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Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Organizado por Universidade Luterana do Brasil Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2015 Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Ângela da Rocha Rolla Astomiro Romais Claudiane Ramos Furtado Dóris Gedrat Honor de Almeida Neto Maria Cleidia Klein Oliveira Maria Lizete Schneider Luiz Carlos Specht Filho Vinicius Martins Flores Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. Dados técnicos do livro Diagramação: Marcelo Ferreira Revisão: Marcela Machado Apresentação Prezado(a) aluno(a), É um grande prazer tê-lo(a) em nossa disciplina. Esperamos que você possa obter um grande aproveitamento da mesma ao longo deste semestre letivo, e que perceba as suas contribuições para a sua formação profissional. A disciplina de Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar possui como ementa: Estudo do indivíduo numa perspectiva interdisciplinar a partir do estu- do e sistematização de habilidades interpessoais adequadas a contextos sociais e organizacionais, tendo como foco a aceitação da diversidade e o pleno desenvolvimento da cidadania. O objetivo geral da disciplina é: Refletir criticamente sobre o indivíduo em interação e os fenômenos relacionados às relações interpessoais, a partir de uma visão interdiscipli- nar, abordando os elementos constitutivos das habilidades interpessoais no contexto social e organizacional com vistas ao desenvolvimento da cida- dania. Iremos explorar no presente livro os principais temas relativos às rela- ções interpessoais, de forma a possibilitar o desenvolvimento de habilida- des sociais importantes para o seu trabalho enquanto educador e gestor de pessoas. No primeiro capítulo buscamos apresentar a importância de uma atitu- de interdisciplinar para uma melhor compreensão dos fenômenos relativos às relações interpessoais. Apresentação v A questão da subjetividade inerente a cada pessoa em particular, a partir da sua interação consigo mesma, bem como a importância de uma relação intrapessoal saudável é discutida no segundo capítulo. No terceiro capítulo são discutidos alguns aspectos básicos das rela- ções humanas, como o grupo, sua constituição,tipos, fases e funções. A motivação humana é o tema de estudo do quarto capítulo, onde são apresentadas as principais teorias motivacionais e suas implicações para as relações humanas. A comunicação interpessoal e as possibilidades de melhoria do proces- so comunicativo são apresentadas no capítulo cinco, onde iremos perceber que a comunicação é inerente a todos os aspectos das relações humanas. No sexto capítulo são apresentados os diferentes estilos de liderança e a influência dos líderes sobre os liderados, bem como os diferentes papéis que as pessoas ocupam dentro dos grupos, sem descuidar da questão do poder. Por meio das temáticas tratadas no capítulo sete buscamos apresentar alguns elementos importantes para que se possa assegurar a expressão da diversidade e da alteridade nas dinâmicas interpessoais, em especial no ambiente escolar. O tema das habilidades sociais é contemplado no capítulo oito, onde se apresenta uma proposta para o desenvolvimento de habilidades intra e interpessoais. No capítulo nove buscamos apresentar aspectos teóricos da investiga- ção sócio-grupal, bem como as possibilidades de aplicação desta prática. Finalmente, no décimo e último capítulo é abordada a utilização das dinâmicas de grupo como estratégia para abordagem de temas a serem trabalhados junto aos grupos, de forma a articular de forma teórico-prática os estudos desenvolvidos anteriormente. vi Apresentação Estas são as principais temáticas a serem trabalhadas nesta disciplina, buscando compreender como o indivíduo se comporta em interação con- sigo e com os demais, colhendo desta análise elementos para uma leitura das dinâmicas interpessoais que permita vislumbrar possibilidades de inter- venções educativas. Desejamos que você tenha um excelente semestre letivo. 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para o Estudo das Relações Humanas ...............................................................1 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade – O Indivíduo em Interação Consigo Mesmo ..........................17 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade ...........40 4 Motivação: O Motor que Rege as Ações Humanas ...............58 5 Comunicação: Instrumento Básico de Interação ..................77 6 Líder(es) e Liderado(s): A Questão dos Papéis nas Relações .............................................................................95 7 Diversidade e Alteridade: Desafios da Contemporaneidade .........................................................112 8 Desenvolvimento de Habilidades Sociais ...........................131 9 A Técnica Sociométrica e seu Emprego na Escola e na Empresa ...........................................................................149 10 Dinâmicas para Intervenção Grupal ..................................174 Sumário Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para o Estudo das Relações Humanas1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 1 Graduada em Pedagogia, Especialista em Administração e Formação de Recur- sos Humanos, Mestre em Educação. Professora da ULBRA Canoas/RS. Maria Cleidia Klein Oliveira1 2 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Introdução Para que possamos conhecer e analisar os diversos aspectos relacionados às dinâmicas interpessoais é preciso compreen- der primeiramente que não há uma ciência que dê conta da multiplicidade destes fenômenos. O homem é um ser bioló- gico, psicológico, social, filosófico e antropológico. Por esses motivos, somente por meio da adoção de uma atitude inter- disciplinar poderemos nos aproximar das diversas interfaces presentes nas relações grupais. Neste capítulo iremos explorar os conceitos basilares que envolvem a disciplina, como rela- ções humanas, dinâmicas interpessoais e interdisciplinaridade. Também buscaremos compreender a importância da adoção de uma atitude interdisciplinar na abordagem das relações hu- manas. 1.1 Base conceitual Nosso estudo sobre dinâmicas interpessoais se nutre de dife- rentes ciências, que se intercomunicam e correlacionam, cons- tituindo uma abordagem interdisciplinar do tema. Para que possamos situar nossa discussão, vamos explicitar primeiramente alguns conceitos, de forma que você possa ir se apropriando da linguagem e do seu significado. Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 3 1.1.1 Dinâmicas Interpessoais Inicialmente, precisamos conceituar dinâmicas interpesso- ais. Se buscarmos o significado das palavras, vamos com- preender que dinâmica, na Física, se refere ao “Estudo das forças ou do movimento quantitativo dos corpos”. Pode sig- nificar também “Conjunto de forças que visam o desenvolvi- mento ou o progresso de algo”. Ou, na música, onde sig- nifica a “Relação entre os níveis de intensidade dos sons.” (http://www.priberam.pt/dlpo/dinamica). A Psicologia Social define a dinâmica inerente ao funcionamento dos grupos como “um conjunto de leis do comportamento do grupo do ponto de vista dos objetivos reais e específicos desse grupo”. (http://www.dicio.com.br/dinamica/). Já o termo interpessoal “se refere ao relacionamento entre duas ou mais pessoas; que se efetiva ou pode ocorrer entre duas pessoas ou mais pessoas: relação interpessoal.” (http://www.dicio.com.br/interpessoal/). Assim, podemos compreender dinâmica interpessoal como o movimento inerente às relações que ocorrem entre as pessoas. Neste contexto,utilizaremos os termos dinâmicas interpessoais e relações humanas como sinônimos, entendendo as suas di- mensões relacionais dentro de um amplo leque de possibilida- des, as quais serão exploradas ao longo deste livro. O próximo passo para nossa caminhada é buscarmos compreender o significado de Interdisciplinaridade. 1.1.2 Interdisciplinaridade Partindo da etimologia da palavra disciplina, temos discere, do latim, que quer dizer aprender e seu derivado, discipulus, que 4 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar significa aquele que aprende. Essa origem dá conta da relação da disciplina com o aprendizado e com o sujeito que aprende. No entanto ainda não permite uma definição clara do termo. No campo da ciência, disciplina é um conjunto de conhe- cimentos sobre um determinado objeto ou matéria, que pos- sui um método próprio de pesquisa. Assim, temos os diversos campos do conhecimento constituídos em disciplinas. Aqui, a disciplina apresenta-se independente, com uma metodologia própria, dotada de autonomia e identidade. Este termo pode ser exemplificado nas diferentes matérias com as quais você se deparou desde o início de sua formação escolar, como Ciên- cias, Matemática, História e assim por diante. A interdisciplinaridade, por sua vez, é uma interação exis- tente entre uma ou mais disciplinas. Ou seja, só é possível pensar em interdisciplinaridade quando se busca compreen- der o objeto de estudo por meio de diferentes perspectivas de análise, buscando uma relação entre as mesmas. Para Japiassú (1976, p. 74): “A interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo pro- jeto de pesquisa.” E este esforço de integração busca superar esta visão fragmentária. Antes que um “slogan”, é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao problema do conhecimento, ou seja, é a substituição de uma concepção fragmentária para unitária do ser humano. (FAZENDA, 2002, p. 8) Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 5 O que caracteriza a interdisciplinaridade é a conexão, a reciprocidade, a troca entre as disciplinas. Nesta ótica, quan- do duas ou mais ciências mobilizam seus diferentes saberes e métodos em torno de um objeto de estudo em comum, temos a interdisciplinaridade. Assim, quando a Psicologia e a Socio- logia, por exemplo, unem esforços e compartilham metodolo- gias de estudo, temos importantes contribuições constituídas pela Psicologia Social. Quando o Direito se debruça sobre as questões ambientais temos o Direito Ambiental. E assim por diante. Agora vamos tentar compreender como se pode caracte- rizar uma visão interdisciplinar no estudo das dinâmicas inter- pessoais. 