tem formação agrícola exclusivamente prática e trabalha nas actividades agrícolas da exploração cerca de 22 horas por semana”; (iii) depois de mais de três décadas de Política Agrícola Comum (PAC) ainda nos debatemos com alguns problemas básicos, relacionados com a “problemática do auto-abastecimento, reflexo da dependência das importações, da volatili- dade dos preços dos produtos agrícolas e da escalada dos preços dos factores de produção”3. Os resultados que se aguardam correm o risco de cavar mais fundo e fornecer um retrato que já não se revela positivo. Um estudo de caso: renascimento rural e desenvolvimento local. As adversidades que foram sucintamente enunciadas esboçam o pano de fundo onde se inscrevem as tendências mais pesadas comuns à generalidade dos espaços rurais, dificilmente contrariadas por dinâmicas positivas, demasiado leves, que aqui e ali se observam, incapazes de reverter o ciclo vicioso em que foram mergulhando. O apregoado renascimento do rural, que possa pontualmente ocorrer em determinados contextos locais, do centro e norte do Continente, acaba por ser demasiado ligeiro e, portanto, manifestamente insuficiente para contrariar a perda em que se encontram a generalidade daqueles territórios. Perante semelhante realidade, adquire maior interesse e significado trabalhos como os elaborados no âmbito do projeto “Pontes entre agricultura familiar e agricultura biológica”. Desde logo porque estão focados na agricultura familiar e na preocupação “de garantir a 3 INE, Recenseamento agrícola de 2009: análise dos principais resultados. 17 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca produção agrícola, gerida por uma família com base em mão-de-obra familiar não assala- riada, reunindo componentes de produção agrícola, animal, de transformação e florestal”. Temos de ter presente que, em Portugal, continuam a ter um papel fundamental nas zonas rurais, pois “a agricultura familiar representa 96% das cerca de 280 mil explorações existen- tes no continente”4. Depois, porque prosseguem objetivos que não só são pertinentes como estão na ordem do dia5 ao pretenderem: “avaliar as potencialidades de inovação ao nível dos procedimentos técnicos e tecnológicos e identificar semelhanças (proximidade) com o modelo de itinerário técnico teórico adotado em agricultura biológica, os constrangimen- tos técnicos, económicos e sociais que potenciem a transição para a agricultura biológica”; “contribuir para a criação de um modelo produtivo local economicamente mais eficiente alicerçado, quer na racionalização do trabalho agrícola e na valorização das práticas dos terri- tórios, quer na produção de alimentos mais saudáveis e de melhor qualidade, na redução de impactos ambientais negativos, e na melhoria da qualidade de vida dos agricultores” (idem). A importância destes trabalhos decorre ainda de funcionarem como um observatório das dinâmicas locais em espaço rural, permitindo identificar tendências emergentes, por vezes imperceptíveis, que funcionem como boas práticas que abrem janelas de oportuni- dade potenciadoras do desenvolvimento local. Deixando de parte considerações sobre a orientação metodológica seguida, baseada num núcleo heterogéneo de informantes, releva entre os resultados alguns aspetos que merecem destaque: (i) constitui forte preocupação “a dimensão económica da agricultura familiar e a sua viabilidade enquanto atividade que assegure um rendimento adequado ao agricultor e à sua família”; (ii) importa “garantir a sustentabilidade económica das famílias, promovendo um processo de venda eficiente e 4 In Resumo do Projeto “Pontes entre agricultura familiar e agricultura biológica”. (http://www.cei.pt/iit/projetos- selecionados-2017.html) 5 O estatuto da pequena agricultura familiar é relativamente recente, tendo sido criado pelo Decreto-Lei nº 64/2018, de 07 de agosto de 2018 (Diário da República nº 151/2018) e regulamentado pela Portaria n.º 73/2019, de 7 de março. Para este efeito, entende-se por: a) «Agregado familiar», os cônjuges, os ascendentes e descendentes na linha reta em primeiro e segundo grau, os parentes por afinidade, os que vivam em união de facto, e os demais a cargo que vivam em situação de econo- mia comum com o titular da exploração agrícola e participem na atividade da exploração de forma regular; b) «Agricultura familiar», o modo de organização de atividades produtivas, de gestão do ambiente e de suporte da vida social nos territórios rurais, assente numa exploração agrícola familiar; c) «Exploração agrícola familiar», a exploração agrícola em que a mão-de-obra familiar, medida em Unidade de Trabalho Ano, representa mais de 50 % da mão-de-obra total da exploração agrícola; d) «Mão-de-obra da exploração agrícola», o trabalho mobilizado na exploração agrícola, com origem na família ou no assalariamento (trabalhadores permanentes, eventuais ou não contratados diretamente pelo produtor); e) «Mão-de-obra familiar», trabalho realizado pelo titular da exploração agrícola (produtor agrícola) e por membros do seu agregado familiar; f ) «Rendimento coletável», rendimento anual bruto, efetuadas as respetivas deduções específicas; g) «Unidade de Trabalho Ano (UTA)», unidade de medida da mão-de-obra correspondente ao trabalho realizado num ano por um trabalhador a tempo inteiro 18 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca rentável e uma aproximação ao consumidor”; (iii) subsiste a preocupação sobre “à quali- dade dos produtos e sustentabilidade ambiental da produção, a informação e formação dos agricultores familiares e o acompanhamento técnico dos processos de produção que estão na origem da necessidade de aproximar diversos atores do setor agrícola e colocá-los em cooperação para pugnarem e promoverem a integração e crescimento da agricultura familiar” (in capítulo conclusivo do estudo). A publicação revisita temas que constituem uma agenda de debate e reflexão sobre o tipo de agricultura que subsiste em boa parte do centro e norte do Continente, desde os conceitos e práticas da agricultura familiar e agricultura biológica aos aspetos mais con- cretos relacionados com o direito à alimentação e ao consumo, da relação que as pessoas estabelecem com o território; ao fim e ao cabo o que está em causa é a importância que tem e o papel que ainda cabe à agricultura familiar e à pequena agricultura no desenvolvimento e sustentabilidade dos espaços rurais. Ou, como é referido nas conclusões, a partir da “observação da agricultura e dos ter- ritórios ruraisdo Centro e Norte do país”, “facilitar a criação de ecossistemas de inovação que, integrando