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Diretora de Conteúdo e Operações Editoriais
JULIANA MAYUMI ONO
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MILISA CRISTINE ROMERA
Editorial: Aline Marchesi da Silva, Diego Garcia Mendonça,
Karolina de Albuquerque Araújo e Quenia Becker
Gerente de Conteúdo Tax: Vanessa Miranda de M. Pereira
Direitos Autorais: Viviane M. C. Carmezim
Assistente de Conteúdo Editorial: Juliana Menezes Drumond
Analista de Projetos: Camilla Dantara Ventura
Estagiários: Alan H. S. Moreira, Ana Amalia Strojnowski, Bárbara
Baraldi e Bruna Mestriner
Produção Editorial
Coordenação
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Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos e
Maria Angélica Leite
Analista de Projetos: Larissa Gonçalves de Moura
Analistas de Operações Editoriais: Alana Fagundes Valério,
Caroline Vieira, Damares Regina Felício, Danielle Castro de
Morais, Mariana Plastino Andrade, Mayara Macioni Pinto e Patrícia
Melhado Navarra
Analistas de Qualidade Editorial: Ana Paula Cavalcanti, Fernanda
Lessa, Thaís Pereira e Victória Menezes Pereira
Designer Editorial: Lucas Kfouri
Estagiárias: Maria Carolina Ferreira, Sofia Mattos e Tainá Luz
Carvalho
Capa: BE/ON Comunicação
Adaptação da Capa: Linotec
Equipe de Conteúdo Digital
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MARCELLO ANTONIO MASTROROSA PEDRO
Analistas: Gabriel George Martins, Jonatan Souza, Maria Cristina
Lopes Araujo e Rodrigo Araujo
Gerente de Operações e Produção Gráfica
MAURICIO ALVES MONTE
Analistas de Produção Gráfica: Aline Ferrarezi Regis e Jéssica
Maria Ferreira Bueno
Estagiária de Produção Gráfica: Ana Paula Evangelista
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ganacin, João Cánovas Bottazzo
Desconsideração da personalidade jurídica no processo
civil / João Cánovas Bottazzo Ganacin ; Arruda Alvim,
coordenador científico. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil,
2020. -- (Coleção Liebman / Teresa Arruda Alvim e Eduardo
Talamini, coordenadores)
6 Mb ; ePub
Bibliografia.
ISBN 978-65-5065-415-3
1. Desconsideração da personalidade jurídica - Brasil 2.
Processo civil - Brasil 3. Processo civil - Leis e legislação - Brasil
I. Arruda Alvim. II. Arruda Alvim, Teresa. III. Talamini, Eduardo.
IV. Título. V. Série.
20-35359                  CDU-347.9(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Processo civil 347.9(81)
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE
JURÍDICA NO PROCESSO CIVIL
JOÃO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN
COLEÇÃO LIEBMAN
TERESA ARRUDA ALVIM E EDUARDO TALAMINI
Coordenadores
ARRUDA ALVIM
Coordenador científico
Diagramação eletrônica: Linotec Fotocomposição e Fotolito Ltda.,
CNPJ 60.442.175/0001-80
© desta edição [2020]
THOMSON REUTERS BRASIL CONTEÚDO E TECNOLOGIA LTDA.
Juliana Mayumi Ono
Diretora Responsável
Av. Dr. Cardoso de Melo, 1855 – 13º andar - Vila Olímpia
CEP 04548-005, São Paulo, SP, Brasil
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução
total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por
sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos,
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autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código
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apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610,
de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
O autor goza da mais ampla liberdade de opinião e de crítica,
cabendo-lhe a responsabilidade das ideias e dos conceitos
emitidos em seu trabalho.
CENTRAL DE RELACIONAMENTO THOMSON REUTERS SELO REVISTA DOS
TRIBUNAIS
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Fechamento desta edição [17.03.2020]
ISBN 978-65-5065-415-3
http://www.thomsonreuters.com.br
http://www.livrariart.com.br
Aos meus pais, com gratidão.
PREFÁCIO
Há cerca de quatro décadas venho me interessando pelo tema
da desconsideração da personalidade jurídica, introduzido na
doutrina brasileira por obra dos comercialistas paranaenses
RUBENS REQUIÃO e JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA na década
dos anos setenta.1 Até então vigia soberana e absoluta a regra da
rigorosa distinção entre a personalidade jurídica da sociedade e a
de seus sócios, expressa no art. 20 do Código Civil de 1916 ao
estabelecer que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da
dos seus membros” − disposição da qual se inferia pacificamente
que também eram rigorosamente separados e independentes os
direitos, as obrigações, os patrimônios e as responsabilidades de
uma e de outro. Foi então que REQUIÃO apresentou aos brasileiros
a disregard doctrine, exposta inicialmente pelo alemão ROLF
SERICK e desenvolvida de início em plagas norte-americanas, ao
informar que “a doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-
americanos visa a impedir a fraude ou algum abuso através do
uso da personalidade jurídica”. Foi então que, aderindo a essa
doutrina, produzi um ensaio a respeito, denominado
“Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da
prova e contraditório”, depois incluído em uma coletânea de
minha autoria.2 Rebelava-me eu, no entanto, contra uma
arbitrária jurisprudência que levava longe demais a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao
redirecionar as execuções fiscais, passando desse modo a invadir
o patrimônio dos sócios quando o da sociedade executada não
fosse bastante para satisfazer o direito da entidade exequente.
Sugeria eu então que antes de proceder a esse redirecionamento
e à penhora de bens do sócio, fosse concedida a este uma
oportunidade para se defender, mediante a implantação de um
incidente inicial do processo de execução. E dizia: “não basta a
citação, porque sem um mínimo de oportunidade de defesa antes
da captação de bens do sujeito essa citação não valeria mais que
um convite a assistir ao próprio velório”.
Mais tarde veio o Código Civil de 2002 a consagrar
legislativamente a teoria da desconsideração da personalidade,
ao dispor em seu art. 50 que em caso de abuso da personalidade
jurídica “os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Mas prosseguia a
arbitrariedade de proceder a essa extensão, agredindo o
patrimônio do sócio por obrigações da sociedade sem se lhe
conceder uma prévia oportunidade de defesa. Esse mal foi
vigorosamente combatido quando o Código de Processo Civil de
2015 instituiu o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica (arts. 133 ss.), impondo que “para a desconsideração da
personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente
previsto neste Código” (art. 795, § 4º). Essa sucessão de
dispositivos legais fechou o ciclo da consagração da
desconsideração em si mesma e de sua compatibilização com a
ordem constitucional e especificamente com a garantias do
contraditório e do due process of law − embora ainda haja quem,
contrariamente ao que dispõe o Código de Processo Civil,
continue a sustentar aquela inconstitucional imposição de
constrições executivas sobre o patrimônio do sócio para só
depois lhe possibilitar uma defesa.