1.1.3 Atitude interdisciplinar O estudo das dinâmicas interpessoais pressupõe uma visão sistêmica, integrada e conjunta. Existe uma série de fatores que intervêm nas relações entre as pessoas e que precisam ser considerados na análise dos fenômenos. Uma única ciência não consegue analisar e explicar as complexas relações que se estabelecem nas interações humanas. Assim, nosso estudo irá buscar o auxílio de diversas ciências, dentre elas:  A Psicologia: busca explicar o comportamento do indi- víduo, a constituição da sua personalidade, sua percep- ção e as suas relações com o meio físico e social;  A Antropologia: tem como foco a constituição do ser humano, da cultura, a apropriação desta pelo homem e a sua influência na vida social; 6 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar  A Sociologia: estuda a constituição das sociedades hu- manas, sua evolução e desenvolvimento;  A Pedagogia: investiga as formas de apropriação do co- nhecimento e os meios utilizados pelo homem para de- codificar e apreender o mundo que o rodeia, buscando maximizar suas potencialidades;  A Administração: estuda formas de aplicação prática de princípios de gestão de pessoas, processos e recursos organizacionais, a fim de atingir metas predefinidas;  A Filosofia: reflete sobre a gênese da existência, buscan- do encontrar significados através da elaboração de múl- tiplas hipóteses, num esforço de responder a questões básicas para o ser humano. Rogério Lopes/ULBRA Figura 1 Principais ciências que contribuem para o estudo das relações humanas. Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 7 Cabe ressaltar que o caráter interdisciplinar pressupõe a integração real de diversas disciplinas, buscando, sobretudo, uma relação de reciprocidade entre estas. Não se reduz, por- tanto, a uma explicação do fenômeno segundo esta ou aque- la ciência. Busca, de forma proposital, um olhar que permita uma interação entre as diversas abordagens, metodologias e conceitos. Segundo Osório (2003), o fundamento da interdis- ciplinaridade é o fato de que, por meio da articulação e da integração de diferentes áreas de competência, podemos ob- ter resultados potencialmente melhores. “A interdisciplinarida- de apoia-se no elemento ‘conexão’ entre as disciplinas e seus postulantes e é, portanto, intrinsecamente uma prática grupal.” (p. 83). E vai além nesta reflexão: Para que se efetive, há necessidade não só do intercâm- bio de conhecimentos acumulados e em transformação pelas distintas disciplinas, mas de uma atitude interdisci- plinar interna, ou seja, da disponibilidade de pensar-se ‘em leque’, e ‘não em funil’, de predispor-se a ser fertili- zado pelas ideias e posturas alheias, de mediar, em seu próprio aparelho mental, conflitos entre o conhecimento adquirido e o que não se possui, mas que insiste em se fazer presente através dos saberes contíguos. (OSÓRIO, 2003, p. 83-84) Nesta ótica, percebe-se a inevitável necessidade de aber- tura para a escuta, para o exercício de empatia, da troca e da receptividade para o novo. E como se constrói esta postura interdisciplinar? A primeira condição de efetivação da interdisciplinarida- de é o desenvolvimento de sensibilidade, neste sentido 8 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar tornando-se particularmente necessária uma formação adequada que pressuponha um treino na arte de enten- der e esperar, um desenvolvimento do sentido da criação e da imaginação. (FAZENDA, 2002, p. 8) A atitude interdisciplinar exige que se abra mão de uma forma fragmentada de ver o mundo. Isso implica em perceber que todas as ciências são igualmente importantes, e que nossa visão precisa ser ampliada para um domínio mais complexo, onde as respostas exatas, predefinidas, as “verdades”, têm uma existência muito breve. Somente na intersubjetividade, num regime de coproprie- dade, de interação, é possível o diálogo, única condição de possibilidade da interdisciplinaridade. Assim sendo, pressu- põe uma atitude engajada, um comprometimento pessoal. (FAZENDA, 2002, p. 8) Rogério Lopes/ULBRA Figura 2 Síntese da atitude interdisciplinar. Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 9 Saber-se inacabado e estar receptivo ao novo e ao desco- nhecido, com a mente aberta e o espírito crítico, impregna- do no desejo de aprender e de construir novas possibilida- des de resposta; esta é a síntese da atitude interdisciplinar. 1.2 Um breve exercício de reflexão interdisciplinar Para que possamos compreender um pouco melhor o que es- tamos dizendo, vamos analisar algumas situações cotidianas de relações interpessoais: Situação 1 Maria é supervisora de um departamento de vendas. Recebeu a reclamação de um cliente, cujo pedido não foi entregue. Ao verificar o que ocorreu, percebeu que o endereço na nota de entrega havia sido anotado de forma incorreta. Imediatamente chamou a vendedora, Sônia, e disse, aos berros: – Como é possível que você nunca faça nada certo? O cliente está furio- so enquanto o seu produto é enviado para o endereço errado! Vou descontar a taxa de entrega do seu salário! Situação 2 Jorge e Lia namoramhá dois anos. Há seis meses Jorge perce- beu que não está mais apaixonado por Lia. No entanto, cada vez que pensa em falar com ela sobre seu desejo de romper a relação, fica extremamente ansioso e acaba deixando de lado. 10 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Situação 3 Roberto está há cinco minutos procurando uma vaga para es- tacionar no shopping, que está bastante lotado, quando um jovem dirigindo um carro conversível passa ao seu lado e es- taciona na vaga para deficientes. Ele fica furioso e começa a buzinar, mas em seguida vê o jovem saindo do carro e reti- rando do porta-malas a cadeira de rodas do seu pai, que está sentado no banco do carona. O que as situações apresentadas possuem em comum? São circunstâncias que envolvem relações entre as pessoas, sejam elas de convívio casual, duradouro, de relação de su- bordinação, de afetividade, ocorridas em um encontro fortuito, de uma vivência diária ou esporádica. Ou seja, são relações humanas, e estão sujeitas a uma série de fatores que podem afetar como elas se processam e os resultados daí advindos. Podemos inicialmente estabelecer alguns juízos de valor a priori, nos quais podemos fazer algumas afirmações, do tipo:  Maria é uma pessoa estúpida!  Sonia é uma pessoa desatenta!  Jorge é um covarde!  Lia é uma pobre coitada!  Roberto é insensível! Provavelmente você é capaz de admitir que alguns des- tes pensamentos passaram pela sua cabeça. Sim, pela sua Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 11 e pela cabeça das demais pessoas também. Nós temos a tendência de julgar os fatos a partir de um número limitado de informações. E por que isso acontece? Porque estamos avaliando a superfície. É preciso ir mais fundo, conhecer mais variáveis de cada situação antes de se emitir um juízo de valor. As pessoas apreendem a realidade de diferentes formas, a partir da interação pessoal, que é influenciada por inúmeros fatores, os quais não ficam explicitados a partir de seus com- portamentos, pois estes expressam apenas uma pequena par- cela da sua subjetividade. Há uma metáfora muito interessan- te para ilustrar esta concepção, conhecida como iceberg do comportamento humano (figura 3). Como todos sabemos, um iceberg possui basicamente três características: 1. constitui- -se de um imenso bloco de gelo; 2. apresenta uma pequena camada visível na superfície; 3. grande parte do que ele é em sua constituição encontra-se submersa, que é o que lhe for- nece a base e a estrutura. A exemplo do iceberg, as pessoas expressam em seus comportamentos (a superfície) uma série de fatores que influenciam e orientam estes comportamentos, mas que não ficam visíveis (a parte submersa). São os seus medos, as suas experiências, os seus valores, os seus senti- mentos, as suas crenças, as suas emoções, a sua autoestima, as suas preocupações, seus preconceitos, sua cultura, dentre outros. 12 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Rogério Lopes/ULBRA Figura 3 Iceberg do comportamento. Nesta análise mais aprofundada, é bem provável que nos depararemos com inúmeras questões que podem nos oportu- nizar uma leitura da situação em função de variáveis que até então passaram de forma despercebida inicialmente. Então poderíamos indagar:  Quais as experiências de vida das personagens envolvi- das nas situações descritas?  Como foram educadas?  Em que meio cresceram e desenvolveram seus valores?  Qual a herança cultural que receberam?  Como encaram sua responsabilidade frente às demais pessoas?  Qual o seu nível de autoaceitação e de autoestima? Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 13  Como convivem com as frustrações?  Qual o seu nível de assertividade?  Como foi desenvolvida sua competência comunicacio- nal?  Qual(is) o(s) seu(s) estilo(s) de liderança?  Que papéis ocupam nos grupos dos quais fazem parte?  O que as motiva a agir desta maneira?  