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SCHNEIDER NUNES CARVALHAES Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos e Maria Angélica Leite Analista de Projetos: Larissa Gonçalves de Moura Analistas de Operações Editoriais: Alana Fagundes Valério, Caroline Vieira, Damares Regina Felício, Danielle Castro de Morais, Mariana Plastino Andrade, Mayara Macioni Pinto e Patrícia Melhado Navarra Analistas de Qualidade Editorial: Ana Paula Cavalcanti, Fernanda Lessa, Thaís Pereira e Victória Menezes Pereira Designer Editorial: Lucas Kfouri Estagiárias: Maria Carolina Ferreira, Sofia Mattos e Tainá Luz Carvalho Capa: BE/ON Comunicação Adaptação da Capa: Linotec Equipe de Conteúdo Digital Coordenação MARCELLO ANTONIO MASTROROSA PEDRO Analistas: Gabriel George Martins, Jonatan Souza, Maria Cristina Lopes Araujo e Rodrigo Araujo Gerente de Operações e Produção Gráfica MAURICIO ALVES MONTE Analistas de Produção Gráfica: Aline Ferrarezi Regis e Jéssica Maria Ferreira Bueno Estagiária de Produção Gráfica: Ana Paula Evangelista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ganacin, João Cánovas Bottazzo Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil / João Cánovas Bottazzo Ganacin ; Arruda Alvim, coordenador científico. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020. -- (Coleção Liebman / Teresa Arruda Alvim e Eduardo Talamini, coordenadores) 6 Mb ; ePub Bibliografia. ISBN 978-65-5065-415-3 1. Desconsideração da personalidade jurídica - Brasil 2. Processo civil - Brasil 3. Processo civil - Leis e legislação - Brasil I. Arruda Alvim. II. Arruda Alvim, Teresa. III. Talamini, Eduardo. IV. Título. V. Série. 20-35359 CDU-347.9(81) Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Processo civil 347.9(81) Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO CIVIL JOÃO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN COLEÇÃO LIEBMAN TERESA ARRUDA ALVIM E EDUARDO TALAMINI Coordenadores ARRUDA ALVIM Coordenador científico Diagramação eletrônica: Linotec Fotocomposição e Fotolito Ltda., CNPJ 60.442.175/0001-80 © desta edição [2020] THOMSON REUTERS BRASIL CONTEÚDO E TECNOLOGIA LTDA. Juliana Mayumi Ono Diretora Responsável Av. Dr. Cardoso de Melo, 1855 – 13º andar - Vila Olímpia CEP 04548-005, São Paulo, SP, Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. 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CENTRAL DE RELACIONAMENTO THOMSON REUTERS SELO REVISTA DOS TRIBUNAIS (atendimento, em dias úteis, das 09h às 18h) Tel. 0800-702-2433 e-mail de atendimento ao consumidor: sacrt@thomsonreuters.com e-mail para submissão dos originais: aval.livro@thomsonreuters.com Conheça mais sobre Thomson Reuters: www.thomsonreuters.com.br Acesse o nosso eComm www.livrariart.com.br Profissional Fechamento desta edição [17.03.2020] ISBN 978-65-5065-415-3 http://www.thomsonreuters.com.br http://www.livrariart.com.br Aos meus pais, com gratidão. PREFÁCIO Há cerca de quatro décadas venho me interessando pelo tema da desconsideração da personalidade jurídica, introduzido na doutrina brasileira por obra dos comercialistas paranaenses RUBENS REQUIÃO e JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA na década dos anos setenta.1 Até então vigia soberana e absoluta a regra da rigorosa distinção entre a personalidade jurídica da sociedade e a de seus sócios, expressa no art. 20 do Código Civil de 1916 ao estabelecer que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros” − disposição da qual se inferia pacificamente que também eram rigorosamente separados e independentes os direitos, as obrigações, os patrimônios e as responsabilidades de uma e de outro. Foi então que REQUIÃO apresentou aos brasileiros a disregard doctrine, exposta inicialmente pelo alemão ROLF SERICK e desenvolvida de início em plagas norte-americanas, ao informar que “a doutrina desenvolvida pelos tribunais norte- americanos visa a impedir a fraude ou algum abuso através do uso da personalidade jurídica”. Foi então que, aderindo a essa doutrina, produzi um ensaio a respeito, denominado “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, depois incluído em uma coletânea de minha autoria.2 Rebelava-me eu, no entanto, contra uma arbitrária jurisprudência que levava longe demais a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao redirecionar as execuções fiscais, passando desse modo a invadir o patrimônio dos sócios quando o da sociedade executada não fosse bastante para satisfazer o direito da entidade exequente. Sugeria eu então que antes de proceder a esse redirecionamento e à penhora de bens do sócio, fosse concedida a este uma oportunidade para se defender, mediante a implantação de um incidente inicial do processo de execução. E dizia: “não basta a citação, porque sem um mínimo de oportunidade de defesa antes da captação de bens do sujeito essa citação não valeria mais que um convite a assistir ao próprio velório”. Mais tarde veio o Código Civil de 2002 a consagrar legislativamente a teoria da desconsideração da personalidade, ao dispor em seu art. 50 que em caso de abuso da personalidade jurídica “os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Mas prosseguia a arbitrariedade de proceder a essa extensão, agredindo o patrimônio do sócio por obrigações da sociedade sem se lhe conceder uma prévia oportunidade de defesa. Esse mal foi vigorosamente combatido quando o Código de Processo Civil de 2015 instituiu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 ss.), impondo que “para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código” (art. 795, § 4º). Essa sucessão de dispositivos legais fechou o ciclo da consagração da desconsideração em si mesma e de sua compatibilização com a ordem constitucional e especificamente com a garantias do contraditório e do due process of law − embora ainda haja quem, contrariamente ao que dispõe o Código de Processo Civil, continue a sustentar aquela inconstitucional imposição de constrições executivas sobre o patrimônio do sócio para só depois lhe possibilitar uma defesa. Foi nesse clima que JOÃO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN se animou a produzir esta obra aqui prefaciada, que antes fora uma dissertação apresentada em nível de mestrado no curso de pós- graduação do Largo de São Francisco e ali muito bem-sucedida, com a aprovação e louvores de todos os integrantes da Comissão Examinadora, figurando eu como seu orientador. Daí o meu orgulho ao ser convidado a apresentar o presente prefácio, no qual externo minhagrande admiração pelo Autor e aderência total às ideias ali desenvolvidas. Já a partir de seu título (Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil) percebe-se o intuito de desenvolver o tema sobre duas vertentes autônomas mas intimamente ligadas, a saber, (a) a vertente da desconsideração em si mesma, de forte inserção no sistema do direito substancial, e (b) a do trato processual desse instituto, com remissão às sadias técnicas processuais da atualidade e atenção àquelas garantias oferecidas pela Constituição Federal. Com essa estrutura, o livro de JOÃO apresenta-se como uma obra interdisciplinar, portadora de um elevado grau de consistência e realismo na medida em que define de um lado o conceito, a finalidade, os requisitos e os limites da desconsideração da personalidade jurídica e, de outro, os modos legítimos para se chegar a esse resultado. Em sua primeira parte o livro principia por discorrer sobre a personalidade jurídica, seu conceito, sua natureza e sua função na dinâmica dos direitos e obrigações, para em seguida lançar-se sobre o tema dos abusos a que pode dar ensejo (fraudes, desvio de finalidade). E só então, sobre esse lastro muito sólido, passa a examinar a própria desconsideração, expondo o seu conceito, requisitos para sua efetivação e limites para sua imposição. Na segunda parte do livro, de conteúdo processual, JOÃO trata do incidente processual instituído pelo Código de Processo Civil de 2015 para a imposição da desconsideração da personalidade jurídica. Os conceitos, as análises e as propostas ali lançados estão solidamente assentados sobre as garantias constitucionais do processo e desenvolvidos sobre o pano de fundo dos institutos e técnicas do direito processual civil. É ali que critica enfaticamente a orientação dos que sustentam a dispensa do incidente de desconsideração da personalidade jurídica antes da realização de atos de constrição sobre o patrimônio do sócio, contentando-se com a oferta de meios de defesa após consumada essa construção. Como já ressaltei, essa foi uma orientação seguida pelo Superior Tribunal de Justiça antes da edição do Código de Processo Civil de 2015, contra a qual eu também me insurgi, e que a meu ver constitui um escárnio às garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório. Depois, no desenvolvimento dos temas de técnica processual, examina o incidente em si mesmo, requisitos e momentos de sua implementação, legitimidade para suscitá-lo, prova e ônus da prova etc. Culmina com o exame da imposição ou não imposição da autoridade da coisa julgada material sobre a decisão proferida no incidente de desconsideração da personalidade jurídica e consequente admissibilidade ou inadmissibilidade da ação rescisória contra essa decisão. Nesse ponto, acentuando que “a desconsideração da personalidade jurídica não constitui o petitum do demandante, mas um fundamento para a condenação do sócio ao adimplemento de obrigação contraída a princípio pela sociedade (verdadeiro meritum causae)”, propõe a aceitação com ressalvas dessa coisa julgada e dessa ação rescisória. Com toda essa solidez, posso antever que a obra de JOÃO será de muito agrado do público leitor e de utilidade para todos nós, praticantes do direito. A oferta de soluções coerentes não só para as questões conceituais ali examinadas, mas também para os problemas práticos que surgem em nosso dia a dia, é o núcleo de um trabalho predestinado a integrar as bibliotecas de todos estudiosos do direito e de todos os profissionais seriamente interessados em aprimorar seus trabalhos. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO Professor titular de direito processual civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1. Cfr. respectivamente “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, in Revista dos Tribunais n. 410/1969; A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. 2. Cfr. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, 2010, t. I. NOTA DO AUTOR Esta é a versão comercial da dissertação que apresentei à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre. No trabalho, exponho minha visão a respeito da desconsideração da personalidade jurídica e sobre como a aplicação desse instituto está disciplinada no Código de Processo Civil. As ideias defendidas ao longo do texto são diversas, mas giram todas em torno de quatro premissas fundamentais: (I) o conceito de desconsideração da personalidade jurídica; (II) a distinção entre a responsabilidade extraordinária e primária decorrente da desconsideração e a responsabilidade ordinária e secundária dos sócios; (III) a concepção de que há, no pedido de instauração do incidente de desconsideração, o ajuizamento de demanda; e (IV) a compreensão da desconsideração da personalidade jurídica como meio, e não fim. Em tudo que pensei e escrevi, tentei ser coerente especialmente com essas premissas. Além de buscar coerência, procurei demonstrar a relevância prática de cada ponto abordado. Desejo, acima de tudo, que este trabalho seja útil. Quem se dedica ao estudo do direito processual, acredito, não deve se deter em meditações puramente acadêmicas – menos ainda quando trata de expedientes contra fraudes. Em que medida consegui atingir esses meus dois objetivos principais, não tenho como avaliar. De todo modo, espero que o texto suscite reflexões, como provocaram em mim os livros e artigos já publicados sobre o tema. Agradeço: a Júlia Prado Mascarenhas, que acompanhou e incentivou como ninguém a produção deste trabalho, o companheirismo e o carinho; aos amigos Antonio Bender Mammi, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes e Oswaldo Daguano Jr., a gentileza de revisar o texto; aos Professores Flávio Luiz Yarshell, Claudio Luiz Bueno de Godoy, Antonio Carlos Marcato, Ricardo de Carvalho Aprigliano e André Pagani de Souza, as construtivas críticas. Ao Prof. Cândido Rangel Dinamarco, responsável pela existência deste trabalho, nem sei bem o que agradecer numa breve nota. A amizade, as lições, as conversas, as oportunidades… Embora me falte espaço para escrever, jamais me faltará memória para lembrar. Obrigado, Mestre. SUMÁRIO ANTERROSTO PÁGINA DE DIREITOS AUTORAIS FOLHA DE ROSTO DEDICATÓRIA PREFÁCIO NOTA DO AUTOR SUMÁRIO INTRODUÇÃO PRIMEIRA PARTE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E PROCESSO 1. PERSONALIDADE JURÍDICA 1.1. Considerações preliminares 1.2. Função 1.3. Autonomia patrimonial 2. A CHAMADA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE 2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante transposição de risco 2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade 3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Origem e desenvolvimento 4. A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS HIPÓTESES 4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50) 4.1.1. Desvio de finalidade 4.1.2. Confusão patrimonial 4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades 4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de desconsideração 5. O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 6. O SUJEITO ATINGIDO POR DESCONSIDERAÇÃO: RESPONSÁVEL PATRIMONIAL PRIMÁRIO 7. OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E QUESTÕES DE MÉRITO – NOÇÕES ELEMENTARES SEGUNDA PARTE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 8. UMA APRESENTAÇÃO 8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo Civil 8.2. O incidente de desconsideração e outras causas de responsabilidade dos sócios 9. O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO COMO DEMANDA 9.1. Ponto de partida: desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial 9.2. Segue: desconsideração da personalidade jurídica no incidente 10. DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO DO INCIDENTE 11. INTERESSE PROCESSUAL NA DESCONSIDERAÇÃO – A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO SUPOSTA CONDIÇÃO PARA A DISREGARD 12. LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE 12.1. Instauração por iniciativa do juiz? 12.2. Instauração por iniciativa do Ministério Público? 12.3. Instauração por iniciativa do assistente? 13. PROVA 13.1.Necessidade e ônus da prova 13.2. Dificuldades probatórias 14. FRAUDE DE EXECUÇÃO 15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS 16. COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA INTRODUÇÃO Uma das mais festejadas novidades introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015 em nosso ordenamento jurídico encontra-se no título dedicado às intervenções de terceiros. Trata-se do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, disciplinado nos artigos 133 e seguintes do estatuto processual. CÂNDIDO DINAMARCO referiu-se à inovação como um “valioso culto à garantia do contraditório”, cujo principal mérito seria afastar a insegurança que pairava sobre a forma processual de se proceder à desconsideração da personalidade jurídica.1 Na mesma linha, ARRUDA ALVIM observou que o modo de aplicação do instituto vinha sendo “objeto de preocupação” e elogiou a iniciativa de se estabelecer um incidente específico para a utilização da disregard doctrine.2 A novidade também foi louvada por DANIEL NEVES,3 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA,4 entre outros que a comentaram.5-6 A generalizada reação positiva diante da criação de um regramento processual próprio para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é compreensível. A despeito da importância do instituto e de sua frequente aplicação nos tribunais brasileiros, existia séria divergência sobre como empregá-lo na vigência do Código de 1973.7 Na doutrina, formaram-se basicamente três correntes: de um lado, havia quem defendesse a desconsideração como medida passível de ser obtida somente por meio de processo próprio, com inclusão do sujeito visado na posição de réu;8 de outro, quem considerasse válida sua aplicação no curso de execução movida em face da pessoa jurídica, independentemente de prévia citação do indivíduo cujos bens se quisesse alcançar;9 e havia ainda posição intermediária, que dispensava a instauração de novo processo mas não a garantia de prévio contraditório àquele que pudesse ter seu patrimônio atingido por aplicação da disregard doctrine.10 No Superior Tribunal de Justiça, prevalecia o entendimento de que a desconsideração da personalidade jurídica poderia ocorrer incidentalmente e sem prévia oportunidade de defesa a quem pudesse suportar seus efeitos,11 mas acórdãos da própria corte apontavam a ilegitimidade desse modo de proceder,12 dada a sua incompatibilidade com as garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal.13 Diante da dissensão, surgiram reclamações por uma regulamentação processual específica para o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. PEDRO BIANQUI, v.g., propunha a criação de um incidente que garantisse prévio contraditório e permitisse constatar, mediante instrução, a existência ou não de fatos para a desconsideração. Assim, com um procedimento incidental preestabelecido e legalmente formatado, haveria maior segurança tanto nas relações jurídicas quanto nas decisões judiciais relativas ao tema.14 Manifestações dessa ordem alcançaram o Poder Legislativo, resultando em projetos de lei que pretenderam fixar uma disciplina processual para a desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, nenhum chegou a se concretizar. O primeiro deles, apresentado pelo deputado federal RICARDO FIUZA,15 veio logo após o Código Civil de 2002 entrar em vigor e buscava instituir um incidente no qual a decisão sobre a desconsideração da personalidade jurídica fosse precedida de oportunidade de defesa a quem pudesse ter seu patrimônio atingido pela aplicação da disregard doctrine. Acabou arquivado. Posteriormente, em 2008, o parlamentar BRUNO ARAÚJO apresentou projeto essencialmente similar e que tampouco prosperou.16 Esse histórico de debates, sugestões e propostas legislativas sinaliza o antigo anseio da comunidade jurídica por um regramento que definisse a forma de se manejar processualmente a desconsideração da personalidade jurídica. Surgiu, então, ocasião mais que propícia para o suprimento dessa lacuna: a elaboração de um novo Código de Processo Civil. Pode-se dizer que o objetivo deste estudo é examinar como essa especial oportunidade foi aproveitada pelo legislador. O trabalho ora introduzido consiste numa análise do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, isto é, do meio que o Código de Processo Civil de 2015 estabelece para a integração de sujeitos a processos já pendentes com fundamento na disregard doctrine. Seu objetivo é abordar criticamente os principais aspectos dessa nova modalidade de intervenção de terceiros e enfrentar relevantes dúvidas que o contato com o incidente suscita. Que pretensão é deduzida por meio dele? Qual seu impacto sobre o objeto do processo? Em que medida pode se defender o sujeito que intervém por meio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica? Essas e outras questões de fundamental importância prática serão objeto da segunda parte do estudo. A primeira metade do trabalho abriga os pilares da análise que se pretende fazer. Nela são estabelecidos conceitos indispensáveis ao estudo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e abordados institutos com os quais essa nova modalidade de intervenção de terceiros se relaciona. Ademais, a própria definição do que se deve entender por “desconsideração da personalidade jurídica” – expressão metafórica e enganosa – é apresentada na parte inicial do livro. Não é difícil perceber a importância do tema. A invocação da disregard doctrine foi frequente na vigência do Código de 1973, e os poucos anos em vigor do estatuto de 2015 indicam que a utilização do incidente de desconsideração como meio de intervenção de terceiros será constante, o que torna imprescindível o seu estudo. A fim de escapar ao tratamento de questões que não se mostram indispensáveis ao desenvolvimento do trabalho (e às tantas digressões que isso implicaria), optou--se por realizá-lo à luz do processo estatal de natureza individual, considerando-se o trâmite do procedimento comum e o do cumprimento de sentença. Tal recorte, entretanto, decorre de escolha puramente metodológica: havendo compatibilidade, as conclusões apresentadas ao longo do texto poderão ser aproveitadas no processo coletivo, no processo de execução, em procedimentos especiais ou ainda no campo da arbitragem.17 Para finalizar esta introdução, esclarece-se que o trabalho não se aprofunda em demasia em aspectos puramente materiais da desconsideração da personalidade jurídica, e nem é esse o seu propósito. O tema é de grande complexidade, com questões e dificuldades cujo exame a fundo daria ensejo a outros livros. Mas é evidentemente indispensável enfrentá-lo, sem o que não seria possível bem compreender sua projeção no campo do direito processual.18 Vale aqui, como sempre, a lição de DINAMARCO: “jamais alguém compreenderá bem o processo civil enquanto só o processo civil estudar”.19 1. “O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil vigente”, n. 16. Noutro trabalho, em coautoria com Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, o jurista classificou o incidente como “uma das grandes novidades do novo Código de Processo Civil” (Teoria geral do novo processo civil, p. 164). 2. Manual de direito processual civil, pp. 530-532. 3. “O Novo Código de Processo Civil prevê um incidente processual para a desconsideração da personalidade jurídica, finalmente regulamentando seu procedimento. Tendo seus requisitos previstos no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do Código Civil, faltava uma previsão processual a respeito do fenômeno jurídico, devendo ser saudada tal inciativa” (Novo Código de Processo Civil – inovações, alterações e supressões comentadas, p. 141). 4. “Este incidente – que não estava previsto expressamente na legislação processual anterior – vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica” (Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 425). 5. “É positiva a iniciativa do legislador,ao prever um procedimento específico para regrar a aplicação de tão importante instituto jurídico, restando aqui a séria esperança de que, uma vez em vigor o novo Código de Processo Civil, algumas das históricas polêmicas jurisprudenciais e doutrinárias possam restar superadas; tudo de modo a homenagear-se a segurança jurídica” (MEDEIROS NETO, “O princípio da proporcionalidade, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e o projeto de um novo Código de Processo Civil”, n. 4). 6. “A inovação é de extrema importância e representa verdadeira dobra histórica no percurso que vem sendo trilhado pela desconsideração da personalidade jurídica no âmbito interno. Com essa atitude o legislador processual preenche sensível lacuna que vinha acompanhando as discussões sobre a maneira adequada de se tratar processualmente a prática de atos de abuso da personalidade jurídica, bem como sobre a fixação de suas consequências no âmbito da tutela jurisdicional” (XAVIER, “A processualização da desconsideração da personalidade jurídica”, n. 4). 7. Cf. GAMA, “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, n. 2. 8. “A desconsideração da personalidade jurídica, providência cujo acerto e eficácia devem atentar para sua excepcionalidade e para a presença de seus pressupostos (fraude e abuso, a desvirtuar a finalidade social da pessoa jurídica), não pode, não ao menos como regra, ser feita por simples despacho no processo de execução. A cognição para detectar a presença dos citados pressupostos é indispensável e, nessa medida, ao menos como regra, impõe-se a instauração do regular contraditório em processo de conhecimento. […] Trata-se de ‘ação própria’ no sentido de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento condenatório para que, também em relação a ele, se forme o título executivo” (GRINOVER, “Da desconsideração da pessoa jurídica – aspectos de direito material e processual”, pp. 184-185). Também nesse sentido, cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, pp. 57-59; SILVA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, pp. 203-205. 9. “Mera decisão interlocutória proferida em meio à própria execução, após cognição sumária, aplicando-se a desconsideração, na forma de incidente processual, tendo em vista a prática de atos com o intuito de fraudar as obrigações pactuadas, sem que seja necessária a prévia manifestação do prejudicado, não viola os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, pois esses terceiros poderão utilizar-se de todos os meios de defesa previstos, como, por exemplo, os embargos de terceiro e o recurso de agravo de instrumento, por se tratar de terceiro prejudicado” (BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, p. 152). 10. “Positivando-se que a sociedade não disponha de suficiente patrimônio responsável, a pedido do exequente citar-se-á o sócio, ou sócios, abrindo-se logo em seguida uma instrução destinada a apurar sua responsabilidade patrimonial. As disposições legais referentes aos procedimentos executivos não oferecem abertamente dilações dessa ordem, mas é imperioso instituir um incidente inicial na execução, ainda que sem lei expressa a respeito, porque do contrário não se poderia chegar legitimamente à responsabilidade daquele cujo patrimônio o exequente pretende captar pela penhora” (DINAMARCO, “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, pp. 547-548). No mesmo sentido, cf. THEODORO JR., “A desconsideração da personalidade jurídica no direito processual civil brasileiro”, p. 330. 11. “Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, sendo a desconsideração da personalidade jurídica um incidente processual o qual pode ser deferido nos próprios autos, faz-se desnecessária a prévia citação dos sócios da pessoa jurídica cuja personalidade foi superada” (STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 918.295-SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 18.8.2016). 12. V.g., cf. STJ, 4ª T., RMS 29.697-RS, rel. Min. Raul Araújo, j. 23.4.2013. 13. Na doutrina, Fredie Didier Jr. foi um dos que apontaram a ilegitimidade do entendimento que prevalecia no Superior Tribunal de Justiça: “seja pelo litisconsórcio eventual, seja pela instauração de um incidente cognitivo no processo de execução, o que importa é dar oportunidade ao debate, não sendo lícita a aplicação da sanção sem o prévio contraditório. Não se pode, na ânsia por uma efetividade do processo, atropelar garantias processuais alcançadas após séculos de estudos e conquistas. Imaginar a aplicação de uma teoria eminentemente excepcional, que inquina de fraudulenta a conduta deste ou daquele sócio, sem que se lhe dê a oportunidade de defesa – ou somente se lhe permita o contraditório eventual dos embargos à execução, com necessidade da prévia penhora, dos embargos de terceiro ou do recurso de terceiro –, é afrontar princípios processuais básicos” (Regras processuais no Código Civil, pp. 13-14). 14. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 124. Cf. ainda BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 110-114. 15. “O PL 2.426/2003 é importante porque se trata da primeira tentativa de disciplinar a aplicação a aplicação de disciplinar a aplicação da teoria da personalidade jurídica no processo civil por meio de lei federal, criando um incidente cognitivo de desconsideração da personalidade jurídica” (SOUZA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, p. 192). 16. Projeto de Lei 3.401/2008. 17. Registre-se que a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em processo arbitral é controversa. Contra, cf. DIDIER JR.- ARAGÃO, “A desconsideração da personalidade jurídica no processo arbitral”, pp. 266-267; CARMONA, Arbitragem e processo – um comentário à Lei nº 9.307/96, pp. 83-84. A favor, cf. WALD, “A desconsideração na arbitragem societária”, n. 1. 18. “Ignorar a realidade jurídico-material impede a correta compreensão dos institutos processuais, muito dos quais concebidos a partir de situações verificadas fora do processo. Constrói-se a técnica processual a partir de características da crise de direito material a ser solucionada pelo juiz. O modo de ser do método de trabalho destinado à solução das controvérsias é influenciado pela natureza da relação de direito material”. BEDAQUE, Direito e processo – influência do direito material sobre o processo, pp. 25-26. 19. Apresentação do livro Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, de Pedro Henrique Torres Bianqui. PRIMEIRA PARTE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E PROCESSO 1 PERSONALIDADE JURÍDICA 1.1. Considerações preliminares A expressão desconsideração da personalidade jurídica remete à ideia de transposição de uma barreira. A relação parece intuitiva: se a personalidade jurídica por vezes tem de ser desconsiderada (ou superada, como prefere a doutrina italiana),1 decerto é porque sua existência pode constituir óbice à obtenção de algum resultado juridicamente relevante. Em razão dessa percepção, é inevitável que o estudo da desconsideração desperte indagações sobre a figura da personalidade jurídica.2 Em que ela consiste? Afinal de contas, por que é preciso desconsiderá-la em determinadas ocasiões? A primeira dessas questões formou o eixo do debate a respeito da natureza da personalidade jurídica, que durante anos teve destaque no cenário jurídico europeu.3 Além da célebre teoria ficcionista de SAVIGNY, que definiu as pessoas jurídicas como seres fictícios (“des êtres fictifs”) concebidos para atuar como sujeitos de direito em relações de cunho econômico,4 várias outras procuraram explicar a “essência” da personalidade jurídica, apresentando as mais distintas proposições. Em sua obra, VICENTE RÁO enumera nada menos do que dez diferentes pensamentos acerca do assunto, e diz referir-se somente aos “de maior relevo”.5 Apesar da atenção que o tema atraiu e das polêmicas em tornodele criadas, MENEZES CORDEIRO diz ser insatisfatório o resultado alcançado a seu respeito. O jurista entende que “a Ciência do Direito não conseguiu explicar a essência da personalidade colectiva”6 e enxerga na doutrina recente pouco interesse em alterar esse panorama: “multiplicam-se os manuais que, de pessoa colectiva,7 dão breves definições técnicas, ou abandonam, pura e simplesmente, a tarefa da sua definição”.8 FÁBIO ULHOA COELHO relatou fenômeno semelhante: na sua visão, os autores que se depararam com a questão pareceram menos animados a enfrentá-la do que a “ver-se livre dela”.9 Além daqueles que ignoram o debate, há quem abertamente o desqualifique, pondo em xeque o proveito das teorias que se desenvolveram sobre a personalidade jurídica e a importância de se apurar sua natureza. RUBENS REQUIÃO tacha de “fatigantes” as controvérsias sobre o tema,10 e CUNHA GONÇALVES afirma que os produtos das “laboriosas dissertações” que o abordaram são “tão contraditórios como inúteis para a vida prática”.11 Menos incisivo, COUTINHO DE ABREU não chega a considerar bizantinos os estudos sobre a essência da pessoa jurídica, mas mesmo assim lhes relativiza a importância. Segundo o comercialista português, mais relevante do que teorizar sobre a pessoa jurídica e sua natureza é “indagar o sentido-função, o porquê-e-para quê” de sua existência.12 Independentemente do valor das teorias concernentes à “essência” da personalidade jurídica, o ponto de vista de COUTINHO DE ABREU revela-se adequado ao menos para o propósito deste trabalho. Conforme se verá ao longo da leitura, o instituto da desconsideração não é fruto de especulações acadêmicas; trata-se de expediente pragmático, pensado a partir de casos concretos como remédio contra o uso abusivo de pessoas jurídicas (infra, n. 3). Dessa forma, muito pouco aproveitaria ao seu estudo uma análise ontológica da personalidade jurídica, adotando-se uma ou outra teoria a respeito de sua natureza.13 Aqui, mais interessa analisar a pessoa jurídica como existência teleológica,14 com o olhar voltado para o seu papel dentro do ordenamento, pois só conhecendo a função desempenhada pela pessoa jurídica será possível constatar eventual anormalidade no seu manejo. Em sua favola della persona giuridica, GALGANO oferece uma versão pitoresca para a gênese da pessoa jurídica: soberbo, o ser humano não a teria concebido para exercer função alguma, mas tão somente para satisfazer seu anseio de passar da condição de mera criatura ao posto de criador.15 Obviamente, a verdade é outra: são de ordem prática as razões que justificam o instituto da pessoa jurídica, não havendo sentido em sua existência a não ser como instrumento a serviço do homem.16 Assim, deve-se perquirir a que se presta tal ferramenta. 1.2. Função Para propiciar o desenvolvimento de atividades direcionadas à obtenção de lucro e a outros propósitos lícitos, a legislação autoriza que particulares criem e mantenham organizações juridicamente distintas de sua própria existência. A independência jurídica de tais organizações manifesta-se na aptidão para a prática de atos e o estabelecimento de relações em nome próprio, com capacidade para a titularidade de direitos e deveres que não se confundem com direitos e deveres dos sujeitos que as integram. Ao contrair uma dívida, por exemplo, a organização formada não estará obrigando conjuntamente seus participantes, como codevedores, senão obrigando a si mesma, como parte individualizada. Assim, a principal marca da existência jurídica dessas entidades está na sua condição de sujeito de direito com autonomia patrimonial: uma vez criadas, originam centros de imputação de relações ativas e passivas economicamente estimáveis, ou seja, novos patrimônios aos quais poderão ser vinculados direitos e deveres.17 A personalidade jurídica é o meio que o ordenamento disponibiliza para a produção do fenômeno anteriormente descrito. Com o estabelecimento de organizações personificadas, denominadas pessoas jurídicas, persegue-se o efeito da constituição de patrimônio autônomo, para que nele se possa vincular direitos e obrigações relacionados a um propósito específico. Sem autonomia patrimonial, a pessoa jurídica estaria por certo fadada à esterilidade, pois sua utilidade se extrai justamente de sua capacidade para a titularidade de direitos e deveres (infra, n. 1.3). Por isso, diz FERRER CORREIA, não é possível conceber personalidade jurídica sem autonomia patrimonial;18 seria como imaginar uma faca sem gume. A função da personalidade jurídica revela-se, portanto, bem mais nítida do que sua natureza ou essência, e isso reflete de forma muito clara na doutrina. Em vez de teorias dissonantes e discussões inconcludentes, o que se verifica é um consenso em torno da pessoa jurídica como meio para a formação de patrimônio autônomo.19 É essencialmente essa a compreensão de FÁBIO KONDER COMPARATO,20 da qual não têm divergido autores nacionais21 ou estrangeiros.22-23-24-25 Sobre ela, porém, convém fazer breves esclarecimentos. Não se deve confundir o papel desempenhado pela personalidade jurídica com o escopo de cada pessoa jurídica particularmente considerada. Embora a razão funcional para a criação de toda pessoa jurídica esteja na constituição de patrimônio autônomo, sempre haverá por trás disso a intenção de desenvolver uma atividade específica – a comercialização de um produto, a prestação de um serviço, a prática de uma modalidade esportiva etc. Assim, não obstante se verifique na fundação de qualquer pessoa jurídica a mesma finalidade imediata (obtenção de autonomia patrimonial), irá variar a finalidade mediata de cada uma delas, correspondendo ao objetivo que almejam atingir aqueles que a conceberam.26 Em suma, cria-se a pessoa jurídica para se formar um sujeito de direito com autonomia patrimonial, que por seu turno servirá à realização de escopo predeterminado por seus integrantes. Outro ponto em que se deve atentar é o de que a autonomia patrimonial, apanágio da pessoa jurídica, não constitui seu único atributo. Junto à capacidade para direitos e deveres no plano substancial, a personalidade jurídica confere à organização personificada capacidade de ser parte,27-28 habilitando-a a integrar relações processuais e a defender em nome próprio seus interesses em juízo. No dizer da doutrina norte-americana, toda pessoa jurídica deve ser “capable of suing and being sued in its own name”.29 1.3. Autonomia patrimonial Já foi dito que a autonomia patrimonial não é somente atributo essencial da personalidade jurídica, mas também o que lhe imprime caráter instrumental (supra, n. 1.2). Para se compreender o fundamento da assertiva, é preciso entender de que maneira a constituição de patrimônio autônomo revela-se útil àqueles que se valem de uma pessoa jurídica para o desenvolvimento de suas atividades. Do ponto de vista interno – ou seja, no que se refere à relação entre aqueles que integram a pessoa jurídica–, a autonomia patrimonial cumpre relevante função organizacional.30 Ter à disposição um patrimônio autônomo significa poder isolar, em centro de imputação distinto, os interesses institucionais da pessoa jurídica, divisando-os dos interesses individuais de cada um de seus participantes, o que naturalmente propicia maior facilidade na gestão e no controle de recursos. Em empreendimentos de pequena monta, é até factível empregar esforços e recursos em prol de um objetivo sem se valer desse expediente, mas é inegável a conveniência de se destacar as relações jurídicas pertinentes ao exercício de uma atividade, concentrando-as em sujeito de direito criado para tal função.31 Em empreendimentos de maior porte, mais do que conveniente, a organização proporcionada pela autonomia patrimonial mostra-se praticamente imprescindível. É na relação da pessoa jurídica com terceiros, porém, que essa distinção patrimonial revela sua maior importância.32 Possuindo a pessoa jurídica patrimônio autônomo, e sendo ela autêntica titular dos direitos e obrigações concernentes ao seu funcionamento,seus próprios bens responderão pelas dívidas que contrair – e apenas pelas dívidas que contrair. Não deve a pessoa jurídica ser acionada por obrigações pessoais de seus integrantes. Se vier a sê-lo, sua autonomia patrimonial funcionará como legítimo anteparo contra as investidas dos credores de seus membros.33 Dessa forma, o patrimônio da pessoa jurídica e a atividade por ela desempenhada permanecerão resguardados de eventual infortúnio econômico de qualquer de seus participantes. Ao contrário do que poderia sugerir a lógica, o inverso não é necessariamente verdadeiro. Entre as entidades coletivas voltadas ao lucro, encontram-se organizações cujas dívidas são suportadas por seus integrantes a despeito de haver separação entre seus patrimônios. Fala-se de espécies societárias que, não obstante personificadas (dotadas de patrimônio autônomo, portanto), comprometem os bens pessoais de seus integrantes por obrigações sociais. Caso bastante ilustrativo é o da sociedade em nome coletivo. Nesse tipo societário, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (CC, art. 1.039). Diz-se que a responsabilidade é solidária porque de cada um dos integrantes da sociedade, independentemente do vulto de sua participação, poderá ser exigida a integralidade da dívida contraída pela pessoa jurídica; e ilimitada porque não haverá um valor máximo até o qual os sócios poderão ser chamados a responder. Assim, e.g., na hipótese de sociedade em nome coletivo composta por cinco sócios que tenham aplicado dez mil reais cada um, caso ela venha a contrair uma dívida de um milhão de reais, o credor da pessoa jurídica poderá demandar de quaisquer deles – isolada ou conjuntamente – o pagamento total do valor devido, e não importará o fato de a dívida superar em muito o quantum investido na sociedade. Em todo caso, porém, a responsabilidade desses sócios será apenas subsidiária: seus bens particulares não deverão responder pelas obrigações sociais enquanto o patrimônio da pessoa jurídica não houver esgotado (CC, art. 1.024).34 Nesses tipos societários, o fato de os sócios responderem subsidiariamente por obrigações sociais não desmente a existência de separação entre seus patrimônios particulares e o patrimônio da pessoa jurídica. Ao contrário: se bem se observar, o escalonamento sucessivo da responsabilidade pressupõe a existência de patrimônios distintos postos em ordem de prioridade.35 De todo modo, sobressai nesse regime a situação de vulnerabilidade em que se inserem os participantes da sociedade, pois, em caso de insolvência da pessoa jurídica, sua autonomia patrimonial não impedirá que se consumam bens particulares dos sócios até a satisfação das obrigações sociais. Parte da doutrina adjetiva de imperfeita a autonomia patrimonial das sociedades com tal regime de responsabilidade.36 Para essa corrente, somente se pode considerar perfeita a autonomia patrimonial de sociedades cujos integrantes não respondem por dívidas sociais mesmo na hipótese de insolvência da pessoa jurídica, pois só assim os patrimônios seriam verdadeiramente independentes. Precisa ou não, a adjetivação pauta-se por um fundamental ponto de distinção entre dois possíveis regimes societários: quando os sócios gozam da chamada limitação de responsabilidade e quando não dispõem de tal benefício, sobre o qual se falará no próximo item. 1. Cf. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law; MANES, Il superamento della personalità giuridica – l’esperienza inglese. 2. Neste livro, a locução personalidade jurídica é utilizada para designar a personalidade da pessoa jurídica ou a própria pessoa jurídica. Tal emprego, embora possa ser considerado impreciso, convém à exposição e não à toa é frequente em obras sobre o instituto da desconsideração – ainda que de forma não anunciada. 3. Alguns, com boa dose de exagero, apontaram-no como “o problema do século XIX”. (MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 66). 4. “On les appelle personnes juridiques, c’est-à-dire, personnes qui n’existent que pour des fins juridiques, et ces personnes nous apparaissent à côté de l’individu, comes sujets des rapports de droit. […] Voici donc les rapports de droit que soutiennent les personnes juridiques: la propriété et les jura in re, les obligations, les successions comme moyen d’acquérir, le pouvoir sur les esclaves, le patronage et, dans les temps plus modernes du droit romain, le colonat. D’un autre côté, le marriage, la puissance paternelle, la parenté, la manus, la mancipii causa et la tutelle ne peuvent appartenir aux personnes juridiques. Cela nous conduit à définir avec plus de precision la personne juridique, comme un sujet du droit des biens créé artificiellement” (Traité de droit romain, t. II, pp. 234-237). 5. O direito e a vida dos direitos, vol. II, p. 668. Sobre as teorias desenvolvidas a respeito da natureza da personalidade jurídica, além do mencionado trabalho de Vicente Ráo (pp. 668 ss.), cf.: COMPARATO- SALOMÃO FILHO, O poder de controle na sociedade anônima, pp. 319 ss.; SACRAMONE, Administradores de sociedades anônimas – relação jurídica entre o administrador e a sociedade, pp. 48-58. SZTAJN, “Sobre a desconsideração da personalidade jurídica”. 6. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 67. 7. O uso de “pessoa coletiva” em vez de “pessoa jurídica” decorre de mera variação terminológica. Mas vale ponderar que o adjetivo “coletivo” carece de precisão, porque sugere a subjacência de uma pluralidade de sujeitos, o que nem sempre é verdade (lembre-se da empresa individual de responsabilidade limitada, v.g.). Assim, é preferível o uso da expressão “personalidade jurídica”, até porque consagrada na doutrina, na jurisprudência e na legislação brasileiras. 8. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 66. 9. Desconsideração da personalidade jurídica, p. 74. 10. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 4. 11. Tratado de direito civil, t. II, vol. I, p. 904. 12. Curso de direito comercial, p. 167. Para o português, “as ‘teorias’ não se têm revelado ‘essenciais’ para a descoberta da ‘essência’ da personalidade colectiva… Em grande medida descomprometida com a luta das ‘teorias’, domina hoje na doutrina a compreensão ‘técnico- jurídica’ da pessoa colectiva. Produto da técnica jurídica, abstraindo- se em grande medida de considerações ético-jurídicas e político- gerais, não baseando nos substratos metajurídicos o seu específico modo de ser, a personalidade colectiva aparece como expediente utilizável por muitas e diferenciadas organizações” (Curso de direito comercial, p. 164). 13. Rolf Serick defende linha de trabalho semelhante: “podría sostenerse el criterio de que sólo cabe esperar soluciones satisfactorias después de haber tratado de poner en claro la esencia de la persona jurídica. […] Por otra parte, no debe perderse de vista que al práctico apenas le serviría para nada una solución que se fundara en determinada concepción sobre la esencia de la persona jurídica” (Apariencia y realidade en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 27). No mesmo sentido, cf. DUARTE, Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação de domínio – contributo para a determinação do regime da empresa plurisocietária, p. 31; WORMSER, “Piercing the veil of corporate entity”, p. 496; VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law, p. 6. 14. A expressão é de Miguel Reale: “a pessoa jurídica é uma existência, mas uma existência teleológica, ou seja, finalística” (Lições preliminares de direito, p. 232). 15. “Iddio creò l’uomo a propria imagine e somiglianza, ma l’uomo non volle essergli da meno: creò, a imagine e somiglianza propria, la persona giuridica. Le dette un’assemblea ed un consigliodi amministrazione e le disse: questi sono i tuoi organi; l’assemblea è il tuo cervello; vedrai, ascolterai, parlerai con gli occhi, con le orecchie, con la boca dei tuoi amministratori. […] Ma l’uomo volle fare di più e di meglio: alla persona giuridica, che è sua criatura, permise ciò che a lu stesso, criatura di Dio, non è consentito. L’uomo è mortale, la persona giuridica può essere immortale”. (“La favola della persona giuridica”), pp. 23-24. 16. “Pessoa jurídica não é uma ‘imitação’ do ser humano’ […] As sociedades e demais agrupamentos personificados não se apresentam como realidades físicas, viventes por si mesmas, mas só se justificam como instrumentalidade; existem para e em função do homem” (Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 33). 17. Entre outros, cf. CARVALHO SANTOS, Código Civil brasileiro interpretado, vol. I, pp. 338-339; 389-391; SILVIO RODRIGUES. Direito civil, vol. I, pp. 85-87; KELSEN, Teoria pura do direito, pp. 194-195. 18. “A personalidade jurídica das sociedades depende de uma condição prévia: a autonomia patrimonial. Pode haver autonomia patrimonial sem personalidade, mas não esta sem aquela. […] Ora se a sociedade não tiver bens que respondam com autonomia pelas dívidas relacionadas ao seu comércio, […] decerto a não poderemos conceber como dotada de capacidade para a si mesma se vincular”. (“A autonomia patrimonial como pressuposto da personalidade jurídica”), pp. 547-548. No mesmo sentido, cf. RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 146, n.r. 130. Na doutrina brasileira, Dinamarco afirma a autonomia patrimonial como “um dos fundamentos basilares da personalidade jurídica dos entes coletivos, sem cuja observância sequer haveria como pensar nessa personalidade” (“Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, pp. 531-532). 19. Ou patrimônio separado. Mas é preciso observar que esta última expressão não é unívoca, podendo também designar a porção de um patrimônio que se sujeita a regime diferenciado – os bens dos cônjuges sujeitos a comunhão, por exemplo. Cf. HILDEBRAND, “Patrimônio, patrimônio separado ou especial, patrimônio autônomo”, pp. 273-275; SALOMÃO FILHO, A sociedade unipessoal, p. 27. 20. O poder de controle na sociedade anônima, p. 268; p. 270. 21. Entre outros: ARAKEN DE ASSIS. Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 135; CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 259-262; BULGARELLI, Manual das sociedades anônimas, p. 71; REQUIÃO, Curso de direito comercial, vol. I, pp. 355-356; LOTUFO, Código Civil comentado, vol. I, p. 143. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, p. 14; SOUZA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, pp. 73-75. 22. “The core element of legal personality (as we use the term here) is what the civil law refers to as ‘separate patrimony’. This is the ability of the firm to own assets that are distinct from the property of other persons, such as the firm’s investors”. HANSMANN--KRAAKMAN, “What is corporate law?”, 2007, p. 7. 23. “Il privilegio consiste essenzialmente nell’assegnare all’ente riconosciuto, cioè alla persona giuridica, un patrimonio separato da quello dei singoli membri, e capacità di agire separata rispetto a quella dei singoli membri”. TRABUCCHI, Istituzioni di diritto civile, p. 153. 24. “Le premier intérêt de la personnalité morale est d’obtenir une autonomie patrimoniale certaine”. BAILLY-MASSON, “L’intérêt de la personnalité morale”, p. 99. 25. “Na determinação do regime que corresponde à expressão personalidade colectiva, a primeira nota vai para a questão da autonomia patrimonial, que existe sempre nos casos de personalização. Ferrer Correia a ela se refere como um pressuposto da personalidade jurídica, na perspectiva que é um elemento pré- normativo em função do qual ela surge”. DUARTE, Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação de domínio, p. 47. 26. No mesmo sentido, falando em “causa genérica” e “causa específica” para a constituição de pessoas jurídicas: COMPARATO, O poder de controle na sociedade anônima, p. 270. 27. “Todas elas [pessoas jurídicas], tendo personalidade jurídica plena em face do direito material, também são dotadas da personalidade de direito processual, que se resolve na capacidade de ser parte” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 335). 28. Assim prescreve expressamente o Código de Processo Civil português: “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária” (art. 11, n. 2). 29. “Starting from the premise that the company is itself a person, in the eyes of the law, it is straightforward to deduce that it should be capable of entering into contracts and owning its own property; capable of delegating to agents; and capable of suing and being sued in its own name. For expository convenience, we use the term ‘legal personality’ to refer to organizational forms – such as the corporation – that share these three atributes” (ARMOUR, John et al., “What is corporate law?”, 2017, p. 8). 30. “Patrimônio separado e pessoa jurídica são, afinal, instrumentos jurídicos para disciplinar a responsabilidade das partes pelos atos que praticarem como sócios e para distinguir, assim, os interesses sociais e os interesses individuais dos sócios” (ASCARELLI, “O contrato plurilateral, p. 282). 31. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, p. 102. 32. Cf. ASCARELLI, “O contrato plurilateral”, p. 313. 33. SZTAJN, “Terá a personificação das sociedades função econômica?”, p. 66; FERRER CORREIA, “A autonomia patrimonial como pressuposto da personalidade jurídica”, p. 561. 34. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, pp. 69-70; SZTAJN, Contrato de sociedade e formas societárias, pp. 67-68; ABREU, Responsabilidade patrimonial dos sócios nas sociedades comerciais de pessoas, pp. 36-37. 35. É o que observam Rachel Sztajn e Priscila Corrêa da Fonseca em comentário ao art. 1.024 do Código Civil: “determinado que os sócios respondem pelo pagamento de todas as obrigações, são responsáveis pelo saldo não coberto se os bens da sociedade forem para tanto insuficientes, segue-se a regra de que a apreensão dos bens particulares dos sócios é subsidiária. Portanto, a responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios só e-merge depois de esgotados os bens da sociedade. A norma parte da separação patrimonial decorrente da personificação da sociedade” (Código Civil comentado, vol. XI, pp. 386-387). 36. V.g. PINTO, Do contrato de suprimento – o financiamento da sociedade entre capital próprio e capital alheio, p. 307. 2 A CHAMADA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE 2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante transposição de risco Viu-se no item precedente que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica não necessariamente resguarda seus integrantes de arcar com suas obrigações. Em parte dos tipos societários personificados (entidades coletivas que têm por fim proporcionar lucro aos seus participantes), sócios respondem de forma subsidiária pelas dívidas da pessoa jurídica. Nesses casos, caindo a sociedade em insolvência, os prejuízos sociais serão suportados por seus integrantes, com consequências possivelmente devastadoras sobre seus patrimônios pessoais. Não é difícil perceber quão desencorajador tal regime de responsabilidade pode apresentar-se a quem cogite exercer uma atividade econômica. Independentemente da aptidão dos sujeitos envolvidos, ingressar no mercado implica submissão a um sem- número de riscos, muitos dos quais escapam a qualquer tentativa de controle. Para ficar apenas em exemplos triviais, basta mencionar a possibilidade de inflação, variação cambial, escassez de crédito e inadimplência de devedores – fatores que podem influir decisivamente no destino de uma iniciativa empresarial.37 São tantos os azares que podem acometer uma atividade econômica, que mesmo o mais preparadoe previdente empreendedor ficaria temeroso de tomar parte em uma pessoa jurídica quando pudesse ser responsabilizado por suas obrigações na hipótese de sua insolvência. Em razão de um insucesso empresarial, bens pessoais conquistados ao longo de anos de trabalho poderiam perder-se.38 O receio do empreendedorismo (rectius: dos riscos que lhe são inerentes) é sem dúvida nocivo para o desenvolvimento de um país. Primeiro, porque inibe a realização de atividades econômicas legítimas e desejáveis, que gerariam empregos, incrementariam o recolhimento de tributos e proporcionariam maior número de bens e serviços à disposição da população. Por consequência, constitui entrave à concorrência, uma vez que o ingresso de novos agentes econômicos no mercado depende em grande medida de iniciativas empreendedoras, que se reduzem em cenários de maior risco.39 Ademais, acaba colaborando para o fenômeno da concentração de renda, pois propicia que empreendimentos sejam tentados somente por quem dispõe de capital suficiente para suportar eventuais prejuízos econômicos no âmbito pessoal. Não é só. A responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações sociais também dificulta a atuação dos chamados agentes passivos – sujeitos que desejam aplicar parcela de seu capital no financiamento de sociedades empresárias, mas não estão dispostos ou habilitados a participar de sua administração ou mesmo a acompanhar de perto a sua gestão.40 Como a tais pessoas não seria viável exercer qualquer tipo de controle sobre os prejuízos que lhes poderiam ser imputados em caso de insucesso do negócio, elas certamente receariam participar de pessoas jurídicas na condição de sócio investidor se respondessem subsidiariamente pelas obrigações sociais. Então, salutares iniciativas empreendedoras careceriam de financiamento – ou enfrentariam enorme dificuldade para obtê- lo.41 Tendo tudo isso em vista, as normas em geral buscam oferecer mecanismos que mitiguem os riscos dos que se propõem ao desenvolvimento de atividades econômicas. Cuida- se de uma escolha política, que reconhece no empreendedorismo um motor de desenvolvimento econômico-social e visa a fomentá-lo. Entre tais mecanismos, destaca-se o regime de limitação de responsabilidade, que se verifica em certas espécies societárias personificadas42 do ordenamento jurídico brasileiro. O regime de limitação de responsabilidade deve ser bem compreendido. Diferentemente do que se pode imaginar, ele não estabelece nenhum tipo de restrição à responsabilidade da própria pessoa jurídica, cujo patrimônio responde sempre ilimitadamente por suas obrigações.43 Na realidade, restringe-se o risco patrimonial de seus integrantes: em caso de insolvência social, eles perderão os recursos que tiverem investido na formação do capital da pessoa jurídica, porém seus bens particulares não responderão subsidiariamente por obrigações sociais. Serão, portanto, irresponsáveis pelas dívidas contraídas pela pessoa jurídica.44 Tal regime naturalmente se mostra mais propício à atuação de empreendedores e dos mencionados investidores passivos, pois lhes proporciona meio para previsão e contenção de riscos.45 Ao ingressar em uma sociedade com limitação de responsabilidade, podem esses agentes dimensionar ex ante a extensão da perda patrimonial que estão dispostos a experimentar na hipótese de insucesso do negócio, a qual será ditada pela medida de seu investimento na formação do capital social.46 Dessa forma, a limitação de responsabilidade constitui verdadeiro subsídio ao empreendedorismo,47 e não à toa as pessoas jurídicas que funcionam sob tal regime são praticamente as únicas utilizadas para o desenvolvimento de atividades empresariais.48 Evidentemente, alguém há de bancar tal subsídio, suportando o ônus que o ordenamento jurídico retira daqueles que se dedicam a um empreendimento e dos sujeitos que se animam a financiá-lo. Ninguém imaginará que, por meio de política legislativa, seja possível desvanecer o risco da atividade empresarial ou parte dele.49 De fato, o que a limitação de responsabilidade promove não é a supressão, e sim a transposição desse risco, que é parcialmente extraído da esfera dos sócios e transferido aos credores sociais.50 Num regime sem limitação de responsabilidade, os prejuízos que o patrimônio social não é capaz de absorver são imputados aos sócios, que respondem subsidiariamente por eles com seus bens particulares. Já num regime de responsabilidade limitada, como inexiste responsabilidade subsidiária dos sócios, os prejuízos que excederem o patrimônio social são absorvidos pelos credores da pessoa jurídica, que não terão alternativa para buscar a satisfação de seus créditos e, assim, sofrerão baixas em seus próprios patrimônios. Daí a assertiva de MILLON de que limitação de responsabilidade é um subsídio ao empreendedorismo concedido aos sócios à custa dos credores sociais.51 2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade A limitação ou não da responsabilidade dos sócios é em geral ditada pelo tipo societário, pois a legislação prescreve para cada espécie de sociedade o regime ao qual se submetem os seus participantes. Por conta disso, tornou-se corrente na doutrina uma divisão entre tipos societários de responsabilidade ilimitada, cujos integrantes respondem ordinária52 e subsidiariamente por obrigações sociais; e tipos societários de responsabilidade limitada, em que ordinariamente inexiste responsabilidade subsidiária dos sócios por dívidas da pessoa jurídica.53 No primeiro grupo dessa divisão encontra-se, v.g., a já referida sociedade em nome coletivo (CC, art. 1.039).54 Os mais representativos exemplos do segundo agrupamento são a sociedade anônima (ou companhia), cujos sócios têm sua responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que vierem a subscrever ou adquirir (CC, art. 1.088; Lei 6.604/1976); a sociedade limitada (também denominada sociedade por cotas de responsabilidade limitada), em que os integrantes têm responsabilidade restrita ao valor de suas cotas, embora respondam solidária e subsidiariamente55 pela integralização do capital social (CC, art. 1.052); e a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), composta por um único sujeito cuja responsabilidade restringe-se ao valor aplicado na integralização do capital empresarial (CC, art. 980- A).56 Nada há de equivocado nessa forma de classificação, pois o tipo societário efetivamente estabelece o regime de responsabilidade a que se submetem os integrantes da sociedade (limitada ou não). No entanto, é preciso atentar na possibilidade de a natureza da obrigação contraída pela pessoa jurídica também interferir na limitação ou não de responsabilidade dos sócios. Em outras palavras: é perfeitamente concebível que, nos tipos societários de responsabilidade limitada, o ordenamento jurídico determine que os sócios respondam automática e subsidiariamente por obrigações sociais de determinada espécie, conferindo proteção diferenciada a uma específica classe de credores da pessoa jurídica. Colhe-se exemplo interessante da doutrina norte-americana, que refere a uma possível distinção entre credores voluntários (voluntary creditors) e credores involuntários (involuntary creditors) das sociedades com limitação de responsabilidade.57 Credores voluntários seriam essencialmente os credores contratuais, ou seja, aqueles que têm a sociedade como devedora em razão de uma relação consensual, deliberada pelas partes. Seria o caso, e.g., de um mutuante. Já os credores involuntários consistiriam fundamentalmente nas vítimas da prática de atos ilícitos, isto é, pessoas que dispõem de um crédito com a sociedade não em razão de uma escolha, mas por força de uma inopinada circunstância da vida. Pense-se, por exemplo, em um sujeito atropelado por automóvel pertencente à pessoa jurídica. A partir dessa distinção, defendeu-se naquele país que a limitação de responsabilidade devesse ser oponível somente aos credores voluntários, pois estes contratariam com a sociedade cientes de que os patrimônios dos sóciosnão responderiam pela dívida em caso de insolvência social e, portanto, poderiam compensar essa desvantagem no próprio negócio entabulado com a pessoa jurídica (mediante exigência de garantias contratuais, por exemplo). Já aos credores involuntários não seria adequado dispensar idêntico tratamento. Como seu crédito não decorre de uma escolha em se relacionar com uma sociedade de responsabilidade limitada, e sim de um ato praticado unilateralmente pela pessoa jurídica, não seria legítimo colocar sobre seus ombros os riscos inerentes ao regime de limitação de responsabilidade dos sócios.58 Logo, em face desses credores, os integrantes de sociedades de responsabilidade limitada responderiam subsidiariamente com seus patrimônios particulares.59 A distinção entre os tratamentos dispensados a credores voluntários e involuntários é criticável60 e, diga-se desde já, não encontra abrigo no ordenamento brasileiro vigente.61 Todavia, convém mencioná-la para que se tenha consciência de que o legislador pode muito bem estabelecer que determinadas obrigações – ou determinados credores – não se submetam à limitação de responsabilidade de que desfrutam os integrantes de certas sociedades. Mais à frente (infra, n. 4.2), tal compreensão será fundamental para diferenciar autênticos casos de desconsideração da personalidade jurídica e hipóteses de mera responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações sociais – não raro confundidos pela doutrina. 37. “São salutares as explicações de Ischer: […] ‘Nos dias atuais, submeter-se ao ‘risco ilimitado de uma empresa’ significa estar em perigo de ser totalmente arruinado pelo efeito de circunstâncias independentes a sua vontade […] mencionemos as medidas imperativas do Estado, a instabilidade monetária, a variação de preços, a escassez de crédito, a nacionalização de bens no estrangeiro, a falência de clientes e de bancos, a voracidade fiscal, enfim, um conjunto de problemas que chamamos de crise econômica’”. WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise de limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 147. 38. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, p. 16. 39. WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 146-148. 40. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, pp. 115-116. 41. “Os financiamentos de negócios em bases relacionais tendem a ser impactados pelo regime de responsabilidade. Familiares, amigos e outros investidores que se envolvem em um negócio na base da confiança quase sempre desejam se tornar sócios para participarem do sucesso; de vez em quando o fazem para ajudar um empreendedor por quem têm apreço, amizade ou laços de família; mas quase nunca estão dispostos a simplesmente arriscar todo o seu patrimônio pessoal em um único investimento. É nesse ponto que o tipo de regime jurídico de responsabilidade de sócio passa a ser importante, porque sob responsabilidade ilimitada o investidor poderá perder todo o seu patrimônio se a empresa vier a naufragar. Repare que esse problema é particularmente verdadeiro no caso de novos negócios, porque estes têm, sabidamente, maiores chances de quebrar do que negócios já estabelecidos há muito tempo. É nesse sentido que afirmo que a ilimitação de responsabilidade do sócio pode ser considerada um entrave adicional ao empreendedorismo, isto é, à abertura de novos negócios”. SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, p. 276. 42. Em certos sistemas jurídicos, como o alemão, a limitação de responsabilidade verifica-se em todas as espécies societárias personificadas, pois tais ordenamentos não reconhecem personalidade jurídica a sociedades que não disponham desse regime (Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 39; 261; RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 138-140). Não é o que se constata no Brasil, onde se reconhece personalidade jurídica mesmo a sociedades que não funcionem sob regime de limitação de responsabilidade, a exemplo da sociedade em nome coletivo. Desta forma, vale entre nós entendimento de que “limitação de responsabilidade não é elemento constitutivo da personalidade jurídica” (DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 522). 43. Cf. SZTAJN, Contrato de sociedade e formas societárias, p. 99. 44. Cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. II, p. 84, n.r. 69; WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 10-11. 45. Cf. PARENTONI, Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, p. 45. 46. Conforme observa Fran Martins, “haverá sempre um ponto em que cessa a responsabilidade dos sócios, o que não se verifica nas sociedades de responsabilidade ilimitada e nas mistas” (Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, vol. I, p. 288). 47. “Limited liability is an important incentive because individuals will more willingly take on the risk of business failure if their exposure to loss is limited to their actual investment” (MILLON, “Piercing the corporate veil, financial responsibility, and the limits of limited liability”, p. 1.317). No mesmo sentido, Coutinho de Abreu assevera que, “para limitar a aversão ao risco e promover investimentos, a ordem jurídica atribui o benefício da ‘responsabilidade limitada’ aos sujeitos que queiram exercer actividade económica por intermédio da sociedade” (“Diálogos com a jurisprudência, II – responsabilidade dos administradores para com credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, p. 57). 48. Sobre a absoluta predominância das sociedades com limitação de responsabilidade no Brasil, cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, p. 46; ARBACHE, “A justificação econômica da limitação de responsabilidade no direito societário, a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade civil do administrador”, n. 2. Sobre o mesmo fenômeno em Portugal, cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. II, p. 84. 49. “Como é por demais evidente, o legislador ao conceber um esquema destes não subtraiu, como que por artes mágicas, a existência do risco; transferiu-o simplesmente para os credores”. DUARTE, Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação de domínio, p. 85. 50. “Limited liability does not eliminate the risk of business failure but rather shifts some of the risk to creditors”. EASTERBOOK- FISCHEL, “Limited liability and the Corporation”, p. 91. 51. “Piercing the corporate veil, financial responsibility, and the limits of limited liability”, p. 1.307. De acordo com Marçal Justen Filho, “é o preço que se paga pela promoção do desenvolvimento” (Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 121) 52. Isto é, independentemente de abuso na condução da sociedade. 53. Entre outros, cf. BORBA, Direito societário, pp. 48-49; SILVA, A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, pp. 158-159. Os autores referem ainda a sociedades com regime de responsabilidade misto, vale dizer, em que só parte dos sócios se beneficia da limitação – caso das sociedades em comandita (CC, art. 1.045). 54. Supra, n. 1.3. 55. Cf. FONSECA-SZTAJN, Código Civil comentado, vol. XI, pp 426- 427. 56. A bem da verdade, não consiste a EIRELI num tipo societário. A ideia de sociedade, conforme observa Ferrer Correia (Sociedades fictícias e unipessoais, p. 204), pressupõe pluralidade de sujeitos associados, enquanto a EIRELI constitui-se por uma só pessoa titular da totalidade do capital social (CC, art. 980-A) – Alfredo Gonçalves Neto define-a como “agente econômico personificado” (Direito de empresa – comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, p. 125). De todo modo, cuida-se de pessoa jurídica voltada ao lucro e dotada de limitação de responsabilidade, sendoconveniente o tratamento em conjunto com as sociedades de responsabilidade limitada. 57. Cf., v. g., EASTERBOOK-FISCHEL, “Limited liability and the corporation”, pp. 104-107. 58. “A relevância da distinção está relacionada à possibilidade, existente apenas para o credor de obrigação negociável [credor voluntário], de se preservar economicamente contra os riscos da insolvabilidade da pessoa jurídica devedora”. COELHO, “A teoria maior e a teoria menor da desconsideração”, n. 4. 59. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresariais, p. 119. 60. “A mera caracterização de um credor como ‘voluntário’ ou ‘involuntário’ esconde uma série de diferenças entre os integrantes de cada um desses dois grupos. Por exemplo, tanto os contratantes comerciais quanto os empregados podem, a rigor, ser considerados credores voluntários. Afinal, comerciantes contratam entre si, o mesmo ocorrendo entre empresas e empregados. […] Nem todo credor voluntário está em condições de se compensar ex ante facto, isto é, de embutir no preço e nas condições do contrato os riscos relativos à solvência da empresa devedora. A capacidade de precificar e embutir os riscos de perda no valor das obrigações voluntariamente assumidas depende de diversas considerações sobre o credor, duas das quais são particularmente importantes: (i) da sua capacidade de precificar riscos e (ii) do seu poder de barganha. A capacidade de precificar riscos depende principalmente de terem os credores voluntários acesso a informações da empresa e capacidade de processarem tais informações. As informações de que ora falamos são aquelas que permitem estimar (aproximadamente, pelo menos) as chances de quebra da empresa e a consequente redução da capacidade da empresa de honrar os compromissos acertados com os credores. Informações desse tipo são necessárias para estabelecer a compensação ex ante facto a ser embutida nas prestações da relação contratual. Já o poder de barganha depende principalmente da demanda da empresa pelo bem ou serviço ofertado pelo contratante. De nada adianta um credor ser capaz de precificar com alguma precisão o valor da compensação ex ante facto que lhe cabe pelo aumento do risco de solvência dos seus créditos se não dispõe, na prática, de força para exigir a correspondente elevação da prestação da empresa” (SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, pp. 415-422). 61. Cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, pp. 417-419; CEOLIN, Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pp. 105-106. 3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Origem e desenvolvimento Conforme exposto anteriormente, as pessoas jurídicas estão habilitadas a praticar atos e entabular relações em nome próprio, tendo em vista a autonomia patrimonial de que dispõem. Dessa forma, ações e obrigações da pessoa jurídica não podem ser confundidas com as de seus integrantes, como também não se confundem suas esferas de responsabilidade. Em regimes específicos (sociedades de responsabilidade ilimitada – supra, n. 2.2), os sujeitos que compõem a pessoa jurídica respondem subsidiariamente por suas dívidas, mas do inverso (responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica por dívidas de seus integrantes) não se cogita. A legislação brasileira sintetizava tal realidade de modo singelo e elucidativo: constava do Código Civil de 1916 que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros” (art. 20). Embora o Código Civil de 2002 não reproduza essa prescrição legal, não há quem questione a plena vigência de seu conteúdo, que se extrai sistematicamente de outras disposições normativas62 e da própria compreensão de que a autonomia patrimonial é conatural à personalidade jurídica.63 Com sua existência distinta, viu-se que a pessoa jurídica cumpre papel importante na organização e no desenvolvimento de atividades, sobretudo quando se necessita da conjugação de esforços e recursos de variados sujeitos (supra, n. 1.3). Todavia, não é difícil supor o uso dessa ferramenta para finalidades pouco decorosas, que passam ao largo dos fins para os quais ela foi concebida. Imagine-se a hipótese de dois sujeitos que organizam sociedade limitada cujo escopo seja a produção de livros didáticos. Logo depois de ser constituída, a pessoa jurídica contrai empréstimo de cem mil reais na instituição financeira, mas, em vez de ser aplicado na atividade societária (compra de material gráfico, v.g.), o numerário emprestado é despendido na aquisição de imóveis, os quais são registrados em nome das pessoas físicas dos sócios. Chegado o momento de quitação do mútuo, a pessoa jurídica não realiza o pagamento e é judicialmente condenada a fazê-lo, porém não se encontram em seu patrimônio bens suficientes para a satisfação da obrigação. Como os imóveis foram incorporados aos patrimônios pessoais dos sócios (que não respondem pela dívida da sociedade), não se consegue expropriá-los no processo movido pela instituição credora. Imagine-se outro exemplo. Dois indivíduos constituem sociedade limitada que tem por objeto a instalação de redes de proteção em apartamentos, repartindo a participação societária em cotas de 99% e 1%. Propositalmente, os serviços são sempre contratados em nome da pessoa física do minoritário, que não mantém bens em seu patrimônio e transfere todo pagamento que recebe à pessoa jurídica. Certa instalação é mal realizada, ocasionando um acidente fatal. Pessoalmente responsável pela prestação do serviço, o sócio minoritário é condenado ao pagamento de alto valor indenizatório, mas em seu patrimônio só se encontra sua ínfima participação na sociedade, cuja expropriação64 satisfaz parte insignificante da obrigação. Já os recursos acumulados no patrimônio da pessoa jurídica não são alcançados pela execução, uma vez que os bens sociais não respondem por dívidas pessoais de seus integrantes. Nas duas hipóteses anteriores, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica poderia, em tese, justificar a inviabilidade de se atingir o patrimônio do sócio para a satisfação de obrigação da sociedade ou o contrário. Mas essa aparente correção técnica conduziria a soluções substancialmente incongruentes, que por certo chocariam o homem da rua65 e perturbariam a consciência do juiz comprometido com a realização de justiça. Por cego respeito à autonomia patrimonial da pessoa jurídica, seria correto proteger sujeitos que claramente a manipularam com o intuito de formar uma barreira contra a satisfação de pretensões legítimas? Nos Estados Unidos, questões éticas dessa natureza chamaram a atenção de magistrados. Em 1912, I. MAURICE WORMSER publicou artigo noticiando que, no início do século XIX, “it was perceived that in many cases the literal application of the notion that a corporation is only a legal entity, and nothing more, would work injustice”.66 À vista disso, relatou o jurista norte-americano, tribunais começaram a adotar soluções no sentido de “ignorar o conceito de pessoa jurídica” para evitar a consumação de iniquidades provenientes da utilização abusiva da personalidade jurídica.67 Em substância, tais soluções consistiam na responsabilização daqueles que atuavam por meio de sociedades, frustrando, assim, manobras maliciosas que visassem a prejudicar credores inocentes.68 O ensaio de MAURICE WORMSER é histórico e fundamental por uma série de razões. Além de ser o primeiro trabalho doutrinário acerca da repressão ao mau uso da pessoa jurídica,69 ele demonstra como isso foi fruto de um movimento jurisprudencial surgido na common law70 diante de casos em que o rígido respeito à autonomia patrimonial das sociedades levaria a desfechos irrazoáveis.71 Conforme destacaria MENEZES CORDEIRO quase um século depois, as medidas contra o uso abusivo de pessoas jurídicas não surgiram de “lucubrações teóricas”, senão “para resolver problemas reais postos pela personalidade colectiva”.72 Não é só. Em seu artigo, o jurista norte-americano também plantou ideia fundamental, que se perpetua até hoje:medidas de repressão à manipulação fraudulenta da pessoa jurídica devem ser usadas pontual e parcimoniosamente, não se destinando a pôr abaixo o secular instituto da personalidade jurídica.73 Não se trata de coibir o uso, e sim o abuso da personalidade jurídica. Como bem sintetizou o autor em seu estudo, “the concept is not an ‘open sesame’, which will open all gates”.74 Para sacramentar o pioneirismo de seu trabalho, WORMSER deu nome às medidas que identificou na jurisprudência de seu país. Foi o jurista quem primeiro utilizou as metafóricas expressões “disregard of corporate entity”,75 “lift the veil of corporate entity”76 e “pierce the veil of corporate entity”77 para se reportar às soluções adotadas pelos tribunais para contornar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e frustrar seu uso de forma abusiva.78 Com elas, buscou transmitir a ideia de que as cortes estavam a decidir tal como se a pessoa jurídica não existisse, levantando um imaginário véu que estaria a cobrir os indivíduos que por meio dela atuavam. Começava a ganhar forma, então, o instituto que entre nós ganharia o nome de “desconsideração da personalidade jurídica” – claramente derivado de uma das expressões cunhadas por WORMSER (“disregard of corporate entity”).79 Curiosamente, grande parte da doutrina não atribui a origem da desconsideração da personalidade jurídica a nenhum dos casos mencionados por WORMSER em seu ensaio. Muitos acreditam que o instituto teve como ponto de partida um julgamento ocorrido na Inglaterra em 1897: o célebre caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd.80 O litígio envolveu o comerciante de couros e calçados Aaron Salomon, que constituiu com a esposa e quatro filhos a companhia Salomon & Co. Ltd. Cada familiar de Aaron Salomon recebeu uma única ação da empresa, enquanto ao comerciante foram atribuídas 20.000 ações, pagas com a transferência do fundo de comércio que lhe pertencia. Como o fundo do comércio teria valor superior ao das ações atribuídas ao comerciante, A. Salomon ainda se tornou credor da empresa que criara, com garantia real constituída em seu favor. Pouco tempo depois de sua constituição, a Salomon & Co. Ltd. caiu em insolvência. Iniciada a sua liquidação, verificou-se que os bens da empresa eram suficientes apenas à satisfação do crédito de A. Salomon (munido de garantia real), sem que nada restasse aos credores quirografários. Diante desse cenário, o liquidante nomeado alegou que as atividades da Salomon & Co. Ltd. confundiam-se com as do próprio A. Salomon, afirmando que a empresa só fora formada para servir como escudo contra o pagamento de dívidas, e concluiu que o comerciante deveria ser responsabilizado pelos débitos sociais.81 A High Court deu razão ao liquidante, e a Court of Appeal confirmou a decisão em sede recursal. Não foi esse, no entanto, o entendimento que por fim prevaleceu. Com fundamento na existência distinta da pessoa jurídica, a House of Lords reformou as decisões anteriores, não se importando com o fato de que a quase totalidade das ações estava concentrada na pessoa de A. Salomon.82 Assim, concluiu- se pela inexistência de responsabilidade do comerciante perante os credores da pessoa jurídica e pela legitimidade de seu crédito com a Salomon & Co. Ltd.83 Como se vê, o caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd. com certeza não foi pioneiro da desconsideração, que nem sequer foi aplicada naquele processo. Aliás, tampouco foi o primeiro em que se aventou uma medida dessa natureza. Em seu ensaio, MAURICE WORMSER menciona julgamentos anteriores a 1897 e nos quais a disregard of legal entity prevaleceu como solução para a causa. O caso Montgomery Web Company v. Dienelt, por exemplo, foi definitivamente julgado em 1890.84 Nele, o credor de uma companhia (Aronia Company) alegou que seus sócios haviam transferido seus ativos para uma nova empresa (Montgomery Web Company), abandonando com dívidas a primeira pessoa jurídica. De acordo com o relato de WORMSER, uma corte da Pensilvânia decidiu que a nova companhia deveria responder perante o credor da primeira empresa e consignou: “Is the Montgomery Company so completely a new and different person from the Aronia Company that the law must close its eyes to the fact that the difference is a mere juggle of names? We do not think there is any compulsion to such legal blindness”.85 Não é correto, portanto, atribuir ao caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd. a origem da disregard. Esse precedente teria até dificultado a difusão do instituto na Inglaterra.86 Nos países de sistema jurídico romano-germânico, o pioneirismo no tratamento doutrinário da desconsideração coube ao alemão ROLF SERICK, autor da obra Rechtform und Realität Juristischer Personen (“Forma jurídica e realidade das pessoas jurídicas”). Fruto de tese87 apresentada por SERICK à Universidade de Tübingen no ano de 1953, o trabalho, publicado em 1955, é uma tentativa de sistematização da matéria. De acordo com o autor, a experiência da desconsideração estava àquele tempo sendo verificada na jurisprudência alemã, porém de modo aleatório e muitas vezes contraditório. SERICK receava que isso redundasse no uso genérico e desmedido da disregard, o que acabaria por esvaziar o instituto da pessoa jurídica. Era necessário, na sua visão, estabelecer