Buscar

Desconsideração da Personalidade Jurídica no Processo Civil - João Cánovas Bottazzo Ganacin - 2020

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 223 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 223 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 223 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Diretora de Conteúdo e Operações Editoriais
JULIANA MAYUMI ONO
Gerente de Conteúdo
MILISA CRISTINE ROMERA
Editorial: Aline Marchesi da Silva, Diego Garcia Mendonça,
Karolina de Albuquerque Araújo e Quenia Becker
Gerente de Conteúdo Tax: Vanessa Miranda de M. Pereira
Direitos Autorais: Viviane M. C. Carmezim
Assistente de Conteúdo Editorial: Juliana Menezes Drumond
Analista de Projetos: Camilla Dantara Ventura
Estagiários: Alan H. S. Moreira, Ana Amalia Strojnowski, Bárbara
Baraldi e Bruna Mestriner
Produção Editorial
Coordenação
ANDRÉIA R. SCHNEIDER NUNES CARVALHAES
Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos e
Maria Angélica Leite
Analista de Projetos: Larissa Gonçalves de Moura
Analistas de Operações Editoriais: Alana Fagundes Valério,
Caroline Vieira, Damares Regina Felício, Danielle Castro de
Morais, Mariana Plastino Andrade, Mayara Macioni Pinto e Patrícia
Melhado Navarra
Analistas de Qualidade Editorial: Ana Paula Cavalcanti, Fernanda
Lessa, Thaís Pereira e Victória Menezes Pereira
Designer Editorial: Lucas Kfouri
Estagiárias: Maria Carolina Ferreira, Sofia Mattos e Tainá Luz
Carvalho
Capa: BE/ON Comunicação
Adaptação da Capa: Linotec
Equipe de Conteúdo Digital
Coordenação
MARCELLO ANTONIO MASTROROSA PEDRO
Analistas: Gabriel George Martins, Jonatan Souza, Maria Cristina
Lopes Araujo e Rodrigo Araujo
Gerente de Operações e Produção Gráfica
MAURICIO ALVES MONTE
Analistas de Produção Gráfica: Aline Ferrarezi Regis e Jéssica
Maria Ferreira Bueno
Estagiária de Produção Gráfica: Ana Paula Evangelista
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ganacin, João Cánovas Bottazzo
Desconsideração da personalidade jurídica no processo
civil / João Cánovas Bottazzo Ganacin ; Arruda Alvim,
coordenador científico. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil,
2020. -- (Coleção Liebman / Teresa Arruda Alvim e Eduardo
Talamini, coordenadores)
6 Mb ; ePub
Bibliografia.
ISBN 978-65-5065-415-3
1. Desconsideração da personalidade jurídica - Brasil 2.
Processo civil - Brasil 3. Processo civil - Leis e legislação - Brasil
I. Arruda Alvim. II. Arruda Alvim, Teresa. III. Talamini, Eduardo.
IV. Título. V. Série.
20-35359                  CDU-347.9(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Processo civil 347.9(81)
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE
JURÍDICA NO PROCESSO CIVIL
JOÃO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN
COLEÇÃO LIEBMAN
TERESA ARRUDA ALVIM E EDUARDO TALAMINI
Coordenadores
ARRUDA ALVIM
Coordenador científico
Diagramação eletrônica: Linotec Fotocomposição e Fotolito Ltda.,
CNPJ 60.442.175/0001-80
© desta edição [2020]
THOMSON REUTERS BRASIL CONTEÚDO E TECNOLOGIA LTDA.
Juliana Mayumi Ono
Diretora Responsável
Av. Dr. Cardoso de Melo, 1855 – 13º andar - Vila Olímpia
CEP 04548-005, São Paulo, SP, Brasil
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução
total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por
sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos,
fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a
recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer
parte desta obra em qualquer sistema de processamento de
dados. Essas proibições aplicam-se também às características
gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos
autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código
Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e
apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610,
de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
O autor goza da mais ampla liberdade de opinião e de crítica,
cabendo-lhe a responsabilidade das ideias e dos conceitos
emitidos em seu trabalho.
CENTRAL DE RELACIONAMENTO THOMSON REUTERS SELO REVISTA DOS
TRIBUNAIS
(atendimento, em dias úteis, das 09h às 18h)
Tel. 0800-702-2433
e-mail de atendimento ao consumidor: sacrt@thomsonreuters.com
e-mail para submissão dos originais: aval.livro@thomsonreuters.com
Conheça mais sobre Thomson Reuters: www.thomsonreuters.com.br
Acesse o nosso eComm
www.livrariart.com.br
Profissional
Fechamento desta edição [17.03.2020]
ISBN 978-65-5065-415-3
http://www.thomsonreuters.com.br
http://www.livrariart.com.br
Aos meus pais, com gratidão.
PREFÁCIO
Há cerca de quatro décadas venho me interessando pelo tema
da desconsideração da personalidade jurídica, introduzido na
doutrina brasileira por obra dos comercialistas paranaenses
RUBENS REQUIÃO e JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA na década
dos anos setenta.1 Até então vigia soberana e absoluta a regra da
rigorosa distinção entre a personalidade jurídica da sociedade e a
de seus sócios, expressa no art. 20 do Código Civil de 1916 ao
estabelecer que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da
dos seus membros” − disposição da qual se inferia pacificamente
que também eram rigorosamente separados e independentes os
direitos, as obrigações, os patrimônios e as responsabilidades de
uma e de outro. Foi então que REQUIÃO apresentou aos brasileiros
a disregard doctrine, exposta inicialmente pelo alemão ROLF
SERICK e desenvolvida de início em plagas norte-americanas, ao
informar que “a doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-
americanos visa a impedir a fraude ou algum abuso através do
uso da personalidade jurídica”. Foi então que, aderindo a essa
doutrina, produzi um ensaio a respeito, denominado
“Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da
prova e contraditório”, depois incluído em uma coletânea de
minha autoria.2 Rebelava-me eu, no entanto, contra uma
arbitrária jurisprudência que levava longe demais a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao
redirecionar as execuções fiscais, passando desse modo a invadir
o patrimônio dos sócios quando o da sociedade executada não
fosse bastante para satisfazer o direito da entidade exequente.
Sugeria eu então que antes de proceder a esse redirecionamento
e à penhora de bens do sócio, fosse concedida a este uma
oportunidade para se defender, mediante a implantação de um
incidente inicial do processo de execução. E dizia: “não basta a
citação, porque sem um mínimo de oportunidade de defesa antes
da captação de bens do sujeito essa citação não valeria mais que
um convite a assistir ao próprio velório”.
Mais tarde veio o Código Civil de 2002 a consagrar
legislativamente a teoria da desconsideração da personalidade,
ao dispor em seu art. 50 que em caso de abuso da personalidade
jurídica “os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Mas prosseguia a
arbitrariedade de proceder a essa extensão, agredindo o
patrimônio do sócio por obrigações da sociedade sem se lhe
conceder uma prévia oportunidade de defesa. Esse mal foi
vigorosamente combatido quando o Código de Processo Civil de
2015 instituiu o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica (arts. 133 ss.), impondo que “para a desconsideração da
personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente
previsto neste Código” (art. 795, § 4º). Essa sucessão de
dispositivos legais fechou o ciclo da consagração da
desconsideração em si mesma e de sua compatibilização com a
ordem constitucional e especificamente com a garantias do
contraditório e do due process of law − embora ainda haja quem,
contrariamente ao que dispõe o Código de Processo Civil,
continue a sustentar aquela inconstitucional imposição de
constrições executivas sobre o patrimônio do sócio para só
depois lhe possibilitar uma defesa.
Foi nesse clima que JOÃO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN se
animou a produzir esta obra aqui prefaciada, que antes fora uma
dissertação apresentada em nível de mestrado no curso de pós-
graduação do Largo de São Francisco e ali muito bem-sucedida,
com a aprovação e louvores de todos os integrantes da Comissão
Examinadora, figurando eu como seu orientador. Daí o meu
orgulho ao ser convidado a apresentar o presente prefácio, no
qual externo minhagrande admiração pelo Autor e aderência
total às ideias ali desenvolvidas.
Já a partir de seu título (Desconsideração da personalidade
jurídica no processo civil) percebe-se o intuito de desenvolver o
tema sobre duas vertentes autônomas mas intimamente ligadas, a
saber, (a) a vertente da desconsideração em si mesma, de forte
inserção no sistema do direito substancial, e (b) a do trato
processual desse instituto, com remissão às sadias técnicas
processuais da atualidade e atenção àquelas garantias oferecidas
pela Constituição Federal. Com essa estrutura, o livro de JOÃO
apresenta-se como uma obra interdisciplinar, portadora de um
elevado grau de consistência e realismo na medida em que
define de um lado o conceito, a finalidade, os requisitos e os
limites da desconsideração da personalidade jurídica e, de outro,
os modos legítimos para se chegar a esse resultado.
Em sua primeira parte o livro principia por discorrer sobre a
personalidade jurídica, seu conceito, sua natureza e sua função
na dinâmica dos direitos e obrigações, para em seguida lançar-se
sobre o tema dos abusos a que pode dar ensejo (fraudes, desvio
de finalidade). E só então, sobre esse lastro muito sólido, passa a
examinar a própria desconsideração, expondo o seu conceito,
requisitos para sua efetivação e limites para sua imposição.