De que forma aprenderam as lições que a vida lhes en- sinou? Enfim, há uma série de fatores que podem ser levados em conta, e que não reparamos no dia a dia. E a visão que busca- mos é de abertura, de flexibilidade, de busca de entendimento, de aceitação e, principalmente, de aprendizado. Neste exercício de entendimento percebemos que as dife- rentes ciências se combinam e se integram, oferecendo-nos um novo panorama de análise das relações, que não se esgo- tam em um comportamento evidenciado, mas que contextuali- zam este comportamento em função de variáveis que explicam as múltiplas conexões existentes entre o que o indivíduo é na extensão de sua subjetividade e o que ele expressa em um de- terminado momento. Os capítulos seguintes irão trazer mais elementos para que esta postura possa ser desenvolvida e utilizada ao longo de suas experiências relacionais. 14 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Recapitulando As dinâmicas interpessoais ou relações humanas dizem res- peito ao movimento de interação entre as pessoas, o qual é constituído de inúmeros aspectos cuja análise não cabe numa abordagem disciplinar. Diferentes ciências contribuem para a compreensão dos fenômenos relacionados às relações huma- nas, como a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, a Pe- dagogia, a Administração e a Filosofia. Disciplina diz respeito a uma área do conhecimento, que contempla uma visão es- pecífica. Já interdisciplinaridade expressa uma associação de diferentes áreas do conhecimento em torno de um objeto, com intercâmbio de conceitos e metodologias, objetivando cons- truir um novo conhecimento. Atitude interdisciplinar implica em uma abertura para o conhecimento, em flexibilidade para explorar novos conceitos, superar formas fragmentadas de ver o mundo e aceitar a brevidade das verdades absolutas. As situações cotidianas podem e devem ser vistas sob múltiplos aspectos, pois as leituras imediatas estão sujeitas a enganos e superficialidades. Uma forma de ilustrar este conceito é a imagem do iceberg. A exemplo do iceberg, o comportamento é o que está acima da superfície, a parte visível. Submersa está a base do iceberg, constituída de um imenso bloco de gelo, à qual correspondem os aspectos que orientam o comporta- mento das pessoas, como as experiências, crenças, valores, autoestima, preocupações, emoções e medos. Para se com- preender este comportamento de forma mais abrangente é preciso voltar-se para os aspectos que podem tê-lo originado, não visíveis à primeira vista, e que constituem a subjetividade dos indivíduos. Capítulo 1 A Contribuição da Interdisciplinaridade para... 15 Referências FAZENDA, Ivani C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? 5. ed. São Paulo: Loyola, 2002. JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do sa- ber. Rio: Imago Editora Ltda., 1976. OSÓRIO, Luiz Carlos. Psicologia grupal: uma nova disciplina para o advento de uma nova era. Porto Alegre: ARTMED, 2003. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2015, http://www.priberam.pt/dlpo/dinamica [consultado em 04-06-2015]. Dicio dicionário online de português, 2009-2015, http://www. dicio.com.br/dinamica/. [consultado em 04-06-2015]. Dicio dicionário online de português, 2009-2015, http://www. dicio.com.br/interpessoal/. [consultado em 04-06-2015]. Atividades Assinale V para as afirmativas verdadeiras ou F para as falsas: 1) ( ) A interdisciplinaridade é uma forma de perceber os fenômenos de forma fragmentada, articulando diferentes áreas do conhecimento. 16 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar 2) ( ) Atitude interdisciplinar implica em perceber os fenôme- nos de uma forma articulada, fragmentando os diferentes tipos de conhecimento. 3) ( ) São necessárias diferentes ciências para compreender os fenômenos relacionados às dinâmicas interpessoais. 4) Existem diversos conceitos muito utilizados na atualidade, como multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.Pesqui- se os significados destes termos, estabelecendo a sua dis- tinção de interdisciplinaridade. 5) Cite dois exemplos de estudos que constituam esforços in- terdisciplinares no campo da educação. Marlene Machado de Ávila1 Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade – O Indivíduo em Interação Consigo Mesmo1 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 1 Graduada em Psicologia e em Pedagogia, Especialista em Supervisão Escolar, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade. Professora aposentada no Ensino Fundamental pela PMPA, Professora da ULBRA Canoas, São Jerônimo e Guaíba no curso de Psicologia e na Pedagogia em EAD. Experiência em Psicoterapia Humanis- ta e em facilitação de grupo. 18 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Introdução No presente capítulo será abordado o tema referente ao re- lacionamento intrapessoal e a subjetividade do sujeito, isto é, a relação do indivíduo em interação consigo mesmo. Para tal enfoca-se o autoconceito, a inteligência emocional de Goleman, a inteligência intrapessoal das inteligências múlti- plas de Gardner, com a habilidade e comunicação intrapes- soal, finalizando com uma reflexão de como desenvolver esse tipo de inteligência para viver mais integrado consigo e com os demais na relação interpessoal. 2.1 Do autorreconhecimento ao autoconceito Kail (2004) refere que, segundo Willian James, filósofo e psi- cólogo do século XIX, a crença dos pesquisadores modernos é de que tudo começa pelo autorreconhecimento, base do autoconceito, que ocorre aproximadamente aos dois anos de idade, momento em que a criança toma consciência de sua existência. Com início na primeira infância e gradativamente se construindo de forma mais complexa, o autoconceito diz respeito à forma em que a pessoa se percebe como indivíduo único, suas atitudes, comportamentos, valores, forma de pen- sar e agir. Ele começa a ser formado na interação com as outras pes- soas, desde as primeiras experiências do bebê, sendo uma das mais significativas para a criança a de ser aceita e amada. Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 19 Para conseguir a satisfação dessa necessidade, a criança vai estruturando a sua percepção de si mesma e do mundo, con- forme vai se relacionando com as pessoas que lhe são signifi- cativas, geralmente os pais (TAMBARA; FREIRE, 2007). Quando a criança não supriu essa necessidade de ser aceita e amada na relação com a mãe, ela pode atualizar seu autoconceito, ao ser plenamente aceita e amada por outra pessoa significativa para ela (ROGERS, 2009). Nesse caso o professor pode cumprir esse papel, pois é uma pessoa signifi- cativa para o aluno. O autoconceito para Rosemberg (2009) também vai se alterando ao longo da vida, em decorrência das mudanças sociais e da definição de novos papéis. E na busca de chegar mais próximo de ser ele mesmo, o indivíduo ainda enfrenta hoje uma estrutura social em franca mudança e instabilidade. A família, a escola e todos os demais órgãos socializadores continuam no firme propósito de manterem os padrões tradi- cionais de conduta. No entanto as estruturas familiares, assim como o papel da mulher e do homem passaram a ser ques- tionados, e o indivíduo busca uma nova forma de adequação. Não é só a mulher que não cabe mais em seu antigo papel, precisando redimensioná-lo. O homem também busca uma nova identificação com os padrões atuais. A família se reestru- tura em uma nova forma de se relacionar, envolvendo também o papel dos filhos. Todas essas mudanças provocam uma nova forma de relacionamento intrapessoal para cada um dos indi- víduos envolvidos, segundo a mesma autora. E para o sucesso desse relacionamento se investe na inteligência intrapessoal. 20 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar 2.2 Passeando pela Inteligência Intrapessoal de Gardner A inteligência intrapessoal, um sétimo tipo de inteligên- cia, é uma capacidade correlativa, voltada para dentro. É a capacidade de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efeti- vamente na vida. (GARDNER, 1995, b, p. 15) Gardner (1995, a) revolucionou o conceito de inteligência na década de 1980, ao desenvolver sua teoria das inteligên- cias múltiplas, que considera as diversas habilidades dos indi- víduos, entre elas a inteligência intrapessoal, que define como o tipo de inteligência na qual a pessoa possui a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos e emoções, sendo capaz de administrá-los de forma positiva. Além de reconhecer sua própria inteligência, suas habilidades, seus desejos, suas necessidades, bem como suas ideias e sonhos, sabe admi- nistrá-los, de forma a resolver situações da vida diária, das relações e do trabalho. As pessoas possuem níveis de desenvolvimento diferentes em cada uma de suas habilidades. Podemos ter uma ou mais habilidades bem desenvolvidas ou menos desenvolvidas. O importante é que podemos trabalhar em prol do desenvolvi- mento da habilidade que desejamos (GARDNER, 1995, b). Ainda segundo o mesmo autor, a pessoa com inteligên- cia intrapessoal tem um bom autoconhecimento, isto é, uma percepção real de si mesma, e consequentemente uma boa relação consigo mesma e com os demais. Sendo esta uma Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 21 condição fundamental para uma boa liderança. Pode ser exemplificado por Jesus, Mandela, Rogers, Freud, entre outros. Essa inteligência permite que o indivíduo compreenda a si mesmo, podendo trabalhar-se, adquirindo um autoconhe- cimento e autoestima ideais para orientar o próprio compor- tamento. Tendo essa consciência dos seus estados de humor, intenções, motivações, temperamento e de seus desejos, cer- tamente terá a capacidade de controlar os próprios impulsos instintivos. Isso ocorre pelo seu profundo autoentendimento e absoluto autocontrole, fruto de uma autoestima adequada e de uma inteligência emocional, pois essa pessoa tem uma imagem precisa de si mesma, incluindo suas próprias forças e limitações (GARDNER, 1995, a). 