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Ciências do léxico e Filologia em foco: contributos para a história da língua portuguesa Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais: Renato Martins e Silva (Editor-chefe) http://lattes.cnpq.br/4416501555745392 Lia Beatriz Teixeira Torraca (Editora Adjunta) http://lattes.cnpq.br/3485252759389457 Ilma Maria Fernandes Soares (Editora Adjunta) http://lattes.cnpq.br/2687423661980745 Célia Souza da Costa http://lattes.cnpq.br/6191102948827404 Chimica Francisco http://lattes.cnpq.br/7943686245103765 Diego do Nascimento Rodrigues Flores http://lattes.cnpq.br/9624528552781231 Dileane Fagundes de Oliveira http://lattes.cnpq.br/5507504136581028 Erika Viviane Costa Vieira http://lattes.cnpq.br/3013583440099933 Joana Ribeiro dos Santos http://lattes.cnpq.br/0861182646887979 Marcia Tereza Fonseca Almeida http://lattes.cnpq.br/4865156179328081 Ricardo Luiz de Bittencourt http://lattes.cnpq.br/2014915666381882 Vitor Cei http://lattes.cnpq.br/3944677310190316 http://lattes.cnpq.br/4416501555745392 http://lattes.cnpq.br/3485252759389457 http://lattes.cnpq.br/2687423661980745 http://lattes.cnpq.br/6191102948827404 http://lattes.cnpq.br/7943686245103765 http://lattes.cnpq.br/9624528552781231 http://lattes.cnpq.br/5507504136581028 http://lattes.cnpq.br/3013583440099933 https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=F53926B302D68D4EEFD8275CA7A47362 http://lattes.cnpq.br/4865156179328081 http://lattes.cnpq.br/2014915666381882 http://lattes.cnpq.br/3944677310190316 Ciências do léxico e Filologia em foco: contributos para a história da língua portuguesa 1ª Edição Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida Maiune de Oliveira Silva Maria Gabriela Gomes Pires (Organizadoras) Rio de Janeiro Mares Editores 2020 Copyright © da editora, 2020. Capa e Editoração Mares Editores Todos os artigos publicados neste livro sob a forma de capítulo de coletânea foram avaliados e aprovados para sua publicação por membros de nosso Conselho Editorial e/ou colaboradores pós-graduados da Mares Editores, assim como pelos organizadores da obra. Dados Internacionais de Catalogação (CIP) Ciências do léxico e Filologia em foco: contributos para a história da língua portuguesa/ Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida; Maiune de Oliveira Silva; Maria Gabriela Gomes Pires (Organizadoras). – Rio de Janeiro: Mares Editores, 2020. 253 p. ISBN 978-65-87712-04-8 doi.org/10.35417/978-65-87712-04-8 1. Língua Portuguesa. 2. Filologia 3. Ciências do léxico I. Título. CDD 469 CDU 811.134.3/49 Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião da editora. 2020 Todos os direitos desta edição reservados à Mares Editores CNPJ 24.101.728/0001-78 Contato: mareseditores@gmail.com http://doi.org/10.35417/978-65-87712-04-8 mailto:mareseditores@gmail.com Sumário Apresentação ................................................................................ 9 Políticas linguísticas do português no Brasil: uma análise das marcas de uso em dicionários escolares .................................... 16 Culinária, uma relação franco-portuguesa no português do Brasil ..................................................................................................... 49 DMRV, DBFJ e DLAP: um decênio de pesquisas lexicográficas ... 78 Mudanças semânticas do termo família na legislação brasileira de 1890 a 2017 ............................................................................... 114 Miscigenação e relações interculturais: elementos constitutivos de uma língua variada ............................................................... 146 Toda posse, jus e domínio: estudo lexical acerca das relações de poder sobre os escravos ........................................................... 169 Os nomes de lugar presentes no relato de viagem dos irmãos Nunes: marcas toponímicas do sertão ..................................... 198 Interfaces entre Filologia e Toponímia: uma análise de topônimos registrados em inventários oitocentistas de Catalão (GO) ....... 224 Sobre os autores ....................................................................... 248 - 9 - Apresentação A coletânea que ora se apresenta teve como intuito reunir textos de pesquisadores que se debruçam sobre duas ciências que nos são tão caras e sempre subsidiaram nossos estudos: as Ciências do Léxico – aqui apresentadas em formas de textos que versam sobre Lexicologia, Lexicografia, Terminologia, Terminografia, e Toponímia; e a Filologia – disciplina que tem como foco o estudo de documentos manuscritos como fonte primária para acessar a língua de outrora. Os documentos aqui reunidos, sobretudo nos trabalhos de cunho filológico, anunciam fatos históricos setecentistas e oitocentistas que muitas vezes estão guardados em igrejas, museus, cartórios, entre outros espaços que buscam preservar, especialmente, a sobrevida desses materiais para que pesquisas nos mais diversos níveis linguísticos possam ser realizadas, sejam elas pelos prismas sincrônicos ou diacrônicos. Observar a interface feita entre Filologia e Ciências do léxico através desses oito textos apresentados é, de certa forma, compreender alguns caminhos pelos quais transitou a Língua Portuguesa na atualidade e em épocas remotas. Não podemos esquecer que o léxico, aqui compreendido como conjunto de unidade lexicais de uma língua, é a pedra de toque que embasa todos os textos que aqui estão reunidos. - 10 - Cabe salientar que os textos, por uma questão metodológica, serão organizados em dois blocos: o primeiro irá tratar do Léxico e sua inter-relação com dicionários pedagógicos, com dicionários gerais de língua, com a Terminologia e, ainda, sob a perspectiva da Linguística Histórica. O segundo grupo irá abordar estudos que tiveram como fontes documentos manuscritos setecentistas e oitocentistas buscando, sobretudo, descrever e explicar fatos linguísticos e históricos que foram encontrados neles. O primeiro texto intitulado “Políticas linguísticas do português no Brasil: uma análise das marcas de uso em dicionários escolares”, de Cacildo Galdino Ribeiro, Ivonete da Silva Santos e Nayara Capingote Serafim da Silva Arruda, busca destacar conceitos básicos acerca das políticas linguísticas da Língua Portuguesa (LP) do Brasil e apresentar alguns exemplos das marcas de uso nos dicionários escolares que compõem o acervo lexicográfico enviados às escolas públicas brasileiras, referentes ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do ano de 2012. Para tanto, os autores embasaram nos estudos de Calvet (2007), Mariani (2011), Bagno (2007), Ribeiro (2018), entre outros. Deste modo, foi possível verificar no material consultado e analisado que os dicionários configuram a materialização de políticas linguísticas assentadas em ideologias de estratificação social, as quais determinam os modelos que devem ou não serem utilizados pela comunidade de falantes, segundo aquilo que está marcado ou não está marcado nas obras lexicográficas. - 11 - Seguindo na interface com a Lexicografia, Jaciara Mesquita Rosa Bertossi apresenta o capítulo “Culinária, uma relação franco- portuguesa no português do Brasil”, no qual reflete sobre a ocorrência dos galicismos culinários no português do Brasil. Nesse sentido, a autora utilizou o dicionário Houaiss (2009), em sua versão eletrônica, para identificar e analisar essas unidades lexicais da língua francesa no português do Brasil. Como corpus de exclusão, a autora utilizou também o dicionário geral de língua Le Grand Robert de la Langue Française (2001) para cotejar as 1.005 ocorrências de galicismos. Após esta etapa, o material foi organizado em campos lexicais, com base nasteorias de Geckeler (1976) e Coseriu (1979). Em seguida, comparou e analisou todos os 146 galicismos, nos três campos, com maior número de itens lexicais, evidenciando uma relação sistemática entre a adoção desse léxico francês e sua influência na cultura brasileira. Na mesma interface, mas focando especificamente em dicionários bilíngues elaborados na IBILCE/UNESP, Fábio Henrique de Carvalho Bertonha, em “DMRV, DBFJ e DLAP: um decênio de pesquisas lexicográficas”, apresenta uma reflexão sobre o aniversário de uma década de trabalhos lexicográficos desenvolvidos pela linha de pesquisa Lexicologia e Lexicografia do PPGEL, na UNESP-IBILCE, sob a orientação da Profa. Dra. Claudia Zavaglia. Desta feita, o autor pondera sobre o percurso de elaboração de três obras lexicográficas, a saber: DMRV, DBFJ e DLAP. Segundo ele, esses dicionários foram constituídos a fim de otimizar as buscas dos consulentes, assim, foram evidenciados - 12 - os percursos metodológicos nos quais as pesquisas foram embasadas para encontrar os equivalentes, na direção português-italiano, que passaram a compor essas obras. No entanto, por não ser o escopo do trabalho, não foram abordadas discussões sobre os resultados alcançados em cada pesquisa. Já na linha da Terminologia e da Terminografia Diacrônica, Beatriz Curti-Contessoto e Ieda Maria Alves apresentam o capítulo “Mudanças semânticas do termo família na legislação