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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Julho Mesquita Filho” (UNESP) WALLISON LIMA DA SILVA Avaliação de Literatura Africana de Língua Portuguesa Resenha crítica baseada na proposta da avaliação Assis - São Paulo 2019 WALLISON LIMA DA SILVA Avaliação de Literatura Africana de Língua Portuguesa Resenha crítica baseada na proposta da avaliação ________________________________________ Dr. Márcio Roberto Pereira Avaliador 1. INTRODUÇÃO Este presente trabalho foi desenvolvido a partir das aulas durante a disciplina de Literatura Africana de Língua Portuguesa com base em obras de autores de literatura africana, como Mia Couto e Luandino Vieira, e também através de pesquisas e leituras de artigos relacionados à mesma disciplina. 2. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer imensamente ao Dr. Márcio Roberto Pereira pelas aulas que tive e pelas emoções que eu sentia ao ouvir suas interpretações dos contos africanos trabalhados em sala de aula. Obrigado também pela fidelidade que tivera com essa literatura riquíssima, na qual é de suma importância para nós brasileiros o estudo da mesma. “A fábula do macaco e do peixe” Um macaco passeava-se à beira de um rio, quando viu um peixe dentro da água. Como não conhecia aquele animal, pensou que estava a afogar-se. Conseguiu apanhá-lo e ficou muito contente quando o viu aos pulos, preso nos seus dedos, achando que aqueles saltos eram sinais de uma grande alegria por ter sido salvo. Pouco depois, quando o peixe parou de se mexer e o macaco percebeu que estava morto, comentou – “que pena eu não ter chegado mais cedo” Mia Couto Assim começo o presente trabalho, com uma fábula de Mia Couto. É através da oralidade das fábulas presentes na literatura africana feitas por gerações, que os africanos exteriorizam os seus conhecimentos. A fábula apresentada ressalta a história colonial da África, que há anos os africanos e afro-descendentes através da literatura vêm tentando desmontá-la, mas sempre se pegam a contar a mesma história. Por quê? Por que é tão difícil transformar? O que é que estamos a defender? A quem temos que defender?1 No Brasil, uma das grandes conquistas da luta antirracial foi a Lei 10.639/03 na qual pressupõe que deve ser trabalhado com afinco em sala de aula de ensino fundamental e médio o estudo da História da África e também da Cultura Afro-Brasileira. No entanto, até nos dias atuais tudo o que é proposto sobre a África vem sendo trabalhado com base em uma cultura embranquecida e excludente. É notório que vivemos em uma quádrupla ignorância quando se trata da história, da literatura e da cultura africana. Mesmo com a aprovação da Lei 10.639/03, por conta da dominação do embranquecimento cultural, ainda nas escolas e nas universidades não são trabalhadas com afinco a história e a literatura africana, ajudando a contribuir com a propagação do epistemicídio. O cânone de obras africanas, por exemplo, além de passar por várias análises para serem consideradas como literatura, carrega estereótipos no qual dizem que sempre vai tratar de estórias embasadas por um vitimismo, como diz a cultura branca. Então, não é que os africanos ou afro-descendentes não têm estado a produzir literatura, arte, conhecimentos. Eles sempre falam, sempre entregam conhecimentos, porém as suas narrações não são ouvidas, o seu lado da história não é ouvido. Vivemos em um mundo, na qual não sabemos, não precisamos saber, não deve saber e não queremos saber sobre os conhecimentos negros. Tendo em vista a afirmação de Luandino Vieira de que a língua portuguesa é um troféu de guerra e aos contos de Mia Couto lidos e discutidos durante o curso, notoriamente é encontrada uma linguagem nas obras que fora imposta aos africanos, aniquilando a língua dos mesmos. A literatura africana encontra-se reduzida à sua experiência enquanto sujeito e ao mesmo tempo se desconecta de outra experiência, no qual são os efeitos causados pela colonização. Em suas narrativas estão notoriamente representados os efeitos causados na cultura africana pela imposição do mundo