os pequenos produtores no processo e assegurando o estabelecimento de redes entre diferentes agentes de apoio, promovam a incorporação de modos de produção inovadores e sustentáveis, que originem alimentos mais seguros e saudáveis e com menos efeitos negativos no ambiente e que contribuam para o desenvolvimento económico local sustentável”. Resta agradecer a todos os envolvidos no projeto e nos seminários que com os respetivos contributos ajudaram a viabilizar o livro Pontes entre Agricultura Familiar e Agricultura Biológica. A quem o coordenou e editou um especial Bem Haja! 19 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca Pontes. E redes. Cristina Amaro da Costa Politécnico de Viseu, CERNAS, CI&DETS Pontes. Ao longo destes dois anos de projeto, foram pontes que se construíram. E redes. Desde os agricultores, que aqui nos trouxeram, passando por todos os que ajudaram na construção, pelos que nos apoiaram e reconheceram (e particular o Centro de Estudos Ibérico, o Politécnico de Viseu e a Universidade do Porto), até aos que vieram conversar e ficaram para nos ouvir. A todos, bem hajam! Estes dois anos de trabalho comum e participado permitiram estabelecer pontes entre a agricultura familiar e a agricultura biológica, e contribuir para uma maior adoção deste modo de produção. Partimos de uma reflexão teórica sobre a proximidade entre a realidade das práticas agrícolas da agricultura familiar e agricultura biológica, para propor práticas e recomendações ao nível das orientações de políticas públicas, que permitam aos agricultores familiares alcançar modos de produção mais sustentáveis e saudáveis. O que alcançamos foi partilhado em três seminários, com uma estrutura comum, mas enriquecida por diferentes oradores que em cada uma das ocasiões vieram trazer a sua ‘espe- cial’ perspetiva – desde os conceitos, às práticas e ao papel económico, social e ambiental da agricultura familiar, com enfoque nos desafios, nos resultados que possamos atingir, e que traduzimos agora neste livro. Começamos por tentar esboçar uma análise da realidade destes dois setores (agricultura familiar e agricultura biológica) discutindo conceitos, estatísticas e casos de boas práticas. Neste início, ficaram muitas questões em aberto: como contabilizar o valor da mão de obra ou do autoconsumo das explorações de agricultura familiar? como ultrapassar a resistência ao associativismo ou a menor produtividade destas explorações e calcular o valor do trabalho? 20 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca como assegurar que a agricultura biológica garante um conjunto de práticas agroecológicas e não é uma mera substituição de fatores de síntese por produtos biológicos, mantendo o modelo químico-mecânico? como assegurar a continuidade da agricultura familiar em paralelo com a sua existência legal/fiscal/real? Apesar de ser possível apontar múltiplos casos de sucesso, normalmente associados à capacitação técnica dos intervenientes, que encontram caminho em produtos de quali- dade e diferenciados, que encontram apoios locais muito bem estruturados para resolver problemas de produção ou de comercialização, que se organizam em movimentos regio- nais, a realidade é que grande parte dos agricultores familiares adotam práticas agrícolas que os colocam em risco a eles, a nós, e ao ambiente, já que é frequente ouvir que usam duas tampas de pesticida em vez de uma, ou fazem a calda a olho, que mobilizam o solo intensamente, para não terem ervas por ali, ou que usam a matéria orgânica sem ser devidamente compostada, facilitando a ocorrência de problemas de saúde graves. É também importante equacionar que esta é uma profissão de risco, desde a exposição às condições climáticas, à exigência física do trabalho, ao risco de exposição a pesticidas e agentes patogénicos presentes nestes ecossistemas. Estes agricultores não são todos iguais, mas estão longe de nos disponibilizar produtos alimentares tradicionais e seguros, iguais aos dos nossos avós. Para alguns, a mudança será fácil, pois estão disponíveis para aprender; para outros, importa perceber novas dinâmicas que invertam o seu processo de resistência. Palavras como complementaridade, diversidade, escalonamento, qualidade, produção animal, biodiversidade e espécies regionais ou autóctones, devem coexistir nas discussões, projetos ou políticas que pretendam dinamizar estes agricultores Mas mais importantes do que estas questões técnicas, são as questões sociais. Não se mudam sistemas sem mudar pessoas, seja por género, por escolaridade, por opção política. Se os homens são muitas vezes os decisores nas explorações, fazem-no a partir das perceções, do conhecimento e das opções das mulheres no seio da família. Se as opções são quase sempre económicas e associados ao risco que se aceita, outras vezes decorrem de formas de estar, de opções pela sustentabilidade, mas cada vez mais pela saúde – preocupação que é, em cada um de nós, cada vez maior. E aqui surgem as políticas. As políticas que deviam ser feitas por pessoas e para as pessoas. As políticas que precisam interiorizar, para além dos modelos técnicos, os mode- los sociais. As políticas que, quase sempre em prol do desenvolvimento e da economia, têm consequências, em particular nos grupos sociais mais frágeis, como é o caso de tantos pequenos agricultores. Os desafios que aqui se colocam são diversos, e o que hoje é uma realidade, foi em tempos uma dificuldade. Principalmente, porque aquilo que definimos para a mudança 21 / / Po nt es e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca carece de ir de encontro aos desejos económicos do agricultor, à necessidade de minimização do risco, às alterações do trabalho, às suas características sociais, o que nem sempre é fácil de conciliar com práticas de agroecologia ou com a adesão a inovações. A verdade é que o rural vai continuar. Está, hoje, num processo de transformação, pelo que teremos de encarar a inevitabilidade da baixa densidade, aceitar o repovoamen- to, aceitar a relevância das economias locais e refazer, no tecido rural de baixa densidade, um tecido económico social sustentável com, por exemplo, atividades associadas a novas procuras urbanas. Isto passa sobretudo pelas políticas públicas. E por isso, depois da assinatura da Carta do fortalecimento da agricultura familiar, do Estatuto da agricultura familiar, da criação do Conselho de Segurança Alimentar e Nutrição, da decisão de uma Década da Agricultura Familiar, o tema deste seminário é, consensualmente pertinente, sendo de todo o interesse que os seus resultados possam refletir-se na atual