brasileira de 1890 a 2013”. Como o próprio título sugere, as autoras fizeram uma análise semântico-conceitual diacrônica do termo família no contexto jurídico brasileiro entre os anos 1890 e 2013. O intuito foi o de verificar de que modo o conceito desse termo se alterou ao longo dos anos e qual é a relação entre essa evolução e aspectos socioculturais e históricos do Brasil. Para tanto, foram constituídos dois corpora, um com leis publicadas entre 1890 e 2013 referente à matéria (chamado de LBCorpus) e outro com uma bibliografia especializada no assunto (chamado de Corpus de ApoioBR). A análise foi baseada em constructos teórico-metodológicos da Socioterminologia, da Teoria Comunicativa da Terminologia e da Terminologia Diacrônica e em aspectos da História do Brasil, no propósito de observar qual foi a evolução semântica do termo família no domínio do Direito e o reflexo dos aspectos socioculturais nessa evolução. Encerrando esse primeiro bloco, as autoras Eliane Miranda Machado e Raiane dos Santos Nascimento apresentam o texto - 13 - “Miscigenação e relações interculturais: elementos constitutivos de uma língua variada”. Nesse trabalho, são discutidos sobre o processo de Colonização do Brasil, que foi um grande difusor para a definição da identidade linguística da nação. Nesse contexto, o processo de miscigenação e das relações estabelecidas entre povos distintos foram responsáveis pela construção da identidade linguística do Brasil. Desta feita, as trocas culturais estabelecidas, contribuíram também para a peculiaridade da Língua Portuguesa do Brasil, que são as heterogeneidades lexicais, fonéticas e semânticas que enriquecem o idioma nacional. Nesse sentido, no intuito de mostrar a importância da interculturalidade e da miscigenação linguísticas na formação do português brasileiro, foram realizadas leituras bibliográficas interdisciplinares. Especificamente, utilizaram-se teóricos da Linguística e da História para que fossem compreendidas as influências dessas duas ciências na constituição da Língua portuguesa. O Segundo bloco versa especificamente sobre Filologia e sua inter-relação com as Ciências do léxico. No primeiro texto, das autoras Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida e Maiune de Oliveira Silva, sob o título “Toda posse, jus e domínio: estudo lexical acerca das relações de poder sobre os escravos”, é empreendido um estudo lexical e filológico sobre as relações de poder firmadas sobre os negros escravos em Catalão (GO) nos oitocentos. Para tanto, foram selecionados três documentos manuscritos que integram o acervo digital do Laboratório de Estudos do Léxico, Filologia e Sociolinguística (LALEFIL), a saber: - 14 - duas escrituras públicas de compra e venda de escravos (fólios 23v a 25r; 55r a 55v) e uma escritura pública de hipoteca de escravo (fólios 57v a 58v). O contato prévio com esses documentos possibilitou que as autoras identificassem lexias que apontam para os vínculos de poderio assentados sobre os negros escravos, sendo elas: cede, posse, jus, domínio, transpassa, senhor, possuidor, poder e em mãos. Assim, com base nas teorias da Filologia e da Lexicologia e a partir das definições de Silva (1813), Bluteau (1728) e Houaiss (2009), buscaram compreender o que essas lexias apontam sobre a realidade desses homens e mulheres vítimas da escravidão. O segundo texto, sob o viés Filológico, faz conexão com a Toponímia, outra subárea do léxico. Sob o título “Os nomes de lugar presentes no relato de viagem dos irmãos Nunes: marcas toponímicas do sertão”, Marcus Vinícius das Dores versa sobre os nomes de lugares – acidentes geográficos, cidades etc. – registrados com o objetivo de mapear o caminho, no século XVIII, entre as regiões que hoje conhecemos como Bahia e Minas Gerais, tendo como corpus o documento manuscrito Noticias das minas da America chamadas Geraes pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três irmãos chamados Nunes os quais rodarão muytos annos por estas partes. A documentação em questão apresenta diversas peculiaridades históricas e linguísticas, por isso são apresentadas também as edições fac-similar e diplomática de dois fólios do manuscrito de onde, após a edição, compilaram-se 64 topônimos. - 15 - Fundamentas nas mesmas Ciências, a Filologia e a Toponímia, as autoras Maria Gabriela Gomes Pires e Rayne Mesquita de Rezende, no texto “Interfaces entre Filologia e Toponímia: uma análise de topônimos registrados em inventários oitocentistas de Catalão (GO)”, procuram cumprir dois almejos: (a) mostrar a proficuidade dos manuscritos, em especial os inventários, como fontes para estudos na vertente da toponímia, através de (b) uma breve apresentação e discussão de topônimos arrolados em inventários exarados nos idos oitocentistas na região de Catalão (GO). Os dados nos mostram que os itens lexicais que nomeiam os lugares são, na maioria, fazendas motivadas por intervenções religiosas. Os textos aqui reunidos apresentam a confluência que pode ser realizada entre Ciências do Léxico e Filologia e mostram um pouco dos estudos sobre essas temáticas que estão sendo realizadas em algumas instituições do país. Além disso, esses estudos, de fato, contribuem para a história da língua portuguesa, seja com documentações antigas que permitem o resgate de memórias silenciadas, seja com documentações modernas que também servirão de suporte para as gerações que, posteriormente, virão estudar a língua que ora estamos registrando. Maiune de Oliveira Silva Julho/2020 - 16 - Políticas linguísticas do português no Brasil: uma análise das marcas de uso em dicionários escolares Cacildo Galdino Ribeiro1 Ivonete da Silva Santos2 Nayara Capingote Serafim da Silva Arruda3 Introdução As políticas linguísticas são temas bastante discutidos em diversos campos da linguística, porque lidam com assuntos relacionados à ampliação lexical, às normas e à oficialização das línguas, em seus respectivos territórios. Sob essa perspectivava estamos a falar do planejamento de corpus e do planejamento de status. Por conseguinte, tratam dos aspectos sociais inerentes ao funcionamento da língua, objetos de muita discussão e que revelam a classificação dos grupos sociais pela própria língua que utilizam. As políticas linguísticas tanto podem conceber normas à língua a partir de uma perspectiva conservadora e excludente, ou seja, à línguaé atribuída o papel de instituição distintiva e de estratificação social, quanto reclamar a valoração de determinadas línguas ou normas inerentes ao próprio sistema linguístico. 1 Doutorando em Estudos da Linguagem, UFG. 2 Doutoranda em Estudos da Linguagem, UFG. 3 Doutoranda em Estudos da Linguagem, UFG. - 17 - Vale ressaltar que nem sempre as políticas linguísticas se ocupam da legislação da língua de modo explícito, como observamos nos programas responsáveis por a elaboração de dicionários, livros didáticos (LDs) e gramáticas, e sua aplicação na sociedade. É preciso checar as políticas implícitas também. No processo de normatizar a língua é possível a inclusão de algumas palavras e a exclusão de outras, de acordo com a conveniência atribuída pelos seus decisores, a propósito das marcas de uso descritas nos dicionários escolares. O dicionário é um instrumento capaz de fornecer àquele que o consulta informações sobre a língua, assim, favorecer o uso de determinadas palavras em detrimento de outras, pois no dicionário também é possível encontrar informações sobre o uso de determinadas lexias/lexemas. Observa-se assim a amplitude desse tipo de obra e por isso cabe nos questionarmos, principalmente se àqueles que estão à frente, na linha de batalha no ensino sistematizado da língua portuguesa, os professores/educadores, conhecem esse tipo de informação acerca dos dicionários, principalmente, os escolares e sabem utilizar essa ferramenta para o ensino. É evidente que para muitos, estudantes e até para educadores, o dicionário se resume em apenas um livro em que se pode consultar a forma correta de grafar as palavras. Ademais, o dicionário de língua portuguesa também não é um mero instrumento para compreender o significado das palavras e suas - 18 - formas de utilização. É mais do que isso, uma ferramenta que reflete a política linguística da Língua Portuguesa, já que vemos isso refletir até nas marcações do que é considerado como linguagem formal e o que não é. Este texto pretende então refletir sobre as políticas linguísticas do Português no Brasil e além disso, discorrer sobre a forma que essas políticas se instauram, sendo o dicionário um dos expedientes didáticos normatizadores da língua. Planejamento de corpus: decisões que afetam o uso da língua Quando refletimos sobre as políticas linguísticas é preciso considerá-las sob dois pontos de vista: o planejamento de status, que diz respeito às intervenções que afetam diretamente as funções da língua em determinada comunidade linguística e o planejamento de corpus correspondente às ações que afetam o uso da língua (CALVET, 2007). De modo geral, as intervenções que incidem tanto nas funções quanto nos usos da língua são resultantes de