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DIREITO DO TRABALHO E PREVIDENCIÁRIO Plano Pedagógico de Trabalho (PPT) 1 Luiz Carlos Garcia Administração Processos Gerenciais Luiz Carlos Garcia Direito do Trabalho e Previdenciário 1ª Edição Ribeirão das Neves Instituto Federal de Minas Gerais 2020 Apresentação da disciplina Este módulo se constitui parte da estratégica pedagógica do IFMG campus Ribeirão das Neves para o fornecimento do Ensino Remoto Emergencial devido à pandemia da Covid-19. Este módulo acontecerá no período de duas semanas e corresponde a 20 horas – 10 horas semanais - referentes à parte da ementa que será trabalhada conforme divisão de disciplinas e cargas estabelecida pelo IFMG campus Ribeirão das Neves, direcionado ao curso de administração. 1. Período de Realização de Atividades Neste caderno, você encontrará o conteúdo e atividades referentes a duas semanas de curso. 2. Ementa da disciplina Noções fundamentais do Direito do Trabalho. Conceitos, teorias, características e funções. Origem e Evolução Histórica do Direito do Trabalho. Organização Internacional do Trabalho. Direito do trabalho no Brasil. Princípios do Direito do Trabalho. 3. Estrutura de Unidade Para o curso de Administração/Processos Gerenciais a compreensão exata e perfeita de como funciona um Ordenamento Jurídico e sua base é fundamental. Por isso, daremos especial dedicação na conceituação, localização e identificação das caracteristicas do Direito do Trabalho, sua aplicação e efetiva atuação. Unidade 1 Noções fundamentais do Direito do Trabalho. Conceitos, teorias, características e funções. Origem e Evolução Histórica do Direito do Trabalho. Organização Internacional do Trabalho. Unidade 2 Direito do trabalho no Brasil. Princípios do Direito do Trabalho. 4. Objetivos Geral: O objetivo é trazer os conceitos básicos e estruturas que compõem os institutos jurídicos e estabelecer as principais problematizações considerando o cenário histórico-social atual e as diretrizes básicas do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Específicos: Dotar o aluno de conhecimentos básicos acerca da estrutura do Direito e de como as leis funcionam. Desenvolver habilidade e competência para utilizar os princípios gerais de direito como base de compreensão . Capacitar o aluno para problematizar as ações, principalmente oriundas do Estado, com base nessas normativas. 5. Conteúdo Programático e Atividades Aula 1 – Semana 03/08 a 09/08 Noções fundamentais do Direito do Trabalho. Conceitos, teorias, características e funções. Origem e Evolução Histórica do Direito do Trabalho. Organização Internacional do Trabalho. Aula 2 – Semana 10/08 a 16/08 Direito do trabalho no Brasil. Princípios do Direito do Trabalho. O conteúdo das aulas e atividades a serem realizadas estão inclusas nas próximas páginas nas referidas aulas. Apresentação dos Ícones Os ícones são elementos gráficos para facilitar os estudos, fique atento quando eles aparecem no texto. Veja aqui o seu significado: Atenção: indica pontos de maior importância no texto. Dica do professor: novas informações ou curiosidades relacionadas ao tema em estudo. Atividades: sugestão de tarefas e atividades para o desenvolvimento da aprendizagem. Mídias digitais: sugestão de recursos audiovisuais para enriquecer a aprendizagem. Sumário 1. Noções Fundamentais do Direito do Trabalho ..................................... 1 1.1. Conceito ............................................................................................... 1 1.1.1. Teoria Subjetivista ................................................................................ 2 1.1.2. Teoria Objetivista ................................................................................. 3 1.1.3. Teoria Mista ......................................................................................... 3 1.2. Características ..................................................................................... 4 1.3. Funções ............................................................................................... 6 1.4. Natureza Jurídica ................................................................................. 8 1.5. Autonomia .......................................................................................... 10 1.6. Divisão ............................................................................................... 11 2. Origem e Evolução Histórica do Direito do Trabalho .......................... 14 2.1. A Organização Internacional do Trabalho .......................................... 15 2.2. Direito do Trabalho no Brasil .............................................................. 16 3. Princípios do Direito do Trabalho ....................................................... 20 3.1. Importância e Conceito ...................................................................... 20 3.2. Distinção entre Princípio e Norma ...................................................... 21 3.3. Princípios específicos do Direito do Trabalho ..................................... 21 3.3.1. Princípio da Proteção ......................................................................... 23 3.3.2. Princípio da Irrenunciabilidade ........................................................... 25 3.3.3. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego ........................... 26 3.3.4. Princípio da Primazia da Realidade.................................................... 27 3.3.5. Princípio da Razoabilidade ................................................................. 28 3.3.6. Princípio da Boa-Fé............................................................................ 29 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 30 IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 1 1. Noções Fundamentais do Direito do Trabalho 1.1. Conceito O estudo do conceito de Direito do Trabalho permite identificar o conteúdo e a extensão desse ramo da Ciência do Direito, ou seja, a partir do conceito é possível distinguir a relação jurídica base que compõe o seu objeto, os sujeitos que integram tal relação jurídica e a finalidade das normas jurídicas que o compõem. Contudo, o conceito não pode se ater apenas ao conteúdo, mas é necessária também a fixação de sua extensão, ou seja, é preciso definir quais os tipos de trabalho abrangidos pelo conteúdo do Direito do Trabalho, quais são os sujeitos que integram a relação jurídica específica e qual o fundamento desta regulamentação. Considerando que trabalho é uma expressão genérica que abrange toda e qualquer forma de prestação de serviço de uma pessoa física a outrem (trabalho autônomo, trabalho eventual, trabalho voluntário etc.), podemos afirmar que nem toda atividade considerada como trabalho é regulada pelo Direito do Trabalho. Os sujeitos desta relação são o empregado e o empregador, que se relacionam não só no âmbito individual, como também de forma coletiva, por intermédio de grupos organizados (categorias) e dos seus órgãos de representação (sindicatos). O fundamento do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, parte economicamente mais fraca da relação jurídica. Sem a proteção jurídica do trabalhador, sua relação com o empregador se revela desequilibrada e, portanto, injusta. Assim, de maneira objetiva, podemos conceituar o Direito do Trabalho como o ramo da Ciência do Direito composto pelo conjunto de normas que regulam, no âmbito individual e coletivo, a relação de trabalho subordinado, que determinam seus sujeitos (empregado e empregador) e que estruturam as organizações destinadas à proteção dotrabalhador (ROMAR, 2018). Entretanto, a conceituação do Direito do Trabalho pela doutrina não é tema tratado de forma simples. Embora o conteúdo e a extensão também sejam a base das definições de Direito do Trabalho enunciadas pelos diversos doutrinadores, estes divergem em Noções Fundamentais do Direito do Trabalho IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 2 relação ao enfoque dado, ou seja, há quem considere o Direito do Trabalho como o ramo do Direito de tutela ou de proteção dos trabalhadores, formando a chamada teoria subjetivista. Outros autores entendem que a visão subjetivista, ligada aos sujeitos tutelados, não é suficiente para definir o Direito do Trabalho, devendo ser levado em conta o objeto das relações de trabalho (teoria objetivista). Alguns outros afirmam que tanto o enfoque dos sujeitos como o enfoque do objeto isoladamente são insuficientes para se conceituar o Direito do Trabalho, ou seja, a sua definição, além dos sujeitos e do objeto, deve necessariamente incluir os aspectos que o diferenciam dos demais ramos do Direito (teoria mista). Desta forma, identificaremos a seguir os elementos encontrados nas definições doutrinárias do Direito do Trabalho, elementos estes que variam conforme a teoria adotada. 