hipóteses claras para a desconsideração, para que fora delas a autonomia patrimonial da pessoa jurídica fosse respeitada.88 Em seu estudo, SERICK partiu de uma análise da jurisprudência alemã para em seguida se debruçar sobre a aplicação da disregard of legal entity nos Estados Unidos. Da experiência norte-americana,89 ele extraiu a ideia que norteia as conclusões de seu trabalho: a autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve ser respeitada sempre que usada em conformidade com “los fines en atención a los cuales el Derecho la ha creado”,90 e “sólo un abuso91 de la persona jurídica autoriza al juez para que prescinda de la radical separación entre la sociedad y los socios”.92 SERICK propôs, assim, uma sistematização fundada no dualismo regra-exceção: ordinariamente, observa-se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica; excepcionalmente, quebra-se essa autonomia para se responsabilizar os que dela se utilizaram de modo abusivo.93 A colaboração de SERICK para o desenvolvimento do tema foi grandiosa. Além de ter consolidado a ideia de que a desconsideração não se propõe a suplantar o utilíssimo instituto da pessoa jurídica, e sim a frustrar seu uso para fins espúrios, o jurista apresentou noções até hoje fundamentais para a boa compreensão da disregard. Esclareceu, v.g., que a desconsideração não produz efeitos senão sobre o caso concreto em que é aplicada, não se prestando a romper de modo geral a autonomia patrimonial de determinada pessoa jurídica.94 Ademais, sua obra foi fundamental para a propagação do tema no direito continental europeu, sobretudo após sua tradução para o italiano e o espanhol.95 Catorze anos após a publicação da obra de ROLF SERICK, a disregard doctrine chegou ao Brasil pelas mãos de RUBENS REQUIÃO. Em conferência na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná,96 o comercialista apresentou à comunidade jurídica do país instituto que, nas suas palavras, tinha por objetivo “impedir a fraude ou abuso através do uso da personalidade jurídica”.97 Tal instituto, expôs REQUIÃO, fora desenvolvido pelos tribunais norte-americanos e era conhecido pelas designações disregard of legal entity ou lifting the corporate veil, que ele logo verteu para o português: “com permissão dos mais versados no idioma inglês, acreditamos que não pecaríamos se traduzíssemos as expressões referidas como ‘desconsideração da personalidade jurídica’”.98 Assim nasceu o nomen iuris do instituto no direito brasileiro.99-100 Embora RUBENS REQUIÃO seja frequentemente saudado por ter introduzido a desconsideração na doutrina brasileira,101 talvez não seja esse o seu maior mérito no que se refere ao tema. Cedo ou tarde, a disregard acabaria aportando no país. Mas poderia aportar totalmente transfigurada, e REQUIÃO foi em grande medida responsávelpor que isso não ocorresse. Como observa BARBOSA MOREIRA, a importação de institutos do direito estrangeiro envolve um processo sempre delicado, que demanda precisa compreensão sobre seu funcionamento no país de origem para que não se desvirtue no ponto de chegada.102 No específico caso da disregard doctrine, havia o risco de se entendê-la como uma proposta de ampla relativização da autonomia patrimonial da pessoa jurídica – ou, pior, como uma proposta de negação da pessoa jurídica de direito privado, conforme assimilado por PONTESDE MIRANDA.103Ciente desse risco, e sobretudo da importância de se preservar o instituto da pessoa jurídica, RUBENS REQUIÃO apresentou a desconsideração à comunidade jurídica brasileira com cautela, em meio a uma série de advertências. Em seu sucinto artigo, o comercialista paranaense dedicou inúmeras passagens a destacar que as cortes dos Estados Unidos, berço da disregard doctrine, reservavam sua aplicação a casos verdadeiramente excepcionais, em que havia evidência de fraude ou abuso da personalidade jurídica.104 À semelhança de SERICK, REQUIÃO alertou para o perigo de haver banalização do instituto: “não devemos imaginar que a penetração do véu da personalidade jurídica e a desconsideração da personalidade se tornem instrumento dócil nas mãos inábeis dos que, levados ao exagêro, acabassem por destruir o instituto da pessoa jurídica, construído através dos séculos pelo talento dos juristas dos povos civilizados”.105-106 REQUIÃO também cuidou para que bem se compreendesse o alcance da desconsideração da personalidade jurídica. Amparado no estudo de SERICK, observou que a disregard não visa à dissolução da pessoa jurídica manipulada de forma abusiva nem implica a definitiva quebra de sua autonomia patrimonial, incidindo somente sobre o específico caso em que é aplicada.107 Na definição de REQUIÃO, a desconsideração da personalidade jurídica consistiria na “declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto”.108 A despeito das particularidades dos trabalhos de WORMSER, SERICK e REQUIÃO, é possível identificar neles um traço comum: todos abordaram o abuso da personalidade jurídica sob uma perspectiva subjetivista, que condiciona sua configuração à existência do propósito de lesar. SERICK, por exemplo, aduz expressamente em sua obra que a disregard dirige-se a quem “intente utilizar abusivamente” a pessoa jurídica.109 Essa concepção subjetivista do abuso da personalidade jurídica, contrastada por doutrina ulterior,110 foi gradativamente abandonada.111 Sucedeu-a uma linha de pensamento objetivista, segundo a qual a configuração do abuso independe da consciência do agente sobre a utilização indevida da pessoa jurídica.112 De acordo com MENEZES CORDEIRO, trata-se de evolução natural dos institutos relacionados à boa-fé: “Numa primeira fase, tudo é feito a depender das (más) intenções do agente. Conquistado o instituto, este é objectivado, passando a depender da pura contrariedade ao ordenamento”.113 62. “Essa distinção, que era ditada de modo direto no Código Civil de 1916 (‘as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros’), continua sendo observada no estatuto agora vigente: seu art. 50, ao estabelecer que os bens dos sócios poderão vir a responder por obrigações da sociedade sempre que houver abuso da personalidade jurídica desta ou confusão patrimonial, está claramente dispondo, a contrario sensu, que, sem esse mau uso, será sempre respeitada a autonomia patrimonial de cada um” (DINAMARCO, “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, pp. 531-532). No mesmo sentido, expõe Maurício Giannico: “apesar de o texto desse dispositivo legal não ter sido reproduzido pelo Código Civil atual, a distinção entre pessoas físicas e jurídicas naturalmente ainda se mantém, podendo ser depreendida, por exemplo, a partir da interpretação do art. 985 desse novo diploma legal, o qual enuncia que ‘a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)” (Expropriação executiva, p. 90, n.r. 100). 63. Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, p. 261. 64. Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, houve certa controvérsia sobre a possibilidade de expropriação de participação societária (cf. BARBOSA MOREIRA, Direito aplicado II – pareceres, pp. 474-481). No estatuto processual vigente, tal possibilidade está regulamentada (art. 861). 65. O homem da rua (l’uomo della strada) é a figura com que Calamandrei ilustra o leigo em direito, que, por não estar contaminado por dogmas jurídicos, muitas vezes revela-se mais sensível à lógica do équo e do razoável (cf. DINAMARCO, “Relativizar a coisa julgada material”, n. 19). 66. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 497. O artigo encontra-se reproduzido na coletânea Disregard of the corporate fiction and allied corporation problems. 67. Eis um dos vários casos relatados por Wormser em seu estudo: “One other case will serve to make it clear that the courts ignore the concept of legal corporate entity when used as a shield for fraudulent attempts to swindle creditors. In First National Bank of Chicago v. Trebein Company, an insolvent individual, one F.C. Trebein, together with his wife, his daughter, his son-in-law, and his brother-in-law, formed a corporation and then conveyed to it every vestige of tangible property which he owned. His creditor insisted and proved that the purpose in creating the corporation was to hinder and defraud them. The court held that ‘the corporation was in substance another F.C. Trebein’, and that ‘his identity as owner of the property was no more changed by his conveyance to the company than it would have been by taking off one coat and putting on another’. It was held to be immaterial that four out of five hundred shares of stock were held not by Trebein himself but by his relatives; that circumstance quite properly did not deter the Supreme Court of Ohio from deciding that the corporation was ‘in substance another F.C. Trebein’” (“Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 502). 68. WORMSER, “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 497. 69. Segundo Simone Lahorgue. Nunes e Pedro Henrique Torres Bianqui, trata-se do “primeiro estudo conhecido sobre o assunto” (“A desconsideração da personalidade jurídica: considerações sobre a origem do princípio, sua positivação e a aplicação no Brasil”, p. 301). 70. Nesse sistema jurídico, observa Maria de Fátima Ribeiro, “a ausência de preocupação quanto ao rigor dogmático que fundamenta as soluções encontradas contribui para o predomínio da justiça material no caso concreto”. (A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 96). 71. Mal traduzida, a expressão inglesa disregard doctrine pode provocar a errônea impressão de que a desconsideração da personalidade jurídica é criação da doutrina. Na literatura jurídica anglo-saxã, o vocábulo doctrine (ou a locução legal doctrine) comumente designa um conjunto de regras extraído de precedentes, e não escritos de estudiosos do direito. 72. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 115. No mesmo sentido, Marçal Justen Filho expôs: “o tema não se coloca ao nível do sistema ou da teoria; não é cogitável aprioristicamente pelo trabalho doutrinário. O doutrinador, que raciocina o direito independentemente de questões concretas, dispõe da solução sistemática e teórica. Ou seja, se há um agrupamento personificado, a decorrência é a inconfundibilidade entre tal pessoa jurídica e seus sócios. […] O tema se põe, isto sim, perante o aplicador do direito, que se vê diante do problema concreto e avalia as repercussões efetivas da incidência de um certo princípio teórico. É que visualiza a inadequação dessa solução perante certos valores. Vale dizer: a teoria da desconsideração não foi produzida pela ciência do direito, mas a partirda jurisprudência (ou seja, da atividade judiciária de aplicação do direito ao caso concreto)”. (Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 54). 73. No início de seu artigo, o jurista norte-americano coloca seguinte a questão: “When should the concept of corporate entity be adhered to, when should it be disregarded?”. Ao fim, após analisar uma série de casos concretos, apresenta esboço de sistematização que tem como ponto de convergência o abuso (“Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 496; p. 517). 74. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 496. 75. Em tradução livre: “desconsideração da pessoa jurídica”. 76. Em tradução livre: “levantar o véu da pessoa jurídica”. 77. Em tradução livre: “penetrar o véu da pessoa jurídica”. 78. Cf. ALTING, “Piercing the veil in American and German law – liability of individuals and entities: a comparative view”, p. 190, n.r. 6; p. 192. 79. Nos países em que ganhou atenção, o instituto recebeu denominações variadas, mas todas de algum modo derivadas de uma das três expressões cunhadas por Wormser. Cf. GARCIA, “Desconsideração da personalidade jurídica no Código no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002”, n. 2; RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 67, n.r. 1; PARENTONI, Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, pp. 59-61. 80. “A maioria dos doutrinadores acredita que a teoria da personalidade jurídica teve sua origem na Inglaterra, no caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd., de 1892” (SILVA, “Desconsideração da personalidade jurídica: limites para sua aplicação”, n. 7). A título de exemplo, cf.: BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, p. 50; BLOK, “Desconsideração da personalidade jurídica: uma visão contemporânea”, n. 4; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 45; GUIMARÃES, Desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor – aspectos processuais, pp. 21-23; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 45, n.r. 12. 81. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law, p. 91. 82. “Lord Herschell ponderou que, uma vez que se admite que a sociedade, por seu liquidante, possa fazer valer determinados direitos contra seu sócio principal, está-se evidentemente a reconhecer sua personalidade jurídica distinta, não sentido, portanto, dizer-se que a sociedade é mero alias de seu sócio. O mesmo juiz salientou que a circunstância de estarem quase todas as ações em nome de Aaron e de estarem as poucas ações restantes em mãos de pessoas de sua família (que seriam meros figurantes, testas-de -ferro do marido e pai) não tinha por si o condão de afetar a circunstância de que a sociedade fora validamente constituída nem o de fazer nascer contra a pessoa dos sócios deveres que, de outra forma, inexistiriam. Lord Macnaghten, em seu voto, enfrentou também a problemática da sociedade unipessoal, sustentando que a circunstância de virem as ações a ser transferidas durante a vida a uma só pessoa não afeta em nada a existência nem a capacidade de uma sociedade à qual a personalidade jurídica foi reconhecida” (CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, p. 457). Segundo Paola Manes, a decisão tomada pela House of Lords foi “fortemente condizionata dall’assoluta mancanza di prove dell’utilizatione frodatoria della società o dell’abuso dello schermo societário: infatti, se questi requisiti fossero stati presenti, l’esito sarebbe statto probabilmente diverso” (Il superamento della personalità giuridica – l’esperienza inglese, p. 145). 83. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law, p. 92. 84. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 501, n.r. 17. 85. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 501. 86. Cf. SERICK, Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 95, n.r. 26. 87. O título original do trabalho, segundo Corrêa de Oliveira, era “‘Rechtsform und Realität juristischer Personen – Ein rechtsvergleichender Beitrag zur Frage des Durchgriffs auf die Personen oder Gegenstände hintter der juristischen Person’ (literalmente, ‘Forma jurídica e realidade das pessoas jurídicas – Contribuição de Direito Comparado à questão da penetração destinada a atingir pessoas ou objetos situados atrás da pessoa jurídica’)” (A dupla crise da pessoa jurídica, p. 296). 88. “La radical separación entre la persona jurídica y sus miembros componentes constituye, por todo ello, un rasgo distintivo y cabe ciertamente preguntar si en definitiva es admisible que se quebrante este principio. La jurisprudencia no ha vacilado en dar una respuesta afirmativa. Pero todavía no está en claro cuál es el fundamento teórico que lo justifica. Al propio tiempo, es muy discutible la determinación de los casos en que será posible alcanzar el resultado señalado. Estas dudas responden al peligro de que el hecho de prescindir de la forma de la persona jurídica se generalice demasiado y con ello quede sin valor la misma figura de la persona jurídica” (Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 26; pp. 31 ss.). 89. “La actual investigación ha demostrado que también en Derecho americano la persona jurídica de Derecho privado ha sido ideada para permitir que sus miembros componentes puedan tomar parte en la vida jurídica en una forma independizada respecto a ellos, sin que sean personalmente responsables de las deudas de la sociedad. Por ello, en el tráfico negocial de buena fe la persona jurídica puede celebrar contratos en lugar de sus socios, adquirir propiedad, demandar y ser demandada […] La idea fundamental de la persona jurídica que el Derecho ha tenido en cuenta para fijar su responsabilidad debe ser primordialmente respetada en todos los negocios jurídicos. Pero de toda corporation rige el principio de que ‘debe ser empleada para fines negociales y no debe quedar desvirtuada’. Si se abusa de una sociedad para fines ajenos a su razón de ser, la disregard doctrine evita que el Derecho tenga que sancionar tan temeraria empresa” (Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, pp. 132-133). 90. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 135. 91. “A noção de abuso de um instituto (no caso, a pessoa jurídica) é por Serick formulada a partir da noção de abuso de direito, restrita esta aos abusos de direitos subjetivos. Embora, porém, o autor invoque a noção de abuso de direito em sua formulação objetivista (exercício de modo contrário à função ético-jurídica e social do direito), citados, dentre outros, Soergel-Siebert e Esser, a noção de abuso da pessoa jurídica que Serick termina por aplicar só é levada em conta como justificativa da desconsideração da pessoa jurídica de Direito Privado se acompanhada de elemento subjetivo (nos casos em exame, intenção de fraude à lei). Não provada tal intenção, não se justificaria a desconsideração” (CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, p. 301). No mesmo sentido, cf. SALOMÃO FILHO, O novo direito societário, p. 235. 92. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 136. 93. BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 24. 94. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 28. 95. MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 111, n.r. 299. 96. A conferência foi convertida no célebre artigo “Abuso de direito e fraude através dapersonalidade jurídica”, publicado na Revista dos Tribunais n. 410/1969. 97. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 2. 98. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 2. 99. É equivocada, portanto, a afirmação de que à obra de José Lamartine Corrêa de Oliveira – publicada apenas em 1979 – “se deve a adoção do termo ‘desconsideração’” (VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 45). 100. Em Portugal, Menezes Cordeiro censurou (de forma totalmente arbitrária, diga-se) a denominação brasileira do instituto: “‘Desconsideração’ não parece adequado. Tratase duma fórmula anglo-saxónica afastada das nossas tradições. Além disso, tem um inequívoco sabor pejorativo que não faz, aqui, sentido” (O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, pp. 102-103). Ainda assim, ela tem prevalecido em obras recentemente publicadas naquele país. 101. Entre outros, cf. BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 40. 102. “A ninguém é lícito duvidar, nos dias que correm, da importância dos estudos comparativos, indispensáveis, entre outros fins, para que os ordenamentos jurídicos possam beneficiar-se reciprocamente das experiências levadas a cabo fora das fronteiras nacionais. […] Uma coisa, porém, é a atenção crescente ao direito comparado, movimento a que o autor desta palestra dificilmente poderia ser tachado de alheio. Outra, bem distinta, é o deslumbramento ingênuo que impele à imitação acrítica de modelos estrangeiros. […] Primeiro, cumpre examinar a fundo o modo como na prática funciona o instituto de que se cogita no país de origem – análise que reclama a visita direta às fontes, o conhecimento dos textos originais, mas também a consulta da jurisprudência e da doutrina alienígenas, a fim de evitar erros de perspectiva em que não raro incorrerá quem se contente com leituras de segunda ou terceira mão, com traduções nem sempre fidedignas, ou – pior ainda – com a contemplação de seqüências de películas cinematográficas, superlativamente emocionantes, porém sem compromisso maior com a realidade. Valha o exemplo de tantos filmes policiais norte-americanos, capazes de dar a impressão de que, nos Estados Unidos, a quinta- essência do processo penal consiste no espetacular episódio do trial, que não dispensa um juiz armado de martelo, embora provido de poderes escassos em mais de um aspecto, ao passo que na verdade constituem minoria insignificante, não ultrapassam 10% do total, os feitos criminais que chegam até esse ponto” (“O futuro da justiça: alguns mitos”, pp. 7-8). 103. É o que se infere do seguinte trecho de sua obra: “o desprêzo das formas de direito das pessoas jurídicas, o ‘disregard of Legal Entity’, provém de influências, conscientes e inconscientes, do capitalismo cego, que, chegando a negar, por vêzes, a ‘pessoa’ jurídica privada, prepara o caminho para negar a ‘pessoa’ do Estado” (Tratado de direito privado, t. L, p. 303). 104. “A doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-americanos, da qual partiu o Prof. Rolf Serick para compará-la com a moderna jurisprudência dos tribunais alemães, visa a impedir a fraude ou abuso através o da personalidade jurídica. […] É uma constante nos julgamentos dos tribunais americanos, como nos germânicos, que o levantamento do véu da personalidade jurídica, pela aplicação da ‘disregard doctrine’, é feito com extrema cautela e em casos excepcionais. Não se transformou, nas várias décadas em que tem sido usada, numa panacéia, aplicável ao talante de paixões, dúvidas e interesses momentâneos e menos graves. Os juízes norte-americanos que se vêem obrigados a aplicar a doutrina não perdem o ensejo de invocar o seu caráter excepcional, após acentuar que a pessoa jurídica normalmente se distingue da pessoa dos sócios que a compõem e que respeitam essa autonomia. Apenas no caso em que a fraude ou abuso de direito se revelam à calva é que suspendem o véu da personalidade, para colhêr a pessoa do sócio ou os bens envolvidos, para não se consumar a iniqüidade. […] Quando propugnamos pela divulgação da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica em nosso direito, o fazemos invocando aquelas mesmas cautelas e zelos de que a revestem os juízes norte- americanos, pois sua aplicação há de ser feita com extremos cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem a impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de consumação. […] Há, pois, necessidade de se atentar com muita agudeza para a gravidade da decisão que pretender desconsiderar a personalidade jurídica. Que nos sirva de exemplo, oportuno de edificante, a cautela dos juízes norte-americanos na aplicação da ‘disregard doctrine’, tantas vezes ressaltada em seus julgados, de que ela tem aplicação nos casos efetivamente excepcionais” (“Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 7). 105. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 11. 106. Com acórdão extraído da jurisprudência brasileira, Requião ilustrou o que seria uma descabida desconsideração da personalidade jurídica: “Na apelação cível de São Paulo n. 90.636, entre apelantes Antônio dos Santos Morais e outros e apelada Adail S/A., desastradamente se desconsiderou a distinção entre a pessoa dos sócios e a personalidade jurídica, a pretexto de que essa limitação diz respeito às operações de caráter comercial e a espécie era de caráter civil. Vejamos a ementa, que é elucidativa: ‘Ocorrendo incêndio do prédio alugado a uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada, não podem os sócios invocar a limitação da sua responsabilidade até o limite do capital. Tal limitação diz respeito às operações de caráter comercial’. Sustentou o acórdão que não provara a locatária, sociedade comercial, que o incêndio que ocorrera em prédio que se instalara não resultou de caso fortuito, e que não haviam tomado providência de segurar o armazém sinistrado contra fogo, embora nêle depositassem material facilmente inflamável. E conclui o fundamento do acórdão: ‘Em tais condições, a responsabilidade dos réus era inafastável. A pretendida limitação dos sócios à responsabilidade pelas dívidas até o limite do capital social não tem cabimento. Tal limitação diz respeito às operações de caráter comercial e a dívida aqui cobrada resulta de culpa de natureza civil’… Ora, houve desconsideração da pessoa jurídica da sociedade, penetrando o acórdão o seu véu, para fixar a responsabilidade dos sócios. Apenas o agrupamento não é válido, pois a limitação da responsabilidade da sociedade comercial não distingue entre as obrigações civis e as obrigações comerciais, para que se chegasse a tão condenável e injusta decisão” (“Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 11). 107. As ideias que Requião procurou transmitir não foram de pronto compreendidas pela comunidade jurídica brasileira. É o que se conclui do relato de Corrêa de Oliveira sobre a tramitação do projeto do Código Civil de 2002: “No 1º Anteprojeto elaborado pela Comissão residida pelo Prof. Miguel Reale, introduziu-se norma que, segundo o Supervisor da Comissão, visava justamente incorporar ao futuro Código as sugestões derivadas da contribuição do Prof. Requião, basicamente as de seu artigo que vem de ser comentado [“Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, in Revista dos Tribunais n. 410/ 1969]. Com efeito, dizia o Prof. Reale: ‘… acolhendo-se sugestões do Prof. Rubens Requião, cuidou-se de prevenir e repelir os abusos perpetrados à sombra da personalidade jurídica’. O dispositivo a que se referia o Prof. Reale era o art. 49, assim redigido: ‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar- lhe a dissolução. Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis,responderão, conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração’. O texto do Anteprojeto, principalmente em seu caput, não correspondia, de nenhum modo, às idéias básicas das teses de desconsideração. Em verdade, o artigo misturava coisas distintas – a idéia de desconsideração com a de dissolução por ter passado a entidade a servir a finalidades ilícitas, matéria diversa e já há muito objeto, entre nós, de norma especial (art. 6º do Decreto-lei n. 9.085, de 25 de março de 1946). As críticas não se fizeram esperar, fazendo sentir o Prof. Requião, de modo particular, que se puniam com tal dispositivo os sócios inocentes (em relação à fraude) com a dissolução da sociedade. Na versão de 1973, seria alterada a norma criticada, referindo o Prof. Reale a solução adotada, ‘que condena o uso indevido da personalidade jurídica, quando desviada dos fins econômico-sociais que legitimam a distinção entre o patrimônio dos sócios e o das pessoas jurídicas’. E acrescenta: ‘Foi julgada procedente a crítica quanto à excessiva sanção prevista no Anteprojeto anterior, estatuindo-se, agora, ou tão somente a exclusão do sócio responsável, que responderá perante a pessoa jurídica e terceiros, ou então, tais sejam as circunstâncias, até mesmo a dissolução da associação ou sociedade’. De fato, o novo texto (art. 48), mantendo idêntica a redação do parágrafo único, dava a seguinte redação ao caput da norma: ‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade’. A dissolução aparecia já aqui, portanto, como solução alternativa, excepcional, ‘tais sejam as circunstâncias’. A sanção normal seria a de exclusão do sócio responsável. E a legitimidade para requerer a medida deslocava-se para os sócios. Foi esse o texto mantido no art. 48 do Projeto n. 634/1975, enviado pelo Executivo à Câmara dos Deputados. Perante a Câmara, assim se expressou o Prof. Requião: ‘O anteprojeto havia dado solução diferente, determinando a dissolução da sociedade. Mas isso, como contraditamos na ocasião, importava em punir os demais sócios, que não deviam responder pela truculência e fraude do sócio atingido. Não seria justo. A comissão, porém, embora melhorando o texto, não acolheu a doutrina em toda a sua pureza…’”. (A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 555-557). O dispositivo em questão, como se sabe, acabou promulgado com redação bem distinta (art. 50 do Código Civil). Cf. PASSOS-LIMA, Memória legislativa do Código Civil, p. 18. 108. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 6. 109. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 242. 110. CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 357 ss. 111. MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 126. 112. “Se a vontade e a intenção do agente eram orientadas a obter ou não o resultado concretizado, isso é irrelevante. Há disfunção quando os fins almejados pelo direito não são realizados pelo agente – sem que se altere essa configuração pelo fato de que a intenção do agente era a de realizar os ditos fins. Correlativamente, inexiste disfunção se os fins previstos pelo direito são realizados, ainda que isso decorra do acaso ou se verifique contra a vontade do sujeito. Bem por isso, a desconsideração não depende da vontade de abusar ou da consciência de prejudicar os interesses alheios. Não se indaga o elemento subjetivo do agente, mas tão-somente a situação do desempenho da função” (JUSTEN FILHO, Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 141). 113. MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 126. 4 A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS HIPÓTESES 4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50) O art. 50 do Código Civil é sem dúvida a principal referência legislativa do país no que diz respeito ao instituto da desconsideração.114 De acordo com o caput do dispositivo, cabe a disregard quando constatado “abuso da personalidade jurídica” por parte de seus integrantes. À primeira vista, a prescrição legal parece obrigar o intérprete a perscrutar o significado da expressão “abuso da personalidade jurídica”, de conteúdo supostamente indeterminado.115 Mas a leitura do dispositivo em sua inteireza revela que a tarefa interpretativa é outra: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Como se vê, a própria lei tratou de delimitar,116 em oração subordinada, o que se deve entender por abuso da personalidade jurídica, preceituando que ele estará configurado quando houver desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Com a entrada em vigor da Lei 13.874/2019, que alterou o art. 50 do Código Civil, o legislador foi além e deu a tais condutas definições: desvio de finalidade seria “a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza” (§ 1º); confusão patrimonial, por sua vez, consistiria na “ausência de separação de fato entre os patrimônios” da pessoa jurídica e seus integrantes (§ 2º). Para que bem se compreendam essas duas modalidades de abuso, convém examiná-las mais de perto. 4.1.1. Desvio de finalidade Para se definir o que configura desvio de finalidade da pessoa jurídica, é logicamente necessário indagar antes acerca de sua finalidade.117 Quanto ao ponto, duas são as interpretações possíveis. Como já registrado (supra, n. 1.2), o ordenamento jurídico viabiliza a criação de entidades dotadas de autonomia patrimonial com o intuito de propiciar a organização e o desenvolvimento de atividades que o Estado considera legítimas. Tal é a finalidade do instituto pessoa jurídica. Por outro lado, toda e qualquer pessoa jurídica é constituída para a realização de um propósito específico, eleito por aqueles que idealizaram a sua criação. No caso de uma companhia, por exemplo, esse propósito estará representado em seu objeto social, identificando a atividade exercida pela pessoa jurídica para proporcionar lucro aos seus acionistas. Trata-se aqui da finalidade de cada pessoa jurídica individualmente considerada. À vista disso, põe-se a seguinte questão: ao prescrever o desvio de finalidade como causa para a desconsideração da personalidade jurídica, refere-se o artigo 50 do Código Civil à finalidade do instituto pessoa jurídica ou à finalidade de cada pessoa jurídica individualmente considerada? A resposta interfere de forma significativa no âmbito de incidência da norma. Antes de editada a Lei 13.874/2019, parte minoritária da doutrina sustentava que a disposição do art. 50 do Código Civil dizia respeito à finalidade da pessoa jurídica em específico. Ou seja, estaria sujeita à desconsideração a pessoa jurídica que atuasse em desconformidade com seu estatuto. Sociedade que tivesse como objeto a prestação de determinado serviço, v.g., não poderia dedicar-se a atividade estranha a esse escopo, sob pena de seus integrantes incorrerem em abuso da personalidade jurídica. Era essa a posição de BRUNO MEYERHOF SALAMA, para quem o desvio de finalidade dava-se “quando sócios ou administradorespraticam atos em nome da empresa com fins distintos daqueles estabelecidos no objeto social”.118 Tal interpretação é incompatível com a atual redação do art. 50, categórica ao dispor que “não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica” (§ 5º). Essas condutas, em realidade, inserem-se na prática dos chamados atos ultra vires societatis (“além das forças da sociedade”). Trata-se de matéria regulada em dispositivo distinto do Código Civil,119 e que definitivamente não se relaciona com o instituto da desconsideração.120 No que diz respeito à atuação ultra vires societatis, a discussão gira em torno da validade e da eficácia de atos praticados em desacordo com o objeto social.121 Na desconsideração, por sua vez, o que está em pauta é a responsabilização de sujeitos que tenham se utilizado abusivamente de uma pessoa jurídica, e não a validade ou a eficácia de qualquer ato que seja. A definição de desvio de finalidade, hoje dada pelo art. 50, § 1º, do Código Civil,122 corresponde em grande medida ao que LAMARTINE CORRÊA denominou crise da função da pessoa jurídica. Trata-se, segundo o autor, de fenômeno verificado em diversos países, consistente no uso da pessoa jurídica – de sua autonomia patrimonial, especificamente – para fins distintos dos que justificam sua existência no ordenamento.123 Dessa forma, caso não seja utilizada propriamente para a organização e o desenvolvimento de atividades legítimas, mas para a realização de propósitos antijurídicos, estará a pessoa jurídica a desviar-se de sua finalidade como instituto, ensejando a desconsideração.124 Tal interpretação, vale dizer, vai ao encontro da mens legislatoris125 em sua origem: na exposição de motivos do Código Civil, MIGUEL REALE identificou o abuso da personalidade jurídica ao desvio dos “objetivos socioeconômicos” do instituto.126 Não faltam exemplos para ilustrar o desvio de finalidade da pessoa jurídica, que pode se concretizar das mais variadas formas. Num dos casos imaginados no terceiro item deste trabalho (supra, n. 3), que envolvia a prestação de serviço de instalação de redes de proteção em apartamentos, sua manifestação é clara. Naquela hipótese, a sociedade não servia ao desenvolvimento da atividade comercial, mas à blindagem dos patrimônios dos sócios contra pretensões legítimas. Eis a pessoa jurídica sendo usada para fim antijurídico, em descompasso com seu papel no ordenamento. Outro bom exemplo de desvio de finalidade é lembrado por ALEXANDRE ALBERTO TEODORO DA SILVA.127 O autor alude ao caso de sujeitos que vendem estabelecimento comercial e celebram com o comprador o compromisso de não concorrer na região em que instalado o negócio alienado. Em seguida, para contornar a obrigação de não fazer, constituem nova pessoa jurídica e passam a desenvolver, em seu nome, justamente a atividade que se comprometeram a não desempenhar. Tem-se aí a formação de sociedade com o nítido propósito de eludir obrigação contratual, desviando-se a pessoa jurídica de sua finalidade institucional. 4.1.2. Confusão patrimonial A constituição de toda pessoa jurídica tem como principal consectário a formação de um centro de interesses autônomo, que se distingue da esfera patrimonial de cada um de seus integrantes (supra, n. 1.2). Tal distinção, contudo, somente poderá se sustentar enquanto seus próprios membros a observarem, zelando para que seus direitos e deveres particulares sejam administrados de forma rigorosamente separada dos interesses da pessoa jurídica. A partir do momento em que os próprios integrantes da pessoa jurídica deixam de respeitar essa separação patrimonial, inexistirá razão para que terceiros sejam obrigados a fazê-lo.128 Também chamado em Portugal de mistura de patrimónios,129 o fenômeno da confusão patrimonial é uma das mais corriqueiras causas de desconsideração da personalidade jurídica, sobretudo em sociedades fechadas.130 Não raro, sócios valem-se de recursos sociais para a realização de interesses estritamente pessoais, que não guardam relação com a atuação da sociedade, deixando, assim, de observar a rígida separação que deve haver entre o patrimônio particular e o patrimônio social. Com tal comportamento, abrem caminho para a desconsideração da personalidade jurídica e sua responsabilização por obrigações da sociedade, pois “quem ignora a separação patrimonial, confundindo o seu patrimônio com o patrimônio social, não pode, contraditoriamente, invocar a separação que ignorou”.131-132 De certa forma, portanto, a disregard fundada em confusão patrimonial expressa o repúdio da ordem jurídica ao venire contra factum proprium.133 A confusão entre esferas patrimoniais pode manifestar-se nos mais variados comportamentos. Alguns deles são exemplificados nos incisos do § 2º do art. 50 e apresentam-se de forma mais ou menos explícita. Há sócios que reiteradamente imputam despesas particulares (turismo, alimentação, vestuário etc.) à sociedade, para que sejam quitadas com recursos sociais; que registram em nome da sociedade veículos destinados à locomoção sua e de seus familiares; que se valem de empregados da sociedade para a prestação de serviços domésticos em suas residências etc. Noutros casos, a apropriação indevida de recursos sociais pode ocorrer de maneira dissimulada, para camuflar a confusão patrimonial. A doutrina menciona hipóteses, v.g., em que o sócio adquire bem da sociedade por valor inferior ao de mercado ou, por outro lado, aliena à pessoa jurídica bem por preço superestimado.134 Daí por que a celebração de negócios entre a pessoa jurídica e seus integrantes deve ser sempre observada com olhos vivos: embora não caracterize ilicitude per se, pode acobertar operação indevida. 