determinações, advindas de decisões importantes pautadas na dicotomia língua/sociedade. As intervenções podem ser decididas pelos próprios falantes comuns, usuários de determinada língua e, principalmente, pelo Estado. Intervenções perpetradas por este são normativas, cujas aplicações são coercitivas. Alguns exemplos desse tipo de intervenção são: regras ortográficas, leis, decretos etc. Na base dessas decisões está o privilégio a esta ou àquela língua, a esta ou àquela norma dentre - 19 - as várias regidas pelo sistema linguístico em uso. A escolha implica naturalmente a inclusão ou a exclusão de línguas ou normas linguísticas. Para que as decisões sejam implementadas parte-se do princípio do planejamento linguístico, o qual pode ser entendido como a aplicação das escolhas que devem afetar diretamente o uso da língua, por exemplo. Nesse sentido, o planejamento linguístico é a expressão da vontade do poder público que pode ou não impactar positivamente na vida dos usuários da língua, pois “na língua há também política e que as intervenções na língua ou nas línguas têm um caráter eminentemente social e político” (CALVET, 2007, p. 36). Ao decidir pelo uso de determinada língua no âmbito nacional, os decisores escolhem também como e onde essa língua deve ser usada. Por exemplo, a LP, no Brasil, é a língua nacional, materna para a maioria dos brasileiros e é oficial. As escolhas que implicaram a sua implementação como tais são resultados da política da LP decorrente do planejamento de status, uma vez que os rótulos que recebe uma língua têm a ver com a lógica funcional que deve reger o seu uso. Outros exemplos disso são as escolhas que incidem sobre o uso da norma padrão do português nas instituições de ensino e instituições oficiais. A política, nesse caso, corresponde a escolha de uma das normas regidas pelo sistema LP, bem como a sua equipação (léxico e a escrita) para justificar a sua implementação na escola (CALVET, 2007). Então, estamos diante de um planejamento de corpus, porque - 20 - as intervenções, nesse contexto, incidem sobre o uso desta ou daquela norma. A questão da padronização interessa aos estudos sobre políticas linguísticas, especialmente do português porque se ao privilegiar uma norma, em detrimento das várias outras, existentes no uso diário, afetar a funcionalidade da língua no cotidiano do falante, por haver vínculos entre norma e o uso, o problema poderá ser resolvido com a conscientização dos usuários da língua. De acordo com Calvet (2007), o caráter mutável da língua, seja no seu uso ou na sua função, é devida às gestões que a operam desde sempre. Para ele a gestão promovida pelos falantes (in vivo) e a gestão de poder (in vitro) são fundamentais na mudança da língua. Contudo, “é por essa razão que o planejamento linguístico agirá sobre o ambiente, para intervir no peso das línguas, na sua presença simbólica. Mais uma vez, a ação in vitro utiliza os meios da ação in vivo, inspira- se nela, mesmo que dela se diferencie ligeiramente” (CALVET, 2007, p. 73). Lembremos que a inclusão e/ou exclusão, sob a perspectiva das políticas linguísticas, são provenientes das escolhas e/ou divisões que atingem materialmente o uso da língua (GUIMARÃES, 2002; MARIANI, 2011). Desta forma, não podemos negar o caráter político imposto sobre a língua. O planejamento linguístico, no âmbito interno, isto é, o planejamento de corpus, afeta o ensino do português, haja - 21 - vista que as escolhas políticas na língua se tornam evidentes e são concretizadas. Nesse caso, [...] as diferentes políticas oficiais de ensino (sobretudo as de âmbito federal) vêm gerando um acervo cada vez mais volumoso de reflexões teóricas, consubstanciadas em documentos da mais diversa natureza (leis, paramentos curriculares, diretrizes, matizes curriculares, princípios e critérios para avaliação de livros didáticos, etc.). (BAGNO; RANGEL, 2005, p. 64, grifos dos autores). Aliado ao debate dos autores sobre a politização do ensino da língua, estão os programas de avaliação, seleção e distribuição de expedientes didáticos às escolas públicas brasileiras. Por isso as intervenções que afetam a língua, seja na sua função ou no uso, incidem este capítulo uma vez que elas são materializadas ou aplicadas, primeiramente, na escola. Tratam-se de instrumentos, principalmente oficiais, que regulam a sua aplicação que, por vezes, é coercitiva e conflitante. O conflito é inevitável às escolhas, porquanto o político é da ordem do conflito (MARIANI, 2011), fato observado na realidade linguística imposta ao aluno pela escola e à realidade linguística comum, ao seu grupo de pertença, uma vez que toda língua normalizada por uma das suas normas tende a ser vista, apenas, sob a perspectiva do padrão, apesar que ambas são regidas por um mesmo sistema. Mas a incoerência está no ensino sem a menor pretensão de - 22 - adequação linguística, bem como o distanciamento entre as intervenções in vivo (falante) e in vitro (poder), conforme apontado por Calvet (2007). Em todo caso,é notável, no Brasil, reflexões e ações interventivas que afetam a linguagem, isto é, o uso do português no Brasil e suas variedades, porém essas abordagens emergem dos estudos linguísticos (SAVEDRA; LAGARES, 2012). Na maioria desses estudos o foco principal é o planejamento de corpus, ou seja, o uso da língua no âmbito nacional, bem como as consequências da normatização dela para o ensino. E uma dessas consequências é o próprio preconceito linguístico que há muito tempo se traduz na dicotomia certo/errado. E ao que Faraco (2011) prefere chamar de norma curta. Sem sombra de dúvidas, o preconceito linguístico é uma das consequências que acometem aqueles que não estão no ciclo da norma padronizada. E percebemos, mais uma vez, que o processo de normatização de uma língua é fruto de algum planejamento linguístico, cujo intuito nem sempre oferece ao usuário um retorno positivo ao impactar o seu cotidiano. Em todo caso, as intervenções na língua são pautadas sempre no uso, embora a gestão in vitro queira se distanciar do uso real (CALVET, 2007) dessa língua. Nesse sentido, [...] um capítulo marcante na história política da língua portuguesa no Brasil, e na reflexão sobre os limites da intervenção na realidade dinâmica da - 23 - linguagem por parte dos poderes públicos, foi a apresentação no congresso do projeto de lei 1676/1999, do deputado Aldo Rebelo, sobre “a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa”. Esse projeto, que pretendia, entre outras coisas, punir o uso de estrangeirismos no Brasil, provocou uma reação imediata da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) e uma série de reflexões sobre políticas linguísticas, norma-padrão e estrangeirismos. (SAVEDRA; LAGARES, 2012, p. 18). É possível perceber que a ação perpetrada pelo poder tem como base o uso da LP, porém este uso deve ser regido por ações oficiais que regulam o modo como a língua deve ser praticada. Mas é verificável que as reações provocadas por tal ação oficial resultam em atuações não normativas que influenciam, de igual modo, no uso dessa língua no Brasil. Em outras palavras, a gestão in vitro se baseia sempre na gestão in vivo, porém seguem caminhos inversos. É preciso ter em atenção que qualquer intervenção na língua, seja para regular o seu uso, defender a valoração da sua utilização ou determinar a sua funcionalidade, afeta a liberdade de uso de seus falantes. Lembrando que os membros do poder também são usuários dessa língua e, por isso, optam por este ou aquele modelo, pois o Estado é resultado de uma ideia ideológica, cuja intenção é a unificação e esta se torna negativa quando passa a excluir uns para incluir outros sem que haja uma conscientização deste ou daquele uso. - 24 - A questão da diversidade linguística é um tema caro aos estudos das políticas linguísticas, porque o poder sempre a vê como sinônimo de desvio. Fator esse que leva qualquer plano de unificação ao fracasso. Assim, a variação linguística é um fenômeno inerente a qualquer língua (BAGNO, 2011; LABOV, 2008), por isso as mudanças na língua sofrem intervenções de todos os lados, uma vez que por mais que o seu uso seja regulado oficialmente, a sua aplicação pode ou não ser aceita pelos usuários da língua. Exemplo disso é que ninguém fala o tempo todo a norma de prestígio, isso justifica que as situações cotidianas exigem de nós uma postura linguística adequada ao momento. Nesta perspectiva, o que temos tentando objetivar nesta seção centra-se na ideia de que o termo política linguística deve ser entendido por dois vieses: o singular e o plural, visto que as ações que o envolvem não dizem respeito a uma única política linguística, mas a várias políticas linguísticas. As políticas linguísticas, como a arte de conduzir reflexões em torno da língua, como bem afirma Rajagopalan, (2013), são também intervencionistas, porque visam tanto aos debates, às reflexões e às discussões em torno da língua quanto à mudança de uma determinada situação linguística. O que nos revela que as intervenções podem ser positivas ou negativas, uma vez que os decisores e/ou intervencionistas