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Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 1ª edição 2017 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 4 3 Unidade de estudo 4 Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos: família, pessoas e animais domésticos Para iniciar seus estudos Caro(a) aluno (a), iniciaremos agora o estudo da Unidade 4 do curso de Libras! O tema abordado neste momento é “Fonologia da Língua de Sinais Brasileira”, mas você também conhecerá os sinais relativos à família, às pessoas e aos animais domésticos. Acredito que você deseja aprender um pouco mais sobre os aspectos fonológicos da Libras. Como já dito nas unidades anteriores, a Libras também tem sua própria gramática e é isso que você vai ver nesta unidade! O objetivo é que você reconheça o processamento linguístico e os parâmetros que fundamentam a Língua Brasileira de Sinais. Conhecer a fonologia da Língua Brasileira de Sinais vai propiciar a você a clara percepção de como o sinal é produzido, ou seja, identificar as unidades mínimas que formam os sinais e, assim, descobrir como ela é rica, expressiva e verdadeira. Bons estudos! Objetivos de Aprendizagem • Reconhecer o processamento linguístico e os parâmetros que fundamentam as línguas de sinais. 4 4 • Conhecer como sinalizar pessoas, familiares e animais domésti- cos. Tópicos de estudo: 4. Processamento linguístico em crianças surdas 4.1. Aspectos linguísticos das línguas de sinais 4.2. Níveis fonológicos e morfológicos das línguas de sinais 4.3. Língua e/ou linguagem? 4.3.1. Libras: mitos e preconceitos 4.3.2. Datilologia e soletração rítmica 4.4. Organização fonológica da Libras 4.5 Sinais de LIBRAS: família, pessoas e animais domésticos 5 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos 4. Processamento linguístico em crianças surdas Para entender o processamento linguístico na criança surda, é necessário, primeiro, reconhecer como esse pro- cessamento ocorre nas crianças ouvintes. Pois bem, vamos lá! A criança ouvinte aprende a ler por decodificação grafofonêmica, já que o alfabeto foi feito para transcrever os sons da fala (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2001). Isso indica que a escrita alfabética do português é basicamente fundamentada na oralidade, assim, a criança escuta e escreve os grafemas e fonemas da sua língua, ou seja, ela faz a correspondência direta entre eles e consegue transformar o texto em fala. Para as crianças, as letras ativam em sua memória auditiva os sons das palavras. Dessa maneira, a escrita alfabética favorece o pensamento da criança ouvinte e o seu desenvolvimento da leitura e da escrita. Do jeito que elas pensam, comunicam-se, pois possuem um vasto vocabulário adquirido pelo que já ouviram várias vezes e pelo que ouvem constantemente, e, desse modo, a leitura se torna um estimulador para a ampliação de seu vocabulário e conhecimento de mundo. Grafema (letra) é unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabética, corresponde às letras (e também a outros sinais distintivos, como o hífen, o til, os sinais de pontuação, os números etc.), e, na escrita ideográfica, corresponde aos ideogramas. Leia o texto “Compre- endendo o processamento do código alfabético: Como entender os erros de leitura e escrita das crianças surdas”, indicado na bibliografia no final desta unidade. Você se lembra de quando era criança e desconhecia algumas palavras? Então, foi ouvindo, lendo e escrevendo que incorporou em seu cotidiano as letras, as palavras e seus significados, de maneira tão natural, que nem se deu conta desse processamento, não é mesmo? E nas crianças surdas? Como ocorre esse processo? Já que elas não ouvem, como é que aprendem a ler, a escrever e a falar “com as mãos”? Como o código alfabético registra os sons da fala a qual o Surdo não tem acesso, e não a forma do sinal com que ele pensa e se comunica, esse código é incapaz de falar à mente do Surdo como fala à mente do ouvinte. Ele é incapaz de evocar direta e naturalmente o pensamento do Surdo simplesmente porque, no Surdo, o pensamento se dá em