discussão da PAC, possibilitando o redesenho com opções de carácter regional, onde o apoio à agricultura familiar é, entre outros, central. É, neste sentido, que nos propusemos, com todos, a preparar este documento final, resultante dos três seminários, que possa disponibilizar aos atores políticos, nacionais e regionais, aos técnicos e investigadores, à sociedade em geral, um conjunto de recomendações e, esperemos, algumas soluções, que contribuam para melhorar o desempenho e o resultado da agricultura familiar através, entre outras, da adoção de princípios de agroecologia e de práticas agrícolas sustentáveis. CAPÍTULO 1 AgriculturA fAmiliAr e AgriculturA biológicA: conceitos e práticAs 25 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca 25 // L ug ar es e te rri tó rio s: pa tri m ón io , t ur ism o su st en tá ve l, co es ão te rri to ria l Agricultura familiar e agricultura biológica: conceitos e práticas Helena Esteves Correia Daniela Costa Politécnico de Viseu, CERNAS, CI&DETS A agricultura familiarbaseia-se num modelo agrícola organizado e praticado por pro- prietários rurais de modo a garantir a produção agrícola, gerido por uma família com base em mão-de-obra familiar não assalariada, assumindo um papel importante e fundamental nas zonas rurais. A agricultura familiar, pelas suas caraterísticas próprias, assume, de forma mais ou menos declarada, os princípios que norteiam a agricultura biológica: princípio da saúde, da ecologia, da justiça e da precaução (FAO, 2014; IFOAM, 2016). Em dezembro de 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar e em 2018 entrou em vigor em Portugal, o Estatuto da agricultura familiar. O desenvolvimento de explorações em agricultura familiar pode passar pela adoção de modos de produção como a agricultura biológica, assente em princípios como alimentar o solo, otimizar os ciclos de nutrientes através da gestão dos animais e plantas no espaço e tempo ou manter relações de proximidade com o mercado, de forma a garantir qualidade dos produtos e a assegurar a melhoria dos rendimentos das famílias. Importa, por isso, discutir os conceitos associados a estas temáticas, em particular associados à realidade da agricultura familiar, às questões sociais, económicas e ambientais associadas, ao direito humano à alimentação e à utilização de práticas agrícolas sustentáveis e da agricultura biológica, bem como ouvir e aprender com exemplos de sucesso e de boas práticas. 26 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca referências FAO (2014). 2014 International Year of Family Farming - Feeding the world, caring for the earth. Food and Agriculture Organization of the United Nations. IFOAM (2016). Princípios da agricultura biológica. IFOAM, Bonn: 4p. https://www.ifoam.bio/ sites/default/files/poa_portuguese_web.pdf CONCEITOS 29 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca Agricultura familiar e biológica: modelos tecnológicos e dinâmicas Pedro Reis Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária Ao longo das últimas décadas ocorreram alterações substanciais no setor agrícola e nas sociedades das zonas rurais, tanto nas estruturas agrárias, como ao nível da compe- titividade das empresas agrícolas. No entanto, a agricultura familiar, resistiu e persiste com um peso muito relevante: em 2010, 93% das explorações agrícolas (EA) podiam ser classificadas como EA familiares, o trabalho familiar representa 81% do trabalho agrícola, em unidades de trabalho ano (UTA), e estas explorações detinham cerca de metade da área agrícola e florestal, assim como da produção agrícola (em valor da produção pa- drão) (Cordovil e Rolo, 2014). Vários fatores contribuíram para essa grande capacidade de resistência e de adaptação, nomeadamente: a) as racionalidades económicas das EA familiares, onde o fator trabalho nem sempre é valorizado a preços de mercado, tornando viáveis unidades de produção não competitivas; b) a articulação dos membros do agregado familiar com os mercados de trabalho (salários da indústria e nos serviços) e com as transfe- rências dos regimes de proteção social (as pensões e reformas) ou remessas de emigrantes; c) os avanços tecnológicos (ao nível dos inputs variáveis, das inovações e equipamentos de menor escala) e organizativos do funcionamento da exploração, como é o caso do recurso à externalização de serviços na EA (Baptista, 1993; Baptista e Rolo, 2017). A agricultura familiar está fortemente associada à pluriatividade e ao plurirrendimento. Apenas 13,9% da população agrícola familiar ativa (PAFA) trabalha a tempo completo na EA, e um terço desta PAFA tem uma atividade exterior à exploração agrícola (INE, 2017). Relativamente aos rendimentos constata-se que em 78,8% das explorações agrícolas fami- liares, mais de 50% do rendimento do agregado doméstico do produtor provém de fora da 30 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca EA, das quais, em 43,2% dos casos, são maioritariamente pensões ou reformas (Baptista e Rolo, 2017). A agricultura familiar é um componente muito importante na segurança alimentar e nutricional e no debate da soberania alimentar, apesar deste último estar muito mitigado pela existência de uma política agrícola comum. Anote-se que em cerca de um quinto das EA familiares, mais de 50% da produção tem como destino o autoconsumo, que compara com apenas 1% nas outras EA (Reis e Rolo, 2019). Acresce àquela importância, a presença nas EA das superfícies designadas por “hortas familiares” e os circuitos curtos agroalimen- tares (CCA). Estes potenciam o consumo de uma maior diversidade de alimentos (frutas e hortícolas da época) e possibilidade de acesso a esses produtos com menor dispêndio monetário por parte dos consumidores. Os bens produzidos nas “hortas familiares” e em outras terras de cultivo da EA, e os CCA são também pontes potenciais entre a agricultura familiar e a agricultura biológica. Antes de nos focarmos nas pontes, analisemos os cruzamentos entre “agricultura fami- liar” e “agricultura biológica”. Num trabalho recente, apurou-se que apenas 0,1% das EA familiares praticavam agricultura biológica, enquanto esse mesmo indicador era de 6,7% para as EA não familiares (Reis e Rolo, 2019). Relativamente às áreas, esses valores eram, respetivamente, 1,6% e 3,6%. Estes dados indiciam uma maior adesão da agricultura não familiar à agricultura biológica. No entanto, duas ressalvas. Face à maior exigência de mão-de-obra deste modo de produção, é provável que algumas EA com estrutura e lógica de funcionamento similar à agricultura familiar, passem a ser classificadas em “não familiares”, se o trabalho passar a ser predominantemente assalariado. Outro fator, a ter em consideração, é que apenas cerca de 20% da área em agricultura biológica se destina à produção de bens para a alimentação humana. A grande fatia corresponde a pastagens permanentes (70%), forragens e pousios (10%). Referimos “agricultura biológica”, mas importa salientar que este termo encerra dois modelos tecnológicos distintos, que iremos explicar recorrendo à produtividade do trabalho. Antes, refira-se que o aumento deste indicador é o objetivo primordial do desenvolvimento agrícola, pois corresponde a um aumento da remuneração do trabalho (mais rendimento para as famílias) e permite libertar recursos humanos para todas as outras atividades (p.e. serviços de saúde, educação). A produtividade do trabalho (output/UTA), pode ser decomposta em dois fatores: capacidade de trabalho (ha/UTA) e produtividade da terra (output/ha). A capacidade de trabalho pode ser incrementada através da mecanização, e agora também com a automatização, robotização, e todas as novas tecnologias que vão substituindo o trabalho humano. Em relação à produtividade da terra, assistiu-se, através do modelo químico-mecânico, à introdução de produtos de síntese para substituir, ou suplementar, processos naturais: adubos químicos para fornecer nutrientes às plantas, herbicidas para 31 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca controlo das designadas infestantes, e uma diversidade de inseticidas e fungicidas para combater pragas e doenças das plantas. Na produção biológica não utilizamos estes produ- tos de síntese mas podem-se seguir duas vias distintas. Uma é sustentar o sistema de produção nos processos biológicos do agrossistema, na sua biodiversidade e nos ciclos adaptados às condições locais. A outra via, é manter o modelo químico-mecânico, mas substituindo os inputs de síntese por inputs de origem biológica, cumprindo os critérios especificados nos regulamentos de aplicação da agricultura biológica, para efeitos de certificação dos produtos. Para o consumidor de bens alimentares, pode ser indiferente o modelo tecnológico,mas é relevante na vertente social e ambiental. A agricultura familiar tem um papel muito relevante na conservação e valorização de variedades tradicionais (p.e. milho, maçãs, feijão e oliveira) e de raças autóctones (p.e. bovinos) (Reis e Rolo, 2017). Esta ligação potencia as pontes entre a agricultura familiar e a agricultura biológica, tanto pelo serviço prestado à sociedade na conservação do patri- mónio genético único, como essa biodiversidade constituiu também um suporte para a produção biológica. O maior peso da agricultura biológica na agricultura não familiar está associado a vários fatores: maior capacidade técnica e aproveitamento de economias de escala, tanto ao nível de máquinas e equipamentos, como de área de intervenção, importante por exemplo na luta biológica; maior capacidade de adesão às medidas agroambientais, como por exemplo, o enrelvamento nas entrelinhas; acréscimo das necessidades de mão-de-obra que têm de ser satisfeitas pela contratação de assalariados ou prestação de serviços. Acresce ainda, o mercado de consumo, sobretudo junto dos consumidores com maior poder de compra e preferência por estes produtos diferenciados. Atualmente, as grandes empresas do setor agroalimentar apostam nestes produtos em resposta à procura para não perderem mercado. As dinâmicas do mercado não favorecem a produção biológica nas unidades de agri- cultura familiar por questões de mercado e de tecnologia. Os pequenos produtores têm dificuldades de colocar os produtos na grande distribuição, onde começam a abundar os produtos biológicos. Os produtos de síntese são mais acessíveis aos pequenos produtores (disponibilidade e custo) e mais fáceis de aplicar. Pelo lado da tecnologia é mais exigente em conhecimento, em economias de escala e mão-de-obra. Mas, apesar destas dinâmicas tendenciais impulsionadas pelo funcionamento dos mercados, existem casos de sucesso, com bom desempenho, associados a jovens empreendedores, com atividades de pequena transformação e grande foco no consumidor e no marketing. As pontes entre a agricultura familiar e a agricultura biológica têm de ser dinamizadas através de políticas públicas e assentes na mobilização dos agentes interessados. As políti- cas públicas têm de veicular os benefícios para a sociedade e para as gerações futuras. No tocante à mobilização social é crucial ter consciência da sua relevância, sobretudo quando 32 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca se verifica o menor grau de associativismo da agricultura familiar. Esta mobilização tem de ser ao nível dos vários agentes, desde os produtores porque têm de ganhar competências técnicas e participar no incremento do capital social, até aos consumidores que devem ser mais esclarecidos e estarem predispostos a pagar um preço mais justo por estes produtos. Referências Baptista FO (1993). Agricultura, Espaço e Sociedade Rural. Coimbra, Fora do Texto. Baptista FO, Rolo JC (2017). Trabalho agrícola: percursos e modelos. Cultivar, Cadernos de Análise e Prospetiva 10, 25-37. Cordovil F, Rolo JC (2014). Agricultura Familiar em Portugal. Esboço da sua importância e diversidade no limiar da década de 2010. Revista “emRede” 5, 13-21. INE (2017). Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas 2016. INE, Lisboa. Reis P, Rolo JC (2019). A agricultura familiar em Portugal (no prelo). 33 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca Agricultura familiar e agricultura biológica: conceitos Isabel Mourão Centro de Investigação de Montanha, Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo Muitos dos atuais sistemas de produção de alimentos comprometem a capacidade da Terra para produzir alimentos no futuro. A crescente escassez de recursos naturais e perda de biodiversidade, o acréscimo da população (particularmente urbana), as alterações climáticas e as mudanças no consumo e valores éticos, representam enormes desafios, não só para a cadeia alimentar, mas também para a estabilidade global e prosperidade, pois podem agravar a pobreza e destabilizar a economia (Freibauer, 2011). Para tornar o sistema agroalimentar mais resistente em tempos de crescente instabilidade e incerteza, é inevitável uma mudança radical no consumo e na produção de alimentos, incluindo na Europa. O ano de 2018 foi profícuo na produção de importantes documentos relativos a questões fundamentais, salientando-se os seguintes: – Estatuto da Agricultura Familiar, Decreto-Lei 64/2018 de 7 de agosto; – Regulamento (UE) 2018/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos (EU, 2018); – Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5°C, do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC, 2018); – Relatório sobre Economia Circular e Bioeconomia, da Agência Europeia do Ambiente (EEA, 2018). A estes documentos, podem ainda adicionar-se os seguintes: – Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica, Resolução do Conselho de Ministros 110/2017 (ENAB, 2017); – Programa geral de ação da União Europeia para 2020 em matéria de ambiente “Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta”, Decisão nº 1386/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (UE, 2013); 34 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca – Guia sobre Desenvolvimento Sustentável - 17 objetivos para transformar o mundo, enunciados pela Assembleia Geral das Nações Unidas (UNRIC, 2016). Nestes documentos destacamos os princípios que se relacionam com os conceitos de agricultura familiar (AF) e de agricultura biológica (AB). a) No Estatuto da Agricultura Familiar (Decreto-Lei 64/2018) Definição de “Agricultura familiar”: “o modo de organização de atividades produtivas, de gestão do ambiente e de suporte da vida social nos territórios rurais, assente numa exploração agrícola familiar. Com efeito, as atividades da agricultura, da produção animal, da floresta, da caça, da pesca, bem como as atividades dos serviços que estão diretamente relacionados com a AF são determinantes em grande parte do território nacional. Estas atividades assumem, assim, relevância na produção, no emprego, na biodiversidade e na preservação do ambiente através, nomeadamente, do incentivo à produção e ao consumo locais, que por sua vez minimizam as perdas e o desperdício alimentares, garantindo também uma presença em muitas áreas do interior, o que torna imperiosa a promoção de políticas públicas que reconheçam e potenciem essa contribuição da AF. O debate e a reflexão efetuados em Portugal permitiram um conhecimento mais aprofundado sobre a AF, sendo de salientar os indicadores de maior relevo, a saber, cerca de 242,5 mil explo- rações agrícolas classificam-se como familiares, o que representa 94% do total das explorações, 54% da Superfície Agrícola Utilizada e mais de 80% do trabalho total agrícola.” Em todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento, a AF é a forma predomi- nante de agricultura no sector de produção de alimentos e está intimamente vinculada à segurança alimentar mundial (FAO, 2014). b) No Regulamento relativo à produção biológica (EU, 2018) “A produção biológica é um sistema global de gestão das explorações agrícolas e de produção de géneros alimentícios que combina as melhores práticas em matéria ambiental e climática, um elevado nível de biodiversidade, a preservação dos recursos naturais e a aplicação de normas exigentes em matéria de bem-estar dos animais e de normas exigentes em matéria de produção em sintonia com a procura, por parte de um número crescente de consumidores de produtos produzidos através da utilização de substâncias e processos naturais. A produção biológica desempenha, assim, uma dupla função social: por um lado, abastece um mercado específico que responde à procura de produtos biológicos por35 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca parte dos consumidores e, por outro, fornece bens disponíveis para o público em geral que contribuem para a proteção do ambiente e do bem-estar dos animais, bem como para o desenvolvimento rural.” Os custos colaterais da AB, relacionados com a erosão dos solos, a poluição da água e a morte da vida selvagem, são estimados em cerca de um terço dos custos causados pela agricultura convencional (Niggli et al., 2008). c) No Relatório especial sobre o Aquecimento Global de 1,5°C e no Guia sobre o Desenvolvimento Sustentável Os impactos do aquecimento global de 1,5°C e de 2,0°C foram divulgados pelo Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC, 2018), num relatório especial sobre as graves consequências se ações fundamentais e imediatas não forem tomadas pelos governos e pela comunidade internacional. Estima-se que as atividades humanas tenham causado até 2017, aproximadamente, 1,0 ± 0,2°C de Aquecimento Global acima dos níveis pré- -industriais e, atualmente, está a aumentar 0,2 ± 0,1°C por década, devendo chegar a 1,5°C em 2040, se o Aquecimento Global continuar a aumentar à taxa atual. As opções de mitigação consistentes com as vias da meta 1,5°C estão associadas a múltiplas sinergias e trade-offs (relações de compromisso), com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (UNRIC, 2016). Estes objetivos aplicam-se a toda a huma- nidade e os países deverão mobilizar esforços para acabar com todas as formas de pobreza, reduzir as desigualdades e combater as alterações climáticas, garantindo que “ninguém seja deixado para trás”. O importante papel da agricultura ao nível global tem tido uma pesada contrapartida de emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Em 2010, ao nível global, foram estima- dos cerca de 24% para as atividades de agricultura, florestas e outros usos do solo, valor que representa quase um quarto do total das emissões de todas as atividades económicas no Mundo (IPCC, 2014). O contributo da AB para atenuar as alterações climáticas é muito importante, estimando-se uma diminuição da emissão de CO2 de 48% a 60% (FAO, 2007; Rodale, 2011), principalmente devido à não utilização de fertilizantes minerais de síntese quími- ca. Se todos os sistemas agrícolas fossem conduzidos em AB, com exclusão da produção, transporte e aplicação destes fertilizantes, particularmente de azoto, haveria uma redu- ção na emissão de GEE em cerca de 10-20% devido a uma redução de emissão de N2O e mais cerca de 10% por menor utilização de energia com libertação de CO2 (Niggli et al., 2009). 