são o Estado e os próprios falantes. Aqueles determinam, por meio de leis e decretos, o que deve ou não deve ser usado na língua, bem como o status que a ela deve ser - 25 - conferido, e estes atuam fazendo escolhas conscientes ou não do seu uso. Na seção a seguir, as ponderações prosseguem abordando alguns instrumentos normatizadores da língua: o livro didático e o dicionário, expedientes resultantes das atividades das políticas linguísticas. Dicionários escolares: expedientes didáticos normatizadores da variante padrão No campo da educação básica temos avançado o suficiente para equiparmos as escolas com expedientes didáticos constituídos a partir de muitos esforços de educadores, pesquisadores e produtores de saberes e estratégias de ensino de LP no Brasil. Historicamente pontuam-se marcos que desenham os caminhos em que as políticas linguísticas foram assentadas no intuito de produzir instrumentos de normatização da LP e o ensino de uma variante oficial nas escolas brasileiras. Neste sentido, focaremos nesta seção nas perspectivas apontadas no capítulo anterior sobre políticas linguísticas in-vitro, caracterizadas por normas instituídas pelos poderes públicos para a padronização do falar, impostas aos falantes nos expedientes didáticos, resultantes de programas organizados pelo governo e designados ao ensino da LP nas escolas públicas. O dicionário e a gramática são instrumentos resultantes das ações que constituem as políticas linguísticas (BAGNO, 2011). Estas regulam o funcionamento da língua e aqueles descrevem o uso da língua, mas nem sempre foi uma descrição com foco na iteração - 26 - verbal. O que é, hoje, uma notável mudança, ainda que não simboliza uma prática geral, não sendo, ainda, capaz de atingir todas as camadas da sociedade. A criação de um dicionário, por exemplo, que apresenta o fenômeno da variação é importante, principalmente, no âmbito escolar. Os principais instrumentos elaborados pelas políticas linguísticas para o aprendizado artificial da língua, como a gramática, os LDs e os dicionários atendem às demandas de ensino da língua padrão, em oposição ao aprendizado natural da língua. De acordo com Rey-Debove (1984), o ensino sistematizado da língua padrão ocorre no ambiente institucionalizado, diferentemente do ambiente da aquisição da língua materna, promovida naturalmente no ambiente familiar, sem o auxílio de materiais didáticos institucionalizados. No grupo de expedientes listados anteriormente, ressalta-se o dicionário como o modelo de obra mais antiga e tradicional, a tratar do léxico, no intuito de reforçar e perpetuar os modelos definidos como corretos a serem seguidos pela comunidade linguística a que refrata. Dada a impossibilidade de apenas um dicionário abarcar todos as informações lexicais de alguma língua, tornou-se necessária a elaboração de diferentes obras lexicográficas para públicos de variados setores da sociedade, como estudante, profissionais da saúde, historiadores etc. Atualmente há muitos tipos de dicionários produzidos para diferentes públicos, podemos citar o dicionário padrão da língua, o dicionário ideológico ou analógico, o dicionário - 27 - histórico, o dicionário especial, o dicionário especializado e o dicionário escolar. Cada dicionário tem suas características próprias e atendem a propostas lexicográficas distintas, as quais levam em conta aspectos da macroestrura e microestrutura das obras, portanto, estão relacionados, respectivamente, à nomenclatura, ou ao modo que o conjunto de entradas está organizado no dicionário, por exemplo se está em ordem alfabética ou ordenado por temas, ao número de palavras-entrada que a obra terá; e ao conjuntode informações que compõem cada palavra-entrada (RIBEIRO, 2018, p. 39). Os aspectos observados na macro e microestrutura dos dicionários configuram políticas linguísticas específicas relacionadas tanto ao conteúdo e/ou escopo lexical que será contemplado como também às metodologias de trabalho e o público que utilizará a obra. Neste sentido, Não é exagero afirmar que a política geral empreendida por qualquer poder de qualquer Estado ou sociedade inclui sempre uma determinada política linguística. Seja por ação ou por omissão, por vontade consciente ou por inércia inconsciente, todos os poderes políticos executam políticas linguísticas que favorecem determinada língua (ou uma variedade específica dessa língua) no seio da comunidade em que tais poderem atuam” (BAGNO, 2017, p. 350. É salutar ainda destacar que a própria aceitação de uma palavra no dicionário pressupõe políticas de uso, de aceitação social. Sempre - 28 - há o exercício de poder daqueles que conhecem a língua do ponto vista estrutural, semântico e também os impactos que ela causa na sociedade, tanto no sentido positivo, como negativo. Partindo disso, entende-se que a criação de um programa para a avaliação, a seleção e a distribuição gratuita do LD às escolas públicas brasileiras seja de reconhecida importância para o ensino de LP no Brasil, uma vez que o referido expediente é basilar no letramento dos brasileiros. Anteriormente à criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1985, conforme Mantovani (2009, p. 26), marcam nossa história a instituição do Instituto Nacional do Livro (INL), em 1929, o qual legislava sobre o tema; a criação no ano de 1930 do Decreto-lei nº 19.402 de “uma nova Secretaria de Estado e Saúde Pública. Era o início do Ministério da Educação (MEC)”. Ainda neste mesmo período foi estruturada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), responsável pela regulamentação da política do LD. Deste modo, [...] a CNLD tinha como tarefa fazer o controle da adoção dos livros, de forma que estes possibilitassem o desenvolvimento de um espírito de nacionalidade. Esse fato fica claro quando se analisaram os critérios para as avaliações dos livros, que valorizavam muito mais os aspectos político-ideológicos do que os pedagógicos. (WITZEL, 2002, p. 18 apud Mantovani, 2009, p. 28) A pouca qualidade, o fracasso na escolha e a distribuição dos livros receberam, diversas críticas, ocasionando a inauguração do - 29 - PNLD. Contudo, as obras distribuídas, no formato de manuais, com atividades inócuas, para serem realizadas pelos professores nas salas de aulas foram alvo de muitas críticas da imprensa, obrigando o governo a se preocupar mais com o material. Assim, criou-se uma comissão de mestres e doutores para avaliarem as obras de maneira que estivessem alinhadas com as necessidades de ensino e aprendizado dos professores e alunos (RANGEL, 2011). Notadamente, arrolaram muitas discussões e estudos sobre os LDs, favorecendo a inclusão de acervos de dicionários no PNLD/2000 para serem enviados às escolas públicas brasileiras. Embora as obras lexicográficas não fossem adequadas ao público destinado, foi o início da implementação das políticas linguísticas do governo federal no setor de expedientes didáticos. Nas edições do PNLD 2002 e 2004 o MEC adotou-se para a seleção de dicionários o mesmo critério de avaliação realizado com os LDs. Portanto, uma comissão formada por especialistas selecionou as obras que foram incluídas no Guia do Livro Didático. Neste processo, constatou-se que muitas obras lexicográficas consideradas dicionários escolares, não eram apropriadas aos alunos e tratavam-se simplesmente de materiais reduzidos de dicionários gerais (CARVALHO, 2012). Partindo deste contexto, em 2006 o MEC adotou novos métodos de avaliação, organização e distribuição dos dicionários, compondo uma nova política que sistematizaria o chamado PNLD- - 30 - Dicionários, configurado em três acervos, com obras de diferentes autores, com propostas lexicográficas compatíveis ao público do Ensino Fundamental I e II (RANGEL, 2011). Mais tarde, na última distribuição de dicionários, no PNLD de 2012, o público do Ensino Médio também foi contemplado com um acervo de dicionários e ocorreu o amadurecimento do processo de avaliação dos dicionários e na elaboração das obras pelas editoras. De acordo com Ribeiro (2018, p. 74-75), A inclusão de dicionários no PNLD/2006, bem como sua reprodução no PLND/2012 foram ações notáveis e tiveram muitas implicações no mercado editorial. Sabendo dos critérios de avaliação, os editores tiveram que adequar os dicionários às demandas levantadas pelo MEC e elevar a qualidade de seus materiais, o que favoreceu muito não só os alunos das escolas públicas, mas também das escolas particulares. Deste modo, foi possível estabelecer parâmetros que definem quais tipos de dicionários são adequados a cada faixa escolar e, também excluir os títulos que não são. Por outro lado, ao contrário dos avanços do PNLD acerca da disponibilização de dicionários de qualidade às escolas públicas, temos a falta de programas de aperfeiçoamento dos professores para a utilização adequada dos acervos de obras lexicográficas. Estudos referendados por Ribeiro (2018) evidenciam que a falta de conhecimento do professor sobre as Ciências do Léxico, como a - 31 - Lexicografia ou a Lexicologia é um dos motivos do pouco uso dos dicionários nas salas de aulas. De acordo com