Foi nesse clima que JOÃO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN se
animou a produzir esta obra aqui prefaciada, que antes fora uma
dissertação apresentada em nível de mestrado no curso de pós-
graduação do Largo de São Francisco e ali muito bem-sucedida,
com a aprovação e louvores de todos os integrantes da Comissão
Examinadora, figurando eu como seu orientador. Daí o meu
orgulho ao ser convidado a apresentar o presente prefácio, no
qual externo minhagrande admiração pelo Autor e aderência
total às ideias ali desenvolvidas.
Já a partir de seu título (Desconsideração da personalidade
jurídica no processo civil) percebe-se o intuito de desenvolver o
tema sobre duas vertentes autônomas mas intimamente ligadas, a
saber, (a) a vertente da desconsideração em si mesma, de forte
inserção no sistema do direito substancial, e (b) a do trato
processual desse instituto, com remissão às sadias técnicas
processuais da atualidade e atenção àquelas garantias oferecidas
pela Constituição Federal. Com essa estrutura, o livro de JOÃO
apresenta-se como uma obra interdisciplinar, portadora de um
elevado grau de consistência e realismo na medida em que
define de um lado o conceito, a finalidade, os requisitos e os
limites da desconsideração da personalidade jurídica e, de outro,
os modos legítimos para se chegar a esse resultado.
Em sua primeira parte o livro principia por discorrer sobre a
personalidade jurídica, seu conceito, sua natureza e sua função
na dinâmica dos direitos e obrigações, para em seguida lançar-se
sobre o tema dos abusos a que pode dar ensejo (fraudes, desvio
de finalidade). E só então, sobre esse lastro muito sólido, passa a
examinar a própria desconsideração, expondo o seu conceito,
requisitos para sua efetivação e limites para sua imposição.
Na segunda parte do livro, de conteúdo processual, JOÃO trata
do incidente processual instituído pelo Código de Processo Civil
de 2015 para a imposição da desconsideração da personalidade
jurídica. Os conceitos, as análises e as propostas ali lançados
estão solidamente assentados sobre as garantias constitucionais
do processo e desenvolvidos sobre o pano de fundo dos
institutos e técnicas do direito processual civil. É ali que critica
enfaticamente a orientação dos que sustentam a dispensa do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica antes da
realização de atos de constrição sobre o patrimônio do sócio,
contentando-se com a oferta de meios de defesa após consumada
essa construção. Como já ressaltei, essa foi uma orientação
seguida pelo Superior Tribunal de Justiça antes da edição do
Código de Processo Civil de 2015, contra a qual eu também me
insurgi, e que a meu ver constitui um escárnio às garantias
constitucionais do devido processo legal e do contraditório.
Depois, no desenvolvimento dos temas de técnica processual,
examina o incidente em si mesmo, requisitos e momentos de sua
implementação, legitimidade para suscitá-lo, prova e ônus da
prova etc. Culmina com o exame da imposição ou não
imposição da autoridade da coisa julgada material sobre a
decisão proferida no incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e consequente admissibilidade ou
inadmissibilidade da ação rescisória contra essa decisão. Nesse
ponto, acentuando que “a desconsideração da personalidade
jurídica não constitui o petitum do demandante, mas um
fundamento para a condenação do sócio ao adimplemento de
obrigação contraída a princípio pela sociedade (verdadeiro
meritum causae)”, propõe a aceitação com ressalvas dessa coisa
julgada e dessa ação rescisória.
Com toda essa solidez, posso antever que a obra de JOÃO será
de muito agrado do público leitor e de utilidade para todos nós,
praticantes do direito. A oferta de soluções coerentes não só para
as questões conceituais ali examinadas, mas também para os
problemas práticos que surgem em nosso dia a dia, é o núcleo de
um trabalho predestinado a integrar as bibliotecas de todos
estudiosos do direito e de todos os profissionais seriamente
interessados em aprimorar seus trabalhos.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
Professor titular de direito processual civil da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
1. Cfr. respectivamente “Abuso de direito e fraude através da
personalidade jurídica”, in Revista dos Tribunais n. 410/1969; A dupla
crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
2. Cfr. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros,
2010, t. I.
NOTA DO AUTOR
Esta é a versão comercial da dissertação que apresentei à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de mestre. No trabalho, exponho minha visão
a respeito da desconsideração da personalidade jurídica e sobre
como a aplicação desse instituto está disciplinada no Código de
Processo Civil.
As ideias defendidas ao longo do texto são diversas, mas
giram todas em torno de quatro premissas fundamentais: (I) o
conceito de desconsideração da personalidade jurídica; (II) a
distinção entre a responsabilidade extraordinária e primária
decorrente da desconsideração e a responsabilidade ordinária e
secundária dos sócios; (III) a concepção de que há, no pedido de
instauração do incidente de desconsideração, o ajuizamento de
demanda; e (IV) a compreensão da desconsideração da
personalidade jurídica como meio, e não fim. Em tudo que
pensei e escrevi, tentei ser coerente especialmente com essas
premissas.
Além de buscar coerência, procurei demonstrar a relevância
prática de cada ponto abordado. Desejo, acima de tudo, que este
trabalho seja útil. Quem se dedica ao estudo do direito
processual, acredito, não deve se deter em meditações puramente
acadêmicas – menos ainda quando trata de expedientes contra
fraudes.
Em que medida consegui atingir esses meus dois objetivos
principais, não tenho como avaliar. De todo modo, espero que o
texto suscite reflexões, como provocaram em mim os livros e
artigos já publicados sobre o tema.
Agradeço: a Júlia Prado Mascarenhas, que acompanhou e
incentivou como ninguém a produção deste trabalho, o
companheirismo e o carinho; aos amigos Antonio Bender
Mammi, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes e Oswaldo
Daguano Jr., a gentileza de revisar o texto; aos Professores
Flávio Luiz Yarshell, Claudio Luiz Bueno de Godoy, Antonio
Carlos Marcato, Ricardo de Carvalho Aprigliano e André Pagani
de Souza, as construtivas críticas.