4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades Para a hipótese de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o caput do art. 50 do Código Civil prescreve que os efeitos de determinadas obrigações da pessoa jurídica sejam estendidos aos bens particulares de seus integrantes. Já o § 3º, introduzido pela Lei 13.874/2019, consagra a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, cujo cabimento era reconhecido havia muito tanto pela doutrina135 quanto pela jurisprudência.136 Nessa última modalidade, a desconsideração revela-se útil quando o devedor, para esquivar-se de seus credores, formalmente transfere seus bens particulares a pessoa jurídica sob seu controle direto ou indireto. Em tais casos, a extensão dos efeitos da obrigação do sujeito devedor à pessoa jurídica por ele controlada frustra a manobra fraudulenta, pois permite que o credor se satisfaça à custa do patrimônio social. Curiosamente, uma das primeiras ocorrências de desconsideração da personalidade jurídica já relatadas deu-se na modalidade inversa. Trata-se do caso First National Bank of Chicago v. Trebein Company, julgado em 1898. Para evitar que seu patrimônio fosse consumido por suas dívidas, F.C. Trebein constituiu, com quatro familiares, a empresa Trebein Company, transferindo-lhe todos os seus bens. No entanto, seus credores acusaram a manobra e afirmaram em juízo que a companhia havia sido criada com o propósito de defraudá-los. O argumento foi acolhido pela Suprema Corte de Ohio, que considerou a empresa responsável pelo pagamento das dívidas de F. C. Trebein.137 Essas são as modalidades de desconsideração a que alude o art. 50 do Código Civil, mas não as únicas. Como bem se sabe, a interpretação literal de um texto normativo “é apenas o ponto de partida da atividade hermenêutica”.138 Uma leitura teleológica do dispositivo, sempre à luz de sua mens (reprimir o uso indevido da personalidade jurídica), oferece várias outras possibilidades de aplicação do instituto. O art. 50 autoriza, por exemplo, que a desconsideração sirva à responsabilização de uma pessoa jurídica por obrigação de outra quando estejam direta ou indiretamente sob o mesmo controle. Em grupos de sociedades (sejam elesde fato ou de direito),139 por exemplo, pode muito bem ocorrer de seus controladores transferirem ativos e passivos patrimoniais de uma empresa a outra “ao sabor de maliciosas conveniências”.140 Não é incomum a estruturação de complexas teias societárias como estratégia de fuga da responsabilidade,141 concentrando-se a atividade empresarial em certas pessoas jurídicas enquanto os ativos do grupo são mantidos noutras. Diante de tais manobras, a disregard presta-se à responsabilização da pessoa jurídica dotada de bens por dívidas daquela utilizada para acumulação de obrigações. Todavia, é preciso saber separar o joio do trigo: nos termos do § 4º do art. 50, a constatação de abuso será sempre condição para a incidência da desconsideração, não sendo possível aplicá-la diante da simples existência de coligação entre sociedades.142 Ao contrário, chegar-se-ia ao ponto – absurdo – de se sancionar com a desconsideração o tão só fato de um sujeito controlar ou deter participação em mais de uma sociedade empresária, comportamento que nada tem de ilícito. Segundo o mesmo raciocínio, o art. 50 pode ser aplicado às hipóteses em que se verifica a chamada sucessão irregular de empresas. Trata-se de situação em que os controladores de sociedade empresarial insolvente – ou na iminência de cair em insolvência – furtivamente transferem suas atividades a uma nova pessoa jurídica, para que esta não esteja vinculada às dívidas acumuladas por aquela mas ao mesmo tempo usufrua de componentes materiais ou imateriais de seu patrimônio (meios de produção, reputação empresarial etc.).143 Nesses casos, o fato de a sociedade primitiva compartilhar ativos com sua “sucessora” denota confusão entre seus patrimônios, o que impõe sejam também compartilhados os passivos de ambas. Em período recente, tem-se falado em nova modalidade de desconsideração da personalidade jurídica, chamada pela doutrina de expansiva.144 Também extraível da leitura teleológica do art. 50, visa a atingir sujeitos que, para se resguardar da possibilidade de aplicação da disregard em sua forma tradicional, participam de sociedades ocultamente, por meio de testas de ferro. Em agosto de 2017, o Superior Tribunal de Justiça autorizou o processamento do que seria um pedido de desconsideração expansiva (e ao mesmo tempo inversa) da personalidade jurídica. No caso, o credor sustentava que um conhecido futebolista aposentado, seu devedor, mantinha seus bens em sociedade da qual participava mediante um laranja. Apresentando documentos em que o ex-atleta se intitulava “proprietário” da empresa (muito embora não contasse de seu quadro societário), o interessado pediu a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com vista a alcançar o patrimônio da sociedade. Após o requerimento ter sido indeferido pelo tribunal local, o STJ deu provimento a recurso especial interposto pelo credor para determinar a instauração do incidente, por verificar “indícios de que o recorrido seria sócio e de que teria transferido seu patrimônio para a sociedade de modo a ocultar seus bens do alcance de seus credores”.145 Finalmente, vale observar que o art. 50 do Código Civil sugere que o instituto da desconsideração seja aplicável apenas aos casos de abuso da personalidade jurídica societária, porquanto o texto normativo prescreve “que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios”. Todavia, também nesse ponto a interpretação literal deve ceder espaço à leitura teleológica do dispositivo legal. Se por um lado é certo que o abuso da personalidade jurídica se dê majoritariamente em sociedades, também é correto dizer que o uso indevido da pessoa jurídica pode verificar-se em outras espécies do gênero.146 Basta cogitar, e.g., a hipótese de dirigente de associação que sub- repticiamente vincula obrigações de seu interesse particular ao patrimônio associativo. A autonomia patrimonial de toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado pode ser utilizada nocivamente por quem a controle, inexistindo justificativa racional para que a desconsideração incida somente quando o abuso ocorrer no âmbito societário.147 4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de desconsideração MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO assevera que a doutrina frequentemente “cede à tentação” de qualificar como desconsideração da personalidade jurídica toda e qualquer situação em que os integrantes de uma sociedade venham a responder por suas dívidas.148 WALFRIDO WARDE JR. visualiza tendência semelhante,149 atribuindo-a a uma habitual crença de que a desconsideração seria rota necessária para se chegar à responsabilidade dos sócios por obrigações sociais.150 Não é tarefa difícil demonstrar que a responsabilização dos sócios por dívidas da sociedade não necessariamente passa pela desconsideração da personalidade jurídica. Nos tipos societários de responsabilidade ilimitada, como a sociedade em nome coletivo, o próprio regime legal ordena que as obrigações sociais sejam automaticamente imputadas aos sócios quando insolvente a pessoa jurídica, e não há quem associe tal regramento à disregard. Com efeito, não deve haver confusão entre hipóteses em que os membros da sociedade ordinária e subsidiariamente respondam por obrigações sociais (que nada têm a ver com o instituto da desconsideração) e casos em que a responsabilidade dos sócios surja em caráter extraordinário, como consequência de alguma forma de abuso da personalidade jurídica. Trata-se de fenômenos evidentemente distintos.151 Como regra, integrantes de sociedades de responsabilidade limitada não respondem ordinária e subsidiariamente por obrigações sociais (supra, n. 2). Contudo, conforme já registrado neste trabalho (supra, n. 2.2.), é perfeitamente concebível que tal regime seja posto de lado pela lei em relação a obrigações de determinada natureza. Basta haver uma escolha político- legislativa no sentido de não submeter determinado nicho de credores ao regime de limitação de responsabilidade de que gozam os integrantes de certas sociedades.152 No ordenamento jurídico brasileiro, ao menos duas classes de obrigações foram colocadas à margem do regime de limitação de responsabilidade, recebendo especial proteção do legislador: as oriundas de relações de consumo e aquelas de natureza ambiental. No que diz respeito a essas específicas obrigações, mesmo nos tipos societários de responsabilidade limitada, a insolvência da sociedade será razão suficiente para que a dívida social recaia sobre os sócios – como se verifica nas sociedades de responsabilidade ilimitada com relação a toda e qualquer dívida. Em tais hipóteses, portanto, não se trata de responsabilidade extraordinária dos sócios, decorrente de abuso da personalidade jurídica, senão de responsabilidade ordinária, que a legislação lhes atribui independentemente de seu comportamento no âmbito societário. Logo, não há motivo para relacioná-la ao instituto da desconsideração – desenvolvido e consolidado como meio de sanção ao mau uso da personalidade jurídica (supra, n. 3). Ocorre que o legislador, decerto embalado pela tendência identificada por MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO e WARDE JR., erroneamente associou à disregard doctrine normas que na verdade tratam da responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações de origem consumerista ou ambiental. O Código de Defesa do Consumidor prescreve que “poderá [rectius: deverá]153ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (art. 28, § 5º). Idêntica fórmula é encontrada no art. 4º da Lei 9.605/1998, segundo o qual “poderá [rectius: deverá]154 ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. Em substância, esses dispositivos simplesmente estabelecem que os sócios serão ordinária e subsidiariamente responsáveis por dívidas consumeristas ou ambientais da sociedade,preceituando que a insolvência da pessoa jurídica fará com que seus patrimônios particulares sejam acionados para a satisfação obrigações sociais.155 Eis o conteúdo e o sentido das normas em questão. E a imprópria referência do texto normativo156 à expressão “desconsideração da personalidade jurídica” em nada altera essa realidade, pois em matéria legislativa “não se consegue mascarar a natureza das coisas com o simples uso de outros vocábulos”.157 A despeito disso, o conteúdo literal dos dispositivos legais vertentes fez com que a doutrina e os tribunais neles vislumbrassem verdadeiras hipóteses de disregard. Em livros e artigos, tornou-se corriqueira a menção à coexistência de duas “teorias” da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro:158 de regra, vigeria a “teoria maior” da desconsideração, com incidência condicionada à comprovação de abuso da personalidade jurídica, conforme o artigo 50 do Código Civil; excepcionalmente, no direito do consumidor e no direito ambiental, vigoraria a “teoria menor”, para cuja aplicação bastaria a insolvência da sociedade, nos termos dos arts. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor e 4º da Lei 9.605/1998. A jurisprudência, por sua vez, abraçou acriticamente essa classificação.159 Porém, pelas razões já expostas, o que se convencionou chamar de “teoria menor” só impropriamente pode ser relacionado ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se, na verdade, de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios por dívidas sociais de origem consumerista ou ambiental, fruto de uma opção político-legislativa de não submeter essas específicas obrigações ao regime de limitação de responsabilidade que vigora em certos tipos societários.160 Ao contrário do que possa parecer a alguns, a conclusão apresentada não tem sabor puramente acadêmico. Há enorme relevância prática em reconhecer que os dispositivos legais mencionados (CDC, art. 28, § 5º; Lei 9.605/1998, art. 4º) não disciplinam hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios. Em autênticos casos de disregard, o administrador não sócio pode ser atingido161 quando comprovado seu envolvimento no abuso da personalidade jurídica.162 Todavia, não é válido implicá-lo na “desconsideração por mera insolvência”, pois, repete-se, a hipótese aí verificada é de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios (note-se bem: dos sócios) por obrigações sociais de determinada natureza. Em tais casos, a razão que veda a responsabilização do administrador não sócio é a mesma que o preserva de responder subsidiariamente por dívidas numa sociedade de responsabilidade ilimitada: ele não tem participação no capital social. Ubi eadem ratio ibi idem jus. A jurisprudência comprova essa relevância prática. Em julgamento de recurso especial, discutiu-se se um administrador não sócio poderia ser responsabilizado por obrigação social em caso de insolvência da pessoa jurídica, por aplicação da “teoria menor da desconsideração”.163 Concluiu-se, então, pela negativa: de acordo com acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, só cabe responsabilizar o administrador não sócio por incidência da “teoria maior”, vale dizer, quando de sua parte houver comprovado abuso da personalidade jurídica (CC, art. 50).164 Assim, ainda que não fundada na mesma premissa de raciocínio, a decisão corrobora a conclusão anteriormente proposta. 114. Cf. SOUZA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, p. 102; BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 67. 115. Cf. XAVIER, “A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no Código Civil”, n. 4. 116. Nesse sentido, cf. THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 329; PALHARES, “A aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica à luz do ordenamento jurídico brasileiro”, n. 4.1. Arruda Alvim, diferentemente, compreende o desvio de finalidade e a confusão patrimonial como exemplos de abuso da personalidade jurídica: “Segundo o art. 50 do Código Civil para fins de desconsideração da personalidade jurídica impõe-se a observância concreta de abuso da personalidade jurídica que se caracteriza, exemplificativamente, (i) pelo desvio de finalidade da pessoa jurídica, […]; ou (ii) pela confusão patrimonial” (Manual de direito processual civil, pp. 528- 529). 117. Afinal, “primeiro, faz-se imprescindível saber em que consiste a perfeição, visto que só pelo confronto com ela se logra compreender a imperfeição. Constitui defeito, aos nossos olhos, a falta de um braço ou de uma perna em ser humano porque – e apenas porque – sabemos que o homem tem normalmente dois braços e duas pernas: caso não dispuséssemos desse padrão de referência, nenhuma razão existiria para havermos por ‘defeituoso’ quem porventura dele se afaste” (BARBOSA MOREIRA, “Citação de pessoa falecida”, pp. 78-79). 118. O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, p. 202. Em sentido semelhante, Nestor Duarte afirma ser cabível a desconsideração quando contrariadas suas “finalidades estatutárias”. (Código Civil comentado, p. 58). 119. “A teoria ultra vires societatis foi elaborada e desenvolvida no direito inglês, com o intuito de limitar a responsabilidade da sociedade aos atos praticados em estrita observância de seu objeto social, como forma de proteger acionistas e credores. […] De fato, enquanto a teoria ultra vires societatis teve superado o seu modelo clássico, que fulminava de nulidade atos praticados além do objeto social, pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial, até a sua abolição no direito estrangeiro, o legislador brasileiro aprovou a regra do art. 1.015, parágrafo único, inciso III, que assim prevê: ‘No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios sociedade’. Em uníssona manifestação, os autores que vêm se dedicando ao estudo do dispositivo legal reprovam-no, atribuindo-lhe o caráter de verdadeiro retrocesso em relação à evolução que se verifica na matéria”. (AZEVEDOGUERRA, “Teoria ultra vires societatis”, pp. 360; 382- 383). 120. “Deve-se salientar que a desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com a teoria ultra vires. […] Os autos serão ultra vires quando estiverem em desacordo com a atividade ou a finalidade da empresa; quando incorrerem em violação aos estatutos ou contratos sociais; ou quando não forem expressamente estatutos por serem dispensáveis à realização do objeto social. No caso de atos ultra vires, aqueles que de boa-fé contratarem e sofrerem prejuízos terão como válidos esses atos, respondendo a sociedade perante terceiro de boa-fé, e o administrador perante a sociedade”. (SILVA, A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 228). No mesmo sentido, cf. SILVA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, pp. 113-114. 121. “Il problema è quello degli atti compiuti dagli amministratori di società per azioni al di fuiori dell’oggetto sociale. Di esso sono astrattamente possibili (o immaginabili) queste soluzioni: o si ritiene che l’atto estraneo compiuto dagli amministratori è radicalmente nullo; o, invece, si ritiene che l’atto è semplicemente inefficace, in quanto eccedente i poteri degli amministratori; o, infine, si considera l’atto estraneo valido ed efficace in ogni caso, riducendo in tal modo l’indicazione stattutaria dell’oggetto sociale ad uma mera normainterna di amministrazione” (CASELLI, Oggetto sociale e atti ultra vires, pp. 3-4). 122. “Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”. 123. A dupla crise da pessoa jurídica, p. 262. 124. “Se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como concessão do Estado objetivando, como diz Cunha Gonçalves, ‘a realização de um fim’, nada mais procedente do que se reconhecer ao Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado”. (REQUIÃO, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”). No mesmo sentido, ainda que por linha distinta, Fredie Didier Jr. aponta que a pessoa jurídica constitui manifestação do direito de propriedade, devendo, portanto, ser utilizada em conformidade com sua função social (Const., art. 5º, XXIII). A partir do momento em que a pessoa jurídica se desviasse desse propósito, a desconsideração surgiria como correspondente sanção (cf. Regras processuais no Código Civil, pp. 1-5). 125. Dinamarco afirma haver “generalizada tendência a desprezar as intenções com que o legislador redigiu determinado texto e o pôs na ordem jurídico-positiva do país porque a lei, uma vez posta, desprega-se da vontade de quem a fez e se impõe por si próprio”. Todavia, o próprio jurista adverte: “isso não significa que a mens legislatoris seja de total irrelevância, pois há situações em que o conhecimento desta será útil como elemento a ser levado em conta na determinação da mens legis. A interpretação histórica inclui passagem pelos antecedentes da lei, inclusive projeto, anteprojeto, exposição de motivos etc., dos quais se pode extrair a mens legislatoris e, através do conhecimento desta, melhor compreender a verdadeira mens legis” (Vocabulário do processo civil, pp. 370-371). 126. “Exposição de motivos do supervisor da comissão revisora e elaboradora do Código Civil”, p. 20. 127. A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, p. 134. 128. COMPARATO, O poder de controle na sociedade anônima, p. 333. No mesmo sentido, Daniel Moeremans assevera que os membros de uma pessoa jurídica só podem exigir respeito à separação de patrimônios “cuando ellos mismos respetan dicha división” (“Extensión de la responsabilidad de los socios en las sociedades de capital a través del ‘disregard of legal entity’”, p. 348). 129. RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 55. 130. Cf. SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, pp. 464-468. 131. LEÃES, Pareceres, vol. I, p. 378. 132. Quanto ao ponto, Maria de Fátima Ribeiro desenvolve ideia interessante: “a expressão ‘desconsideração’ da personalidade jurídica ou da autonomia patrimonial para descrever a solução para o problema ‘mistura de patrimónios’ não será a mais indicada, por não traduzir correctamente a realidade que lhe subjaz: uma eventual solução de responsabilização em consequência da mistura de patrimónios vai, quando muito, ‘considerar’ a situação que eles próprios criaram. Por outras palavras: se durante a vida da sociedade algum dos seus sócios adoptou sistematicamente comportamentos capazes de pôr em causa a autonomia patrimonial, na vertente de responsabilidade do património da pessoa colectiva exclusivamente por obrigações por si contraídas (e nunca pelas obrigações de seus membros), então a autonomia patrimonial e a própria personalidade jurídica dessa sociedade já estão ‘desconsideradas’ e ‘levantadas’ pelo sócio” (A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 265-266). 133. COMPARATO-SALOMÃO, O poder de controle na sociedade anônima, p. 498. 134. WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 234. 135. Entre outros, cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, pp.162-164; BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, pp. 58-60; COELHO, Curso de Direito Comercial, vol. II, pp. 47-48. 136. “Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/ 02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma” (STJ, 3ª T., REsp 948.117-MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.6.2010). No mesmo sentido, cf. STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 1.096.319-SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 26.2.2013; STJ, 3ª T., AgInt no AREsp 1.030.790-DF, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 6.4.2017; STJ, 3ª T., REsp 1.493.071-SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24.5.2016. 137. WORMSER, “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 502. 138. FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação, p. 253. 139. “Os grupos são classificados em de fato e de direito. São grupos de fato aquelas sociedades nas quais haja qualquer relação de controle ou de coligação e de direito aquelas devidamente registradas na Junta Comercial como tal”. (BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 83). Cf. ainda COUTO E SILVA, “Grupos de sociedades”, nn. 2.2 e 2.3; SZTAJN, Contrato de sociedade e formas societárias, pp. 120-122; MANGANO, Os grupos de empresa no direito do trabalho, p. 29. 140. DINAMARCO, “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, p. 536. 141. Bruno Meyerhof Salama define a fuga da responsabilidade como “a ação ou conjunto de ações estratégicas da empresa que tendem a frustrar a satisfação de um crédito” (O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, p. 343). Segundo o autor, a montagem de grupos societários é uma dessas ações: “uma estratégia igualmente conveniente [de fuga da responsabilidade] é a criação de subsidiárias ou empresas coligadas. Essa técnica permite à empresa operar seus ativos e gerar retorno econômico sem ter a propriedade dos ativos geradores desse retorno. Como em princípio cada entidade reconhecida pelo Direito tem autonomia patrimonial, o proprietário desses ativos não pode ser acionado para responder por dívidas da empresa que está operando os ativos” (O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, p. 349). 142. “A desconsideração da personalidade jurídica, mesmo no caso de grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações excepcionais, quando verificado que a empresa devedora pertence a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoa jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, e, ainda, quando se visualizar a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores” (STJ, 5ª T., REsp 968.564- RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18.12.2008). 143. “Imagine-se uma sociedade de ‘responsabilidade limitada’ que tem problemas de liquidez (ou tê-los-á previsivelmente a curto prazo); os sócios (também administradores ou não, ou sendo alguns administradores ou não) deslocam a produção (ou boa parte dela) para sociedade nova (com objeto idêntico ou similar) por eles constituída (intentando um ‘começar de novo’ com mais saber e sem grilhetas, a velha sociedade ‘já não dá nada’) ou para sociedade já existente e de que eles são sócios; a primeira sociedade cessa a actividade ou diminui-a grandemente e a breve trecho fica exangue, impossibilitada de cumprir obrigações com terceiros. Deve neste caso ser afirmada a desconsideraçãoda personalidade jurídica da primeira sociedade” (COUTINHO DE ABREU, “Diálogos com a jurisprudência, II – Responsabilidade dos administradores para com credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, pp. 56-57). No mesmo sentido, expõe Araken de Assis: “É caso de desconsideração da pessoa jurídica, por exemplo, a criação de nova sociedade Y entre A e B, pois a antiga sociedade X, da qual também são sócios, é ré em ação de reparação de danos movida por C, vítima de acidente de trânsito provocado por motorista de X, cujo vulto abrangerá todo o seu patrimônio, razão pela qual A e B deixam de investir em X e concentram suas atividades em Y. Em tal hipótese, o juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica X, estendendo a responsabilidade da dívida perante C para Y ou para os sócios A e B” (Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 143). 144. “A desconsideração expansiva surge como tentativa de conseguir atingir o sócio oculto, que não seria alcançado pela forma da desconsideração”. (REQUIÃO, “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica: o novo Código de Processo Civil entre a garantia e a efetividade”, n. 3.2). 145. STJ, 3ª T., REsp 1.647.362-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 3.8.2017. 146. Cf. PARENTONI, Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, pp. 76-78, BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, pp. 67 ss. 147. Nesse sentido, veja-se o enunciado 284 da IV Jornada de Direito Civil: “as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica”. 148. A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 102-103. 149. Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 286. 150. Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 297. 151. Cf. THEODORO JR. Curso de direito processual civil, vol. III, pp. 314-315; GIANNICO, Expropriação executiva, pp. 90-94. 152. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, pp. 100-101. 153. Zelmo Denari entende que a aplicação da norma vertente é uma “faculdade do juiz” (Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 252). Trata-se, no entanto, de opinião infirmada por razões que expõe Dinamarco: “a ordem jurídico-processual não outorga faculdades nem ônus ao juiz. Aquelas têm por premissa a disponibilidade de bens ou de situações jurídicas e, daí, serem conceituadas como liberdade de conduta: cada qual age ou omite-se segundo sua vontade e sua própria escolha, tendo em vista o resultado que mais lhe agrade. Mas o juiz não está no processo para gestão de seus próprios interesses, senão para regular os de outrem, ou seja, das partes. Não tem disponibilidade alguma sobre esses interesses, que não são seus, nem sobre as situações jurídico-processuais ocupadas por elas. Todos os poderes que a lei lhe outorga são acompanhados do dever de exercê-los” (Instituições de direito processual civil, vol. II, pp. 238-239). 154. V. n.r. anterior. 155. Nesse sentido, expressamente afirmando que “não se deve falar em desconsideração da personalidade jurídica” em tais hipóteses: DIDIER JR., Regras processuais no Código Civil, p. 7. 156. “Os membros das Casas Legislativas, em países que se inclinam por um sistema democrático de governo, representam os vários segmentos da sociedade. Alguns são médicos, outros bancários, industriais, agricultores, engenheiros, advogados, dentistas, comerciantes, operários, o que confere um forte caráter de heterogeneidade, peculiar aos regimes que se queiram representativos. […] Ponderações desse jaez nos permitem compreender o porquê dos erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambiguidades que os textos legais cursivamente apresentam. Não é, de forma alguma, o resultado de um trabalho sistematizado cientificamente. […] Se, de um lado, cabe deplorar produção legislativa tão desordenada, por outro sobressai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surge nesse momento como a única pessoa credenciada a construir o conteúdo, sentido e alcance da matéria legislada”. (CARVALHO, Curso de direito tributário, pp. 40-42). 157. BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, p. 59. Ou, como diz Barbosa Moreira: “mudança de rótulo não influi no conteúdo da garrafa” (“A nova definição de sentença”, p. 170). 158. Entre outros, cf. SILVA, A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, pp. 138-140. 159. “A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial” (STJ, 3ª T., REsp 279.273-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 4.12.2013). 160. Nesse sentido, veja-se o que expõe Walfrido Warde Jr. sobre a disposição do art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor: “A tutela aos direitos do consumidor, especialmente do direito de crédito de sua titularidade, ganhou – em detrimento da limitação da responsabilidade dos sócios – a preferência do legislador. […] A insuficiência de ativos componentes do patrimônio social, por obediência à norma do artigo 28, § 5º, é causa única da imputação de responsabilidade aos sócios. […] Torna-se claro, portanto, que o legislador, preferindo a satisfação do crédito do consumidor à limitação da responsabilidade dos sócios da sociedade devedora, pretendeu ab-rogar – relativamente às questões de consumo – as normas dos artigos 1.045, 1.052 do Código Civil e 1º da Lei de Sociedades Anônimas” (Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 296-297). 161. O art. 50 do Código Civil determina que, em caso de abuso da personalidade jurídica, “os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica”. 162. A propósito, cf. o item 4.1 deste trabalho (supra). 163. “A controvérsia a ser dirimida limita-se à possibilidade ou não de inclusão do administrador não-sócio no polo passivo da execução em caso de desconsideração da personalidade jurídica fundada no art. 28, § 5º, do CDC (teoria menor)” (STJ, 3ª T., REsp 1.658.648-SP, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 7.11.2017). 164. “Segundo a doutrina, a desconsideração da personalidade jurídica pode assumir dois referenciais que se convencionou denominar teoria maior e teoria menor. A teoria menor, adotada pelo CDC, possui menos requisitos para a desconsideração e, por consequência, menor extensão. A teoria maior foi a abraçada pelo CC. Seus requisitos são mais abrangentes e seu efeito também. […] Esta Corte já consolidou o entendimento de que nas relações jurídicas de natureza civil-empresarial, adota-se a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica e que a medida é excepcional, permitindo que sejam atingidos os bens das pessoas naturais (sócios ou administradores), responsabilizando-as pelos prejuízos que, em fraude ou abuso, causarem a terceiros”. […] A teoria maior (art. 50 do CC) demanda, para a desconsideração da personalidade jurídica, a comprovação de abuso, o que pode se dar pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. […] O preenchimento dos requisitos do art. 50 do CC permite atribuir responsabilidadeao administrador não-sócio. […] A responsabilização dos administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, e depende, reitera-se da comprovação do ato abusivo ou fraudulento. […] A seu torno, o § 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria menor, reitere-se, prevê a desconsideração da personalidade jurídica diante da mera comprovação de prejuízo ao consumidor. São requisitos menos rígidos dos que os exigidos pela teoria maior, de certa forma compensados pela menor extensão dos efeitos da disregard doctrine. Assim é que, no microssistema consumerista, a desconsideração da personalidade jurídica não tem o condão de abranger os bens pessoais dos administradores não sócios […]. As premissas adotadas pelo Tribunal de origem não indicaram nenhuma prática de ato irregular ou fraudulento de Paulo Neto, administrador não-sócio. Apenas estabeleceu que (i) a empresa executada praticou ato ilícito causando prejuízo ao consumidor; (ii) não foram encontrados bens passíveis de penhora; (iii) há a baixa cadastral da empresa; (iv) Paulo Neto não é sócio da empresa executada, mas apenas administrador; e, (v) o administrador também é responsável pelas ações negligentes e fraudulentas praticadas pela pessoa jurídica (e-STJ, fls. 114/121). Evidente, pelas assertivas acima que o Tribunal de origem fez incidir ao caso o § 5º do art. 28 do CDC, ou seja, a teoria menor, que permite a responsabilização tão somente dos sócios quando a personalidade jurídica da sociedade empresária configurar impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor […]” (STJ, 3ª T., REsp 1.658.648-SP, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 7.11.2017). 5 O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA “Metaphors in law are to be narrowly watched, for starting as devices to liberate thought, they end often by enslaving it” (Justice BENJAMIN N. CARDOZO).165 A esta altura do trabalho, cabe enfrentar uma indagação fundamental: afinal, o que quer dizer desconsiderar a personalidade jurídica? Ou, em outros termos: que efeito produz a desconsideração no plano do direito? Desde o pioneiro trabalho de RUBENS REQUIÃO (supra, n. 3),166 a questão vem recebendo da doutrina respostas essencialmente idênticas. Na opinião de EDUARDO TALAMINI e LUIZ RODRIGUES WAMBIER, a desconsideração corresponde à “desconstituição da eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica” no âmbito de determinada relação obrigacional.167 Para MARÇAL JUSTEN FILHO, o ato de desconsideração provoca “a suspensão dos efeitos da personificação relativamente a algum ato específico, a algum período determinado da atividade da sociedade ou ao relacionamento específico e certa (s) pessoa (s)”.168 Segundo CHRISTIAN GARCIA VIEIRA, desconsiderar a personalidade jurídica significa “reconhecer a inoponibilidade da personalidade jurídica da sociedade” num caso concreto.169 Na visão de ANDRÉ PAGANI DE SOUZA, trata-se de declarar “a ineficácia episódica dos atos constitutivos da pessoa jurídica, para considerá-la um grupo de pessoas sem personalidade própria” em relação a uma obrigação específica.170 GILBERTO GOMES BRUSCHI assevera que “o que se busca ao utilizar a teoria da desconsideração é a ineficácia da pessoa jurídica para aquele determinado caso”.171 De acordo com FREDIE DIDIER JR., a desconsideração promove a “suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela dívida contraída”.172 SUZY KOURY entende que a desconsideração “consiste em subestimar os efeitos da personificação jurídica em casos concretos”.173 Para ELIZABETH CRISTINA CAMPOS MARTINS DE FREITAS, a desconsideração provoca “ineficácia episódica da personalidade jurídica”.174 Segundo ALEXANDRE COUTO SILVA, cuida-se de “declaração de ineficácia da personalidade jurídica para determinados efeitos”.175 FÁBIO ULHOA COELHO sustenta que a desconsideração “suspende a eficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica”.176 Também é essa a posição de ARAKEN DE ASSIS, para quem a desconsideração ocasiona “suspensão episódica da personifi- cação”.177 No mesmo sentido, LUIZ GUILHERME MARINONI e RICARDO ALEXANDRE DA SILVA asseveram: “a doutrina salienta acertadamente que a desconsideração acarreta a pontual cessação de eficácia do ato constitutivo da personalidade jurídica”.178 A despeito da variação de termos, verifica-se nas muitas definições acima reunidas claro ponto comum: todas convergem para o entendimento de que a desconsideração é ato que incide sobre a personalidade jurídica da entidade utilizada de forma abusiva, suspendendo pontualmente sua eficácia. Não há nisso mera coincidência. Ao que tudo indica, os autores têm procurado extrair conteúdo técnico-jurídico da expressão “desconsideração da personalidade jurídica”, como se esse fosse o caminho para a conceituação do instituto. Não é, todavia. No direito, como em todo setor do conhecimento, é natural que se busque compreender o sentido de uma expressão pela acepção das palavras que a compõem. Por outro lado, não se pode descuidar da existência de alguns “slogans mais aptos a dissimular ideias do que propriamente a expressá-las”.179-180 Aqui se está diante de um deles: o nomen iuris “desconsideração da personalidade jurídica” é especioso e nitidamente vem colocando a doutrina em falsa pista. FÁBIO KONDER COMPARATO observa que o instituto da desconsideração historicamente esteve cercado por expressões metafóricas: “lift the corporate veil” (“levantar o véu da pessoa jurídica”), “pierce the corporate veil” (“penetrar o véu da pessoa jurídica”), “crack open the corporate shell” (“abrir a concha da pessoa jurídica”) etc. Mas o próprio jurista ressalta que de metáforas não se espera grande apuro técnico, de sorte que tais expressões não devem ser encaradas como fonte de compreensão do fenômeno jurídico que designam.181 Pode-se dizer que a advertência de COMPARATO foi absorvida apenas em parte pela doutrina. Com efeito, ninguém procura colher na literalidade de expressões como “levantar o véu da pessoa jurídica” ou “abrir a concha da pessoa jurídica” elementos para uma conceituação jurídica da desconsideração. Porém, a grande maioria dos autores parece não dar conta de que também a expressão “desconsideração da personalidade jurídica” (tradução literal da inglesa “disregard of legal entity”) é metafórica182 e a interpreta à letra. Aí se encontra, sem sombra de dúvida, a explicação para a generalizada convicção de que a desconsideração consiste na suspensão episódica da eficácia da personalidade da pessoa jurídica, que não resiste a uma análise mais acurada. A proposição de que o ato de desconsideração ocasiona a pontual suspensão da eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica, fazendo emergir a responsabilidade dos indivíduos que a compõem, poderia, em tese, ilustrar a disregard em sua modalidade clássica– quando os membros da pessoa jurídica são responsabilizados por obrigações desta. Entretanto, o raciocínio perde sentido quando confrontado com outras possibilidades de aplicação do instituto (v. supra, n. 4.1.3). Por exemplo: no caso de abuso em grupos societários, de que modo a suspensão da eficácia da personalidade jurídica da sociedade devedora explica a responsabilização de outra pessoa jurídica que esteja sob mesmo controle? Em tais hipóteses, o sujeito de direito alcançado por meio da disregard não necessariamente integra a sociedade originalmente obrigada; logo, a eficácia ou não da personalidade jurídica desta não pode ser a chave para se esclarecer o fenômeno. Pelo mesmo motivo, a proposição não explica a incidência do instituto nas hipóteses de sucessão irregular de empresas ou da chamada desconsideração expansiva da personalidade jurídica. Tampouco se consegue explicar por meio dela a denominada desconsideração inversa, em que o devedor originário no mais das vezes não é sequer uma pessoa jurídica. Falta congruência, portanto, à concepção predominante na doutrina. Mesmo no âmbito da modalidade clássica, a concepção de que a desconsideração consiste naepisódica suspensão da eficácia da personalidade jurídica não se mostra consistente. Fosse ela correta, a disregard implicaria sempre a integralidade dos membros da pessoa jurídica, pois a ineficácia de sua personificação logicamente faria emergir todos aqueles cobertos pelo imaginário véu da personalidade jurídica. Contudo, isso vai de encontro à restrição dos efeitos da desconsideração aos sujeitos “beneficiados direta ou indiretamente” pelo abuso (art. 50), que não necessariamente representam a totalidade dos integrantes da pessoa jurídica.183 De fato, não é razoável que um sócio minoritário, sem poder de controle sobre a pessoa jurídica e sem mínima relação com algum malfeito, tenha seu patrimônio pessoal comprometido por conta de abuso perpetrado pelo majoritário controlador. Raciocínio diverso implicaria, nos termos do velho dito, pagar o justo pelo pecador. Em companhias abertas, que negociam ações ao público em bolsas de valores, uma responsabilização generalizada dos acionistas seria um disparate, tendo em vista o alto grau de alheamento da larga maioria dos minoritários em relação à administração societária. Do exposto até aqui, conclui-se não ter fundamento a frequente assertiva de que a desconsideração ocasiona a suspensão da eficácia da personalidade jurídica. Todavia, tal conclusão não põe fim ao problema ora enfrentado: que efeito, então, produz a desconsideração no plano do direito? O ato que se convencionou chamar “desconsideração da personalidade jurídica” em nada afeta a personalidade da pessoa jurídica utilizada abusivamente,184 pois nem a tem como objeto de seus efeitos. Ele opera, na verdade, sobre a obrigação contraída pela pessoa jurídica, estendendo seus efeitos à esfera do membro que dela tenha abusado.185 Tal é, por sinal, o claro preceito do art. 50 do Código Civil: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica”. Dessa forma, compreende-se com facilidade o porquê de a desconsideração jamais estender seus efeitos para além do caso concreto em que é aplicada,186 conforme defendido por ROLF SERICK há mais de seis décadas.187 Assim, por paradoxal que possa parecer, “desconsiderar a personalidade jurídica” nada tem a ver com o afastamento ou a suspensão da eficácia da personificação. Na verdade, o fenômeno jurídico que a consagrada expressão188 designa é a constituição de novo responsável para determinada obrigação em virtude de abuso da personalidade jurídica, sendo precisamente esse o seu significado no plano do direito. A solução dada à questão atinente ao conteúdo do ato de desconsideração faz nascer outra indagação: será primária ou secundária a responsabilidade proveniente do abuso da personalidade jurídica? Em síntese, cuida-se de saber se o sujeito alcançado pela desconsideração responde por dívida própria ou alheia, do que decorrem relevantes consequências práticas. O ponto será abordado no item seguinte. 165. “A few jurists have recognized, but only in passing, the importance, ramifications, and dangers of metaphorical expressions in judicial argument. Justice Cardozo, well known for his imaginative use of tropes, warned: ‘Metaphors in law are to be narrowly watched, for starting as devices to liberate thought, they end often by enslaving it. Like Justice Cardozo, other Supreme Court justices have been suspicious of the judiciary’s reliance on metaphorical expression in opinions” (BOSMAJIAN, Metaphor and reason in judicial opinions, p. 12). 166. Na ocasião, o comercialista definiu a desconsideração da personalidade jurídica como a “declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto” (“Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 6). 167. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, pp. 374; 377. 168. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 56. 169. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, cap. VII, p. 111. 170. Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, p. 186. 171. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, p. 33. 172. Regras processuais no Código Civil, p. 6. 173. A desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine e os grupos de empresas, p. 85. 174. Desconsideração da personalidade jurídica – análise à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil, p. 74. 175. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 69. 176. “Lineamentos da teoria da desconsideração da pessoa jurídica”, p. 40. 177. Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 141. 178. “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil”, p. 456. 179. A expressão é de Barbosa Moreira (“Alguns problemas atuais da prova civil”, p. 149). 180. Veja-se um exemplo: o Código de Processo Civil dispõe que, “nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo” (art. 85, § 10). Interpretada literalmente, a expressão “perda do objeto” sugere algo como o desaparecimento intercorrente do objeto do processo. Entretanto, a nenhum processualista cabe ignorar que ela designa fenômeno de todo distinto: a perda do interesse processual no julgamento da demanda em momento ulterior a sua propositura. Entre outros, cf. LOPES, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 120. 