2.3 A Inteligência Emocional de Goleman ...a raiz do altruísmo está na empatia, a capacidade de identificar as emoções nos outros; sem a noção do que o outro necessita ou de seu desespero, o envolvimento é impossível. (GOLEMAN, 2012, p. 12) Inteligência emocional, de acordo Goleman (2012), é a capacidade que o ser humano tem de identificar seus próprios sentimentos e o das outras pessoas, bem como a capacidade de se motivar e de gerir bem as suas emoções e as emoções de seus relacionamentos. É a capacidade de autoconsciência, controle de impulsos, aceitação das angústias, persistência, empatia e habilidade social. Esse tipo de inteligência é a gran- de responsável pelo sucesso e pelo insucesso das pessoas. 22 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Goleman, PhD pela Universidade de Harvard, participou de pesquisas e defendeu tese sobre a Inteligência Emocional, pois considera a emoção como fator primordial no proces- so da Inteligência. Sua tese está baseada numa síntese origi- nal, feita a partir de pesquisas e recentes descobertas sobre o funcionamento do cérebro. Ele mostra como a inteligência emocional pode ser alimentada e fortalecida em todos nós, principalmente na infância, período no qual toda a estrutura neurológica encontra-se em formação (GOLEMAN, 2012). O mesmo autor, utilizando inovadoras pesquisas cerebrais e comportamentais, mostra porque pessoas de QI alto fracas- sam e outras, cujo QI é mais modesto, apresentam uma traje- tória de vida de sucesso, comprovando que o QI de uma pes- soa não é garantia de sucesso e felicidade. E vai mais além, derrubando o mito de que a inteligência seria determinada pela genética, ao contrário do saber científico que dominou o mundo ocidental nos últimos séculos. Para o cientista, a in- teligência está ligada à forma como negociamos as nossas emoções. Portanto, desenvolver a inteligência emocionalé potencializar os resultados, tanto na vida profissional quanto pessoal. A inteligência emocional é requisito para um bom relacionamento intrapessoal. 2.4 Mas como se dá o relacionamento intrapessoal? É possível imaginar o indivíduo se relacionando consigo mes- mo? E por que é importante se relacionar consigo mesmo? É Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 23 possível e necessário que ocorra esse relacionamento intra- pessoal, pois a pessoa com bom relacionamento intrapessoal está em harmonia consigo mesmo e com os demais. Ela está atenta ao seu movimento interno, sabe silenciar e se escutar, consequentemente vai saber escutar o outro. E essa é a base para que ocorra um relacionamento intrapessoal de forma sa- tisfatória. É dessa forma que o indivíduo conhece as suas capacida- des, habilidades e aprende a usá-las da melhor maneira pos- sível. Ao se relacionar consigo mesmo, passa a conhecer me- lhor a sua essência, aprendendo a controlar suas emoções, a administrar seus sentimentos, a lidar com seus projetos. Assim pode construir um modelo de si mesmo e tem a capacidade de utilizar este modelo a seu favor na tomada de decisões. O indivíduo que tem um bom relacionamento intrapessoal tem a capacidade de compreender a si mesmo, de ter um modelo útil e eficaz de si, incluindo os próprios desejos, medos e capa- cidades de empregar esta informação com eficiência na regu- lação da própria vida. O autoconhecimento nos dá a clareza de nossos objetivos, daquilo que realmente é mais importante para nós, pois, uma vez que estamos em sintonia conosco, estamos em condições de fazermos as melhores escolhas e de tomarmos as melhores decisões (MEDEIROS, 2013). Como exemplo temos os professores que enfrentam, mui- tas vezes, em seu dia a dia de trabalho na escola, com seus alunos e colegas, momentos de estresse e tensão, pois lidam com diversos tipos de pessoas de temperamentos diferentes e capacidades diferentes. Especialmente nessas horas precisam estar bem emocionalmente, conhecer seus limites e suas rea- 24 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar ções, para evitar atitudes impulsivas, conseguindo lidar com essas situações da melhor forma possível para obterem me- lhores resultados. Em suma, poderíamos dizer que o relacionamento intrapes- soal é a capacidade de integração do autoconhecimento, au- todomínio, autoafirmação e automotivação. Quanto mais a pessoa se conhece, maior será a sua autoestima, seu controle de impulsos e, consequentemente, melhores condições terá de um adequado relacionamento intrapessoal. Podemos incluir nesta categoria os pacifistas, os bons terapeutas e sem dúvida os bons professores. Esses professores com bom relacionamento intrapessoal apresentam melhores qualidades na relação com seus alunos, melhores condições de dar limites com afetividade e certamen- te elevar o nível do ensino e da aprendizagem, diminuindo a repetência e a evasão, fazendo do espaço escolar um ambien- te agradável aos alunos e a si próprio, pois apresentam plenas condições para um bom relacionamento interpessoal. 2.5 E o relacionamento interpessoal do professor? Se o professor tem bom relacionamento intrapessoal, será pos- sível estabelecer um bom relacionamento com seus alunos e com a comunidade escolar? Alguns professores apresentam essa competência, pois aprenderam a distinguir os seus sentimentos dos sentimentos das outras pessoas, como intenções, motivações, estados de Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 25 ânimo, buscando reagir em função destes sentimentos. Esta capacidade permite a descentralização do professor para inte- ragir com seus alunos. Mostra a capacidade do professor para entender as intenções, as motivações e os desejos alheios e, em consequência, sua capacidade para trabalhar eficazmente com seus alunos e seus colegas. Quanto maior a sua capacidade de expor e respeitar as opiniões de seus alunos e de seus colegas, tanto maior serão as suas habilidades de relacionamento interpessoal, funda- mental para o convívio escolar. A postura carinhosa e compreensiva do professor ajuda a ampliar a liberdade de expressão de seus alunos. A conduta de aceitação e respeito que o professor tem por seus alunos propi- cia com que eles experimentem respeito e aceitação por si mes- mos, dessa forma facilita também o processo de aprendizagem. Bons professores ensinam pelo exemplo com sua postura fren- te à turma, para o desenvolvimento de um relacionamento saudá- vel em sala de aula, frutificando para além dos muros da escola, incluindo o relacionamento virtual, pois acreditam na formação geral do aluno, trabalhando, dessa forma, valores éticos, como o respeito ao próximo, sigilo e privacidade. Esses professores apre- sentam uma grande habilidade intrapessoal e interpessoal. 2.6 Analisando a habilidade intrapessoal do professor Um professor com um bom autoconhecimento e uma boa au- toestima possui a habilidade de controlar e administrar suas 26 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar emoções e sentimentos. Ele reconhece suas habilidades, ne- cessidades, desejos, bem como suas dificuldades. Esse professor tem a capacidade para formular uma ima- gem precisa de si mesmo, incluindo seus pontos fortes e fracos, bem como a habilidade para se guiar por essa imagem resul- tando em um funcionamento ideal com seus alunos, tornan- do-se um verdadeiro educador. Ele se comunica em primeiro lugar consigo mesmo, entrando em contato com seus senti- mentos e, ao reconhecer suas emoções, consegue exteriorizar tanto pela fala quanto pelos gestos e expressões corporais, que ficam evidentes aos seus alunos. Tal habilidade permite ao educador desfrutar de uma con- gruência entre o que ele pensa, sente e suas ações. Ele põe em ordem suas emoções e reflete aos seus alunos um estado de paz e harmonia, desencadeando a habilidade interpessoal. 2.7 Falando em habilidade interpessoal do professor A competência que alguns professores têm de se relaciona- rem bem com seus alunos é uma habilidade necessária para entender e responder adequadamente aos diversos tipos de conflitos inerentes à sala de aula. É evidente o desenvolvi- mento da habilidade interpessoal do professor ao reconhe- cer, analisar e distinguir os seus sentimentos dos sentimentos Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 27 de seus alunos, quando esses apresentam atitudes muitas das vezes agressivas, como pertencentes ao aluno e não ao professor, sendo capaz de controlar sua reação em função destes sentimentos. A habilidade do professor mostra que ele está conseguindo não tomar para si sentimentos e atitudes dos alunos, que nada tem a ver com a pessoa do professor, mesmo que assim o pareça. Essa compreensão lhe confere a habilidade de trabalhar eficazmente com os alunos e com a equipe de professores. O ideal seria que essas relações interpessoais professor- -aluno e professor-professor se desenvolvessem a partir do que Buber (2004) chama de relação “EU-TU” ou “dialógica”, que caracteriza um novo tipo de relação entre as pessoas para o diálogo, sendo uma relação de proximidade, uma relação existencial, que difere da relação “EU-ISSO”, ou “EU-ELE”, ou “EU-ELA”, por ser uma relação objetivante. Bons professores apresentam um autoconhecimento, asso- ciado ao conhecimento de seus alunos e uma relação EU-TU, bem como uma grande empatia, que segundo Rogers (2009) é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de ver com o referencial do outro, sem perder de vista o seu próprio refe- rencial. Com essa habilidade interpessoal o professor consegue de- senvolver em sua turma relacionamentos produtivos, harmo- niosos e prazerosos, pois se instaura uma boa comunicação intra e interpessoal. 