Ao Prof. Cândido Rangel Dinamarco, responsável pela
existência deste trabalho, nem sei bem o que agradecer numa
breve nota. A amizade, as lições, as conversas, as
oportunidades… Embora me falte espaço para escrever, jamais
me faltará memória para lembrar. Obrigado, Mestre.
SUMÁRIO
ANTERROSTO
PÁGINA DE DIREITOS AUTORAIS
FOLHA DE ROSTO
DEDICATÓRIA
PREFÁCIO
NOTA DO AUTOR
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE 
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
E PROCESSO
1. PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1. Considerações preliminares
1.2. Função
1.3. Autonomia patrimonial
2. A CHAMADA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante
transposição de risco
2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade
3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
Origem e desenvolvimento
4. A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS HIPÓTESES
4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50)
4.1.1. Desvio de finalidade
4.1.2. Confusão patrimonial
4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades
4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de
desconsideração
5. O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
6. O SUJEITO ATINGIDO POR DESCONSIDERAÇÃO:
RESPONSÁVEL PATRIMONIAL PRIMÁRIO
7. OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E QUESTÕES DE
MÉRITO – NOÇÕES ELEMENTARES
SEGUNDA PARTE 
INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
8. UMA APRESENTAÇÃO
8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo Civil
8.2. O incidente de desconsideração e outras causas de
responsabilidade dos sócios
9. O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO COMO
DEMANDA
9.1. Ponto de partida: desconsideração da personalidade
jurídica na petição inicial
9.2. Segue: desconsideração da personalidade jurídica no
incidente
10. DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO DO
INCIDENTE
11. INTERESSE PROCESSUAL NA DESCONSIDERAÇÃO
– A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO
SUPOSTA CONDIÇÃO PARA A DISREGARD
12. LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE
12.1. Instauração por iniciativa do juiz?
12.2. Instauração por iniciativa do Ministério Público?
12.3. Instauração por iniciativa do assistente?
13. PROVA
13.1.Necessidade e ônus da prova
13.2. Dificuldades probatórias
14. FRAUDE DE EXECUÇÃO
15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS
16. COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Uma das mais festejadas novidades introduzidas pelo Código
de Processo Civil de 2015 em nosso ordenamento jurídico
encontra-se no título dedicado às intervenções de terceiros.
Trata-se do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, disciplinado nos artigos 133 e seguintes do estatuto
processual.
CÂNDIDO DINAMARCO referiu-se à inovação como um “valioso
culto à garantia do contraditório”, cujo principal mérito seria
afastar a insegurança que pairava sobre a forma processual de se
proceder à desconsideração da personalidade jurídica.1 Na
mesma linha, ARRUDA ALVIM observou que o modo de aplicação
do instituto vinha sendo “objeto de preocupação” e elogiou a
iniciativa de se estabelecer um incidente específico para a
utilização da disregard doctrine.2 A novidade também foi
louvada por DANIEL NEVES,3 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA,4 entre
outros que a comentaram.5-6
A generalizada reação positiva diante da criação de um
regramento processual próprio para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica é compreensível. A
despeito da importância do instituto e de sua frequente aplicação
nos tribunais brasileiros, existia séria divergência sobre como
empregá-lo na vigência do Código de 1973.7 Na doutrina,
formaram-se basicamente três correntes: de um lado, havia quem
defendesse a desconsideração como medida passível de ser
obtida somente por meio de processo próprio, com inclusão do
sujeito visado na posição de réu;8 de outro, quem considerasse
válida sua aplicação no curso de execução movida em face da
pessoa jurídica, independentemente de prévia citação do
indivíduo cujos bens se quisesse alcançar;9 e havia ainda posição
intermediária, que dispensava a instauração de novo processo
mas não a garantia de prévio contraditório àquele que pudesse
ter seu patrimônio atingido por aplicação da disregard
doctrine.10 No Superior Tribunal de Justiça, prevalecia o
entendimento de que a desconsideração da personalidade
jurídica poderia ocorrer incidentalmente e sem prévia
oportunidade de defesa a quem pudesse suportar seus efeitos,11
mas acórdãos da própria corte apontavam a ilegitimidade desse
modo de proceder,12 dada a sua incompatibilidade com as
garantias constitucionais do contraditório e do devido processo
legal.13
Diante da dissensão, surgiram reclamações por uma
regulamentação processual específica para o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica. PEDRO BIANQUI, v.g.,
propunha a criação de um incidente que garantisse prévio
contraditório e permitisse constatar, mediante instrução, a
existência ou não de fatos para a desconsideração. Assim, com
um procedimento incidental preestabelecido e legalmente
formatado, haveria maior segurança tanto nas relações jurídicas
quanto nas decisões judiciais relativas ao tema.14
Manifestações dessa ordem alcançaram o Poder Legislativo,
resultando em projetos de lei que pretenderam fixar uma
disciplina processual para a desconsideração da personalidade
jurídica. Contudo, nenhum chegou a se concretizar.
O primeiro deles, apresentado pelo deputado federal RICARDO
FIUZA,15 veio logo após o Código Civil de 2002 entrar em vigor e
buscava instituir um incidente no qual a decisão sobre a
desconsideração da personalidade jurídica fosse precedida de
oportunidade de defesa a quem pudesse ter seu patrimônio
atingido pela aplicação da disregard doctrine. Acabou
arquivado. Posteriormente, em 2008, o parlamentar BRUNO
ARAÚJO apresentou projeto essencialmente similar e que
tampouco prosperou.16
Esse histórico de debates, sugestões e propostas legislativas
sinaliza o antigo anseio da comunidade jurídica por um
regramento que definisse a forma de se manejar processualmente
a desconsideração da personalidade jurídica. Surgiu, então,
ocasião mais que propícia para o suprimento dessa lacuna: a
elaboração de um novo Código de Processo Civil.
Pode-se dizer que o objetivo deste estudo é examinar como
essa especial oportunidade foi aproveitada pelo legislador. O
trabalho ora introduzido consiste numa análise do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, isto é, do meio que o
Código de Processo Civil de 2015 estabelece para a integração
de sujeitos a processos já pendentes com fundamento na
disregard doctrine. Seu objetivo é abordar criticamente os
principais aspectos dessa nova modalidade de intervenção de
terceiros e enfrentar relevantes dúvidas que o contato com o
incidente suscita. Que pretensão é deduzida por meio dele? Qual
seu impacto sobre o objeto do processo? Em que medida pode se
defender o sujeito que intervém por meio do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica? Essas e outras
questões de fundamental importância prática serão objeto da
segunda parte do estudo.