181. “À guisa de explicação geral, o que se nos oferece é um conjunto de metáforas. Fala-se, assim, em levantar ou traspassar o véu da personalidade jurídica (lifting or piercing the corporate veil), ou ainda de abrir a concha da pessoa jurídica (cracking open the corporate shell). Figuras de retórica, na verdade, todas elas impróprias, como já se salientou, pois, se se quiser interpretar figurativamente o fenômeno, bastará recorrer à própria etimologia” (O poder de controle na sociedade anônima, p. 273). No mesmo sentido, Daniel Monteiro Peixoto assevera que os estudos sobre a desconsideração da personalidade jurídica “são amplamente permeados por metáforas que mais prejudicam do que esclarecem acerca do que efetivamente significa a chamada ‘teoria’” (“Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, abuso de direito e os conceitos jurídicos fundamentais”, n.1). Também nesse sentido, Menezes Cordeiro afirma que “toda a matéria do levantamento radica em fórmulas vagas: disregarding the corporate fiction, piercing the corporate veil ou looking at the substance rather than at the form” (O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 109). 182. Cf. item 3 (supra). 183. A propósito, cf. RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 101; PARENTONI, Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, p. 52; BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 85; ARAKEN DE ASSIS, Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 142; BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 147-149; GAMA, Desconsideração da personalidade jurídica – visão crítica da jurisprudência, p. 13; BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, p. 148. 184. Nas palavras de Calixto Salomão Filho, a desconsideração “não implica qualquer alteração nas esferas envolvidas”; conforme aponta o autor, “permanece intacta a personalidade jurídica” (O novo direito societário, p. 263). 185. A assertiva tem em vista a desconsideração clássica, mas pode ser facilmente amoldada a qualquer das modalidades de aplicação do instituto: na desconsideração inversa da personalidade jurídica, o atoincide sobre a obrigação contraída pelo sócio, estendendo seus efeitos à esfera da sociedade por ele controlada; na chamada sucessão irregular de empresas, sobre a obrigação contraída pela sociedade primitiva, fazendo com que seus efeitos atinjam a sociedade sucessora; e assim por diante. 186. É uníssona a doutrina nesse sentido: “A desconsideração é também medida pontual, por sua vez, porque a aplicação dessa medida se dá dentro de um processo judicial específico, em face de um problema concreto e determinado. Por consequência, seus efeitos se darão dentro desse processo e entre as mesmas partes, não sendo aplicável a nenhuma outra relação jurídica, inclusive entre as mesmas partes, em processo distinto. Por tal motivo, um terceiro, estranho ao processo, não poderá invocar a desconsideração em questão para executar diretamente os bens dos sócios, pois a desconsideração ocorre de forma pontual, no caso concreto. Frente a terceiros, estranhos ao processo, é como se nada ocorresse” (GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, p. 154). No mesmo sentido, cf. REQUIÃO, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 6; RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 71; JUSTEN FILHO, Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 56; MOEREMANS, “Extensión de la responsabilidad de los socios en las sociedades de capital a través del ‘disregard of legal entity’”, p. 347; WAMBIERTALAMINI, Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 377; DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 525. 187. Supra, n. 3. 188. Justamente por se tratar de expressão consagrada, posto que imprecisa, não convém questionar o seu uso, conforme lição de Menezes Cordeiro (Levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 103). Basta ter consciência de sua imprecisão. 6 O SUJEITO ATINGIDO POR DESCONSIDERAÇÃO: RESPONSÁVEL PATRIMONIAL PRIMÁRIO Pouco adiantariam as normas de direito substancial, que regulam a convivência social disciplinando condutas e atribuindo bens da vida às pessoas, se a recalcitrância de seus destinatários lhes neutralizasse a eficácia. Essa consciência, deveras intuitiva,189 aponta para a necessidade de um instrumento que viabilize a realização imperativa dos preceitos jurídico-materiais.190 No Brasil, como na larga maioria dos países, tal função cabe ao processo, que tem entre seus escopos promover “a atuação da vontade concreta do direito”.191 À vista desse escopo, é natural que os institutos processuais sejam moldados à luz da ordem jurídico-substancial, consistindo de certa forma numa projeção desta. Em determinados casos, o paralelo revela-se especialmente nítido, havendo máxima proximidade entre os planos jurídicos material e processual.192 Tal é a relação entre a obrigação e a responsabilidade patrimonial. De acordo com ALFREDO BUZAID,193 quem primeiro identificou obrigação e responsabilidade como elementos distintos foi o romanista alemão ALOIS BRINZ.194 Com sua refinada teoria Schuld und Haftung, BRINZ afirmou a obrigação (Schuld) como um dever de prestar, ao passo que a responsabilidade (Haftung) exprimiria outro dever do obrigado – o de permitir a satisfação do credor às expensas de seu patrimônio.195 Dessa forma, tanto dívida quanto responsabilidade estariam confinadas no âmbito do direito privado, pois ambas consistiriam em deveres do obrigado. Décadas depois, FRANCESCO CARNELUTTI lapidaria a teoria concebida por BRINZ. Partindo da distinção entre Schuld e Haftung, o jurista italiano demonstrou não ser a responsabilidade um dever do obrigado, e sim sua sujeição a atividades estatais destinadas à satisfação do credor.196 Revelou, dessa forma, o caráter publicístico do instituto, situando a responsabilidade como inequívoca categoria do direito processual.197 Seguindo a linha de CARNELUTI, DINAMARCO define a obrigação como uma situação jurídica “visivelmente estática”, que a ordem jurídico- material regula sem conferir ao titular do direito meios para obter à força o que lhe é devido; já a responsabilidade, diz o processualista, é “eminentemente dinâmica”, disciplinando as atividades jurisdicionais que visam a entregar ao credor aquilo que lhe cabe.198 Ordinariamente, obrigação e responsabilidade caminham juntas: quem assume o dever de prestar sujeita-se, em caso de inadimplemento, a ter seu patrimônio invadido pelo Estado-juiz para a satisfação do credor.199 Tal é a regra prescrita nos arts. 391 do Código Civil200 e 789 do Código de Processo Civil.201 Todavia, verifi-cam-se excepcionalmente casos de obrigação sem responsabilidade, bem como de responsabilidade sem obrigação. Ou seja, nem todo obrigado é necessariamente responsável – e vice-versa. Exemplo de obrigação sem responsabilidade patrimonial encontra-se nas chamadas obrigações naturais, como a dívida de aposta.202 Em tais casos, embora tenha assumido o dever de prestar, não se sujeita o obrigado a ter seu patrimônio invadido pelo Estado para a satisfação forçada do credor. A este o ordenamento jurídico confere, a título de proteção, somente a soluti retentio: uma vez paga a dívida, não tem o devedor a prerrogativa de obter a restituição do bem voluntariamente entregue ao credor. “Il debitore, dunque, adempie se vuole”, resume CARNELUTTI.203 De outro lado, há os casos de responsabilidade sem obrigação.204 Trata-se de hipóteses em que a ordem jurídico- processual, em prol da satisfação do credor, sujeita à atividade executiva não somente o patrimônio do obrigado (responsável primário), mas também bens de determinado terceiro. Este último será, então, responsável apesar de não ser devedor, condição tradicionalmente denominada responsabilidade secundária.205 Exemplo típico,206 apresentado por LIEBMAN,207 é o sócio que responde ordinária e subsidiariamente por obrigação da sociedade nos tipos societários de responsabilidade ilimitada. Exposto brevemente esse quadro,208 torna-se à indagação que encerrou o item anterior do trabalho: quando alcançado pela desconsideração da personalidade jurídica, responde o sujeito por obrigação própria ou alheia? Em outras palavras: a hipótese é de responsabilidade patrimonial primária ou secundária? Na visão de TEORI ZAVASCKI, a desconsideração da personalidade jurídica implica responsabilidade patrimonial primária.209 Assim também compreendem CALIXTO SALOMÃO FILHO,210 ANDRÉ PAGANI DE SOUZA211 e LEONARDO PARENTONI,212 para quem o sujeito atingido pela disregard responde na qualidade de codevedor. DINAMARCO, diversamente, entende que a desconsideração da personalidade jurídica suscita responsabilidade patrimonial secundária,213 no que é acompanhado por boa parte da doutrina.214 Para se tomar partido na dissensão, é preciso destacar aspecto fundamental da responsabilidade patrimonial secundária. Quando se trata de responsabilidade por obrigação alheia, é natural que se assegure ao responsável secundário o direito de ressarcir-se, junto ao efetivo devedor, do que despender para saldar débito deste. No ordenamento brasileiro, extrai-se essa lógica do art. 346, III, do Código Civil, que prevê sub-rogação do indivíduo que solve dívida de terceiro pela qual poderia ser responsabilizado, e do art. 778, § 1º, IV, do Código de Processo Civil. Conforme observa DINAMARCO, o raciocínio aplica-se “tanto se tiver feito um pagamento com sub-rogação, ou seja, um ato voluntário do sujeito que cumpre a obrigação de outrem, como também se ele houver suportado uma execução forçada, saindo de seu patrimônio o valor com que o débito alheio foi saldado”.215 Diante disso, intui-se facilmente a incompatibilidade entre a desconsideração da personalidade jurídica e o regime da responsabilidade patrimonial secundária. Afinal, aceitar que o indivíduo alcançado pela desconsideração seja responsável por obrigação alheia implica reconhecer seu direito de se ressarcir, às expensas do devedor (responsável primário), de tudo o que despenderpara solver o débito. Imagine-se, por exemplo, sociedade anônima cujo acionista controlador promova a contratação, em nome da companhia, de escritório de advocacia para defendê-lo em processo de seu interesse pessoal. Encerrado o litígio, tendo os patronos atingido objetivo que lhes confere direito a verba honorária ad exitum, encontra-se a sociedade insolvente. Cientes da confusão patrimonial envolvida na contratação, os advogados postulam a desconsideração da personalidade jurídica e conseguem a satisfação da obrigação à custa do patrimônio do acionista controlador. Diante de tal cenário, põe-se a seguinte questão: o acionista controlador, que abusou da personalidade jurídica, poderá ressarcir-se, junto à companhia, do dinheiro que lhe foi expropriado? Caso ele seja tratado como responsável patrimonial secundário, a indagação comportará apenas resposta positiva. Conforme exposto anteriormente, o responsável secundário que adimple obrigação alheia tem garantia – ex lege, vale frisar – de ressarcimento junto ao responsável primário. No específico caso da responsabilidade secundária de sócios por obrigações sociais, o Código de Processo Civil expressamente dispõe que “o sócio que pagar a dívida poderá executar a sociedade nos autos do mesmo processo” (art. 795, 3º). Assim, ao fim e ao cabo, o prejuízo causado pelo acionista controlador seria necessariamente suportado pela companhia e, por via oblíqua, pela totalidade dos acionistas. Por outro lado, tratá-lo como corresponsável primário, juntamente com a pessoa jurídica, permite soluções flexíveis. Na relação interna dos codevedores,216 é possível discutir a concreta responsabilidade de cada um pela obrigação.217 Na hipótese anteriormente imaginada, é certo que o acionista controlador não deve ter direito de regresso em face da sociedade, pois a obrigação, embora originalmente contraída em nome da pessoa jurídica, foi constituída por interesse pessoal seu. Mas haverá situações em que o sócio o terá, por exemplo, quando demonstrar que a obrigação pela qual respondeu como devedor era realmente de interesse da sociedade e não tinha ligação com o abuso que motivou a desconsideração. Tudo dependerá do caso concreto, que poderá inclusive comportar soluções intermediárias. Assim, há incompatibilidade entre o instituto da disregard e o regime jurídico da responsabilidade patrimonial secundária. O indivíduo atingido pela desconsideração não responde por dívida alheia; ele passa a fazê-lo na qualidade de codevedor, e a fonte de sua obrigação estará no ato ilícito de abuso da personalidade jurídica. A desconsideração provoca uma alteração no polo passivo da relação obrigacional (supra, n. 5), incluindo o sócio onde primitivamente só se encontrava a sociedade. A opinião aqui sustentada, esclarece-se, não é de forma alguma desmentida pelo art. 790, VII, do Código de Processo Civil. Tal dispositivo prescreve apenas que serão sujeitos à execução os bens “do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica”, sem definir como primária ou secundária a responsabilidade desse sujeito. O art. 790 da lei processual não é um rol de responsáveis patrimoniais secundários, e disso faz prova seu inciso terceiro, que trata de responsável inequivocamente primário – o devedor. 189. Como assinala Bruno Meyerhof Salama, “se o comportamento das pessoas fosse pautado apenas pela norma jurídica, a positivação em lei de um comando bastaria para disciplinálo” (O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia, p. 385). 190. Cf. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, pp. 213-215. 191. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 228. 192. Sobre o chamado direito processual material, cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, pp. 105-109. 193. Do concurso de credores no processo de execução, p. 15. 194. Comparato cita também estudos de Ernst Bekker, mas ressalva: “Cependant, la véritable révision du concept d’obligation date de Brinz, consideré très généralement comme l’inspirateur de toutes les théories modernes [sobre a matéria]. C’est lui en effet qui, reprenant le point de vue de Bekker, jeta les bases d’une analyse nouvelle et créa la terminologie devenue désormais courante en ce domaine” (Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit privé, p. 5). 195. Cf. DINAMARCO, Execução civil, p. 249. 196. “Diritto e processo nella teoria delle obbligazioni”, pp. 211-217. 197. “O êrro dessa concepção nitidamente privatística [da responsabilidade] foi considerar a sanção como elemento da relação jurídica obrigacional, quando ela é a expressão do poder soberano do Estado. O direito de excutir os bens do devedor não é o lado passivo da obrigação, antes um poder do Estado. […] Compreendendo a necessidade de pôr ordem nessas idéias, Carnelutti elaborou uma ampla e completa revisão do conceito de obrigação e de realização forçada, construindo a doutrina, que representa talvez a mais alta contribuição italiana para o progresso do direito processual civil. Foi seu grande mérito refundir toda a teoria da execução de sentença, mostrando que a obrigação é instituto de direito privado, ao passo que a sanção e a responsabilidade executória são figuras de direito processual, e, portanto, de direito público” (BUZAID, Do concurso de credores no processo de execução, pp. 17-18). 198. Instituições de direito processual civil, vol. IV, pp. 327-328. 199. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, pp. 325-326. 200. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. 201. “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”. 202. Cf. MENDONÇA LIMA, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 417; ABELHA, Manual de execução civil, p. 72. 203. “Diritto e processo nella teoria delle obbligazioni”, p. 244. Ressalve- se que autor não vê as obrigações naturais tecnicamente como obrigações, embora não negue tratar-se de relações jurídicas (cf. pp. 245-248 de seu estudo). 204. Se bem se observar, não é correto referir a casos de responsabilidade sem obrigação. Para que haja responsabilidade patrimonial, alguma obrigação tem de existir, ainda que o mero responsável não integre aquela relação. Melhor falar, portanto, em hipóteses de responsabilidade por obrigação alheia, conforme sugere Comparato: “un cas de responsabilité sans dette, ou plutôt, de responsabilité pour une dette d’autrui” (Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit privé, p. 211). 205. Cf. LIEBMAN, Processo de execução, p. 95; THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, p. 789; ZAVASCKI, Processo de execução, p. 193; ARAKEN DE ASSIS, Manual da execução, p. 292. 206. Com frequência, a fiança é inadvertidamente utilizada como exemplo de responsabilidade sem obrigação (entre outros, cf. MELLO, Responsabilidade executiva secundária – a execução em face do sócio, do cônjuge, do fiador e afins, p. 157; MENDONÇA LIMA, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 417; THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, p. 311; ABELHA, Manual de execução civil, p. 74). Trata-se de ideia equivocada. Conforme observa Antunes Varela, a fiança é “caso típico de obrigação acessória. O fiador não é apenas responsável; é também devedor, embora acessoriamente” (Das obrigações em geral, vol. I, p. 148). Também Carnelutti esclarece que “il fideiussore è un obbligato, e perció (soggettto alla esecuzione) per un debito proprio, non solo per un debito altrui” (“Dirito e processo nella teoria delle obbligazioni”, p. 312). No mesmo sentido, cf. ainda DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 330; SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p. 241. Para opinião expressamente discordante, cf. COMPARATO, Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit privé, pp. 211-213). 207. Processo de execução, p. 96. 208. Para aprofundado exameda matéria, cf. SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, cap. II. 209. Processo de execução – parte geral, p. 236. 210. O novo direito societário, p. 262. 211. Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, p. 91. 212. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, p. 57. 213. “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, pp. 545-546; Instituições de direito processual civil, vol. IV, pp. 395-397. 214. Entre outros: ARAKEN DE ASSIS, Manual da execução, p. 303; Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 141; MELLO, Responsabilidade executiva secundária – a execução em face do sócio, do cônjuge, do fiador e afins, p. 192; SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p. 231; BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, pp. 52-53; ABELHA, Manual de execução civil, p. 119; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 174; BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, p. 138; CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, p. 103. 215. Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 118. 216. “Uma coisa é a responsabilidade dos devedores nas relações externas, ou seja, perante o credor; outra, a sua responsabilidade nas relações internas, na roda dos codevedores” (ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 782). 217. Conforme aponta Antunes Varela, pode ocorrer que um dos obrigados “tenha o direito de cobrar-se por inteiro junto de um ou de alguns dos condevedores (como sucede quando o comitente, sem culpa, haja pago toda a indemnização: art. 500.º, 3 – ou quando o detentor do veículo automóvel, também sem culpa, houver pago toda a indemnização dos danos provenientes de acidente devido ao locatário, comodatário ou condutor do veículo: art. 507.º, 2, ou não tenha qualquer direito de regresso, por só ele dever suportar a prestação (caso do comissário que age culposamente e paga toda a indemnização)” (Das obrigações em geral, vol. I, p. 781-782). 7 OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E QUESTÕES DE MÉRITO – NOÇÕES ELEMENTARES Um processo só deve começar com a propositura de uma demanda.218 Por meio da demanda, um sujeito apresenta ao juiz uma crise jurídica, relatando certo acontecimento da vida e pedindo que o Poder Judiciário ali interfira, sempre com o objetivo de obter algo que não seria legitimamente alcançado sem a intercessão judicial. É com a demanda, portanto, que se tira o magistrado de sua inércia, chamando-o a exercer seu poder jurisdicional.219 O ato de demandar não é somente condição para que o juiz desempenhe a função jurisdicional. Além de legitimar o exercício da jurisdição, a demanda também baliza o emprego desse poder, fixando os lindes dentro dos quais o Estado poderá atuar. Em suma, isso se faz mediante indicação de seus elementos identificadores (partes, causa de pedir e pedido),220 que delimitarão o provimento que ao julgador será lícito emitir, especificando sua natureza (condenatório, declaratório etc.), seu objeto (o bem da vida almejado) e os sujeitos que se quer atingir (partes), sempre com a exposição dos fundamentos da pretensão apresentada (causa petendi). Se o autor propõe demanda pedindo que o réu seja condenado a lhe entregar mil sacas de soja em razão de determinado contrato, tal pretensão deverá ser apreciada nos exatos termos em que lhe foi apresentada. Não deverá o juiz valer-se do poder jurisdicional para condenar alguém senão o réu, como também não estará autorizado a determinar que entregue algo além ou diferente do que pedido pelo autor, sendo-lhe vedado ainda condenar o demandado à entrega de mil sacas de soja em razão de outra circunstância que não seja o contrato invocado por aquele que ajuizou a demanda.221 Embora esses sejam pontos de conhecimento geral, eles giram em torno de conceito bem menos corrente. Fala-se aqui sobre o objeto do processo, que parte da doutrina denomina objeto litigioso do processo.222 A locução “objeto do processo” não é unívoca e pode dar ensejo a confusões. Antes de mais nada, há que distinguir o objeto do processo de suas finalidades,223 ou escopos, que são valores que se busca alcançar por meio desse instrumento (pacificação social, educação etc.).224 Não é disso que se trata. Ademais, deve-se atentar no fato de que parte da doutrina se vale de “objeto do processo” para referir-se a “tudo aquilo que se apresenta à intelecção do juiz”, como faz ARRUDA ALVIM.225 Também não é esse o sentido que se deseja conferir à expressão. Neste trabalho, “objeto do processo” designa precisamente aquilo “que se coloca diante do juiz, à espera do provimento que ele proferirá afinal”.226 A divergência apontada, contudo, é apenas terminológica: a mencionada corrente doutrinária refere- se com a expressão “objeto litigioso do processo” à mesma ideia aqui representada por “objeto do processo”, chamando, por sua vez, de “objeto do processo” o que ora será tratado por “objeto do conhecimento do juiz”. O objeto do conhecimento do juiz compõe-se da totalidade dos elementos sobre os quais o julgador se debruça no exercício da atividade jurisdicional. Conforme expõe KAZUO WATANABE,227 o campo de cognição do julgador é formado por todo o conjunto de questões surgidas no processo, sejam elas referentes ao mérito ou à admissibilidade de seu julgamento, independentemente de terem sido suscitadas pelo autor, pelo réu ou abordadas ex officio pelo magistrado. Já o objeto do processo é resultado de um recorte muito mais específico, restringindo-se àquilo sobre o que o juiz está vinculado a se pronunciar, ao fim do processo, no dispositivo de sua sentença – ou seja, ao mérito.228 Daí a observação de DINAMARCO de que a busca do conceito de objeto do processo “outra coisa não é senão a busca do conceito de mérito”.229 É fundamental não confundir o mérito com as questões pertinentes ao seu julgamento.230 O meritum causæ corresponde ao pedido formulado pelo demandante, ou seja, à pretensão por ele submetida à apreciação do órgão jurisdicional (a condenação do demandado ao pagamento de certa quantia de dinheiro, a declaração de nulidade de um contrato etc.). Contudo, da mesma forma como uma equação algébrica não pode ser solucionada sem a prévia resolução de diversas operações matemáticas, o juiz deve enfrentar uma série de questões de fato e de direito surgidas ao longo do processo para chegar a uma conclusão sobre o pedido. Se o autor narra a ocorrência de um acidente automobilístico, atribuindo ao réu culpa pelo evento danoso e pedindo que ele seja condenado a lhe pagar mil reais a título de reparação por dano material, o julgador eventualmente haverá de averiguar se ele estava em velocidade superior à que se permitia na via (questão de fato), se o prazo prescricional aplicável àquela situação é um ou outro (questão de direito) e tudo o mais que possa influenciar no julgamento da causa.231 Essas são as chamadas questões de mérito, cuja abordagem é feita pelo juiz nos fundamentos da sentença (CPC, art. 489, II) e serve para dar suporte lógico à decisão sobre o pedido, proclamada no dispositivo.232 Ao enfrentá-las, o julgador estará essencialmente explicando233 por que decidiu o mérito de tal ou qual forma, em cumprimento de seu dever constitucional de motivar decisões (Const., art. 93, IX). A constatação de que o objeto do processo corresponde ao mérito e de que o mérito, por sua vez, consiste na pretensão submetida pelo autor à apreciação do juiz demanda alguns breves esclarecimentos. O primeiro diz respeito à causa de pedir. É generalizada a compreensão de que o pedido apenas se identifica perfeitamente quando adjunto da causa petendi. Segundo EDUARDO TALAMINI, “negar que a causa de pedir seja relevante para a identificação da pretensão e do objeto do processo implicaria, por exemplo, afirmar que, quando um dos cônjuges formula reconvenção na ação de separação por um fundamentoimputável ao outro, não se teria uma nova pretensão nem a ampliação do objeto do processo – o que, obviamente, não é concebível”.234 O processualista paranaense ressalva, contudo, que essa função identificadora da causa de pedir não a torna parte integrante do objeto do processo,235 ou seja, do que se coloca perante o juiz como alvo do provimento que ele proferirá afinal. Pode-se pensar que o raciocínio de TALAMINI é artificioso e que a causa petendi integra o objeto do processo tanto quanto o pedido, como efetivamente sustenta parte da doutrina.236 A crítica, contudo, não subsiste. A defesa desse ponto de vista implica aceitar também que as próprias partes integram o objeto do processo, pois é inegável sua importância para a devida identificação da pretensão submetida a julgamento. Entretanto, como ressalta DINAMARCO, seria inconcebível a afirmação de que os sujeitos do processo são ao mesmo tempo seu objeto.237 Em suma, é indiscutível que se julga o pedido à luz de determinada causa de pedir e em relação a certas partes. Daí não é legítimo inferir, no entanto, que o alvo da decisão proferida no dispositivo da sentença seja a causa de pedir ou as partes do processo. Por tais razões, mostra-se correta a posição categórica de DINAMARCO: “tenho por objeto do processo somente o pedido, repudiando decididamente a inclusão da causa de pedir”.238 Outro necessário esclarecimento acerca do objeto do processo diz respeito à defesa. Teria ela algum impacto sobre sua delimitação? A resposta é negativa. Ao contestar a demanda, o réu nada mais faz que resistir à pretensão deduzida pelo autor, valendo-se dos expedientes que o ordenamento jurídico lhe confere para evitar o seu acolhimento. Assim, não tem a defesa o potencial de modificar o objeto da decisão final a ser proferida pelo juiz: com ou sem a sua apresentação, permanecerá o julgador incumbido de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelo autor.239 Claro que a defesa ministra ao magistrado novos elementos para que ele possa dar uma resposta ao pedido do autor. Todavia, isso não significa ampliação do objeto do processo, e sim do objeto do conhecimento do juiz. Se a princípio o julgador dispunha de apenas uma versão dos fatos, com a defesa ele terá outra, distinta ou mais abrangente; se estava diante da interpretação jurídica do autor sobre certo evento, a defesa apresentar-lhe-á a perspectiva do réu. Dessas divergências surgem as referidas questões de mérito, a cujo respeito o juiz deve posicionar-se nos fundamentos de sua sentença (CPC, art. 489, II). E isso ele deverá fazer sempre voltado ao cumprimento de sua tarefa final: decidir sobre o pedido apresentado pelo autor. Portanto, é o objeto da atividade-meio do juiz que varia de acordo com o conteúdo da defesa, não o de sua atividade-fim.240 Dizer que a defesa não tem o potencial de modificar o objeto do processo não equivale a afirmar que a resposta do réu não o tenha. Quando responde a uma demanda,241 pode o sujeito assumir diferentes posturas: render-se à demanda ajuizada pelo autor, admitindo sua procedência; opor-se ao pedido autoral, argumentando para que não seja acolhido; e ainda contra-atacar, propondo no processo já pendente uma nova demanda para julgamento.242 A essas duas últimas condutas correspondem, respectivamente, as ideias de defesa e reconvenção. A defesa, como já se registrou, não altera o objeto do processo. Mas a reconvenção sem dúvida alguma o amplia, porquanto coloca diante do juiz outra pretensão, que, junto àquela deduzida pelo autor, deverá ser julgada.243 Assim, o impacto da resposta do réu sobre o objeto do processo dependerá de seu conteúdo: sendo ela puramente defensiva, manter-se-á intacto o objeto do processo instalado a pedido do autor; caso contenha demanda reconvencional (e nesse conceito se inclui o pedido contraposto a que alude o artigo 31 da Lei dos Juizados Especiais),244 o objeto do processo tornar-se-á complexo, passando a compor-se do pedido autoral e ainda do petitum formulado pelo réu em reconvenção.245 Não somente a reconvenção tem o condão de alargar o objeto de processo pendente. Também pode ampliá-lo uma intervenção de terceiro, ou seja, “o ingresso de um sujeito em processo pendente entre outros, como parte”.246 O impacto da intervenção de terceiro sobre o objeto do processo é, por sinal, um dos critérios utilizados para a classificação de suas diferentes formas, distinguindo a doutrina entre intervenções que o ampliam e que não o fazem.247 São ampliativas as intervenções cuja ocorrência pressupõe propositura de nova demanda no processo pendente.248 É o caso, v.g., da denunciação da lide movida pelo réu,249 na qual ele pede que terceiro o ressarça de eventual prejuízo que vier a experimentar no julgamento da demanda ajuizada pelo autor. Em tal hipótese, o objeto do processo, originalmente integrado apenas pelo pedido autoral, passa a abrigar também o petitum formulada pelo réu na qualidade de litisdenunciante; consequentemente, ficará o juiz incumbido de pronunciar-se sobre ambos na sentença.250 De outro lado, há intervenções sem nenhum impacto sobre o objeto do processo. Exemplo perfeito encontra-se na assistência, em que um terceiro, demonstrando ter interesse jurídico no julgamento de causa alheia, ingressa na relação processual com o único propósito de ajudar uma das partes a sair vitoriosa. Nesse caso, o objeto do processo permanece tal como estava antes da intervenção, pois o assistente não ingressa na relação jurídico-processual para formular pedido e tampouco tem contra si um petitum apresentado; ele tão somente diligencia para que o pedido já deduzido no processo seja julgado procedente (se for o autor a parte assistida) ou deixe de ser acolhido (caso o auxiliado seja o réu).251 No próximo item do trabalho, que abre a segunda parte deste livro, será apresentada a nova modalidade de intervenção de terceiro introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015: o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Como se verá, trata-se de intervenção ampliativa, que alarga o objeto do processo, mas não exatamente da forma como tem visualizado a doutrina. 218. Dinamarco assevera que o processualista moderno, “em virtude de sadios princípios herdados historicamente”, deve sempre estar vinculado “à inércia da jurisdição e à demanda como pressuposto indispensável à instauração dos processos e exercício regular da jurisdição (pressuposto processual)” (“O conceito de mérito em processo civil”, p. 302). Giovanni Verde esclarece que a exigência de demanda para a instauração de processo judicial “è il prodotto di una regola dell’antica sapienza (nemo iudex sine actore, ne procedat iudex ex officio), dietro la quale riposa l’intuizione che il giudice deve essere terzo e neutrale rispetto alla controversia da decidere (o, più genericamente, all’affare giudiziario da risolvere) e, sopprattutto, che deve apparire come tale di fronte ai consociati. Al contrario, potrebbe non esserlo e sicuramente darebbe luogo al sospetto di non essere terzo e neutrale, qualora avesse il potere (e lo esercitasse) di dare inizio al procedimento all’esito del quale debba emanar la decisione” (“Principio della domanda”, p. 1). 219. Código de Processo Civil, art. 2º: “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial”. 220. Conforme aponta Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, não obstante as críticas que se pode fazer à teoria dos três eadem, “reconhece-se de forma generalizada que ela fornece ao menos uma boa hipótese de trabalho, apta a resolver a maioria dos problemas pertinentes à identificação da demanda” (Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada, p. 14). 221. Sobre a correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda, cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, cap. LXXIX. 222. Por todos: SANCHES, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”. 223. Como observa Jaime Guasp, “la idea de objeto no se confunde con la de causa o principio ni con la de fin aunque el empleo vulgarpueda inducir en este punto a confusiones: no son objetos de una institución jurídica y, por ende, no lo son del proceso, el fundamento a que debe su existencia (por ejemplo, el mantenimiento de la paz justa de la comunidad) ni la función o fin que, aún de modo inmediato, está llamada a realizar” (“La pretensión procesal”, p. 363). 224. Sobre os escopos social, político e jurídico do processo, cf. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, pp. 177 ss. 225. Direito processual civil – teoria geral do processo de conhecimento, vol. II, p. 148. 226. DINAMARCO, “O conceito de mérito em processo civil”, p. 305. 227. Cognição no processo civil, pp. 79 ss. 228. “Só uma parte do ‘objeto do processo’ [objeto do conhecimento do juiz] constitui o ‘objeto litigioso do processo’ [objeto do processo]: é o mérito, assim entendido o pedido do autor formulado na inicial” (SANCHES, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, p. 11). 229. “O conceito de mérito em processo civil”, p. 306. 230. Liebman assevera que “todas as questões cuja resolução possa indiretamente influir em tal decisão formam, em seu complexo, o mérito da causa” (Manual de direito processual civil, vol. I, pp. 222- 223). Dinamarco critica tal afirmação, ponderando haver nela uma indevida confusão entre o mérito e as questões de mérito (“O conceito de mérito em processo civil”, p. 307). 231. No dizer de Dinamarco, “a motivação deve ser tal que traga ao leitor a sensação de que o juiz decidiu de terminado modo porque assim impunham os fundamentos adotados, mas decidiria diferentemente se outros fundamentos houvessem prevalecido – seja no exame da prova, seja na interpretação do sistema jurídico. […] Exige-se também que a motivação seja completa, sem omitir pontos cuja solução pudesse conduzir o juiz a concluir diferentemente” (Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 375). 232. “Na motivação, o juiz não se limita a analisar questões de fato e de direito, mas resolve-as. No dispositivo, o juiz já não resolverá tais questões, senão que se pronunciará sobre o pedido. A conclusão não consiste na solução de questões, e sim na ilação final, a que se chegou à luz dessa solução” (BARBOSA MOREIRA, “O que deve e o que não deve figurar na sentença”, p. 118). 233. “La sentenza è un atto avente un duplice contenuto: come provvedimento pronunciato dall’autorità giudiziaria, essa contiene una disposizione, una statuizione. L’atto di tutela giuridica’; ma quest’atto è risultato di un giudizio, di un’attività logica compiuta dal giudice per pervenire alla decisione ed egli deve esporre nella sentenza il cammino da lui percorso, cioè, i ‘motivi in fatto e in diritto della decisione’ (art. 132, 2º co., n.4, c.p.c.). Questa motivazione, che è anche un preciso adempimento costituzionale (art. 111 Cost.), ha lo scopo di spiegare e giustificare la decisione, ma non è essa stessa una decisione o una serie di decisioni” (LIEBMAN, “Giudicato”, p. 307). 234. Coisa julgada e sua revisão, p. 80. 235. “A causa de pedir é elemento indispensável para que a pretensão seja adequadamente identificada, embora a causa de pedir, em si, não constitua o objeto ou parte do objeto do processo” (Coisa julgada e sua revisão, p. 80). 236. Cf. CORRÊA, O objeto litigioso no processo civil, p. 67; LEONEL, “Objeto litigioso do processo e o princípio do duplo grau de jurisdição”, pp. 349 ss. 237. Cf. “O conceito de mérito em processo civil”, p. 347. 238. Cf. “O conceito de mérito em processo civil”, p. 348. 239. “A defesa do réu não amplia jamais o objeto do processo. Ao contestar o réu simplesmente nega os fatos alegados pelo autor, ou nega-lhes a eficácia jurídica afirmada por este, ou alega fatos novos que excluem o direito afirmado na petição inicial, ou ainda suscita razões relacionadas com o direito de ação e o processo […]. Mas fica absolutamente inalterado o material a ser objeto do pronunciamento jurisdicional, ou seja, o objeto do processo” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 220). Cf. também BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, p. 26. 240. “Enquanto o objeto do processo é colocado estritamente pela demanda e relevância alguma tem a maneira como se comporte o demandado depois, constitui objeto do conhecimento do juiz toda a massa de questões no processo, venham de onde vierem. O réu sustenta questões ao responder, o autor na réplica ou depois, ambos a todo momento no contraditório no processo, dúvidas são levantadas de-ofício pelo juiz etc. – e de todas essas questões o juiz conhece e sobre elas se pronuncia no momento adequado” (DINAMARCO, “O conceito de mérito em processo civil”, p. 325). 241. Isto é, quando não se mantém inerte, tornando-se revel. 242. Cf. BARBOSA MOREIRA, “Resposta do réu no sistema do Código de Processo Civil”, n. 2. 243. “Enquanto a reconvenção veicula nova e inédita pretensão, agora formulada pelo réu, a exceção se limita a argumentos para a rejeição da demanda ajuizada pelo autor, a fim de evitar o reconhecimento do direito que ele diz ter na sua petição inicial. Á medida que a reconvenção aumenta o número de demandas existente no processo (cumulação ulterior de demandas) e conseqüentemente estende os limites da sentença (correlação entre demanda e sentença), a exceção mantém inalterados esses aspectos da relação jurídica processual. Ao passo que a reconvenção alarga o objeto do processo, […] a exceção não interfere nas dimensões do objeto do processo” (BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, p. 26). 244. Conforme observa Dinamarco, não há “qualquer diferença substancial ou funcional entre o pedido contraposto e a reconvenção. A única diferença existente é meramente formal e pouco mais que nominal, porque o resultado a que ambos conduzem é o mesmo: ampliação do objeto do processo pela introdução de mais um pedido” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 587). No mesmo sentido, cf. BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, pp. 37-38. 245. No dizer de Fabbrini, “le eccezioni terminano dove termina l’oggeto del giudizio; oltre questo limite cominciano, se del caso, le domande del convenuto” (“L’eccezione di merito nello svolgimento del processo di cognizione”, p. 375). 246. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 428. 247. Por todos, cf. DINAMARCO, Intervenção de terceiros, pp. 26 ss. 248. Por isso, Athos Gusmão Carneiro as denomina “intervenções por ação” (Intervenção de terceiros, p. 88). 249. Na hipótese de denunciação da lide pelo autor, como ela deve ser apresentada já na petição inicial, não há propriamente ampliação do objeto do processo; este já será complexo desde a sua origem. Ademais, como bem nota Dinamarco, a denunciação promovida pelo autor nem sequer consiste em autêntica intervenção de terceiro, “porque o listisdenunciado já ingressa no processo desde o início, tanto quanto o réu da demanda principal. A rigor, ele não intervém, ou seja, não é integrado na relação processual depois de já inteiramente formada em sua estrutura tríplice” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 74). A hipótese é de “formação originária de um litisconsórcio eventual” (CINTRA, Intervenção de terceiro por ordem do juiz – a intervenção iussu iudicis no processo civil, p. 151). 250. Naturalmente, só haverá julgamento de mérito da denunciação da lide em caso de procedência da pretensão autoral; caso esta seja rejeitada, não terá o réu-litisdenunciante interesse processual em que seja acolhido seu pedido de ressarcimento, pela simples razão de que não existirá prejuízo a ser ressarcido (cf. DINAMARCO, Intervenção de terceiros, p. 31). Clarisse Lara Leite concorda com tal raciocínio, mas ressalva situações excepcionais em que o julgamento de meritis da denunciação da lide poderá ocorrer mesmo em caso de improcedência da demanda primitiva: “tratando-se de garantia por evicção, isso pode ocorrer p. ex. porque o denunciado demonstra ter alienado de forma gratuita ou ter celebrado negócio aleatório. Diante dessa situação, sendojá possível resolver de forma definitiva o conflito de direito material, não há razão para que o julgador se limite a proferir decisão terminativa, permitindo assim que a mesma controvérsia venha a repetir-se no futuro” (Evicção e processo, pp. 209-210). 