Na segunda parte do livro, de conteúdo processual, JOÃO trata
do incidente processual instituído pelo Código de Processo Civil
de 2015 para a imposição da desconsideração da personalidade
jurídica. Os conceitos, as análises e as propostas ali lançados
estão solidamente assentados sobre as garantias constitucionais
do processo e desenvolvidos sobre o pano de fundo dos
institutos e técnicas do direito processual civil. É ali que critica
enfaticamente a orientação dos que sustentam a dispensa do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica antes da
realização de atos de constrição sobre o patrimônio do sócio,
contentando-se com a oferta de meios de defesa após consumada
essa construção. Como já ressaltei, essa foi uma orientação
seguida pelo Superior Tribunal de Justiça antes da edição do
Código de Processo Civil de 2015, contra a qual eu também me
insurgi, e que a meu ver constitui um escárnio às garantias
constitucionais do devido processo legal e do contraditório.
Depois, no desenvolvimento dos temas de técnica processual,
examina o incidente em si mesmo, requisitos e momentos de sua
implementação, legitimidade para suscitá-lo, prova e ônus da
prova etc. Culmina com o exame da imposição ou não
imposição da autoridade da coisa julgada material sobre a
decisão proferida no incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e consequente admissibilidade ou
inadmissibilidade da ação rescisória contra essa decisão. Nesse
ponto, acentuando que “a desconsideração da personalidade
jurídica não constitui o petitum do demandante, mas um
fundamento para a condenação do sócio ao adimplemento de
obrigação contraída a princípio pela sociedade (verdadeiro
meritum causae)”, propõe a aceitação com ressalvas dessa coisa
julgada e dessa ação rescisória.
Com toda essa solidez, posso antever que a obra de JOÃO será
de muito agrado do público leitor e de utilidade para todos nós,
praticantes do direito. A oferta de soluções coerentes não só para
as questões conceituais ali examinadas, mas também para os
problemas práticos que surgem em nosso dia a dia, é o núcleo de
um trabalho predestinado a integrar as bibliotecas de todos
estudiosos do direito e de todos os profissionais seriamente
interessados em aprimorar seus trabalhos.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
Professor titular de direito processual civil da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
1. Cfr. respectivamente “Abuso de direito e fraude através da
personalidade jurídica”, in Revista dos Tribunais n. 410/1969; A dupla
crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
2. Cfr. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros,
2010, t. I.
NOTA DO AUTOR
Esta é a versão comercial da dissertação que apresentei à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de mestre. No trabalho, exponho minha visão
a respeito da desconsideração da personalidade jurídica e sobre
como a aplicação desse instituto está disciplinada no Código de
Processo Civil.
As ideias defendidas ao longo do texto são diversas, mas
giram todas em torno de quatro premissas fundamentais: (I) o
conceito de desconsideração da personalidade jurídica; (II) a
distinção entre a responsabilidade extraordinária e primária
decorrente da desconsideração e a responsabilidade ordinária e
secundária dos sócios; (III) a concepção de que há, no pedido de
instauração do incidente de desconsideração, o ajuizamento de
demanda; e (IV) a compreensão da desconsideração da
personalidade jurídica como meio, e não fim. Em tudo que
pensei e escrevi, tentei ser coerente especialmente com essas
premissas.
Além de buscar coerência, procurei demonstrar a relevância
prática de cada ponto abordado. Desejo, acima de tudo, que este
trabalho seja útil. Quem se dedica ao estudo do direito
processual, acredito, não deve se deter em meditações puramente
acadêmicas – menos ainda quando trata de expedientes contra
fraudes.
Em que medida consegui atingir esses meus dois objetivos
principais, não tenho como avaliar. De todo modo, espero que o
texto suscite reflexões, como provocaram em mim os livros e
artigos já publicados sobre o tema.
Agradeço: a Júlia Prado Mascarenhas, que acompanhou e
incentivou como ninguém a produção deste trabalho, o
companheirismo e o carinho; aos amigos Antonio Bender
Mammi, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes e Oswaldo
Daguano Jr., a gentileza de revisar o texto; aos Professores
Flávio Luiz Yarshell, Claudio Luiz Bueno de Godoy, Antonio
Carlos Marcato, Ricardo de Carvalho Aprigliano e André Pagani
de Souza, as construtivas críticas.
Ao Prof. Cândido Rangel Dinamarco, responsável pela
existência deste trabalho, nem sei bem o que agradecer numa
breve nota. A amizade, as lições, as conversas, as
oportunidades… Embora me falte espaço para escrever, jamais
me faltará memória para lembrar. Obrigado, Mestre.
SUMÁRIO
ANTERROSTO
PÁGINA DE DIREITOS AUTORAIS
FOLHA DE ROSTO
DEDICATÓRIA
PREFÁCIO
NOTA DO AUTOR
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE 
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
E PROCESSO
1. PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1. Considerações preliminares
1.2. Função
1.3. Autonomia patrimonial
2. A CHAMADA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante
transposição de risco
2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade
3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
Origem e desenvolvimento
4. A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS HIPÓTESES
4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50)
4.1.1. Desvio de finalidade
4.1.2. Confusão patrimonial
4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades
4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de
desconsideração
5. O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
6. O SUJEITO ATINGIDO POR DESCONSIDERAÇÃO:
RESPONSÁVEL PATRIMONIAL PRIMÁRIO
7. OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E QUESTÕES DE
MÉRITO – NOÇÕES ELEMENTARES
SEGUNDA PARTE 
INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
8. UMA APRESENTAÇÃO
8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo Civil
8.2. O incidente de desconsideração e outras causas de
responsabilidade dos sócios
9. O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO COMO
DEMANDA
9.1. Ponto de partida: desconsideração da personalidade
jurídica na petição inicial
9.2. Segue: desconsideração da personalidade jurídica no
incidente
10. DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO DO
INCIDENTE
11. INTERESSE PROCESSUAL NA DESCONSIDERAÇÃO
– A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO
SUPOSTA CONDIÇÃO PARA A DISREGARD
12. LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE
12.1. Instauração por iniciativa do juiz?
12.2. Instauração por iniciativa do Ministério Público?
12.3. Instauração por iniciativa do assistente?
13. PROVA
13.1.Necessidade e ônus da prova
13.2. Dificuldades probatórias
14. FRAUDE DE EXECUÇÃO
15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS
16. COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Uma das mais festejadas novidades introduzidas pelo Código
de Processo Civil de 2015 em nosso ordenamento jurídico
encontra-se no título dedicado às intervenções de terceiros.
Trata-se do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, disciplinado nos artigos 133 e seguintes do estatuto
processual.
CÂNDIDO DINAMARCO referiu-se à inovação como um “valioso
culto à garantia do contraditório”, cujo principal mérito seria
afastar a insegurança que pairava sobre a forma processual de se
proceder à desconsideração da personalidade jurídica.1 Na
mesma linha, ARRUDA ALVIM observou que o modo de aplicação
do instituto vinha sendo “objeto de preocupação” e elogiou a
iniciativa de se estabelecer um incidente específico para a
utilização da disregard doctrine.2 A novidade também foi
louvada por DANIEL NEVES,3 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA,4 entre
outros que a comentaram.5-6
A generalizada reação positiva diante da criação de um
regramento processual próprio para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica é compreensível. A
despeito da importância do instituto e de sua frequente aplicação
nos tribunais brasileiros, existia séria divergência sobre como
empregá-lo na vigência do Código de 1973.7 Na doutrina,
formaram-se basicamente três correntes: de um lado, havia quem
defendesse a desconsideração como medida passível de ser
obtida somente por meio de processo próprio, com inclusão do
sujeito visado na posição de réu;8 de outro, quem considerasse
válida sua aplicação no curso de execução movida em face da
pessoa jurídica, independentemente de prévia citação do
indivíduo cujos bens se quisesse alcançar;9 e havia ainda posição
intermediária, que dispensava a instauração de novo processo
mas não a garantia de prévio contraditório àquele que pudesse
ter seu patrimônio atingido por aplicação da disregard
doctrine.10 No Superior Tribunal de Justiça, prevalecia o
entendimento de que a desconsideração da personalidade
jurídica poderia ocorrer incidentalmente e sem prévia
oportunidade de defesa a quem pudesse suportar seus efeitos,11
mas acórdãos da própria corte apontavam a ilegitimidade desse
modo de proceder,12 dada a sua incompatibilidade com as
garantias constitucionais do contraditório e do devido processo
legal.13
Diante da dissensão, surgiram reclamações por uma
regulamentação processual específica para o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica. PEDRO BIANQUI, v.g.,
propunha a criação de um incidente que garantisse prévio
contraditório e permitisse constatar, mediante instrução, a
existência ou não de fatos para a desconsideração. Assim, com
um procedimento incidental preestabelecido e legalmente
formatado, haveria maior segurança tanto nas relações jurídicas
quanto nas decisões judiciais relativas ao tema.14
Manifestações dessa ordem alcançaram o Poder Legislativo,
resultando em projetos de lei que pretenderam fixar uma
disciplina processual para a desconsideração da personalidade
jurídica. Contudo, nenhum chegou a se concretizar.
O primeiro deles, apresentado pelo deputado federal RICARDO
FIUZA,15 veio logo após o Código Civil de 2002 entrar em vigor e
buscava instituir um incidente no qual a decisão sobre a
desconsideração da personalidade jurídica fosse precedida de
oportunidade de defesa a quem pudesse ter seu patrimônio
atingido pela aplicação da disregard doctrine. Acabou
arquivado. Posteriormente, em 2008, o parlamentar BRUNO
ARAÚJO apresentou projeto essencialmente similar e que
tampouco prosperou.16
Esse histórico de debates, sugestões e propostas legislativas
sinaliza o antigo anseio da comunidade jurídica por um
regramento que definisse a forma de se manejar processualmente
a desconsideração da personalidade jurídica. Surgiu, então,
ocasião mais que propícia para o suprimento dessa lacuna: a
elaboração de um novo Código de Processo Civil.