A primeira metade do trabalho abriga os pilares da análise
que se pretende fazer. Nela são estabelecidos conceitos
indispensáveis ao estudo do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e abordados institutos com os quais essa
nova modalidade de intervenção de terceiros se relaciona.
Ademais, a própria definição do que se deve entender por
“desconsideração da personalidade jurídica” – expressão
metafórica e enganosa – é apresentada na parte inicial do livro.
Não é difícil perceber a importância do tema. A invocação da
disregard doctrine foi frequente na vigência do Código de 1973,
e os poucos anos em vigor do estatuto de 2015 indicam que a
utilização do incidente de desconsideração como meio de
intervenção de terceiros será constante, o que torna
imprescindível o seu estudo.
A fim de escapar ao tratamento de questões que não se
mostram indispensáveis ao desenvolvimento do trabalho (e às
tantas digressões que isso implicaria), optou--se por realizá-lo à
luz do processo estatal de natureza individual, considerando-se o
trâmite do procedimento comum e o do cumprimento de
sentença. Tal recorte, entretanto, decorre de escolha puramente
metodológica: havendo compatibilidade, as conclusões
apresentadas ao longo do texto poderão ser aproveitadas no
processo coletivo, no processo de execução, em procedimentos
especiais ou ainda no campo da arbitragem.17
Para finalizar esta introdução, esclarece-se que o trabalho não
se aprofunda em demasia em aspectos puramente materiais da
desconsideração da personalidade jurídica, e nem é esse o seu
propósito. O tema é de grande complexidade, com questões e
dificuldades cujo exame a fundo daria ensejo a outros livros.
Mas é evidentemente indispensável enfrentá-lo, sem o que não
seria possível bem compreender sua projeção no campo do
direito processual.18 Vale aqui, como sempre, a lição de
DINAMARCO: “jamais alguém compreenderá bem o processo civil
enquanto só o processo civil estudar”.19
1. “O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil
vigente”, n. 16. Noutro trabalho, em coautoria com Bruno Vasconcelos
Carrilho Lopes, o jurista classificou o incidente como “uma das
grandes novidades do novo Código de Processo Civil” (Teoria geral do
novo processo civil, p. 164).
2. Manual de direito processual civil, pp. 530-532.
3. “O Novo Código de Processo Civil prevê um incidente processual para
a desconsideração da personalidade jurídica, finalmente
regulamentando seu procedimento. Tendo seus requisitos previstos no
art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do Código
Civil, faltava uma previsão processual a respeito do fenômeno jurídico,
devendo ser saudada tal inciativa” (Novo Código de Processo Civil –
inovações, alterações e supressões comentadas, p. 141).
4. “Este incidente – que não estava previsto expressamente na legislação
processual anterior – vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e
ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da
personalidade jurídica” (Breves comentários ao novo Código de
Processo Civil, p. 425).
5. “É positiva a iniciativa do legislador,ao prever um procedimento
específico para regrar a aplicação de tão importante instituto jurídico,
restando aqui a séria esperança de que, uma vez em vigor o novo
Código de Processo Civil, algumas das históricas polêmicas
jurisprudenciais e doutrinárias possam restar superadas; tudo de modo
a homenagear-se a segurança jurídica” (MEDEIROS NETO, “O
princípio da proporcionalidade, o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica e o projeto de um novo Código de Processo
Civil”, n. 4).
6. “A inovação é de extrema importância e representa verdadeira dobra
histórica no percurso que vem sendo trilhado pela desconsideração da
personalidade jurídica no âmbito interno. Com essa atitude o legislador
processual preenche sensível lacuna que vinha acompanhando as
discussões sobre a maneira adequada de se tratar processualmente a
prática de atos de abuso da personalidade jurídica, bem como sobre a
fixação de suas consequências no âmbito da tutela jurisdicional”
(XAVIER, “A processualização da desconsideração da personalidade
jurídica”, n. 4).
7. Cf. GAMA, “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica”,
n. 2.
8. “A desconsideração da personalidade jurídica, providência cujo acerto e
eficácia devem atentar para sua excepcionalidade e para a presença de
seus pressupostos (fraude e abuso, a desvirtuar a finalidade social da
pessoa jurídica), não pode, não ao menos como regra, ser feita por
simples despacho no processo de execução. A cognição para detectar a
presença dos citados pressupostos é indispensável e, nessa medida, ao
menos como regra, impõe-se a instauração do regular contraditório em
processo de conhecimento. […] Trata-se de ‘ação própria’ no sentido
de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via
desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento
condenatório para que, também em relação a ele, se forme o título
executivo” (GRINOVER, “Da desconsideração da pessoa jurídica –
aspectos de direito material e processual”, pp. 184-185). Também nesse
sentido, cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, pp. 57-59;
SILVA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos
processuais, pp. 203-205.
9. “Mera decisão interlocutória proferida em meio à própria execução,
após cognição sumária, aplicando-se a desconsideração, na forma de
incidente processual, tendo em vista a prática de atos com o intuito de
fraudar as obrigações pactuadas, sem que seja necessária a prévia
manifestação do prejudicado, não viola os princípios constitucionais do
contraditório e ampla defesa, pois esses terceiros poderão utilizar-se de
todos os meios de defesa previstos, como, por exemplo, os embargos
de terceiro e o recurso de agravo de instrumento, por se tratar de
terceiro prejudicado” (BRUSCHI, Aspectos processuais da
desconsideração da personalidade jurídica, p. 152).
10. “Positivando-se que a sociedade não disponha de suficiente patrimônio
responsável, a pedido do exequente citar-se-á o sócio, ou sócios,
abrindo-se logo em seguida uma instrução destinada a apurar sua
responsabilidade patrimonial. As disposições legais referentes aos
procedimentos executivos não oferecem abertamente dilações dessa
ordem, mas é imperioso instituir um incidente inicial na execução,
ainda que sem lei expressa a respeito, porque do contrário não se
poderia chegar legitimamente à responsabilidade daquele cujo
patrimônio o exequente pretende captar pela penhora”
(DINAMARCO, “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude,
ônus da prova e contraditório”, pp. 547-548). No mesmo sentido, cf.
THEODORO JR., “A desconsideração da personalidade jurídica no
direito processual civil brasileiro”, p. 330.
11. “Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, sendo a
desconsideração da personalidade jurídica um incidente processual o
qual pode ser deferido nos próprios autos, faz-se desnecessária a
prévia citação dos sócios da pessoa jurídica cuja personalidade foi
superada” (STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 918.295-SP, rel. Min. Maria
Isabel Gallotti, j. 18.8.2016).