o autor, Os educadores, os maiores responsáveis pela melhoria das técnicas e metodologias de ensino de LP nas escolas, em geral, não compreendem ainda a variabilidade de serviços que o dicionário oferece aos seus alunos e, de modo particular, aos alunos em processo de ampliação dos conhecimentos linguísticos (RIBEIRO, 2018). Embora o governo tenha desenvolvido ações de avaliação e distribuição das obras lexicográficas na perspectiva de equipar as escolas com expedientes apropriados, o mesmo não aconteceu em relação a estruturação de programas de qualificação dos professores para a exploração adequada dos LDs e dicionários, estruturados a partir de políticas linguísticas, ocasionadas por demandas originadas nas próprias escolas. Nas palavras de Krieger e Rangel (2011, p. 140) o dicionário é pouco aproveitado inclusive nas atividades com o uso do LD, pois elas não propõem aos alunos recorrerem às obras lexicográficas como uma maneira de complementar o aprendizado. Neste sentido, as políticas linguísticas materializadas no PNLD devem ser sistematizadas tendo em vista três aspectos norteadores e fundamentais no processo de ensino de LP no Brasil: os tipos de expedientes didáticos apropriados aos seus respectivos públicos; ao diálogo entre cada tipo de expediente utilizado na realização das atividades; e a metodologia/didática que será praticada nas aulas. - 32 - Pois, conforme verifica-se nas pesquisas consultadas, não se trata apenas de equipar as escolas com livros, são necessárias outras medidas. Para ilustrar algumas das potencialidades do dicionário, destacamos a seguir alguns exemplos de marcas de uso, aspecto destacado em obras lexicográficas do PNLD/2012, distribuídas às escolas públicas brasileiras, que pode ser explorado no ensino de LP nas salas de aula. Marcas de uso nos dicionários escolares – o que elas nos revelam? Nas seções anteriores foram abordadas as políticas linguísticas de implantação do Português no Brasil e vimos também que o dicionário é um expediente didático que compõe as obras avaliadas pelo MEC e são disponibilizados aos alunos nas escolas públicas. Sendo assim, um expediente normatizador da língua e que, por isso, também está embebecido por políticas linguísticas. Nesta seção, trataremos sobre essa obra lexicográfica, observando que a política linguísticaestá até mesmo nas pequenas abreviações que a mesma traz, as quais prometem explicar os contextos de uso do léxico: as marcas de uso. O dicionário descreve e instrumentaliza a língua e é considerado um dos pilares do saber metalinguístico (PONTES, 2012. p. 93 apud AUROUX, 1992, p. 65). Apesar desse utensílio necessário para aprendizagem da língua não ser classificado como LD stricto sensu, Krieger (2006, p. 236) afirma ter o dicionário um grande - 33 - potencial pedagógico “[...] oferecendo-lhes informações sistematizadas sobre o léxico, seus usos e sentidos, bem como sobre o componente gramatical das unidades que o integram”. Ezquerro (2001) acrescenta que o dicionário é uma “ferramenta de ensino”. Em outras palavras, a autora diz ser necessário conhecer e praticar todos os aspectos que um dicionário de língua contém, pois isso permitirá ao aluno, assim como também a todos os usuários da língua, um melhor manejo do léxico4. Nessa perspectiva Rey-Debove (1984) já anunciava a importância do dicionário para a aquisição da língua pelo falante. Citado por Ribeiro (2018), Rey-Debove (1984) afirma que além da gramática, o dicionário é um tipo de obra artificial, metalinguística e descritiva que permite conhecer e aprender uma língua. Dada a importância de conhecer o dicionário e os elementos nele contidos, para a aprendizagem eficaz do léxico de uma língua é preciso acautelar que se trata de uma obra lexicográfica heterogênea, de caráter poliédrico e por isso exige olhares atentos, uma vez que é possível examinar um dicionário sobre várias perspectivas, conforme aconselha Pontes (2012). Para Borba (2003, p. 315) o dicionário deve apresentar e instruir quanto aos diferentes usos da língua, ou em outros termos, 4“[...] conocer y practicar todos estos aspectos permite utilizar el diccionario de una forma más completa y, además, aporta seguridad al alumno porque ahora sí sabe usar esta herramienta que, además, le proporciona una interesante información lingüística” (EZQUERRO, 2001, p. 86). - 34 - deve orientar quanto ao registro do léxico de uma língua, considerando os “[...] diferentes registros utilizados pelas pessoas nas diferentes situações da vida social” e as variações lexicais que existem tanto relacionadas ao espaço geográfico quanto social. Hausmann & Wiegand (1989, p. 341) apud (Welker, 2004, p. 108) listam informações importantes que podem aparecer nos dicionários e dentre elas nota-se as marcas de uso. Elas então compõem a microestrutura de um dicionário. Já incorporada na produção lexicográfica moderna, as marcas de uso aparecem nos dicionários de língua há algum tempo, sobretudo nos dicionários escolares, registradas de forma adequada ou não, revela Pontes (2011). Borba (2003) também diz sobre as marcas de uso nos dicionários e as chama pelo nome de “rótulos”. Adverte Fajardo (1996-1997) que apesar de algumas marcações serem representadas por abreviaturas, nem toda abreviação que antecede a definição, no verbete de um dicionário, caracteriza-se como uma marca de uso. Para tal, é necessário que a marcação contenha informações concretas sobre em que condições podem ser utilizadas determinada unidade lexical, bem como as suas restrições5. 5“La marcación cumple una función fundamental: caracterizar a un elemento léxico señalando sus restricciones y condiciones de uso y tiene su expresión en el empleo de distintos tipos de marcas”. (FAJARDO, 1996-1997, p. 32). - 35 - Não se pode dizer que a indicação gramatical contida no verbete após o lema seja um tipo de marca de uso, uma vez que está fora do conceito de marca tudo o que é regular e constante no dicionário. Destarte: “Queda fuera del concepto de marcación todo lo que es regular y constante en cada uno de los artículos del diccionario” (FAJARDO, 1996-1997, p. 49). Destaca Hausmann (1977, p. 112-143) apud Welker (2004, p. 131) que a metalexicografia propõe a divisão das marcas mediante aos seguintes adjetivos, sendo um total de onze: diacrônicas; diatópicas; diaintegrativas; diamediais; diastrásticas; diafásicas; diatextuais; diatécnicas; diafrequentes; diaevolutivas e dianormativas, conforme explica a seguir: diacrônicas (por exemplo, antiquado, envelhecido, neologismo) diatópicas (aplicadas a acepções restritas a certas regiões ou países) diaintegrativas (usadas para assinalar estrangeirismos) diamediais (diferenciam entre as linguagens oral e escrita) diastráticas (por exemplo, chulo, familiar, coloquial, elevado) diafásicas (diferenciam entre as linguagens formal e informal) diatextuais (assinalam que o lexema – ou acepção – é restrito a determinado gênero textual; por exemplo, poético, literário, jornalístico) diatécnicas (informam que a acepção pertence a uma linguagem técnica, a um tecnoleto) diafreqüentes (em geral: raro, muito raro) - 36 - diaevaluativas (mostram que o falante, ao usar o lexema, revela certa atitude; por exemplo, pejorativo, eufemismo) dianormativas (indicam que o uso de certa acepção – ou lexema – é errado pelas normas da língua padrão). (HAUSMANN, 1977, p. 112-143 apud WELKER, 2004, p. 131). No tocante ao registro das marcas de uso, há unanimidade entre os lexicógrafos ou aqueles que se ocupam do “fazer dicionário” de que é um árduo e difícil trabalho. Sobre este tema Borba (2003, p. 315) ressalta que abranger os diferentes usos da língua e apontar no dicionário, assegurando ao leitor a forma correta de utilização, seria “[...] tarefa complicada e feita de forma muito irregular em nossos dicionários”. É por isso que vários autores, como Gonçalves (2015) e Ribeiro (2018) reforçam a importância de o lexicógrafo estabelecer critérios claros, definidos e sistemáticos para padronizar as informações do dicionário, a fim de favorecer a consulta à obra pelo consulente. O profissional da lexicografia deve ao fazer isso, apresentar logo na introdução do dicionário, nas partes pré-textuais, a proposta lexicográfica adotada. Gonçalves (2015, p. 78) corrobora ainda ao dizer que “Para nós, o lexicógrafo, deve esclarecer ao usuário o que são as marcas de uso, qual é o seu papel, qual o critério adotado para o seu registro e, com base em exemplos, contextualizar essas marcas[...]”. Com o propósito de refletir acerca de os conceitos acima apresentados, avaliaremos o verbete da palavra-entrada abacaxi - 37 - contido nas obras lexicográficas aprovadas no PNLD-Dicionários/2012, do tipo 4, destinadas aos alunos na etapa do Ensino Médio. Sublinhamos que a escolha do lexema em questão, abacaxi, foi feita de forma aleatória e na intenção de exemplificar alguns pontos discutidos até aqui. Destacamos que os verbetes a seguir foram transcritos das obras lexicográficas pesquisadas, procurando aproximar a formatação da cor da fonte, negrito, itálico ao que está contido nos dicionários. Na Tabela 1, encontramos a abreviação de Fig. e Pop. referindo-se a “Figurado” e “Popular”. Além dessas marcas, no Guia de Uso do dicionário em questão também são constatadas outras, a saber: antigo; antiquado, familiar, gíria, infantil, irônico, jocoso, pejorativo, popular, tabuísmo e vulgar. Todas essas estão sob o “rótulo” de “Níveis de Linguagem”. Tabela 1 - Verbete abacaxi no Dicionário da Língua Portuguesa Evanildo Bechara abacaxi (a.ba.ca.xi) sm. 1 Fruto comestível do abacaxizeiro, de casca grossa e cheia de espinhos. 2 Fig. Pop. Tarefa difícil. O chefe só lhe passa abacaxis. [Do tupi] Fonte: Bechara (2011) adaptado por Arruda (2020) Na sequência passemos para a análise do léxico abacaxi no Dicionário Houaiss Conciso, Tabela 2. Nesse, há abreviatura “infrm.”, referindo-se à marcação de linguagem informal. Essa obra ainda registra na sua proposta lexicográfica outras marcações de uso tais como: linguagem formal (frm.); gíria (gír.); tabuísmos, expressões- 38 - consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas (gros.); linguagem pejorativa (pej.); palavra, locução ou acepção jocosa (joc.) e linguagem infantil (l. inf.), e dá a eles o nome de “Níveis de Uso”. Tabela 2 - Verbete abacaxi no Dicionário Houaiss Conciso a.ba.ca.xi s.m. 1 planta terrestre da fam. Das bromeliáceas, nativa do Brasil, que traz uma coroa de folhas com beirada espinhosa sobre seus frutos comestíveis, que chegam a 15 cm 2 o fruto dessa planta 3 fig. infrm. Problema, complicação [ETIM: tupi *ïwaka’ti’ fruta que recende’] Fonte: Instituto Antonio Houaiss (2011), adaptado por Arruda (2020) No dicionário da Unesp, Tabela 3, encontramos o registro da abreviação “Coloq” para referir-se à Coloquial. O dicionário expõe também em outros verbetes marcações de uso sob o rótulo “chulo”, “grosseiro”, “popular”, “gíria”, conforme está apontado na proposta lexicográfica desse dicionário E, além disso, assinala que as variantes com baixa frequência são identificadas com as expressões: “mais usado do que”, “pouco usado” ou “muito pouco usado”. Tabela 3 - Verbete abacaxi no Dicionário Unesp do Português Contemporâneo ABACAXI a.ba.ca.xi (Tupi) Sm 1 infrutescência composta por bagas carnosas grudadas umas às outras formando uma polpa branca ou amarelada, aromática e suculenta, envolvida por uma casca grossa de sulcos simétricos e em forma cônica ou arredondada e curta, terminando por uma coroa espinhosa 2 abacaxizeiro: Feriu-se numa folha de abacaxi. 3 (Coloq) tudo o que é indesejável e perigoso; coisa complicada e trabalhosa: O ministro afirmou estar assumindo um abacaxi muito grande. Fonte: Borba (2011), adaptado por Arruda (2020) - 39 - Por fim, no Novíssimo Aulete, Tabela 4, há marcação com o uso de abreviações Pop; Fig, Pej e Gír., pertencentes ao grupo “Níveis de Uso”, e referindo-se à popular; figurado; pejorativo e gíria. Além dessa, na introdução da obra são elencadas outras marcas empregadas nesse dicionário, em outros verbetes, para referir-se às seguintes situações: antigo; antiquado, depreciativo, desusado, familiar, infantil, irônico, jocoso, por extensão, pouco usado, coloquial, restrito, tabuísmo e vulgar. Figura 4 - Verbete abacaxi no Novíssimo Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa abacaxi (a.ba.ca.xi) Bras. sm 1 Planta bromeliácea (Ananas comosus), nativa do Brasil, de casca grossa e espinhenta e fruto muito suculento 2 O fruto dessa planta; ANANÁS (2) 3 Pop. Situação ou coisa que encerram complicações ou que podem trazer efeitos desastrosos: resolver um abacaxi. 4 Fig. Pej. Alcunha que se dava depreciativamente aos portugueses 5 Coisa ou pessoa chata, desagradável 6 PE AL Pessoa que dança desajeitadamente [F.: Do tupi iwaka’ti.] Descascar um ~ Bras. Gír. Resolver problema ou enfrentar situação difícil ou desagradável Fonte: Aulete (2011), adaptado por Arruda (2020) Na tabela abaixo podemos visualizar de forma evidente as marcas de uso empregadas no verbete da palavra-entrada abacaxi nas obras lexicográficas em questão. Tabela 1 - Marcas de uso no verbete abacaxi nos dicionários aprovados pelo PNLD 2012 Nome do Dicionário Marca usada Acepção Dicionário da Língua Portuguesa Evanildo Bechara Fig. Pop. Tarefa Difícil - 40 - Dicionário Houaiss Conciso infrm. problema, complicação Dicionário Unesp do Português Contemporâneo Coloq tudo o que é indesejável e perigoso; coisa complicada e trabalhosa: O ministro afirmou estar assumindo um abacaxi muito grande. Novíssimo Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Pop. Situação ou coisa que encerram complicações ou que podem trazer efeitos desastrosos: resolver um abacaxi. Fig. Pej. Alcunha que se dava depreciativamente aos portugueses. Gír. Resolver problema ou enfrentar situação difícil ou desagradável Fonte: elaboração própria Para referir-se ao uso com o sentido de “ser complicado, difícil”, foram encontradas cinco marcas: Tabelado (Fig); Popular (Pop. ); Informal (infrm.); Coloquial (Coloq); Gíria (Gír.). Mas ainda encontramos abacaxi com a marca de Pejorativo (Pej.), quando utilizado para apelidar os portugueses. Com isso novamente comprovamos a irregularidade na marcação conforme já havia sido adiantado pelos vários autores revisitados nesse trabalho. Retomando a classificação proposta Hausmann (1977), observamos que nesse verbete analisado, estamos diante de marcas de uso diafásicas, diastrática e diaevaluativas. Assim, entendemos que as marcas Tabelado (Fig.); Popular (Pop. ); Informal (infrm.) e Gíria (Gír.) se enquadrariam em marcas diafásicas; Coloquial (Coloq) em marcas do tipo diastrática e por fim Pejorativo (Pej.) no grupo das marcas diaevaluativas. - 41 - Nesta seção foi possível verificar que as marcas de uso utilizadas pelos dicionaristas/lexicográficos em suas obras objetivam retratar a língua em exercício, uma vez que para a elaboração de um arranjo lexical tão vasto, é necessário ao pesquisar, contabilizar e analisar os modos e contextos de uso do léxico da língua. E, assim, não somente assinalando as diversas acepções existentes para um mesmo lexema, mas referindo-se ao uso que a população faz da língua. Por isso, encontramos as marcações tais como: informal, pejorativo, gíria, chulo, dentre tantas outras citadas anteriormente. Estamos diante de uma situação desconfortável ao entender que o que não é considerado como variante padrão da língua, é rotulado com uma marca de uso, que diz em que situação determinada acepção é utilizada. E, assim, ilustram explicitamente que o “não marcado” é considerado o modelo ideal a ser usado e que o “marcado” é inadequado no uso da língua. Isto posto, ainda observando os verbetes em questão, é notório que as acepções não marcadas são apresentadas em primeiro plano. Somente após isso, são introduzidas aquelas que escapam à normatização e refletem também o uso da língua pelos falantes. Logo, acerca do verbete de palavra-entrada abacaxi, entende-se que “abacaxi” para se referir a uma situação difícil, complicada, problemática só se deve utilizar em situações de informalidade. Assim sendo, as marcas de uso podem ser vistas como um distintivo de classes sociais ou de pessoas pertencentes a lugares - 42 - classificados entre bons ou ruins, uma vez que as variantes do modelo são adjetivadas com palavras depreciativas, como chulo, pejorativo, coloquial, popular, gíria etc. De acordo com Bagno (2017, p. 270), De fato, prevalece na maioria das sociedades uma oposição entre elementos que constituem pares onde um deles é tido como a norma (o não marcado), enquanto o outro se situa fora da norma (o marcado, o anormal). Assim, em pares como homem/mulher, branco/não branco, vidente/cego, ouvinte/surdo, heterossexual/homossexual, destro/canhoto, fértil/infértil [...], a estrutura social vigente tende a fazer considerar o primeiro elemento de cada um desses pares como o “neutro”, o “óbvio”, o “normal”, o “natural”. (Grifos do autor) Destarte, marcar variantes com adjetivos depreciativos é o mesmo que atribuir qualidades negativas aos seus falantes e ainda exercer sobre eles políticas linguísticas de restrição e de poder. Partindo disso, o que parece estar explícito, no sentido de marcar os usos, expor as variantes da LP, demonstra que implicitamente ocorre a estratificação social/linguística por meio dos equipamentos da língua, ou seja, a escrita materializada nos dicionários. Considerações Finais Compreendemos que os dicionários escolares, assim como todos os expedientes didáticos normatizadores da língua padrão, não são livres/isentos de um posicionamento político, ideológico. Pelo - 43 - contrário, visam reforçar posicionamentos preconceituosos sem levar em consideração a fertilidade da língua e a diversidade cultural daqueles que a falam. E, por isso, enquantoaparelho do Estado para impor a política da língua, o dicionário passou a ser um material avaliado pelo Ministério da Educação e posteriormente disponibilizado aos estudantes da língua. Haja vista que era necessário analisar o que essas obras diziam da língua e principalmente os seus usos. Vimos, portanto, nesse estudo que um dicionário escolar serve muito mais do que se espera a maior parte dos estudantes e/ou consulentes e a ele recorrem para consultas. É capaz de ser instrumento para difundir as políticas linguísticas de um país, e assim, preferenciar formas de uso de determinado léxico em detrimento de outros, de acordo, com àquilo que o poder define como forma “certa” de uso da língua. As marcas de uso deveriam ser destaques que apresentassem de modo positivo as comunidades que adotam estas ou aquelas variantes, de maneira que os dicionários expusessem a diversidade linguística presente no Brasil e valorizassem a cultura de seus falantes. Tendo em vista a variedade cultural, social geográfica neste país, é impossível que todos estes fatores não impliquem em uma rica variedade linguística também, seja na criação de novas palavras, na atribuição de novos significados a elas ou nos seus usos. - 44 - Em suma, as ações que regulamentam o uso da língua e o seu registro em instrumentos normatizadores, por exemplo os dicionários, são escolhas políticas influenciadas pela gestão in vitro cuja base é a gestão in vivo. Não podemos negar que os falantes, principalmente, decidem pelo uso real da língua, embora as decisões normativas se traduzem em imposições, muitas vezes, desnecessárias à realidade dos falantes. - 45 - Referências BAGNO, M. Dicionário Crítico de Sociolinguística. 1. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2017. BAGNO, M. Dicionários, variação linguística e ensino. In: CARVALHO, Orlene Lúcia de Sabóia; BAGNO, Marcos (org.). Dicionários escolares: políticas, formas e usos. 2011. BORBA, F. S. 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Dicionários escolares: utilização nas escolas. São Paulo: Paco Editorial, 2018. SAVEDRA, M. M. G.; LAGARES, X. C. Política e planificação linguística: conceitos, terminologias e intervenções no Brasil. Gragoatá, v. 17, n. 32, 2012. WELKER, H. A. Dicionários – uma pequena introdução à lexicografia. 2. Ed. revista e ampliada. Brasília: Thesaurus, 2004. Disponível em: https://filologiauefs.files.wordpress.com/2019/03/ welker_-herbert- dicionarios_uma_pequena_introducao-a-lexicografia.pdf. 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Dicionário Unesp do Português Contemporâneo. Curitiba: Piá, 2011. INSTITUTO ANTONIO HOUAISS (org.). Dicionário Houaiss Conciso. São Paulo: Moderna, 2011. - 49 - Culinária, uma relação franco-portuguesa no português do Brasil Jaciara Mesquita Rosa Bertossi6 Introdução Trataremos, neste capítulo, sobre as inter-relações entre língua e cultura, tema bastante recorrente aos estudos lexicais e há muito consensual entre os estudiosos da língua, como Lyons (1981), Bosi (2004), Coseriu (1979) e Câmara Jr. (2004), que ratificam, noinício do século XX, quão importante é conhecer a língua para se entender um povo, seus hábitos e costumes. Nessa perspectiva, os estudos da linguagem relacionam-se com os do campo da antropologia, sociologia, psicologia, filosofia e outros, sendo essenciais para a compreensão dos seres humanos dentro de uma comunidade de fala e tudo o que gira em torno dela: como um povo nomeia o mundo em que vive, quais são seus ritos religiosos e hábitos alimentares, para entendermos a cultura de um povo. Considerada como recorte da realidade, a língua é uma interpretação calcada nas experiências de cada um para compreendê- la. Assim, discutir cultura e, consequentemente, língua, exige enveredar-se pela memória, sem a qual não há raiz. É impossível falar 6 Mestra em Estudos da Linguagem, UFG. - 50 - de cultura sem falar de memória, pois sem ela não há passado; essa capacidade que temos de lembrar e conservar os acontecimentos ocorridos dentro de uma comunidade é o fio condutor da memória de um povo, que a associa a práticas linguístico-culturais. Segundo Halbwachs (2003, p. 30), “nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se tratem de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos”. Essa reminiscência coletiva acontece porque estamos em constante interação com outras pessoas, o que faz a memória poder ser recriada e representar os hábitos culturais de uma comunidade que, por sua vez, são representados na língua que se fala, que se escreve, que se gesticula. Eis o escopo desse estudo: entender língua e cultura como interfaces da vida em sociedade, em relação de interdependência constante. Ao tratar a língua como um sistema abstrato elaborado pela sociedade, Coelho (2006) diz que ela só resiste sob a forma de memória coletiva. Ou seja, a forma como os indivíduos vivem, constroem e nomeiam objetos enquanto sociedade é mantida em um arquivo geral coletivo, que representará a língua em suas formas de expressão fala, escrita, desenhos, gestos. Para situar o corpo linguístico, é importante considerar, além da língua e da fala, a norma, que tem um espaço social e cultural, pois representa o que é usual, regular, costumeiro, regula o nosso comportamento e podemos encontrar a regularidade nessa variante. - 51 - Coseriu (1979, p. 69) nos lembra que essa é “[...] a norma que seguimos necessariamente por sermos membros duma comunidade linguística, e não daquela segundo a qual se reconhece que ‘falamos bem’ ou de maneira exemplar, na mesma comunidade”. Diferentemente do sistema, que limita o nosso arbítrio, é a escolha dos falantes de uma comunidade que provoca mudanças na parole, que contempla a realização individual da norma, contém a originalidade expressiva dos indivíduos falantes e pode, por vezes, ser adotada e até dicionarizada, ou não, e cair em desuso. De acordo com os pressupostos teóricos de Coseriu (1979, p. 75), “[...] o que se emprega no falar não é própria e diretamente o sistema, mas formas sempre novas que no sistema encontram apenas sua condição, seu molde ideal”, ou seja é dizer que as diferentes realizações fonéticas, por exemplo, em grupos mais ou menos amplos, são tratadas como diferenças no modo de falar constantes e normais, não individuais, nem momentâneas, mas que caracterizam certas comunidades profissionais e culturais, ainda que não resultem em mudanças funcionais no sistema da língua, ou seja, não resultem em mudanças gramaticais. Tomemos o caso da influência do idioma francês no português do Brasil, em fins do século XIX e início do XX, a Belle Époque tropical, que ditou aos habitués da elite carioca costumes, hábitos de se vestir, andar, falar, portar-se, bem como o que ler, o que dizer e como fazê- lo. O status de nobreza e a superioridade estavam atrelados a quem - 52 - se arriscava a pronunciar os galicismos, as unidades lexicais originárias da França. Essa era a norma utilizada pela elite carioca, falar o português do Brasil, recheado com francesismos, o que denotava naquele momento, além da notoriedade e superioridade, como já dissemos, a influência europeia no cotidiano carioca. O autor Needell (1987, p. 53) diz que, na educação para meninos e meninas da elite carioca, sob a influência francesa, [...] os professores eram, frequentemente, do Velho Mundo (provavelmente franceses ou influenciados por franceses); os textos eram franceses ou traduzidos do Francês; e a intenção era de que os alunos adquirissem conhecimento da cultura europeia7. Não queremos dizer que existia uma língua diferente falada na capital federal, na época, o Rio de Janeiro; havia um falar carioca burguês com suas diferenças, que afirmavam sua cultura e seus valores. Nas escolas, ensinava-se a norma da cultura letrada portuguesa, mas o idioma francês logo foi ganhando espaço nas escolas dos mais abastados e era uma finesse aprendê-lo. Ao contrário do que muitos puristas como Frei Francisco de São Luís (1766-1845) e Almeida Garret (1799-1854), para citar alguns nomes, pensavam naquela época com a chegada dos francesismos, a 7 Nossa tradução do original: The teachers were often from the Old World (probably French, or French influenced); the texts were often French or translations from the French; and the acknowledged presumption was that the acquisition of European culture was intended (NEEDEL, 1987, p. 53). - 53 - língua portuguesa, ao receber os galicismos, não perdeu sua autenticidade e identidade. Com novas lexias, a língua só se enriqueceu porque houve um aumento em seu acervo lexical. Cabe tratar aqui do conceito de lexia que, segundo Biderman (2001, p. 212), são aquelas palavras que não foram dicionarizadas, que fazem parte, ainda, da parole, “[...] o dicionário como depositário físico do tesouro léxico abstrato da língua atua como arquivo fixador das lexias orais que poderiam morrer facilmente, se não fosse esse arquivo que as recolhe e preserva [...]”. É certo que o uso e a adoção das unidades lexicais estrangeiras mudaram ao longo dos anos: inicialmente, logo se aportuguesavam as unidades lexicais estrangeiras, hoje, há preferência por manter a sua grafia e incluí-las dessa maneira nos dicionários. Na pesquisa sobre os galicismos na Língua Portuguesa do Brasil, que fundamenta este capítulo, tomamos por base dois dicionários como objetos de estudo, uma edição eletrônica da obra brasileira Houaiss (2009) e a edição eletrônica do dicionário monolíngue francês- francês, Le Grand Robert de la Langue Française (2001). Inicialmente, fizemos uma coleta inicial de mais de dois mil itens lexicais dicionarizados, que seriam originários da França. Após outro refinamento, chegamos ao resultado de 1.005 galicismos, sendo 765 empréstimos e 240 estrangeirismos. Esses não nos deixam dúvidas quanto à sua “esquisitice” em relação à língua portuguesa, fazendo-se - 54 - assim, de fácil reconhecimento, já que sua grafia se aplica bem diferente da adotada pelo nosso sistema gráfico. Por um lado, de acordo com Carvalho (1989, p. 44), “[...] um termo estrangeiro perde essa condição quando não é mais percebido como tal. Se ele permanece escrito na sua forma de origem, será sempre sentido como elemento estrangeiro ao sistema linguístico [...]”. Por outro lado, consideraremos como empréstimos as palavras- entrada que sofreram algum tipo de modificação ao serem adotadas pela língua portuguesa e foram, dessa maneira, dicionarizadas. Para Nelly Carvalho (1989), os estrangeirismos fazem parte da parole e os empréstimos da langue, ou seja, para essa autora, todas as unidades lexicais depositadas em nossos dicionários são consideradas empréstimos e os estrangeirismos são aqueles ainda não relacionados nas obras lexicográficas. Mas não é o que nos mostra, porém, o dicionário Houaiss (2009)em seu repertório. Os estrangeirismos estão muito bem representados nessa obra lexicográfica, isto é, já não fazem parte apenas da fala, diante da abordagem teórica de Carvalho (1989), eles também fazem parte da escrita, da língua, pois estão dicionarizados. Em se tratando de uma abordagem lexicográfica, os dados encontrados em Houaiss (2009) nos direcionaram para um cotejo, imprescindível neste estudo, com o dicionário monolíngue Le Grand Robert de la Langue Française (2001), obra que nos permitiu traçar um perfil de como os galicismos registrados no Houaiss se comportam, e - 55 - de como representam a inter-relação entre a língua e a cultura de origem dessas unidades lexicais importadas, no caso, a francesa, com a língua e a cultura tida como importadora, a brasileira. Para dar cabo ao nosso intento, o de inventariar no Houaiss todos os galicismos e estabelecer neles a relação entre língua e cultura, utilizamos alguns procedimentos, como a relação de todos os galicismos no Houaiss (2009), que corresponde à versão integral impressa, de acordo com dados do expediente da referida obra lexicográfica. Todas as unidades lexicais foram organizadas em empréstimos e estrangeirismos; depois, recorremos ao Le Grand Robert de la Langue Française (2001) para verificar se o item lexical registrado como galicismo no Houaiss tem registro no dicionário francês; quando confirmamos o registro, comparamos a definição, observando ampliação ou redução ou total disparidade de significados entre as duas obras; o próximo caminho foi agrupar essas unidades lexicais por rubricas temáticas dos galicismos confirmados em ambas as obras; por fim, de posse dos campos mais recorrentes, estabelecemos a relação entre a língua, em especial os galicismos no português do Brasil, e os matizes que a cultura francesa adquiriu nas terras brasileiras. Produzimos uma leitura que desse conta da inter- relação entre o que os verbetes registram no Houaiss (2009) e o que o Le Grand Robert (2001) registra para o mesmo verbete, na língua de origem. - 56 - Aquisição e influência dos itens lexicais franceses no Português do Brasil O léxico pode ser entendido como o conjunto de unidades lexicais que fazem parte de um determinado sistema linguístico e suas relações. Além disso, consideramos que, em nosso cérebro, existe uma parcela do outro léxico que não é, exatamente, aquele que utilizamos todos os dias. Em determinado contexto de interação comunicativa, também somos expostos a outras unidades lexicais que nos permitem entender o discurso do outro, naquele instante. Segundo Biderman (1987), esse léxico é o passivo e permanece em nosso cérebro por um tempo indeterminado e, quando necessário, o utilizamos para a construção de certos enunciados, quando se torna ativo. Ainda de acordo com a Biderman (1987, p. 83): [...] o cérebro organiza uma estruturação dos itens lexicais de grande funcionalidade para que, em milésimos de segundo, possa recuperar não só o significado de uma palavra, mas também todas as suas características gramaticais e os usos que lhe são adequados conforme o contexto do discurso, o tipo de discurso, a situação momentânea e o registro linguístico requerido pela situação, pelo interlocutor e pelo assunto. A competência lexical do indivíduo se dá a partir dos léxicos ativo e passivo, ambos possibilitam a interação entre os falantes de uma mesma comunidade, sendo que o primeiro compreende os itens lexicais mais utilizados diariamente e o segundo, mesmo que não o - 57 - utilizemos cotidianamente, representa as unidades lexicais armazenadas em nosso cérebro e nos permite entender um vocabulário diferente quando o ouvimos. Portanto, entendemos que qualquer sistema léxico representa a junção das experiências acumuladas e vividas por uma sociedade e do acervo de sua cultura (BIDERMAN, 2001). Os participantes dessa sociedade são os sujeitos-agentes no processo de manutenção e recriação constante do léxico de sua língua e, nesse processo em frequente expansão e dinamicidade, o léxico aumenta, se altera e, às vezes, se contrai, reformulando-se (BIDERMAN, 2001, p. 179). As transformações sociais e culturais têm importância fundamental nesse processo, embora, não sejam percebidas pelos falantes de uma determinada língua, pois ocorrem de forma inconsciente e lenta. Assim, é o galicismo resultado do processo de constante expansão e mudança do léxico de qualquer língua. Os galicismos são apenas um dos muitos exemplos como uma alusão à chegada dos itens lexicais franceses trazidos pela elite carioca, que foi buscar na Belle Époque de Paris, na França, em fins do século XIX e início do XX, modos de viver franceses, de forma a ajudar essa elite a encontrar uma identidade de nobreza, status e elevado nível cultural, importante para os abastados naquele momento, visto que entendiam que lhes teriam restado sobras de outrora na cultura local. Ressalto aqui que essa não é a opinião da autora, visto que uma cultura não deve ser colocada em detrimento à outra, pelo contrário, devem - 58 - ser respeitadas em suas diferenças e idiossincrasias. Assim, não é de se estranhar o grande número de estrangeirismos franceses na língua que se fala e se escreve no Brasil. A criatividade lexical que esse momento instaurou no Português usado no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, demonstra que o sistema linguístico não passa incólume às evoluções e transformações da dinâmica social. A riqueza e a vitalidade do léxico se mostraram nos estrangeirismos, na tentativa de nomear os vários segmentos ou práticas culturais influenciadas pela Belle Époque tropical ou carioca, tais como a culinária, os transportes, o local de trabalho, a habitação, os hábitos e os costumes da época. Percurso etimológico e os campos lexicais Um dos pontos principais neste trabalho, ao analisar os verbetes é, justamente, ater-nos à etimologia indicada, porque vamos relacionar a Língua Portuguesa no Brasil e seus galicismos às suas possíveis influências provenientes da cultura francesa. Para entender as relações de interação da língua e da cultura do Brasil com as de tantos países, atentarmos para o étimo dessas palavras é essencial. Os pontos principais analisados em cada vocábulo nesse trabalho são: • etimologia; • acepção. Quanto à etimologia, trabalharemos com o que Houaiss (2009) traz em cada verbete, se o étimo é apontado como francês ou não e - 59 - se, na maioria das vezes, apresenta a redução “id”, considerando que a palavra foi trazida ao português do Brasil de forma idêntica, e que reconheceremos como estrangeirismo. Esse percurso, no entanto, não nos isenta de dúvidas porque, em muitas ocorrências, não há datações específicas sobre a vinda de tais palavras e quais seriam, realmente, as suas origens. No nosso estudo, em particular, interessa informar se são palavras originárias da França ou não. Vejamos a seguir um exemplo de como Houaiss registra o percurso histórico-etimológico de um item lexical: cabriola s.f. (1668) 1 salto de cabra 2 salto ou saltito ágil, leve, desembaraçado, esp. quando dado por brincadeira ou como manifestação de contentamento, alegria etc. 3 salto ágil ou acrobático em que o corpo se dobra ou vira no ar 3.1 m.q. cambalhota 4 DNÇ salto em que o dançarino, com o corpo em posição oblíqua em relação ao solo, bate com os pés ou calcanhares um de encontro ao outro quando está no ar 5 movimento em que o animal (esp. cavalo) salta com as quatro patas no ar e o corpo em posição horizontal, desferindo um coice violento 6 fig. mudança, súbita e perceptível ou significativa, de opinião ou atitude, esp. em política 7 p. ext. mudança repentina de uma situação; reviravolta, esp. no terreno político 7.1 golpe de Estado, revolução 8 fig. m.q. cabra (‘mulher lasciva’) ETIM fr. cabriole ‘salto
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