Pode-se dizer que o objetivo deste estudo é examinar como
essa especial oportunidade foi aproveitada pelo legislador. O
trabalho ora introduzido consiste numa análise do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, isto é, do meio que o
Código de Processo Civil de 2015 estabelece para a integração
de sujeitos a processos já pendentes com fundamento na
disregard doctrine. Seu objetivo é abordar criticamente os
principais aspectos dessa nova modalidade de intervenção de
terceiros e enfrentar relevantes dúvidas que o contato com o
incidente suscita. Que pretensão é deduzida por meio dele? Qual
seu impacto sobre o objeto do processo? Em que medida pode se
defender o sujeito que intervém por meio do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica? Essas e outras
questões de fundamental importância prática serão objeto da
segunda parte do estudo.
A primeira metade do trabalho abriga os pilares da análise
que se pretende fazer. Nela são estabelecidos conceitos
indispensáveis ao estudo do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e abordados institutos com os quais essa
nova modalidade de intervenção de terceiros se relaciona.
Ademais, a própria definição do que se deve entender por
“desconsideração da personalidade jurídica” – expressão
metafórica e enganosa – é apresentada na parte inicial do livro.
Não é difícil perceber a importância do tema. A invocação da
disregard doctrine foi frequente na vigência do Código de 1973,
e os poucos anos em vigor do estatuto de 2015 indicam que a
utilização do incidente de desconsideração como meio de
intervenção de terceiros será constante, o que torna
imprescindível o seu estudo.
A fim de escapar ao tratamento de questões que não se
mostram indispensáveis ao desenvolvimento do trabalho (e às
tantas digressões que isso implicaria), optou--se por realizá-lo à
luz do processo estatal de natureza individual, considerando-se o
trâmite do procedimento comum e o do cumprimento de
sentença. Tal recorte, entretanto, decorre de escolha puramente
metodológica: havendo compatibilidade, as conclusões
apresentadas ao longo do texto poderão ser aproveitadas no
processo coletivo, no processo de execução, em procedimentos
especiais ou ainda no campo da arbitragem.17
Para finalizar esta introdução, esclarece-se que o trabalho não
se aprofunda em demasia em aspectos puramente materiais da
desconsideração da personalidade jurídica, e nem é esse o seu
propósito. O tema é de grande complexidade, com questões e
dificuldades cujo exame a fundo daria ensejo a outros livros.
Mas é evidentemente indispensável enfrentá-lo, sem o que não
seria possível bem compreender sua projeção no campo do
direito processual.18 Vale aqui, como sempre, a lição de
DINAMARCO: “jamais alguém compreenderá bem o processo civil
enquanto só o processo civil estudar”.19
1. “O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil
vigente”, n. 16. Noutro trabalho, em coautoria com Bruno Vasconcelos
Carrilho Lopes, o jurista classificou o incidente como “uma das
grandes novidades do novo Código de Processo Civil” (Teoria geral do
novo processo civil, p. 164).
2. Manual de direito processual civil, pp. 530-532.
3. “O Novo Código de Processo Civil prevê um incidente processual para
a desconsideração da personalidade jurídica, finalmente
regulamentando seu procedimento. Tendo seus requisitos previstos no
art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do Código
Civil, faltava uma previsão processual a respeito do fenômeno jurídico,
devendo ser saudada tal inciativa” (Novo Código de Processo Civil –
inovações, alterações e supressões comentadas, p. 141).
4. “Este incidente – que não estava previsto expressamente na legislação
processual anterior – vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e
ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da
personalidade jurídica” (Breves comentários ao novo Código de
Processo Civil, p. 425).
5. “É positiva a iniciativa do legislador,ao prever um procedimento
específico para regrar a aplicação de tão importante instituto jurídico,
restando aqui a séria esperança de que, uma vez em vigor o novo
Código de Processo Civil, algumas das históricas polêmicas
jurisprudenciais e doutrinárias possam restar superadas; tudo de modo
a homenagear-se a segurança jurídica” (MEDEIROS NETO, “O
princípio da proporcionalidade, o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica e o projeto de um novo Código de Processo
Civil”, n. 4).
6. “A inovação é de extrema importância e representa verdadeira dobra
histórica no percurso que vem sendo trilhado pela desconsideração da
personalidade jurídica no âmbito interno. Com essa atitude o legislador
processual preenche sensível lacuna que vinha acompanhando as
discussões sobre a maneira adequada de se tratar processualmente a
prática de atos de abuso da personalidade jurídica, bem como sobre a
fixação de suas consequências no âmbito da tutela jurisdicional”
(XAVIER, “A processualização da desconsideração da personalidade
jurídica”, n. 4).
7. Cf. GAMA, “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica”,
n. 2.
8. “A desconsideração da personalidade jurídica, providência cujo acerto e
eficácia devem atentar para sua excepcionalidade e para a presença de
seus pressupostos (fraude e abuso, a desvirtuar a finalidade social da
pessoa jurídica), não pode, não ao menos como regra, ser feita por
simples despacho no processo de execução. A cognição para detectar a
presença dos citados pressupostos é indispensável e, nessa medida, ao
menos como regra, impõe-se a instauração do regular contraditório em
processo de conhecimento. […] Trata-se de ‘ação própria’ no sentido
de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via
desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento
condenatório para que, também em relação a ele, se forme o título
executivo” (GRINOVER, “Da desconsideração da pessoa jurídica –
aspectos de direito material e processual”, pp. 184-185). Também nesse
sentido, cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, pp. 57-59;
SILVA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos
processuais, pp. 203-205.
9. “Mera decisão interlocutória proferida em meio à própria execução,
após cognição sumária, aplicando-se a desconsideração, na forma de
incidente processual, tendo em vista a prática de atos com o intuito de
fraudar as obrigações pactuadas, sem que seja necessária a prévia
manifestação do prejudicado, não viola os princípios constitucionais do
contraditório e ampla defesa, pois esses terceiros poderão utilizar-se de
todos os meios de defesa previstos, como, por exemplo, os embargos
de terceiro e o recurso de agravo de instrumento, por se tratar de
terceiro prejudicado” (BRUSCHI, Aspectos processuais da
desconsideração da personalidade jurídica, p. 152).
10. “Positivando-se que a sociedade não disponha de suficiente patrimônio
responsável, a pedido do exequente citar-se-á o sócio, ou sócios,
abrindo-se logo em seguida uma instrução destinada a apurar sua
responsabilidade patrimonial. As disposições legais referentes aos
procedimentos executivos não oferecem abertamente dilações dessa
ordem, mas é imperioso instituir um incidente inicial na execução,
ainda que sem lei expressa a respeito, porque do contrário não se
poderia chegar legitimamente à responsabilidade daquele cujo
patrimônio o exequente pretende captar pela penhora”
(DINAMARCO, “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude,
ônus da prova e contraditório”, pp. 547-548). No mesmo sentido, cf.
THEODORO JR., “A desconsideração da personalidade jurídica no
direito processual civil brasileiro”, p. 330.
11. “Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, sendo a
desconsideração da personalidade jurídica um incidente processual o
qual pode ser deferido nos próprios autos, faz-se desnecessária a
prévia citação dos sócios da pessoa jurídica cuja personalidade foi
superada” (STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 918.295-SP, rel. Min. Maria
Isabel Gallotti, j. 18.8.2016).
12. V.g., cf. STJ, 4ª T., RMS 29.697-RS, rel. Min. Raul Araújo, j.
23.4.2013.
13. Na doutrina, Fredie Didier Jr. foi um dos que apontaram a
ilegitimidade do entendimento que prevalecia no Superior Tribunal de
Justiça: “seja pelo litisconsórcio eventual, seja pela instauração de um
incidente cognitivo no processo de execução, o que importa é dar
oportunidade ao debate, não sendo lícita a aplicação da sanção sem o
prévio contraditório. Não se pode, na ânsia por uma efetividade do
processo, atropelar garantias processuais alcançadas após séculos de
estudos e conquistas. Imaginar a aplicação de uma teoria
eminentemente excepcional, que inquina de fraudulenta a conduta
deste ou daquele sócio, sem que se lhe dê a oportunidade de defesa –
ou somente se lhe permita o contraditório eventual dos embargos à
execução, com necessidade da prévia penhora, dos embargos de
terceiro ou do recurso de terceiro –, é afrontar princípios processuais
básicos” (Regras processuais no Código Civil, pp. 13-14).
14. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 124.
Cf. ainda BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica, pp. 110-114.
15. “O PL 2.426/2003 é importante porque se trata da primeira tentativa
de disciplinar a aplicação a aplicação de disciplinar a aplicação da
teoria da personalidade jurídica no processo civil por meio de lei
federal, criando um incidente cognitivo de desconsideração da
personalidade jurídica” (SOUZA, Desconsideração da personalidade
jurídica – aspectos processuais, p. 192).
16. Projeto de Lei 3.401/2008.
17. Registre-se que a possibilidade de desconsideração da personalidade
jurídica em processo arbitral é controversa. Contra, cf. DIDIER JR.-
ARAGÃO, “A desconsideração da personalidade jurídica no processo
arbitral”, pp. 266-267; CARMONA, Arbitragem e processo – um
comentário à Lei nº 9.307/96, pp. 83-84. A favor, cf. WALD, “A
desconsideração na arbitragem societária”, n. 1.
18. “Ignorar a realidade jurídico-material impede a correta compreensão
dos institutos processuais, muito dos quais concebidos a partir de
situações verificadas fora do processo. Constrói-se a técnica
processual a partir de características da crise de direito material a ser
solucionada pelo juiz. O modo de ser do método de trabalho destinado
à solução das controvérsias é influenciado pela natureza da relação de
direito material”. BEDAQUE, Direito e processo – influência do
direito material sobre o processo, pp. 25-26.