12. V.g., cf. STJ, 4ª T., RMS 29.697-RS, rel. Min. Raul Araújo, j.
23.4.2013.
13. Na doutrina, Fredie Didier Jr. foi um dos que apontaram a
ilegitimidade do entendimento que prevalecia no Superior Tribunal de
Justiça: “seja pelo litisconsórcio eventual, seja pela instauração de um
incidente cognitivo no processo de execução, o que importa é dar
oportunidade ao debate, não sendo lícita a aplicação da sanção sem o
prévio contraditório. Não se pode, na ânsia por uma efetividade do
processo, atropelar garantias processuais alcançadas após séculos de
estudos e conquistas. Imaginar a aplicação de uma teoria
eminentemente excepcional, que inquina de fraudulenta a conduta
deste ou daquele sócio, sem que se lhe dê a oportunidade de defesa –
ou somente se lhe permita o contraditório eventual dos embargos à
execução, com necessidade da prévia penhora, dos embargos de
terceiro ou do recurso de terceiro –, é afrontar princípios processuais
básicos” (Regras processuais no Código Civil, pp. 13-14).
14. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 124.
Cf. ainda BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica, pp. 110-114.
15. “O PL 2.426/2003 é importante porque se trata da primeira tentativa
de disciplinar a aplicação a aplicação de disciplinar a aplicação da
teoria da personalidade jurídica no processo civil por meio de lei
federal, criando um incidente cognitivo de desconsideração da
personalidade jurídica” (SOUZA, Desconsideração da personalidade
jurídica – aspectos processuais, p. 192).
16. Projeto de Lei 3.401/2008.
17. Registre-se que a possibilidade de desconsideração da personalidade
jurídica em processo arbitral é controversa. Contra, cf. DIDIER JR.-
ARAGÃO, “A desconsideração da personalidade jurídica no processo
arbitral”, pp. 266-267; CARMONA, Arbitragem e processo – um
comentário à Lei nº 9.307/96, pp. 83-84. A favor, cf. WALD, “A
desconsideração na arbitragem societária”, n. 1.
18. “Ignorar a realidade jurídico-material impede a correta compreensão
dos institutos processuais, muito dos quais concebidos a partir de
situações verificadas fora do processo. Constrói-se a técnica
processual a partir de características da crise de direito material a ser
solucionada pelo juiz. O modo de ser do método de trabalho destinado
à solução das controvérsias é influenciado pela natureza da relação de
direito material”. BEDAQUE, Direito e processo – influência do
direito material sobre o processo, pp. 25-26.
19. Apresentação do livro Desconsideração da personalidade jurídica no
processo civil, de Pedro Henrique Torres Bianqui.
PRIMEIRA PARTE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA E PROCESSO
1
PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1. Considerações preliminares
A expressão desconsideração da personalidade jurídica
remete à ideia de transposição de uma barreira. A relação parece
intuitiva: se a personalidade jurídica por vezes tem de ser
desconsiderada (ou superada, como prefere a doutrina italiana),1
decerto é porque sua existência pode constituir óbice à obtenção
de algum resultado juridicamente relevante.
Em razão dessa percepção, é inevitável que o estudo da
desconsideração desperte indagações sobre a figura da
personalidade jurídica.2 Em que ela consiste? Afinal de contas,
por que é preciso desconsiderá-la em determinadas ocasiões?
A primeira dessas questões formou o eixo do debate a
respeito da natureza da personalidade jurídica, que durante anos
teve destaque no cenário jurídico europeu.3 Além da célebre
teoria ficcionista de SAVIGNY, que definiu as pessoas jurídicas
como seres fictícios (“des êtres fictifs”) concebidos para atuar
como sujeitos de direito em relações de cunho econômico,4
várias outras procuraram explicar a “essência” da personalidade
jurídica, apresentando as mais distintas proposições. Em sua
obra, VICENTE RÁO enumera nada menos do que dez diferentes
pensamentos acerca do assunto, e diz referir-se somente aos “de
maior relevo”.5
Apesar da atenção que o tema atraiu e das polêmicas em
tornodele criadas, MENEZES CORDEIRO diz ser insatisfatório o
resultado alcançado a seu respeito. O jurista entende que “a
Ciência do Direito não conseguiu explicar a essência da
personalidade colectiva”6 e enxerga na doutrina recente pouco
interesse em alterar esse panorama: “multiplicam-se os manuais
que, de pessoa colectiva,7 dão breves definições técnicas, ou
abandonam, pura e simplesmente, a tarefa da sua definição”.8
FÁBIO ULHOA COELHO relatou fenômeno semelhante: na sua visão,
os autores que se depararam com a questão pareceram menos
animados a enfrentá-la do que a “ver-se livre dela”.9
Além daqueles que ignoram o debate, há quem abertamente o
desqualifique, pondo em xeque o proveito das teorias que se
desenvolveram sobre a personalidade jurídica e a importância de
se apurar sua natureza. RUBENS REQUIÃO tacha de “fatigantes” as
controvérsias sobre o tema,10 e CUNHA GONÇALVES afirma que os
produtos das “laboriosas dissertações” que o abordaram são “tão
contraditórios como inúteis para a vida prática”.11 Menos
incisivo, COUTINHO DE ABREU não chega a considerar bizantinos os
estudos sobre a essência da pessoa jurídica, mas mesmo assim
lhes relativiza a importância. Segundo o comercialista
português, mais relevante do que teorizar sobre a pessoa jurídica
e sua natureza é “indagar o sentido-função, o porquê-e-para quê”
de sua existência.12
Independentemente do valor das teorias concernentes à
“essência” da personalidade jurídica, o ponto de vista de
COUTINHO DE ABREU revela-se adequado ao menos para o
propósito deste trabalho. Conforme se verá ao longo da leitura, o
instituto da desconsideração não é fruto de especulações
acadêmicas; trata-se de expediente pragmático, pensado a partir
de casos concretos como remédio contra o uso abusivo de
pessoas jurídicas (infra, n. 3). Dessa forma, muito pouco
aproveitaria ao seu estudo uma análise ontológica da
personalidade jurídica, adotando-se uma ou outra teoria a
respeito de sua natureza.13 Aqui, mais interessa analisar a pessoa
jurídica como existência teleológica,14 com o olhar voltado para
o seu papel dentro do ordenamento, pois só conhecendo a função
desempenhada pela pessoa jurídica será possível constatar
eventual anormalidade no seu manejo.