28 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar 2.8 Mas como se dá a comunicação intrapessoal? Na comunicação humana, podemos observar que existem dois momentos distintos e ao mesmotempo com uma sincronia en- tre o que é pensado e o que é falado, isto é, a comunicação se dá de forma intrapessoal e interpessoal. A comunicação intrapessoal é a linguagem para um só, na qual a fala torna-se pensamento. Essa comunicação está intimamente relacionada às ideias, aos sentimentos e aos de- sejos. É o momento em que a pessoa escuta a sua voz interior, faz um diálogo consigo mesma. É exatamente esta voz interior, este diálogo que realizamos conosco, que denominamos de intrapessoal, pois ocorre dentro da pessoa. A comunicação intrapessoal é aquela mensagem que circula no nosso interior, na nossa mente, são nossos próprios pensamentos. Antes de estabelecermos uma relação interpessoal, isto é, antes de fa- larmos, essa comunição já ocorreu dentro de nós em forma de pensamento, inclusive de como iremos exprimir essa mensa- gem. A maneira como percebemos, recebemos e processamos mentalmente uma informação influenciará na nossa interação com as outras pessoas nas diferentes situações do cotidiano, precedendo a comunicação interpessoal e as nossas expres- sões (MEDEIROS, 2013). A imagem que o professor comunica aos seus alunos é uma consequência do que ele é, do que está buscando, do que quer para si e para os seus alunos. E pouco a pouco vamos formando também nossa subjetividade. Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 29 2.9 Como assim subjetividade? A psicologia diferencial vem nos revelar que somos únicos e individuais, pois cada um é diferente, sendo que ninguém é igual a ninguém. Somos seres únicos em nossa maneira de ser, de pensar, de sentir e de agir, conforme Justo (1997). Esse modo de ser único e individual é denominado pela psicologia social de subjetividade, que é o mundo interno do indivíduo, que vai se construindo a partir das nossas vivências na vida so- cial e cultural. Ao mesmo tempo em que nos faz únicos, pode nos igualar na medida em que os elementos que constituem a subjetividade são vividos no campo comum da objetividade social, pois a subjetividade sofre a influência da cultura, da educação, da religião e das experiências adquiridas (VALA, 2013). Dessa forma, a subjetividade do professor é construída pela sua história de vida, suas experiências e vivências, seus conhecimentos e novos aprendizados, tornando-o único em seu mundo interno, capaz de interagir consigo mesmo e com seus alunos de forma impar e com a possibilidade de desen- volver cada vez mais seu relacionamento intrapessoal. 2.10 E como desenvolver o relacionamento intrapessoal? Oráculo de DELPHOS: “Conhece-te a ti mesmo”. Professor, você já parou para pensar como desenvolver o seu relacionamento intrapessoal? Vamos refletir juntos? 30 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Eu estou feliz? Estou em paz? Eu lido bem comigo mesmo, ou eu tenho dificuldade de me relacionar comigo mesmo? Eu tenho dificuldade de entrar em contato com os meus próprios pensamentos e sentimentos? Eu tenho dificuldade de lidar com o silêncio ou de ficar sozinho? E agora? Eu quero me conhecer melhor? Eu quero lidar melhor com os meus próprios sentimentos e emoções? Eu quero saber con- trolar os meus impulsos? Eu quero serenar o meu coração? Eu quero me desenvolver? Então vamos passo a passo rumo ao autoconhecimento: 1º Passo: Abra-se ao autoconhecimento! É preciso estar aberto a essa experiência! É pela busca do autoconhecimento que chegaremos à maturidade emocional e ao desenvolvimento do relacionamento intrapessoal. É im- portante saber que nunca conseguiremos nos conhecer total- mente, mas quanto mais claras estiverem para nós as nossas qualidades e defeitos, isto é, os nossos pontos fortes e fracos, mais facilmente poderemos ir melhorando nosso relaciona- mento intrapessoal. Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 31 2º Passo: Mude o mundo à sua volta! Você olha para as pessoas de seu convívio: seus colegas, alu- nos e familiares, e gostaria de mudá-los. Então comece por mudar a si mesmo. Ninguém consegue mudar o outro. Con- tudo, quando você se modifica você terá outro olhar e outra forma de sentir e de se relacionar com os demais. Ah! E assim certamente provocará mudanças nas pessoas de suas relações. 3º Passo: Não se boicote! A sobrecarga, devido às inúmeras atividades que envolvem a vida dos professores, os impedem muitas das vezes, de refleti- rem sobre si mesmo. E o que deveria ocorrer gradativamente a cada dia, acaba sendo adiado. Dessa forma os professores se privam de obterem melhores desempenhos e realizações em sua vida profissional e pessoal. As emoções são acumuladas durante anos. Só que a vida dá o troco! Pois o comportamento é influenciado e resultante daquilo que está adormecido. Não adie mais essa reflexão! 4º Passo: Enfrente o processo! Quando estamos no processo de autoconhecimento alguns sentimentos despertados pelos nossos conflitos internos, como dúvidas, anseios, temores e incertezas, fazem parte do pro- cesso de crescimento e não devem ser temidos, pois crescer dói, mas é libertador, em contrapartida, não crescer dói mais ainda e é aprisionador. Lembre o quanto deve ser doído para a borboleta sair do casulo, mas ela só terá asas fortes e poderá 32 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar voar se passar por esse momento tão doloroso, mas necessá- rio para sua transformação. 5º Passo: Olhe-se no espelho interior! No processo de autoconhecimento começamos a nos aproxi- mar da consciência de como realmente somos. Muitas vezes idealizamos ser o que não somos, mas temos o potencial ne- cessário para nos desenvolvermos. Vá em frente, pois só pode- mos mudar em nós aquilo que conhecemos. 6º Passo: Escute a sua voz interior! Preste atenção ao que o seu organismo está dizendo! Ele pode estar dando sinais de: fome, sono, sede, dor, raiva, frustração, medo, tristeza, impaciência, ansiedade, angústia, depressão e muito mais. Abra o olho ou o ouvido interior, pois os seus alunos e os seus colegas percebem o seu grito de insatisfa- ção. E você não pode negar, porque fica evidente no humor, nas atitudes, no tom de voz, na postura física ou nas doenças oportunas ou mesmo no seu descontrole frente à turma. 7º Passo: Aceite seus sentimentos! Ao admitirmos pra nós mesmos nossos sentimentos que nos in- quietam, já não precisamos mais fazer uma força mental para tentar inutilmente escondê-los de nós mesmos, pois é uma luta inglória! Examine-os, converse com eles, se aceite, pois esse é o caminho para a mudança. Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 33 8º Passo: Examine as reações dos outros! O outro é um espelho! Observe a reação de seus colegas, alunos e familiares quando estão na sua presença. Que rea- ção você está provocando neles? Seus alunos se acalmam ou se agitam? Seus colegas o escutam ou vão saindo à francesa? Você desperta sorrisos ou tristeza? Observe as fisionomias e se pergunte o que você está oferecendo às pessoas. E acredite! É isso que você está oferecendo em primeiro lugar a você mes- mo! Tenha coragem e examine o que está acontecendo com você e não com o outro. O outro só foi o espelho! 9º Passo: Examine as suas reações! Eu no outro ou o outro em mim? A psicanálise chama de pro- jeção esse mecanismo de defesa inconsciente que nos leva a enxergar no outro as características ou particularidades que não suportamos em nós mesmos. Portanto vamos examinar em nós o que enxergamos no outro, bem como a nossa reação! 10º Passo: Aceite feedbacks! Crie um ambiente de confiança e abertura com seus alunos e colegas para que a cultura da transparência e cooperação possa se estabelecer. Escute e analise todo feedback que lhe for dado. Pense se faz sentido, procure entender o que está sendo dito, não se defenda e peça maiores detalhes se pre- cisar. Para aceitá-lo é necessário se distanciar do orgulho, da vaidade e da onipotência. 34 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar 11º Passo: Reavalie suasatitudes! Repense cada dia sobre suas atitudes em sala de aula, no grupo de trabalho, na família e se pergunte: Essa atitude foi necessária? Poderia ter resolvido de outra forma? Atingi os resultados esperados? 12º Passo: Não tome para si o que é do outro! Se pergunte sempre frente a uma atitude agressiva de seu alu- no ou de seu colega: Isso é meu ou é do outro? Se for do ou- tro, você não precisa se ofender, nem se alterar. Dessa forma terá melhores condições de compreender e auxiliar. Recapitulando O processo de autoconhecimento não é uma teoria, muito menos uma receita. É necessário empenhar muito esforço e vigilância nessa busca. É solitário e individual, pois cada um terá que buscar o seu caminho. Podemos optar por psicotera- pia individual ou de grupo, participar de grupos de qualquer natureza, meditar, nos autoanalisar, recorrer à ajuda de ami- gos, colegas, familiares, alunos, para nos apontarem aquilo que estamos nos propondo a mudar. Esse caminho se faz ao caminhar. Os resultados começam a aparecer gradativamente, momento em que vamos mudan- do a percepção em relação aos fatos, nossos sentimentos vão se transformando e consequentemente é expresso no nosso comportamento. Portanto não desanime com as dores de rom- Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 35 per com o velho e conhecido padrão de funcionamento para abrir as asas e voar! O autoconhecimento não tem fim! E ao desenvolvermos nosso autoconhecimento, elevamos a qualidade de nosso relacionamento intrapessoal, vivendo de forma mais plena e satisfatória. Agora podemos também nos relacionar com o outro de um modo mais maduro, mais ético, mais saudável e produtivo, assunto a ser abordado no próximo capítulo. Referências BUBER, Martin. Eu-Tu. São Paulo: Centauro, 2004. GARDNER, Howard. Inteligências: Múltiplas perspectivas. Porto Alegre: MCGRAW HILL ARTMED, 1995, a. ________. Inteligências Múltiplas: A teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, b. GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revo- lucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. JUSTO, Henrique. Você também é diferente: psicologia diferencial. Petrópolis: Vozes, 1997. KAIL, Robert V. A criança. São Paulo: Prentice Hall, 2004. MEDEIROS, Roberta. Comunicação Intra e Interpesso- al. Disponível em: <http://www.administradores.com. 36 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar br/artigos/cotidiano/comunicacao-intra-e-interpesso- al/23148/>. Acesso em 2013. ROGERS, Carl Ransom. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ROSEMBERG, Raquel Lea. Terapia para agora. In: ROGERS, Carl Ransom & ROSENERG, Raquel Lea. A pessoa como centro. São Paulo: EPU, 2009. TAMBARA, Newton & FREIRE, Elizabeth. Terapia Centrada na Cliente: Teoria e Prática: Um caminho sem volta... Porto alegre: DELPHOS, 2007. VALA, Jorge. Psicologia Social. Lisboa: F. CALOUSTE, 2013. Atividades Marque a alternativa que melhor responde as questões: 1) O relacionamento que o indivíduo estabelece consigo mesmo, pela meditação, escuta interior, diálogo interno e pensamento é chamado de: a) Inteligência Emocional b) Inteligência Interpessoal c) Inteligência Intrapessoal d) Relacionamento Interpessoal e) Relacionamento Intrapessoal Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 37 2) Gardner desenvolveu a teoria das inteligências múltiplas, que considera as diversas habilidades dos indivíduos, entre elas a inteligência intrapessoal, que define como o tipo de inteligência na qual a pessoa possui a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos e emoções, bem como lidar com os mesmos de forma positiva. De acordo com essa teoria seria correto afirmar que o pro- fessor com inteligência intrapessoal é capaz de: I) não reconhecer sua própria inteligência e suas habili- dades. II) reconhecer seus desejos e suas necessidades. III) liderar com maior facilidade seus alunos e colegas. IV) aceitar e compreender melhor seus alunos e colegas. V) ter uma boa autoestima e reconhecer as limitações dos outros. Está correto o que se afirma em: a) I, II e III. b) II, III e IV. c) III, IV e V. d) II, III, IV e V. e) Todas. 3) A psicologia social denomina de subjetividade o nosso modo de ser único e individual, que é esse nosso mundo 38 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar interno. Ele vai se construindo a partir das nossas vivências na vida social e cultural, vividos no campo da subjetivida- de social. Portanto, a subjetividade do professor: I) sofre a influência das relações na escola e da forma- ção acadêmica. II) é construída pela sua história de vida, suas experiên- cias e vivências. III) não sofre influência de novos conhecimentos e apren- dizados. IV) o faz único e ao mesmo tempo o iguala, pela subjeti- vidade social. Está correto o que se afirma em: a) I e II. b) I, II e III. c) I, II e IV. d) II, III e IV. e) Todas. 4) Coloque V para as assertivas verdadeiras e F para as fal- sas, no que se refere ao processo de desenvolvimento do autoconhecimento do professor: ( ) Pelo autoconhecimento o professor não pode chegar à maturidade emocional e ao desenvolvimento do rela- cionamento intrapessoal. Capítulo 2 Relacionamento Intrapessoal e Subjetividade... 39 ( ) Quando o professor se modifica, consegue provocar mudanças em seus alunos. ( ) Aceitar os próprios sentimentos é o caminho para a mudança do professor. ( ) O professor terá melhores condições de compreender e auxiliar seus alunos, quando não se ofender com as dificuldades deles. Leia com atenção e responda a questão a seguir: 5) Quando a criança não supriu a necessidade de ser aceita e amada na relação com a mãe, ela pode atualizar seu autoconceito, ao ser plenamente aceita e amada por outra pessoa significativa para ela (ROGERS, 2009). Tomando como base a posição de Rogers referida acima, como o professor pode cumprir esse papel, sendo uma pessoa significativa para o aluno? Maria Cleidia Klein Oliveira1 Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade1 1 Pedagoga, Especialista em Administração e Formação de Recursos Humanos, Mestre em educação. Professora da ULBRA Canoas/RS. Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 41 Introdução Somos pessoas em interação, vivemos de forma interdepen- dente, sem possibilidade de nos furtarmos à necessária con- vivência com as demais pessoas que estão ao nosso redor. A partir do momento em que nascemos, passamos a compor um pequeno grupo social – a família, e, à medida que crescemos, vamos ocupando espaço em outros grupos e formando nossa rede de relações sociais. O presente capítulo aborda como se manifestam as relações entre as pessoas, como se constituem os diferentes espaços sociais dos quais fazemos parte e as im- plicações destas interações em nossa vida cotidiana. 3.1 Pessoa é relação Guareschi, analisando o conceito de pessoa segundo Agostinho de Hipona, nos ensina que, para este, “pessoa é relação, isto é, alguém que é um, que constitui uma unidade, mas ao mesmo tempo não pode ‘ser’ em completude sem os ‘outros’; para ‘ser’ ele necessita intrinsecamente dos outros.” (GUARESCHI, 1998, p. 153). Temos assim dois aspectos indissociáveis no entendimento das relações: primeiro, que são constituídas por indivíduos, que são únicos em si, singulares; segundo, que as relações só se dão no encontro de pessoas, ou seja, de singularidades, de individualidades. Este juízo expressa uma premissa básica: relação existe a partir do ‘eu’ e do ‘outro’, em um intercâmbio inevitável e interminável. 42 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Por outro lado, pode-se abordar o imperativo das relações. “O ‘relacionar-se com’ é uma necessidade humana.” (PETRY, 2000, p. 137). O homem necessita do contato com o outro, é nesse encontro que a vida acontece e que a personalidade se constitui. “O homem se constrói na relação com o outro,sua identidade é formada nessa relação.” (GUARESCHI, 1998, p. 154). A definição de relação pode dar-se a partir da ideia de vínculo, de ligação, mas também, e fundamentalmente, de re- ciprocidade. Relacionar-se implica, então, um ato de troca, de permuta, e a moeda a ser utilizada depende do contexto, dos objetivos e dos sujeitos-em-relação. A relação implica, portan- to, uma atitude de barganha entre pelo menos dois sujeitos, onde há um objeto de troca – ideias, conhecimentos, afeição, obediência etc., – e que se efetiva de forma mais ou menos complexa, pela via da comunicação, o que possibilita uma imensa riqueza de significados e benefícios recíprocos. Mas estamos falando de relações humanas. Logo, os sujei- tos são humanos, são homens e mulheres, seres em processo de constante melhoria, que buscam a realização pessoal e co- letiva por seu próprio esforço e por intermédio do(s) outro(s). Assim, homem e sociedade são interdependentes: o indivíduo precisa do coletivo, sem o qual não realiza e não se realiza; o coletivo, por sua vez, se faz da multiplicidade de indivíduos que interagem, que se organizam, que trabalham e que fazem evoluir toda a humanidade. Guareschi vai mais adiante na exploração deste tema: Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 43 Falar de relações é falar de incompletudes, e pensar em algo aberto, em algo que pode ser ampliado ou trans- formado. Nesse sentido, uma análise dos grupos, ou da sociedade, a partir do conceito de relação, é sempre uma análise aberta, uma análise que deixa espaço para mudanças, uma análise que implica relatividade, que apenas feita, já pode estar se transformando. As relações são como as ondas do mar, em contínuo movimento, em contínua mutação. (1998, p. 151) Sabemos que as relações humanas iniciam no útero ma- terno. É quando estabelecemos os primeiros contatos e expe- rimentamos as primeiras sensações, cujos registros contribuem para a formação das nossas características individuais. Após o nascimento, surgem diversas outras possibilidades de relacio- namento, que vão sendo incorporadas ao nosso cotidiano e forjando-nos enquanto sujeitos em relação. Como já vimos, a expressão relações humanas indica o es- paço de inter-relação entre pessoas, e pode dar-se através de um convívio fortuito e casual (filas, pontos de ônibus, sessão de cinema etc.), ou de uma convivência prolongada junto a um mesmo grupo (família, amigos, trabalho etc.). A figura a seguir explicita a íntima dependência existente entre o relacionamento intrapessoal, já estudado no capítulo anterior, e o relacionamento interpessoal. Nesta ilustração, ve- mos que a relação do indivíduo consigo mesmo afeta ao mes- mo tempo em que é afetada pelas relações que ele desenvolve com os demais. 44 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Figura 1 Relacionamento inter e intrapessoal. Em muitos casos, não escolhemos as pessoas com as quais iremos nos relacionar. Isso possibilita uma série infinita de combinações e encontros, para os quais nem sempre estamos adequadamente preparados. O ponto de partida para um bom relacionamento é a per- cepção das regras que norteiam as relações nos grupos dos quais fazemos parte, pois elas nos indicarão os direitos, de- veres, limites e possibilidades adequados a cada situação. As relações se efetivam de forma harmônica quando os membros em interação conhecem e aplicam as regras vigentes no gru- po. Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 45 3.2 As relações dentro dos grupos Segundo Pichon-Rivière (1992): Grupo é um conjunto de pessoas que, ligadas por cons- tantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, se propõem de forma explícita e implícita a uma tarefa, que constitui sua finalidade, inte- ratuando através de complexos mecanismos de assunção e atribuição de papéis. Para Osório, grupo ou sistema humano é “todo aquele conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua sin- gularidade e que estão exercendo uma ação interativa com objetivos compartilhados”. (2003, p. 57). Simplificando, pode- -se definir grupo como sendo um conjunto de pessoas reunidas para realizar objetivos específicos, estabelecendo relações de interdependência e criando uma identidade própria. O objeti- vo em comum é o elo que orienta a formação dos grupos. Zimmermann (2000, p. 83-84) acrescenta outros elemen- tos que caracterizam os grupos: a. O grupo assume uma identidade própria, no sentido de que todos os seus membros se comportam como um grupo e o grupo todo se comporta como uma in- dividualidade. Ou seja, um grupo não é o somatório das características dos seus membros. Estes, quando em interação grupal, formam uma nova entidade, com características próprias e diferentes das individuais, que passam a normatizar o comportamento grupal; 46 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar b. A formação do grupo deve permitir a comunicação em todos os seus níveis. Grupos com muitos membros precisam assegurar que a comunicação se efetive, pois este é um dos elementos-chave para que o grupo atin- ja seus objetivos; c. A atividade grupal deve ser normatizada e os seus in- divíduos deverão respeitar as regras estabelecidas; d. A unidade do grupo se manifesta como uma totali- dade, ou seja, o grupo se organiza a serviço de seus membros e seus membros se organizam a serviço do grupo. Cada peça é indispensável para a composição do quebra-cabeças; e. A identidade individual deve ser preservada no espa- ço do grupo. Nesse sentido, apesar da manifestação de uma identidade grupal a partir da constituição do grupo, não se pode perder de vista que cada indivíduo mantém a sua individualidade; f. É inerente à natureza dos grupos a existência de intera- ções afetivas de diversas naturezas. Logo, afinidades e animosidades são elementos constitutivos da dinâmica grupal; g. Existem nos grupos forças contraditórias em jogo, que postulam a sua coesão e a sua desintegração. Estão aí contidos os aspectos relativos à valorização dos in- divíduos no grupo, seu sentimento de pertencimento e a capacidade grupal de acolher novos membros e assegurar a sua continuidade; Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 47 h. É inevitável a criação de um campo grupal, onde se manifestam os diversos papéis, desejos, fantasias etc. 3.3 Tipos de grupos O que define a formação de pessoas em uma relação é o propósito ou objetivo. Assim, as pessoas se relacionam nor- malmente em situações similares de busca (pegar o ônibus X, fazer o curso Y ou almoçar no restaurante Z), ao que chama- mos de agrupamento de pessoas, ou, ainda, em situações de convivência rotineira em função de objetivos maiores (família, escola, trabalho), formando os grupos sociais. Para Zimmer- mann (2000), os agrupamentos de pessoas possuem interesses comuns, enquanto os grupos possuem interesses em comum. As pessoas podem agrupar-se de duas formas: organiza- da – quando o grupo é planejado (turma do futebol, grupos de jovens, grupos de estudo etc.); ou involuntária – quando as pessoas se reúnem casualmente, sem intenção de reunir-se naquela formação (crianças num parque, passageiros no pon- to de ônibus, clientes na fila do banco etc.). Um grupo social é formado para o aperfeiçoamento pes- soal de seus membros, constituído por pessoas que se rela- cionam entre si, mantendo sua individualidade. Nos grupos sociais existe interação entre os membros do grupo, de ma- neira que a ação de um serve de estímulo ao comportamento do outro. 48 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Os grupos podem ser classificados em formais e informais. Os grupos formais são aqueles definidos pela estrutura or- ganizacional, com atribuições de tarefas específicas, relacio- nadas ao seu trabalho, como equipes de um departamento numa organização de trabalho, ou uma turma de alunos em uma escola. Já os grupos informais são associações entre as pessoas,realizadas por seu interesse pessoal e ou afinidades, como membros de um grupo de jovens, de mulheres etc. Existem diferentes grupos dos quais podemos fazer parte:  Grupo familiar: pais, irmãos, esposos, filhos etc.  Grupo de trabalho: colegas de trabalho, chefias, subor- dinados.  Grupo esportivo: colegas de futebol, vôlei e outros.  Grupo religioso: comunidade religiosa, grupos de jo- vens, de casais etc.  Grupo de estudo: colegas de aula, professores, colegas de cursos diversos.  Outros: clubes, associações, sociedades etc. Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 49 Figura 3 Tipos de grupos. Um aspecto a ser observado é que fazemos parte de inú- meros grupos ao longo de nossa vida, e que podemos ocu- par diferentes papéis em cada um deles. Estes papéis estão condicionados aos objetivos que constituem o grupo, à sua formação e ao espaço que conquistamos em cada um deles. 3.4 Fases do processo de grupo Segundo Castilho (2004), os grupos vivenciam normalmente quatro fases durante seu relacionamento:  Inclusão – É o momento inicial do grupo. Cada partici- pante deseja sentir-se aceito e respeitado como membro do grupo. Esta fase tem duração condicionada ao esta- 50 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar belecimento da confiança. É um período de baixo nível de comunicação, caracterizado por silêncio de tensão. Predomina o sentimento de baixa produção.  Controle – Fase de imensa dificuldade na comunicação, na qual percebe-se certa insensibilidade e inabilidade para o relacionamento com o outro. Há uma disputa in- consciente pela liderança e ocupação de espaços dentro do grupo. É possível surgimento de facções e subgrupos de coalizões momentâneas, as chamadas “panelinhas”.  Afeição – É o ciclo de maior produtividade e criativi- dade. O grupo já avançou no estabelecimento da con- fiança mútua, possui um alto nível de respeito e aceita- ção dos membros, respeitando as diferenças individuais. Torna-se construtivo, interdependente, sinérgico e afeti- vo entre si.  Separação – Fase terminal do grupo, caracteriza-se pela conclusão da tarefa ou afastamento de um mem- bro. As reações dos participantes estão condicionadas ao tipo de interação grupal. Podem ser de hostilidade ou de euforia, dependendo dos motivos e condições da se- paração. As listas de telefones e endereços criadas nesta fase negam a morte do grupo. Não existe um tempo específico para um grupo atingir cada fase, assim como nem sempre ela segue na ordem apresenta- da. Alguns grupos de tarefa podem atingir a fase de afeição em poucas horas de convivência, enquanto outros se mantêm durante semanas ou meses na fase de controle. O ingresso ou afastamento de novos membros ou a introdução de alterações Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 51 na tarefa ou nas normas de funcionamento do grupo podem fazer com que haja um ir e vir entre as diferentes fases. 3.5 Funções desempenhadas pelos grupos Os grupos se formam a partir de determinados objetivos, a fim de realizar tarefas ou cumprir metas. No entanto, a abrangên- cia de sua ação é bastante ampla. Segundo Robbins (2005, p. 187), as pessoas se agrupam por:  Segurança – o grupo dá coragem e diminui a incerteza. Em grupo as pessoas podem fazer coisas que jamais ousariam fazer sozinhas.  Autoestima – participando de um grupo, o indivíduo tem o sentimento de aceitação, sentindo-se valorizado pelos demais e sentindo-se integrante do mesmo.  Associação – a interação com outras pessoas é fonte de satisfação pessoal, sendo mais ou menos importan- te para cada indivíduo, segundo a sua necessidade de afiliação.  Poder – a organização sob a forma de grupo geralmen- te dá a sensação de poder, pois em grupo é possível fazer coisas que isoladamente não seria possível.  Alcance de metas – o grupo permite atingir metas pela associação de diferentes talentos, conhecimentos ou po- deres. 52 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Para Castilho (2004), podem-se analisar as funções de- sempenhadas pelos grupos sob o enfoque organizacional e sob o enfoque individual, destacando a validade do trabalho em grupo. Funções desempenhadas pelos grupos em nível da organização Funções desempenhadas pelos grupos em nível da pessoa Os grupos são uma maneira de se executarem tarefas que não poderiam ser levadas a cabo por indivíduos trabalhando isoladamente; Os grupos ajudam as pessoas a apreenderem o ambiente organizacional; Os grupos possibilitam a maximização dos talentos; Os grupos ajudam as pessoas a aprenderem sobre si mesmas; Os grupos favorecem um maior número de diferentes visões quando da análise do processo decisório; Os grupos ajudam as pessoas a desenvolverem novas e diferentes habilidades; Os grupos favorecem a obtenção da qualidade quando estão centrados no conceito de cliente interno e externo; Os grupos ajudam as pessoas a obterem recompensa e reconhecimento que não estariam disponíveis a elas individualmente; Os grupos são facilitadores do processo de identificação e duplicação do comportamento individual dentro de um sistema social mais amplo; Os grupos satisfazem certas necessidades importantes da pessoa; Os grupos são forças propulsoras nas mudanças organizacionais, ajudando na implementação das mesmas; Os grupos são fontes de significado para as pessoas. Os grupos transmitem aos novos membros as crenças e valores que caracterizam a cultura da empresa, assegurando a estabilidade da organização. Figura 4 Funções desempenhadas pelos grupos. Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 53 As diferentes funções dos grupos se caracterizam pela sua relação de troca mútua e de participação, as quais são condi- cionadas pelo seu nível de comunicação e interação: Aprender a estar e trabalhar em grupo é, sobretudo, aprender a conversar, etimologicamente, conversar é “mudar juntos” (con + versare). De uma conversa, os que dela participam devem sair “transformados”, isto é, tanto uns como outros tendo experimentado o enriqueci- mento com a troca de pontos de vista. (OSÓRIO, 2003, p. 137) Agora que você possui um conceito claro de grupo e sua importância no âmbito das relações humanas, poderá com- preender melhor o seu funcionamento e começar a aprofundar os conceitos inerentes à sua dinâmica interna. Recapitulando Relacionar-se é um imperativo da própria existência do ser hu- mano. Por meio das relações o indivíduo estabelece interações interpessoais, o que influencia e também recebe influência de sua relação intrapessoal. Relação pressupõe troca, permuta, reciprocidade. As relações interpessoais iniciam no útero ma- terno e se estendem ao longo de toda a vida. Estas relações acontecem em muitas ocasiões em contextos grupais, como a família, primeiro grupo do qual fazemos parte. Grupo pode ser definido como um conjunto de pessoas unidas em torno de um objetivo comum, em uma relação de interdependência. 54 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar Fazemos parte de diferentes grupos, como família, trabalho, estudos, religiosos, esportistas, clubes e associações, dentre outros. Em um grupo as atividades devem ser normatizadas e as regras respeitadas, os indivíduos constituem uma totalida- de maior do que a soma de seus membros, preservando, no entanto, a identidade de cada um, a comunicação deve fluir em todos os níveis. Existem no grupo algumas forças contra- ditórias, que equilibram movimentos de atração e de fuga, ex- plicitados no campo grupal. Os grupos normalmente passam por quatro fases, que se alternam ao longo da existência do grupo: inclusão – fase inicial do grupo, onde há um silêncio de tensão e baixa comunicação; controle – fase em que os mem- bros procuram encontrar o seu espaço; afeição – onde há uma alta comunicação e produtividade, com criação de subgrupos e coalizões; separação – fase em que o grupo se separa de um ou mais membros,gerando sentimentos compatíveis com a ex- periência grupal. As pessoas se agrupam por necessidades de autoestima, afeição, alcance de metas, associação, poder e segurança. Os grupos exercem diferentes funções ao nível pes- soal, satisfazendo necessidades individuais dos seus membros e também a nível organizacional, possibilitando uma maior produtividade e otimização de recursos. Referências CASTILHO, Áurea. A dinâmica do trabalho de grupo. 3. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 2004. Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 55 GUARESCHI, Pedrinho. Alteridade e relação: uma perspectiva crítica. In: ARRUDA, Ângela. Representando a alteridade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. OSÓRIO, Luiz Carlos. Psicologia grupal: uma nova disciplina para o advento de uma nova era. Porto Alegre: ARTMED, 2003. PETRY, Milene Corrêa. Relação interpessoal professor e aluno: uma leitura junguiana. In: MARQUES, Juracy Cunegatto et. al. Inter-relações – Temas em processos de grupo, 3. Porto Alegre: Faculdade de Psicologia da PUCRS, 2000. ROBBINS, Stephen P. Comportamento Organizacional. 11. ed. São Paulo: Pearson, 2005. ZIMMERMANN, David. Fundamentos básicos das grupote- rapias. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2000. Atividades 1) Relacione as colunas: (a) inclusão ( ) fase em que o grupo apresenta alto nível de comunicação e produtividade (b) controle ( ) fase em que há o rompimento do grupo, em função do cumprimento da tarefa (c) afeição ( ) fase em que há um baixo nível de comu- nicação e as pessoas estão pouco à vonta- de 56 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar (d) sepa- ração ( ) fase em que os membros do grupo bus- cam encontrar o seu espaço e onde pode haver a formação de “panelinhas” 2) Os grupos assumem uma grande importância em nossa vida pessoal e profissional. Quanto à sua razão de ser e constituição, podemos afirmar que: I) Um grupo é formado pela soma de seus indivíduos. II) A identidade grupal normatiza o comportamento das pessoas dentro do grupo. III) A identidade grupal deve sobrepor-se à identidade in- dividual. IV) Os grupos possibilitam às pessoas maior projeção in- dividual. V) Os grupos são fontes de significado para as pessoas. Estão corretas as afirmativas: a) I e II b) I e III c) II e IV d) II e V e) III e V 3) Quais dentre as necessidades a seguir as pessoas buscam satisfazer nos grupos: Capítulo 3 Relações Humanas: Base para a Vida em Sociedade 57 a) Segurança e separação b) Poder e autoestima c) Separação e alcance de metas d) Liderança e autoestima e) Autoestima e individualidade 4) Reflita sobre os grupos dos quais você faz parte. Procure analisar em que fase os mesmos se encontram, indicando quais características dos grupos em questão contribuem para esta análise. 5) Comente o significado da frase “a individualidade deve ser preservada no grupo”. Maria Cleidia Klein Oliveira1 Capítulo 4 Motivação: O Motor que Rege as Ações Humanas1 1 Pedagoga, Especialista em Administração e Formação de Recursos Humanos, Mestre em Educação. Professora da ULBRA Canoas/RS. Capítulo 4 Motivação: O Motor que Rege as Ações Humanas 59 Introdução Todos os dias bilhões de pessoas se levantam, trabalham, es- tudam e realizam inúmeras outras tarefas. O que as motiva? Por que as pessoas fazem as coisas? Por que algumas estão sempre empolgadas, enquanto outras desanimam no primeiro obstáculo? O que caracteriza os indivíduos com grande capa- cidade de superação? Neste capítulo buscaremos compreen- der algumas teorias motivacionais e de que forma elas influen- ciam as relações interpessoais. 4.1 Base conceitual A palavra motivação vem do verbo latino movere e do subs- tantivo motivum, o que se traduz com a conotação de motivo, algo que leva à ação, que impele o indivíduo em busca de algo. Para Reis: “Estar motivado preliminarmente pode ser com- preendido como o mesmo que ter interesse, entusiasmo, dispor de vontade para fazer algo.” (2001, p. 14). Neste sentido: “Diz respeito ao direcionamento e à persistência desses motivos em torno de objetivos. A motivação implica em considerar também os valores individuais e sociais que influenciam o comporta- mento humano.” (REIS, 2001, p. 17). Estas definições nos levam a refletir na motivação como um fator impulsionador da ação, que faz com que o indivíduo saia 60 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar de um estado de acomodação e busque encontrar este “algo” que pretende atingir. Robbins define motivação como “o processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pessoa para o alcance de uma determinada meta” (2006, p.132). Neste conceito estão implícitos: a quantidade e quali- dade do esforço empreendido, a canalização deste esforço e o objetivo a ser atingido. Um dos grandes dilemas da motivação se assenta em iden- tificar a sua origem: ela é intrínseca ao sujeito (vem de dentro dele) ou extrínseca (vem de fatores externos)? A resposta a esta questão poderá direcionar o foco de trabalho junto às pessoas. Se você acreditar que a motivação se dá por fatores externos – salário, por exemplo, – significa que é possível mo- tivar outras pessoas, por meio de estímulos externos – chama- dos motivadores. No entanto, se o entendimento for de que a motivação é interna, será preciso identificar como ocorre a automotivação, pois neste caso somente o indivíduo será ca- paz de motivar-se. Para Casado: “Por tratar-se de impulso ou necessidade, é óbvio que é originada basicamente no interior dos indivíduos. Assim, a fala comum: ‘Você tem que motivar seus empregados!’ perde seu uso prático, pois sugere algo im- possível de realizar.” (2002, p. 248). Como você pode perceber, este entendimento é determi- nante para a adoção de uma perspectiva frente ao tema. Va- mos colher mais alguns elementos para esta análise. Capítulo 4 Motivação: O Motor que Rege as Ações Humanas 61 4.2 Teorias sobre motivação Existem inúmeras teorias sobre a motivação humana. Iremos destacar algumas que, a nosso ver, poderão auxiliá-lo no en- tendimento dos diversos fatores implicados neste tema. Caso queira aprofundar-se neste assunto, você encontrará diversos estudos muito interessantes que ilustram e explicam estas teo- rias. 4.2.1 Hierarquia das necessidades humanas Um dos precursores dos estudos sobre a motivação humana foi Abraham Maslow. Segundo ele, as pessoas se motivam em função de necessidades não satisfeitas. Ou seja, o que leva o indivíduo à ação é a ausência de algo que cause satisfação de uma necessidade. Para Maslow, o homem é um ser em proces- so constante de busca, e que raramente se satisfaz: O homem é um animal que deseja e que raramente al- cança um estado de completa satisfação, exceto durante um curto tempo. À medida que satisfaz um desejo, so- brevém outro que quer ocupar seu lugar. Quando este é satisfeito, surge outro ao fundo. É característica do ser humano, em toda a sua vida, desejar sempre algo. (Apud CASADO, 2002, p. 251) Como se pode perceber, na concepção de Maslow há uma insaciedade natural do homem, que o impele a uma busca constante. Maslow organizou as necessidades em uma hierar- quia, representada em uma pirâmide (figura 1), onde a base é formada pelas necessidades mais elementares, ligadas à so- 62 Dinâmicas Interpessoais: Visão Interdisciplinar brevivência, às quais vão sendo acrescentadas outras, de or- dem mais elevada. Para o autor, as necessidades superiores da pirâmide só se tornam motivadoras quando as necessidades anteriores da base foram satisfeitas. Figura 1 Hierarquia das necessidades humanas de Maslow Segundo a hierarquia, a base das necessidades humanas é de ordem fisiológica: indicam a necessidade de alimentar- -se, de saciar a sede, de manter-se aquecido, de descanso, de sono, de sexo etc. Somente satisfeitas essas necessidades é que o homem direciona sua atenção para a satisfação das suas necessidades de segurança, a fim de que se
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