sinais. Como a mecânica do código só é capaz de produzir a fala interna, mas não a sinalização interna, a escrita acaba consistindo, para o Surdo, num agregado complexo e mudo de traços visuais, cuja relação arbitrária com as coisas precisa ser aprendida por memorização descontextualizada e artificial. (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2001, p.1.498). Ainda segundo Capovilla e Capovilla (2001), o Surdo faz uso de um recurso alternativo para memorizar, ou seja, ele faz a leitura pela análise dos morfemas, que são as menores unidades de significado de que se compõem as palavras. Por exemplo, para o Surdo, a palavra “casa” é bem visual quando associada ao sinal, então, dessa lem- brança, ele associa os derivados. Observando o radical casa, ele ligará, com algum esforço, ao que representam as palavras: casarão – casinha – casebre – casamento – casado. Dessa forma, percebe-se uma inadequação na apropriação e no uso do código alfabético para instruir os Surdos, o que reforça a ideia de que o desenvolvimento de uma escrita visual direta de sinais seria a melhor maneira de ativar o pensamento do Surdo, da mesma forma que a escrita alfabética rememora o pensamento do ouvinte. Mas esse é um assunto que será abordado mais adiante. 6 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Fonologia é a ciência que estuda os sistemas de fonemas de uma língua ou das línguas em geral. A fonética estuda e classifica os elementos mínimos da linguagem articulada. E, por fim, a palavra Morfema deriva de um termo grego que significa forma. Os morfemas são as unidades mínimas de significado. Glossário Figura 4.1 – Alfabetização Legenda: Alfabetização. Fonte: ID da imagem: 50521666 4.1. Aspectos linguísticos das línguas de sinais Nas línguas de sinais, a fonética e a fonologia observam como o sinal é formado, analisam as unidades mínimas que formam os sinais e sua composição. Já a morfologia das línguas de sinais, que é o estudo da forma, da confi- guração, do aspecto externo, examina a estrutura interna e as regras de formação dos sinais. De acordo com Karnopp e Quadros (2004), a fonética e a fonologia são áreas correlacionadas, uma vez que estu- dam o mesmo elemento, mas de pontos de vista distintos: A principal preocupação da fonética é descrever as unidades mínimas dos sinais. A fonética des- creve as propriedades físicas, articulatórias e perceptivas de configuração e orientação de mão, movimento, locação, expressão corporal e facial. [...] A fonologia estuda as diferenças percebidas e produzidas relacionadas com as diferenças de significado. (KARNOPP; QUADROS, 2004, p. 81-82, grifo dos autores). 7 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos As primeiras pesquisas em relação às línguas de sinais ocorreram por volta dos anos de 1960 e 1970, por meio dos trabalhos realizados pelo linguista Stokoe, nos Estados Unidos, quando ele procurava analisar a estrutura da Língua de Sinais Americana (ASL). Em decorrência de suas pesquisas, ficou evidente que as línguas de sinais se constituem por elementos menores, que sozinhos não têm significado. Inicialmente, foram observados apenas três parâmetros nas línguas de sinais: a configuração das mãos, a locação das mãos e o movimento das mãos. Contudo, agora já avançamos, e outros parâmetros foram agregados, os quais serão detalhados ao longo desta unidade de estudo. William C. Stokoe (1919-2000) foi um linguista que, enquanto atuou como professor na Universidade Gallaudet (primeira universidade só para Surdos), pesquisou exaustivamente a American Sign Language (ASL - Língua de Sinais Americana). Também publicou obras, como a “Estrutura da Língua de Sinais”, e foi coautor de “Um Dicionário de Língua de Sinais Americana sobre Princípios Linguísticos” (1965), acontecimentos que impulsionaram novos estudos a respeito daASL, assegurando que ela é uma língua natural e possui sintaxe e gra- mática, como qualquer outra língua falada. Para saber mais sobre a única Universidade, no mundo, para Surdos, acesse: <http://www.gallaudet.edu/>. Na década de 1960 foi conferido à língua de sinais o status de uma verdadeira língua, no entanto, até hoje ainda persiste o desconhecimento em torno da legitimidade da Língua Brasileira de Sinais, e esse tema precisa ser amplamente debatido em palestras, congressos, seminários, universidades, escolas, cursos etc., para afirmar que Libras é uma língua. Para começar a discutir a Libras, inicialmente, é importante elucidar uma dúvida do senso comum: a língua de sinais é universal? Não, não é! Cada país tem sua língua oral e sua língua de sinais. E, ainda, é importante ressaltar que, embora algumas línguas tenham tido origem a partir de outras línguas, como no caso da Libras que tem suas origens na Língua Francesa de Sinais (Langue des Signes Française ou LSF), de acordo com Gesser (2009, p. 11), “[...] alguns fatores favorecem a diversificação e a mudança da língua dentro de uma comunidade linguística, como por exemplo, a extensão e a descontinuidade territorial, além dos contatos com outras línguas”. Em seu livro “Libras que língua é essa?”, Gesser (2009) exemplifica o sinal “mãe” nas línguas de sinais espanhola, japonesa, australiana e americana, conforme a figura a seguir, para exemplificar o fato de cada país ter sua pró- pria língua de sinais. Figura 4.2 – Sinal de “mãe” em quatro línguas de sinais 8 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Legenda: Sinal de “mãe” em quatro línguas de sinais. Fonte: <http://www.ufsj.edu.br/incluir/material_didatico.php>. Contudo, existem línguas consideradas “artificiais”, por terem suas origens estabelecidas por pequenos grupos e com objetivo específico, como é o caso do Gestuno e do Esperanto, as quais têm como propósito sustentar uma comunicação internacional. De acordo com Gesser (2009), a origem da palavra Gestuno é italiana e denota a ideia de “unidade em língua de sinais”, sendo citada pela primeira vez no ano de 1951, no Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos (World Federation of the Deaf – WDF). O Gestuno, também conhecido como uma língua de sinal internacional é uma língua de sinal artificial, pois tem como função auxiliar a comunicação dos surdos pelo mundo. Ela se constitui como um sistema padronizado de sinais internacionais, tendo como critério a preferência de sinais mais acessíveis entre as diversas línguas. O Gestuno é utilizado em conferências e congressos internacionais, por companhias de teatro Surdo e também em viagens internacionais, entre surdos de diferentes línguas. Observe que, como não é consi- derada uma língua, ela não tem uma gramática. Fique atento às oficinas de Gestuno ofere- cidas pelo Instituto Cultural, Educacional e Profissionalizante de Pessoas com Deficiência do Brasil (ICEP BRASIL). Acesse: <http://www.icepbrasil.com.br/site/index.php/noticias/todas- -as-noticias/635-a-oficina-de-gestuno-lingua-internaciomal-de-sinais>. 9 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos 4.2 Níveis fonológicos e morfológicos das línguas de sinais Não há opção, porque a questão configura-se nos seguintes termos: a linguagem se aprende, mas não pode ser ensinada. (SANCHEZ, 1990, p. 92 apud QUADROS, 1997, p. 21). Voltando aos estudos de Stokoe, Gesser (2009) indica que o linguista apontou três parâmetros que organizam a ASL: a configuração de mão (CM), o ponto de articulação (PA) ou Locação (L) e o movimento (M). Só a partir de 1970 é que outros linguistas, como Robbin Battison (1974) e Edward S. Klima & Bellugi (1979), realizaram novos estudos sobre a fonologia da ASL e indicaram mais um parâmetro dessa língua: “[...] a orientação da palma da mão (O), esclarecendo que dois sinais com os mesmos outros três parâmetros iguais (CM, L, M) poderiam mudar de significado de acordo com a orientação da mão” (GESSER, 2009, p. 14). Gesser (2009) ainda elucida sobre a inclusão do quarto parâmetro comparando aspectos similares nas línguas orais e de sinais: Esse contraste de dois itens lexicais com base em um único componente recebe, em linguística, o nome de “par mínimo”. Nas línguas orais, por exemplo, pata e rata se diferem significativamente pela alteração de um único fonema: a substituição do /P/ por /R/. No nível lexical, temos em LIBRAS pares mínimos como os sinais grátis e amarelo (que se opõe quanto a CM), churrascaria e pro- vocar (diferenciados pelo M) e ter e Alemanha (quanto à L). (GESSER, 2009, p. 15, grifo do autor). Figura 4.3 – Sinais da Libras: Grátis, Amarelo, Ter, Alemanha, Churrascaria e Provocar Legenda: Sinais da Libras: Grátis, Amarelo, Ter, Alemanha, Churrascaria e Provocar. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). 10 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos A figura seguir ilustra como o parâmetro orientação da mão pode mudar o significado do verbo ajudar. A palma da mão voltada para o receptor indica que vou ajudar; já a palma da mão voltada para o emissor significa ser ajudado. Figura 4.4 – Ajudar – Receber ajuda Legenda: Ajudar – Receber ajuda. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). Outro aspecto importante diz respeito ao fato de o sinal ser realizado com uma ou com as duas mãos, como nos exemplos a seguir: “desculpa” apenas uma mão; já o sinal de “família” precisa das duas mãos. Figura 4.5 – Sinais: “Desculpa” e “Família” Legenda: Sinais: “Desculpa” e “Família”. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). Ainda existe um quinto parâmetro a ser mencionado, trata-se da expressão corporal e/ou expressão facial, tam- bém denominada Expressão Não Manual (ENM), que pode ser encontrada no rosto, na cabeça e no ombro. Assim como nas línguas orais, os Surdos fazem uso da entonação, do ritmo, do sotaque e de expressões faciais, como, por exemplo, quando nos espantamos com algo, o nosso rosto se contrai, arregalamos os olhos e abrimos a boca, ou seja, nas línguas de sinais, as expressões faciais são marcadas por movimento de cabeça, boca, sobrancelhas, olhos, entre outras, e essas expressões são reconhecidas como elementos gramaticais que fazem parte da estru- tura dessa língua. Portanto, os itens lexicais também são formados pelos movimentos faciais e corporais. Em suma, são cinco parâmetros que reforçam e legitimam que a Libras é uma língua que comporta todos os elementos pertinentes às línguas orais. Ela possui gramática, semântica, sintaxe e pragmática, tudo que permite conferir a ela o estatuto de uma língua! 11 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Sintaxe: é a área de estudo que analisa a combinação das palavras para a formação de estru- turas maiores (frases). Semântica: é a área de estudo do significado na linguagem. Glossário Quadro 4.1 – Os cinco parâmetros da Libras Parâmetros da LIBRAS Sigla Descrição Configuração de Mão CM Forma da mão na produção de um sinal. Ponto de Articulação ou Locação PA ou L Refere-se ao lugar onde o sinal é produzido. Texto esquerda M Refere-se ao fato de os sinais terem ou não um movimento. Orientação O Os sinais têm direção, e a sua inversão, algumas vezes, pode alterar o significado do sinal. Como no exemplo “ajuda“ e “se ajudado“. Expressão Corporal e/ou Facial ou Expressões não Manuais ENM elementos que ajudam a dar o verdadeiro sentido do sinal. Legenda: Os cinco parâmetros da Libras. Fonte: Elaborado pelo autor (2017). 4.3 Língua e/ou linguagem? Entendemos como linguagem todo recurso sistemático que serve para comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos ou gestuais. Por exemplo, nós, humanos, costumamos nos expres- sar por meio da escrita, da fala, das expressões, da arte, da música, do cinema, da pintura ou dos desenhos. Os animaistambém possuem linguagem, como as abelhas, que se comunicam pelas suas antenas, mas também por sua conhecida “linguagem da dança”, como forma de indicar às outras abelhas onde estão as flores. Nesse sentido, é possível afirmar que a linguagem se configura como qualquer recurso utilizado para expressar-se ou comunicar-se. Em relação à língua, percebemos que ela é um conjunto de palavras, sinais ou expressões estabelecidas por normas, códigos, princípios de uma sociedade, para haver interação entre as pessoas. Sendo assim, a língua é 12 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos entendida como uma forma de linguagem verbal, e essa linguagem pode ser expressa por palavras ou por sinais. Portanto, é errado falar “linguagem de sinais”, pois a linguagem é a capacidade de se comunicar. O correto é língua de sinais! Pense sobre as atividades cognitivas vivenciadas por Surdos e ouvintes e suas experiências comunicativas. Como elas acontecem? A surdez impede o desenvolvimento intelectual do Surdo? Sabemos que a língua natural dos Surdos é a de sinais, portanto, se a criança surda for exposta à Libras o mais precocemente possível, com certeza o seu desenvolvimento cognitivo e a sua linguagem podem atingir o mesmo patamar que os dos ouvintes. Aprender a língua de sinais desde tenra idade é essencial para a construção da identidade surda, bem como para o ajuste social que ocorre pela interação e comunicação entre seus pares e entre ouvintes. Para finalizar este tópico, veja uma citação muito pertinente ao aqui discutido: Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignora- mos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre. (Paulo Freire). 4.3.1 Libras: mitos e preconceitos O que são mitos? Mitos são histórias sem qualquer fundamento científico, fazem parte do imaginário de um povo, trata-se de algo do senso comum ostentado como verdade absoluta. Em relação à Libras, até hoje existem equívocos quanto a sua legitimidade como língua. No Brasil, muitas pessoas não sabem da existência de uma língua de sinais oficial e nem imaginam que ela é tão expressiva e rica como as línguas faladas. Também desconhecem a condição bicultural e bilíngue que o Surdo vive em seu país, ou seja, não conhecem a identidade e a cultura Surda e, por essa razão, é fundamental e urgente acabar com os mitos relacio- nados à língua de sinais. É urgente divulgar a Libras nas escolas e instituições, em todos os níveis e modalidades de ensino para, assim, garantir a inclusão do Surdo nos sistema educacional. Como aponta Skliar (1998), a língua de sinais ultrapassa os objetivos de uma simples comunicação e se constitui na expressão da identidade de uma comunidade. Ela pertence à comunidade surda. É a sua maneira de dialogar, de trocar ideias, compartilhar informações e de expressar sua identidade e seus sentidos. É, verdadeiramente, uma língua natural desenvolvida pela comunidade surda! 13 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Saiba um pouco mais sobre a língua de sinais lendo o capítulo 1 do livro “Educação de Sur- dos”, de autoria da professora Ronice Quadros, que se encontra disponível neste endereço eletrônico: <http://srvd.grupoa.com.br/uploads/imagensExtra//legado/Q/QUADROS_ Ronice_Muller/Educacao_Surdos/Liberado/Cap_01.pdf>. Não há opção, porque a questão configura-se nos seguintes termos: a linguagem se aprende, mas não pode ser ensinada. (SANCHEZ, 1990, p. 92 apud SKLIAR, 2000, p. 149). Conforme Karnopp e Quadros (2004), o primeiro mito em relação à Libras é pensar que “haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as pessoas surdas”. Como já mencionado anteriormente, cada país possui sua língua de sinais. Outro mito apontado por Quadros (1997, p. 46) é imaginar que “[...] a Língua de Sinais seria um sistema de comu- nicação superficial, com conteúdo restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de comunicação oral”. Na verdade, a Libras é uma língua veiculada na modalidade viso-espacial e possui sua própria gramática, semântica, pragmática, sintaxe, enfim, todos os elementos existentes língua oral. Dessa forma, também é um mito que a língua de sinais seja uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos (KARNOPP; QUADROS, 2004). A língua de sinais é verdadeira! Os Surdos empregam a expressão facial e corporal para destacar, negar, afirmar, excluir, interrogar, enfatizar, supor e outras coisas mais. O papel das expressões não manuais é verificado como o aspecto que abarca a interação dos elementos expressivos da linguagem e, como destacado anteriormente, essas expressões também fazem parte da comunicação humana. Mais um mito relacionado a essa questão, apontado por Karnopp e Quadros (2004), é pensar que as línguas de sinais derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes. Na verdade, o que acontece é que muitos sinais apresentam grande teor de iconicidade, como o sinal “escovar os dentes”, indicado na figura a seguir. Figura 4.6 – Sinal da Libras: escovar os dentes Legenda: Sinal da Libras: escovar os dentes. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). 14 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Gesser (2009, p. 23-24) ressalta que: Embora exista um elevado grau de sinais icônicos (beber, árvore, casa, avião...) é importante des- tacar que essa característica não é exclusiva das línguas de sinais. As línguas orais incorporam também essa característica. Podemos verificá-la no clássico exemplo das onomatopeias como pingue-pongue, zigue-zague, tique-taque, zum-zum – cujas formas representam, de acordo com cada língua, o significado. “Iconicidade” significa semelhança existente, em certos signos linguísticos, entre a forma e a coisa representada. Para entender um pouco mais, leia o Capítulo 1 do livro “LIBRAS? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda”, indicado na bibliografia do curso. Por fim, Karnopp e Quadros (2004) discutem sobre o mito que muitos têm a respeito do desempenho dos hemis- férios direito e esquerdo no cérebro humano, visto que é do senso comum pensar que: As línguas de sinais, por serem organizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemisfério é responsável pelo processamento de informação espacial, enquanto o esquerdo, pela linguagem. (KARNOPP; QUADROS, 2004, p. 30). Estudos realizados apontam que o lado esquerdo do cérebro é predominante para a língua de sinais, assim como também o é para as línguas orais. A língua de sinais se institui no cérebro do mesmo jeito que na língua oral, pois não se trata de pantomima, mímica ou apenas gestos isolados usados para a comunicação, pelo contrário, as línguas de sinais são tão complexas quanto as línguas orais. Apesar desta dicotomia cerebral, onde o hemisfério esquerdo concentra as habilidades verbais e o hemisfério direito as visual-espaciais, esta separação é apenas uma simplificação do que real- mente ocorre. Segundo HICKOK et al. (2002), pesquisas mais recentes apontam que a maioria das habilidades cognitivas pode ser dividida em múltiplos processos. Em alguns níveis, a atividade cerebral pode ser lateralizada (acontecendo em um hemisfério), enquanto em outras a atividade é bilateral (ocorrendo nos dois hemisférios). (KARNOPP; QUADROS 2004, p. 4). 15 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.7 – Atividade cerebral Legenda: Infográficos do cérebro em dois hemisférios com pensamentos diferentes. Fonte: ID da imagem: 47693150 4.3.2 Datilologia e soletração rítmica Datilologia é entendida como a comunicação realizada com os dedos da mão, como, por exemplo, o alfabeto manual, que é usado apenas para indicar as letras que formam a palavra. O usoda datilologia nas línguas de sinais, sendo indicada para identificar nomes de pessoas e lugares, rótulos, não é uma língua, e sim a representa- ção das letras escritas do português. Segundo Gesser (2009), pensar que a língua de sinais é o alfabeto manual é balela, mas este tem sua importância na interação entre os usuários da Libras para mencionar algum termo que ainda não tem sinal e também para fazer alguns sinais de pontuação, como vírgula, ponto de interrogação, ponto-final e outros. Acreditar que a língua de sinais é o alfabeto manual é fixar-se na ideia de que a língua de sinais é limitada, já que a única forma de expressão comunicativa seria uma adaptação das letras rea- lizadas manualmente, convencionadas e representadas a partir da língua oral. Imaginemos, por exemplo, quanto tempo levaria um surdo para falar uma sentença, ou ampliando bem a questão, ter uma conversa filosófica se utilizasse apenas o soletramento manual? (GESSER, 2009, p. 29). A soletração rítmica é entendida como uma prática da datilologia com forma, ritmo e movimento próprios para palavras em sinal soletrado. É quase uma supressão ou aglutinação das letras, como nos exemplos “azul” e “nunca”, a seguir. 