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marco teórico Letícia Camilo

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Relevância do Tema para as relações internacionais.
O tema a ser discutido nessa monografia é de relevância para o campo da Relações Internacionais por abordar uma área pouco explorada dentro desse meio acadêmico: de que maneira a filosofia de uma nação influencia a cultura de uma nação, estando essa ligada de forma inalienável aos membros dessa nação, independente de classe social. As Filosofias que serão expostas e explicadas construíram um patrimônio milenar e imaterial na República Popular da China e apesar da resistência contra as tradições proposta por Mao Zedong em primeira instância, apagar um legado cultural milenar se mostrou uma tarefa hercúlea para o Partido Comunista Chinês. Os sucessores de Mao se flexibilizaram com a questão da tradição e com o passar do tempo e das sucessões de chefe de Estado houve a adoção e até mesmo o uso do legado filosófico como uma fonte de legitimidade do partido. Entender as filosofias tradicionais chinesas é também entender sua história e seu processo de tomada de decisão no cenário internacional, tendo em mente que se trata da segunda maior economia do mundo e um ator central no xadrez 4D do cenário internacional.
Marco teórico 
Confucionismo (rú)
Dizer que Confúcio foi uma figura similar ao que Sidarta Gautama foi para o Budismo seria equivocado por dois motivos: o confucionismo não se trata de uma religião e Confúcio não é visto como uma figura religiosa, mas sim como um grande filósofo.
 Antoni Prevosti i Monclús cita em seu livro “Pensamento e religião na Ásia Oriental” que a palavra utilizada na China para se referir a tradição confucionista é o ideograma rú que significa letrados. A figura de Confúcio se ocupava com estudo o passado a fim de preservar o presente e da importância que a cultura tem sobre a civilização e seu futuro. A inspiração de Confúcio foi a importância entre os laços sociais, clãs importantes, alianças de casamento bem como a negociação de contratos que acontecia na China durante a Era Zhou, esse governo que precede o nascimento de Confúcio, portando características feudais e que se perpetuou por 500 anos. 
A ênfase no estabelecimento da ordem social a fim de atingir prosperidade é o ponto central do confucionismo. Duas características que Confúcio observou e que foram fundamentais para a manutenção da Era Zhou por 5 séculos foram: A solidariedade social estritamente respeitada devido a observância ritual na região e pelo conceito de Mandato Celestial (Tianming); esse conceito explicita que a legitimidade de um governo deriva do Céu dentro do animismo chinês e que representa toda a ordem natural e metafisica que escolhe os governantes aptos a governar, sendo estes agraciados com um bom governo e caso eles sejam depostos, por quaisquer motivos, é por que eles perderam as graças celestiais.
É pelo cultivo da retidão na dinâmica das relações interpessoais, bem como por sua realização no arranjo social e político que uma pessoa passa a se integrar na ordem cósmica e a participar de um universo essencialmente moral- este é, então, o Caminho dos seres Humanos. (AMES, 1994, p12) 
O Caminho (Dào) citado com letra maiúscula se refere a harmonia entre a ordem celestial e, a ordem terrena. A maior prova disso é a continuação de um governo próspero e benevolente. No entanto o confucionismo não se foca apenas nas questões de governança, mas também se trata do aprendizado ontológico e integrado a ordem natural acerca do que é ser humano, sua relação com a comunidade e a busca pela virtude (dé).
Anne Chang (2008, p65-66) menciona as obras que compilam a vivência de Confúcio e seus diálogos com seus discípulos nos Analetos ou Diálogos de Confúcio (Lún Yǔ); essa obra possui uma similaridade aos escritos acerca de Sócrates, pois fora elaborada por seus discípulos já que, assim como Sócrates, boa parte de seus ensinamentos eram orais. Esses acadêmicos de opinião similar partilhavam da visão acerca da importância do estabelecimento da moral para a restauração da nação fragmentada. 
 Roger T Ames (1994, p4) afirma que a ética da família é politicamente eficiente e deve ser vista no contexto da concepção confucionista de política como “restauração” (zheng). Os governantes devem começar restaurando a conduta pessoal; isto é, devem ser exemplos que governam pela liderança moral e aprendizado (Xué) exemplar, e não pela força. E dentre as obrigações do Estado estão garantir não apenas alimento e segurança, ademais assegurar o acesso a educação. O enfoque na importância da Lei e punição eram de suma importância para a manutenção da ordem social. No entanto o objetivo central de estabelecer a harmonia social não era meramente para estabelecer a harmonia, mas alcançar a virtude, que era expressa através da manutenção de rituais como o Culto aos ancestrais, o respeito a comunidade, principalmente a família como núcleo central da formação de indivíduos. 