1.1.1. Teoria Subjetivista Subjetivistas são as definições de Direito do Trabalho que tem como enfoque os sujeitos da relação jurídica por ele regulada, isto é, os trabalhadores e os empregadores. Para alguns, todos os trabalhadores, inclusive os autônomos, o seriam. Para outros, apenas uma espécie de trabalhador: o subordinado, denominado empregado. A referida teoria adota como centro da definição do Direito do Trabalho o caráter protecionista das normas que o compõem. Os doutrinadores adeptos de tal teoria possuem por fundamento a busca constante de meios para se alcançar a melhoria da condição econômica e social do trabalhador. No Brasil, o maior defensor do subjetivismo foi Cesarino Junior que, desenvolvendo a tese do Direito Social, afirmou ser este um sistema legal de proteção aos fracos, “um complexo de normas tendentes à proteção aos economicamente débeis”.1 Assim, para os subjetivistas, o Direito do Trabalho se caracteriza como o Direito de proteção aos trabalhadores, como o conjunto de normas que tem por finalidade proteger a parte economicamente mais fraca (hipossuficiente) da relação jurídica, qual seja, o empregado. 1 CESARINO JUNIOR, A. F.; CARDONI, Marly. Direito social. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993. v. I, p. 27. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 3 1.1.2. Teoria Objetivista A teoria objetivista é formada pelas definições de Direito do Trabalho que consideram a relação de emprego e seu resultado (trabalho subordinado), e não as pessoas que participam daquela relação. Em tais definições, a relação jurídica de emprego é disposta como objeto do Direito do Trabalho. Enquadra-se como objetivista a definição de Orlando Gomes e Elson Gottschalk: “Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e regras jurídicas aplicáveis às relações individuais e coletivas que nascem entre os empregadores privados - ou equiparados - e os que trabalham sob sua direção e de ambos com o Estado, por ocasião do trabalho ou eventualmente fora dele”.2 O enfoque conceitual está, portanto, na relação jurídica de dependência ou subordinação que forma-se entre as pessoas que exercem certa atividade em proveito de outrem e sob suas ordens. Desta forma, a referida teoria não parte das pessoas que seriam as destinatárias do direito do trabalho, mas da matéria sobre que ele versa, ou seja, o seu objeto. Assim, há os que sustentam ser esse ramo aplicável a todas as relações de trabalho; ao passo que outros asseveram que ele se aplica apenas à relação de emprego, excluindo o trabalho autônomo ou qualquer outra atividade humana de trabalho. 1.1.3. Teoria Mista A definição da Teoria Mista considera aquelas que fazem uma combinação dos elementos objetivo e subjetivo, isto é, consideram tanto o sujeito como o objeto da relação jurídica regulada pelo Direito do Trabalho, além da finalidade do conjunto de normas que compõem este ramo da Ciência do Direito. A maioria dos doutrinadores contemporâneos assumiu uma conceituação de Direito do Trabalho a partir da teoria mista. Para Amauri Mascaro Nascimento, o Direito do Trabalho é “o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho 2 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17. ed. rev. e atual. por José Augusto Rodrigues Pinto e Otávio Augusto Reis de Souza. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 10. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 4 subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade”.3 Desta forma, as definições de Direito do Trabalho que se fundam na teoria mista consideram o seu objeto (a relação de emprego), seus sujeitos (empregado e empregador), e o seu fim (a proteção do trabalhador e a melhoria de sua condição social). Fato notório é que o direito positivo brasileiro conferiu igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente (empregado) e o trabalhador avulso, conforme disposto no artigo 7º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, em função do que se nos afigura pertinente incluir este tipo específico de relação de trabalho na conceituação formulada pelos autores. Além disso, o parágrafo único do art. 7º da Constituição amplia o rol dos direitos trabalhistas aos trabalhadores domésticos, embora estes continuem sendo regulados por legislação especial (LC 150/2015). Nesse sentido, assiste razão a Maurício Godinho Delgado, ao definir que o direito do trabalho, em sentido lato, é um “complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas”.4 Para tanto, Carlos Henrique Bezerra Leite conceitua o Direito do Trabalho como o ramo da ciência jurídica constituído de um conjunto de princípios, regras, valores e institutos destinados à regulação das relações individuais e coletivas entre empregados e empregadores, bem como de outras relações de trabalho normativamente equiparadas à relação empregatícia, tendo por escopo a progressividade da proteção da dignidade humana e das condições sociais, econômicas, culturais e ambientais dos trabalhadores. 5 1.2. Características O Direito do Trabalho caracteriza-se por ser um ramo do direito privado que, recebendo influência direta do direito constitucional, dos direitos humanos e do direito 3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 196. 4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 49. 5 LEITE, Carlos Henrique Bezerra Curso de direito do trabalho / Carlos Henrique Bezerra Leite. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 5 internacional público, visa a correção das desigualdades sociais e econômicas entre as forças do capital e do trabalho e à efetivação dos valores, princípios e regras que tem por objeto a dignificação da pessoa humana na relação empregatícia, no plano individual e coletivo, com tendência expansionista para alcançar outras relações de trabalho. Neste sentido, o Direito do Trabalho possui característicasque o singularizam e o diferenciam dos demais ramos da ciência jurídica. Estes caracteres dos quais se reveste dão fisionomia própria e única ao Direito do Trabalho, que só pode ser compreendido a partir da análise de seu conjunto. Desta forma, são características do Direito do Trabalho: * é um direito em constante formação e evolução - as relações jurídicas reguladas pelo Direito do Trabalho são dinâmicas e estão continuamente em mudança, sofrendo influência direta dos fatos econômicos, sociais e políticos. O Direito do Trabalho evolui e se modifica a partir das transformações ocorridas na sociedade, caracterizando-se por esta razão como um dos ramos mais dinâmicos da Ciência do Direito; * é um direito especial - o Direito do Trabalho refere-se a categorias determinadas de pessoas - preponderantemente aos trabalhadores que exercem trabalho subordinado e remunerado - e tem um particularismo que derroga o direito comum no que for com ele incompatível. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 8º, da CLT, estabelece: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”; * é intervencionista - o caráter intervencionista do Direito do Trabalho está ligado à sua própria origem histórica. Diante do desequilíbrio econômico-social surgido a partir da Revolução Industrial, o Estado deixa de lado a postura de mero espectador e passa a intervir nas relações entre empregadores e trabalhadores, equilibrando as forças e diminuindo os efeitos da desigualdade econômica existente entre as partes. A despeito das grandes mudanças introduzidas pela Lei n. 13.467/2017, em especial no que tange à prevalência do negociado sobre o legislado, de um modo geral a característica intervencionista do Direito do Trabalho não deixa de existir, embora mitigada; * tem cunho universal - como instrumento de regulação das relações humanas, o Direito do Trabalho tem cunho nitidamente universal. O caráter universal do Direito do Trabalho afirmou-se com o Tratado de Versalhes de 1919, que previu a necessidade de uniformizar e internacionalizar as legislações de proteção ao trabalho e, nesse sentido, criou a IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 6 Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, desde então, vem formulando regras de aplicação universal, que tendem a igualar as condições de trabalho a todos; * seus principais institutos são de ordem coletiva e socializante - o Direito do Trabalho, tal como é hoje, é fruto da consciência e da atuação coletiva dos trabalhadores, pela organização de associações ou grupos de proteção de seus interesses. O reconhecimento de que, além do interesse individual de cada trabalhador, existem interesses dos grupos de trabalhadores que também necessitam ser protegidos (interesses coletivos) dá ao Direito do Trabalho um forte cunho coletivo e social. Aliás, exatamente por seus institutos de caráter coletivo é que o Direito do Trabalho mais se particulariza em relação aos demais ramos da ciência jurídica. * é direito de transição e da transação - é inegável que, em um Estado social ou democrático de direito, a principal tarefa da ciência do Direito é a obtenção da paz social, pelo advento de uma sociedade menos injusta socialmente. A Constituição Federal de 1988 reflete de forma inequívoca esse ideal: no art. 1º, estabelece que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito e indica entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; no art. 3º, indica, entre os seus objetivos fundamentais, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e o de reduzir as desigualdades sociais. Além disso, contém um capítulo (II) referente aos direitos sociais e, no art. 170, estabelece que a ordem econômica deve ter por fundamento os ditames da justiça social. Desta forma, o Direito do Trabalho é o ramo do Direito que melhor reflete esse ideal de justiça social. Leciona Maurício Godinho Delgado que a “síntese das características do direito do trabalho conduz a um conjunto de traços mais notáveis, que podem ser classificados em conformidade com a sua origem e evolução histórica, suas funções e atuação na comunidade circundante e, finalmente, sua estrutura jurídica própria”.6 1.3. Funções Ao estudar as funções do Direito do Trabalho significa referir-se ao sistema de valores que o referido pretende realizar, aos objetivos ou propósitos do ordenamento trabalhista, ao papel que este ramo da ciência do Direito desempenha na sociedade. 