19. Apresentação do livro Desconsideração da personalidade jurídica no
processo civil, de Pedro Henrique Torres Bianqui.
PRIMEIRA PARTE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA E PROCESSO
1
PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1. Considerações preliminares
A expressão desconsideração da personalidade jurídica
remete à ideia de transposição de uma barreira. A relação parece
intuitiva: se a personalidade jurídica por vezes tem de ser
desconsiderada (ou superada, como prefere a doutrina italiana),1
decerto é porque sua existência pode constituir óbice à obtenção
de algum resultado juridicamente relevante.
Em razão dessa percepção, é inevitável que o estudo da
desconsideração desperte indagações sobre a figura da
personalidade jurídica.2 Em que ela consiste? Afinal de contas,
por que é preciso desconsiderá-la em determinadas ocasiões?
A primeira dessas questões formou o eixo do debate a
respeito da natureza da personalidade jurídica, que durante anos
teve destaque no cenário jurídico europeu.3 Além da célebre
teoria ficcionista de SAVIGNY, que definiu as pessoas jurídicas
como seres fictícios (“des êtres fictifs”) concebidos para atuar
como sujeitos de direito em relações de cunho econômico,4
várias outras procuraram explicar a “essência” da personalidade
jurídica, apresentando as mais distintas proposições. Em sua
obra, VICENTE RÁO enumera nada menos do que dez diferentes
pensamentos acerca do assunto, e diz referir-se somente aos “de
maior relevo”.5
Apesar da atenção que o tema atraiu e das polêmicas em
tornodele criadas, MENEZES CORDEIRO diz ser insatisfatório o
resultado alcançado a seu respeito. O jurista entende que “a
Ciência do Direito não conseguiu explicar a essência da
personalidade colectiva”6 e enxerga na doutrina recente pouco
interesse em alterar esse panorama: “multiplicam-se os manuais
que, de pessoa colectiva,7 dão breves definições técnicas, ou
abandonam, pura e simplesmente, a tarefa da sua definição”.8
FÁBIO ULHOA COELHO relatou fenômeno semelhante: na sua visão,
os autores que se depararam com a questão pareceram menos
animados a enfrentá-la do que a “ver-se livre dela”.9
Além daqueles que ignoram o debate, há quem abertamente o
desqualifique, pondo em xeque o proveito das teorias que se
desenvolveram sobre a personalidade jurídica e a importância de
se apurar sua natureza. RUBENS REQUIÃO tacha de “fatigantes” as
controvérsias sobre o tema,10 e CUNHA GONÇALVES afirma que os
produtos das “laboriosas dissertações” que o abordaram são “tão
contraditórios como inúteis para a vida prática”.11 Menos
incisivo, COUTINHO DE ABREU não chega a considerar bizantinos os
estudos sobre a essência da pessoa jurídica, mas mesmo assim
lhes relativiza a importância. Segundo o comercialista
português, mais relevante do que teorizar sobre a pessoa jurídica
e sua natureza é “indagar o sentido-função, o porquê-e-para quê”
de sua existência.12
Independentemente do valor das teorias concernentes à
“essência” da personalidade jurídica, o ponto de vista de
COUTINHO DE ABREU revela-se adequado ao menos para o
propósito deste trabalho. Conforme se verá ao longo da leitura, o
instituto da desconsideração não é fruto de especulações
acadêmicas; trata-se de expediente pragmático, pensado a partir
de casos concretos como remédio contra o uso abusivo de
pessoas jurídicas (infra, n. 3). Dessa forma, muito pouco
aproveitaria ao seu estudo uma análise ontológica da
personalidade jurídica, adotando-se uma ou outra teoria a
respeito de sua natureza.13 Aqui, mais interessa analisar a pessoa
jurídica como existência teleológica,14 com o olhar voltado para
o seu papel dentro do ordenamento, pois só conhecendo a função
desempenhada pela pessoa jurídica será possível constatar
eventual anormalidade no seu manejo.
Em sua favola della persona giuridica, GALGANO oferece uma
versão pitoresca para a gênese da pessoa jurídica: soberbo, o ser
humano não a teria concebido para exercer função alguma, mas
tão somente para satisfazer seu anseio de passar da condição de
mera criatura ao posto de criador.15 Obviamente, a verdade é
outra: são de ordem prática as razões que justificam o instituto
da pessoa jurídica, não havendo sentido em sua existência a não
ser como instrumento a serviço do homem.16 Assim, deve-se
perquirir a que se presta tal ferramenta.
1.2. Função
Para propiciar o desenvolvimento de atividades direcionadas
à obtenção de lucro e a outros propósitos lícitos, a legislação
autoriza que particulares criem e mantenham organizações
juridicamente distintas de sua própria existência. A
independência jurídica de tais organizações manifesta-se na
aptidão para a prática de atos e o estabelecimento de relações em
nome próprio, com capacidade para a titularidade de direitos e
deveres que não se confundem com direitos e deveres dos
sujeitos que as integram. Ao contrair uma dívida, por exemplo, a
organização formada não estará obrigando conjuntamente seus
participantes, como codevedores, senão obrigando a si mesma,
como parte individualizada. Assim, a principal marca da
existência jurídica dessas entidades está na sua condição de
sujeito de direito com autonomia patrimonial: uma vez criadas,
originam centros de imputação de relações ativas e passivas
economicamente estimáveis, ou seja, novos patrimônios aos
quais poderão ser vinculados direitos e deveres.17
A personalidade jurídica é o meio que o ordenamento
disponibiliza para a produção do fenômeno anteriormente
descrito. Com o estabelecimento de organizações personificadas,
denominadas pessoas jurídicas, persegue-se o efeito da
constituição de patrimônio autônomo, para que nele se possa
vincular direitos e obrigações relacionados a um propósito
específico. Sem autonomia patrimonial, a pessoa jurídica estaria
por certo fadada à esterilidade, pois sua utilidade se extrai
justamente de sua capacidade para a titularidade de direitos e
deveres (infra, n. 1.3). Por isso, diz FERRER CORREIA, não é
possível conceber personalidade jurídica sem autonomia
patrimonial;18 seria como imaginar uma faca sem gume.
A função da personalidade jurídica revela-se, portanto, bem
mais nítida do que sua natureza ou essência, e isso reflete de
forma muito clara na doutrina. Em vez de teorias dissonantes e
discussões inconcludentes, o que se verifica é um consenso em
torno da pessoa jurídica como meio para a formação de
patrimônio autônomo.19 É essencialmente essa a compreensão
de FÁBIO KONDER COMPARATO,20 da qual não têm divergido autores
nacionais21 ou estrangeiros.22-23-24-25 Sobre ela, porém, convém
fazer breves esclarecimentos.
Não se deve confundir o papel desempenhado pela
personalidade jurídica com o escopo de cada pessoa jurídica
particularmente considerada. Embora a razão funcional para a
criação de toda pessoa jurídica esteja na constituição de
patrimônio autônomo, sempre haverá por trás disso a intenção de
desenvolver uma atividade específica – a comercialização de um
produto, a prestação de um serviço, a prática de uma modalidade
esportiva etc. Assim, não obstante se verifique na fundação de
qualquer pessoa jurídica a mesma finalidade imediata (obtenção
de autonomia patrimonial), irá variar a finalidade mediata de
cada uma delas, correspondendo ao objetivo que almejam atingir
aqueles que a conceberam.26 Em suma, cria-se a pessoa jurídica
para se formar um sujeito de direito com autonomia patrimonial,
que por seu turno servirá à realização de escopo predeterminado
por seus integrantes.
Outro ponto em que se deve atentar é o de que a autonomia
patrimonial, apanágio da pessoa jurídica, não constitui seu único
atributo. Junto à capacidade para direitos e deveres no plano
substancial, a personalidade jurídica confere à organização
personificada capacidade de ser parte,27-28 habilitando-a a
integrar relações processuais e a defender em nome próprio seus
interesses em juízo. No dizer da doutrina norte-americana, toda
pessoa jurídica deve ser “capable of suing and being sued in its
own name”.29
1.3. Autonomia patrimonial
Já foi dito que a autonomia patrimonial não é somente
atributo essencial da personalidade jurídica, mas também o que
lhe imprime caráter instrumental (supra, n. 1.2). Para se
compreender o fundamento da assertiva, é preciso entender de
que maneira a constituição de patrimônio autônomo revela-se
útil àqueles que se valem de uma pessoa jurídica para o
desenvolvimento de suas atividades.
Do ponto de vista interno – ou seja, no que se refere à relação
entre aqueles que integram a pessoa jurídica–, a autonomia
patrimonial cumpre relevante função organizacional.30 Ter à
disposição um patrimônio autônomo significa poder isolar, em
centro de imputação distinto, os interesses institucionais da
pessoa jurídica, divisando-os dos interesses individuais de cada
um de seus participantes, o que naturalmente propicia maior
facilidade na gestão e no controle de recursos. Em
empreendimentos de pequena monta, é até factível empregar
esforços e recursos em prol de um objetivo sem se valer desse
expediente, mas é inegável a conveniência de se destacar as
relações jurídicas pertinentes ao exercício de uma atividade,
concentrando-as em sujeito de direito criado para tal função.31
Em empreendimentos de maior porte, mais do que conveniente,
a organização proporcionada pela autonomia patrimonial
mostra-se praticamente imprescindível.