251. No categórico dizer de Dinamarco, “a intervenção do terceiro na condição de assistente é de absoluta irrelevância para o objeto do processo. […] ‘Com ou sem essa intervenção, o juiz julgará somente a pretensão do autor perante o réu’” (“Coisa julgada, assistência e eficácia da intervenção”, p. 358). SEGUNDA PARTE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 8 UMA APRESENTAÇÃO 8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo Civil Como já registrado neste trabalho, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é uma novidade introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015 no ordenamento brasileiro. Assim, antes de examiná-lo, convém fazer sua apresentação, expondo brevemente suas principais características e seu procedimento. Acertadamente, o incidente foi disposto pelo legislador entre as formas típicas de intervenção de terceiros. Com efeito, trata- se de expediente que inclui, em processo pendente, sujeito que não participava da relação jurídico-processual, chamando-o a responder por obrigação inicialmente reclamada apenas do réu originário. Como esse terceiro não toma a iniciativa de ingressar no processo, mas se integra a ele por provocação da parte que postula a instauração do incidente, sua intervenção é coata, independendo de aquiescência para efetivar-se.1 Do ponto de vista procedimental, a principal característica do incidente é sem dúvida a exigência de citação e oitiva do terceiro antes da prolação de decisão que venha a afetá-lo, nos termos do art. 135 do Código de Processo Civil.2 Com tal determinação, procurou-se afastar de vez a possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica ser pronunciada sem prévia oportunidade de defesa ao terceiro cujo patrimônio poderia ser afetado.3 Embora essa fosse uma prática flagrantemente inconstitucional, por desrespeitar as garantias do devido processo legal e do contraditório (Const., art. 5º, LIV e LV), ela tornou-se comum na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e inclusive era considerada legítima pelo Superior Tribunal de Justiça.4 No Código de 2015, sua proibição tornou-se explícita, estabelecendo a lei processual que “para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente”.5 Nada disso impede, todavia, a concessão de tutelas provisórias inaudita altera parte: sendo demonstrados, por exemplo, a probabilidade do direito e o perigo de dano (CPC, art. 300), o sujeito acionado por meio do incidente poderá suportar constrições provisórias sobre seu patrimônio antes mesmo de ser citado.6 Segundo o art. 133 do Código de Processo Civil, o incidente será instaurado a requerimento “da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo” (caput), deduzindo-se por meio dele um “pedido de desconsideração da personalidade jurídica” (§ 1º). Trata-se, assim, de modalidade de intervenção que contempla a postulação de tutela jurisdicional em face do terceiro, causando ampliação do objeto do processo originalmente formado.7 Justamente por isso, a instauração do incidente deve ser anotada pelo distribuidor (CPC, art. 134, § 1º), de modo que todos possam informar-se da existência da nova demanda e evitar negócios que possam configurar fraude de execução (CPC, art. 137). O Código de Processo Civil afirma a admissibilidade do incidente não somente na chamada desconsideração tradicional, mas também em sua modalidade inversa (CPC art. 133, § 2º). Não se deve ver nisso, porém, limitação ao seu cabimento, que deverá abranger todo e qualquer caso de disregard (supra, n. 4.1.3), e não apenas essas duas hipóteses. Lex minus dixit quam voluit. Diferentemente do que sucede com as demais formas de intervenção coata e ampliativa de terceiros, inexiste limitação temporal para a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que o Código dispõe ser cabível “em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial” (art. 134). Tampouco há restrição à instauração do incidente em processos de competência dos juizados especiais (art. 1.062), ao contrário do que se dá com as demais modalidades de intervenção de terceiros (Lei 9.099/1995, art. 10).8 Com a citação do terceiro no incidente de desconsideração, ele adquirirá a qualidade de parte9 e terá prazo de quinze dias para defender-se (CPC, art. 135). Após a realização de instrução (caso necessária), o incidente será encerrado por decisão interlocutória (CPC, art. 136), contra a qual caberá agravo de instrumento (CPC, art. 1.015, IV) ou interno (CPC, art. 136, parágrafo único), a depender de ter sido proferida por juiz de primeira instância ou por relator em tribunal. Durante essa tramitação, o processo permanecerá suspenso (CPC, art. 134, § 3º), não se praticando atos alheios ao incidente, salvo aqueles que se revelarem urgentes (CPC, 314). O Código de Processo Civil menciona expressamente a possibilidade de o pedido cabível no incidente de desconsideração da personalidade jurídica ser formulado já na petição inicial (CPC, art. 134, §2º). Nesse caso, obviamente não se terá uma intervenção de terceiro, pois o sujeito contra o qual se dirigirá o pedido será citado como réu originário. Logo, em tal hipótese não há que falar em suspensão do processo nem em ampliação de seu objeto. Eis, em síntese, os contornos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, cujos principais aspectos serão analisados nos próximos itens. Antes disso, porém, cumpre fazer importante observação sobre a extensão de seu cabimento. 8.2. O incidente de desconsideração e outras causas de responsabilidade dos sócios Tendo em vista que a legislação processual estabelece incidente de observância obrigatória para a desconsideração da personalidade jurídica (CPC, art. 795, §4º),10 poder-se-ia concluir, a contrario sensu, pela desnecessidade de sua instauração quando a responsabilidade do sócio por obrigações sociais não estivesse fundada na disregard. Então, salvo nas hipóteses de desconsideração, a responsabilização do sócio prescindiria da observância de um procedimento prévio, bastando o redirecionamento da execução ao seu patrimônio. No campo das execuções fiscais, o raciocínio exposto vem ganhando corpo em relação à responsabilidade disciplinada no art. 135 do Código Tributário Nacional.11 Em seminário que reuniu juízes de todo o país, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) aprovou uma série de enunciados a respeito do Código de Processo Civil, entre os quais o seguinte: “o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015”. Parte da doutrina também defende que “o redirecionamento da execução [fiscal] ao responsável dispensa o incidente de desconsideração da personalidade jurídica”12 e afirma que, “após o redirecionamento, o sócio e/ou administrador incluídos no polo passivo podem exercer plenamente a sua ampla defesa ou o contraditório”.13 Os adeptos dessa corrente apoiam-se no predominante entendimento de que a responsabilidade disposta no art. 135 do Código Tributário Nacional não se confunde com a disregard,14 o que tornaria prescindível a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para sua apuração. O raciocínio não se sustenta, pois esbarra na garantia de que ninguém deve ser privado de seus bens sem o devido processo legal (Const., art. 5º, LIV), no qual a observância do contraditório é imperiosa.15 Ressalvadas excepcionais situações em que o ordenamento justificadamente autoriza a concessão de provimentos jurisdicionais inaudita altera parte, jamais será legítimo submeter o patrimônio de um sujeitoa atos de constrição sem que lhe tenha sido dada oportunidade de discutir sua responsabilidade. Como aponta LEONARDO GRECO, a antecedência do contraditório deve ser tratada como regra do sistema processual, porque “influir eficazmente nas decisões não é influir depois que as decisões já foram tomadas, é influir antes”.16 E tal regra deve impor-se inclusive nos casos de responsabilidade secundária, sendo imperioso garantir ao indigitado responsável a chance de questionar essa sua condição previamente à emissão de medidas sobre seus bens.17 Autorizar que um sujeito discuta sua responsabilização somente após seu patrimônio ter sido afetado equivale, segundo a ilustrativa expressão de DINAMARCO, a “um convite a assistir ao próprio velório”.18 A partir dessa premissa constitucional, infere-se que toda e qualquer pretensão à responsabilização dos sócios por obrigações sociais – esteja ou não fundada na desconsideração da personalidade jurídica – deve submeter-se ao contraditório antes de desencadear efeitos contrários aos interesses do sujeito contra o qual se volta. Se a legislação infraconstitucional não estabelece um procedimento para a integração desses indivíduos em certas hipóteses, a solução não é ignorar a providência, mas buscar alternativas que assegurem sua implementação, conforme manda a Constituição. Nos casos em que inexiste procedimento específico para a responsabilização dos sócios, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica surge como a mais óbvia opção para a implementação do contraditório. Parte da doutrina vem já sustentando a obrigatoriedade de sua instauração “para além das hipóteses em que tal responsabilização funda-se na desconsideração da personalidade jurídica”.19 A utilização do incidente nesses outros casos, “mesmo que analógica, é, mais do que recomendável, necessária, pois visa a preservar o direito de defesa prévio – que é a regra do sistema – do sujeito que terá seu patrimônio atingido pela decisão judicial”.20 Diante dessas considerações, não deve o intérprete apegar-se excessivamente ao nomen iuris da modalidade de intervenção de terceiro disposta nos arts. 133 ss. do Código de Processo Civil. Concebeu-se um incidente para a hipótese da desconsideração da personalidade jurídica, mas tudo recomenda que o expediente sirva à apuração da responsabilidade de sócios por outros fundamentos. 1. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, pp. 435 e 491; CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, p. 94. 2. “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”. 3. “A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica” (Exposição de motivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil). 4. “Esta Corte firmou o entendimento de que é prescindível a citação prévia dos sócios para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária” (STJ, 3ª T., REsp 1.459.831-MS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 21.10.2014). 5. “Esse incidente veio com o manifesto escopo de pôr fim a uma desenfreada tendência de juízes e tribunais a invadir arbitrariamente o patrimônio de terceiros, nessas circunstâncias, sem prévio contraditório, sem que o indigitado responsável esteja incluído no título executivo (CPC, art. 779, inc. I) e quase sempre sem sua citação. No sistema agora implantado, aquele que pretender responsabilizar um terceiro por obrigações da parte contrária tem o ônus de suscitar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 ss.), provocando por esse meio a inclusão daquele na relação processual, da qual participará com todas as oportunidades de defesa inerentes à garantia constitucional do contraditório, sem a possibilidade de vir a suportar constrições judiciais antes da prolação de uma decisão judicial que autorize tal desconsideração (art. 795, § 4º)” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 491). 6. Cf. DINAMARCO, “O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil vigente”, n. 16; ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, p. 534; YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 239; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, pp.152-153; NEVES, Manual de direito processual civil, p. 310; GRECO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 504; BENEDUZI, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 263; COSTA, Convenções processuais sobre intervenção de terceiros, p. 185. 7. Entre outros, cf. THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 405. 8. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 128; THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 405; WAMBIER-TALAMINI, Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 374. 9. Cf. SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 572 10. “Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código”. 11. “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”. 12. BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, p. 165. No mesmo sentido, cf. BONFIM- BERTAGNOLLI, “Da não aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica aos casos de responsabilização tributária por ato ilícito”, n. 6. 13. BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, p. 169. 14. Observando que o art. 135 do Código Tributário Nacional não dispõe hipótese de desconsideração da personalidade jurídica: SOUZA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, p. 84; SILVA, A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, pp. 236-238; BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, p. 64; SILVA, A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, pp. 97-111. 15. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, pp. 326-327; TUCCI--TUCCI, Constituição de 1988 e processo – regramentos e garantias constitucionais do processo, p. 18. 16. “Os juízes devem, como regra geral, que somente deve ser posta de lado em situações excepcionais, assegurar o contraditório prévio, porque contraditório postergado é contraditório nenhum, é uma tentativa de reequilibrar um processo já desequilibrado, no qual a desigualdade prevaleceu. O juiz ao assegurar o contraditório a posteriori está procurando remediar um mal que já foi feito. […] É preciso estabelecer a prioridade do contraditório, porque, se de um lado, o autor tem o direito de acesso à justiça, o réu tem o direito de se defender e de influir nas decisões do juiz. Frise-se que influir eficazmente nas decisões não é influir depois que as decisões já foram tomadas, é influir antes” (Instituições de processo civil, vol. I, p. 516). 17. Conforme aponta Thiago Ferreira Siqueira, “deve-se oportunizar ao responsável que se manifeste a respeito de sua legitimidade anteriormente a qualquer medida constritiva que venha a se realizar sobre seus bens. Neste ponto, é de se lembrar que, como regra, o contraditóriodeve ocorrer antecipadamente – isto é: antes da prática do ato desvantajoso ao interesse da parte –, apenas se admitindo sua postergação em hipóteses excepcionais, devidamente justificadas” (A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p. 199). No mesmo sentido, cf. GRECO, O processo de execução, vol. I, p. 271. 18. “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, p. 542. 19. SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 573; “Aspectos gerais da intervenção de terceiros no novo Código de Processo Civil”, p. 152. Também pela utilização analógica do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, cf. YARSHELL, “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no CPC 2015: aplicação a outras formas de extensão da responsabilidade patrimonial”, pp. 218-224. 20. CINTRA, Intervenção de terceiro por ordem do juiz – a intervenção iussu iudicis no Processo Civil, p. 166. 9 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO COMO DEMANDA Tem havido consenso na doutrina em torno da ideia de que o pedido de instauração do incidente de desconsideração representa a propositura de demanda incidental, com ampliação do objeto do processo.21 Até o momento, porém, acredita-se faltar análise satisfatória acerca do conteúdo dessa demanda. De um modo geral, referem-se os autores a um “pedido de desconsideração da personalidade jurídica”, reproduzindo a expressão constante da lei processual (CPC, art. 133, § 1º; art. 137) sem se estender sobre o conteúdo de tal pretensão. Neste item do trabalho, pretende-se contribuir para o preenchimento dessa lacuna. A análise partirá da desconsideração da personalidade jurídica demandada na petição inicial para em seguida se examinar sua propositura incidental. 9.1. Ponto de partida: desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial Como deixa claro o art. 134, § 2º, do Código de Processo Civil, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser postulada pelo interessado tanto na petição inicial quanto incidentalmente. Trata-se, portanto, de pretensão passível de ser deduzida em demanda inicial, que instaura novo processo, ou em demanda incidental, que se apresenta em processo já pendente, com a particularidade de não haver limite temporal para sua propositura (CPC, art. 134).22 A rigor, não variará o conteúdo dessa pretensão, mas somente o momento em que ela será formulada pela parte – ao início do processo ou com ele já em curso, por meio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.23 Na hipótese em que a desconsideração da personalidade jurídica vem postulada na petição inicial, a doutrina acertadamente identifica a formação de litisconsórcio passivo originário decorrente da cumulação de demandas propostas em face de sujeitos distintos: (I) a sociedade indicada como devedora originária; e (II) o sócio que se quer responsabilizar pela dívida em razão de abuso da personalidade jurídica.24-25 Todavia, ao contrário do que se vem afirmando, não haverá contra este último a formulação de um pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Na realidade, a desconsideração integrará outro elemento da demanda ajuizada em face do sócio: a causa de pedir. A origem e o desenvolvimento da disregard (supra, n. 3) revelam não haver no instituto um fim em si mesmo, senão um meio para evitar a frustração de um direito de crédito. Com a desconsideração da personalidade jurídica, pretende-se a constituição de novo devedor (o sócio) para uma obrigação contraída pela sociedade (supra, n. 5), mas essa modificação no polo passivo da relação obrigacional é obviamente perseguida pelo credor para que ele possa afinal lograr a satisfação de um direito seu. Na estrutura da demanda, repercute de forma muito clara a ideia de que a disregard consiste em meio e não fim. Como regra, a desconsideração não integra o pedido do demandante, e sim o fundamento por ele apresentado para obter a condenação do sócio ao cumprimento de obrigação originariamente contraída pela pessoa jurídica. Sendo a desconsideração da personalidade jurídica alegada na petição inicial do processo de conhecimento, haverá de fato uma cumulação de demandas propostas contra a sociedade e o sócio, porém nenhuma delas terá como objeto a desconsideração da personalidade jurídica. Em face da pessoa jurídica, haverá pedido condenatório fundado na existência de obrigação por ela inadimplida; contra o sócio, a pretensão será também condenatória, com a diferença de que estará fundamentada em causa de pedir complexa: a existência da obrigação inadimplida pela sociedade mais a extensão dessa relação jurídica obrigacional à pessoa do sócio por força da desconsideração. Do exposto acima, extraem-se conclusões extremamente relevantes. Como não constituirá um petitum do demandante, e sim um dos fundamentos que amparam a demanda proposta em face do sócio, a desconsideração da personalidade jurídica não integrará o objeto do processo (v. supra, n. 7).26 O meritum causæ corresponderá, na verdade, às pretensões condenatórias deduzidas em face da pessoa jurídica e do sócio, o que significa que a cognição do julgador estará voltada a oferecer resposta a esses pedidos,27 e não a verificar o preenchimento dos requisitos para a desconsideração. No desenvolvimento da atividade cognitiva, a desconsideração eventualmente surgirá como questão de mérito a ser enfrentada pelo juiz na motivação da sentença, apenas caso a resolução dessa questão seja imprescindível ao julgamento do pedido condenatório formulado contra o sócio. Um exemplo facilitará a compreensão do raciocínio. Imagine-se que o demandante afirme o inadimplemento de dívida contraída por uma sociedade e alegue fatos que caracterizem abuso da personalidade jurídica, pedindo por essas razões que tanto a pessoa jurídica quanto o sócio sejam condenados ao pagamento do débito. Diante desse quadro, são vários os julgamentos de mérito possíveis. Poderá o julgador concluir pela existência da obrigação inadimplida e pela ocorrência de fatos que justifiquem a desconsideração, condenando ambos os réus. Também poderá o juiz concluir pela existência da obrigação inadimplida e pela inocorrência de fato que caracterize abuso da personalidade jurídica, caso em que acolherá a demanda condenatória proposta em face da sociedade e rejeitará aquela ajuizada contra o sócio. Num terceiro cenário, poderá o julgador concluir pela inexistência da obrigação, e então será prescindível enfrentar a questão atinente à desconsideração para se proceder ao julgamento das demandas, que serão improcedentes independentemente de ter havido ou não abuso da personalidade jurídica. Note-se: fosse a desconsideração da personalidade jurídica parte integrante do objeto do processo, estaria o julgador adstrito a decidi-la em caráter principal,28 dada a necessidade de correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda (CPC, art. 141). Não é o que ocorre. Mesmo quando o juiz tem de apreciá- la, ele o faz incidenter tantum, na fundamentação de sua sentença, com o único propósito de justificar a resposta que dará ao pedido formulado em face do sócio. Está mais do que claro, portanto, que a desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com o thema decidendum, consistindo, na realidade, em questão de cuja solução poderá depender a condenação do sócio (verdadeiro meritum causæ).29 E isso decorre diretamente da premissa de que a desconsideração não representa o pedido do demandante, senão parte da causa de pedir de sua demanda.30 Eventual imprecisão na exposição da demanda não deve interferir na aplicação das ideias ora apresentadas. Ainda que a parte se refira à desconsideração da personalidade jurídica como seu pedido, caberá ao julgador interpretar a petição inicial e considerar “o conjunto da postulação” (CPC, art. 322, § 2º) para compreender a tutela jurisdicional de fato perseguida pelo demandante.31 Sempre que o juiz extrair dessa interpretação a pretensão de que o sócio seja compelido a adimplir obrigaçãooriginariamente contraída pela sociedade por ter abusado de sua personalidade jurídica, estará diante de pedido condenatório fundado na desconsideração – e como tal deverá julgá-lo.32 9.2. Segue: desconsideração da personalidade jurídica no incidente O que se expôs a respeito da desconsideração da personalidade jurídica pleiteada na petição inicial aplica-se, em praticamente toda a sua extensão, à hipótese em que a disregard é postulada de forma incidental. Afinal, como já registrado, tem- se em ambos os casos a formulação de um pedido de tutela jurisdicional, e sua configuração não há de alterar-se substancialmente pelo fato de a pretensão ser apresentada initio litis (na demanda inicial) ou no decorrer do processo (em demanda incidental). Verificam-se, ainda assim, certas especificidades nessa última hipótese. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica naturalmente pressupõe a pendência de processo movido contra a sociedade. Sua instauração causará, então, a ampliação do objeto e do polo passivo do processo pendente: ao pedido formulado contra a pessoa jurídica acrescentar-se-á outro, que terá como sujeito passivo o sócio que se deseja atingir por meio dadisregard. Haverá, portanto, a formação de litisconsórcio passivo em razão de um cúmulo ulterior de demandas:33 àquela ajuizada originariamente em face da pessoa jurídica irá somar-se a proposta contra o sócio por meio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.34 Como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não encontra limitação temporal no processo (CPC, art. 134), convém abordar dois cenários distintos: quando sua instauração ocorre ainda na fase de conhecimento do processo ou já durante o cumprimento de sentença. Na fase de conhecimento, estará pendente o julgamento de pedido condenatório dirigido contra a pessoa jurídica. Com a instauração do incidente de desconsideração nesse estágio do processo, o demandante provocará a ampliação de seu objeto, nele inserindo pretensão condenatória em face do sócio, a fim de obter também contra este último a formação de título executivo judicial. No incidente, portanto, tampouco se veiculará um petitum de desconsideração da personalidade jurídica; adisregardintegrará acausa de pedir da demanda incidentalmente proposta em face do sócio, sem se confundir com o meritum causæ. Mais uma vez, um exemplo facilitará a compreensão do raciocínio. Imagine-se que, no curso de processo conhecimento em que esteja proposta demanda condenatória em face da sociedade devedora, o autor tome ciência de atos de confusão patrimonial praticados pelo sócio controlador e postule a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nos termos do art. 134, § 3º, o processo será suspenso até que o incidente seja resolvido por decisão interlocutória, porém não se terá nessa decisão necessariamente o julgamento do meritum causæ. Caso o juiz entenda não estarem presentes os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, a demanda incidental proposta em face do sócio deverá ser desde logo rejeitada, e o processo de conhecimento prosseguirá somente contra a pessoa jurídica.35 Ao contrário, constatando-se a confusão patrimonial afirmada pelo autor, o processo prosseguirá contra ambos (sociedade e sócio), e tanto a demanda inicial quanto a incidental serão julgadas na sentença. Assim, a decisão que puser fim ao incidente de desconsideração no curso do processo de conhecimento resolverá uma questão de mérito, cuja solução poderá ou não ser suficiente para o julgamento do meritum causæ em relação ao sócio. Sendo-lhe desfavorável, tal decisão não definirá ainda sua sucumbência, pois o pedido condenatório contra ele deduzido poderá ser rejeitado na sentença por razões alheias à desconsideração (inexistência da dívida cobrada pelo autor, por exemplo). O quadro não se altera significativamente quando o incidente é instaurado no curso de cumprimento de sentença movido em face da sociedade: também nesse caso há ampliação do objeto e do polo passivo do processo pendente. A diferença é que o processo em curso terá como objeto a pretensão do exequente à satisfação de seu direito à custa da pessoa jurídica já condenada,36 o qual será expandido pela inserção de pedido condenatório em face do sócio, a fim de que se forme título que viabilize a execução também contra o patrimônio deste. Nesse caso, vale esclarecer, a demanda proposta por meio do incidente terá da mesma forma natureza condenatória, e nela a desconsideração também não será deduzida como petitum, senão como fundamento para que o exequente futuramente possa obter a satisfação de seu direito às expensas do patrimônio do sócio. Assim, a partir da instauração do incidente de desconsideração na fase de cumprimento de sentença, comporão o objeto do processo dois pedidos de natureza substancialmente distintas: em face da sociedade, estará deduzido pedido satisfativo, pois contra ela o título executivo já terá sido formado na fase processual cognitiva; em face do sócio, o petitum será condenatório, já que contra ele o título executivo ainda precisará ser constituído. Ao contrário do que se verifica na fase de conhecimento, a decisão que encerra o incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado no cumprimento de sentença deverá necessariamente oferecer resposta ao pedido deduzido em face do sócio, já que não haverá ocasião própria para sua ulterior apreciação – caso da sentença na fase cognitiva. Surge, então, indagação relevante: para evitar seu acolhimento, estará o sócio limitado a questionar a desconsideração da personalidade jurídica ou sua defesa poderá fundar-se noutros pontos? O problema será enfrentado no próximo item. 21. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 128; YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, pp. 230-232; THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 405; WAMBIER-TALAMINI, Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 374; DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p, 527; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 262; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 107; BRUSCHI- NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, p. 159; CINTRA, Intervenção de terceiros por ordem do juiz – a intervenção iussu iudicis no processo civil, p. 165; RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 100; CAMARGO, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 235; COSTA, Convenções processuais sobre intervenção de terceiros, p. 184, n.r. 199. 22. Trata-se, portanto, de exceção à regra de estabilização do objeto de processo (CPC, art. 329). 23. Cf. RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 102. 24. Cf. CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, p. 98; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 267; CAMARGO, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 235; WAMBIER-TALAMINI, Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 375, SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p. 235; BENETI, “Desconsideração da sociedade e legitimidade ad causam: esboço de sistematização”, pp. 1.017-1.018. 25. Aqui, como em várias outras passagens do trabalho, fala-se na sociedade como devedora originária e no sócio como sujeito a ser atingido pela desconsideração por conveniência. O raciocínio apresentado evidentemente aplica-se a todas as modalidades de desconsideração (inversa etc.). 26. É o que já apontara Ada Pellegrini Grinover na vigência do Código de Processo Civil de 1973: “a desconsideração da personalidade jurídica, providência cujo acerto e eficácia devem atentar para sua excepcionalidade e para a presença de seus pressupostos (fraude e abuso, a desvirtuar a finalidade social a pessoa jurídica), não pode, não ao menos como regra, ser feitapor simples despacho no processo de execução. A cognição para detectar a presença dos citados pressupostos é indispensável e, nessa medida, ao menos como regra, impõe-se a instauração do regular contraditório em processo de conhecimento. Esse processo de conhecimento que se exige, fique claro, é o processo de conhecimento condenatório, no qual se pretende a formação do título executivo para que, depois, se promova a invasão patrimonial. A via própria assim exigida, portanto, não é necessariamente um processo que tenha por objeto a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de ‘ação própria’ no sentido de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento condenatório para que, também em relação a ele, se forme o título executivo” (“Da desconsideração da pessoa jurídica – aspectos de direito material e processual”, pp. 184-185). 27. Como observa Liebman, “o conhecimento do juiz é conduzido com o objetivo de decidir se o pedido formulado no processo é procedente ou improcedente”. (Manual de direito processual civil, vol. I, pp. 222- 223). 28. “Em todos os casos onde o objeto do processo é composto, e não simples, é também dever do juiz atender a todos os itens que o compõem, sob pena de decidir citra petita. Se há cúmulo de pedidos na demanda inicial (CPC, arts. 325, 326, 327), sobre todos eles pronunciar-se-á necessariamente o juiz” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 333). 29. “‘Julgar a lide’ e ‘julgar o mérito’ são expressões sinônimas, porque significam decidir o pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o, concedendo ou negando a providência pleiteada. Mérito constitui, pois, o thema decidendum, ou seja, a matéria sobre a qual irá o juiz decidir principaliter, que não abrange todo o objeto da sua cognição. Há questões que, apesar de diretamente relacionadas ao objeto do processo, porque pertinentes à relação de direito material, não se confundem com o mérito, embora para decidir sobre ele tenha o julgador de solucioná-las” (BEDAQUE, Efetividade do processo e técnica processual, p. 253). Cf. ainda YARSHELL, Curso de direito processual civil, vol. I, pp. 280-281. 30. Não se está descartando a possibilidade de a desconsideração efetivamente constituir o pedido deduzido pela parte em sua demanda. Em tese, é perfeitamente possível que o demandante, demonstrando interesse processual, peça principaliter a modificação do polo passivo da obrigação contraída pela sociedade para que o sócio passe à condição de codevedor em razão de abuso da personalidade jurídica (tutela jurisdicional constitutiva). A experiência mostra, porém, que a hipótese é acadêmica: de ordinário, o demandante que invoca a desconsideração da personalidade jurídica está em busca de título judicial que lhe permita em seguida a execução do patrimônio do sócio, e para isso é apropriada a tutela jurisdicional condenatória. 31. “Como todo texto escrito, o pedido é especificado por meio de palavras, que projetam a futura decisão judicial. Para captar-lhe o significado e a interpretação, vem agora, na novel codificação, dispensado qualquer processo hermenêutico restritivo, substituído pela busca de compreensão sob o enfoque de uma perspectiva global” (TUCCI, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 89). 32. Conforme reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, “o pedido não deve ser extraído apenas do capítulo da petição especificamente reservado aos requerimentos, mas da interpretação lógico-sistemá-tica das questões apresentadas pela parte ao longo da petição” (STJ, 3ª T., AgInt no AREsp 978.024-SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 6.6.2017). 33. Entre outros, cf. DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 527. 34. Não é correta, portanto, a afirmação de Dinamarco no sentido de que “ao autor é oferecida uma única ordem de possibilidades de trazer nova demanda ao processo já instaurado, consistente nas modificações à inicial” (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 204); também por meio da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica o autor poderá fazê-lo, e a qualquer momento (CPC, art. 134), não se submetendo às limitações impostas pelo art. 329 do Código de Processo Civil. O próprio jurista chega a tal conclusão em outra passagem de sua obra: “também depois de formado o processo, em algumas hipóteses outras demandas podem sobrevir, portadoras de pretensões diferentes da inicial mas igualmente destinadas a obter uma tutela (demandas ulteriores – supra, n. 396 – infra, n. 556). Isso acontece (a) quando o réu reconvém, pedindo para si uma providência judicial em face do autor (condenação a pagar etc. – CPC, art. 343); […] (d) quando o autor suscita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica […]. Na reconvenção e nessas modalidades de intervenção de terceiro, bem assim em todos os demais casos em que uma demanda ulterior seja admitida pelo direito, ela caracterizará uma nova pretensão trazida à apreciação do juiz” (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 128). 35. Haverá nessa hipótese um julgamento antecipado parcial do mérito (CPC, art. 356). 36. Sobre o objeto do processo na fase de execução, cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 211; vol. IV, pp. 45- 46; 735-736. 10 DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO DO INCIDENTE Quando a desconsideração vem postulada logo na petição inicial do processo de conhecimento, apontou-se haver um cúmulo originário de demandas condenatórias propostas em face da sociedade e do sujeito que teria abusado de sua personalidade jurídica. Com relação àquela, a causa petendi consistirá fundamentalmente na existência de obrigação a ser adimplida; quanto a este, o pedido deverá estar ancorado não somente na existência de obrigação inadimplida pela sociedade, mas também na extensão dessa relação jurídica obrigacional à sua pessoa pela desconsideração da personalidade jurídica (supra, n. 9.1). Ao contestar a demanda contra si ajuizada, o sócio terá o ônus de impugnar todos os fundamentos fáticos e jurídicos que amparam o pedido, nos termos do art. 336 do Código de Processo Civil, e lhe serão úteis todas as exceções que puderem impedir o acolhimento da pretensão deduzida pelo autor. Sua defesa não estará, assim, restrita à desconsideração da personalidade jurídica, podendo incidir sobre qualquer ponto relevante para o julgamento da causa.37 Caso demonstre, v.g., estar prescrita a obrigação cujo adimplemento o demandante pleiteia, obterá sentença de mérito favorável ainda que haja cabal comprovação de abuso da personalidade jurídica. Daí seu indiscutível interesse em impugnar outros pontos além da desconsideração. Na hipótese em que a demanda é proposta incidentalmente em face do sócio, não há razão para se adotar entendimento distinto. Também nesse caso seu direito constitucional a ampla defesa38 deverá ser integralmente assegurado, cumprindo-lhe deduzir todas suas alegações defensivas – sejam elas referentes ou não à desconsideração – no prazo indicado no art. 135 do Código de Processo Civil. O ponto não se revela nítido, porém, com relação à instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença, em que já existirá definitivo reconhecimento de dívida a ser saldada pela sociedade (ré originária). Nessa hipótese, estaria a defesa do sócio restrita por força da coisa julgada formada no processo primitivamente movido em face da pessoa jurídica? Para LUIZ RODRIGUES WAMBIER e EDUARDO TALAMINI, a resposta é positiva: nessa hipótese, a defesa do sócio ficaria limitada a discutir a existência ou não dos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica. Caso não lograsse descaracterizá-la, a coisa julgada formada contra a sociedade o atingiria “como se ele não tivesse personalidade jurídica própria”, de modo que não lhe seria viável discutir aquilo que houvesse sido objeto da sentença proferidana fase de conhecimento.39 Ocorre que, para chegar a tal conclusão, os autores partem da premissa de que a desconsideração da personalidade jurídica corresponde à “desconstituição da eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica”,40 a qual não procede. Como já exposto neste trabalho (supra, n. 5), a disregard em nada afeta a personalidade jurídica de qualquer das partes envolvidas. Não se sustenta, portanto, a assertiva de que a coisa julgada formada contra a sociedade poderia estender seus efeitos ao sócio tal como se suas pessoas se confundissem. Acertadamente, grande parcela da doutrina filiou-se a linha de opinião distinta. Conforme dispõe expressamente o Código de Processo Civil, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.41 Dessa forma, não há como impedir o sócio de discutir matéria decidida em sentença de cuja formação não teve oportunidade de participar. Tal impedimento esbarra inclusive em preceito constitucional, porquanto se estaria a restringir seu acesso ao contraditório e a impossibilitar o exercício de ampla defesa (Const., art. 5º, LV).42 Impõe-se, assim, o entendimento de que o sujeito demandado por meio do incidente durante a fase de cumprimento de sentença pode exercer amplamente seu direito de defesa, discutindo inclusive a existência, a validade ou a exigibilidade do débito reconhecido no processo de conhecimento movido em face da pessoa jurídica.43-44 Nesse sentido, aliás, já apontava a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na vigência do Código de Processo Civil de 1973.45 Não se ignora que a orientação ora defendida possa dar ensejo a julgamentos contraditórios. Basta imaginar, na fase de cumprimento de sentença, o acolhimento de exceção apresentada pelo sócio contra a existência da dívida, caso em que haveria decisões em diferentes sentidos sobre uma mesma obrigação– aquela transitada em julgado em face da sociedade, reconhecendo sua existência, e a proferida em relação ao sócio no incidente de desconsideração, proclamando o oposto. Tal possibilidade poderá causar estranhamento a muitos, mas não a quem tiver consciência de que a finalidade da coisa julgada é essencialmente prática e de que o instituto não se presta a preservar coerência lógica entre julgados.46Mesmo em processo único, a doutrina não descarta a existência de pronunciamentos judiciais logicamente discrepantes.47 Trata-se de situação por certo indesejável, porém muito menos grave do que subtrair ao sócio garantias constitucionais como o contraditório e a ampla defesa. 37. Cf. SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 577; CAMARGO, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 241; SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p. 204. Nesse sentido, v. ainda o enunciado 248 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa”. 38. “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (Const., art. 5º, LV). 39. Cf. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 376. 40. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 374. 41. Sobre a impossibilidade de prejuízo ao terceiro, cf. ainda TUCCI, Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil, esp. cap. V; TALAMINI, “Partes, terceiros e coisa julgada (os limites subjetivos da coisa julgada)”, pp. 202-203. 