6 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 62 IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 7 A doutrina aponta as seguintes funções do Direito do Trabalho: a) função social; b) função econômica; c) função integradora ou de coordenação; d) função conservadora ou opressora do Estado; e) função tutelar; A função social do Direito do Trabalho é defendida pelos que sustentam que este ramo da ciência jurídica tem por fim enaltecer o valor social do trabalho, o que implica a relativização da ideia de propriedade absoluta e do poder hegemônico do empregador. A função social do direito do trabalho, portanto, tem por objeto a dignificação da pessoa que trabalha por conta alheia por meio do trabalho que lhe assegure uma vida digna de ser vivida. A função econômica é defendida pelos doutrinadores que identificam o direito do trabalho como mero apêndice do direito econômico. Para esta corrente, como lembra Amauri Mascaro Nascimento, “o direito do trabalho visa a realização de valores econômicos, de modo que toda e qualquer vantagem atribuída ao trabalhador deve ser meticulosamente precedida de um suporte econômico, sem o qual nada lhe poderá ser atribuído”. 7 A função coordenadora é reconhecida pelos autores que analisam o direito do trabalho como instrumento de coordenação entre os interesses representados por duas forças contrárias entre si: o capital e o trabalho. Assim, a função do direito do trabalho é apenas coordenar os interesses contrapostos dos empregadores e trabalhadores, sem levar em conta a situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência destes últimos. A função conservadora do direito do trabalho é adotada pela corrente que o observa como instrumento de opressão do Estado em prol da classe dominante (burguesia) como forma de impedir ou dificultar os movimentos operários. Leciona Amauri Mascaro Nascimento que, neste caso, “as leis trabalhistas não teriam outra função senão a de aparentar a disciplina da liberdade; na verdade, a de restringir a autonomia privada coletiva e impedir as iniciativas, que, embora legítimas, possam significar de algum modo a manifestação de um poder de organização e de reivindicação dos trabalhadores”. 8 Por fim, a função tutelar, defendida pela maioria dos juristas brasileiros, é aquela que visa proteger a parte fraca na relação empregatícia: o empregado. Para essa corrente doutrinária, tem-se um sistema jurídico fundado em princípios, regras e valores destinados a proteger e promover a melhoria das condições socioeconômicas do trabalhador e de sua família (Constituição Federal, art. 7º, caput). A função tutelar do Direito do Trabalho visa, 7 NASCIMENTO, Amauri MascaroI.niciação ao direito do trabalho. 33. ed. S ão Paulo: LTr, 2007, p. 68. 8 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 67-68 IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 8 enfim, sobretudo sob a perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional, corrigir as desigualdades sociais, econômicas e políticas entre os atores representantes do capital e do trabalho,por meio de um sistema normativo de proteção jurídica ao cidadão trabalhador. 1.4. Natureza Jurídica Estabelecer a natureza jurídica de um ramo do Direito significa classificá-lo entre os demais ramos da ciência jurídica a partir da dicotomia entre direito público e direito privado, conforme as suas normas refiram-se à organização do Estado ou aos interesses dos particulares. Diversas são as teorias desenvolvidas pela doutrina sobre a natureza do Direito do Trabalho, entre elas: a) do direito público; b) do direito privado; c) do direito misto; d) do direito social; e) do direito unitário. Indubitavelmente, o estudo sobre a natureza do Direito do Trabalho é de grande importância teórica e prática, tendo em vista que a aplicação e a interpretação das normas jurídicas, conforme sejam de direito público ou de direito privado, subordinam-se a regras e princípios diferentes. Os juristas que afirmam ser o Direito do Trabalho um ramo do Direito Público fundamentam sua posição na constatação de que, na sua maior parte, é fruto do intervencionismo estatal, ou seja, o Estado intervém nas relações privadas de trabalho e substitui a livre manifestação de vontade de cada um, pela sua própria vontade, manifestada por meio da lei. As relações jurídicas reguladas pelo Direito do Trabalho são, portanto, delineadas pela lei e só por exceção derivadas do exercício da autonomia da vontade das partes. Amauri Mascaro Nascimento ensina que os argumentos apontados pelos adeptos desta teoria são de três ordens: 1) natureza administrativa de algumas das normas trabalhistas, como é o caso das normas de fiscalização trabalhista; 2) imperatividade das normas trabalhistas, sendo nulo qualquer ato destinado a desvirtuar, impedir ou fraudar sua aplicação; 3) caráter estatutário das normas trabalhistas, tendo em vista a semelhança IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 9 que possuem com as relações mantidas pelo Estado com os agentes públicos no âmbito do Direito Administrativo.9 Para além, consideram-se a irrenunciabilidade e a impossibilidade de se reconhecer o conteúdo contratual das normas trabalhistas. A irrenunciabilidade decorre da necessidade de proteção ao trabalhador, enquanto o segundo argumento fundamenta-se na quantidade de normas que regulam a relação de emprego e que devem ser cumpridas sob pena de aplicação das sanções previstas em lei. Aqueles que sustentam ser o Direito do Trabalho um ramo do Direito Privado o fazem com base na sua origem e nos seus sujeitos. Em relação à origem, o Direito do Trabalho nasceu mesclado às normas do Direito Civil, e o contrato de trabalho deriva da locação de serviços do Código Civil. No que tange aos sujeitos do contrato de trabalho, estes são dois particulares agindo no seu próprio interesse. O fato de no Direito do Trabalho existir normas irrenunciáveis e, portanto, de ordem pública, não tem força suficiente para deslocá-lo para o âmbito do Direito Público, mesmo porque isso ocorre também no Direito Civil em relação, por exemplo, às normas relativas ao direito de família. A corrente doutrinária que sustenta ser o Direito do Trabalho um Direito Misto fundamenta sua posição no fato de que tal ramo do Direito tem em sua composição tanto normas de direito público como normas de direito privado, ora predominando umas, ora outras, razão pela qual não pode ser enquadrado em qualquer um dos âmbitos da dicotomia clássica. Os adeptos de tal teoria não reconhecem a unidade conceitual do Direito do Trabalho e afirmam ser necessário examinar parcialmente cada um dos grupos homogêneos de suas normas, para enquadrá-las dentro do Direito Público ou do Direito Privado. Já os doutrinadores que afirmam ser o Direito do Trabalho um ramo do Direito Social sustentam que reúne normas de proteção às pessoas economicamente mais fracas (também chamadas de hipossuficientes), sendo impossível, por esta razão, a sua classificação em direito público ou direito privado. O homem trabalhador é visto como integrante do social e, por sua hipossuficiência, deve ser protegido. A teoria que sustenta que o Direito do Trabalho é um terceiro gênero resultante da fusão entre o público e o privado é chamada de Direito Unitário. Diferentemente da teoria do direito misto, que afirma que no Direito do Trabalho as normas de direito público coexistem com as normas de direito privado sem, no entanto, se fundirem, a teoria do 9 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 34. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 74 IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 10 direito unitário afirma que a fusão das normas de direito público com as normas de direito privado faz surgir uma terceira realidade, diferente das concepções clássicas derivadas da dicotomia do Direito. A posição majoritária encontrada na doutrina é no sentido de considerar o Direito do Trabalho um ramo do Direito Privado. Adepto desta corrente, Amauri Mascaro Nascimento afirma que a liberdade sindical e a proibição de interferência do Estado na organização sindical reforçam a natureza de direito privado do Direito do Trabalho. 