É na relação da pessoa jurídica com terceiros, porém, que
essa distinção patrimonial revela sua maior importância.32
Possuindo a pessoa jurídica patrimônio autônomo, e sendo ela
autêntica titular dos direitos e obrigações concernentes ao seu
funcionamento,seus próprios bens responderão pelas dívidas
que contrair – e apenas pelas dívidas que contrair. Não deve a
pessoa jurídica ser acionada por obrigações pessoais de seus
integrantes. Se vier a sê-lo, sua autonomia patrimonial
funcionará como legítimo anteparo contra as investidas dos
credores de seus membros.33 Dessa forma, o patrimônio da
pessoa jurídica e a atividade por ela desempenhada
permanecerão resguardados de eventual infortúnio econômico de
qualquer de seus participantes.
Ao contrário do que poderia sugerir a lógica, o inverso não é
necessariamente verdadeiro. Entre as entidades coletivas
voltadas ao lucro, encontram-se organizações cujas dívidas são
suportadas por seus integrantes a despeito de haver separação
entre seus patrimônios. Fala-se de espécies societárias que, não
obstante personificadas (dotadas de patrimônio autônomo,
portanto), comprometem os bens pessoais de seus integrantes
por obrigações sociais.
Caso bastante ilustrativo é o da sociedade em nome coletivo.
Nesse tipo societário, todos os sócios respondem solidária e
ilimitadamente pelas obrigações sociais (CC, art. 1.039). Diz-se
que a responsabilidade é solidária porque de cada um dos
integrantes da sociedade, independentemente do vulto de sua
participação, poderá ser exigida a integralidade da dívida
contraída pela pessoa jurídica; e ilimitada porque não haverá um
valor máximo até o qual os sócios poderão ser chamados a
responder. Assim, e.g., na hipótese de sociedade em nome
coletivo composta por cinco sócios que tenham aplicado dez mil
reais cada um, caso ela venha a contrair uma dívida de um
milhão de reais, o credor da pessoa jurídica poderá demandar de
quaisquer deles – isolada ou conjuntamente – o pagamento total
do valor devido, e não importará o fato de a dívida superar em
muito o quantum investido na sociedade. Em todo caso, porém,
a responsabilidade desses sócios será apenas subsidiária: seus
bens particulares não deverão responder pelas obrigações sociais
enquanto o patrimônio da pessoa jurídica não houver esgotado
(CC, art. 1.024).34
Nesses tipos societários, o fato de os sócios responderem
subsidiariamente por obrigações sociais não desmente a
existência de separação entre seus patrimônios particulares e o
patrimônio da pessoa jurídica. Ao contrário: se bem se observar,
o escalonamento sucessivo da responsabilidade pressupõe a
existência de patrimônios distintos postos em ordem de
prioridade.35 De todo modo, sobressai nesse regime a situação de
vulnerabilidade em que se inserem os participantes da sociedade,
pois, em caso de insolvência da pessoa jurídica, sua autonomia
patrimonial não impedirá que se consumam bens particulares
dos sócios até a satisfação das obrigações sociais.
Parte da doutrina adjetiva de imperfeita a autonomia
patrimonial das sociedades com tal regime de
responsabilidade.36 Para essa corrente, somente se pode
considerar perfeita a autonomia patrimonial de sociedades cujos
integrantes não respondem por dívidas sociais mesmo na
hipótese de insolvência da pessoa jurídica, pois só assim os
patrimônios seriam verdadeiramente independentes. Precisa ou
não, a adjetivação pauta-se por um fundamental ponto de
distinção entre dois possíveis regimes societários: quando os
sócios gozam da chamada limitação de responsabilidade e
quando não dispõem de tal benefício, sobre o qual se falará no
próximo item.
1. Cf. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle
società di capitali nella common law e nella civil law; MANES, Il
superamento della personalità giuridica – l’esperienza inglese.
2. Neste livro, a locução personalidade jurídica é utilizada para designar a
personalidade da pessoa jurídica ou a própria pessoa jurídica. Tal
emprego, embora possa ser considerado impreciso, convém à
exposição e não à toa é frequente em obras sobre o instituto da
desconsideração – ainda que de forma não anunciada.
3. Alguns, com boa dose de exagero, apontaram-no como “o problema do
século XIX”. (MENEZES CORDEIRO, O levantamento da
personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 66).
4. “On les appelle personnes juridiques, c’est-à-dire, personnes qui
n’existent que pour des fins juridiques, et ces personnes nous
apparaissent à côté de l’individu, comes sujets des rapports de droit.
[…] Voici donc les rapports de droit que soutiennent les personnes
juridiques: la propriété et les jura in re, les obligations, les successions
comme moyen d’acquérir, le pouvoir sur les esclaves, le patronage et,
dans les temps plus modernes du droit romain, le colonat. D’un autre
côté, le marriage, la puissance paternelle, la parenté, la manus, la
mancipii causa et la tutelle ne peuvent appartenir aux personnes
juridiques. Cela nous conduit à définir avec plus de precision la
personne juridique, comme un sujet du droit des biens créé
artificiellement” (Traité de droit romain, t. II, pp. 234-237).
5. O direito e a vida dos direitos, vol. II, p. 668. Sobre as teorias
desenvolvidas a respeito da natureza da personalidade jurídica, além do
mencionado trabalho de Vicente Ráo (pp. 668 ss.), cf.: COMPARATO-
SALOMÃO FILHO, O poder de controle na sociedade anônima, pp.
319 ss.; SACRAMONE, Administradores de sociedades anônimas –
relação jurídica entre o administrador e a sociedade, pp. 48-58.
SZTAJN, “Sobre a desconsideração da personalidade jurídica”.
6. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial,
p. 67.
7. O uso de “pessoa coletiva” em vez de “pessoa jurídica” decorre de mera
variação terminológica. Mas vale ponderar que o adjetivo “coletivo”
carece de precisão, porque sugere a subjacência de uma pluralidade de
sujeitos, o que nem sempre é verdade (lembre-se da empresa individual
de responsabilidade limitada, v.g.). Assim, é preferível o uso da
expressão “personalidade jurídica”, até porque consagrada na doutrina,
na jurisprudência e na legislação brasileiras.
8. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial,
p. 66.
9. Desconsideração da personalidade jurídica, p. 74.
10. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 4.
11. Tratado de direito civil, t. II, vol. I, p. 904.
12. Curso de direito comercial, p. 167. Para o português, “as ‘teorias’ não
se têm revelado ‘essenciais’ para a descoberta da ‘essência’ da
personalidade colectiva… Em grande medida descomprometida com
a luta das ‘teorias’, domina hoje na doutrina a compreensão ‘técnico-
jurídica’ da pessoa colectiva. Produto da técnica jurídica, abstraindo-
se em grande medida de considerações ético-jurídicas e político-
gerais, não baseando nos substratos metajurídicos o seu específico
modo de ser, a personalidade colectiva aparece como expediente
utilizável por muitas e diferenciadas organizações” (Curso de direito
comercial, p. 164).
13. Rolf Serick defende linha de trabalho semelhante: “podría sostenerse
el criterio de que sólo cabe esperar soluciones satisfactorias después
de haber tratado de poner en claro la esencia de la persona jurídica.
[…] Por otra parte, no debe perderse de vista que al práctico apenas le
serviría para nada una solución que se fundara en determinada
concepción sobre la esencia de la persona jurídica” (Apariencia y
realidade en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por
medio de la persona jurídica, p. 27). No mesmo sentido, cf.
DUARTE, Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas
sociedades em relação de domínio – contributo para a determinação
do regime da empresa plurisocietária, p. 31; WORMSER, “Piercing
the veil of corporate entity”, p. 496; VERRUCOLI, Il superamento
della personalità giuridica delle società di capitali nella common law
e nella civil law, p. 6.
14. A expressão é de Miguel Reale: “a pessoa jurídica é uma existência,
mas uma existência teleológica, ou seja, finalística” (Lições
preliminares de direito, p. 232).
15. “Iddio creò l’uomo a propria imagine e somiglianza, ma l’uomo non
volle essergli da meno: creò, a imagine e somiglianza propria, la
persona giuridica. Le dette un’assemblea ed un consigliodi
amministrazione e le disse: questi sono i tuoi organi; l’assemblea è il
tuo cervello; vedrai, ascolterai, parlerai con gli occhi, con le orecchie,
con la boca dei tuoi amministratori. […] Ma l’uomo volle fare di più e
di meglio: alla persona giuridica, che è sua criatura, permise ciò che a
lu stesso, criatura di Dio, non è consentito. L’uomo è mortale, la
persona giuridica può essere immortale”. (“La favola della persona
giuridica”), pp. 23-24.
16. “Pessoa jurídica não é uma ‘imitação’ do ser humano’ […] As
sociedades e demais agrupamentos personificados não se apresentam
como realidades físicas, viventes por si mesmas, mas só se justificam
como instrumentalidade; existem para e em função do homem”
(Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
p. 33).
17. Entre outros, cf. CARVALHO SANTOS, Código Civil brasileiro
interpretado, vol. I, pp. 338-339; 389-391; SILVIO RODRIGUES.
Direito civil, vol. I, pp. 85-87; KELSEN, Teoria pura do direito, pp.
194-195.
18. “A personalidade jurídica das sociedades depende de uma condição
prévia: a autonomia patrimonial. Pode haver autonomia patrimonial
sem personalidade, mas não esta sem aquela. […] Ora se a sociedade
não tiver bens que respondam com autonomia pelas dívidas
relacionadas ao seu comércio, […] decerto a não poderemos conceber
como dotada de capacidade para a si mesma se vincular”. (“A
autonomia patrimonial como pressuposto da personalidade jurídica”),
pp. 547-548. No mesmo sentido, cf. RIBEIRO, A tutela dos credores
da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade
jurídica’, p. 146, n.r. 130. Na doutrina brasileira, Dinamarco afirma a
autonomia patrimonial como “um dos fundamentos basilares da
personalidade jurídica dos entes coletivos, sem cuja observância
sequer haveria como pensar nessa personalidade” (“Desconsideração
da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, pp.
