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Resumo - Psicologia Comunitária - Reforma Psiquiátrica

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DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: O ALIENISTA, UM ESTRANHO NO NINHO
E A REFORMA PSIQUIÁTRICA
O Alienista, livro clássico de Machado de Assis, apesar de se tratar de uma
ficção, aborda um retrato crítico da limpeza social realizada pela institucionalização
manicomial no Brasil. No livro, um médico psiquiatra cria, em nome da ciência, uma
instituição – a Casa Verde – para internar e tratar os “loucos” da cidade. Com
fronteiras difusas entre loucura e sanidade, e critérios arbitrários para a internação,
além dos interesses políticos envolvidos, mais da metade da população da cidade
acabou sendo internada (incluindo a esposa do psiquiatra).
Os cidadãos, amedrontados e revoltados, formaram uma rebelião, mas não
conseguiram fechar a Casa Verde – e, ainda, acabaram internados nela também.
Enquanto isso, o psiquiatra libertava e internava as pessoas em seu manicômio
conforme variavam seus estudos e percepções acerca da loucura. Em dado
momento, percebe que se todos ao seu redor são loucos e somente ele são, talvez
ele precise ser internado, tratado, estudado e curado. Por fim, o psiquiatra interna a
si mesmo na Casa Verde, onde acaba morrendo – sem “cura”.
Já o filme Um Estranho no Ninho, dirigido por Milos Forman, também
aproveita o mesmo cenário para abordar diferentes níveis de doença mental,
percepções equivocadas e possíveis abusos de profissionais da área psiquiátrica. O
filme mostra Randle Patrick McMurphy, um prisioneiro que simula estar insano para
evitar a detenção rural e vai para uma instituição de doentes mentais. Ali, estimula
os internos a se revoltarem contra as rígidas normas impostas pela enfermeira-chefe
Ratched.
Há um paralelo interessante entre a percepção do corpo técnico sobre o
paciente e deste sobre a instituição. Ele tenta socializar, fazer amigos e aproveitar o
tempo como um período de descanso e lazer, até que se depara com as regras do
local e bate de frente com a enfermeira-chefe. A partir daí, toma como missão burlar
as regras e “dobrar” a vontade de sua adversária. Ao mesmo tempo, o corpo técnico
discorda sobre a permanência de McMurphy na instituição, questiona sua sanidade
e a necessidade de tratamento. No entanto, é a própria Ratched que irá advogar sua
permanência, movida por razões que mais tarde serão reveladas.
É notório durante todo o filme o poder manipulativo e coercitivo da
enfermeira-chefe sobre os pacientes, mesmo os que se encontram na instituição
voluntariamente, algo não incomum nos dias de hoje. Isso espanta e instiga
McMurphy ainda mais contra ela. Extremamente carismático, ele empreende uma
sutil campanha de cooptação de seus colegas, promove pequenos delitos e vai, aos
poucos, enfurecendo Ratched, sem saber o quanto isso é perigoso, até o momento
em que realiza uma fuga e um passeio de barco com seus companheiros. Ratched
então revida usando os meios da própria instituição para minar a resistência de
McMurphy, com terapia de eletrochoque, à qual ele faz questão de fazer pouco caso,
embora se possa notar seu medo e sofrimento. Não está claro se se trata de um
abuso de poder da enfermeira-chefe, mas muito provavelmente existe um
sentimento de onipotência e legitimidade em função de sua posição sobre o
paciente, e que isso já ocorreu antes com outros pacientes, ou seja, trata-se de uma
prática comum.
A situação de confronto se agrava quando McMurphy descobre que, ao
contrário de sua detenção na prisão rural, onde faltariam pouco mais de dois meses
para sua libertação, não existe prazo para sua liberação na instituição psiquiátrica, e
que ele depende diretamente da enfermeira Ratched para ser liberado, e mais, ela é
a principal responsável por ele não ter retornado à condição de detento. O limiar
entre a simulação de insanidade e a insanidade em si parecem se cruzar em vários
momentos a partir deste ponto, mostrando como o desespero age no ser humano.
McMurphy passa então a secretamente arquitetar um plano de fuga, ao
mesmo tempo em que estimula os companheiros a se rebelarem contra as rígidas
regras impostas por Ratched. Sutilmente, ele provoca discussões e reflexões sobre
as restrições existentes para pacientes voluntários, questiona os motivos das
restrições, estimula os companheiros a se juntarem a ele nos questionamentos e
joga todos contra a enfermeira-chefe. Forma-se um apego dos internos a McMurphy,
uma mudança de postura dos internos que, se por um lado não enfrentam a
Ratched, por outro acompanham alegremente McMurphy em suas transgressões.
Na noite da fuga, promovem uma grande festa dentro da própria instituição.
No último minuto, McMurphy desiste de fugir e permanece com seus amigos. A
sucessão de acontecimentos a partir daí é inevitável. Intimidados pela
enfermeira-chefe, os internos responsabilizam exclusivamente a McMurphy e, após
o suicídio de um dos internos, McMurphy tenta matar Ratched e é “tratado” com uma
lobotomia, que o despersonaliza completamente, uma suposta vingança final da
enfermeira-chefe.
Durante todo o filme, um personagem circunda a história: a figura de um índio
supostamente surdo-mudo para todos da instituição, menos para McMurphy, que
desde o início interessou-se por ele e investiu na amizade. Aos poucos, eles se
aproximaram e formaram um vínculo forte e sincero, e várias vezes o Chief Bromden
advertiu seu amigo sobre como haviam “acabado com seu pai”, um homem corajoso
como McMurphy. No plano de fuga, a ideia era fugir e levar junto o Chief, mas ele
não se dizia suficientemente corajoso. Toda esta alusão se confirma ao final do
filme. Seu medo parece se referir ao sistema psiquiátrico em tempos não tão
antigos, onde aqueles que se sobressaem, tais como McMurphy e seu pai, podem
ter finais trágicos, piores que a morte.
O final do filme é intenso por isso mesmo. Quando McMurphy retorna ao seu
quarto, Chief o espera para fugirem, tomado de coragem, mas descobre o que
aconteceu ao seu amigo. Decidido a levá-lo junto, ele sufoca McMurphy em um
golpe de misericórdia, dando fim ao seu sofrimento. Considerando sua
personalidade brilhante, Chief estaria acreditando em um grande gesto de amizade
e, segundo a crença indígena, pretendendo levar seu espírito junto na fuga.
Tanto no filme “Um estranho no ninho” (1975) como no livro “O Alienista”
(1882), os personagens estão no contexto de um manicômio, um exemplo de
Instituição Total, definida por Goffman (1961) como o tipo de instituição que controla
ou busca controlar a vida dos indivíduos a ela submetidos, substituindo todas as
possibilidades de interação social por determinações e regras internas. O caráter
total é simbolizado pela barreira social com o mundo externo, que impede que os
internos saiam do local e determina o seu fechamento.
As Instituições Totais têm como aspecto uma única autoridade, o poder sobre
um determinado grupo de pessoas e um conjunto de regras e normas a serem
seguidas. No filme “Um estranho no ninho” (1975), o manicômio possui a autoridade
do psiquiatra responsável e das enfermeiras, que são responsáveis por um grupo de
pessoas que possuem algum tipo de transtorno mental e que possuem uma série de
rotinas a serem seguidas, impostas pela própria instituição: tomar os medicamentos,
jogar cartas e realizar práticas terapêuticas em grupo são exemplos. Já no livro “O
Alienista”, estes aspectos das Instituições Totais também são notados: a instituição
conhecida como “Casa Verde” possui como autoridade o Dr. Simão Bacamarte, que
é responsável por vários dos internos da Casa e que possui uma série de práticas e
rotinas a serem seguidas.
Guffman (1961) também traz os processos de mortificação do Eu, que
acontecem dentro das Instituições Totais. Tratam-se de processos causados por
uma série de humilhações, rebaixamentos e degradações do eu, que fazem com
que o indivíduo seja despido de sua personalidade e tenha uma nova imposta sobre
ele, tanto pela instituição como pela sociedade. Nestes casos, a desfiguração
pessoal causa um apego às obrigações institucionais,onde o internado sente-se em
total marasmo e chega até mesmo a ter medo do mundo externo.
No filme “Um estranho no ninho” (1975), a mortificação do eu é evidenciada
nos internos do manicômio. Todos eles estão institucionalizados há um certo tempo
e presos às rotinas institucionais impostas pela equipe do hospital psiquiátrico,
sendo obrigados a participar de um tratamento marcado pela rigidez protocolar e
pela violência física e psicológica. Somente após a chegada de um novo interno,
McMurphy (o protagonista da história), os internos vão começando a se mobilizar. O
personagem, que vai parar no manicômio após ter inúmeros comportamentos
antissociais e que parece fingir um transtorno desviante para escapar de outra
Instituição Total (o presídio), começa a contrariar muitas destas normas e se opõe à
equipe do hospital, o que faz com que ele seja aclamado entre os internos, que até
então aceitavam calados a rigidez imposta a eles. Através da identificação com a
figura do protagonista, os internos vão ganhando cada vez mais autonomia e se
desvencilhando da personalidade imposta pela Instituição Total.
A reação da Instituição denota a teoria de Foucault (1995) sobre as relações
de poder. Segundo ele, as relações de poder são dependentes do saber, e ambos se
complementam mutuamente. No filme “Um estranho no ninho” (1975), em uma cena
onde os internos, felizes, simulam uma partida de baseball após a enfermeira proibir
o uso da TV, a mesma esboça uma reação de ódio ao vê-los comemorando o
desvio, reflexo do sentimento de posse que ela tinha em relação aos pacientes do
hospital, apenas por ser detentora do saber psiquiátrico. A partir do momento em
que estes comportamentos ditos “desviantes” começam a se intensificar por parte
dos internos, o hospital começa a usar a punição como forma de realocar estes
pacientes nos moldes institucionais, utilizando os choques elétricos para repreender
os pacientes.
No livro “O Alienista” (1885), a mesma relação entre poder e saber aparece de
forma semelhante e tendo o mesmo resultado. A população da cidade de Itaguaí fica
inconformada com o fato de muitos cidadãos da cidade estarem sendo internados na
Casa Verde, indo até a Câmara de Vereadores da cidade para tentar o fechamento
do manicômio. Porém, a Câmara recusou sob o pretexto de que “a ciência não podia
ser emendada por votação administrativa, e menos ainda por movimentos de rua”. A
partir do momento em que a população local começa uma rebelião para confrontar o
médico responsável pelo manicômio, que era também detentor do saber, um grupo
de policiais os confronta para defender a figura de autoridade, causando um conflito.
Ambas as obras denotam as relações de poder existentes nas Instituições
Totais, e como elas se utilizam, historicamente, das chamadas “tecnologias duras”,
conceito de Merhy e Franco (2003) que se refere à formação do modelo assistencial
em saúde voltado para os interesses corporativos e que é centrado no saber
biomédico. A Psicologia Comunitária deve se pautar no que os autores chamam de
“tecnologias leves”, priorizando o caráter relacional e implicando a relação com o
cuidado. Somente assim, exemplos como os vistos nestas obras não irão se repetir
em instituições que deveriam zelar pela saúde mental dos seus pacientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARANTE, P. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2002.
ASSIS, M. O Alienista. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional
do Livro. Disponível em <https://bit.ly/348LcGr>. Acesso em 22 set. 2020.
BLEGER, J. Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre: Artes Médicas,
1984.
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel
Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
DELEUZE, G. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações:
1972-1990, Rio de Janeiro, n. 34, 1992, p. 219-226.
GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. 7. ed. São Paulo: Perspectiva,
2001.
MERHY, E. E.; FRANCO, T. B. Por uma Composição Técnica do Trabalho centrada
no campo relacional e nas tecnologias leves. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, v.
27, n. 35, 2003. Disponível em: <https://bit.ly/2SbOkMc>. Acesso em 28 set. 2020.
UM ESTRANHO no ninho. Direção: Miloš Forman, Produção: Michael Douglas, Saul
Zaentz. Estados Unidos da América: Fantasy Films, 1976. Disponível em
<https://bit.ly/2EMqrru>. Acesso em 26 set. 2020.

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