português. Os autores africanos através de suas obras interpretam aquela desestabilização que decorre dos efeitos impostos pelos colonizadores como uma ameaça de fim da sua cultura, quando, na verdade, ambas as culturas, tanto do colonizado quanto do colonizador estão chegando ao fim porque uma nova cultura se alavanca. Quando uma cultura já existente se encontra ameaçada pela desagregação de si mesma, ela através do mundo do opressor ressumbrará a sua subjetividade. Percebe-se que por meio da interação do falante e da sociedade, ou seja, entre a língua e expressão existem estratégias para a criatividade na produção das narrações africanas. A literatura africana traz consigo a cultura, os costumes e as tradições africanas praticadas pelos povos antepassados. Podemos notar com muita frequência estes aspectos nas obras do escritor moçambicano Mia Couto. Em, “Nas águas do tempo” de Mia Couto, presente no livro “Estórias abensonhadas”, traz simbologias e aspectos tradicionais e culturais africanos. O enredo se baseia entre o narrador que neste caso é autodiegético e seu avô. Eles vão a um passeio de barco e o rio no qual os leva é silencioso e repleto de neblinas, só o avô do narrador consegue ver o outro lado do rio onde há um pano branco a dançar-se, e seu avô responde acenando com muita decisão o pano branco segurando na sua mão um pano vermelho. Há um diálogo ininterrupto que acontece entre a morte e a relação simbólica entre o tempo e a água, mostrando um ciclo contínuo entre a vida e a morte. As águas representam à origem de tudo, o tempo, a permanência que levaremos na terra e a morte na qual é representada pela cor branca do lenço que dança, representa a ida dessa vida para um novo início, para um novo nascimento, ou seja, para as águas. No conto há o namwetxo moha que é um fantasma acreditado pelas gerações do passado em suas crenças ancestrais, ele surge durante a noite e é feito só de metades. É através desta representação que temos a comunicação do mundo material e espiritual. Ana Mafalda Leite afirma que Mia Couto “manifesta uma confiabilidade dialógica na tematização das tradições e seu confronto com a modernidade” (Leite, 2003, p.45). Mia Couto pelas águas do tempo como em todas as suas obras nos dá a oportunidade de fazermos uma viajem para a ancestralidade africana nos levando a um conflito entre o passado e a contemporaneidade através da presença da tradição africana ininterruptamente em sua literatura e da luta no processo de identidade. Em virtude do trabalho desenvolvido a cima, vemos o quão a literatura africana é rica e que ela dialoga com o leitor não só através da interpretação das palavras, mas também pelos seus símbolos que têm significados marcantes na cultura e nas tradições africana. O estudo da Literatura Africana é de suma importância para a desconstrução de uma história de ficção imposta pela cultura européia que até hoje os africanos e afro-descendentes vêm tentando desconstruir por meio da literatura, da arte, da manifestação. É de suma importância que a sociedade tenha o direito de saber e de querer saber sobre os conhecimentos africanos por meio dos próprios colonizados. Por isso volto ás questões feitas no começo deste trabalho. Por quê? Por que é tão difícil transformar? O que é que estamos a defender? A quem temos que defender? REFERÊNCIAS RODRIGUES NEVES, Libéria; GONÇALVES SANTOMAURO, Jéssica. A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA AFRICANA NO ENSINODA HISTÓRIA E DAS CULTURAS DA ÁFRICA: A DESCONSTRUÇÃO DA IDEIA DE UM CONTINENTE GENÉRICO. p. 87–99, 2018. GARCIA, Neiva Kampff. UMA REFLEXÃO SOBRE O CONTO “ NAS ÁGUAS DO TEMPO ” DE MIA COUTO. p. 47–57, 2005. COUTO, Mia. Que África escreve o escritor africano? Pensatempos, 2005. MANUEL OLIVEIRA MENDES, José. Práticas culturais e identitárias. [S.l: s.n.], [s.d.]. ROLNIK, Suely; KILOMBA, Grada. A descolonização do pensamento na obra de Grada Kilomba. . [S.l: s.n.]. Disponível em: <https://artebrasileiros.com.br/arte/entrevista/a-descolonizacao-do- pensamento-na-obra-de-grada-kilomba-2/>. , 2019
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