531-532).
19. Ou patrimônio separado. Mas é preciso observar que esta última
expressão não é unívoca, podendo também designar a porção de um
patrimônio que se sujeita a regime diferenciado – os bens dos
cônjuges sujeitos a comunhão, por exemplo. Cf. HILDEBRAND,
“Patrimônio, patrimônio separado ou especial, patrimônio autônomo”,
pp. 273-275; SALOMÃO FILHO, A sociedade unipessoal, p. 27.
20. O poder de controle na sociedade anônima, p. 268; p. 270.
21. Entre outros: ARAKEN DE ASSIS. Processo civil brasileiro, vol. II,
t. I, p. 135; CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa
jurídica, pp. 259-262; BULGARELLI, Manual das sociedades
anônimas, p. 71; REQUIÃO, Curso de direito comercial, vol. I, pp.
355-356; LOTUFO, Código Civil comentado, vol. I, p. 143.
COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, p. 14; SOUZA,
Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais,
pp. 73-75.
22. “The core element of legal personality (as we use the term here) is
what the civil law refers to as ‘separate patrimony’. This is the ability
of the firm to own assets that are distinct from the property of other
persons, such as the firm’s investors”. HANSMANN--KRAAKMAN,
“What is corporate law?”, 2007, p. 7.
23. “Il privilegio consiste essenzialmente nell’assegnare all’ente
riconosciuto, cioè alla persona giuridica, un patrimonio separato da
quello dei singoli membri, e capacità di agire separata rispetto a
quella dei singoli membri”. TRABUCCHI, Istituzioni di diritto civile,
p. 153.
24. “Le premier intérêt de la personnalité morale est d’obtenir une
autonomie patrimoniale certaine”. BAILLY-MASSON, “L’intérêt de
la personnalité morale”, p. 99.
25. “Na determinação do regime que corresponde à expressão
personalidade colectiva, a primeira nota vai para a questão da
autonomia patrimonial, que existe sempre nos casos de
personalização. Ferrer Correia a ela se refere como um pressuposto da
personalidade jurídica, na perspectiva que é um elemento pré-
normativo em função do qual ela surge”. DUARTE, Aspectos do
levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação
de domínio, p. 47.
26. No mesmo sentido, falando em “causa genérica” e “causa específica”
para a constituição de pessoas jurídicas: COMPARATO, O poder de
controle na sociedade anônima, p. 270.
27. “Todas elas [pessoas jurídicas], tendo personalidade jurídica plena em
face do direito material, também são dotadas da personalidade de
direito processual, que se resolve na capacidade de ser parte”
(DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
335).
28. Assim prescreve expressamente o Código de Processo Civil português:
“quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade
judiciária” (art. 11, n. 2).
29. “Starting from the premise that the company is itself a person, in the
eyes of the law, it is straightforward to deduce that it should be
capable of entering into contracts and owning its own property;
capable of delegating to agents; and capable of suing and being sued
in its own name. For expository convenience, we use the term ‘legal
personality’ to refer to organizational forms – such as the corporation
– that share these three atributes” (ARMOUR, John et al., “What is
corporate law?”, 2017, p. 8).
30. “Patrimônio separado e pessoa jurídica são, afinal, instrumentos
jurídicos para disciplinar a responsabilidade das partes pelos atos que
praticarem como sócios e para distinguir, assim, os interesses sociais
e os interesses individuais dos sócios” (ASCARELLI, “O contrato
plurilateral, p. 282).
31. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, p. 102.
32. Cf. ASCARELLI, “O contrato plurilateral”, p. 313.
33. SZTAJN, “Terá a personificação das sociedades função econômica?”,
p. 66; FERRER CORREIA, “A autonomia patrimonial como
pressuposto da personalidade jurídica”, p. 561.
34. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, pp. 69-70; SZTAJN, Contrato de sociedade e formas
societárias, pp. 67-68; ABREU, Responsabilidade patrimonial dos
sócios nas sociedades comerciais de pessoas, pp. 36-37.
35. É o que observam Rachel Sztajn e Priscila Corrêa da Fonseca em
comentário ao art. 1.024 do Código Civil: “determinado que os sócios
respondem pelo pagamento de todas as obrigações, são responsáveis
pelo saldo não coberto se os bens da sociedade forem para tanto
insuficientes, segue-se a regra de que a apreensão dos bens
particulares dos sócios é subsidiária. Portanto, a responsabilidade
patrimonial pessoal dos sócios só e-merge depois de esgotados os
bens da sociedade. A norma parte da separação patrimonial
decorrente da personificação da sociedade” (Código Civil comentado,
vol. XI, pp. 386-387).
36. V.g. PINTO, Do contrato de suprimento – o financiamento da
sociedade entre capital próprio e capital alheio, p. 307.
2
A CHAMADA LIMITAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE
2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante
transposição de risco
Viu-se no item precedente que a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica não necessariamente resguarda seus integrantes
de arcar com suas obrigações. Em parte dos tipos societários
personificados (entidades coletivas que têm por fim
proporcionar lucro aos seus participantes), sócios respondem de
forma subsidiária pelas dívidas da pessoa jurídica. Nesses casos,
caindo a sociedade em insolvência, os prejuízos sociais serão
suportados por seus integrantes, com consequências
possivelmente devastadoras sobre seus patrimônios pessoais.
Não é difícil perceber quão desencorajador tal regime de
responsabilidade pode apresentar-se a quem cogite exercer uma
atividade econômica. Independentemente da aptidão dos sujeitos
envolvidos, ingressar no mercado implica submissão a um sem-
número de riscos, muitos dos quais escapam a qualquer tentativa
de controle. Para ficar apenas em exemplos triviais, basta
mencionar a possibilidade de inflação, variação cambial,
escassez de crédito e inadimplência de devedores – fatores que
podem influir decisivamente no destino de uma iniciativa
empresarial.37 São tantos os azares que podem acometer uma
atividade econômica, que mesmo o mais preparadoe previdente
empreendedor ficaria temeroso de tomar parte em uma pessoa
jurídica quando pudesse ser responsabilizado por suas
obrigações na hipótese de sua insolvência. Em razão de um
insucesso empresarial, bens pessoais conquistados ao longo de
anos de trabalho poderiam perder-se.38
O receio do empreendedorismo (rectius: dos riscos que lhe
são inerentes) é sem dúvida nocivo para o desenvolvimento de
um país. Primeiro, porque inibe a realização de atividades
econômicas legítimas e desejáveis, que gerariam empregos,
incrementariam o recolhimento de tributos e proporcionariam
maior número de bens e serviços à disposição da população. Por
consequência, constitui entrave à concorrência, uma vez que o
ingresso de novos agentes econômicos no mercado depende em
grande medida de iniciativas empreendedoras, que se reduzem
em cenários de maior risco.39 Ademais, acaba colaborando para
o fenômeno da concentração de renda, pois propicia que
empreendimentos sejam tentados somente por quem dispõe de
capital suficiente para suportar eventuais prejuízos econômicos
no âmbito pessoal.
Não é só. A responsabilidade subsidiária dos sócios por
obrigações sociais também dificulta a atuação dos chamados
agentes passivos – sujeitos que desejam aplicar parcela de seu
capital no financiamento de sociedades empresárias, mas não
estão dispostos ou habilitados a participar de sua administração
ou mesmo a acompanhar de perto a sua gestão.40 Como a tais
pessoas não seria viável exercer qualquer tipo de controle sobre
os prejuízos que lhes poderiam ser imputados em caso de
insucesso do negócio, elas certamente receariam participar de
pessoas jurídicas na condição de sócio investidor se
respondessem subsidiariamente pelas obrigações sociais. Então,
salutares iniciativas empreendedoras careceriam de
financiamento – ou enfrentariam enorme dificuldade para obtê-
lo.41
Tendo tudo isso em vista, as normas em geral buscam
oferecer mecanismos que mitiguem os riscos dos que se
propõem ao desenvolvimento de atividades econômicas. Cuida-
se de uma escolha política, que reconhece no empreendedorismo
um motor de desenvolvimento econômico-social e visa a
fomentá-lo. Entre tais mecanismos, destaca-se o regime de
limitação de responsabilidade, que se verifica em certas espécies
societárias personificadas42 do ordenamento jurídico brasileiro.
O regime de limitação de responsabilidade deve ser bem
compreendido. Diferentemente do que se pode imaginar, ele não
estabelece nenhum tipo de restrição à responsabilidade da
própria pessoa jurídica, cujo patrimônio responde sempre
ilimitadamente por suas obrigações.43 Na realidade, restringe-se
o risco patrimonial de seus integrantes: em caso de insolvência
social, eles perderão os recursos que tiverem investido na
formação do capital da pessoa jurídica, porém seus bens
particulares não responderão subsidiariamente por obrigações
sociais. Serão, portanto, irresponsáveis pelas dívidas contraídas
pela pessoa jurídica.44
Tal regime naturalmente se mostra mais propício à atuação de
empreendedores e dos mencionados investidores passivos, pois
lhes proporciona meio para previsão e contenção de riscos.45 Ao
ingressar em uma sociedade com limitação de responsabilidade,
podem esses agentes dimensionar ex ante a extensão da perda
patrimonial que estão dispostos a experimentar na hipótese de
insucesso do negócio, a qual será ditada pela medida de seu
investimento na formação do capital social.46 Dessa forma, a
limitação de responsabilidade constitui verdadeiro subsídio ao
empreendedorismo,47 e não à toa as pessoas jurídicas que
funcionam sob tal regime são praticamente as únicas utilizadas
para o desenvolvimento de atividades empresariais.48
Evidentemente, alguém há de bancar tal subsídio, suportando
o ônus que o ordenamento jurídico retira daqueles que se
dedicam a um empreendimento e dos sujeitos que se animam a
financiá-lo. Ninguém imaginará que, por meio de política
legislativa, seja possível desvanecer o risco da atividade
empresarial ou parte dele.49 De fato, o que a limitação de
responsabilidade promove não é a supressão, e sim a
transposição desse risco, que é parcialmente extraído da esfera
dos sócios e transferido aos credores sociais.50 Num regime sem
limitação de responsabilidade, os prejuízos que o patrimônio
social não é capaz de absorver são imputados aos sócios, que
respondem subsidiariamente por eles com seus bens particulares.