36 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca d) No Programa geral de ação da União Europeia para 2020 em matéria de ambiente e no Relatório sobre Economia Circular e Bioeconomia Os objetivos do Programa geral de ação da União Europeia para 2020 em matéria de ambiente – “Viver bem, dentro dos limites do planeta” (UE, 2013), foram orientados pela seguinte visão a longo prazo: “Em 2050, vivemos bem, dentro dos limites ecológicos do pla- neta. A nossa prosperidade e a sanidade do nosso ambiente resultam de uma economia circular inovadora em que nada se desperdiça e em que os recursos naturais são geridos de forma susten- tável e a biodiversidade é protegida, valorizada e recuperada, de modo a reforçar a resiliência da nossa sociedade. O nosso crescimento hipocarbónico foi há muito dissociado da utilização dos recursos, marcando o ritmo para uma sociedade global segura e sustentável.” A transição para uma economia mais circular, em que o valor dos produtos, materiais e recursos se mantém na economia o máximo de tempo possível e a produção de resíduos se reduz ao mínimo, é um contributo fundamental para desenvolver uma economia sustentável, hipocarbónica, eficiente em termos de recursos e competitiva (UE, 2015). Hoje, é relevante a perspetiva integrada e sistémica para otimizar o uso de produtos de base biológica e o uso sustentável de recursos naturais renováveis (bioeconomia circular sustentável), uma vez que a circularidade pode ajudar a reduzir a competição por recursos terrestres e aquáticos e, assim, contribuir para a mitigação das alterações climáticas e da perda de biodiversidade (EEA, 2018). e) A agricultura familiar e a agricultura biológica também se integram na crescente agricultura urbana Em meados do séc. xx, 30% da população mundial vivia em áreas urbanas, pas- sando para mais de metade em 2018 (55%) e estimando-se que aumente para 68% até 2050 (ONU, 2018). A sustentabilidade das cidades, a capacidade de atraírem ati- vidades económicas e oportunidades e de garantirem o bem-estar dos seus cidadãos, está comprometida, entre outros desafios, pelo acréscimo da população urbana e pelas alterações climáticas, o que justifica que a “Resiliência da Cidade” integre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (UNRIC, 2016), tornando-se numa questão essencial a nível global. As cidades devem caminhar para uma maior interação com a natureza, aproveitando todas as oportunidades para inserir a natureza e favorecer o contato das pessoas com os elementos naturais, através de uma infra-estrutura ecológica de ligação da cidade ao território, que ofereça serviços ambientais e sociais (Artmann et al., 2017; Mourão et al., 2019). 37 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca A agricultura urbana cumpre estes requisitos (Mougeot, 2015), é essencialmente uma agricultura familiar e deve ser biológica. A prática da AB em hortas urbanas é altamente recomendável, devido à necessidade de respeitar e preservar os ecossistemas e de ser um sistema adequado de produção de alimentos, promovendo uma alimentação saudável. Estes benefícios são amplamente reconhecidos, sendo bons exemplos de hortas biológicas, a rede de hortas urbanas de Barcelona (Simon-Rojo et al., 2016), as hortas comunitárias urbanas em Wisconsin, EUA (Ghose e Pettygrove, 2014) e, em Portugal, as hortas urbanas do Parque da Devesa, em V. N. de Famalicão, as hortas comunitárias e terapêuticas do Parque José Avides de Moreira, no Porto, e as redes de hortas comunitárias, sociais, peda- gógicas e associativas, no Porto, promovidas pelo Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto (Lipor) ou em Cascais, promovidas pela Empresa Municipal de Ambiente de Cascais (EMAC). As hortas urbanas devem ser implementadas não ape- nas para os cidadãos comuns, mas também para fins de horticultura social e terapêutica, através de programas destinados a idosos, pessoas com deficiência ou dependentes, e em diversas situações de reabilitação psicossocial ou inclusão social (Mourão e Brito, 2013). Em síntese, importa considerar o papel da AF na preservação dos alimentos tradicio- nais, no contributo para uma alimentação mais equilibrada, na proteção da agrobiodiversi- dade, no uso mais sustentável dos recursos naturais, representando ainda uma oportunidade para impulsionar as economias locais (FAO, 2014), se conjugada com a produção biológica (ENAB, 2017), é lícito afirmar a sua importância e o caminho seguro que representa. A sustentabilidade da AB baseia-se ainda em estratégias como: a diversificação (multiactivi- dades/usos/ funcionalidades, como serviços e comércio); a diferenciação (certificação, raças e cultivares autóctones, tradições); a verticalização (transformação e distribuição próprias) e, a eficiência (gestão profissional, conhecimento, tecnologia), amplamente compatíveis com a AF. Por fim, a AB oferece uma maior garantia de alimentar o mundo no futuro, por permitir uma maior preservação a longo prazo dos recursos naturais, contribuindo para um crescimento económico e desenvolvimento social mais sustentáveis (Sendim, 2011). Referências Artmann M, Bastian O, Grunewald K (2017). Using the Concepts of Green Infrastructure and Ecosystem Services toSpecify Leitbilder for Compact and Green Cities—The Example of the Landscape Plan of Dresden (Germany). Sustainability, 9, 198. DL (2018). Decreto-Lei n.º 64/2018 de 7 de agosto – Estatuto da Agricultura Familiar. Diário da República, 1.ª série, 151, 3946-3949. EEA (2018). The circular economy and the bioeconomy – Partners in sustainability. European Environment Agency, Dinamarca, 60 p. 38 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca ENAB (2017). Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica. Resolução do Conselho de Ministros 110/2017, DR, 1ª série, 144, 4207-4231. FAO (2007). Report – International Conference on Organic Agriculture and Food Security. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Roma, OFS/2007/REP, 11 p. FAO (2014). 2014 International Year of Family Farming – Feeding the world, caring for the earth. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Freibauer A, Mathijs E, Brunori G, Damianova Z, Faroult E, Gomis JG, O´Brien L, Treyer S (2011). Sustainable food consumption and production in a resource-constrained world. European Commission – Standing Committee on Agricultural Research (SCAR), The 3rd SCAR Foresight Exercise, 149 p. Ghose R, Pettygrove M (2014). Urban community gardens as spaces of citizenship. Antipode, 46(4), 1092-1112. IPCC (2014). Climate Change 2014: Mitigation of Climate Change. Contribution of Working Group III to the Fifth Assessment. Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press. IPCC (2018). Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5°C. Painel Internacional para as Alterações Climáticas. Mougeot L (2015). Urban agriculture in cities of the global South: Four logics of integration. In: Imbert D (ed). Food and the city: Histories of culture and cultivation. Harvard University Press, 163-193. Mourão IM, Brito LM (coord.) (2013). Horticultura Social e Terapêutica – Hortas Urbanas e Atividades com Plantas no Modo de Produção Biológico. Publindústria/Engebook, 307 p. Mourão I, Moreira MC, Almeida TC, Brito LM (2019). Perceived changes in well-being and happiness with gardening in urban organic allotments in Portugal. International Journal of Sustainable Development & World Ecology, 26(1), 79-89. Niggli U, Schmid H, Fliessbach A (2008). Organic Farming and Climate Change. International Trade Centre (ITC), Geneva, Switzerland 30 p. Niggli U, Fliessbach A, Hepperly P, Scialabba N (2009). Low Greenhouse Gas Agriculture: Mitigation and Adaptation Potential of Sustainable Farming Systems. FAO, Rome, Italy, 21 p. ONU (2018). World Population Prospects: The 2018 Revision: Key facts. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division, Working Paper No. ESA/P/WP.250, New York: United Nations, 38 p. Rodale (2011). The Farming Systems trials – celebrating 30 years. Rodale Institute, Kutztown, USA, 21 p. Sendim AC (2011). Comercialização de produtos diferenciados na perspetiva do produtor. Reunião da Sociedade Portuguesa de Ovinotecnia e Caprinotecnia – Evolução Recente dos Sistemas de Produção de Pequenos Ruminantes no Sul de Portugal, 25 de Maio, Évora. http://www. ovinosecaprinos.com/programa_f.html Simon-Rojo M, Recasens X, Callau S, Duzi B, Either S, Hernandez-Jimenes V, Kettle P, Laviscio R, Lohrberg F, Pickard D, Scazzosi L, Vejre H (2016). From urban food gardening to urban farming. In: Lohrberg F, Licka L, Scazzosi L, Timpe A (eds). Urban agriculture Europe. Berlin: Jovis Verlag GmbH, 22-29. 39 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca UE (2013). Programa geral de ação da União para 2020 em matéria de ambiente «Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta». Decisão Nº 1386/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 novembro, Jornal Oficial da União Europeia, L 354, 171-200. UE (2015). Fechar o ciclo – plano de ação da UE para a economia circular. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, COM(2015) 614, Bruxelas, 24 p. UE (2018). Regulamento (UE) 2018/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos. Jornal Oficial da União Europeia, 14 junho, L 150, 1-92. UNRIC (2016). Guia sobre Desenvolvimento Sustentável – 17 objetivos para transformar o nosso mundo. Centro de Informação Regional das Nações Unidas para a Europa Ocidental, 36 p. PRÁTICAS 43 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca PROVE – Promover e Vender José Sousa Guedes Ader-Sousa – Associação de Desenvolvimento Rural das Terras do Sousa O PROVE é uma metodologia de comercialização direta e de proximidade, que, esta- belecendo circuitos curtos de comercialização entre agricultores e consumidores, promove a venda de produtos pelo produtor ao consumidor, num raio de 60 km, e contribui para o escoamento de produtos locais, fomentando as relações de proximidade entre quem produz e quem consome, recorrendo às tecnologias de informação e comunicação. Esta metodologia está direcionada para pequenos produtores, isto é, com pequenas áreas de produção e que têm dificuldade em colocar os seus produtos ou mesmo que nunca tenham experimentado a venda das suas produções, ou ainda, que tiveram más experiências com interme- diários, verificando que o risco ficava com ele e que o maior rendimento ficava com os últimos. O PROVE foi “desenhado” pela Adrepes – Associação para o Desenvolvimento Rural da Península de Setúbal, que tem a sua área de intervenção na Península de Setúbal, mais concre- tamente nos concelhos de Palmela e Sesimbra. Ao abrigo da EQUAL – Iniciativa Comunitária para o período de programação dos Fundos Estruturais entre 2000 e 2006, esta Associação de- senvolveu um manual muito prático, que depois experimentou e aperfeiçoou, com a colaboração da Ader-Sousa e da Monte, também associações de desenvolvimento local, a primeira do Norte e a segunda do Sul de Portugal, de forma a testar diferentes realidades. A definição da metodologia, para além de ter ido “beber” experiências a França e Espanha, foi desenvolvida em parceira com outras entidades, produtores e consumidores. Entretanto o PROVE tem sido disseminado por vários territórios de Portugal, com o apoio de outras associações de desenvolvimento local. O PROVE veio dar solução à afirmação de uma produtora da península de Setúbal “Produzir todos sabemos; comercializar o que produzimos é mais difícil”. No entanto, essa afirmação engloba uma problemática mais complexa que se observa nos territórios: 44 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca • Pequenos produtores agrícolas/agricultores familiares com: ű historial familiar ligado à agricultura / baixa autoestima, ű produções desajustadas, ű reduzida iniciativa económica/empreendedorismo, ű parcos conhecimentos de gestão, marketing e comercialização, ű inexistência de relação com os consumidores, ű deficiente leitura do mercado. • Desvalorização da atividade agrícola por parte das populações locais; • Consumidores que desconhecem as vantagens de adquirir produtos locais através de processos de comercialização de proximidade; • Estruturas de comercialização locais desajustadas à realidade produtiva do território. A solução encontrada passa pela constituição de núcleos de pequenos agriculto- res, normalmente compostos por três / quatro elementos (mas pode ser um só) que, todas as semanas, reúnem as suas produções, previamente acordadas, preparam o cabaz de hortofrutícolas e entregam diretamente ao consumidor final, sem a interferência de intermediários. O agricultor passa a ser um empresário, dono de um negócio que começa na produção agrícola e termina na venda direta ao consumidor. O cabaz tem a seguinteconstituição: base de sopa, salada, fruta e aromáticas. É cons- tituído por diversos produtos diferentes, que respeitam os ciclos da natureza, pelo que tem menor variedade no Inverno, que é “compensada” no Verão. Há cabazes grandes e pequenos, para responder a diferentes famílias e a sua entrega pode ser semanal ou quinzenal, também para responder ao consumo dos clientes. Vantagens para os produtores: • Valor justo pelo trabalho; • Pagamento no ato da venda; • Produção consoante as necessidades (menor desperdício); • Escoamento dos produtos assegurado; • Relação com o consumidor e reconhecimento da atividade; • Desenvolvimento de novas capacidades; • Maior diversidade de produtos, o que permite um melhor controlo de pragas e doenças; • Possibilidade de escoar outros produtos extra cabaz (ex.: ovos, marmelada, vinho, flores, compotas, pão, bolachas, etc). 