42. “Fere o landmark da garantia constitucional do contraditório e ampla defesa limitar o conteúdo da defesa de alguém que nunca participou do processo antes e não teve sequer chance de impor seus argumentos ao Poder Judiciário. Mesmo porque a pessoa jurídica pode ter sido mal assessorada no processo de conhecimento e alguns elementos essenciais podem não ter sido discutidos. Portanto, o sócio pode plenamente (a) negar a qualidade de responsável, (b) discutir a admissibilidade da desconsideração e (c) atacar a própria existência da relação jurídica principal” (BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 183). No mesmo sentido, Otávio Joaquim Rodrigues filho afirma que “submetê-los [os sócios] à imutabilidade do julgado equivaleria a negar-lhes as garantias constitucionais do processo, até mesmo porque pode haver erro de fato ou de direito que torne injusta a sentença condenatória” (Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 348). 43. Nesse sentido, cf. YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, pp. 243-244; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC, pp. 170-171; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, pp. 323-324; GRECO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 505; RODRIGUES, Intervenção de terceiros, pp. 104-105; CINTRA, Intervenção de terceiro por ordem do juiz – a intervenção iussu iudicis no processo civil, p. 166; CAMARGO, Comentários ao novo Código de Processo Civil, pp. 241-242; BEDAQUE, “Sucessão de empresas e desconsideração da personalidade jurídica”, pp. 458-459; DIDIER JR., Regras processuais no Código Civil, pp. 12-13; BONÍCIO, “A dimensão da ampla defesa dos terceiros na execução em face da nova ‘desconsideração inversa’ da personalidade jurídica”, n. 1; COSTA, Convenções processuais sobre intervenção de terceiros, pp. 185-186. 44. Liebman chegou a semelhante conclusão ao examinar hipótese de sentença condenatória proferida contra a sociedade em nome coletivo. Segundo o processualista italiano, a autoridade da coisa julgada não poderia estender-se ao sócio responsável que não participou do processo de conhecimento, a quem deveria ser franqueada a possibilidade de questionar a existência da obrigação social. Cf. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, pp. 162-163. 45. “Quem, na condição de sócio, é citado para responder pelo débito da sociedade, assume a condição de parte passiva na relação processual; a respectiva defesa é ampla, seja negando a qualidade de responsável, seja atacando a própria existência do débito” (STJ, 3ª T., REsp 159.659-SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 24.9.2002). 46. Entre outros, cf. TALAMINI, Coisa julgada e sua revisão, pp. 84-85; BARBOSA MOREIRA, “Julgamento e ônus da prova”, p. 81; DINAMARCO, Capítulos de sentença, p. 118. 47. Cf. DINAMARCO, Capítulos de sentença, p. 119. 11 INTERESSE PROCESSUAL NA DESCONSIDERAÇÃO – A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO SUPOSTA CONDIÇÃO PARA A DISREGARD Em estudos sobre a desconsideração da personalidade jurídica, indaga-se com frequência se a responsabilidade do sócio “seria solidária ou apenas subsidiária em relação à sociedade”.48 A dúvida consiste em saber se a disregard tem lugar apenas quando a pessoa jurídica cai em insolvência ou se pode ocorrer independentemente dessa condição. Antes de se responder à indagação, deve-se colocá-la em termos corretos. Questionar se certa responsabilidade é solidária ou subsidiária é tão ilógico quanto perguntar se uma pessoa é alta ou morena, pois não se trata de qualidades opostas. A solidariedade passiva existe quando “o credor tem o direito de exigir toda a prestação de qualquer dos devedores”,49 de sorte que o seu inverso se verifica quando o credor não dispõe dessa faculdade. Trata-se das chamadas obrigações conjuntas, ou parciárias,50 “cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a cada um dos sujeitos [devedores] compete apenas uma parte do débito”.51 Repare-se: quando dois indivíduos se obrigam solidariamente ao pagamento de cem mil reais, tem o credor a prerrogativa de demandar de qualquer deles a totalidade do valor; se a mesma obrigação é contraída de modo não solidário, não se tem um devedor respondendo subsidiariamente ao outro, mas cada qualresponsável por uma cota da dívida perante o credor. A inexistência de oposição entre solidariedade e subsidiariedade confirma-se pela existência de sujeitos que respondem solidária e subsidiariamente por certas obrigações.52 Bom exemplo encontra-se no integrante de sociedade em nome coletivo: sua responsabilidade por obrigações sociais é subsidiária, nos termos do artigo 1.024 do Código Civil,53 e ao mesmo tempo solidária, pois do sócio pode ser exigida a integralidade da dívida que a sociedade não for capaz de saldar com o patrimônio social (CC, art. 1.039).54 Assim, para se saber se a desconsideração depende ou não da insolvência da pessoa jurídica, não se deve indagar se se trata de responsabilidade solidária. A pergunta a se fazer é outra: cuida- se de responsabilidade principal ou subsidiária? TEORI ZAVASCKI entende a desconsideração como causa de responsabilidade principal, que independe da insolvência da pessoa jurídica para implementar-se.55 HUMBERTO THEODORO JR.,56 FÁBIO ULHOA COELHO57 e FREDIE DIDIER JR.58 concordam com a posição de ZAVASCKI, que vai ao encontro do enunciado 281 da IV Jornada de Direito Civil: “a aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica”. PEDRO BIANQUI contesta esse entendimento. Partindo da premissa de que o credor “só poderá pedir a desconsideração quando ele tiver interesse jurídico, ou seja, quando o provimento a ser buscado lhe for útil”,59 conclui que “somente há interesse na desconsideração quando há insolvência da pessoa jurídica”.60 Invocando a posição de BIANQUI, JOSÉ ROBERTO BEDAQUE concorda que faltaria ao credor interesse para postular a desconsideração quando a pessoa jurídica não se encontrasse em situação de insolvência.61 Idêntica é a posição de OTÁVIO RODRIGUES FILHO, para quem “somente haveria o interesse de agir para a desconsideração quando, nessas situações, não houver patrimônio suficiente para o adimplemento da obrigação”.62 Como se vê, a resolução da questão passa pela análise do interesse pro cessual do credor em obter a desconsideração, e é indubitavelmente correta a afirmação de que esse interesse inexistirá quando a disregard não puder proporcionar algo de útil ao demandante. Daí não é possível inferir, porém, que a utilidade da desconsideração apenas se manifeste na hipótese de insolvência da pessoa jurídica. Conforme explica DINAMARCO, considera-se útil a tutela jurisdicional capaz de trazer ao postulante “uma melhora em sua situação na vida comum”.63 Por outras palavras, DONALDO ARMELIN expressa ideia essencialmente idêntica, explicando que a utilidade do provimento existirá sempre que ele tiver o potencial de conferir ao demandante algum tipo de “vantagem jurídica”.64 Logo, para se responder quando haverá interesse na desconsideração da personalidade jurídica, há que verificar em que situações a disregard poderá conduzir o credor a condição juridicamente mais vantajosa – se apenas na hipótese de insolvência da pessoa jurídica ou também noutros casos. Não é difícil conceber cenários em que, mesmo estando solvente a pessoa jurídica devedora, tenha o credor interesse processual em buscar a desconsideração. Imagine-se cumprimento de sentença em que a sociedade executada, em estado de solvência, possua somente bens de baixa liquidez (maquinário industrial, e.g.). Imagine-se ainda que um de seus sócios, com dinheiro suficiente para a satisfação da obrigação, tenha abusado de sua personalidade jurídica. Nesse caso, conquanto solvente a sociedade, revela-se claro o interesse do exequente na desconsideração: com a inclusão do sócio no polo passivo da execução, ele poderá obter a penhora de dinheiro e evitará os percalços inerentes à expropriação de bens de baixa liquidez – situação juridicamente mais vantajosa.65 Do exemplo anteriormente apresentado, pode-se já concluir que a insolvência da pessoa jurídica não é conditio sine qua non para a desconsideração da personalidade jurídica. Mas a verdade é que o interesse do credor em postular a disregard vai muito além da hipótese em que se quer alcançar bens de maior liquidez. Como exposto nos itens quinto e sexto deste trabalho (supra), a desconsideração consiste na constituição de novo devedor para determinada obrigação em virtude de abuso da personalidade jurídica: a partir da disregard, o sócio passa a integrar o polo passivo da relação obrigacional ao lado da pessoa jurídica (devedora originária). Por consequência, um patrimônio a mais garantirá a satisfação da obrigação pendente, o que por si só configura vantagem jurídica para quem postula a desconsideração: quanto maior o acervo de bens a responder pelo inadimplemento da obrigação (CC, art. 391),66 tanto melhor será para o credor. Assim, independentemente da condição patrimonial da pessoa jurídica devedora,67 a desconsideração há de ser considerada útil, por ter o potencial de conduzir o credor a posição juridicamente mais benéfica. O raciocínio é simples: a partir do momento em que se dá o abuso da personalidade jurídica, nasce para o credor o direito à modificação de uma relação jurídica,68 consistindo essa modificação na constituição de novo devedor para uma obrigação pendente. O interesse no exercício desse direito, por sua vez, decorre da melhora que poderá ser proporcionada à situação jurídica de seu titular: a ampliação do acervo de bens que responde pelo inadimplemento da obrigação da qual ele é credor. Portanto, independentemente da condição patrimonial da pessoa jurídica devedora, havendo abuso da personalidade jurídica, terá o credor interesse em postular a desconsideração – seja na petição inicial, seja por meio do incidente. A norma do art. 795, § 1º, do Código de Processo Civil, cabe esclarecer, não se aplica à desconsideração da personalidade jurídica, mas aos casos de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios por dívidas sociais.69 Na disregard, diferentemente, o que se tem é uma responsabilidade extraordinária e primária dos sócios por obrigações na origem contraídas pela sociedade (supra, n. 4.2 e 6). 48. RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 174. 49. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 767. 50. “Muitos autores (Planiol, Ripert, Esmein, Radouant e Gabolde, Traité pratique, VII, n.º 1055; Vaz Serra, Pluralidade de devedores ou de credores, n.º 1; M. Andrade, ob. Cit., n.os 16 e 22) preferem a expressão obrigações parciárias à designação tradicional obrigações conjuntas. Aqueles autores franceses consideram mesmo esta expressão como imprópria e inconveniente. Imprópria, porque neste caso não haveria uma conjunção (união ou ligação) dos devedores, mas um parcelamento da prestação, uma separação da responsabilidade. Inconveniente, por poder induzir os leigos em erro: um credor, estipulando que os devedores responderão conjuntamente, será provavelmente traído nas suas expectativas, ao saber que a responsabilidade deles é separada, autónoma, parcelar” (ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 748). 51. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 748. 52. Nesse sentido, cf. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 765, n.r. 1. 53. “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. 54. “Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais”. 55. Processo de execução – parte geral, p. 236. 56. Curso de direito processual civil, vol. III, p. 318. 57. Curso de direito comercial, vol. II, pp. 421-422. 58. Regras processuais no Código Civil, p. 9. 59. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p.115. 60. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 178. 61. “Sucessão de empresas e desconsideração da personalidade jurídica”, pp. 454-455. 62. Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 175. 63. Instituiçõesde direito processual civil, vol. II, p. 353. 64. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 58. Essa compreensão, aliás, transcende a doutrina nacional: “L’intérêt peut se définir comme le profit, l’utilité ou l’avantage que l’action est susceptible de procurer au plaideur. Dire d’une personne qu’elle a intéret à agir, c’est dire que la demande formée est susceptible de modifier, en l’améliorant, sa condition juridique” (CADIET- JEULAND, Droit judiciaire privé, p. 280). 65. “É de se perceber, nesta linha, que o CPC/2015 estabelece, em seu art. 835, um extenso rol de bens que, apesar de não ser exaustivo […], traduz uma ordem preferencial de bens a serem atingidos pela execução. E, para tanto, o legislador levou em consideração sobretudo o grau de liquidez destes bens” (SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, pp. 184-185). 66. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. 67. “É bem verdade que o pleito de imputação de responsabilidade aos sócios seja mais conveniente e necessário em face da incapacidade da sociedade de adimplir suas dívidas. Isso não faz, contudo, também do inadimplemento – fundado no esgotamento patrimonial ou na insolvência – causa da imputação de responsabilidade aos sócios […] A responsabilidade não decorre, portanto, de um estado da sociedade, mas de uma conduta do sócio” (WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 310). 68. Sobre o direito à modificação de uma relação jurídica, cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 246. 69. Cf. THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 399; DIDIER JR., Regras processuais no Código Civil, pp. 7- 9. 12 LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE A legitimidade para postular a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica revela-se clara no que diz respeito ao titular – ou que se diz titular – de direito de crédito.70 Todavia, quando se trata de outros atores processuais, o ponto pode suscitar discussões. Fala-se do juiz,71 do Ministério Público e daquele que participa do processo na qualidade de assistente. 12.1. Instauração por iniciativa do juiz? Parcela da doutrina sustenta a possibilidade de o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ser instaurado por iniciativa do magistrado, independentemente de provocação da parte interessada. São adeptos dessa corrente EDUARDO TALAMINI e LUIZ RODRIGUES WAMBIER, os quais reputam viável que o incidente seja “determinado de ofício pelo juiz”.72 Nessa hipótese, os autores afirmam que o magistrado deve ouvir previamente a parte interessada, mas não descartam que o incidente seja instaurado contra a sua vontade.73 De modo mais restritivo,74 GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA também admite a instauração ex officio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica: “para tanto, será baixada portaria judicial com a descrição dos fatos supostamente hábeis a ensejar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, com posterior citação da pessoa cuja personalidade se pretenda desconsiderar, permitindo a produção de provas e, em seguida, a solução judicial do incidente pelo magistrado”.75 Considerada a premissa de que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica corresponde à propositura de demanda incidental (supra, n. 9), é inviável reconhecer ao juiz o poder de determiná-la ex officio. Admiti-lo seria aquiescer à possibilidade de o julgador ampliar sponte propria o objeto do processo, nele inserindo algo não postulado pelas partes, o que esbarra na proibição de que o magistrado decida a respeito do que não lhe tenha sido pedido. Tal proibição, resumida nas máximas nemo judex sine actore76 e ne eat judex extra vel ultra petita partium,77 deriva da experiência comum de que o julgador jamais estará em posição de imparcialidade para deliberar sobre aquilo que ele próprio haja submetido à jurisdição. No Código de Processo Civil, as mais evidentes manifestações dessa regra secular encontram-se no art. 2º,78 que impede o processo de começar por iniciativa do juiz, e no art. 492, que veda ao magistrado “proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. TALAMINI e WAMBIER também partem da premissa de que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica envolve a propositura de demanda incidental, com ampliação do objeto do processo.79 Afirmam, porém, que se estaria diante de uma “exceção ao princípio de que uma tutela jurisdicional não será outorgada senão mediante pedido da parte legitimada”.80 Por uma série de razões, o raciocínio não se sustenta. Primeiro, porque inexiste disposição legal que estabeleça a possibilidade de se proceder ex officio à desconsideração da personalidade jurídica. Quisesse o legislador criar “uma exceção ao princípio de que uma tutela jurisdicional não será outorgada senão mediante pedido da parte legitimada”, decerto o teria feito expressamente, e não há norma nesse sentido. Na verdade, tem- se o contrário: o art. 50 do Código Civil dispõe que o juiz decidirá acerca da desconsideração da personalidade jurídica “a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo”. No mesmo sentido prescreve o art. 133 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”. Não é só. Mesmo que algum dispositivo legal houvesse expressamente estabelecido a possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica ser promovida ex officio, seria de se questionar a sua constitucionalidade. A garantia fundamental do devido processo legal (Const., art. 5º, LV) assegura aos jurisdicionados a imparcialidade do julgador,81 e, como já mencionado, esse direito estaria seriamente abalado se o juiz pudesse decidir sobre tutela jurisdicional por ele próprio aventada.82 Assim, a possibilidade de instauração de ofício do incidente de desconsideração da personalidade jurídica esbarra não apenas na legislação infraconstitucional, mas também na cláusula due process of law. Pelos motivos aduzidos, tem razão ALEXANDRE FREITAS CÂMARA quando assevera incisivamente que “a desconsideração da personalidade jurídica jamais poderá ser decretada de ofício, dependendo, sempre, de provocação”83 – posição que está em harmonia com praticamente toda a doutrina.84 12.2. Instauração por iniciativa do Ministério Público? No que diz respeito ao Ministério Público, a legitimidade para instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é patente quando o Parquet atua no processo como parte principal – tutela de interesses coletivos, e. g. Mas não se pode dizer o mesmo para a hipótese em que o órgão funciona como custos legis. O art. 133 do Código de Processo Civil estabelece que “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”. Numa interpretação estritamente literal, a lei parece indicar a legitimidade do Parquet para dar início ao incidente quando atue como fiscal da ordem jurídica. Pode-se pensar que o legislador, querendo restringi-la aos processos em que o órgão figure como parte principal, prescreveria apenas que “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte”, sem acrescentar a cláusula alternativa “ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”. A mesma ideia valeria para o art. 50 do Código Civil, que dispõe: “em caso de abuso da personalidade jurídica […], pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadasrelações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios”. No entanto, o raciocínio não subsiste a uma análise sistemática da questão. Mais uma vez, é preciso relembrar a premissa de que o pedido de instauração do incidente de desconsideração personalidade jurídica corresponde à propositura de demanda incidental (supra, n. 9). Logo, reconhecer ao Ministério Público legitimidade para instauração do incidente implica admitir que o órgão, na condição de custos legis, está habilitado a deduzir pedido em nome de um dos litigantes, o que contrasta com a necessária imparcialidade do fiscal da ordem jurídica.85 Como observa DINAMARCO, o Parquet nada pode pedir em prol de qualquer das partes enquanto custos legis;86 nessa condição, deve o órgão atuar sobre o objeto do processo delimitado pelas partes, visando apenas a que o julgamento ocorra em conformidade com o ordenamento jurídico. YARSHELL acerta, portanto, ao sustentar que “o Ministério Público só está legitimado a pedir a desconsideração nos casos em que seja titular do direito de ação; não nos casos em que atue como fiscal da lei”.87 12.3. Instauração por iniciativa do assistente? Também em razão da premissa de que o pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica corresponde à propositura de demanda incidental (supra, n. 9), tampouco o assistente está legitimado a postular a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Diferentemente do fiscal da ordem jurídica, o assistente age com parcialidade no processo: como tal, ele é sempre interessado no desfecho da causa,88 e sua função consiste em auxiliar um dos litigantes à obtenção da tutela jurisdicional. No entanto, assim como o custos legis, tem sua participação restrita ao objeto do processo formatado pelas partes,89 não podendo ampliá-lo com a introdução de outro petitum. Diante disso, e tendo em vista que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica contém em si a propositura de nova demanda, é forçoso reconhecer a impossibilidade de sua instauração por iniciativa do assistente. Obviamente, nada impede que o assistente traga aos autos elementos para que o assistido requeira a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica por iniciativa própria. Nessa hipótese, embora com substrato apresentado por outrem, a demanda incidental será proposta por parte inequivocamente legitimada a fazê-lo. 70. “Suposto que o pedido esteja fundado em uma das hipóteses legais que autorizam a desconsideração, legitimidado ativo é o credor; que processualmente ocupa a posição de autor da demanda originária (aquela cujo objeto é impor o devedor de prestar). […] Embora seja presumível que o pedido seja feito pelo autor (porque ostenta a posição de alegado credor), não se deve descartar que o pleito seja feito pelo demandado. Apenas, isso exige que haja perspectiva de que ao autor venha a ser imposto dever de prestar – isto é, de pagar quantia – porque é isso que justifica desencadear os meios executivos com o objetivo de expropriar patrimônio penhorável; e, dessa forma, chega-se ao acervo de terceiro, via desconsideração. Isso poderá ocorrer nos casos de reconvenção, de ações dúplices e, pensando apenas na improcedência da demanda, nos casos em que houver condenação do autor ao pagamento de quantia por causas processuais (honorários, custas, multas e eventualmente outras)” (YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, pp. 233-234). 71. Não é tecnicamente adequado aludir à legitimidade ou à ilegitimidade do julgador para a instauração do incidente de desconsideração, pois a legitimatio ad causam é qualidade que somente pode dizer respeito às partes (cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, pp. 357-359). Todavia, convém à exposição tratar da possibilidade de instauração ex officio do incidente de desconsideração neste item do trabalho. 72. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 374. 73. É o que se infere da seguinte passagem: “A decisão final do incidente condenará o vencido nas verbas de sucumbência (custas e honorários de advogado). Se a desconsideração for provida, o sócio ou sociedade responde por tais verbas. Se for rejeitada, a parte que a requereu é a responsável. Mas o problema se põe quando o incidente é instaurado de ofício ou a requerimento do Ministério Público e a desconsideração vem a ser negada: a parte da ação originária que seria beneficiada pela desconsideração pode ser condenada nas verbas de sucumbência, uma vez que não foi ela quem pediu a instauração do incidente? A princípio, ela apenas pode ser exonerada dessa condenação se houver expressamente se oposto à instauração do incidente” (Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 378). 74. Na sua visão, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica por iniciativa do juiz só seria cabível “nos casos envolvendo interesses coletivos ou difusos tutelados em normas de ordem pública” (“Incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, n. 4). 75. “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, n. 4. 76. “Ninguém é juiz sem um autor. Esse é o princípio da inércia dos órgãos jurisdicionais (ou princípio da demanda), pelo qual estes são impedidos de exercer a jurisdição deofício, ou seja, espontaneamente” (DINAMARCO, Vocabulário do processo civil, p. 376). 77. “Não vá o juiz além ou fora dos pedidos das partes. Essa é a expressão do princípio da correlação entre a sentença e o pedido, devendo aquela ater-se aos limites deste” (DINAMARCO, Vocabulário do processo civil, p. 375). 78. “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. 79. “No incidente de desconsideração, há a ampliação do objeto do processo. Isso significa que o requerimento de instauração do incidente, quando formulado pela parte interessada ou pelo Ministério Público, consiste em uma nova demanda em face do terceiro (a pessoa que terá sua esfera jurídica atingida pela desconsideração). Trata-se de uma ação incidental (i.e., uma ação que se formula e tramita dentro de um processo já em curso), pela qual se pretende a desconstituição da eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica, para o fim de se atingir o patrimônio dela (quando o sócio é a parte originária no processo) ou o patrimônio de seu sócio (quando ela é a parte originária). Mesmo quando instaurado de ofício pelo juiz, é também esse o objeto do incidente” (Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 374). 80. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, p. 374. 81. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 374. 82. “A mais ampla e severa das limitações que o devido processo legal impõe ao exercício da jurisdição consiste na rígida proibição de exercê-la sem a iniciativa de um sujeito que peça a tutela jurisdicional (CPC, art. 2º) – disposição, essa, que é tradicional no direito brasileiro e se alinha ao que dispõem os ordenamentos jurídico-processuais em geral. Essa proibição é imposta em atenção à necessidade de preservar a imparcialidade do juiz (supra, nn. 51 e 116) e à inconveniência social de realizar processos para uma possível tutela a quem não se animou a pedi-la. Ela constitui a positivação legislativa das máximas ne procedat judex ex officio e nemo judex sine actore. O princípio da inércia judicial, ou da demanda, foi uma conquista do liberalismo político em sua imposição ao processo penal (sistema acusatório), tendo o significado histórico de repúdio à máxima segundo a qual tout juge est procureur general: o acusador dificilmente seria um bom julgador (Cintra-Grinover-Dina-marco). A experiência mostra ao legislador que, em causas de qualquer natureza ou espécie, o juiz que desse início ao processo acabaria por apegar-se aos fundamentos de sua própria iniciativa e teria mais dificuldades que outro juiz,outra pessoa, para comportar-se com imparcialidade. Muito provavelmente a natural tendência subjetiva do juiz que tomasse a iniciativa do processo seria, no comando deste, na condução da prova e no julgamento da causa, a de buscar meios e argumentos para confirmar o que de início houvesse afirmado” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, pp. 46-47). 83. O novo processo civil brasileiro, p. 95; Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 426. 84. Entre outros: RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, pp. 254-255; YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 239; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, pp.118-119; SOUZA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, pp. 186-188; SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 572; DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, 526, THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 404; WAMBIER et al., Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 252; DELLORE et. al. Teoria geral do processo contemporâneo, p. 343; COSTA, Convenções processuais sobre intervenção de terceiros, p. 184. 85. Cf. GRECO, Instituições de processo civil, vol. I, p. 261. 86. Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 502. 87. Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 233. No mesmo sentido, cf. VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 117; NEVES, Manual de direito processual civil, p. 309. Em sentido contrário, cf. WAMBIER et al., Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 252; ARAÚJO, Intervenção de terceiros, p. 336. 88. “O interesse legitimador da assistência é sempre representado pelos reflexos jurídicos que os resultados do processo possam projetar sobre a esfera jurídica do terceiro, como é expressamente exigido pelo art. 1191 do Código de Processo Civil (‘terceiro juridicamente interessado’). Esses possíveis reflexos ocorrem quando o terceiro se mostra titular de algum direito ou obrigação cuja existência ou inexistência dependa do julgamento da causa pendente, ou vice-versa” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 444). 89. “A intervenção do terceiro na qualidade de assistente não altera o objeto do processo, tendo em vista que ele se limita a aderir à pretensão do assistido, sem formular nova demanda. Sua atividade está centrada, insista-se, na colaboração para que uma das partes saia vitoriosa no processo. Isso significa dizer, em outras palavras, que o mérito a ser julgado, no caso de assistência, tem os mesmos contornos do que teria sem ela” (RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 67). 13 PROVA 13.1. Necessidade e ônus da prova Constitui ideia arraigada no processo civil contemporâneo a de que cada parte deve provar os fatos que lhe interessarem. Em todos os sistemas jurídicos de que se tem conhecimento, independentemente de sua tradição,90 acha-se uma espécie de advertência do legislador aos jurisdicionados: “se vuoi vincere la causa devi provare il fatto su cui fondi la tua domanda o eccezione”.91 Entre nós, semelhante aviso encontra-se no art. 373 do Código de Processo Civil, que incumbe o ônus da prova ao demandante, com relação aos fatos constitutivos de sua pretensão, e ao demandado, quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de seu adversário. Existem, é verdade, hipóteses em que a lei processual distribui o encargo de provar de modo distinto,92 mas são todas elas excepcionais, prevalecendo como regra a necessidade de as partes comprovarem a ocorrência dos fatos relevantes para a defesa de suas pretensões no processo. No âmbito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não há que ser diferente. Sendo do credor o interesse em obter a disregard, cumpre a ele o ônus de provar fatos que, segundo as normas de direito material, constituam causa para a desconsideração. Tal regramento é reforçado pela circunstância de a disregard ser condicionada à constatação de abuso da pessoa jurídica: como todo desvio no exercício de direitos, também aquele verificado na utilização da personalidade jurídica deve ser provado por quem o alega, pois a conduta contrária à boa-fé constitui fato extraordinário, que não comporta pura e simples presunção.93 Assim, cabe mesmo ao interessado na desconsideração comprovar a prática de atos abusivos que lhe deem causa.94 Diante dessas considerações, não deveria despertar nenhum tipo de censura a redação do art. 134, § 4º, do Código de Processo Civil, segundo a qual o pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica “deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica”. Em princípio, haveria aí somente uma confirmação da regra geral concernente ao ônus da prova. Todavia, leitura mais atenta do dispositivo revela impropriedade que deve ser afastada mediante adequada interpretação. Por importante que seja, a questão relativa ao ônus da prova não deve ser enfrentada senão depois de se indagar quanto à sua necessidade. Primeiro, cumpre saber se é preciso provar a ocorrência de determinado fato, e apenas em caso positivo será relevante verificar sobre quem recai o encargo de fazê-lo. Sendo prescindível a prova de um evento, qualquer debate a respeito do ônus probatório não valerá mais que um exercício de retórica. A necessidade da prova surge diante da existência de afirmações discrepantes sobre a ocorrência de um fato relevante para o julgamento da causa.95 A princípio, as alegações lançadas por qualquer das partes prescindem de comprovação; porém, a partir do momento em que são contrastadas, cumpre àquele que suporta o ônus da prova demonstrar a veracidade de sua versão, sob pena de prevalecer a de seu oponente. Em linguagem carneluttiana, diz-se que as alegações das partes sobre determinado evento da vida formam pontos, os quais se transformam em questões quando controvertidos.96 Nesses termos, pode-se afirmar que a prova somente se faz necessária diante de questões de fato, não com relação a pontos (alegações incontroversas).97 A impropriedade contida no art. 134, § 4º, do Código de Processo Civil está em sugerir a necessidade de prova antes mesmo da formação de controvérsia sobre as alegações daquele que postula a abertura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Diferentemente do que consta do dispositivo legal, o pedido de instauração do incidente não deve demonstrar, senão apenas suscitar “o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração”, mediante afirmação da ocorrência de fatos que caracterizem abuso da pessoa jurídica.98 Caso o sujeito demandado por meio do incidente conteste a narrativa do demandante, impugnando as alegações por este apresentadas, aí sim surgirá a necessidade de “demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração”. Ao contrário, presumir-se-á verídica a versão dos fatos apresentada com o pedido de instauração do incidente,99 e a desconsideração poderá ser acolhida independentemente da produção de prova – desde que os eventos narrados pelo postulante realmente caracterizem abuso da personalidade jurídica, segundo avaliação do juiz.100 Em síntese: é inequívoco que o ônus da prova dos fatos que ensejam a disregard cabe a quem a postula, mas tal encargo só recairá efetivamente sobre o interessado na hipótese de a prova se mostrar necessária – isto é, se se tornarem controvertidas as alegações fáticas que fundamentam o pedido de instauração do incidente de desconsideração. 13.2. Dificuldades probatórias Uma vez existente, o ônus da prova dos fatos constitutivos do direito à desconsideração não deve impor ao interessado encargo desarrazoado. A doutrina reconhece a dificuldade de se comprovar abuso da personalidade jurídica sem acesso a informaçõesinternas da sociedade (dados contabilísticos, v.g.),101 e seus integrantes não raro relutam em fornecê-las. Diante disso, assumem singular importância no âmbito da disregard, para fins de prova, as exibições documentais e as denominadas presunções simples ou judiciais. Como a legislação material impõe à sociedade empresária a manutenção de detalhada escrituração de suas operações (CC, arts. 1.179 ss.), pode o interessado valer-se de sua exibição (CPC, art. 396 ss.) para obter prova de fatos que caracterizem abuso da personalidade jurídica – utilização de recursos sociais para a quitação de despesas pessoais do sócio controlador (confusão patrimonial), v.g. Negada injustificadamente a mostra, ou sendo apresentada razão ilegítima para a recusa, será lícito presumir a veracidade da alegação que se pretendia provar com a exibição (CPC, art. 400).102 E o mesmo deverá ocorrer em caso de ser apresentada escrituração irregular, que impeça a conferência da administração societária,103 pois não parece válido que seus integrantes possam se valer de sua própria desorganização para impedir o acesso de terceiros a informações cuja adequada documentação a lei determina.104 As presunções simples ou judiciais consistem na formação de convicção sobre um evento a partir de um indício. No cotidiano forense, não são raras as situações em que, sendo inviável fazer prova de um acontecimento, encontram-se elementos suficientes para a demonstração de outro fato que proporcione seguro grau de certeza quanto à incidência daquele. Opera-se, então, raciocínio que alia os conhecimentos a respeito de um fato – o indício – às chamadas máximas de experiência (CPC, art. 375)105 para presumir-se o evento ligado àquilo que se pôde diretamente provar.106 O álibi, defesa conhecida até mesmo fora do ambiente jurídico, bem ilustra o que se quer expor. Para negar a autoria de um crime, o acusado muitas vezes procura demonstrar que, no momento do delito, estava em local diverso. Logrando fazê-lo, não oferece ao juiz uma prova direta sobre a autoria do crime, mas um elemento a partir do qual o julgador desenvolverá um raciocínio lógico a seu respeito: se o crime foi cometido em certo lugar e o réu provou que na ocasião se encontrava alhures, infere-se que ele não é o autor do delito, por ser impossível estar em dois locais ao mesmo tempo.107 No processo civil, e mais particularmente nas causas que envolvam desconsideração da personalidade jurídica, tais presunções podem ter grande valia. Imagine-se, v.g., situação em que a empresa executada se ache em plena evolução comercial, com crescente número de empregados e estabelecimentos, mas em cujas contas não se localize valor algum. A prova da inexistência de dinheiro em caixa, jungida à noção comum de que a uma sociedade não é viável operar e prosperar sem dispor de numerário, autoriza a razoável dedução de que a devedora esteja movimentando recursos por contas de terceiros, possivelmente de seus sócios. Eventual impropriedade dessa presunção, todavia, sempre poderá ser demonstrada pelos administradores da pessoa jurídica, inclusive mediante apresentação de elementos que justifiquem o insólito quadro empresarial.108 Nas presunções judiciais, vale esclarecer, não se tem de modo algum uma inversão do ônus da prova. Na realidade, trata-se de permitir que o titular do encargo probatório dele se desincumba provando indiretamente (isto é, por meio de indícios) a ocorrência do fato de seu interesse. Tem-se aí um modo de mitigar as dificuldades geralmente enfrentadas pelo credor na demonstração de fatos que caracterizem abuso da personalidade jurídica, mas o ônus de provar, ainda que por via indireta, continua a sobre ele recair. 90. “Parte-se da premissa, explícita ou implícita, de que o maior interessado em que o juiz se convença da veracidade de um fato é o litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro, por decorrer daí a afirmação de um efeito jurídico favorável a esse litigante, ou a negação de um efeito jurídico a ele desfavorável. Semelhante interesse naturalmente estimula a parte a atuar no sentido de persuadir o órgão judicial de que o fato deveras ocorreu – numa palavra: de prová-lo. Todo ordenamento processual, sejam quais forem as diretrizes filosóficas ou políticas que o inspirem, conta em larga extensão com a eficácia desse estímulo. O desejo de obter a vitória cria para o litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar os meios de que se poderá valer no trabalho de persuasão, e de esforçar-se, depois, para que tais meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa. Fala-se, ao propósito, de ônus da prova” (BARBOSA MOREIRA, “Julgamento e ônus da prova”, p. 74). Cf. ainda TARUFFO, A prova, pp. 144-145. 91. TARUFFO, Michele. “L’onere come figura processuale”, p. 429. 92. “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído” (CPC, art. 373, § 1º). 93. “Si lo ordinario se presume, lo extraordinario se prueba: tal es el principio supremo del peso de la prueba, principio que llamaré ontológico, en cuanto tiene su fundamento inmediato en el modo natural de ser de las cosas. Quien afirme aquello que está en el curso ordinario de los sucesos no tiene la obligación de la prueba: tiene en su favor la voz universal de las cosas mismas, y la de las personas que lo confiman en virtud del resultado general de la observación y de la experiencia. Lo ordinario, pues, se presume. Mas quien, en cambio, afirme lo que está fuera del curso ordinario de los sucesos, tiene en contra de sí la voz universal de las cosas, confirmada por la voz también universal de las personas: en su virtud tiene la obligación de sostener con pruebas particulares su aserto: lo extraordinario se prueba” (MALATESTA, Lógica de las pruebas en materia criminal, pp. 161-162). 94. “O ônus da prova sobre a verificação dos fatos aptos a admiti-la [a desconsideração] pertence a quem pretende obtê-la, mesmo porque a fraude é situação excepcional, extraordinária, não sendo admissível presumi-la nem considerá-la como acontecimento normal nas relações jurídicas” (BEDAQUE, “Sucessão de empresas e desconsideração da personalidade jurídica”, p. 453). 95. “A necessidade de provar é gerada pela controvérsia sobre fatos. Controvérsia é choque de razões, alegações ou fundamentos divergentes, que se excluem – de modo que a aceitação de um deles é negação do oposto ou vice-versa (Carnelutti). Se a afirmação de determinado fato não é contrastada por uma afirmação oposta, colidente com ela, não há controvérsia e em princípio o reconhecimento do fato não depende de prova alguma” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 64). 