Já num regime de responsabilidade limitada, como inexiste
responsabilidade subsidiária dos sócios, os prejuízos que
excederem o patrimônio social são absorvidos pelos credores da
pessoa jurídica, que não terão alternativa para buscar a satisfação
de seus créditos e, assim, sofrerão baixas em seus próprios
patrimônios. Daí a assertiva de MILLON de que limitação de
responsabilidade é um subsídio ao empreendedorismo concedido
aos sócios à custa dos credores sociais.51
2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade
A limitação ou não da responsabilidade dos sócios é em geral
ditada pelo tipo societário, pois a legislação prescreve para cada
espécie de sociedade o regime ao qual se submetem os seus
participantes. Por conta disso, tornou-se corrente na doutrina
uma divisão entre tipos societários de responsabilidade
ilimitada, cujos integrantes respondem ordinária52 e
subsidiariamente por obrigações sociais; e tipos societários de
responsabilidade limitada, em que ordinariamente inexiste
responsabilidade subsidiária dos sócios por dívidas da pessoa
jurídica.53
No primeiro grupo dessa divisão encontra-se, v.g., a já
referida sociedade em nome coletivo (CC, art. 1.039).54 Os mais
representativos exemplos do segundo agrupamento são a
sociedade anônima (ou companhia), cujos sócios têm sua
responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que
vierem a subscrever ou adquirir (CC, art. 1.088; Lei
6.604/1976); a sociedade limitada (também denominada
sociedade por cotas de responsabilidade limitada), em que os
integrantes têm responsabilidade restrita ao valor de suas cotas,
embora respondam solidária e subsidiariamente55 pela
integralização do capital social (CC, art. 1.052); e a empresa
individual de responsabilidade limitada (EIRELI), composta por
um único sujeito cuja responsabilidade restringe-se ao valor
aplicado na integralização do capital empresarial (CC, art. 980-
A).56
Nada há de equivocado nessa forma de classificação, pois o
tipo societário efetivamente estabelece o regime de
responsabilidade a que se submetem os integrantes da sociedade
(limitada ou não). No entanto, é preciso atentar na possibilidade
de a natureza da obrigação contraída pela pessoa jurídica
também interferir na limitação ou não de responsabilidade dos
sócios. Em outras palavras: é perfeitamente concebível que, nos
tipos societários de responsabilidade limitada, o ordenamento
jurídico determine que os sócios respondam automática e
subsidiariamente por obrigações sociais de determinada espécie,
conferindo proteção diferenciada a uma específica classe de
credores da pessoa jurídica.
Colhe-se exemplo interessante da doutrina norte-americana,
que refere a uma possível distinção entre credores voluntários
(voluntary creditors) e credores involuntários (involuntary
creditors) das sociedades com limitação de responsabilidade.57
Credores voluntários seriam essencialmente os credores
contratuais, ou seja, aqueles que têm a sociedade como devedora
em razão de uma relação consensual, deliberada pelas partes.
Seria o caso, e.g., de um mutuante. Já os credores involuntários
consistiriam fundamentalmente nas vítimas da prática de atos
ilícitos, isto é, pessoas que dispõem de um crédito com a
sociedade não em razão de uma escolha, mas por força de uma
inopinada circunstância da vida. Pense-se, por exemplo, em um
sujeito atropelado por automóvel pertencente à pessoa jurídica.
A partir dessa distinção, defendeu-se naquele país que a
limitação de responsabilidade devesse ser oponível somente aos
credores voluntários, pois estes contratariam com a sociedade
cientes de que os patrimônios dos sóciosnão responderiam pela
dívida em caso de insolvência social e, portanto, poderiam
compensar essa desvantagem no próprio negócio entabulado
com a pessoa jurídica (mediante exigência de garantias
contratuais, por exemplo). Já aos credores involuntários não
seria adequado dispensar idêntico tratamento. Como seu crédito
não decorre de uma escolha em se relacionar com uma sociedade
de responsabilidade limitada, e sim de um ato praticado
unilateralmente pela pessoa jurídica, não seria legítimo colocar
sobre seus ombros os riscos inerentes ao regime de limitação de
responsabilidade dos sócios.58 Logo, em face desses credores, os
integrantes de sociedades de responsabilidade limitada
responderiam subsidiariamente com seus patrimônios
particulares.59
A distinção entre os tratamentos dispensados a credores
voluntários e involuntários é criticável60 e, diga-se desde já, não
encontra abrigo no ordenamento brasileiro vigente.61 Todavia,
convém mencioná-la para que se tenha consciência de que o
legislador pode muito bem estabelecer que determinadas
obrigações – ou determinados credores – não se submetam à
limitação de responsabilidade de que desfrutam os integrantes de
certas sociedades. Mais à frente (infra, n. 4.2), tal compreensão
será fundamental para diferenciar autênticos casos de
desconsideração da personalidade jurídica e hipóteses de mera
responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações sociais –
não raro confundidos pela doutrina.
37. “São salutares as explicações de Ischer: […] ‘Nos dias atuais,
submeter-se ao ‘risco ilimitado de uma empresa’ significa estar em
perigo de ser totalmente arruinado pelo efeito de circunstâncias
independentes a sua vontade […] mencionemos as medidas
imperativas do Estado, a instabilidade monetária, a variação de
preços, a escassez de crédito, a nacionalização de bens no estrangeiro,
a falência de clientes e de bancos, a voracidade fiscal, enfim, um
conjunto de problemas que chamamos de crise econômica’”. WARDE
JR., Responsabilidade dos sócios – a crise de limitação e a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, p. 147.
38. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, p. 16.
39. WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 146-148.
40. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, pp. 115-116.
41. “Os financiamentos de negócios em bases relacionais tendem a ser
impactados pelo regime de responsabilidade. Familiares, amigos e
outros investidores que se envolvem em um negócio na base da
confiança quase sempre desejam se tornar sócios para participarem do
sucesso; de vez em quando o fazem para ajudar um empreendedor por
quem têm apreço, amizade ou laços de família; mas quase nunca estão
dispostos a simplesmente arriscar todo o seu patrimônio pessoal em
um único investimento. É nesse ponto que o tipo de regime jurídico
de responsabilidade de sócio passa a ser importante, porque sob
responsabilidade ilimitada o investidor poderá perder todo o seu
patrimônio se a empresa vier a naufragar. Repare que esse problema é
particularmente verdadeiro no caso de novos negócios, porque estes
têm, sabidamente, maiores chances de quebrar do que negócios já
estabelecidos há muito tempo. É nesse sentido que afirmo que a
ilimitação de responsabilidade do sócio pode ser considerada um
entrave adicional ao empreendedorismo, isto é, à abertura de novos
negócios”. SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no Brasil –
história, direito e economia, p. 276.
42. Em certos sistemas jurídicos, como o alemão, a limitação de
responsabilidade verifica-se em todas as espécies societárias
personificadas, pois tais ordenamentos não reconhecem personalidade
jurídica a sociedades que não disponham desse regime (Cf. CORRÊA
DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 39; 261;
RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a
‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 138-140). Não é o
que se constata no Brasil, onde se reconhece personalidade jurídica
mesmo a sociedades que não funcionem sob regime de limitação de
responsabilidade, a exemplo da sociedade em nome coletivo. Desta
forma, vale entre nós entendimento de que “limitação de
responsabilidade não é elemento constitutivo da personalidade
jurídica” (DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p.
522).
43. Cf. SZTAJN, Contrato de sociedade e formas societárias, p. 99.
44. Cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. II, p.
84, n.r. 69; WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da
limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
pp. 10-11.
45. Cf. PARENTONI, Desconsideração contemporânea da personalidade
jurídica, p. 45.
46. Conforme observa Fran Martins, “haverá sempre um ponto em que
cessa a responsabilidade dos sócios, o que não se verifica nas
sociedades de responsabilidade ilimitada e nas mistas” (Sociedades
por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, vol. I, p. 288).
47. “Limited liability is an important incentive because individuals will
more willingly take on the risk of business failure if their exposure to
loss is limited to their actual investment” (MILLON, “Piercing the
corporate veil, financial responsibility, and the limits of limited
liability”, p. 1.317). No mesmo sentido, Coutinho de Abreu assevera
que, “para limitar a aversão ao risco e promover investimentos, a
ordem jurídica atribui o benefício da ‘responsabilidade limitada’ aos
sujeitos que queiram exercer actividade económica por intermédio da
sociedade” (“Diálogos com a jurisprudência, II – responsabilidade dos
administradores para com credores sociais e desconsideração da
personalidade jurídica”, p. 57).
48. Sobre a absoluta predominância das sociedades com limitação de
responsabilidade no Brasil, cf. GAGGINI, A responsabilidade dos
sócios nas sociedades empresárias, p. 46; ARBACHE, “A
justificação econômica da limitação de responsabilidade no direito
societário, a desconsideração da personalidade jurídica e a
responsabilidade civil do administrador”, n. 2. Sobre o mesmo
fenômeno em Portugal, cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de
direito comercial, vol. II, p. 84.