16 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.8 – Sinal da Libras “NUNCA” Legenda: N-U-N-C-A ou N-U-N = “nunca”. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). Figura 4.9 – Sinal da Libras “AZUL” Legenda: A-Z-U-L OU Z –L = AZUL. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). 4.4 Organização fonológica da Libras Apesar da diferença existente entre língua de sinais e línguas orais, no que concerne à modali- dade de percepção e produção, o termo “fonologia” tem sido usado para referir-se também ao estudo dos elementos básicos das línguas de sinais. [...] O argumento para a utilização desses termos (fonema e fonologia) é o de que as línguas de sinais são línguas naturais que comparti- lham princípios linguísticos subjacentes com as línguas orais, apesar das diferenças de superfície entre fala e sinal. (KLIMA; BELLUGI, 1979; WILBUR, 1987; HULST, 1993 apud KARNOPP; QUA- DROS, 2004, p. 48). Estudos apontam que as línguas de sinais, por serem línguas naturais, assim como as línguas orais, podem ser analisadas pelos instrumentos de estudos pertencentes à linguística e, portanto, é possível afirmar que som e imagem são recursos representacionais, tanto nas línguas orais como na de sinais. 17 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos O primeiro parâmetro da Libras apresentado no tópico anterior diz respeito à Configuração da mão (CM). A maio- ria das configurações de mão adota as formas representativas das letras do alfabeto manual e dos números em Libras. Até pouco tempo atrás, acreditava-se serem apenas 64 as CMs, mas hoje a FENEIS indica que são 65 essas con- figurações, conforme você pode observar na figura a seguir. Essas configurações podem dar origem aos sinais e, para sinalizá-los, pode ser usada uma ou as duas mãos. Figura 4.10 – Configurações de Mãos em Libras Legenda: Configurações de Mãos em Libras. Fonte: “De olho nos contextos gramaticais”, FENEIS/SP. O segundo parâmetro (PA ou L) está relacionado ao espaço onde o sinal é produzido: no corpo do sinalizador ou em algum espaço neutro em frente do corpo da pessoa que sinaliza, entre o espaço que vai da cabeça até o quadril. Nenhum sinal é produzido fora desse espaço. O próximo parâmetro é o Movimento das mãos (M). São muitos os tipos de movimento, mas, cabe lembrar que alguns sinais não têm movimento, por exemplo, os sinais conhecer, chorar, rir e estudar têm movimentos, entre- tanto, os sinais ajoelhar, em pé e sentar, não têm movimentos. 18 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.11 – Sinais com movimento Legenda: Sinais com movimento. Fonte: <http://3.bp.blogspot.com>. Figura 4.12 – Sinal sem movimento: “sentar” Legenda: Sinal sem movimento: “sentar”. Fonte: <http://3.bp.blogspot.com>. A orientação da palma da mão na concretização do sinal é outro parâmetro importante. A mão pode estar vol- tada para direita ou esquerda, para cima ou para baixo, para o corpo de quem sinaliza ou para o receptor da mensagem, como já ilustrado, anteriormente, nos sinais “ajudar” e “ser ajudado”. Ainda temos as expressões não manuais (ENM), ou expressões faciais e corporais, que acompanham o sinal. É importante destacar as ENMs, pois elas colaboram para revelar aquilo que os Surdos desejam expressar em sua língua, fato que corrobora sua função linguística na Libras, pois serve como marcação de construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais. Como no exemplo da palavra “cheio”, em que se faz o sinal de apertado com as bochechas infladas. 19 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.13 – Sinal da Libras: “cheio, lotado” Legenda: Sinal da Libras: “cheio, lotado”. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). Para completar sua compreensão a respeito dos aspectos linguísticos da Libras, vamos entender o que são as unidades mínimas, ou pares mínimos da Libras. Perceba que as palavras, tanto no português quanto na Libras, edificam-se a partir de unidades mínimas sono- ras e espaciais, respectivamente. Essas unidades ou fonemas se diferenciam quando trocadas uma por outra, gerando uma nova forma linguística com outro significado. No português, os pares mínimos são identificados como duas palavras que se distinguem apenas pelos fone- mas, exemplo: /Mala / - /Bala /. Na Libras, são identificados pelos parâmetros: Configurações de Mãos, Ponto de Articulação, Movimento, Orientação/direção e ENMs, como nas palavras sábado e aprender, em que a diferença está no local onde o sinal é produzido. Em SÁBADO, o sinal está configurado da seguinte forma: mão direita em S, palma para esquerda, diante da boca, abrir e fechar ligeiramente. Em APRENDER, o sinal está configurado assim: mão direita em S, palma para esquerda, tocando a testa, abrir e fechar ligeiramente. Figura 4.14 – Sinal da Libras: sábado Legenda: Sinal da Libras: sábado. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). 20 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.15 – Sinal da Libras: aprender Legenda: Sinal da Libras: aprender. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). Para finalizar este tópico deve ser destacado que esses parâmetros da Libras, isolados, não têm significado, con- tudo, ao se combinarem, formam os sinais. Veja no exemplo a seguir os parâmetros que produzem o sinal de “professor”: a configuração (CM) indicada é a de nº 11, na Figura 4.10, mão direita em “P”. O local (PA ou L) onde o sinal é produzido é o peito do sinalizante; o movimento (M) é em arco, mover a mão para cima e para direita; a orientação (O) da palma da mão é para a esquerda e, por último, a expressão facial é neutra. Figura 4.16 – Sinal em Libras: professor Legenda: Sinal em Libras: professor. Fonte: Capovilla e Capovilla (2001). 21 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos 4.5 Sinais de LIBRAS: família, pessoas e animais domésticos Dando sequência ao nosso ensino de LIBRAS, vamos conhecer alguns sinais básicos de família, pessoas e animais domésticos: Figura 4.18: Sinal em LIBRAS: identidade Legenda: Representação dos sinais de Identidade Fonte: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais. Vol II. 22 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.19: Sinal em LIBRAS: Pessoas e Família Legenda: Representação dos sinais de pessoas e família Fonte: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais. Vol II. 23 Libras | Unidade de estudo 4 – Fonologia da Língua de Sinais Brasileira. Sinais básicos Figura 4.20: Sinal em LIBRAS: Animais Legenda: Representaçãodos sinais de animais Fonte: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais. Vol II. 24 Considerações finais Nesta unidade, você estudou acerca da “Fonologia da Língua de Sinais Brasileira”, seu o processamento linguístico, os parâmetros que a funda- mentam, identificando os pares mínimos que formam os sinais. Também conheceu os sinais relativos à família, às pessoas e aos animais domésticos. Dessa forma, acreditamos que possa ter percebido como essa língua de sinais é rica, expressiva e verdadeira, e, também, compreendido que as línguas são as principais manifestações culturais e identitárias, ou seja, é por meio da língua que conhecemos a cultura de um povo. Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes. (Paulo Freire). Referências bibliográficas 25 CAPOVILLA, F. C.; CAPOVILLA, A. G. S. Compreendendo o Processamento do Código Alfabético: como entender os erros de leitura e escrita das crianças Surdas. In: CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. (Ed.). Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais. Vol II: sinais de M a Z. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. p.1497-1516. GESSER, A. LIBRAS? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. KARNOPP, L. B.; QUADROS, R. M. de. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: ARTMED, 2004. QUADROS, R. Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Ale- gre: Artes Médicas, 1997. SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998. SKLIAR, Carlos – Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação dos surdos. In. Skliar, Carlos (Org.) – Educação & exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial – Porto Ale- gre: Mediação, 2000.
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