10 Para além, a Reforma Trabalhista trazida pela Lei n. 13.467/2017, ao ampliar significativamente a autonomia individual do trabalhador e ao prever que o negociado passa a prevalecer sobre o legislado, insere definitivamente o Direito do Trabalho no âmbito do Direito Privado. A irrenunciabilidade foi mitigada pela Reforma Trabalhista. 1.5. Autonomia Há diversos critérios que buscam confirmar a autonomia do direito do trabalho decorrente da existência de autonomia legislativa, de autonomia didática e de autonomia científica ou doutrinária. Atualmente, os doutrinadores sustentam a autonomia do Direito do Trabalho, já que, como ramo do Direito, além de preencher os requisitos mencionados, tem ainda autonomia jurisdicional. A autonomia legislativa do Direito do Trabalho no Brasil teve início na década de 1930, quando foram elaboradas inúmeras leis trabalhistas, firmou-se com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 e se confirmou definitivamente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que contém inúmeros dispositivos relativos ao Direito do Trabalho. Em decorrência da sua própria autonomia legislativa, o Direito do Trabalho é composto de normas cada vez mais numerosas, o que leva à exigência de uma atenção especial do jurista em relação a elas: para poder estudá-las e aplicá-las nas situações concretas, é preciso nelas se especializar. Assim, a bibliografia trabalhista é vasta, formada por tratados, cursos, teses, entre outros, resultando, sem dúvida, em uma autonomia doutrinária. 10 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho, p. 76. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 11 A autonomia didática do Direito do Trabalho decorre de sua maturidade científica, que faz com que seja estudado como disciplina específica, não só nas Faculdades de Direito, como também em outras, como Administração de Empresas e Economia. Completa a convicção acerca da autonomia do Direito do Trabalho o fato de contar com uma jurisdição especial (Justiça do Trabalho), conforme disposto pelo art. 92, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Assim, a existência de uma estrutura judicial específica para tratar de questões trabalhistas revela sua autonomia jurisdicional. José Augusto Rodrigues Pinto salienta que autonomia não se confunde com independência, preconiza a existência de diversas formas de autonomia do direito do trabalho: a) a autonomia legislativa, face à intensa e contínua proliferação de diplomas legais; b) autonomia científica (ou doutrinária), que se revela pela existência de inúmeras pesquisas e referênciasbibliográficas específicas, bem como a existência do princípio tutelar que divorciou o direito do trabalho do direito civil; c) autonomia didática que resulta do alastramento da inserção da disciplina nas Faculdades não apenas de Direito, como também de Economia, Administração, Serviço Social e Contabilidade.11 1.6. Divisão Embora o direito do trabalho seja um ramo da ciência do Direito, e, como tal, deva ser estudado, é possível internamente, para fins didáticos, estabelecer algumas divisões do seu conteúdo que leva em conta a diversidade das normas trabalhistas e a necessidade de agrupá-las de uma forma ordenada em setores específicos, que compõe o todo. Tradicionalmente e de acordo com grande parte dos doutrinadores, essa divisão se dá em dois grupos: o direito individual do trabalho e o direito coletivo do trabalho. No entanto, alguns outros doutrinadores afirmam que essa divisão em dois grandes grupos é genérica, sendo necessária uma maior especificidade para que se possa entender todo o conjunto de normas trabalhistas. Assim, segundo o tipo de relação mantida pelos sujeitos na relação jurídica trabalhista, o Direito do Trabalho se divide em: a) direito individual do trabalho; b) direito tutelar do trabalho; c) direito coletivo do trabalho; d) direito público do trabalho. 11 PINTO, José Augusto Ribeiro. Tratado de direito material do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 64-67. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 12 O objeto do Direito Individual do Trabalho é o estudo das relações individuais de trabalho subordinado mantidas por seus sujeitos (empregado e empregador), analisando os direitos e as obrigações decorrentes do contrato de trabalho. O Direito Tutelar do Trabalho compõe-se das normas jurídicas que impõem ao trabalhador e ao empregador deveres jurídicos públicos, com vistas à proteção do primeiro, ou seja, normas jurídicas por meio das quais o intervencionismo estatal mostra-se mais acentuado do que em outras áreas da mesma disciplina, com o objetivo claro de conferir maior proteção ao trabalhador. Muito embora a Reforma Trabalhista trazida pela Lei n. 13.467/2017 tenha ampliado as possibilidades de exercício da autonomia individual pelo trabalhador, em especial em razão da inclusão do parágrafo único do art. 444, CLT, o intervencionismo estatal não desapareceu, tendo sido apenas mitigado. O fundamento da tutela ao trabalhador, qual seja, o desequilíbrio existente entre as partes da relação de trabalho, continua a existir e a ser verificado concretamente. Nesse sentido, compõem o Direito Tutelar do Trabalho as normas relativas a: identificação e registro profissional; limitação da jornada de trabalho; períodos de descanso, incluindo descanso semanal remunerado e férias; proteção ao trabalho da mulher; proteção ao trabalho do menor; e medicina e segurança do trabalho. O Direito Coletivo do Trabalho tem por base as relações coletivas de trabalho (grupos de empregados e grupos de empregadores), os conflitos delas advindos e os órgãos que representam os grupos respectivos. Além disso, o Direito Coletivo do Trabalho abrange as normas jurídicas derivadas da solução dos conflitos coletivos e que é fonte do próprio Direito do Trabalho. A continuidade desses fenômenos, como é sabido, cristalizou novos instrumentos de normatização das relações empregatícias, como as convenções e acordos coletivos de trabalho, bem como de soluções judiciais de conflitos, como os dissídios coletivos. Nessa perspectiva, é a parte do direito do trabalho relativa às associações laborais, na profissão e nas empresas, aos seus contratos, aos seus conflitos e à solução destes. Com o advento da globalização e da sociedade de massa, o direito coletivo do trabalho ampliou o seu objeto em virtude do surgimento de “novos direitos”, como os direitos difusos, os coletivos (não somente de categorias, como também de classes e grupos) e os individuais homogêneos (materialmente individuais, mas processualmente coletivos). IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 13 Por derradeiro, o Direito Público do Trabalho é a parte do Direito do Trabalho composta pelo conjunto de normas e princípios que regulam a relação de cada um dos sujeitos da relação de emprego com o Estado. Entre as normas aqui abrangidas estão, por exemplo, as referentes à fiscalização do trabalho, à formação, qualificação e colocação da mão de obra, ao fundo de amparo ao trabalhador, ao seguro-desemprego. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 14 2. Origem e Evolução Histórica do Direito do Trabalho O Direito do Trabalho compreende a disciplina jurídica responsável por traçar os princípios, regras e institutos que regem as relações individuais e coletivas de trabalho. A existência do Direito do Trabalho pressupõe a necessidade do trabalho juridicamente livre, o que ocorre na Idade Moderna, especialmente após a Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo. No entanto, as manifestações em períodos precedentes são importantes para a compreensão do tratamento jurídico dado às relações de trabalho pelas sociedades e das mudanças que levaram ao surgimento do trabalho subordinado. Além das relações contratuais individuais fora da situação tradicional de emprego, o direito do trabalho lida com os requisitos estatutários e as relações coletivas que são cada vez mais importantes nas sociedades de produção em massa, as relações legais entre os interesses econômicos organizados e o Estado e os vários direitos e obrigações relacionadas a alguns tipos de serviços sociais (ALMEIDA, 2018, p. 5). O direito do trabalho surgiu paralelamente à Revolução Industrial, quando a relação entre trabalhador e empregador mudou de estúdios de produção em pequena escala para fábricas em grande escala. Os trabalhadores buscavam melhores condições e o direito de ingressar em um sindicato, enquanto os empregadores buscavam uma força de trabalho mais previsível, flexível e menos dispendiosa (Silva Neto, Gomes, 2016, p. 53). O estado do direito do trabalho a qualquer momento é, portanto, o produto e um componente das lutas entre várias forças sociais. Como a Inglaterra foi o primeiro país a industrializar, também foi o primeiro a enfrentar as consequências assustadoras da revolução industrial em um quadro econômico menos regulamentado. (SILVA, CASTRO, DosSANTOS, 2018, p. 263). Atualmente, os direitos e deveres dos empregadores e empregados no Brasil estão estabelecidos na chamada “Consolidação das Leis Trabalhistas Brasileiras - CLT”, que é o principal estatuto que regula os direitos trabalhistas no Brasil, emitido em 1943. Os direitos trabalhistas também são regulados por negociações e acordos coletivos. No entanto, certas classes de funcionários, como funcionários públicos e funcionários de autarquias (entidades governamentais autônomas), são excluídas do escopo das Leis Trabalhistas Origem e Evolução Histórica do Direito do Trabalho IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 15 Consolidadas, pois estão sujeitas a regulamentos especiais (GLINA e SOBOLL, 2012, p. 37). 2.1. A Organização Internacional do Trabalho A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência das Nações Unidas cujo mandato é promover a justiça social e econômica através do estabelecimento de padrões internacionais de trabalho. Fundada em 1919 sob a Liga das Nações, é a primeira e mais antiga agência especializada da ONU. A OIT tem 187 estados membros: 186 dos 193 estados membros da ONU e as Ilhas Cook. Está sediada em Genebra, na Suíça, com cerca de 40 escritórios de campo em todo o mundo e emprega cerca de 2.700 funcionários de mais de 150 países,dos quais 900 trabalham em programas e projetos de cooperação técnica (ALKIMIN, 2011, p. 122). A criação da OIT fundou-se em razões de segurança, humanitárias, políticas e econômicas. Houve um verdadeiro reconhecimento da importância da justiça social, em contraste com um passado de exploração dos trabalhadores nos países industrializados da época. Houve também uma compreensão cada vez maior da interdependência econômica do mundo e da necessidade de cooperação internacional para obtenção de igualdade das condições de trabalho em todos os países. Nesse sentido, e sintetizando os ideais de justiça social, o Tratado de Versalhes prevê expressamente que o trabalho não é uma mercadoria. A partir de todos esses fatos e da mudança de paradigma do trabalho humano previsto no Tratado de Versalhes e incorporado nas Constituições Mexicana de 1917 e Alemã de 1919, aos poucos, as Constituições modernas dos Estados democráticos foram reproduzindo os princípios das Cartas do México e da Alemanha, principalmente após a Declaração de Filadélfia de 1944, instrumento jurídico aprovado na Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizada naquele ano e que reforçou expressamente o princípio de que o trabalho não deve ser considerado como simples mercadoria, e a adoção pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, embora nem todas as Constituições hoje em vigor disponham especificamente sobre direitos sociais do trabalhador. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 16 2.2. Direito do Trabalho no Brasil A origem e a evolução do Direito do Trabalho no Brasil guardam particularidades próprias de nossa sociedade. Diferentemente dos países europeus, o Brasil foi uma colônia de Portugal por muitos anos, e teve sua economia baseada, até o final do século XIX, na agricultura e pecuária com pequeno desenvolvimento industrial. Além disso, o trabalho recebia um viés pejorativo, pois era desenvolvido por escravos africanos trazidos à força para trabalhar nas lavouras do país. Note-se, portanto, que o contexto social e econômico brasileiro diverge muito em relação ao europeu, pois não havia espaço para a união dos trabalhadores. Enquanto na Europa os trabalhadores eram livres e lutavam pela melhoria das condições de trabalho, no Brasil a luta era constante por sobrevivência e liberdade. Entre o período colonial e a abolição da escravidão em 1888, poucas foram as manifestações de normas atinentes às prestações de serviços, pois a mão de obra utilizada era basicamente a escrava, seja inicialmente pela utilização de índios e, posteriormente, de africanos. De acordo com Alice Monteiro de Barros, pode-se mencionar no período uma lei de 1830 que regulava o contrato de prestação de serviços de brasileiros e estrangeiros. Além disso, havia normativa sobre contratos entre colonos trazendo hipóteses de justas causas. O Código Comercial de 1850, por sua vez, trouxe algumas disposições que remetiam ao aviso-prévio. 12 Ocorre que, nesse período, não há como se falar de Direito do Trabalho ou de seu início, pois o trabalho era majoritariamente desenvolvido no âmbito rural por escravos. Assim, a evolução histórica do direito trabalhista no país inicia-se com a promulgação da Lei Áurea em 1888, que determina o fim da escravidão. Maurício Godinho Delgado, tratando sobre a abolição da escravatura, preceitua: “[...] ela pode ser tomada com marco inicial da referência da História do Direito do Trabalho brasileiro. É que ela cumpriu papel relevante na reunião dos pressupostos à configuração desse novo ramo jurídico especializado. De fato, constituiu diploma que tanto eliminou da ordem jurídica a relação de produção incompatível com o ramo jus trabalhista (a escravidão), como, via de consequência, estimulou a incorporação pela pratica social da fórmula então revolucionária da utilização da força de trabalho: a relação empregatícia.” (Delgado, 2010). 12 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016. P. 54 IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 17 Desta forma, tem-se um marco no momento da abolição da escravatura, que define a possibilidade ou não do surgimento de um Direito Laboral, haja vista que anteriormente, não tínhamos trabalhadores livres em número bastante para exigir tutela jurídica em seu ofício. Logo se pode dividir a história do direito trabalhista brasileiro em três fases distintas: a primeira, que vai da independência até a abolição da escravatura, período em que, como já supracitado, não houve a possibilidade prática de surgimento do direito laboral haja vista a falta de material humano proletário. Nesta fase, deve-se destacar a existência de uma incipiente massa de trabalhadores livres, trabalhadores estes que infelizmente não encontravam trabalho tão facilmente em uma sociedade tão patriarcal. Somente esse quadro começando a mudar, quando da entrada maciça de imigrantes europeus com fins a trabalhar nas fazendas de café, produto este que o Brasil produzia em larga escala na época. A Segunda vai da abolição até 1930. Nessa fase, têm-se manifestações esparsas e desconexas, tendo como exceção a greve geral de 1917, a qual angariou milhares de trabalhadores inspirados principalmente nos ideais anarco-sindicalistas trazidos por imigrantes europeus que vieram lavorar no café brasileiro. A última fase, que vai desde os anos 30 até os dias atuais, é marcada pela intervenção do Estado de tutelar com maior vigor os direitos em tela. Tutela essa, baseada no corporativismo italiano, que tem interesses que vão além da simples defesa dos direitos laborais, e transpassam a motivos de manutenção de status quo, apaziguamento da classe operária, dirigismo sindical, entre outros maniqueísmos de dirigentes autoritários. Nessa fase destaca-se com o devido louvor, além da concretização da Justiça do Trabalho, a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT – que compilou e generalizou leis, as quais antes encontravam-se esparsas e dirigidas às classes de trabalhadores específicas. Para se falar na CLT é importante se fazer uma retrospectiva à Revolução de Trinta, que pôs fim ao governo das oligarquias no Brasil e levou Getúlio Vargas à presidência brasileira. É fato que todo livro de História, que trate da Era Vargas, mencione que o seu governo refletia um Estado compromissado com a intervenção forte na economia e com leis trabalhistas que visassem o bem-estar do operário urbano. Todavia, é possível se fazer uma crítica à esse segundo compromisso. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 18 Isso reflete a inserção da negociação coletiva como elemento de resolução de conflitos do trabalho de cunho coletivo. Assim, o Estado passa a supervisionar de perto as relações trabalhistas. Visando o controle da classe operária, o novo governo obrigou os sindicatos a se submeterem ao Ministério Público, que dava autorização de funcionamento somente para sindicatos cuja diretoria fosse aprovada pelo governo – o imposto para a manutenção do sindicato só era garantido àqueles autorizados; além disso, o governo reprimia as manifestações operárias legítimas, deportava estrangeiros, prendia líderes de sindicatos que queriam manter sua autonomia e detinha o poder de fechá-los. Fica-se claro que nas negociações entre patrões e empregados conduzidas pelo Ministério Público prevaleciam as decisões que interessavam mais ao capital que ao trabalho; reflexo do Estado Novo e de seu caráter corporativista e autoritário. Para enfraquecer a luta operária se tornou lei federal o dia de descanso semanal, a jornada de trabalho de 8 horas, férias anuais remuneradas e a proibição do trabalho dos menores de 14 anos. Emboraconquistas vistas hoje, na época mal saíram do papel, uma vez que os operários não podiam fazer greves ou manifestações. Essa política atingiu o seu auge com o estabelecimento do salário mínimo e a criação da CLT. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), embora configurasse uma compilação das leis trabalhistas aprovadas desde o início do século XX, foi apresentada à nação como o resultado do esforço de Vargas em prol das classes trabalhadoras; na realidade, Vargas retira do movimento operário a sua capacidade de mobilização ao consolidar a CLT. Essa atuação intervencionista do Estado, diante das questões coletivas e das individuais resultante do trabalho diário, manteve-se basicamente a mesma por muito tempo. Uma mudança veio a ocorrer em vigência da Constituição de 1946 - momento de democratização do governo – transformando a Justiça do Trabalho (criada oficialmente em 1943) em órgão do Poder Judiciário. A Constituição Federal de 1988 tem um forte conteúdo social, englobando disposições referentes aos direitos e garantias individuais (art. 5º), aos direitos sociais (art. 5º a 11) e, ainda, às disposições que compõem o Título VIII (Da Ordem Social).13 Entre os diversos avanços democráticos trazidos, o Texto Magno conferiu novo status ao Direito do Trabalho - inclusive o Direito Individual do Trabalho -, mediante 13 Conforme afirma Arnaldo Süssekind, apesar do forte conteúdo social da Carta Política de 1988, existe em seu texto uma contradição: ela não é rigorosamente liberal-democrática, mas também não chega a ser social-democrática. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 55. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 19 princípios, regras e institutos jurídicos que acentuaram a força e a projeção desse campo normativo na sociedade e na economia brasileiras.14 14 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 116. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 20 3. Princípios do Direito do Trabalho 3.1. Importância e Conceito A coerência interna de um sistema jurídico decorre dos princípios sobre os quais se organiza. Para operacionalizar o funcionamento desse sistema, torna-se necessária a subdivisão dos princípios jurídicos. Extraem-se, assim, os princípios gerais e os princípios especiais, conforme a natureza de cada subdivisão. A exemplo, sobre o direito e o direito do trabalho, verificaremos que o primeiro possui seus princípios gerais, e o segundo, que é um dos seus ramos, possui princípios específicos. A importância dos princípios foi identificada por Jorge Miranda nos seguintes termos: O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si, o Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultada de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições. Considerando-se que o Direito do Trabalho é um ramo jurídico autônomo, torna-se evidente que possui princípios próprios diferentes dos que inspiram os outros ramos da ciência jurídica. Os princípios são os preceitos fundamentais de uma determinada disciplina e, como tal, servem de fundamento para seus institutos e para sua evolução. Constituem o núcleo inicial do próprio Direito, em torno dos quais vai tomando forma toda a estrutura científica da disciplina em questão. Há princípios que são utilizados para todas as formas de saber, outros são aplicáveis a diversos campos de conhecimento e outros, ainda, referem-se especificamente a uma ciência. Os princípios do Direito do Trabalho são as ideias Princípios do Direito do Trabalho IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 21 fundamentais e informadoras do ordenamento jurídico trabalhista, ou seja, constituem postulados e diretrizes que inspiram as normas que regulam as relações de trabalho. Os princípios têm como função a criação, a aplicação e a interpretação do Direito do Trabalho, ou seja, conforme Plá Rodriguez tem: função informadora (inspiram o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurídico); função normativa (atuam como fonte supletiva, no caso de ausência de lei; são meios de integração do Direito); e função interpretativa (operam como critério orientador do juiz ou do intérprete). 15 3.2. Distinção entre Princípio e Norma Considerando que o Direito é um conjunto composto por princípios e por normas, necessário se faz distingui-los. As principais diferenças entre ambos são: a) somente os princípios exercem um papel constitutivo da ordem jurídica; b) as normas são interpretadas segundo o método de interpretação jurídica, enquanto a interpretação dos princípios se dá não pelo exame da linguagem, mas, sim, em função dos valores que os compõem; c) às normas se obedece, aos princípios se adere; d) as normas determinam o que devemos e o que não devemos fazer, o que podemos ou não podemos fazer nas situações nelas previstas, enquanto os princípios fornecem critérios que permitem tomar-se posição diante de situações a priori indeterminadas, quando se concretizam; e) as normas podem ser aplicadas mecânica e passivamente, enquanto em relação aos princípios isso é inconcebível, pois são aplicados a partir da ponderação. Outro aspecto relevante da distinção entre normas e princípios é o relativo à dimensão de sua importância, ou seja, em caso de oposição ou de contradição entre diversos princípios, quem tem que resolver o conflito deve levar em conta o peso ou a importância de cada um deles; já no caso de conflito entre normas, os critérios de solução são distintos, considerando-se, por exemplo, grau hierárquico ou critério temporal. 3.3. Princípios específicos do Direito do Trabalho 15 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho, p. 240 IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 22 O Direito Trabalho desdobra-se em um segmento individual e um segmento coletivo, cada um possuindo regras, institutos e princípios próprios. Além dos princípios gerais que guardam íntima relação com o Direito do Trabalho, existem princípios específicos desse ramo da ciência jurídica forjado por fatos econômicos e sociais típicos. Sendo assim, há duas categorias de princípios aplicáveis no âmbito do direito do trabalho: os princípios constitucionais do direito do trabalho e os princípios infraconstitucionais do direito do trabalho. Toda a estrutura normativa do Direito Individual do Trabalho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política básica entre os sujeitos da relação jurídica central desse ramo jurídico específico. Em tal relação, o empregador age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações - ainda que intraempresariais - tem a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla. Não obstante, no outro polo da relação inscreve-se um ser individual, consubstanciado no trabalhador que,como sujeito desse vínculo sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comunitário. Essa disparidade de posições na realidade concreta fez emergir o Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego. O Direito Coletivo, ao contrário, é um ramo jurídico construído a partir de uma relação entre seres teoricamente equivalentes: seres coletivos ambos, o empregador de um lado e, de outro, o ser coletivo obreiro, mediante as organizações sindicais. Em correspondência a esse quadro fático distinto, surgem, obviamente, no Direito Coletivo, categorias teóricas, processos e princípios também distintos. A compreensão global do Direito do Trabalho impõe a compreensão acerca dos princípios específicos de seu segmento juscoletivo. È que o Direito Coletivo atua sobre o Direito Individual, produzindo-lhe importante universo de regras jurídicas, consubstanciado no conjunto de diplomas autônomos que compõem sua estrutura normativa (Convenção e Acordo Coletivo). Desse modo, o Direito Coletivo pode alterar o conteúdo do Direito Individual do Trabalho, ao menos naqueles setores socioeconômicos em que incidam seus específicos diplomas. Desde a Constituição de 1988, a propósito, ampliou-se o potencial criativo do Direito Coletivo, lançando a necessidade de pesquisar os critérios objetivos de IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 23 convivência e assimilação entre as normas autônomas negociadas e as normas heterônomas tradicionais da ordem jurídica do país. 3.3.1. Princípio da Proteção Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesse obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente. Parte importante da doutrina aponta este princípio como cardeal do Direito do Trabalho, por influir em toda a estrutura e características próprias desse ramo jurídico especializado. Esta, a propósito, a compreensão do jurista Plá Rodriguez, que considera manifestar-se o princípio protetivo em três dimensões distintas: o princípio in dubio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.16 Reconhecido como o princípio mais importante do Direito do Trabalho, o princípio protetor se expressa sob três formas distintas, que podem ser caracterizadas como suas regras de aplicação, que, no entanto, também foram afetadas pela Reforma Trabalhista, trazida pela Lei n. 13.467/2017. A regra in dubio pro operario é regra de interpretação de normas jurídicas, segundo a qual, diante de vários sentidos possíveis de uma determinada norma, o juiz ou o intérprete deve optar por aquele que seja mais favorável ao trabalhador. A regra da norma mais favorável determina que, havendo mais de uma norma aplicável a um caso concreto, deve-se optar por aquela que seja mais favorável ao 16 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. São Paulo. LTr, 1993, p. 42-43. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 24 trabalhador, ainda que não seja a que se encaixe nos critérios clássicos de hierarquia de normas. A aferição da norma mais favorável deve-se basear em um critério de comparação entre as mesmas, o que, segundo Alice Monteiro de Barros, caracteriza um “problema de ordem técnica”, tendo em vista existirem três critérios distintos: a) teoria do conglobamento - a aferição da norma mais favorável se dá após o confronto da integralidade das normas em comparação; b) teoria da acumulação - a aferição se dá a partir da seleção, em cada uma das normas objeto da comparação, das previsões mais favoráveis ao trabalhador, utilizando-se, de cada uma delas, a que for mais favorável; c) teoria do conglobamento orgânico ou por instituto - a aferição da norma mais favorável deve ser feita pela comparação entre partes das normas ou entre grupo de matérias. 17 A aplicação da regra da norma mais favorável torna flexível a hierarquia das normas trabalhistas, devendo ser considerada como mais importante, em cada caso concreto, a norma mais favorável ao trabalhador, ainda que esta não seja a Constituição Federal ou uma lei federal. Segundo a regra da condição mais benéfica, a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca pode significar diminuição de condições mais favoráveis em que se encontra o trabalhador. As condições mais favoráveis devem ser verificadas em relação às situações concretas anteriormente reconhecidas ao trabalhador, e que não podem ser modificadas para uma situação pior ou menos vantajosa A análise do que é condição mais benéfica restou relativizada, já que o conceito de mais benéfico deixou de ser considerado pelo legislador como decorrência da ideia de proteção da parte economicamente mais fraca da relação de emprego, passando a ser inserido no âmbito da autonomia da vontade do trabalhador, ou seja, de um modo geral, se o trabalhador negociou, exercendo livremente sua autonomia da vontade, é porque considerou que, para ele, essa nova condição é mais benéfica. Esse é o contexto trazido pela Reforma Trabalhista. A noção de tutela obreira e de retificação jurídica da reconhecida desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego (ideia inerente ao princípio protetor) não se desdobra apenas nas três citadas dimensões. Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os princípios especiais do Direito Individual do Trabalho. Todos esses outros princípios especiais também criam, no âmbito de abrangência, uma proteção especial aos interesses contratuais obreiros, buscando 17 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho, p. 181. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 25 retificar, juridicamente, uma diferença prática de poder e de influência econômica e social apreendida entre os sujeitos da relação empregatícia. 3.3.2. Princípio da Irrenunciabilidade O princípio da irrenunciabilidade é aceito de forma unânime na doutrina como uma das principais bases do Direito do Trabalho e constitui-se no reconhecimento da não validade do ato voluntário praticado pelo trabalhador no sentido de abrir mão de direito reconhecido em seu favor. Portanto, a irrenunciabilidade, que está vinculada à ideia de imperatividade, isto é, de indisponibilidade de direitos, diz respeito à impossibilidade de que o trabalhador prive- se voluntariamente, em caráter amplo e por antecipação, de direitos que lhe são garantidos pela legislação trabalhista. Sempre se entendeu que a interpretação do princípio da irrenunciabilidade deve ser o mais ampla possível, abrangendo tanto a privação total de direitos como a parcial, e tanto a que se realize por antecipação como a que ocorra posteriormente à extinção da relação jurídica daqual decorre o direito que é objeto da renúncia. A adoção da irrenunciabilidade como regra geral sempre decorreu do fato de que a legislação trabalhista brasileira não continha previsão explícita sobre a permissão ou não da renúncia, sendo apenas previsto pela CLT, em seu art. 9º, que são considerados nulos de pleno direito os atos destinados a impedir, fraudar ou desvirtuar a aplicação dos seus preceitos. No entanto, a irrenunciabilidade de direitos trabalhistas foi mitigada pela Reforma Trabalhista introduzida pela Lei n. 13.467/2017, com a inserção no ordenamento jurídico (parágrafo único, art. 444, CLT) da figura do trabalhador hipersuficiente, assim considerado o portador de diploma de nível superior (hipersuficiência técnica) e com salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (hipersuficiência econômica), a quem é permitida a livre estipulação em relação ao rol dos direitos previstos no art. 611-A da CLT. Assim, aos referidos trabalhadores é permitido negociar condições de trabalho menos benéficas, em comparação com os direitos trabalhistas previstos na legislação, IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 26 salvo aqueles garantidos pela Constituição Federal, ainda que isso signifique renúncia a tais direitos. 3.3.3. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego Consiste no objetivo que têm as normas trabalhistas de dar ao contrato individual de trabalho a maior duração possível e tem por fundamento o fato de ser o contrato de trabalho um contrato de trato sucessivo, que não se esgota com a execução de um único e determinado ato, mas, ao contrário, perdura no tempo, regulando obrigações que se renovam. A continuidade da relação de emprego como princípio do Direito do Trabalho fundamenta-se no fato de que nela está a fonte de subsistência e de sustento do empregado e de sua família, tendo nítida natureza alimentar. Assim, as normas trabalhistas devem tomar como base a continuidade da relação de emprego e estabelecer mecanismos eficazes para sua preservação pelo maior tempo possível. Assim, quanto mais duradoura for a relação de emprego, maior será o equilíbrio pessoal e familiar do empregado, possibilitando que se atinja um maior nível de desenvolvimento social. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho adotou o entendimento de que o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado (Súmula 212). Também esse princípio foi relativizado pela Reforma Trabalhista introduzida pela Lei n. 13.467/2017, como se verifica, por exemplo, com a previsão da possibilidade de rescisão do contrato de trabalho por comum acordo entre as partes (art. 484-A, CLT) e a previsão de possibilidade mais facilitada de o empregador proceder a dispensas coletivas, na medida em que o art. 477-A da CLT prevê que nesses casos não há necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 27 3.3.4. Princípio da Primazia da Realidade O princípio da primazia da realidade, tal qual o da irrenunciabilidade, é de inegável fundamentalidade ao direito do trabalho, razão pela qual digno de nota apresentam as observações deduzidas, principalmente em outras searas do direito, aos seus propósitos, como é exemplo a busca da verdade real. Questão pouco abordada, mas de importância, na medida em que indica os objetivos do princípio sob análise, é o sentido que a busca da verdade real exerce no direito do trabalho. Na esteira do afirmado alhures, contraface do direito decorrente do princípio à que as relações sejam consideradas pelo que são, e não pelo que formalmente aparentam ser, é o dever estatal de perquirir aquilo que se pode depreender da análise dos fatos e elementos colacionados, não em favor de quaisquer das partes de uma relação jurídica, mas sim, da real natureza jurídica dessa relação. O referido princípio, derivado da ideia de proteção, tem por objetivo fazer com que a realidade verificada na relação entre o trabalhador e o empregador prevaleça sobre qualquer documento que disponha em sentido contrário. Assim, em caso de discordância entre a realidade emanada dos fatos e a formalidade dos documentos, deve-se dar preferência à primeira, ou seja, a realidade de fato da execução da relação mantida entre as partes prevalece sobre sua concepção jurídica. Plá Rodriguez afirma que “em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle”. O fundamento do princípio ora em estudo pode ser encontrado não só na necessidade de proteção do trabalhador, mas também na exigência de boa-fé, da qual necessariamente decorre a prevalência da verdade. Com base no art. 9º da CLT, verifica-se que, se o documento foi formalmente elaborado com o intuito de, encobrindo a realidade dos fatos, fraudar as normas trabalhistas, será nulo de pleno direito, aplicando-se ao caso concreto o quanto disposto nas normas, isto é, a regra que prevalece no Direito do Trabalho é a de nulidade absoluta do ato anormal praticado com o intuito de evitar ou desvirtuar a aplicação das normas jurídicas de proteção ao trabalho. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 28 3.3.5. Princípio da Razoabilidade Embora a maioria da doutrina não faça referência à razoabilidade como um dos princípios do Direito do Trabalho, Plá Rodriguez defende sua importância e utilidade e o estuda como princípio que “consiste na afirmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme a razão”,18 ou seja, nas relações de trabalho as partes e os operadores do Direito devem sempre buscar a solução mais razoável para os conflitos dela advindos. A definição acima conduz à ideia de que o princípio da razoabilidade não é exclusivo do Direito do Trabalho, mas próprio de todos os ramos do Direito, e se baseia em critérios de razão e de justiça. Tal constatação, no entanto, não afasta a aplicação e a importância deste princípio no âmbito trabalhista, pois um determinado princípio não precisa ser exclusivo do Direito do Trabalho para ser considerado como uma das linhas diretrizes que inspiram o sentido de suas normas. Assim, verifica-se que o princípio da razoabilidade pode ser aplicado no Direito do Trabalho em casos em que seja necessário medir a verossimilhança de determinada explicação ou solução, ou em que se pretenda distinguir a realidade da simulação. Ademais, apesar de ser também princípio geral de direito e, atualmente, considerado princípio constitucional implícito, no direito do trabalho o princípio da razoabilidade encontra aplicação específica, mormente na interpretação das situações fáticas que ordinariamente acontecem. À luz do princípio em tela, por exemplo, não é razoável presumir verdadeira a alegação do empregador no sentido de que o empregado tenha abandonado o emprego ou solicitado a sua demissão, em função do que cabe ao empregador o ônus de provar tais fatos. Também não é razoável admitir que, numa única vez, alguns minutos de atraso ao local de trabalho sejam motivo de aplicação, pelo empregador, da pena máxima (justa causa). Nesse caso, o juiz não pode dosar a pena, transmudando-a, v. g., para advertência ou suspensão. Apenas declara a sua nulidade, ou não. 18 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho, p. 392-393.IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 29 3.3.6. Princípio da Boa-Fé Esse princípio decorre do postulado ético que deve reinar nas relações jurídicas em geral, mormente as de natureza trabalhista, tendo em vista a função tutelar do direito do trabalho. Há, pois, deveres recíprocos das partes para o fiel cumprimento das condições e obrigações ajustadas antes, durante e após a extinção do contrato de trabalho. O princípio da boa-fé, antes limitado a ser princípio geral do direito, atualmente encontra-se positivado expressamente no Código Civil (v. g., arts. 113, 164, 187 e 422), sendo certo que a doutrina reconhece a existência de dois tipos de boa-fé: a objetiva (aspecto ético) e a subjetiva (aspecto psicológico). Assim, por força do art. 8º, § 1º, da CLT, o princípio da boa-fé pode (e deve) ser amplamente aplicado no direito do trabalho. A boa-fé objetiva é a que diz respeito ao aspecto ético do comportamento humano, isto é, corresponde a um modelo ideal de comportamento que a pessoa humana deve ter em relação a outras pessoas, devendo agir, pois, de forma ética, honesta, leal e proba, à luz dos valores sociais e morais reconhecidos pela sociedade e pelo ordenamento jurídico. A boa-fé objetiva, portanto, tem natureza jurídica de cláusula geral, que atua como verdadeira norma jurídica destinada ao juiz no exame de um caso concreto. Já a boa-fé subjetiva leva em conta os aspectos subjetivos e psicológicos da conduta do agente na realização de um negócio jurídico. Trata-se de princípio geral do direito que auxilia o juiz na interpretação do negócio jurídico, possibilitando-lhe verificar a intenção das partes na celebração de um contrato, tal como prevê o art. 113 do Código Civil. S e o empregado, por exemplo, apresenta-se como candidato ao emprego alegando ardilosamente determinada experiência que sabe não possuir. Este princípio abrange tanto o empregado como o empregador. No primeiro caso, baseia-se na suposição de que o trabalhador deve cumprir seu contrato de boa-fé, que tem, entre suas exigências, a de que coloque todo o seu empenho no cumprimento de suas tarefas. Em relação ao empregador, supõe que deva cumprir lealmente suas obrigações para com o trabalhador. Assim, a boa-fé é elemento que deve estar presente não só no momento da celebração do contrato de trabalho, mas, principalmente, na sua execução. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 30 REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17. ed. rev. e atual. por José Augusto Rodrigues Pinto e Otávio Augusto Reis de Souza. Rio de Janeiro: Forense, 2005. LEITE, Carlos Henrique Bezerra Curso de direito do trabalho / Carlos Henrique Bezerra Leite. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 2004 PINTO, José Augusto Ribeiro. Tratado de direito material do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho. 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. IFMG Campus Ribeirão das Neves – Administração – Processos Gerenciais 1 DIREITO DO TRABALHO E PREVIDENCIÁRIO Atividade Avaliativa Luiz Carlos Garcia Administração Processos Gerenciais ATIVIDADE AVALIATIVA A atividade consistirá na resolução das questões abaixo expostas, devendo o aluno justificar e fundamentar sua resposta. DATA DE ENTREGA DA ATIVIDADE: 16/08/2020 01. O estudo do conceito de Direito do Trabalho permite identificar o conteúdo e a extensão desse ramo da Ciência do Direito, ou seja, a partir do conceito é possível distinguir a relação jurídica base que compõe o seu objeto, os sujeitos que integram tal relação jurídica e a finalidade das normas jurídicas que o compõem. Acerca desse assunto, analise as afirmativas abaixo e dê valores Verdadeiro (V) ou Falso (F). ( ) I. Direito do Trabalho é o ramo da ciência do direito que versa sobre as normas, as instituições jurídicas e os princípios que disciplinam as relações de trabalho subordinado. ( ) II. Uma das características do Direito do Trabalho é a restrição da liberdade contratual, que impõe limites autonomia da vontade, através de normas e de garantias sociais. ( ) III. Em se tratando de conceito de Direito do Trabalho, a posição subjetivista defende o campo de aplicação da disciplina como sendo o das normas do trabalho; já a posição objetivista, com caráter finalista, se preocupa com a melhoria da condição social do trabalhador. ( ) IV. O direito do trabalho envolve tanto o estudo do direito individual quanto do direito coletivo. O direito individual do trabalho trata das regras, princípios e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia e as relações de trabalho especificadas. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta. A) V, V, V, V B) F, V, F, V C) V, V, F, V D) V, F, F, V À luz da legislação social e do Direito do Trabalho, julgue os próximos itens: 02. O direito do trabalho disciplina as relações entre empregador e empregado, protegendo este último em face da superioridade econômica do empregador frente a sua hipossuficiência. A) CERTO B) ERRADO 03. O direito comum não será fonte subsidiária do direito do trabalho, em razão da incompatibilidade com os princípios fundamentais deste. A) CERTO B) ERRADO 04. O Direito do Trabalho possui funções que evidenciam os objetivos ou propósitos do ordenamento trabalhista, considerando o seu papel desempenhado na sociedade. Desta forma, ao afirmar que o Direito do Trabalho “é um instrumento de opressão do Estado em prol da classe dominante como forma de impedir ou dificultar os movimentos operários” e que este ramo “coordenar os interesses contrapostos dos empregadores e trabalhadores, sem levar em conta a situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência destes últimos”, citamos duas funções inerentes ao Direito do Trabalho. Assinale a alternativa que contém essas funções: A) Função Tutelar e Função Econômica B) Função Econômica e Função Coordenadora C) Função Conservadora e Função Coordenadora D) Função Conservadora e Função Tutelar 05. Acerca da origem e evolução do Direito do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), analise assertivas abaixo expostas: I. A Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho contempla a liberdade sindical, mas não expressamente o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, o que não impede o seu acolhimento implícito. II. A criação da OIT fundou-se em razões de segurança, humanitárias, políticas e econômicas. III. A Conferência Internacional do Trabalho é o órgão deliberativo da Organização Internacional do Trabalho e corresponde à sessão plenária de seus Estados-Membros presentes por intermédio de suas respectivas delegações tripartites compostas de um representante governamental, um representante dos trabalhadores e um representante dos empregadores. IV. Para uma compreensão cada vez maior da interdependência econômica do mundo e da necessidade de cooperação internacional para obtenção de igualdade das condições de trabalho em todos os países, o Tratado de Versalhes prevê expressamente que o trabalho é uma mercadoria. Assinale a alternativa CORRETA: A) Apenas as assertivas I e IV estão corretas. B) Apenas as assertivas III e IV estão corretas. C) Apenas as assertivas I, II e IV estão
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