49. “Como é por demais evidente, o legislador ao conceber um esquema
destes não subtraiu, como que por artes mágicas, a existência do risco;
transferiu-o simplesmente para os credores”. DUARTE, Aspectos do
levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação
de domínio, p. 85.
50. “Limited liability does not eliminate the risk of business failure but
rather shifts some of the risk to creditors”. EASTERBOOK-
FISCHEL, “Limited liability and the Corporation”, p. 91.
51. “Piercing the corporate veil, financial responsibility, and the limits of
limited liability”, p. 1.307. De acordo com Marçal Justen Filho, “é o
preço que se paga pela promoção do desenvolvimento”
(Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
p. 121)
52. Isto é, independentemente de abuso na condução da sociedade.
53. Entre outros, cf. BORBA, Direito societário, pp. 48-49; SILVA, A
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito
brasileiro, pp. 158-159. Os autores referem ainda a sociedades com
regime de responsabilidade misto, vale dizer, em que só parte dos
sócios se beneficia da limitação – caso das sociedades em comandita
(CC, art. 1.045).
54. Supra, n. 1.3.
55. Cf. FONSECA-SZTAJN, Código Civil comentado, vol. XI, pp 426-
427.
56. A bem da verdade, não consiste a EIRELI num tipo societário. A ideia
de sociedade, conforme observa Ferrer Correia (Sociedades fictícias e
unipessoais, p. 204), pressupõe pluralidade de sujeitos associados,
enquanto a EIRELI constitui-se por uma só pessoa titular da
totalidade do capital social (CC, art. 980-A) – Alfredo Gonçalves
Neto define-a como “agente econômico personificado” (Direito de
empresa – comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, p.
125). De todo modo, cuida-se de pessoa jurídica voltada ao lucro e
dotada de limitação de responsabilidade, sendoconveniente o
tratamento em conjunto com as sociedades de responsabilidade
limitada.
57. Cf., v. g., EASTERBOOK-FISCHEL, “Limited liability and the
corporation”, pp. 104-107.
58. “A relevância da distinção está relacionada à possibilidade, existente
apenas para o credor de obrigação negociável [credor voluntário], de
se preservar economicamente contra os riscos da insolvabilidade da
pessoa jurídica devedora”. COELHO, “A teoria maior e a teoria
menor da desconsideração”, n. 4.
59. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresariais, p. 119.
60. “A mera caracterização de um credor como ‘voluntário’ ou
‘involuntário’ esconde uma série de diferenças entre os integrantes de
cada um desses dois grupos. Por exemplo, tanto os contratantes
comerciais quanto os empregados podem, a rigor, ser considerados
credores voluntários. Afinal, comerciantes contratam entre si, o
mesmo ocorrendo entre empresas e empregados. […] Nem todo
credor voluntário está em condições de se compensar ex ante facto,
isto é, de embutir no preço e nas condições do contrato os riscos
relativos à solvência da empresa devedora. A capacidade de precificar
e embutir os riscos de perda no valor das obrigações voluntariamente
assumidas depende de diversas considerações sobre o credor, duas das
quais são particularmente importantes: (i) da sua capacidade de
precificar riscos e (ii) do seu poder de barganha. A capacidade de
precificar riscos depende principalmente de terem os credores
voluntários acesso a informações da empresa e capacidade de
processarem tais informações. As informações de que ora falamos são
aquelas que permitem estimar (aproximadamente, pelo menos) as
chances de quebra da empresa e a consequente redução da capacidade
da empresa de honrar os compromissos acertados com os credores.
Informações desse tipo são necessárias para estabelecer a
compensação ex ante facto a ser embutida nas prestações da relação
contratual. Já o poder de barganha depende principalmente da
demanda da empresa pelo bem ou serviço ofertado pelo contratante.
De nada adianta um credor ser capaz de precificar com alguma
precisão o valor da compensação ex ante facto que lhe cabe pelo
aumento do risco de solvência dos seus créditos se não dispõe, na
prática, de força para exigir a correspondente elevação da prestação
da empresa” (SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no
Brasil – história, direito e economia, pp. 415-422).
61. Cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, pp. 417-419;
CEOLIN, Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da
pessoa jurídica, pp. 105-106.
3
A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Origem e desenvolvimento
Conforme exposto anteriormente, as pessoas jurídicas estão
habilitadas a praticar atos e entabular relações em nome próprio,
tendo em vista a autonomia patrimonial de que dispõem. Dessa
forma, ações e obrigações da pessoa jurídica não podem ser
confundidas com as de seus integrantes, como também não se
confundem suas esferas de responsabilidade. Em regimes
específicos (sociedades de responsabilidade ilimitada – supra, n.
2.2), os sujeitos que compõem a pessoa jurídica respondem
subsidiariamente por suas dívidas, mas do inverso
(responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica por dívidas de
seus integrantes) não se cogita.
A legislação brasileira sintetizava tal realidade de modo
singelo e elucidativo: constava do Código Civil de 1916 que “as
pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”
(art. 20). Embora o Código Civil de 2002 não reproduza essa
prescrição legal, não há quem questione a plena vigência de seu
conteúdo, que se extrai sistematicamente de outras disposições
normativas62 e da própria compreensão de que a autonomia
patrimonial é conatural à personalidade jurídica.63
Com sua existência distinta, viu-se que a pessoa jurídica
cumpre papel importante na organização e no desenvolvimento
de atividades, sobretudo quando se necessita da conjugação de
esforços e recursos de variados sujeitos (supra, n. 1.3). Todavia,
não é difícil supor o uso dessa ferramenta para finalidades pouco
decorosas, que passam ao largo dos fins para os quais ela foi
concebida.
Imagine-se a hipótese de dois sujeitos que organizam
sociedade limitada cujo escopo seja a produção de livros
didáticos. Logo depois de ser constituída, a pessoa jurídica
contrai empréstimo de cem mil reais na instituição financeira,
mas, em vez de ser aplicado na atividade societária (compra de
material gráfico, v.g.), o numerário emprestado é despendido na
aquisição de imóveis, os quais são registrados em nome das
pessoas físicas dos sócios. Chegado o momento de quitação do
mútuo, a pessoa jurídica não realiza o pagamento e é
judicialmente condenada a fazê-lo, porém não se encontram em
seu patrimônio bens suficientes para a satisfação da obrigação.
Como os imóveis foram incorporados aos patrimônios pessoais
dos sócios (que não respondem pela dívida da sociedade), não se
consegue expropriá-los no processo movido pela instituição
credora.
Imagine-se outro exemplo. Dois indivíduos constituem
sociedade limitada que tem por objeto a instalação de redes de
proteção em apartamentos, repartindo a participação societária
em cotas de 99% e 1%. Propositalmente, os serviços são sempre
contratados em nome da pessoa física do minoritário, que não
mantém bens em seu patrimônio e transfere todo pagamento que
recebe à pessoa jurídica. Certa instalação é mal realizada,
ocasionando um acidente fatal. Pessoalmente responsável pela
prestação do serviço, o sócio minoritário é condenado ao
pagamento de alto valor indenizatório, mas em seu patrimônio
só se encontra sua ínfima participação na sociedade, cuja
expropriação64 satisfaz parte insignificante da obrigação. Já os
recursos acumulados no patrimônio da pessoa jurídica não são
alcançados pela execução, uma vez que os bens sociais não
respondem por dívidas pessoais de seus integrantes.
Nas duas hipóteses anteriores, a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica poderia, em tese, justificar a inviabilidade de se
atingir o patrimônio do sócio para a satisfação de obrigação da
sociedade ou o contrário. Mas essa aparente correção técnica
conduziria a soluções substancialmente incongruentes, que por
certo chocariam o homem da rua65 e perturbariam a consciência
do juiz comprometido com a realização de justiça. Por cego
respeito à autonomia patrimonial da pessoa jurídica, seria
correto proteger sujeitos que claramente a manipularam com o
intuito de formar uma barreira contra a satisfação de pretensões
legítimas?
Nos Estados Unidos, questões éticas dessa natureza
chamaram a atenção de magistrados. Em 1912, I. MAURICE
WORMSER publicou artigo noticiando que, no início do século
XIX, “it was perceived that in many cases the literal application
of the notion that a corporation is only a legal entity, and
nothing more, would work injustice”.66 À vista disso, relatou o
jurista norte-americano, tribunais começaram a adotar soluções
no sentido de “ignorar o conceito de pessoa jurídica” para evitar
a consumação de iniquidades provenientes da utilização abusiva
da personalidade jurídica.67 Em substância, tais soluções
consistiam na responsabilização daqueles que atuavam por meio
de sociedades, frustrando, assim, manobras maliciosas que
visassem a prejudicar credores inocentes.68
O ensaio de MAURICE WORMSER é histórico e fundamental por
uma série de razões. Além de ser o primeiro trabalho doutrinário
acerca da repressão ao mau uso da pessoa jurídica,69 ele
demonstra como isso foi fruto de um movimento jurisprudencial
surgido na common law70 diante de casos em que o rígido
respeito à autonomia patrimonial das sociedades levaria a
desfechos irrazoáveis.71 Conforme destacaria MENEZES CORDEIRO
quase um século depois, as medidas contra o uso abusivo de
pessoas jurídicas não surgiram de “lucubrações teóricas”, senão
“para resolver problemas reais postos pela personalidade
colectiva”.72
Não é só. Em seu artigo, o jurista norte-americano também
plantou ideia fundamental, que se perpetua até hoje:

Continue navegando