45 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca Vantagens dos consumidores: • Reeducação dos hábitos alimentares; • Consumo de novos produtos; • “Os produtos têm uma voz”; • Aquisição de produtos com maior frescura e durabilidade; • Possibilidade de visitar as explorações; • Possibilidade de adquirir outros produtos extra cabaz; • Estabelecimento de relação de confiança com o produtor. A título de exemplo apresenta-se o cálculo do possível rendimento de um núcleo constituído por 5 produtores: • Cabazes vendidos por semana – 100 • Preço dos cabazes – 12,50€ • Resultado – 1250€ / semana • Após retirar cerca de 150€ para despesas correntes, resultam 1.000€ / 5 produto- res = 220€ * 4 semanas = 880€ / mês para cada produtor. • Como é óbvio isto é um pequeno exercício, existindo actualmente núcleos que vendem mais de 250 cabazes / semana. O primeiro contato entre os consumidores e produtores é, normalmente, feito através de uma inscrição no site do PROVE (www.prove.com.pt/encomendas), onde escolhe o distrito onde vive, verifica se algum dos locais de entrega lhe satisfaz, preenche a ficha onde para além do tipo, n.º e periodicidade de cabaz, escolhe no máximo 5 produtos que nunca quer receber (porque não gosta, é alérgico, etc). No dia, hora e local de entrega vai recolher o cabaz e inicia o contato com o produtor. O sucesso do PROVE pode ser avaliado a partir do número de núcleos de produtores, explorações agrícolas e consumidores envolvidos, bem como pelo volume de produção comercializado (Tabela 1). Tabela 1 Resultados do PROVE a Outubro de 2018 RESULTADOS Quantidade Núcleos de produtores 117 Explorações agrícolas 132 Locais de entrega 158 Consumidores 4890 Toneladas comercializadas semanalmente 39 46 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca O PROVE tem sido reconhecido por várias entidades, de onde se destacam: • “Projeto do mês Fevereiro 2011” pela Rede Rural Europeia; • “Iniciativa de Elevado Potencial de Empreendedorismo Social” pelo Instituto de Empreendedorismo Social; • “Iniciativa Exemplo de Boas Práticas” pelo Observatório para a Sustentabilidade Metropolitana da Área Metropolitana de Lisboa; • 1.º lugar na categoria “Apoio ao desenvolvimento de mercados ecológicos e à eficiên- cia dos recursos”, na X Edição dos Prémios Europeus de Promoção Empresarial (European Enterprise Promotion Awards); • Projeto selecionado pelo INHERIT como prática europeia de produção sustentável e consumo saudável e sustentável. “…o contacto directo com os clientes é bastante compensador… cria-se uma família…só isso é espectacular!” – produtor PROVE. Referências Bandeiras C, Costa C, Calheiros JP, Alvarez L, Sampaio M, Alter M (2009). PROVE – Contributo para um Processo Territorial de Proximidade. ADREPES, Quinta do Anjo, 166p. http://www.portugalglobal. pt/PT/RoadShow/Documents/2016/Santarem_PROVE-Contributo-para-um-Processo-Territorial-de- Proximidade.pdf 47 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca O que fazer para aproximar a agricultura familiar da agricultura biológica Ângelo Rocha Quinta da Comenda/BeiraBio 1 – A agricultura biológica incorpora a seguinte premissa incontornável: a não utilização de adubos químicos e a não aplicação de pesticidas sintéticos em quaisquer quantidades ou circunstâncias. Independentemente de outras características e práticas culturais, é aquela premissa que distingue a Agricultura Biológica (AB). 2 – Na agricultura familiar verifica-se uma utilização generalizada dos adubos quími- cos e de diversos pesticidas sintéticos (quer sejam fungicidas, inseticidas ou herbicidas). Tal facto pode ser facilmente comprovado com as enormes quantidades de vendas destes produtos nas lojas da especialidade das localidades do interior do país e que se dedicam quase exclusivamente a clientes de agricultura familiar (os produtores profissionais adqui- rem os seus produtos diretamente a distribuidores especializados que dispõem de condições mais favoráveis do que as lojas de venda a retalho). 3 – A agricultura familiar é assim definida como uma agricultura convencional com menores dimensões, menos intensiva, menos profissional. 4 – Existe uma tendência para considerar a AF próxima da AB, mas tal não se verifica na grande maioria das situações. 5 – O que fazer para aproximar a agricultura familiar da agricultura biológica: – implementar uma verdadeira política de promoção da AB – divulgar e informar sobre a prática da AB (de forma acessível e simples) – disponibilizar produtos permitidos em AB de forma generalizada 49 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca A Segurança alimentar, do ponto de vista da agricultura familiar e biológica, como um caminho de cura do nosso planeta Liliana Pinto Agrinemus Agrinemus nasceu em 2008 na cidade rural de Castelo de Paiva, numa propriedade de família, como um projeto de agricultura biológica de pequena escala movido pela premência da cura do nosso planeta utilizando os princípios da agricultura biológica, os saberes locais e as sabedorias ancestrais (ex. orientação astrológica da lua). O incremento da biodiversidade da exploração agrícola sempre foi, e ainda é, um dos principais objetivos do projeto. Entendemos que a conservação e aumento da biodiver- sidade deve ser feito localmente pelo agricultor com as plantas mais adaptadas ao local que serão à partida as mais resilientes. Privilegiamos a utilização de sementes regionais/ /locais bem como árvores de fruto, por exemplo. Acompanhamos como sócios e guardiões de sementes o trabalho da Associação Colher para Semear que se encontra numa fase de reestruturação. A produção biológica teve início com a instalação de um pomar de variedades regio- nais de macieiras e pereiras que neste momento está em fase de diversificação para outras fruteiras: no entanto, foi sempre reservado um espaço para horta de subsistência, que cresceu no últimos 3 anos, e outras culturas anuais. Foi nestes espaços que se começou a produzir a semente, o tremoço, cultivado nesta região há muitos anos... Em 2010 iniciou-se a transformação de produtos agrícolas em modo produção bioló- gico, nomeadamente o tremoço pronto a consumir com ervas aromáticas e posteriormente picante. A unidade de transformação desta bela leguminosa tradicional portuguesa foi ampliada em 2018, bem como a sua equipa de trabalho e os seus produtos! Desde 2014, os princípios da permacultura complementaram as práticas já imple- mentadas na exploração, permitindo uma visão mais holistica de como curar o nosso 50 // P on te s e nt re A gr ic ul tu ra F am ilia r e A gr ic ul tu ra B io ló gi ca planeta abrangendo preocupações que vão para além do trabalho da terra, como o cuidar das pessoas e partilhar de forma justa os recursos, os saberes, as vivências, isto é, como criar uma sociedade mais solidária e amiga da natureza. Desde 2012, o
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