Depois de séculos de uma china profundamente confucionista a ruptura inicial com a ideologia ocorre devido as repercussões das Guerras do Ópio (1839-1842); a partir do século 19, a convicção dos intelectuais chineses na capacidade da cultura confucionista de suportar o impacto da interação com o Ocidente tornou-se gradualmente corroída (Roberts, 1998). Essa perda de fé pode ser percebida na indignação moral contra os britânicos, seguida pela aceitação pragmática da superioridade da tecnologia ocidental e a tentativa desesperada e eclética de Zhang Zhidong (1837–1909) de salvar a essência confucionista, que, no entanto, acabaram por levar ao iconoclastia anti-confucionista do chamado Movimento Quarto de Maio em 1919. 
Loiuse Slavieck (2010, p7-13) explicita que quando Mao Zedong ascende ao poder e inicia a Revolução Cultural Chinesa, com o intuito de apagar os resquícios do passado feudal e avançar o Comunismo e, por considerar o Confucionismo uma filosofia reacionária e elitista, incentivou uma cruzada contra ela liderada pela guarda vermelha. No entanto nos últimos 25 anos houve uma promoção do bem estar social, consonante com as virtudes de governo apontadas pelo confucionismo, ao mesmo tempo que a China retoma ao uso do Confucionismo por dois motivos: a fim de manter a identidade nacional milenar frente ao ocidente e para legitimar o Governo atual para a criação da governança ideal harmoniosa, previamente mencionada como um dos princípios centrais da filosofia.
 O autor Daniel A. Bell (2008, p19-24) cita que é possível afirmar que os elementos do maoísmo muito remetem a tradição confucionista do que ao discurso Marxista; o autor cita a prática maoísta de que um criticismo deve primeiro ser direcionado a si mesmo antes de ser direcionado a outrem, reflexão consoante a Virtude (rén) confucionista. Portanto podemos afirmar que o maoísmo é o marxismo moldado a uma tradição milenar que permeou a cultura e o imaginário chinês por milênios. O neo-confucionismo se reflete em aspectos como o respeito a autoridade, principalmente na hierarquia familiar, a busca pela prosperidade e pelo enriquecimento, não só dos indivíduos como do coletivo, que é concordante com o modo de produção Socialista com características chinesas e os elementos de cuidado com o bem estar da população.
Bell (2008, p14-20) cita que a revalorização do Confucionismo, tanto por parte do Governo como pelo meio Acadêmico, serve na medida que propõe uma sociedade harmoniosa capaz de lidar com a estratificação social galopante causada pelo desenvolvimento capitalista e a influência que esta tem sobre a esfera doméstica, a fim de apresentar uma contenção eficaz a essa questão. Acerca das Relações Internacionais, o confucionismo serve para demonstrar que a China não é uma potência ativamente agressiva, diferente da imagem que passa ao Ocidente, mas que em contrapartida, prioriza as questões relacionadas a moderação e a adoção de acordos e tratados nas relações com outros povos.
Daoísmo (Dào)
Tal como o confucionismo tem como figura central em Confúcio, o Daoísmo possui na figura de Laozi o seu grande proponente. O contraste entre o confucionismo
e o Daoísmo reside na anterior se focar na restauração de uma era dourada através da correção dos preceitos morais que se corromperam, enquanto a seguinte acredita que as virtudes só se manifestam quando começa a se unir no Caminho (dáo) através da dialética nas interações entre os princípios metafísicos de Yin e Yang. Mas do que se trata esse conceito? Se trata da indissociável ligação entre o todo e as partes, entre ser humano(rén) e natureza (tian).
 Roget T Ames(2008, p35) cita que apesar de reconhecer a parte do ser Humano no todo, os taoístas não negam a possibilidade do desenvolvimento espontâneo característico do ser humano ser distorcido, seja pela distorção ontológica acerca da percepção sobre seu lugar, enxergando-se como elemento separado e distinto do que ele entende como a falsa dualidade entre homem e natureza. Para o pensamento daoísta é essencial para o homem se afastar das distorções éticas causadas pela civilização a fim de entrar no está de Não-Ação (wúwéi) e se reintegrando novamente a harmonia imanente e transcendental do Todo. O papel do governante é o de uma figura paternal que possui o dever de garantir uma vida favorável a seus súditos, o governo não deve ser tomado a força pois a governante, ainda que elegido pelos Céus ainda é submetido ao Caminho (Dáo), portanto o melhor curso de ação e a Não-Ação (wúwéi). 
De acordo com A. C Graham (1989, p12-15) os relatos acerca de Laozi foram passados por um de seus discípulos Zhuangzi, de acordo com seus escritos, Laozi e Confúcio eram contemporâneos que haviam se conhecido. Laozi havia sido arquivista dos documentos da Era Zhou, o que explicaria o interesse de Confúcio dialogar. A principal Obra atribuída a Laozi é o Dao de Jing, traduzido como livro do Clássico do Caminho do Poder. A obra era direcionada aos governantes e dentro dos três tesouros do taoísmo estão a frugalidade, a humildade e a simplicidade, além da Não-Ação. De Acordo com Waley (1988, p22.) o lado mais político da filosofia as interpreta como abstenção em afirmar autoridade de forma ativa. Houveram duas escolas de interpretação e duas escolas de aplicação acerca dos ensinamentos daoístas: a corrente interpretativa que segue os preceitos do Dao de Jing em seus aspectos metafísicos, a corrente interpretativa que segue as interpretações de Zhuangzi, a corrente de aplicação de Huainanzi sincretiza o daoísmo com o confucionismo e o legalismo e a corrente de aplicação de Liezi, que foi eventualmente eclipsada pela corrente Zhuangzi. Todas elas entram em consonância acerca da natureza das mudanças, quando ocorrem de maneira orgânica e tem uma visão permissiva quanto a sua natureza, o que dá abertura e justificativa para uma revolução espontânea.
Desde a criação do PCC, seu governo incentivou o ressurgimento do Daoísmo, com exceção do governo de Mao Zedong. Graham (1989, pp. 172, 306–311) cita que a visão dos daoístas acerca da política não é, de forma alguma, uma estrutura unificada, mas se trata de um constante debate. Os defensores da corrente primitivistas de Zhuangzi defendiam a criação de um anarquismo radical, enquanto outras correntes tinham uma visão desdenhosa e indiferente dos embates da esfera política. E através de seu sincretismo com o confucionismo através das eras, essa instancia tornou possível o sincretismo e a permissividade de que a outra filosofia referida assumisse a esfera política enquanto o Daoísmo ficava relegado a esfera ritual e ao culto ancestral.
No entanto autores contemporâneos como L. H. Ming propõe o uso da dialética taoísta yin / yang para mover a política mundial da atual inércia de hegemonia, hierarquia e violência para um envolvimento mais equilibrado com paridade, fluidez e ética, conceitos que serão aprofundados mais a frente nesta monografia.
Legalismo (fajia)
O Legalismo também denominado como Escola da Lei (Fa Xué) e tem seus principais ensinamentos sintetizados pelo membro da alta nobreza Hánfeizi. Como cita Arthur Waley (1982, p151) não havia uma separação do padrão de certo e errado para a vida pública e a vida privada. O Certo era o que era aprovado e estimado pelos governados enquanto o Errado era o repudiado e o indesejável as autoridades. O legalismo, no entanto, não se apresenta como um código moral fixo para as classes dominantes, pelo contrário, a sabedoria é atribuída a adaptabilidade à mudança dos tempos, usando o argumento de que eras diferentes possuem necessidades diferentes e por essa razão necessitam de soluções diferentes. 
De acordo com Roger T Ames (2008, p13), o Legalismo se diferencia das outras duas tradições mencionadas por ser particularista acerca da análise de tempo e tem caráter descritivo mais do que valorativo. O objetivo central do legalismo não é a restauração de uma era dourada e nem a construção de virtudes, e sim, atender os interesses do governante. 
A principal forma de materializar o poder dos governantes seria através da construção de um corpo de leis claras e concretas: uma vez aplicadas as leis assegurariam uma punição eficaz contra os elementos dissidentes. O Sistema legal precisa da construção de uma máquina burocrática na qual caso haja falhas se imputa responsabilidade através do princípio da responsabilidade. (AMES, 2008, p51).
Essa tradição entra em consonância com o Daoísmo, pois o governo que siga este estrito arranjo legal garantiria que o governante desfrutasse da Não-Ação (wú wéi) a fim de que esse possa buscar os aspectos místicos da religiosidade bem como garantir o mesmo para seus súditos. Nesse sistema o governante é o a encarnação da autoridade estatal e por isso rupturas no governo são rupturas no sistema social, e, consequentemente na Não-Ação.
Tem como seus princípios o Centralismo, Estado Unificado, criação de uma estrutura piramidal em que o poder emanava de maneira vertical do Imperador até seus súditos através de divisões de 15 famílias nobres (Shouyi, 2008, p113).
O legalismo foi reabilitado no século 20 para se encaixar aos moldes do governo comunista e auxiliou a construção do aparelho burocrático da República Popular da China, ademais muitos intelectuais utilizavam o legalismo como uma crítica contra o confucionismo, emulando uma forma de conflito de classe entre o confucionismo burguês e o legalismo como ideologia proletária. O estado de direito voltou a proeminência na década de 70, após a Revolução Cultural, na plataforma de modernização de Deng Xiaoping (Cheng, 1991, p311). Atualmente o Legalismo está ressurgindo graças a política presidencial de Xi Jinping, com relatos de jornalistas mencionando sua admiração pelos clássicos chineses, como os clássicos confucionistas e legalistas. 
De acordo com o Jornalista Sam Crane, o Presidente Xi Jinping é representa uma figura legalista pois durante continuidade da era Xi Jinping, o Partido Comunista recebeu um papel muito maior. Foi-se a noção inspirada por Deng Xiaoping de "separar o partido e o governo". O acadêmico legalista Jiang Shigong elogia as bases do governo pelo uso do pragmatismo na hora de fazer decisões e na capacidade de centralizar e unir o partido. Nas relações Internacionais essas características se manifestam no pragmatismo na hora de escolher seus aliados e por meio de seguir as regras do jogo dentro do cenário internacional, mas sem deixar de lado suas prioridades: garantir soberania e o alcance da prosperidade.
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