96. “As alegações de fato que faz o autor na sua petição inicial são pontos de fato. As conclusões que tira em torno da interpretação da lei são pontos de direito. A doutrina fala de ponto e diz que ponto se pode transformar em questão. Como isso ocorre? Mediante a controvérsia, em primeiro lugar. Quer dizer, quando uma das partes afirma algo e outra nega o que foi afirmado, aquele ponto deixou de ser pacífico. Surgiu para o juiz, que deve afinal se pronunciar a respeito, uma dúvida. Essa dúvida é a questão. Carnelutti definiu questão em várias passagens de sua obra, por ângulos diferentes, mas dizendo sempre a mesma coisa: as dúvidas, dizia ele, são os pontos controvertidos. É o ponto com essa conotação de que é controvertido” (DINAMARCO, “Ônus de contestar e o efeito da revelia”). No dizer do próprio autor italiano, “per questione si intende ogni punto dubbio di fatto o di diritto, ogni incerteza intorno alla realtà di un fatto o intorno alla sua efficacia giuridica” (Lezioni di diritto processualecivile, vol. IV, p. 3). 97. Assim dispõe expressamente o art. 374, III, do Código de Processo Civil: “não dependem de prova os fatos: […] admitidos no processo como incontroversos”. 98. Cf. ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, p. 532; NEVES, Manual de direito processual civil, p. 310. 99. A não ser, é claro, nas hipóteses em que não se produzem os efeitos da revelia (CPC, art. 345). 100. Em sentido distinto, sustentando que a instauração do incidente nem sequer deverá ser admitida sem “elementos de prova que permitam ao juiz a formação de um juízo de probabilidade” a respeito da desconsideração da personalidade jurídica: CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, pp. 99-100. 101. WARDE, Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 220. 102. “Ao decidir o pedido [de exibição de documento], o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: I – o requerido a não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398 [cinco dias]; II – a recusa for havida por ilegítima”. 103. Cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. I, p. 92. 104. Cf. RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 402-403. 105. “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”. 106. Cf. BARBOSA MOREIRA, “As presunções e a prova”, pp. 56-59; “Provas atípicas”; “Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados”, p. 63. Cf. ainda DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 74; SICA, “Questões velhas e novas sobre a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC)”, n. 6. 107. “São dois fatos distintos. Uma coisa é eu ter ou não ter atropelado alguém; outra coisa é eu estar ou não em Itaperuna no momento em que o acidente ocorreu no Rio. São dois fatos distintos, mas há entre eles uma relação: dada a nossa impossibilidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo, nós que somos desprovidos do dom da ubiqüidade, se demonstro que estava em Itaperuna, ipso facto forneço ao juiz um meio pelo qual ele vai chegar à conclusão segura de que não fui eu que atropelei a vítima no Rio de Janeiro, naquele mesmo dia e naquela mesma hora” (BARBOSA MOREIRA, “Provas atípicas”). 108. “Toda presunción puede ser combatida destruyendo el hecho base o demonstrando que se ha faltado a las reglas de la lógica y del criterio humano al deducir de un hecho admitido o probado el hecho presumido como continuación o consecuencia lógica del anterior” (VÁZQUEZ SOTELO, “La prueba en contrario en las presunciones judiciales” n. 8). 14 FRAUDE DE EXECUÇÃO Instituto próprio do direito brasileiro,109 a fraude de execução110 está fortemente ligada ao postulado da efetividade do processo. Sua função é preservar o resultado da atividade jurisdicional, evitando que atos de alienação patrimonial promovidos pelo demandado no decorrer do processo venham a prejudicar a satisfação do credor. Para tanto, o Código de Processo Civil determina que tais atos sejam considerados ineficazes em relação ao exequente (art. 792, § 1º).111 Por outro lado, a lei processual protege o adquirente de boa-fé, garantindo- lhe o direito de demonstrar que não sabia nem tinha como razoavelmente saber da existência de processo contra o alienante (CPC, 792, §4º).112 Como esse terceiro seria prejudicado pela ineficácia da alienação, tendo seu bem expropriado como se ainda pertencesse ao devedor, a legislação prefere resguardá-lo quando ele se provar inocente.113 Não convém, no plano específico deste trabalho, esmiuçar o instituto vertente e cada uma das hipóteses em que o legislador entende caracterizada a fraude de execução. No que concerne ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, interessa a principal delas, disposta no art. 792, IV, do Código de Processo Civil: “a alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: […] quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”. A pendência de processo114 em que o alienante figure como demandado é conditio sine qua non para caracterizar-se a fraude de execução.115 Como a litispendência apenas produz efeitos sobre a esfera jurídica do réu após sua citação (CPC, arts. 240 e 312), só se deve cogitar de fraude executiva por negócios celebrados após integração do alienante à relação jurídico- processual.116 Excepcionalmente, quando o réu informar-se da existência da demanda antes de ser citado, serão potencialmente fraudulentas as alienações realizadas a partir do momento em que soube estar sendo demandado.117 Mas descabe pensar em fraude de execução por atos de disposição anteriores à propositura de demanda em face do alienante, ainda que eles tenham sido praticados na iminência do aforamento.118 É relevante notar que um único processo pode abrigar diferentes demandas e sujeitar os demandados à fraude de execução em momentos sucessivos. Imagine-se o seguinte quadro: em fevereiro, A propõe demanda em face de B; citado no mês de abril, B contesta a demanda e reconvém; em maio, A é intimado da reconvenção. Repare-se: no mesmo processo, tanto A quanto B são demandados, porém cada um soube dessa sua condição ao seu tempo: primeiro B (abril), depois A (maio). Consequentemente, varia para eles a data a partir da qual seus atos de alienação podem ser considerados fraude de execução. Em março, A já sabia da existência do processo, pois o havia iniciado no mês anterior, mas só teve ciência de que estava sendo demandado ao tomar conhecimento da reconvenção (maio); assim, no período compreendido entre o começo do processo e a data em que A soube da demanda reconvencional, seus atos de alienação patrimonial não se sujeitam à fraude de execução. O raciocínio segue a lógica segundo a qual não é “razoável nem legítimo afirmar a ocorrência de uma fraude perpetrada por quem ainda não tenha conhecimento da litispendência instaurada”.119 A exposição feita nos parágrafos anteriores permite analisar de forma crítica o dispositivo legal que versa sobre o termo inicial da fraude de execução no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se do art. 792, §3º, do Código de Processo Civil, que contém a seguinte redação: “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. Em sua literalidade, o dispositivo sugere que o termo inicial da fraude de execução para o sócio não seja o momento de sua integração à relação jurídico-processual, e sim a citação da pessoa jurídica (ré originária) no processo. Assim, seriam potencialmente fraudulentos atos de alienação praticados pelo sócio quando contra ele nem sequer havia demanda ajuizada. Na vigência do Código de Processo Civil 1973, PEDRO BIANQUI defendeu lógica idêntica,120 mas tal posição encontrava contraponto na doutrina121 e não prevaleceu na jurisprudência.122 Atualmente, o mesmo vem sendo sustentado por MARCELO ABELHA com os seguintes argumentos: “óbvio que o devedor [sócio], atuando como representante legal da pessoa jurídica na posição de réu/executado (ou, ao inverso, atuando como pessoa física no caso de desconsideração inversa), irá promover a ‘venda de bens’ da pessoa física muito antes de ser contra ele instaurado o incidente, pois já será ele (na condição de representante da pessoa jurídica) réu ou executado na demanda capaz de levá-la à insolvência”.123 Segundo ABELHA, seria “ingenuidade absurda” submeter ao regime da fraude de execução somente as alienações promovidas pelo sócio após sua citação no incidente de desconsideração da personalidade jurídica.124 Como já constatado por autorizada doutrina,125 tal posicionamento não se sustenta. No processo originariamente movido contra a sociedade,o sócio apenas passa a ser demandado no momento em que tem contra si instaurado o incidente de desconsideração. Antes disso, somente a pessoa jurídica se encontra nessa posição. E decerto não se pode conceber que sejam considerados fraude de execução atos de disposição patrimonial praticados pelo sócio quando ele ainda não figurava como demandado no processo judicial. A pergunta retórica de HUMBERTO THEODORO JR. é expressiva: “como poderá fraudar a execução quem não é executado, nem demandado em processo algum?”.126 É verdade que o sócio, antes da instauração do incidente, pode participar do processo na qualidade de representante da pessoa jurídica originariamente demandada. Mas não cabe confundir as condições de demandado e representante do demandado, como aparentemente faz ABELHA ao dizer que “já será ele [sócio] (na condição de representante da pessoa jurídica) réu ou executado na demanda capaz de levá-la à insolvência”.127 Trata-se de posições distintas, e, como é cediço, a lei processual somente submete à fraude de execução os atos de alienação promovidos pela parte, não aqueles realizados por seu representante. Há ainda um aspecto prático a ser considerado. Até o momento da instauração do incidente de desconsideração, somente o nome da pessoa jurídica será encontrado no registro no distribuidor. Como, então, se acautelaria um terceiro para a aquisição de bens do sócio durante esse período? Conforme aponta HUMBERTO THEODORO JR., o ônus desse adquirente seria desarrazoado, pois lhe cumpriria primeiro verificar se o alienante é integrante de sociedade, depois pesquisar por demandas ajuizadas contra a pessoa jurídica da qual ele participa e por fim apurar se há fundamentos para eventual instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.128 Pelas razões apresentadas, há que concordar com o processualista mineiro: “a interpretação correta e adequada do art. 792, § 3º, do CPC- 2015 deve ser feita de modo a entender ‘citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar’ como se referindo àquele que vai ser atingido pela desconsideração”.129 Com efeito, trata-se da única leitura consentânea com os fundamentos do instituto da fraude de execução e com a proteção do terceiro adquirente de boa-fé. A posição ora sustentada não pressupõe desvirtuar o dispositivo, mas uma leitura minimamente coerente com as demais regras que disciplinam a fraude de execução. A interpretação literal de um texto normativo, cabe aqui repetir, “é apenas o ponto de partida da atividade hermenêutica”.130 Ademais, compreender à letra a disposição legal implica concluir que o marco inicial da fraude de execução variará a depender da modalidade de desconsideração. Afinal de contas, na disregard inversa, a “parte cuja personalidade se pretende desconsiderar” seria, a rigor, aquela citada no incidente. Também por essa razão, não se sustenta a interpretação estritamente literal do art. 792, § 3º, do Código de Processo Civil. 109. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 424; CAIS, Fraude de execução, pp. 111-112; LUISO, L’esecuzione ultra partes, p. 174, n. r. 248. 110. Conforme adverte Rodolfo Amadeo, a locução “fraude de execução” pode ser empregada em três diferentes sentidos: “ora para designar o próprio ato que frustraria a atividade executiva; ora para designar o remédio processual existente para combater os efeitos danosos desse ato; ora, por fim, para significar a circunstância prevista em lei que autorizará que o bem alienado a terceiro seja alcançado pela atividade jurisdicional executiva decorrente de processo em curso” (Fraude de execução, p. 13). 111. “A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente”. 112. “No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem”. 113. “Essa é uma opção política da ordem processual, que prefere sacrificar o credor e não o adquirente quando o comportamento deste houver sido razoavelmente regular” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 431). 114. Trata-se de “qualquer processo envolvendo a dívida, e que possa, diretamente ou indiretamente, futuramente ensejar a expropriação dos bens do responsável, não sendo necessário, ao contrário do que a alcunha pode sugerir, que o feito seja de natureza executiva. A fraude de execução caracteriza-se, assim, na pendência de processo de conhecimento, cautelar, monitório, arbitral, e, mesmo, criminal” (SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p. 318). 115. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. VI, p. 426; LUISO, L’esecuzione ultra partes, p. 175. 116. Nesse sentido, cf. ARAKEN DE ASSIS, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 252; DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 426; THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 355; RODRIGUES, Manual da execução, p. 107. Para fundamentado contraponto à posição dominante, cf. CAIS, Fraude de execução, pp. 130-139. 117. Cf. SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, pp. 319--320. 118. Como aponta THEODORO JR., “não existe fraude à execução na iminência do processo” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 356). 119. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 426. 120. “Veja-se a seguinte situação já exposta acima: o sócio recebe, na qualidade de representante legal, citação para uma demanda movida contra a sociedade. Ou seja, somente a sociedade foi citada, apesar de o sócio controlador já ter plenos conhecimentos da demanda. Sabedor de que a pessoa jurídica não terá patrimônio disponível suficiente para honrar a dívida e temeroso de que poderá sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, esse sócio desvia o seu patrimônio. Em uma situação como essa, em que há segurança jurídica suficiente para se afirmar que o sócio tinha conhecimento da pendência da demanda antes de seu chamamento formal na qualidade de responsável patrimonial, pode-se afirmar que o bem do sócio foi alienado em fraude executiva. Lógico que se terá de analisar, caso a caso, a posição do adquirente, para concluir se prevalecerá a sua boa-fé ou não. O importante para esse raciocínio são três características: (a) a existência de uma situação que autorize a desconsideração da personalidade jurídica (ela preexiste – supra, n. 64), que se tenha (b) o mínimo de segurança jurídica para afirmar que o sócio tinha conhecimento da demanda pendente contra a sociedade (ou vice-versa, nas raras hipóteses de desconsideração inversa) e que (c) seja analisada a posição do adquirente, para se ele praticou as diligências ordinárias em busca da situação do alienante- executado. Ora, sendo alguém sócio de uma sociedade mercantil, são facilmente obtidos os dados da empresa mediante a busca na Junta Comercial como capital social, sócios etc. e com isso o adquirente pode realizar pesquisas de demandas judiciais em nome da sociedade também” (Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 189). 121. CAIS, Fraude de execução, pp. 162-165. 122. STJ, 3ª T., REsp 1.391.830-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.11.2016. O julgamento foi realizado à luz do Código de Processo Civil de 1973. 123. Manual de execução civil, p. 111. 124. Manual de execução civil, pp. 110-111. 125. THEODORO JR, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, pp. 361-363. 126. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 362. 127. Manual de execução civil, pp. 111. 128. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 362. 129. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 363. Em sentido semelhante, cf. ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, p. 535; BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidadejurídica no Código de Processo Civil de 2015, pp. 176-179; WAMBIER- TALAMINI, Curso avançado de processo civil – execução, vol. III, p. 171. 130. FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação, p. 253. 15 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS O art. 85 do Código de Processo Civil dispõe que “a sentença condenará o vencido [rectius: a parte que deu causa ao processo]131 a pagar honorários ao advogado do vencedor”, e seu § 1º estabelece que tal condenação terá lugar “na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”. Não há, como se vê, expressa referência ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou às intervenções de terceiros de um modo geral. Assim, podem surgir dúvidas a respeito do arbitramento de verba honorária sucumbencial nas hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica é postulada incidentalmente. Acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo têm negado o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. As decisões fundam-se justamente na disposição do § 1º do art. 85 do Código de Processo Civil, que seria taxativa, para rejeitar a fixação de verba honorária em prol de advogados de sócios cuja responsabilização tenha sido incidentalmente rejeitada.132 No Superior Tribunal de Justiça, também já se decidiu pelo não arbitramento de honorários no incidente “em razão da ausência de previsão normativa”.133 O argumento de que o § 1º do art. 85 do Código de Processo Civil estabelece taxativamente as hipóteses em que são devidos honorários advocatícios padece de grave inconsistência. Caso procedesse, nem sequer a demanda inicial do autor estaria submetida ao regime da sucumbência, pois não se encontra elencada no dispositivo. Evidentemente, o rol em questão não é exaustivo: a condenação referida no caput do art. 85 “deve ocorrer em litígios de toda espécie”,134 inclusive naqueles instaurados incidentalmente ao processo. Conforme aponta LEONARDO GRECO, “o princípio da sucumbência impõe ao vencido o pagamento do advogado do vencedor em todas as ações principais ou incidentes resolvidas conclusivamente”.135 A própria lei processual denota que o art. 85, § 1º, do Código de Processo Civil não é taxativo quando alude, no parágrafo único do art. 129, ao arbitramento de verba honorária sucumbencial em denunciação da lide, hipótese que não se encontra lá elencada: “se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado”. Tal referência, vale esclarecer, não era sequer necessária para que se impusesse a responsabilidade por verbas sucumbenciais em caso de não acolhimento da denunciação da lide. Por haver na litisdenuntiatio a propositura de uma demanda, inexiste dúvida sobre a aplicabilidade das normas concernentes à fixação de verba honorária sucumbencial.136 Pelas mesmas razões, é certa a necessidade de condenação ao pagamento de verba honorária da parte que restar vencida na demanda proposta por meio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.137 Caso o sócio acionado incidentalmente seja vencedor, seu advogado deverá ser remunerado pelo profícuo trabalho desempenhado no processo. Se restar vencido, responderá pela verba honorária como litisconsorte da sociedade, nos termos do art. 87 do Código de Processo Civil.138 Para a hipótese em que o incidente de desconsideração é instaurado na fase de conhecimento do processo, convém retomar esclarecimento feito no item 9.2 deste trabalho. Nesse caso, como visto, a decisão que encerra o incidente resolve uma questão de mérito, e a solução aí alcançada poderá ou não ser suficiente para o julgamento da demanda incidentalmente proposta em face do sócio. A se decidir pela inexistência dos pressupostos para a disregard, a improcedência será consectário lógico e imediato, impondo-se a condenação do demandante ao pagamento de honorários. Todavia, ocorrendo o contrário, não estará ainda definida a sucumbência do sócio, já que o pedido contra ele deduzido poderá ser rejeitado na sentença por razões estranhas à desconsideração (inexistência da obrigação, v.g.). Consequentemente, não caberá nessa decisão interlocutória a fixação de verba honorária, cujo arbitramento deverá ocorrer apenas quando se resolver o mérito em relação ao sócio. 131. “A regra da sucumbência não comporta aplicação indiscriminada na determinação da parte responsável pelo pagamento de honorários advocatícios. Aqui, fala mais alto o princípio da causalidade, ou seja, responde pelos honorários a parte que deu causa à instauração do processo. É certo que, na maioria das vezes, causalidade e sucumbência levam a soluções coincidentes; esta é o mais eloquente sinal daquela. Todavia, quando as soluções forem destoantes, prevalece aquela atrelada ao princípio da causalidade” (NEGRÃO et al., Comentários ao Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 185, n. 6). Sobre a vigência da teoria da causalidade no ordenamento jurídico brasileiro, cf. ainda DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, pp. 760-762; LOPES, Honorários advocatícios no processo civil, pp. 44- 46. 132. Cf. TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, AI 2090550- 17.2017.8.26.0000, rel. Des. Soares Levada, j. 12.7.2017; TJSP, 17ª Câmara de Direito Privado, AI 2028960-39.2017.8.26.0000, rel. Des. Paulo Pastore Filho, j. 20.7.2017; TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, AI 2200879-96.2017.8.26.0000, rel. Des. Hugo Crepaldi, 7.12.2017. O entendimento, todavia, não é pacífico na corte paulista. Em sentido contrário, e ressaltando que “a fixação de honorários em razão do acolhimento de defesa no incidente de desconsideração da personalidade jurídica é matéria controvertida”, cf. TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, AI 2178071-97.2017.8.26.0000, rel. Des. Jacob Valente, j. 10.11.2017. 133. STJ, 4ª T., AgInt no REsp 1.834.210-SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 12.11.2019. 134. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 770. 135. Instituições de processo civil, vol. I, p. 430. 136. Entre outros, cf. LOPES, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 232. 137. Cf. YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 237; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, pp. 333-335; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, pp. 182-184; BENEDUZI, Comentários ao Código de Processo Civil, pp. 261-262; RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 108. 138. Cf. LOPES, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 230. 16 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA Parcela da doutrina tem afirmado sem hesitação que a decisão que resolve o incidente, deferindo ou indeferindo a disregard, faz coisa julgada material.139-140 Parte-se da correta premissa de que há no pedido de instauração do incidente a propositura de uma demanda, e daí já se conclui ser de mérito a decisão que se pronuncia sobre a desconsideração. Sendo de meritis, ela estaria apta a adquirir a imutabilidade própria à coisa julgada material e, por consequência, a ser objeto de ação rescisória (CPC, art. 966). A matéria deve ser examinada com maior cautela. Conforme exposto nos itens 9.1 e 9.2 deste trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica não constitui o petitum do demandante, mas um fundamento para a condenação do sócio ao adimplemento de obrigação contraída a princípio pela sociedade (verdadeiro meritum causæ). Ao resolver o incidente, pronunciando-se sobre a desconsideração, o julgador não necessariamente decidirá o mérito, pois seu juízo a respeito da disregard poderá ou não ser suficiente para julgar o pedido do demandante. Para relembrar o raciocínio, vale novamente recorrer ao exemplo do incidente instaurado na fase de conhecimento do processo.Estando ajuizada demanda condenatória em face da sociedade, o autor poderá requerer a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o que provocará a suspensão do processo até sua resolução (CPC, art. 134, § 3º). Sendo reconhecidos os pressupostos para a disregard, o incidente será encerrado por decisão interlocutória, mas aí só se resolverá uma questão de mérito,141 já que o processo retomará seu curso e a pretensão do autor contra o sócio será apreciada na sentença, podendo inclusive ser rejeitada por razões estranhas à desconsideração (prescrição, inexistência da obrigação etc.). É evidente que, na hipótese de se rejeitar a desconsideração, a decisão que puser fim ao incidente já julgará o mérito, pois a negativa da disregard bastará para que se rejeite a pretensão condenatória contra o sócio. O que se quer observar, no entanto, é que a decisão resolutória do incidente não necessariamente será de mérito: como no exemplo do parágrafo anterior, ela poderá apenas dirimir uma questão de mérito, sem ainda julgar o meritum causæ em relação ao sócio.142 Tal constatação tem grande relevância. Caso não contenha julgamento do mérito, mas somente resolução de questão de mérito, a decisão que encerrar o incidente de desconsideração não estará apta a fazer coisa julgada material. Consequentemente, não será passível de desconstituição por ação rescisória.143 Para melhor se compreender essa implicação, torne-se mais uma vez ao exemplo do incidente instaurado na fase de conhecimento do processo. Imagine-se que o juiz de primeira instância defira a disregard e não haja interposição de recurso pelo sócio. Imagine-se ainda que, com o prosseguimento do processo, a pretensão condenatória do autor seja acolhida em acórdão proferido em segunda instância. Encerrado o processo, caso o sócio condenado pretenda ajuizar ação rescisória por manifesta violação de norma jurídica na decretação da disregard, que decisão deverá apontar como rescindenda? A interlocutória que resolveu o incidente de desconsideração ou o acórdão condenatório proferido em segunda instância? A resposta encontra-se na segunda alternativa, pois, no exemplo dado, é a decisão colegiada que contém julgamento de mérito contrário aos interesses do sócio e imunizado pela coisa julgada material.144 A rigor, será inadmissível demanda que visar à rescisão da decisão interlocutória que reconheceu o preenchimento dos pressupostos para a desconsideração, seja porque não é de mérito (e, portanto, não faz coisa julgada material), seja porque não se acha nela o preceito judicial imperativo contrário aos interesses do sócio (vale dizer, a sua condenação). Não se está a propor, no entanto, que seja inadmitida por ausência de interesse processual ação rescisória que, não obstante corretamente fundamentada, contenha erro no apontamento da decisão rescindenda. Quem o fizer talvez se alinhe a certa corrente de processualistas que prefere assistir a um sujeito morrer de fome a vê-lo comer peixe com talheres de carne.145 O próprio legislador, sensível às graves consequências que a indicação equivocada da decisão rescindenda pode acarretar,146 estabeleceu medidas para evitar que um deslize no petitum da ação rescisória acabe por levar o processo a desfecho irrazoável (CPC, art. 968, § 5º).147 Portanto, caso a leitura da petição inicial à luz do “conjunto da postulação” (CPC, art. 322, § 2º) revele a pretensão do autor de desconstituir a decisão de mérito que de fato lhe impõe prejuízo, assim deverá ser compreendida a demanda,148 eventualmente com remessa dos autos a outro órgão jurisdicional por motivo de competência e sempre com oferecimento de oportunidade para que o réu se defenda da ação rescisória tal qual interpretada. 139. Cf. TALAMINI-WAMBIER, Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p. 377; SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 584; DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 528; RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 108; VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 187. 140. Conquanto criticável, a expressão fazer coisa julgada é corrente na doutrina e está registrada no texto legal (CPC, art. 506). Em suma, diz-se que faz coisa julgada o pronunciamento judicial que, transitado em julgado, se torna intangível em seu conteúdo decisório (e, circunstancialmente, em parcela de sua motivação – CPC, art. 503, § 1º). A respeito da coisa julgada material, cf. BARBOSA MOREIRA, “Ainda e sempre e coisa julgada”; DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, cap. LXXX; TALAMINI, Coisa julgada e sua revisão, cap. II. 141. Sobre a distinção entre mérito e questões de mérito, cf. item 7 (supra). 142. A propósito, lembre-se que, “ao contrário do que se verifica na fase de conhecimento, a decisão que encerra o incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado no cumprimento de sentença deverá necessariamente oferecer resposta ao pedido deduzido em face do sócio, já que não haverá ocasião própria para sua ulterior apreciação – caso da sentença na fase cognitiva” (supra, item 9.2). 143. A situação é análoga àquela em que, por decisão interlocutória, o juiz rejeita alegação de prescrição ou decadência sem ainda julgar o pedido, analisada por Yarshell: “tratando-se de rejeição da alegação de prescrição ou decadência isso significa a rejeição de uma das matérias defensivas – uma delas, porque, se o processo não foi extinto, presume-se que existam outras, alegadas pelo demandado. Não há propriamente – nem por aproximação, nem por analogia – julgamento do pedido, que, inclusive poderá ser rejeitado por outras razões (a ensejar a falta de interesse para se impugnar a sentença, quer mediante recurso, quer mediante ação rescisória). Não há, portanto, como caracterizar a decisão interlocutória que rejeita a alegação de prescrição como sendo de mérito, para fins de ação rescisória. Pensar diversamente é aceitar que qualquer outra questão de mérito que fosse apreciada no curso do processo ensejaria ação rescisória – o que não parece procedente” (Ação rescisória – juízos rescindente e rescisório, pp. 200-201). Em sentido diverso: DINAMARCO, Nova era do processo civil, pp. 284-293. 144. Aqui são inteiramente aplicáveis as considerações de Yarshell a propósito da situação análoga já referida, em que o juiz rejeita a prescrição ou a decadência por decisão interlocutória e condena o réu em posterior sentença: “se a questão acerca de eventual prescrição ou decadência foi resolvida no curso do processo (portanto, mediante decisão interlocutória), e se essa decisão porventura padecer de quaisquer dos vícios arrolados no art. 485 do CPC, somente caberá ação rescisória que tenha por objeto a sentença que venha, depois, a decretar a procedência da demanda (reconhecendo o direito que se disse estar extinto pela prescrição ou decadência). Como já dito, antes disso não há sequer interesse para o aforamento da rescisória, na exata medida em que a demanda poderá, por outras razões, ser improcedente, tornando desnecessária a rescisão da sentença. Nem se diga que, nesse caso, estar-se-ia rescindindo uma sentença que não apreciou o objeto da rescisão, isto é, que o objeto do pedido de rescisão não encontraria correspondente na decisão cuja rescisão se pede. Mais uma vez é preciso distinguir entre ‘questões de mérito’ e ‘mérito’. A sentença que, mesmo sem ferir o tema da prescrição ou decadência – porque a matéria já fora antes decidida via interlocutória, inclusive sobre a qual já se operara a preclusão –, acolhe o pedido (na parte dispositiva), julga o mérito. Eis aí, então, o julgamento do mérito, contra o qual investirá a eventual ação rescisória. É natural que o acolhimento do pedido seja incompatível com o acolhimento da alegação de prescrição e decadência. Apenas a questão não é reapreciada na fundamentação da sentença – e nem poderia ser, no caso de prescrição patrimonial –, porque jáhouve decisão a respeito e já se operou a preclusão, aqui entendida como fenômeno restrito ao processo. Mas é rigorosamente certo que o decreto de procedência da demanda (ao qual será futuramente dirigida a rescisória) está apoiado na precedente rejeição da alegação de prescrição ou decadência” (Ação rescisória – juízos rescindente e rescisório, pp. 201-202). 145. A espirituosa expressão foi referida por Barbosa Moreira ao assumir cadeira da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Seu discurso de posse encontra-se na Revista de Processo n. 67/1992. 146. A propósito, cf. BARBOSA MOREIRA, “Ação rescisória: o objeto do pedido de rescisão”, p. 137. 147. Como expõe Yarshell, “o CPC de 2015 superou divergência doutrinária acerca da hipótese em que o autor ajuíza a rescisória perante tribunal que não julgou o mérito, isto é, não conheceu do recurso (§ 5º). Descartou-se a solução de carência de ação, por ausência de pedido quanto ao verdadeiro objeto da desconstituição. Como já havíamos sustentado, se o objeto da rescisão não está exatamente onde supõe o autor, terá ele, contudo, explicitado o que pretende ver cassado (desde que tenha feito tal explicitação), o que é suficiente para configurar o interesse processual” (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 188). 148. Nesse sentido, cf. YARSHELL, Ação rescisória – juízos rescindente e rescisório, pp. 280-281. CONCLUSÃO As conclusões foram todas apresentadas ao longo do trabalho, no qual se examinaram importantes aspectos da desconsideração da personalidade jurídica e do incidente disciplinado no Código de Processo Civil. Aproveita-se este item final para sintetizar as principais ideias defendidas. 1. Para o estudo da desconsideração, é prescindível dissecar a natureza ou a “essência” da personalidade jurídica. 2. A personalidade jurídica constitui técnica para a formação de patrimônio autônomo. 3. Ordinariamente, o patrimônio da pessoa jurídica responde somente por suas obrigações, e não por aquelas contraídas por seus integrantes. 4. Em tipos societários de responsabilidade ilimitada, sócios respondem ordinária e subsidiariamente pelas obrigações sociais. 5. Para incentivar o empreendedorismo, o ordenamento jurídico disponibiliza tipos societários de responsabilidade limitada, nos quais os sócios ordinariamente não respondem por obrigações sociais. 6. Mesmo nos tipos societários de responsabilidade limitada, pode a lei dispor que os sócios respondam ordinária e subsidiariamente por dívidas sociais de certa natureza, como sucede no Brasil com as obrigações de cunho ambiental ou consumerista. 7. O instituto da desconsideração desenvolveu-se na jurisprudência em reação ao uso da autonomia patrimonial de pessoas jurídicas para defraudar credores. 8. A desconsideração é medida extraordinária, cabível somente em caso de abuso de pessoas jurídicas. 9. A desconsideração só produz efeitos sobre determinado caso concreto. 10. O abuso da pessoa jurídica verifica-se objetivamente, não dependendo de má-fé para consumar-se. 11. Nos termos do art. 50 do Código Civil, há abuso da personalidade jurídica nas hipóteses de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. 12. O desvio de finalidade corresponde ao uso de pessoa jurídica em desacordo com sua função socioeconômica, não se confundindo com a prática de atos estranhos ao objeto social. 13. A desconsideração não abrange todas as formas de responsabilização dos sócios por obrigações sociais. 14. Não há desconsideração da personalidade jurídica, e sim responsabilidade ordinária e subsidiária, quando a responsabilidade dos sócios por dívidas sociais depender apenas da insolvência da sociedade, como sucede com as obrigações de cunho ambiental ou consumerista. 15. A expressão “desconsideração da personalidade jurídica” é metafórica, não devendo ser interpretada literalmente. 16. O chamado ato de desconsideração não afeta de modo algum a personalidade jurídica de qualquer dos envolvidos, operando, na verdade, sobre determinada relação obrigacional. 17. A expressão “desconsideração da personalidade jurídica” designa a constituição de novo responsável para determinada obrigação em razão de abuso da personalidade jurídica. 18. A desconsideração da personalidade jurídica implica responsabilidade patrimonial primária. 19. O sujeito atingido pela desconsideração responde como codevedor, e a fonte de sua obrigação encontra-se no ato ilícito de abuso da personalidade jurídica. 20. O objeto do processo corresponde ao meritum causæ, isto é, ao pedido apresentado pelo demandante. 21. A atividade cognitiva do juiz é voltada ao julgamento do mérito. 22. Chamam-se questões de mérito aquelas de cuja solução depende logicamente o julgamento do mérito. 23. O objeto do processo, delimitado originalmente pelo petitum do autor, só se amplia com a propositura de demandas incidentais. 24. A intervenção de terceiro amplia o objeto do processo quando pressupõe propositura de demanda incidental. 25. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é modalidade de intervenção coata de terceiro. 26. A necessidade de citação do terceiro no incidente de desconsideração não impede a concessão de tutela provisória inaudita altera parte. 27. O incidente não se aplica somente às formas tradicional e inversa de desconsideração, mas a todas as suas variações. 28. Por analogia, cabe o incidente para apurar toda e qualquer forma de responsabilidade dos sócios por obrigações sociais. 29. No incidente de desconsideração ajuíza-se demanda incidental, ampliando-se o objeto do processo. 30. Quando postulada a desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial, forma-se litisconsórcio passivo decorrente da cumulação originária de demandas em face da sociedade e do sócio. 31. Quando postulada incidentalmente a desconsideração da personalidade jurídica, forma-se litisconsórcio passivo decorrente da cumulação ulterior de demandas em face da sociedade e do sócio. 32. Seja em demanda inicial, seja em demanda incidental, a desconsideração não integra o petitum, e sim a causa petendi apresentada em relação ao sócio. 33. A desconsideração da personalidade jurídica não constitui o mérito e, portanto, não integra o objeto do processo. 34. A desconsideração da personalidade jurídica é questão de mérito a ser decidida pelo juiz na fundamentação da sentença. 35. A defesa do sócio demandado inicial ou incidentalmente é ampla, não se limitando a questionar a desconsideração da personalidade jurídica. 36. Quando o incidente de desconsideração é instaurado em fase de cumprimento de sentença, a coisa julgada formada contra a sociedade não prejudica o sócio nem limita sua defesa. 37. A desconsideração da personalidade jurídica não implica responsabilidade subsidiária, mas principal. 38. O interesse processual na desconsideração independe da situação econômica da pessoa jurídica devedora. 39. Em hipótese alguma o juiz pode instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ex officio. 40. Na condição de custos legis, o Ministério Público não pode requerer a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 41. O assistente não tem legitimidade para requerer a instauração do incidente de desconsideração, mas pode trazer aos autos elementos para que o assistido o faça. 42. Quem invoca a desconsideração da personalidade jurídica tem o ônus de provar os fatos que lhe dão causa. 43. Para instauração do incidente de desconsideração, é prescindível a apresentação de prova ou indício de abuso da personalidade jurídica, o que só será necessário na hipótese de haver controvérsia sobre as alegações fáticas que fundamentam o pedido. 44. Pode-se provar indiretamente, por meio de indícios, fatos que ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. 45. Para o sujeito demandado incidentalmente, o marco inicial da fraude de execução é a sua própria citação. 46. No julgamento da demanda proposta por meio do incidente de desconsideração, impõe-se a condenação do vencido aopagamento de honorários advocatícios sucumbenciais. 47. Por não conter julgamento de mérito, não é passível de rescisão a decisão interlocutória que defere a desconsideração sem ainda condenar o sócio. BIBLIOGRAFIA ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. ABREU, Iolanda Lopes. Responsabilidade patrimonial dos sócios nas sociedades comerciais de pessoas. 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A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS HIPÓTESES 4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50) 4.1.1. Desvio de finalidade 4.1.2. Confusão patrimonial 4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades 4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de desconsideração 5. O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 6. O SUJEITO ATINGIDO POR DESCONSIDERAÇÃO: RESPONSÁVEL PATRIMONIAL PRIMÁRIO 7. OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E QUESTÕES DE MÉRITO – NOÇÕES ELEMENTARES SEGUNDA PARTE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 8. UMA APRESENTAÇÃO 8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo Civil 8.2. O incidente de desconsideração e outras causas de responsabilidade dos sócios 9. O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO COMO DEMANDA 9.1. Ponto de partida: desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial 9.2. Segue: desconsideração da personalidade jurídica no incidente 10. DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO DO INCIDENTE 11. INTERESSE PROCESSUAL NA DESCONSIDERAÇÃO – A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO SUPOSTA CONDIÇÃO PARA A DISREGARD 12. LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE 12.1. Instauração por iniciativa do juiz? 12.2. Instauração por iniciativa do Ministério Público? 12.3. Instauração por iniciativa do assistente? 13. PROVA 13.1. Necessidade e ônus da prova 13.2. Dificuldades probatórias 14. FRAUDE DE EXECUÇÃO 15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS 16. COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA