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Métodos Finitos em Matemática Mestrado em Matemática para Professores Samuel A. Lopes 16 de Novembro de 2009 2 Conteúdo 1 Introdução 3 2 Métodos elementares de contagem 6 2.1 As leis da soma e do produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.2 Bijecções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.3 Convenções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.4 Alguns exerćıcios de aquecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.5 Um trilema: três visões de um problema . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.6 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.7 Permutações, arranjos, combinações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.8 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 2.9 Os teoremas binomial e multinomial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.10 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.11 O prinćıpio do pombal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.12 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3 Introdução à Teoria de Grafos 38 3.1 Definições e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.2 O primeiro resultado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3.3 Passeios em grafos e conexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.4 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.5 Grafos Eulerianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.6 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 3.7 Grafos Hamiltonianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 3.8 O Problema do Caixeiro Viajante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 3.9 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 3.10 Árvores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 3.11 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 3.12 Fórmula de Euler e coloração de mapas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 3.13 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 1 CONTEÚDO 2 Bibliografia 114 Caṕıtulo 1 Introdução Estas notas foram compiladas como texto de apoio à disciplina “Métodos Finitos em Matemática” da Pós-Graduação em Matemática para Professores (actualmente Mes- trado em Matemática para Professores) no ano lectivo de 2007/2008. Uma das razões que me levaram a escrevê-las foi permitir que os alunos se puessem concentrar mais na aula em si e menos em anotar tudo o que era dito e escrito no quadro, especialmente por a disciplina funcionar em horário pós-laboral. Penso que desta forma é – e foi – posśıvel fomentar uma maior intervenção e discussão entre os alunos durante as au- las bem como a sua participação activa no desenvolvimento dos resultados e das suas provas. Procurei que os tópicos escolhidos e a forma como foram abordados fossem espe- cialmente adequados às necessidades de um professor de matemática do 3o ciclo do Ensino Básico ou do Ensino Secundário. A primeira parte das notas cobre aspectos básicos de combinatória enumerativa enquanto a segunda constitui uma introdução à teoria de grafos. Tópicos mais espećıficos, como sejam a teoria das funções geradoras, números de Catalan, Bell e Stirling, partições de um inteiro, emparelhamentos, redes e fluxos, coloração (de vértices, arestas e de mapas em superf́ıcies), teoria de Ramsey, etc. foram deixados como temas para os trabalhos dos alunos, a apresentar oralmente e por escrito para avaliação. A combinatória, em particular a teoria de grafos, é uma das áreas da matemática cujo desenvolvimento foi, pelo menos parcialmente, motivado por problemas de natu- reza recreativa. Com o decorrer do tempo, o número de aplicações desta teoria foi crescendo e é actualmente uma das áreas da matemática com mais aplicações, que incluem a programação e ciência de computdores, ciências sociais, biologia, qúımica, desenho de redes e optimizaç ao industrial. A combinatória ocupa-se da análise de estruturas discretas, como o estudo dos posśıveis arranjos de objectos de um conjunto em determinados padrões. Frequente- mente, estamos interessados em saber se determinada configuração de objectos e suas relações é ou não posśıvel ou se podemos passar de um configuração a outra seguindo 3 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO 4 determinadas regras. Um exemplo deste tipo de problema é o conhecido Jogo dos 15, em que quinze peças numeradas de 1 a 15 deslizam horizontalmente e verticalmente num tabuleiro 4!4 com uma casa vazia, como ilustra a figura abaixo. O objectivo do jogo é passar desta configuração inicial para uma outra configuração final dada, digamos por exemplo a seguinte: Vejamos um outro exemplo simples. Temos um tabuleiro de xadrez de formato 8!8 que queremos cobrir completamente com 32 peças de dominó, cada peça cobrindo exactamente dois quadrados adjacentes do tabuleiro sem que haja sobreposição de peças. Uma tal cobertura é claramente posśıvel, portanto perguntamos: De quantas maneiras distintas é posśıvel cobrir o tabulerio de xadrez desta forma? Para responder a esta questão devemos primeiro estabelecer outra: O que é que consideramos formas distintas de cobrir o tabulerio? Cada resposta distinta a esta última pergunta dá origem a uma nova resposta à primeira pergunta. Podemos agora variar o problema criando quadrados proibidos no tabuleiro, ou seja, quadrados que nõ podem ser cobertos por nenhuma peça de dominó. Por exemplo, podemos tornar proibidos os quadrados de dois cantos diametralmente opostos do tabuleiro, como na figura abaixo. Será que ainda é posśıvel cobrir este tabuleiro? Após algumas tentativas podemos começar a intuir que a reposta a esta última per- gunta é negativa, mas será que podemos estar seguros desta resposta sem analizarmos exaustivamente todas as possibilidades? CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO 5 É de facto imposśıvel cobrir com peças de dominó o tabuleiro recortado acima, e podemos prová-lo de uma forma muito simples e clara. Se, como é habitual, os quadrados do tabuleiro original tiverem alternadamente as cores branco e preto, então no tabuleiro recortado haverá 30 quadrados de uma das cores e 32 da outra, uma vez que foram retirados ao tabuleiro original dois quadrados da mesma cor. Se observarmos que cada peça de dominó cobre exactamente um quadrado de cada cor, concluimos imediatamente que uma tal cobertura é imposśıvel pois para tal teriam de existir no tabuleiro tantos quadrados de uma cor como da outra. Outro problema envolvendo tabuleiros rectangulares com posições proibidas con- siste em colocar num dos quadrados do tabuleiro dado um cavalo do jogo de xadrez. O objectivo é que o cavalo percorra todos os quadrados não interditos do tabuleiro exactamente uma vez, voltando possivelmente à posic cão inicial. Como no jogo de xadrez, o cavalo só se pode movimentar de um quadrado a outro por um movimento em formato de “L”, isto é, efectuando uma deslocação horizontal ou vertical de duas posições seguida de uma deslocção de uma posição na direcção perpendicular. Este problema pode ser estudado no contexto dos grafos hamiltonianos. Caṕıtulo 2 Métodos elementares de contagem 2.1 As leis da soma e do produto Entenda-se por um evento, algo que é pasśıvel de ocorrer. Por exemplo, escolher o porta-voz de um grupo de pessoas, atribuir uma cor a uma face de um sólido, colocar uma bola numa caixa, atribuir uma turma a um professor ou uma sala a uma turma. Um evento pode ocorrer de uma ou mais formas distintas. Assim, num grupo de 20 pessoas, há 20 possibilidades para a escolha de um porta-voz se todas as pessoasdo grupo forem eleǵıveis, etc. Na presença de vários eventos, cada um podendo ocorrer de uma forma indepen- dente dos restantes, usaremos os dois prinćıpios seguintes: Prinćıpio da multiplicação. Se um evento pode ocorrer de m formas distin- tas e outro, independente do primeiro, pode ocorrer de n formas distintas, então a combinação dos dois eventos pode ocorrer de mn formas distintas. Exemplo. Ao atirar ao ar uma moeda e lançar um dado, o número de resultados distintos que é posśıvel obter é 2! 6 = 12, já que há dois resultados posśıveis ao atirar a moeda ao ar e seis resultados posśıveis quando lançamos o dado. Prinćıpio da adição. Se um evento pode ocorrer de m formas distintas e outro, independente do primeiro, pode ocorrer de n formas distintas, então existem m + n formas de um dos dois eventos ocorrer. Exemplo. De entre as cinco letras romanas a, b, c, d, e, e as três letras gregas !, ", #, há 5 + 3 formas de escolher uma letra e 5! 3 formas de escolher uma letra de cada alfabeto. Exemplo. Suponhamos que num determinado ano académico são oferecidas sete disci- plinas de manhã e cinco disciplinas à tarde. Um estudante que se quer inscrever numa 6 CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 7 disciplina de manhã e noutra de tarde tem 7 ! 5 = 35 escolhas posśıveis, ao passo que um estudante que se tenha de inscrever em apenas uma disciplina à sua escolha, independentemente de ser de manhã ou de tarde, tem 7 + 5 = 12 escolhas posśıveis. Exemplo. Quantos inteiros entre 5000 e 10000 é que têm todos os seus algarismos (na base 10) distintos? Os inteiros pretendidos têm precisamente quatro algarismos. O algarismo dos mi- lhares terá de ser 5, 6, 7, 8 ou 9. Escolhido este, há nove possibilidades para o algarismo das centenas. De forma análoga, existem oito possibilidades para o algarismo das de- zenas e sete para o das unidades. No total, há 5 ! 9 ! 8 ! 7 = 2520 números nas condições pretendidas. Note-se que a resolução deste problema se tornaria mais dif́ıcil de começássemos por discutir um algarismo que não fosse o dos milhares. Exemplo. Quantos pares distintos de inteiros a, b entre 1 e n é que existem com a " b? Neste problema, os eventos “escolher a” e “escolher b” não são independentes, portanto a resposta não é n2 nem n(n# 1). CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 8 2.2 Bijecções Para cada inteiro positivo n, seja {1, 2, . . . , n} o conjunto dos inteiros entre 1 e n. Dado um conjunto A, dizemos que A tem cardinalidade n e escrevemos |A| = n se existir uma bijecção entre os conjuntos A e {1, 2, . . . , n}. Dizemos ainda que o conjunto A é finito se |A| = n para algum n. Os prinćıpios da adição e da multiplicação podem ser justificados à luz da seguinte proposição: Proposição 2.1. Sejam A e B conjuntos finitos. Então: (a) |A $B| = |A| + |B|, se A %B = &; (b) |A!B| = |A||B|. Exemplo. Quando são lançados dois dados diferentes, de quantas formas pode ser obtido um sete ou um oito? A cada lançamento dos dados associamos um par ordenado (a, b), onde a é o resul- tado do lançamento do primeiro dado e b o resultado do lançamento do segundo dado. Sejam A e B os conjuntos dos pares ordenados que correspondem a um resultado de sete e oito, respectivamente. Então: A = {(1, 6), (2, 5), (3, 4), (4, 3), (5, 2), (6, 1)}, B = {(2, 6), (3, 5), (4, 4), (5, 3), (6, 2)}. Como A % B = &, temos que |A $ B| = |A| + |B| = 6 + 5 = 11. Sendo assim, um resultado de sete ou de oito pode ser obtido de 11 formas distintas. Exemplo. Ao lançar uma moeda ao ar três vezes, de quantas formas se pode obter uma, duas ou três caras? Representemos um resultado de caras por C e um de coroas por M . Sejam A1, A2 e A3 os conjuntos formados pelos resultados “uma cara”, “duas caras” e “três caras”, respectivamente. Temos: A1 = {(C, M, M), (M, C, M), (M, M,C)}, A2 = {(C, C,M), (C, M, C), (M, C, C)}, A3 = {(C, C,C)}. Como estes conjuntos são dois-a-dois disjuntos, |A1 $ A2 $ A3| = |A1| + |A2| + |A3| = 3 + 3 + 1 = 7. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 9 Exemplo. Suponhamos que as matŕıculas dos véıculos num determinado páıs consis- tem em sequências de duas letras seguidas de quatro algarismos, como acontece em Portugal. Quantas placas de matŕıcula distintas é que podemos formar seguindo este procedimento? Seja A = {A, B, . . . , Z} o conjunto das letras do alfabeto (excluindo K, Y e W ) e B = {0, . . . , 9} o conjunto dos algarismos posśıveis. O conjunto de todas as matŕıculas posśıveis é A! A!B !B !B !B e |A! A!B !B !B !B| = |A|2|B|4 = 232104 = 5290000. Exemplo. Quantos pares distintos de inteiros a, b entre 1 e n é que existem com a " b? Pretendemos calcular |A|, onde A = {(a, b) ' N2 | 1 " a, b " n e a " b}. Sejam B = {(a, b) ' N2 | 1 " a, b " n + 1 e a < b} e C = {X ( {1, . . . , n + 1} | |X| = 2}. Então (a, b) f)* (a, b + 1) é uma bijecção de A em B e (x, y) g)* {x, y} é uma bijecção de B em C. Logo, g + f é uma bijecção de A em C. Como veremos, |C| = ! n+1 2 " , logo |A| = |C| = (n+1)n2 . O seguinte resultado é por vezes útil em contagem: Proposição 2.2. Sejam A e B conjuntos finitos. (a) Se existir uma função injectiva A f* B então |A| " |B|. (b) Se existir uma função sobrejectiva A f* B então |A| ,| B|. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 10 2.3 Convenções De forma a evitar algumas ambiguidades que comummente ocorrem na formulação de problemas de contagem, iremos aqui adaptar algumas convenções. O leitor deverá no entanto conformar-se com a inevitabilidade da persistência de ambiguidades em problemas de contagem. Evitá-lo implicaria frequentemente tornar o enunciado dos problemas demasiado longo e complexo. Nestes casos, o leitor deverá indicar quais foram as convenções que adoptou na resolução do problema e, se posśıvel, apresentar soluções alternativas de forma a prever outras posśıveis interpretações. Assumimos que é sempre posśıvel distinguir duas pessoas de um grupo. Por sua vez, todas as laranjas são iguais, o mesmo acontecendo com maçãs, bolas amarelas, A’s, moedas com o mesmo valor facial e dados, a menos que haja indicação em contrário. Só consideramos a ordem das escolhas relevante se tal for explicitado no problema. O alfabeto tem 23 letras, 5 das quais são vogais, sendo as restantes 18 consoantes. Uma palavra é uma sequência (ordenada) de letras ou śımbolos. Um baralho de cartas tem 52 cartas, 13 de cada um dos 4 naipes, que são espadas, paus, copas e ouros. As caras de espadas e de paus são pretas; as de copas e de ouros são vermelhas. Em cada naipe há uma carta com cada um dos valores faciais 2, 3, . . . , 10, rainha, valete, rei e ás. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 11 2.4 Alguns exerćıcios de aquecimento 1. Em 8 minutos, responda às seguintes 10 questões de forma concisa mas completa. Em caso de dúvida, deverá indicar quais foram os pressupostos assumidos. (a) Quantas formas há de escolher uma pessoa de um grupo de 6 rapazes e 8 raparigas? (b) Quantas formas há de escolher uma peça de fruta de 6 laranjas e 8 maçãs? (c) Quantas formas há de escolher uma letra de 3 A’s, 5 B’s e 7 C’s? (d) Quantas formas há de escolher duas letras de 3 B’s e 3 G’s? (e) Quantas formas há de escolher duas pessoas de 3 rapazes e 3 raparigas? (f) Quantas formas há de escolher 5 laranjas de um conjunto de 6 laranjas? (g) Quantas formas há de escolher 5 raparigas de um conjunto de 6 raparigas? (h) Quantas formas há de escolher 1 rapariga de um conjunto de 6 raparigas? (i) Quantas formas há de escolher 5 peças de fruta de 7 laranjas e 8 maçãs? (j) Quantas formas há de escolher algumas peças de fruta de 9 laranjas e 6 maçãs se pelo menos uma peça de fruta é escolhida? 2. Discuta as várias respostas posśıveis à questão: “Quantos resultados podem ser obtidos ao lançar um par de dados?” 3. Um número de telefone é composto por sete d́ıgitos. Suponhamosque o primeiro d́ıgito (da esquerda para a direita) é um algarismo entre 2 e 9, o segundo e o terceiro são algarismos entre 1 e 9 e os restantes são algarismos entre 0 e 9. Quantos números de telefone distintos podem ser formados nestas condições? 4. Uma empresa produz cadeados com combinação. Cada combinação consiste em três números inteiros entre 0 e 99, mas nenhum número pode aparecer mais de uma vez na combinação. Por exemplo, 23 # 2 # 3 é uma combinação posśıvel, mas 23# 4# 23 não é. Quantas combinações distintas é posśıvel formar? 5. Uma companhia de computadores quer contratar um director e um subdirector de entre um grupo de cinco candidatos já pré-seleccionados. De quantas formas distintas o pode fazer? E se em vez de contratar um director e um sub-director quiserem contratar dois sub-directores? CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 12 2.5 Um trilema: três visões de um problema Problema. É Páscoa e a professora Celeste quer colorir com os seus alunos k ovos da Páscoa, dispondo para tal de tintas de n cores diferentes. De quantas formas distintas é que o podem fazer? Nota. A resposta não é nk! Por exemplo, se n = k = 2, então as possibilidades são: os dois ovos da cor 1, os dois ovos da cor 2 ou um ovo de cada cor. Neste caso a resposta é 3 -= 22. Seja xi = número de ovos a ser pintados da cor i. Então, queremos saber quantas soluções tem a equação x1 + x2 + · · · + xn = k, com xi um inteiro não negativo. Denotamos este número por f(n, k). 1 o processo Comecemos por usar um método heuŕıstico, estudando alguns casos particulares. 1. Se só há uma cor (i.e., n = 1) então só há uma forma de pintar os ovos. Logo, f(1, k) = 1 .k , 1. 2. Se só há um ovo (i.e., k = 1) então há tantas formas de o pintar como o número de cores. Logo, f(n, 1) = n .n , 1. 3. Como já observámos, f(2, 2) = 3. Em geral, não é dif́ıcil de calcular f(n, k) para valores pequenos de n e k. Será que conseguimos encontrar uma fórmula que permita calcular f(n, k) a partir de valores menores de n e k? Exemplo. Seja ! n k " o número de formas de escolher k objectos de um conjunto de n objectos distintos. Sabemos que # n k $ = # n# 1 k $ + # n# 1 k # 1 $ , e esta igualdade pode ser deduzida sem usar a fórmula expĺıcita para ! n k " , como vamos agora recordar. Fixemos um dos n objectos, que designaremos por objecto especial. Quando escolhemos k dos n objectos, podemos ou não escolher o objecto especial. Se optarmos por não o escolher, temos de escolher k objectos de entre os n#1 restantes, o que podemos fazer de ! n!1 k " formas distintas. Caso contrário, se optarmos por escolher o objecto especial, teremos ainda de escolher k # 1 objectos dos restantes n # 1, que poderemos fazer de ! n!1 k!1 " formas distintas. Pelo prinćıpio da adição, temos ! n!1 k " + ! n!1 k!1 " formas de escolher k objectos de um conjunto de n objectos distintos. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 13 Tentemos proceder com f(n, k) de forma análoga ao que fizémos no exemplo an- terior. Fixemos então uma cor, que designaremos por cor especial. Quando pintamos os k ovos, podemos usar ou não a cor especial. Existem f(n # 1, k) formas de pintar os ovos sem usar a cor especial. Quantas formas existem de os pintar usando a cor especial? Temos de pintar pelo menos um com a cor especial, e restam k# 1 ovos, que podemos pintar com as n cores de f(n, k # 1) formas diferentes. Logo, f(n, k) = f(n, k # 1) + f(n# 1, k). Assim, por exemplo, f(4, 3) = f(4, 2) + f(3, 3) = f(4, 1) + f(3, 2) + f(2, 3) + f(3, 2) = 2(f(2, 2) + f(3, 1)) + f(4, 1) + f(2, 2) + f(1, 3) = 3f(2, 2) + 2f(3, 1) + f(4, 1) + f(1, 3) = 3! 3 + 2! 3 + 4 + 1 = 20. Em geral, a relação de recorrência f(n, k) = f(n, k # 1) + f(n # 1, k) permite-nos calcular, recursivamente, todos os valores de f(n, k), conhecendo as condições iniciais f(1, k) = 1 e f(n, 1) = n, para n, k , 1. No entanto, este processo pode ser bastante moroso. Um exemplo bem conhecido de uma relação de recorrência é a sucessão de Fibonacci, definida por an = an!1 + an!2, n , 2, com condições iniciais a0 = a1 = 1. Desta relação de recorrência não é de todo óbvia a expressão geral de an. De facto, para n , 0, an = $n+1 # $̄n+1/ 5 onde $ = 1+ " 5 2 e $̄ = 1! " 5 2 são as ráızes da equação x 2 # x # 1 = 0. $ é o número de ouro. Exerćıcio. Calcular f(n, 2). 2 o processo Tomemos o produto dos seguintes n factores (1 + x + x2 + · · · )(1 + x + x2 + · · · ) · · · (1 + x + x2 + · · · ) (2.1) CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 14 onde x é uma variável. Qual é o coeficiente de 1 = x0 no produto (2.1)? É 1 pois a única forma de obter 1 no produto é escolher 1 em cada um dos factores. E o coeficiente de x? Para obter x temos de escolher a parcela x num dos factores e a parcela 1 nos restantes n#1 factores. Isto pode ser feito de 1 + 1 + · · · + 1 = n formas, logo ao multiplicar a expressão (2.1) obtemos precisamente n parcelas da forma x. Ou seja, o coeficiente de x em (2.1) é n. Para obter x2 em (2.1) temos duas possibilidades: escolher a parcela 1 em n # 1 dos factores e a parcela x2 no factor restante, que pode ser feito de n formas distintas, ou escolher a parcela x em dois dos factores e a parcela 1 nos restantes, que pode ser feito de ! n 2 " formas distintas. Assim, o coeficiente de x2 em (2.1) é n + # n 2 $ = # n 1 $ + # n 2 $ = # n + 1 2 $ . Em geral, qual será o coeficiente de xk em (2.1)? Se escolhermos a parcela xa1 do primeiro factor, xa2 do segundo, . . . , xan do último factor, obtemos a parcela xa1+···+an , logo o coeficiente de xk em (2.1) é o número de escolhas diferentes de intei- ros a1, . . . , an , 0 que satisfazem a1 + · · · + an = k. Como vimos atrás, este valor é precisamente f(n, k). Logo, f(n, k) = coeficiente de xk em (2.1) = coeficiente de xk em (1# x)!n, já que (1 + x + x2 + · · · )(1# x) = (1 + x + x2 + · · · )# (x + x2 + x3 + · · · ) = 1, donde deduzimos que 1 + x + x2 + · · · = (1# x)!1. Assim, obtivémos a seguinte fórmula: (1# x)!n = f(n, 0) · 1 + f(n, 1)x + f(n, 2)x2 + · · · + f(n, k)xk + · · · = % k#0 f(n, k)xk. No entanto, ainda não temos uma fórmula fechada para f(n, k). 3 o processo O que distingue resultados diferentes é o número de ovos de cada cor, isto é, os va- lores de x1, x2, . . . , xn. Imaginemos os ovos já pintados. Podemos alinhá-los colocando primeiro os da cor 1, introduzir um separador, de seguida os de cor 2 e um separador, CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 15 etc., até chegar aos ovos de cor n. Podemos esquematizar o que fizémos numa figura do tipo 0 · · · 0& '( ) x1 | 0 · · · 0& '( ) x2 | |&'() x3=0 0 · · · | 0&'() xn=1 onde “0” representa um ovo e “|” um separador. Usámos o śımbolo “0” k vezes e o śımbolo “|” n # 1 vezes. Reciprocamente, a cada sequência deste género corresponde uma única escolha para x1, x2, . . . , xn. Por exemplo, se n = 5 e k = 4, a sequência 0 | 00 | 0 | | representa x1 = 1, x2 = 2, x3 = 1, x4 = 0, x5 = 0, ou seja, um ovo da cor 1, dois ovos da cor 2, um ovo da cor 3 e nenhum ovo das cores 4 ou 5. Reduzimos assim o nosso problema à enumeração de todas as sequências posśıveis formadas pelos śımbolos “0” e “|”, de comprimento n + k# 1, usando o śımbolo “0” k vezes e o śımbolo “|” n# 1 vezes. Quantas sequências há? Temos n + k # 1 posições, e basta decidirmos em quais destas é que são inseridos os n # 1 śımbolos “|”. Logo, f(n, k) = ! n+k!1 n!1 " = ! n+k!1 k " . Como já sab́ıamos, f(n, 1) = ! n 1 " = n, f(1, k) = ! k 0 " = 1, f(2, 2) = ! 3 2 " = 3 e f(n# 1, k) + f(n, k # 1) = # n + k # 2 k $ + # n + k # 2 k # 1 $ = # n + k # 1 k $ = f(n, k). CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 16 2.6 Exerćıcios 1. Resolva a relação de recorrência an = n2an!1, com a1 = 1. 2. Sabendo que an = n!1 n an!1 e que a1 = 2, determine an. 3. Sabendo que an= an!1 + n, determine an se (a) a1 = 1, (b) a1 = 0. 4. São dadas n jaulas dispostas uma a seguir à outra e é necessário colocar nelas k leões indistingúıveis de forma a que nenhuma jaula fique com mais de um leão e que não haja jaulas consecutivas com leões. Seja g(n, k) o número de maneiras de assim distribuir os leões pelas jaulas. Mostre que: (a) g(2k # 1, k) = 1; (b) g(n, k) = 0 se n < 2k # 1; (c) g(n, 1) = n; (d) g(n, k) = g(n # 2, k # 1) + g(n # 1, k) se k , 2 [Sugestão: considere as possibilidades de a última jaula ter ou não um leão.]; (e) Deduza que: (i) g(6, 3) = 4; g(2k, k) = g(2k#2, k#1)+1; g(2k, k) = k+1. 5. Admita que t(n, n # 1) = 1 e que (n # k # 1)t(n, k) = k(n # 1)t(n, k + 1), para k < n# 1. Deduza que t(n, k) = (n# 1)n!k!1(n# 2)! (k # 1)!(n# k # 1)! . 6. Expanda (1# x)!3 em potências de x até ao termo em x5. 7. Seja h(n, k) o número de maneiras de colorir k objectos idênticos com n cores, usando cada cor pelo menos uma vez. Conclua que: (a) h(n, k) = 0 se n > k; (b) h(n, k) é o coeficiente de xk em (x + x2 + x3 + · · · )n; (c) h(n, k) é o coeficiente de xk!n em (1# x)!n; (d) h(n, k) = f(n, k # n); (e) h(n, k) = ! k!1 n!1 " se n " k; (f) Calcule h(5, 10). 8. Expresse, em termos da função f(n, k) usada na secção 2.5: (a) o número de sequências de 0’s e 1’s de comprimento 10 contendo exactamente cinco 0’s; CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 17 (b) o número de soluções da equação x + y + z = 24: (i) nos números inteiros não negativos; (ii) nos números inteiros positivos; (c) o número de padrões distintos que é posśıvel obter ao lançar três dados idênticos; 9. Mostre que o produto de r inteiros consecutivos é diviśıvel por r!. 10. De quantas formas distintas é que se podem pintar as faces de um cubo usando cada uma de seis cores dispońıveis? 11. Sete amigos querem organizar sete jantares entre eles. A cada jantar vão três pessoas de cada vez e, para evitar a monotonia, não se repetem pares de pessoas em jantares diferentes. De quantas maneiras diferentes é que eles podem planear os jantares? 12. Em 8 minutos, responda às seguintes 14 questões de forma concisa mas completa. Em caso de dúvida, deverá indicar quais foram os pressupostos assumidos. (a) De quantas maneiras é posśıvel escolher um livro de latim e um livro de grego de um conjunto de 5 livros de latim distintos e 7 livros de grego distintos? (b) De quantas maneiras é posśıvel formar uma palavra de 2 letras? (c) De quantas maneiras é posśıvel formar uma palavra de 2 letras distintas? (d) De quantas maneiras é posśıvel formar uma palavra de 2 letras consistindo numa consoante seguida de uma vogal? (e) De quantas maneiras é posśıvel escolher um rapaz e uma rapariga de um grupo de 3 rapazes e 8 raparigas? (f) De quantas maneiras diferentes é que duas pessoas se podem sentar numa fila de 5 cadeiras livres? (g) De quantas maneiras diferentes é que se podem escolher 2 cadeiras de 5 cadeiras dispostas em fila? (h) De quantas maneiras é posśıvel formar uma palavra de 4 letras? (i) De quantas maneiras é posśıvel escolher um elemento de uma matriz 5! 7? (j) De quantas maneiras é posśıvel escolher um elemento de uma matriz m!n? (k) Quantos resultados se podem obter atirando uma moeda ao ar e lançando um dado? (l) Quantos resultados se podem obter atirando uma moeda ao ar, lançando um dado e escolhendo uma carta de um baralho? (m) De quantas formas é que se podem ordenar os ás de um baralho de cartas? CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 18 (n) De quantas formas é que se podem ordenar as cartas de espadas de um baralho de cartas? 13. Determine o número de soluções da inequação x1 + x2 + x3 + x4 + x5 + x6 < 91 (a) nos números inteiros positivos. [Sugestão: Considere a equação x1 + x2 + x3 + x4 + x5 + x6 + x7 = 91.] (b) nos números inteiros não negativos. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 19 2.7 Permutações, arranjos, combinações Temos n objectos dos quais queremos escolher k. De quantas formas distintas o pode- mos fazer? Ao ńıvel mais simples, a resposta dependerá essencialmente de dois factores: se a escolha é ordenada ou não e se são ou não permitidas repetições. Começemos por ver de quantas formas diferentes podemos ordenar um conjunto com n elementos. Para o primeiro elemento temos n possibilidades, restando n # 1 elementos no conjunto. Para o segundo elemento temos n # 1 possibilidades, e assim sucessivamente. Ao fim de termos escolhido o (n # 1)-ésimo elemento, restará um elemento, que é a única possibilidade para o último elemento da sequência. Logo, pelo prinćıpio da multiplicação, existem n(n# 1) · · · 2 · 1 = n! formas distintas de ordenar os elementos de um conjunto com n elementos (distintos). Uma ordenação diz-se uma permutação do conjunto. Nesta linguagem, existem n! permutações de um conjunto com n elementos. Exemplo. O jornal Público quer publicar nas suas próximas 18 edições de Domingo um artigo sobre cada um dos clubes de futebol da 1 a divisão nacional. De quantas formas diferentes o pode fazer? E se o 3 o artigo tiver de ser sobre o União de Leiria? E se o Boavista e a Académica tiverem de aparecer em semanas consecutivas? Exemplo. De quantas formas distintas se podem sentar n pessoas numa mesa redonda? Exemplo. O professor da disciplina de Português pediu a cada um dos seus alunos para expôr duas obras de literatura portuguesa de movimentos literários diferentes. Os movimentos posśıveis são: romantismo, para o qual disponibilizou uma lista de sete livros; realismo, tendo para este movimento disponibilizado uma lista de cinco livros; modernismo, com uma lista de quatro livros posśıveis. Quantas escolhas diferentes podem os alunos fazer? Qual é a probabilidade de uma das obras ser do movimento realista? Se tivermos um conjunto com n elementos e apenas quisermos escolher k deles de forma ordenada temos, ainda pelo prinćıpio da multiplicação, n(n# 1) · · · (n# (k # 1)) = n! (n# k)! formas de o fazer. Por exemplo, num inquérito sobre audiências os inquiridos têm de seleccionar, por ordem de preferência, as quatro séries televisivas que mais vêem, de entre uma lista de dez séries. Assim, há 10!6! respostas posśıveis. Suponhamos que temos objectos que não são todos distintos. (Por exemplo, um tubo cheio de smarties, em que apenas distinguimos smarties de cores diferentes.) Mais CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 20 precisamente, digamos que de n objectos de que dispomos, q1 são do tipo 1, q2 são do tipo 2, . . . , e qk são do tipo k, onde, claro está, q1 + · · · + qk = n. De quantas formas diferentes os podemos ordenar? Começamos por imaginar que os objectos foram rotulados de forma a ser posśıvel distinguir, temporariamente, objectos do mesmo tipo. Há neste caso n! formas de os ordenar. Quando “apagamos” todos os rótulos aos objectos, verificamos que cada sequência de objectos não rotulados dá origem a q1!! · · ·! qk! sequências de objectos rotulados. Logo, há n! q1! · · · qk! sequências distintas de q1 objectos de tipo 1, q2 objectos de tipo 2, etc. Este número diz-se um coeficiente multinomial e denota-se por # n q1, . . . , qk $ . Exemplo. Quantas “palavras” é posśıvel construir usando as letras de cada uma das seguintes palavras? (a) bola; (b) bolo; (c) matemática: (i) ignorando o acento; (ii) não ignorando o acento; (d) combinatória: (idem). Exemplo. Quantas sequências binárias de cinco algarismos é posśıvel escrever usando o algarismo 0 no máximo quatro vezes e o algarismo 1 no máximo três vezes? Suponhamos agora que não estamos limitados no número de objectos de cada tipo a usar. Assim, queremos saber quantas sequências distintas de n objectos é posśıvel construir, usando objectos de r tipos diferentes, com repetição ilimitada. Temos r pos- sibilidades para o primeiro objecto, r para o segundo objecto, e assim sucessivamente,até escolhermos de que tipo é o n-ésimo objecto. Logo, o número de tais sequências é rn. Seja ! n k " o número de formas de escolher k objectos distintos de entre n objectos distintos dispońıveis. Então, como não nos interessa a ordem por que foram escolhidos esses k objectos, temos # n k $ · k! = n! (n# k)! CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 21 Isto porque cada escolha não ordenada de k objectos distintos de entre n dá origem a k! escolhas ordenadas, e o número total de escolhas ordenadas é n!(n!k)! . Logo, # n k $ = n! k!(n# k)! Outra forma de obter este resultado é a seguinte: A cada escolha não ordenada de k objectos de entre n fazemos corresponder uma sequência ordenada de 0’s e 1’s, em que ocorre um 1 na i-ésima posição se o i-ésimo objecto for escolhido e um 0 caso contrário. Obtemos assim uma correspondência entre escolhas não ordenadas de k objectos e sequências de 0’s e 1’s de comprimento n, com k 1’s e n# k 0’s. O número de tais sequências já foi determinado e é o coeficiente multinomial ! n k,n!k " = n!k!(n!k)! . Nota. ! n k " = ! n n!k " , uma vez que escolher k objectos de n é o mesmo que escolher os n# k objectos que não são seleccionados. Exemplo. De quantas formas é posśıvel escolher três números diferentes entre 1 e 300 de tal forma que a sua soma seja um múltiplo de 3? Comecemos por dividir o conjunto dos números entre 1 e 300 em três subconjuntos disjuntos: os que são diviśıveis por 3, os que dão resto 1 quando divididos por 3 e os que dão resto 2 quando divididos por 3. Cada um destes subconjuntos tem cem elementos. As únicas formas de escolher três números cuja soma é um múltiplo de 3 é se os três números pertencerem ao mesmo subconjunto ou se cada um pertencer a um subconjunto distinto. Logo, há # 100 3 $ + # 100 3 $ + # 100 3 $ + 1003 formas de escolher os números. Resta-nos estudar o caso de escolhas não ordenadas com repetição ilimitada de k objectos de entre objectos de n tipos distintos. Isto corresponde às soluções da equação x1 + · · · + xn = k no conjunto dos inteiros não negativos, onde xi indica o número de vezes que um objecto de tipo i é escolhido. Como já vimos na secção 2.5, o número de tais soluções é f(n, k) = # n + k # 1 n# 1 $ = # n + k # 1 k $ Exemplo. O João quer comprar sete berlindes. Na loja onde os vai comprar existem berlindes de quatro tipos diferentes. Assim, o João tem ! 10 7 " = 120 escolhas posśıveis. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 22 Temos portanto o seguinte quadro: escolher k objectos número de escolhas número de escolhas de n ordenadas (arranjos) não ordenadas (combinações) sem repetição n!(n!k)! ! n k " com repetição nk ! n+k!1 k " Quando temos objectos, em quantidades limitadas, de k tipos diferentes, o número de escolhas posśıveis de objectos de entre eles é (n1 + 1) · · · (nk + 1) onde ni é o número de objectos dispońıveis de tipo i. Isto resulta do prinćıpio da multiplicação, já que para objectos do tipo 1 temos n1 + 1 possibilidades de escolha, entre 0 e n1 objectos, e analogamente para objectos de tipo 2, etc. Exemplo. A Joana foi à padaria comprar pão. A padeira ainda tinha para vender 10 pães biju, 3 cacetes, 1 pão de forma e 2 pães da avó. Já não havia pão integral. Qual é a probabilidade de a Joana sair da padaria com exactamente 2 pães biju e pelo menos um pão da avó? Exemplo. Quantos divisores tem o número 1400? A factorização de 1400 em primos é 23527, logo os divisores de 1400 são os números da forma 2a5b7c com 0 " a " 3, 0 " b " 2 e 0 " c " 1. Logo, 23527 tem (3 + 1)(2 + 1)(1 + 1) = 24 divisores. Exemplo. Temos 10 bandeiras diferentes que devem ser hasteadas em 6 mastros, sendo que nem todos os mastros têm de ser usados. De quantas formas é que podemos hastear essas bandeiras? Precisamos apenas de escolher um dos 6 mastros para a primeira bandeira, um dos 6 mastros para a segunda bandeira, etc., o que pode ser feito de 610 formas distintas. No exemplo anterior, as escolhas de mastros para as bandeiras não reflectiu o facto de que se 2 ou mais bandeiras forem hasteadas no mesmo mastro então terão de fi- car a alturas diferentes no mastro. Tomando isto em consideração, cada atribuição de bandeiras a mastros dá ainda origem a várias configurações diferentes. Quantas configurações existem no total? Reformulemos o problema. Temos n objectos distintos que queremos colocar em k caixas distintas, considerando ordem dentro de cada caixa. Esta situação pode ser modelada por uma sequência de comprimento n + k # 1 cujos elementos são os n objectos e k # 1 separadores entre as caixas. Se os separadores fossem distintos, teŕıamos um total de (n + k # 1)! sequências. Identificando, como deveŕıamos, os separadores, temos (n+k!1)!(k!1)! sequências CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 23 distintas, sendo esse o número de maneiras de colocar os n objectos distintos em k caixas distintas, com ordem dentro de cada caixa. Assim, para o exemplo anterior, assumindo que é necessário decidir a que altura relativa nos mastros se dispõem as bandeiras, há 15!5! escolhas posśıveis. Exemplo. Pretende-se enviar 5 letras diferentes (já escolhidas) através de um canal de comunicação. Entre essas letras devem ser inseridos um total de 15 espaços em branco, sendo cada par de letras separadas por um mı́nimo de 3 espaços em branco. De quantas formas diferentes podem as letras e os espaços ser dispostos? Se as letras não fossem distintas, existiriam ! 15!12+3 3 " = ! 6 3 " = 20 formas de o fazer. Sendo as letras distintas, há um total de 5!20 formas de dispor as letras e os espaços. Pensemos agora no seguinte problema: Dos subconjuntos de {1, . . . , n} com k ele- mentos (0 " k " n) quantos é que não contêm números consecutivos? Sem impor a restrição de não haver números consecutivos, a resposta seria ! n k " . Uma das formas de chegar a esta conclusão é pensar num subconjunto de {1, . . . , n} como uma sequência de 0’s e 1’s cujo i-ésimo algarismo é 1 se o inteiro i pertencer ao subconjunto em questão e 0 caso contrário. Desta forma, estabelece-se uma bijecção entre o conjunto dos subconjuntos de {1, . . . , n} com k elementos e o conjunto das sequências binárias de comprimento n em que o śımbolo 1 ocorre k vezes e o śımbolo 0 ocorre n# k vezes. O número de tais sequências é ! n k " . Ao restringir esta correspondência aos subconjuntos de k elementos sem inteiros consecutivos obtemos exactamente as sequências binárias de comprimento n nas quais 1 ocorre k vezes, 0 ocorre n#k vezes e não há dois 1’s consecutivos. Quantas sequências deste tipo haverá? Uma tal sequência é constrúıda inserindo os k śımbolos 1 nos espaços entre os n# k śımbolos 0, incluindo os espaços que antecedem e sucedem a sequência de 0’s: 0 0 · · · 0 Como há n#k+1 espaços e k śımbolos 1 a introduzir, no máximo um em cada espaço, há ! n!k+1 k " formas de o fazer. Temos então o seguinte resultado: Lema 2.3 (Kaplansky). O número de subconjuntos de {1, . . . , n} com k elementos e sem inteiros consecutivos é ! n!k+1 k " . Exemplo. Quantas palavras é que se podem formar usando todas as letras da palavra INIMAGINÁVEIS sem que haja dois I’s adjacentes e ignorando o acento? Escolhemos primeiro a localização dos quatro I’s de entre as 13 posições posśıveis. Como não devem ocorrer I’s consecutivos, há ! 10 4 " = 210 posições posśıveis. Resta agora dispor as restantes letras, o que pode ser feito de 9!2!2! formas. Logo, há 210 9! 2!2! palavras posśıveis, sem I’s adjacentes. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 24 Exemplo. Um relógio de cuco antigo está um pouco avariado e apenas assinala as horas 4 vezes ao dia, nunca o fazendo, no entanto, em horas consecutivas. De quantas formas distintas é que o relógio pode tocar (o relógio repeteo mesmo padrão todos os dias)? Este problema é análogo ao anterior no sentido em que estamos interessados em saber quantos subconjuntos de {1, . . . , 24} com 4 elementos não consecutivos é que existem. No entanto, há uma diferença significativa, uma vez que para este problema devemos considerar os números 24 e 1 como sendo consecutivos, já que uma hora depois da meia noite é uma hora da manhã. Somos portanto levados a considerar o seguinte resultado, cuja prova é deixada como exerćıcio. Lema 2.4 (Kaplansky). O número de subconjuntos de {1, . . . , n} com k elementos e sem inteiros consecutivos, considerando n e 1 como sendo inteiros consecutivos, é n n!k ! n!k k " . CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 25 2.8 Exerćıcios 1. Em 8 minutos, responda às seguintes 12 questões de forma concisa mas completa. Em caso de dúvida, deverá indicar quais foram os pressupostos assumidos. (a) De quantas formas é posśıvel ordenar as 6 letras da palavra ABCDEF? (b) De quantas formas é posśıvel ordenar as 6 letras da palavra A1A2A3E4E5F? (c) De quantas formas é posśıvel ordenar as 6 letras da palavra A1A2A3EEF? (d) De quantas formas é posśıvel ordenar as 6 letras da palavra AAAE4E5F? (e) De quantas formas é posśıvel ordenar as 6 letras da palavra AAAEEF? (f) De quantas formas é posśıvel ordenar as letras da palavra BANANA? (g) De quantas formas é posśıvel ordenar as letras da palavra AAABBCCCCD? (h) De quantas formas é posśıvel ordenar as letras da palavra MISSISSIPPI? (i) De quantas formas é que se podem ordenar 4 A’s, 3 G’s e as 6 letras S, T, U, V, X, Z? (j) De quantas formas é posśıvel dispor numa prateleira 4 exemplares de um livro de álgebra, 3 exemplares de um livro de geometria e 6 romances de cordel diferentes? (k) De quantas formas é posśıvel dispor numa prateleira 4 livros de álgebra distintos, 3 livros de geometria distintos e 6 livros de cálculo distintos de forma a que livros sobre o mesmo assunto fiquem juntos? (l) Quantas palavras de n letras é que têm r C’s e n# r R’s? 2. De quantas formas é que se podem ordenar as 23 letras do alfabeto de forma a que: (i) as 5 vogais apareçam todas juntas; (ii) as letras A e B não apareçam juntas. 3. Quantos colares distintos de n missangas é posśıvel formar usando uma missanga de cada uma de n cores? 4. O António tem 75 livros mas apenas 20 destes cabem na sua prateleira. De quantas forma é que pode encher a prateleira com os livros? 5. Quantos números entre 1000 e 3000 é que é posśıvel formar com os d́ıgitos 1, 2, 3, 4, 5: (i) com possibilidade de repetição de d́ıgitos; (ii) sem possibilidade de repetição de d́ıgitos. 6. Em música serial dodecafónica, as 12 notas da escala cromática são dispostas em linha e tocadas nessa ordem. Quantas linhas são posśıveis? CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 26 7. Uma comissão de 12 pessoas tem de designar de entre os seus membros um Presidente, um Secretário e um Tesoureiro. De quantas formas é que isso pode ser feito? 8. De quantas maneiras é posśıvel formar uma palavra de 5 letras (de entre as 23 letras do alfabeto): (i) com possibilidade de repetição de letras; (ii) sem repetição de letras. 9. Mostre que: (a) ! n k " = ! k!1 k!1 " + ! k k!1 " + ! k+1 k!1 " + · · · + ! n!1 k!1 " ; (b) ! n+m+1 m " = ! n 0 " + ! n+1 1 " + ! n+2 2 " + · · · + ! n+m m " . 10. Responda às seguintes questões de forma rápida, clara e concisa. (a) De quantas formas é que 8 casais se podem sentar à volta de uma mesa redonda de forma a que os membros de cada casal fiquem juntos? (b) De quantas formas é que 4 Americanos, 7 Belgas e 10 Portugueses se podem sentar à volta de uma mesa redonda? (c) De quantas formas é que se podem ordenar 4 C’s e 8 R’s de forma a que não haja C’s adjacentes? (d) De quantas formas é posśıvel escolher 5 de 11 professores para uma comissão de acompanhamento de alunos com necessidades especiais? (e) Quantos full houses (três cartas do mesmo valor facial e um par do mesmo valor facial, distinto do valor facial das três cartas anteriores) existem no poker? (f) De quantas formas é que o Armindo pode convidar alguns dos seus 10 amigos para jantar, se convidar pelo menos 1 dos seus amigos? (g) De quantas formas é que se podem arranjar as letras de DABBADABBA? (h) Existem em casa do Duarte 5 livros de álgebra, 7 de geometria e 4 de cálculo. Os livros são todos distintos. De quantas formas é posśıvel escolher destes 2 livros, não ambos da mesma área? (i) Quantas das permutações das 23 letras do alfabeto é que não têm vogais adjacentes? (j) Quantas palavras de 10 letras é que não têm letras iguais adjacentes? (k) Quantos conjuntos de 10 letras do alfabeto é que têm letras consecutivas? (l) De quantas formas é que 5 homens e 7 mulheres se podem sentar em fila sem que dois homens fiquem juntos? CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 27 (m) De quantas formas é que 5 homens e 7 mulheres se podem sentar à volta de uma mesa redonda sem que dois homens fiquem juntos? 11. De quantas formas é que se podem hastear em 15 postes distintos, 5 bandeiras vermelhas idênticas, 7 bandeiras azuis idênticas e 11 bandeiras distintas (entre si e também distintas das anteriores)? Interessa a ordem das bandeiras nos postes e nem todos os postes têm de ter bandeiras. 12. Determine o número de soluções, nos inteiros, da equação x + y + z + w = 50 sujeitas às restrições adicionais x > 3, y > #4, z , 1 e w > #6. 13. De quantas formas diferentes é que 7 carros podem passar por 5 filas de portagem? 14. Prove o Lema 2.4. 15. Quantos triângulos é que se podem formar a partir de vértices não adjacentes de um poĺıgono regular de n lados? 16. Quantas sequências é posśıvel formar usando a vezes o algarismo 0, b vezes o algarismo 1 e c vezes o algarismo 2 de forma a que não haja nenhum par de 0’s consecutivos? 17. Quantos subconjuntos de {1, . . . , n} com k elementos é que existem, de forma a que entre dois quaisquer elementos do subconjunto haja pelo menos r elementos que não lhe pertençam (isto é, tal que entre dois elementos haja uma diferença de pelo menos r + 1 unidades)? CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 28 2.9 Os teoremas binomial e multinomial Vejamos agora algumas aplicações simples do que fizémos até agora. Como alternativa à mais habitual prova por indução do teorema binomial, apresentaremos de seguida uma prova combinatória deste resultado, que se apresenta bastante mais simples e que admite uma generalização natural – o teorema multinomial. Teorema 2.5. Sejam n , 0 um inteiro e x, y números reais (ou complexos ou, mais geralmente, elementos de um anel comutativo). Então: (x + y)n = n% k=0 # n k $ xkyn!k Demonstração. Ao usar a distributividade do produto relativamente à adição na ex- pressão (x + y)(x + y) · · · (x + y)& '( ) n factores (2.2) e a comutatividade do produto, obtemos uma soma cujas parcelas são da forma xkyl. Além disso, como há n factores em (2.2), k + l = n, isto é, l = n# k. Logo, (x + y)n = n% k=0 c(k)xkyn!k, onde c(k) é o número de vezes que é obtida a parcela xkyn!k ao efectuar a multiplicação (2.2). Ora, para obter xkyn!k temos de escolher a parcela x em k dos factores de (2.2). Isto pode ser feito precisamente de ! n k " formas, logo c(k) = ! n k " e (x + y)n =*n k=0 ! n k " xkyn!k. Mais geralmente, podemos provar o teorema multinomial: Teorema 2.6. Sejam n , 0 e k , 1 inteiros e x1, . . . , xk números reais (ou complexos ou, mais geralmente, elementos de um anel comutativo). Então: (x1 + · · · + xk)n = % a1, . . . , ak # 0 a1 + · · · + ak = n # n a1, . . . , ak $ xa11 · · ·x ak k Demonstração. Ao expandir o produto (x1 + · · · + xk) · · · (x1 + · · · + xk) (2.3) as parcelas que obtemos são da forma xa11 · · ·x ak k , com a1, . . . , ak , 0 e a1+· · ·+ak = n, o número de factores de (2.3). Resta-nos determinarde quantas formas diferentes pode ser obtida a parcela xa11 · · ·x ak k . Para tal, temos de escolher os a1 factores em que tomamos a parcela x1, os a2 factores em que tomamos a parcela x2, etc. Isto, como já vimos, pode ser feito de n!a1!···ak! = ! n a1,...,ak " formas. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 29 Proposição 2.7. Sejam n um inteiro positivo e x um número real ou complexo tal que |x| < 1. Então (1# x)!n = +$% k=0 # n + k # 1 k $ xk = 1 + # n 1 $ x + # n + 1 2 $ x2 + # n + 2 3 $ x3 + · · · Demonstração. Já vimos que o coeficiente de xk no produto dos n factores (1 + x + x2 + · · · )(1 + x + x2 + · · · ) · · · (1 + x + x2 + · · · ) é ! n+k!1 k " , o que prova o teorema, já que (1#x)!1 = 1+x+x2 + · · · , para |x| < 1. Este resultado motiva a seguinte definição, que estende a definição dos coeficientes binomiais ! n k " para valores arbitrários de n ' R e k ' N. # n k $ = n(n# 1) · · · (n# k + 1) k! , se k , 1 e # n 0 $ = 1. Temos assim, por exemplo, # 1/2 3 $ = 1/2(1/2# 1)(1/2# 2) 3! = 1/16, # 4 6 $ = 4 · 3 · 2 · 1 · 0 · (#1) 6! = 0, # #n k $ = #n(#n# 1) · · · (#n# k + 1) k! = (#1)k n(n + 1) · · · (n + k # 1) k! = (#1)k # n + k # 1 k $ . (2.4) Teorema 2.8. Sejam n ' Z um inteiro qualquer e x um número real ou complexo tal que |x| < 1. Então (x + 1)n = +$% k=0 # n k $ xk. (2.5) Demonstração. Se n , 0 então ! n k " = 0 para k > n e assim a equação (2.5) resume-se ao Teorema 2.5, com y = 1. Se n < 0 então podemos usar a Proposição 2.7, substituindo CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 30 x por #x e #n por n, juntamente com a igualdade (2.4), para concluir que de facto (x + 1)n = +$% k=0 # #n + k # 1 k $ (#x)k = +$% k=0 (#1)k # #n + k # 1 k $ xk = +$% k=0 # n k $ xk. Exemplo. Seja X um conjunto com n elementos. Então o número de subconjun- tos de X com k elementos é ! n k " , por definição de ! n k " . Em particular, o número de subconjuntos de X é # n 0 $ + # n 1 $ + · · · + # n n $ = n% k=0 # n k $ = (1 + 1)n = 2n. Exemplo. Determinemos o número total de subconjuntos de {1, . . . , n}, onde n é um inteiro positivo, que não contêm inteiros consecutivos (não consideramos os inteiros 1 e n como sendo consecutivos). Note-se que o conjunto vazio é um destes subconjuntos. Então, pelo Lema 2.3, o número que procuramos é: % k#0 # n# k + 1 k $ . Seja, para n , 0, Fn = %n/2&% k=0 # n# k k $ = # n 0 $ + # n# 1 1 $ + # n# 2 2 $ + · · · A sucessão Fn consiste nas somas dos elementos das diagonais do triângulo de Pascal. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 31 Note-se que F0 = ! 0 0 " = 1 = ! 1 0 " = F1 e que Fn + Fn+1 = % k#0 # n# k k $ + % l#0 # n + 1# l l $ = % k#0 +# n# k k $ + # n# k k + 1 $, + # n + 1 0 $ = % k#0 # n + 2# (k + 1) k + 1 $ + 1 = % k#0 # n + 2# k k $ = Fn+2 Logo, (Fn)n#0 é a sucessão de Fibonacci. Assim, o número total de subconjuntos de {1, . . . , n} que não contêm inteiros con- secutivos é Fn+1, o (n + 1)-ésimo número de Fibonacci. Exemplo. Considere-se a expansão binomial de (10 + 1)n: 11n = # n 0 $ 10n + # n 1 $ 10n!1 + · · · + # n n# 1 $ 10 + # n n $ . Assim, as linhas do triângulo de Pascal permitem calcular a representação decimal das potências de 11. Por exemplo, como a 6 a linha do triângulo de Pascal é 1 5 10 10 5 1 podemos concluir que 115 = 161051. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 32 2.10 Exerćıcios 1. Usando a identidade (1 + x)2n = (1 + x)n(1 + x)n e considerando em ambos os membros o coeficiente de xn, mostre que # 2n n $ = # n 0 $2 + # n 1 $2 + # n 2 $2 + · · · + # n n $2 . Verifique esta igualdade para n = 5. 2. Apresente uma prova combinatória da identidade n% k=0 # a k $# b n# k $ = # a + b n $ . Observe que se a = b = n obtemos a identidade do exerćıcio 1. 3. Mostre que ! n+1 3 " # ! n!1 3 " = (n# 1)2. 4. Mostre que, em cada uma das linhas do triângulo de Pascal, o número maior é o (resp. são os) do meio, isto é, mostre que ! n r " > ! n r!1 " se r " 12(n + 1). 5. Mostre que, para n > 2 e 1 < k < n# 1, se tem sempre ! k 2 " + ! n!k 2 " < ! n!1 2 " . 6. Mostre que ! n r "2 > ! n r!1 "! n r+1 " , para n > r. 7. Mostre que: (a) ! n 0 " # ! n 1 " + ! n 2 " # · · · + (#1)n ! n n " = 0; (b) ! n 0 " + ! n 2 " + ! n 4 " + · · · = ! n 1 " + ! n 3 " + ! n 5 " + · · · = 2n!1. 8. Calcule n% k=1 k # n k $ , derivando ambos os membros da expansão binomial de (1 + x)n e fazendo a substituição x = 1. 9. Calcule, de forma análoga ao que é sugerido no exerćıcio 8, as seguintes somas: (a) *n k=0(#1)k!1k ! n k " ; (b) *n k=0 1 k+1 ! n k " . CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 33 10. Dados 0 " s " k " r " n, mostre que # n r $# r k $# k s $ = # n s $# n# s k # s $# n# k r # k $ . 11. Dado n , 3, calcule o valor de 1 · 2 · 3 + 2 · 3 · 4 + 3 · 4 · 5 + · · · + (n# 2) · (n# 1) · n. 12. Considere a seguinte rede de estradas: No Ponto inicial O encontram-se 2a soldados. Metade destes segue na direcção SO e a outra metade na direcção SE. Chegando a uma nova intersecção, cada grupo de soldados divide-se novamente em dois, metade seguindo na direcção SO e a outra metade na direcção SE. Quantos soldados chegam ao k-ésimo cruzamento da linha n? [Sugestão: Considere a posição inicial de O como sendo o cruzamento 0 da linha 0.] CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 34 2.11 O prinćıpio do pombal Temos N objectos que queremos distribuir de alguma forma por k caixas, podendo eventualmente deixar algumas caixas vazias ou colocar todos os objectos na mesma caixa. Se N > k então, independentemente da forma como o fizermos, alguma caixa terá pelo menos dois objectos. Mais geralmente, se N > km para algum inteiro não negativo m, então alguma das caixas terá pelo menos m + 1 objectos. Se assim não fosse, então cada caixa conteria no máximo m objectos e o número total de objectos não excederia mk, contrariando a hipótese sobre N . O prinćıpio ilustrado acima chama-se usualmente prinćıpio do pombal, ou prinćıpio das caixas de Dirichlet, por poder ser formulado em termos de pombas (respecti- vamente, objectos) e pombais (respectivamente, caixas). Apesar de ser extrema- mente simples, tem inúmeras aplicações nada óbvias, como iremos ver de seguida. Começamos, no entanto, com algumas aplicações imediatas. Exemplo. Num grupo de 13 pessoas há pelo menos duas pessoas com o mesmo signo astrológico. Exemplo. Numa festa com 6 pessoas, existe necessariamente um grupo de 3 pessoas que se conhecem mutuamente ou um grupo de 3 pessoas que se desconhecem mutua- mente (estamos a assumir que a relação de conhecer é simétrica). Seja A uma das pessoa da festa. Dividimos as restantes 5 pessoas em dois grupos: o grupo das que A conhece e o grupo das que A não conhece. Pelo prinćıpio do pombal, algum destes grupos tem pelo menos 3 pessoas. Suponhamos, por exemplo, que o grupo das pessoas que A não conhece tem pelo menos 3 pessoas, digamos B, C e D. Se B, C e D se conhecem mutuamente, então já temos um trio que se conhece mutuamente. Caso contrário, há pelo menos um par de entre B, C e D que não se conhece, digamos B e C. Então A, B e C é um trio de desconhecidos. Fica assim provada a existência de um trio de conhecidos ou de um trio de desconhecidos mútuos em qualquer grupo de 6 pessoas. Exemplo. Dados 5 pontos P1, . . . , P5 no interior de um quadrado de lado 1, algum par deles está a uma distância inferior ou igual a / 2/2. Se decompusermos o quadrado em 4 quadrados de lado 1/2, pelo menos dois dos pontos dados estarão no mesmo quadrado de lado 1/2. Como o diâmetro de qualquer um destes quadrados é / 2/2, dois pontos no mesmo quadrado pequeno distam no máximo / 2/2 um do outro. Exemplo. Um jogador de xadrez quer treinar-separa um campeonato fazendo jogos de prática nos próximos 77 dias. Ele quer jogar pelo menos um jogo por dia, mas não mais de 132 jogos no total dos 77 dias. Vamos ver que, independentemente do seu plano de treinos, haverá um peŕıodo de dias consecutivos em que jogará precisamente 21 jogos. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 35 Seja ai o número de jogos que ele faz desde o primeiro dia até ao final do dia i. Então a sucessão a1, a2, . . . , a77 é estritamente crescente, a1 , 1 e a77 " 132. A sucessão a1 + 21, a2 + 21, . . . , a77 + 21 é ainda estritamente crescente e a77 + 21 " 153. Ora, os 77 ! 2 = 154 números a1, a2, . . . , a77, a1 + 21, a2 + 21, . . . , a77 + 21 não podem ser todos distintos, já que estão todos compreendidos entre 1 e 153. Logo, há pelo menos dois iguais. Pela monotonia das sucessões (ai)i e (ai + 21)i, os números iguais têm de pertencer a sucessões distintas. Logo ai = aj + 21 para alguns 1 " i, j " 77. Isto significa que do dia j + 1 ao dia i o jogador joga exactamente 21 partidas de xadrez. Exemplo. Seja a1, . . . , an uma sequência de n números reais distintos e suponhamos que n > pq, para alguns inteiros positivos p e q. Vamos ver que: ou existe uma subsequência crescente desta com pelo menos p+1 termos, ou existe uma subsequência decrescente desta com pelo menos q + 1 termos. Suponhamos que não há nenhuma subsequência crescente com p + 1 termos. Para cada i, seja xi o número máximo de termos numa subsucessão crescente da sucessão dada começando em ai. Por hipótese, 1 " xi " p para todo o 1 " i " n. Logo, como n > pq, há pelo menos q + 1 termos da sucessão com o mesmo valor de xj. Estes q + 1 termos formam necessariamente uma subsucessão decrescente de a1, . . . , an. De facto, se i < j e xi = xj então não pode acontecer ai < aj, pois tal implicaria a contradição xi , xj + 1. Exemplo. Dois ćırculos concêntricos, um maior do que o outro, são divididos em 200 secções iguais. Das secções do disco exterior, 100 são coloridas de vermelho e as 100 restantes de azul. As secções do disco interior são pintadas arbitrariamente de vermelho e azul. Será que é sempre posśıvel rodar o ćırculo interior de forma a que as cores dos dois ćırculos coincidam em pelo menos 100 das secções? A figura abaixo ilustra a situação descrita para 10 secções. A resposta é afirmativa e passamos a prová-lo usando o prinćıpio do pombal. Fixe- se o disco exterior e comece-se a rodar o disco interior pelas 200 posições posśıveis. Para cada uma das posições registe-se o número de secções coincidentes. Se somarmos todos estes números ao percorrer as 200 posições, obtemos o número 20000, pois cada CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 36 secção interna coincide com exactamente 100 das secções externas, ao longo das várias posições que vai tomando. Assim, nalguma posição tem de haver pelo menos 100 secções coincidentes. Exemplo. Dados n + 1 inteiros positivos entre 1 e 2n, há algum deles que é múltiplo de outro. Denotamos os n + 1 inteiros dados por x1, . . . , xn+1 e escrevemos, para cada i, xi = 2!iyi, com !i , 0 e yi ı́mpar. Como os yi são n + 1 inteiros ı́mpares entre 1 e 2n, não podem ser todos diferentes. Logo existem ı́ndices i -= j tais que yi = yj. Se !i " !j então xj é múltiplo de xi. Caso contrário, xi é múltiplo de xj. Exemplo. Seja S um subconjunto de {1, 2, . . . , 99} com 10 elementos. Mostrar que existem subconjuntos não vazios e disjuntos de S tais que a soma dos seus elementos é igual. O conjunto S tem 210#1 = 1023 subconjuntos não vazios. A soma dos elementos de qualquer um desses subconjuntos é majorada por 90+91+ · · ·+99 < 10!100 = 1000. Logo, pelo prinćıpio do pombal, existem dois subconjuntos não vazios e distintos de S cujas somas dos seus elementos coincidem, digamos X e Y . Estes conjuntos podem, no entanto, não ser disjuntos, mas A = X \ (X % Y ) e B = Y \ (X % Y ) são disjuntos e a soma dos seus elementos é igual, já que retirámos a X e a Y os mesmos elementos. Além disso, se um destes conjuntos fosse vazio então X 0 Y ou Y 0 X. Como * x'X x = * y'Y y e estes inteiros são não nulos, tal implicaria que X = Y , o que é absurdo. Logo A e B têm a propriedade pretendida. CAPÍTULO 2. MÉTODOS ELEMENTARES DE CONTAGEM 37 2.12 Exerćıcios 1. Numa gaveta há 10 meias brancas idênticas e 10 meias pretas também idênticas. Sem olhar para as meias, quantas meias é necessário retirar da gaveta para ga- rantir que se consegue um par de meias da mesma cor? 2. Quantas cartas é necessário retirar de um baralho de cartas para garantir que se retiram pelo menos duas cartas do mesmo naipe? 3. Quantas pessoas é necessário haver numa sala para garantir que pelo menos 3 delas têm o mesmo dia de aniversário? 4. Quantas bolas é necessário retirar de um saco que contém 12 bolas vermelhas, 20 bolas brancas, 7 bolas azuis e 8 bolas verdes para garantir que se tiram pelo menos 10 bolas da mesma cor? 5. Quantas pessoas devem ser escolhidas de entre n casais de forma a garantir que algum casal é escolhido? 6. Mostre que numa sala com 20 pessoas há pelo menos 2 pessoas com o mesmo número de amigos na sala. 7. Considere todos os pontos do plano cujas coordenadas são inteiros. Mostre que dados quaisquer 5 desses pontos, pelo menos 1 dos 10 segmentos que os unem contém ainda algum ponto de coordenadas inteiras. [Sugest~ao: Considere os pontos médios dos segmentos.] 8. Sejam x1, . . . , xn inteiros arbitrários. Mostre que existem i < j tais que xi + xi+1 + · · · + xj!1 é múltiplo de n. 9. Usando o prinćıpio do pombal, mostre que a expansão decimal de um número racional é finita ou periódica. 10. Mostre que para qualquer inteiro N , existe um múltiplo de N cuja representação decimal contém apenas os d́ıgitos 0 e 7. Por exemplo, se N = 3 então 259! 3 = 777; se N = 4 então 1925! 4 = 7700. [Sugest~ao: Considerar as classes residuais módulo N dos seguintes inteiros: 7, 77, . . . , 77 · · · 7& '( ) N algarismos .] 11. Considere uma sequência de N inteiros positivos contendo precisamente n inteiros distintos. Mostre que se N , 2n então existe um bloco de termos consecutivos da sequência cujo produto é um quadrado perfeito.
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