Em sua favola della persona giuridica, GALGANO oferece uma
versão pitoresca para a gênese da pessoa jurídica: soberbo, o ser
humano não a teria concebido para exercer função alguma, mas
tão somente para satisfazer seu anseio de passar da condição de
mera criatura ao posto de criador.15 Obviamente, a verdade é
outra: são de ordem prática as razões que justificam o instituto
da pessoa jurídica, não havendo sentido em sua existência a não
ser como instrumento a serviço do homem.16 Assim, deve-se
perquirir a que se presta tal ferramenta.
1.2. Função
Para propiciar o desenvolvimento de atividades direcionadas
à obtenção de lucro e a outros propósitos lícitos, a legislação
autoriza que particulares criem e mantenham organizações
juridicamente distintas de sua própria existência. A
independência jurídica de tais organizações manifesta-se na
aptidão para a prática de atos e o estabelecimento de relações em
nome próprio, com capacidade para a titularidade de direitos e
deveres que não se confundem com direitos e deveres dos
sujeitos que as integram. Ao contrair uma dívida, por exemplo, a
organização formada não estará obrigando conjuntamente seus
participantes, como codevedores, senão obrigando a si mesma,
como parte individualizada. Assim, a principal marca da
existência jurídica dessas entidades está na sua condição de
sujeito de direito com autonomia patrimonial: uma vez criadas,
originam centros de imputação de relações ativas e passivas
economicamente estimáveis, ou seja, novos patrimônios aos
quais poderão ser vinculados direitos e deveres.17
A personalidade jurídica é o meio que o ordenamento
disponibiliza para a produção do fenômeno anteriormente
descrito. Com o estabelecimento de organizações personificadas,
denominadas pessoas jurídicas, persegue-se o efeito da
constituição de patrimônio autônomo, para que nele se possa
vincular direitos e obrigações relacionados a um propósito
específico. Sem autonomia patrimonial, a pessoa jurídica estaria
por certo fadada à esterilidade, pois sua utilidade se extrai
justamente de sua capacidade para a titularidade de direitos e
deveres (infra, n. 1.3). Por isso, diz FERRER CORREIA, não é
possível conceber personalidade jurídica sem autonomia
patrimonial;18 seria como imaginar uma faca sem gume.
A função da personalidade jurídica revela-se, portanto, bem
mais nítida do que sua natureza ou essência, e isso reflete de
forma muito clara na doutrina. Em vez de teorias dissonantes e
discussões inconcludentes, o que se verifica é um consenso em
torno da pessoa jurídica como meio para a formação de
patrimônio autônomo.19 É essencialmente essa a compreensão
de FÁBIO KONDER COMPARATO,20 da qual não têm divergido autores
nacionais21 ou estrangeiros.22-23-24-25 Sobre ela, porém, convém
fazer breves esclarecimentos.
Não se deve confundir o papel desempenhado pela
personalidade jurídica com o escopo de cada pessoa jurídica
particularmente considerada. Embora a razão funcional para a
criação de toda pessoa jurídica esteja na constituição de
patrimônio autônomo, sempre haverá por trás disso a intenção de
desenvolver uma atividade específica – a comercialização de um
produto, a prestação de um serviço, a prática de uma modalidade
esportiva etc. Assim, não obstante se verifique na fundação de
qualquer pessoa jurídica a mesma finalidade imediata (obtenção
de autonomia patrimonial), irá variar a finalidade mediata de
cada uma delas, correspondendo ao objetivo que almejam atingir
aqueles que a conceberam.26 Em suma, cria-se a pessoa jurídica
para se formar um sujeito de direito com autonomia patrimonial,
que por seu turno servirá à realização de escopo predeterminado
por seus integrantes.
Outro ponto em que se deve atentar é o de que a autonomia
patrimonial, apanágio da pessoa jurídica, não constitui seu único
atributo. Junto à capacidade para direitos e deveres no plano
substancial, a personalidade jurídica confere à organização
personificada capacidade de ser parte,27-28 habilitando-a a
integrar relações processuais e a defender em nome próprio seus
interesses em juízo. No dizer da doutrina norte-americana, toda
pessoa jurídica deve ser “capable of suing and being sued in its
own name”.29
1.3. Autonomia patrimonial
Já foi dito que a autonomia patrimonial não é somente
atributo essencial da personalidade jurídica, mas também o que
lhe imprime caráter instrumental (supra, n. 1.2). Para se
compreender o fundamento da assertiva, é preciso entender de
que maneira a constituição de patrimônio autônomo revela-se
útil àqueles que se valem de uma pessoa jurídica para o
desenvolvimento de suas atividades.
Do ponto de vista interno – ou seja, no que se refere à relação
entre aqueles que integram a pessoa jurídica–, a autonomia
patrimonial cumpre relevante função organizacional.30 Ter à
disposição um patrimônio autônomo significa poder isolar, em
centro de imputação distinto, os interesses institucionais da
pessoa jurídica, divisando-os dos interesses individuais de cada
um de seus participantes, o que naturalmente propicia maior
facilidade na gestão e no controle de recursos. Em
empreendimentos de pequena monta, é até factível empregar
esforços e recursos em prol de um objetivo sem se valer desse
expediente, mas é inegável a conveniência de se destacar as
relações jurídicas pertinentes ao exercício de uma atividade,
concentrando-as em sujeito de direito criado para tal função.31
Em empreendimentos de maior porte, mais do que conveniente,
a organização proporcionada pela autonomia patrimonial
mostra-se praticamente imprescindível.
É na relação da pessoa jurídica com terceiros, porém, que
essa distinção patrimonial revela sua maior importância.32
Possuindo a pessoa jurídica patrimônio autônomo, e sendo ela
autêntica titular dos direitos e obrigações concernentes ao seu
funcionamento,seus próprios bens responderão pelas dívidas
que contrair – e apenas pelas dívidas que contrair. Não deve a
pessoa jurídica ser acionada por obrigações pessoais de seus
integrantes. Se vier a sê-lo, sua autonomia patrimonial
funcionará como legítimo anteparo contra as investidas dos
credores de seus membros.33 Dessa forma, o patrimônio da
pessoa jurídica e a atividade por ela desempenhada
permanecerão resguardados de eventual infortúnio econômico de
qualquer de seus participantes.
Ao contrário do que poderia sugerir a lógica, o inverso não é
necessariamente verdadeiro. Entre as entidades coletivas
voltadas ao lucro, encontram-se organizações cujas dívidas são
suportadas por seus integrantes a despeito de haver separação
entre seus patrimônios. Fala-se de espécies societárias que, não
obstante personificadas (dotadas de patrimônio autônomo,
portanto), comprometem os bens pessoais de seus integrantes
por obrigações sociais.
Caso bastante ilustrativo é o da sociedade em nome coletivo.
Nesse tipo societário, todos os sócios respondem solidária e
ilimitadamente pelas obrigações sociais (CC, art. 1.039). Diz-se
que a responsabilidade é solidária porque de cada um dos
integrantes da sociedade, independentemente do vulto de sua
participação, poderá ser exigida a integralidade da dívida
contraída pela pessoa jurídica; e ilimitada porque não haverá um
valor máximo até o qual os sócios poderão ser chamados a
responder. Assim, e.g., na hipótese de sociedade em nome
coletivo composta por cinco sócios que tenham aplicado dez mil
reais cada um, caso ela venha a contrair uma dívida de um
milhão de reais, o credor da pessoa jurídica poderá demandar de
quaisquer deles – isolada ou conjuntamente – o pagamento total
do valor devido, e não importará o fato de a dívida superar em
muito o quantum investido na sociedade. Em todo caso, porém,
a responsabilidade desses sócios será apenas subsidiária: seus
bens particulares não deverão responder pelas obrigações sociais
enquanto o patrimônio da pessoa jurídica não houver esgotado
(CC, art. 1.024).34
Nesses tipos societários, o fato de os sócios responderem
subsidiariamente por obrigações sociais não desmente a
existência de separação entre seus patrimônios particulares e o
patrimônio da pessoa jurídica. Ao contrário: se bem se observar,
o escalonamento sucessivo da responsabilidade pressupõe a
existência de patrimônios distintos postos em ordem de
prioridade.35 De todo modo, sobressai nesse regime a situação de
vulnerabilidade em que se inserem os participantes da sociedade,
pois, em caso de insolvência da pessoa jurídica, sua autonomia
patrimonial não impedirá que se consumam bens particulares
dos sócios até a satisfação das obrigações sociais.
Parte da doutrina adjetiva de imperfeita a autonomia
patrimonial das sociedades com tal regime de
responsabilidade.36 Para essa corrente, somente se pode
considerar perfeita a autonomia patrimonial de sociedades cujos
integrantes não respondem por dívidas sociais mesmo na
hipótese de insolvência da pessoa jurídica, pois só assim os
patrimônios seriam verdadeiramente independentes. Precisa ou
não, a adjetivação pauta-se por um fundamental ponto de
distinção entre dois possíveis regimes societários: quando os
sócios gozam da chamada limitação de responsabilidade e
quando não dispõem de tal benefício, sobre o qual se falará no
próximo item.
1. Cf. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle
società di capitali nella common law e nella civil law; MANES, Il
superamento della personalità giuridica – l’esperienza inglese.
2. Neste livro, a locução personalidade jurídica é utilizada para designar a
personalidade da pessoa jurídica ou a própria pessoa jurídica. Tal
emprego, embora possa ser considerado impreciso, convém à
exposição e não à toa é frequente em obras sobre o instituto da
desconsideração – ainda que de forma não anunciada.
3. Alguns, com boa dose de exagero, apontaram-no como “o problema do
século XIX”. (MENEZES CORDEIRO, O levantamento da
personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 66).
4. “On les appelle personnes juridiques, c’est-à-dire, personnes qui
n’existent que pour des fins juridiques, et ces personnes nous
apparaissent à côté de l’individu, comes sujets des rapports de droit.
[…] Voici donc les rapports de droit que soutiennent les personnes
juridiques: la propriété et les jura in re, les obligations, les successions
comme moyen d’acquérir, le pouvoir sur les esclaves, le patronage et,
dans les temps plus modernes du droit romain, le colonat. D’un autre
côté, le marriage, la puissance paternelle, la parenté, la manus, la
mancipii causa et la tutelle ne peuvent appartenir aux personnes
juridiques. Cela nous conduit à définir avec plus de precision la
personne juridique, comme un sujet du droit des biens créé
artificiellement” (Traité de droit romain, t. II, pp. 234-237).
5. O direito e a vida dos direitos, vol. II, p. 668. Sobre as teorias
desenvolvidas a respeito da natureza da personalidade jurídica, além do
mencionado trabalho de Vicente Ráo (pp. 668 ss.), cf.: COMPARATO-
SALOMÃO FILHO, O poder de controle na sociedade anônima, pp.
319 ss.; SACRAMONE, Administradores de sociedades anônimas –
relação jurídica entre o administrador e a sociedade, pp. 48-58.
SZTAJN, “Sobre a desconsideração da personalidade jurídica”.
6. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial,
p. 67.
7. O uso de “pessoa coletiva” em vez de “pessoa jurídica” decorre de mera
variação terminológica. Mas vale ponderar que o adjetivo “coletivo”
carece de precisão, porque sugere a subjacência de uma pluralidade de
sujeitos, o que nem sempre é verdade (lembre-se da empresa individual
de responsabilidade limitada, v.g.). Assim, é preferível o uso da
expressão “personalidade jurídica”, até porque consagrada na doutrina,
na jurisprudência e na legislação brasileiras.
8. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial,
p. 66.
9. Desconsideração da personalidade jurídica, p. 74.
10. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 4.
11. Tratado de direito civil, t. II, vol. I, p. 904.
12. Curso de direito comercial, p. 167. Para o português, “as ‘teorias’ não
se têm revelado ‘essenciais’ para a descoberta da ‘essência’ da
personalidade colectiva… Em grande medida descomprometida com
a luta das ‘teorias’, domina hoje na doutrina a compreensão ‘técnico-
jurídica’ da pessoa colectiva. Produto da técnica jurídica, abstraindo-
se em grande medida de considerações ético-jurídicas e político-
gerais, não baseando nos substratos metajurídicos o seu específico
modo de ser, a personalidade colectiva aparece como expediente
utilizável por muitas e diferenciadas organizações” (Curso de direito
comercial, p. 164).
13. Rolf Serick defende linha de trabalho semelhante: “podría sostenerse
el criterio de que sólo cabe esperar soluciones satisfactorias después
de haber tratado de poner en claro la esencia de la persona jurídica.
[…] Por otra parte, no debe perderse de vista que al práctico apenas le
serviría para nada una solución que se fundara en determinada
concepción sobre la esencia de la persona jurídica” (Apariencia y
realidade en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por
medio de la persona jurídica, p. 27). No mesmo sentido, cf.
DUARTE, Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas
sociedades em relação de domínio – contributo para a determinação
do regime da empresa plurisocietária, p. 31; WORMSER, “Piercing
the veil of corporate entity”, p. 496; VERRUCOLI, Il superamento
della personalità giuridica delle società di capitali nella common law
e nella civil law, p. 6.
14. A expressão é de Miguel Reale: “a pessoa jurídica é uma existência,
mas uma existência teleológica, ou seja, finalística” (Lições
preliminares de direito, p. 232).
15. “Iddio creò l’uomo a propria imagine e somiglianza, ma l’uomo non
volle essergli da meno: creò, a imagine e somiglianza propria, la
persona giuridica. Le dette un’assemblea ed un consigliodi
amministrazione e le disse: questi sono i tuoi organi; l’assemblea è il
tuo cervello; vedrai, ascolterai, parlerai con gli occhi, con le orecchie,
con la boca dei tuoi amministratori. […] Ma l’uomo volle fare di più e
di meglio: alla persona giuridica, che è sua criatura, permise ciò che a
lu stesso, criatura di Dio, non è consentito. L’uomo è mortale, la
persona giuridica può essere immortale”. (“La favola della persona
giuridica”), pp. 23-24.
16. “Pessoa jurídica não é uma ‘imitação’ do ser humano’ […] As
sociedades e demais agrupamentos personificados não se apresentam
como realidades físicas, viventes por si mesmas, mas só se justificam
como instrumentalidade; existem para e em função do homem”
(Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
p. 33).
17. Entre outros, cf. CARVALHO SANTOS, Código Civil brasileiro
interpretado, vol. I, pp. 338-339; 389-391; SILVIO RODRIGUES.
Direito civil, vol. I, pp. 85-87; KELSEN, Teoria pura do direito, pp.
194-195.
18. “A personalidade jurídica das sociedades depende de uma condição
prévia: a autonomia patrimonial. Pode haver autonomia patrimonial
sem personalidade, mas não esta sem aquela. […] Ora se a sociedade
não tiver bens que respondam com autonomia pelas dívidas
relacionadas ao seu comércio, […] decerto a não poderemos conceber
como dotada de capacidade para a si mesma se vincular”. (“A
autonomia patrimonial como pressuposto da personalidade jurídica”),
pp. 547-548. No mesmo sentido, cf. RIBEIRO, A tutela dos credores
da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da personalidade
jurídica’, p. 146, n.r. 130. Na doutrina brasileira, Dinamarco afirma a
autonomia patrimonial como “um dos fundamentos basilares da
personalidade jurídica dos entes coletivos, sem cuja observância
sequer haveria como pensar nessa personalidade” (“Desconsideração
da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório”, pp.
531-532).
19. Ou patrimônio separado. Mas é preciso observar que esta última
expressão não é unívoca, podendo também designar a porção de um
patrimônio que se sujeita a regime diferenciado – os bens dos
cônjuges sujeitos a comunhão, por exemplo. Cf. HILDEBRAND,
“Patrimônio, patrimônio separado ou especial, patrimônio autônomo”,
pp. 273-275; SALOMÃO FILHO, A sociedade unipessoal, p. 27.
20. O poder de controle na sociedade anônima, p. 268; p. 270.
21. Entre outros: ARAKEN DE ASSIS. Processo civil brasileiro, vol. II,
t. I, p. 135; CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa
jurídica, pp. 259-262; BULGARELLI, Manual das sociedades
anônimas, p. 71; REQUIÃO, Curso de direito comercial, vol. I, pp.
355-356; LOTUFO, Código Civil comentado, vol. I, p. 143.
COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, p. 14; SOUZA,
Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais,
pp. 73-75.
22. “The core element of legal personality (as we use the term here) is
what the civil law refers to as ‘separate patrimony’. This is the ability
of the firm to own assets that are distinct from the property of other
persons, such as the firm’s investors”. HANSMANN--KRAAKMAN,
“What is corporate law?”, 2007, p. 7.
23. “Il privilegio consiste essenzialmente nell’assegnare all’ente
riconosciuto, cioè alla persona giuridica, un patrimonio separato da
quello dei singoli membri, e capacità di agire separata rispetto a
quella dei singoli membri”. TRABUCCHI, Istituzioni di diritto civile,
p. 153.
24. “Le premier intérêt de la personnalité morale est d’obtenir une
autonomie patrimoniale certaine”. BAILLY-MASSON, “L’intérêt de
la personnalité morale”, p. 99.
25. “Na determinação do regime que corresponde à expressão
personalidade colectiva, a primeira nota vai para a questão da
autonomia patrimonial, que existe sempre nos casos de
personalização. Ferrer Correia a ela se refere como um pressuposto da
personalidade jurídica, na perspectiva que é um elemento pré-
normativo em função do qual ela surge”. DUARTE, Aspectos do
levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação
de domínio, p. 47.
26. No mesmo sentido, falando em “causa genérica” e “causa específica”
para a constituição de pessoas jurídicas: COMPARATO, O poder de
controle na sociedade anônima, p. 270.
27. “Todas elas [pessoas jurídicas], tendo personalidade jurídica plena em
face do direito material, também são dotadas da personalidade de
direito processual, que se resolve na capacidade de ser parte”
(DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
335).
28. Assim prescreve expressamente o Código de Processo Civil português:
“quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade
judiciária” (art. 11, n. 2).
29. “Starting from the premise that the company is itself a person, in the
eyes of the law, it is straightforward to deduce that it should be
capable of entering into contracts and owning its own property;
capable of delegating to agents; and capable of suing and being sued
in its own name. For expository convenience, we use the term ‘legal
personality’ to refer to organizational forms – such as the corporation
– that share these three atributes” (ARMOUR, John et al., “What is
corporate law?”, 2017, p. 8).
30. “Patrimônio separado e pessoa jurídica são, afinal, instrumentos
jurídicos para disciplinar a responsabilidade das partes pelos atos que
praticarem como sócios e para distinguir, assim, os interesses sociais
e os interesses individuais dos sócios” (ASCARELLI, “O contrato
plurilateral, p. 282).
31. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, p. 102.
32. Cf. ASCARELLI, “O contrato plurilateral”, p. 313.
33. SZTAJN, “Terá a personificação das sociedades função econômica?”,
p. 66; FERRER CORREIA, “A autonomia patrimonial como
pressuposto da personalidade jurídica”, p. 561.
34. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, pp. 69-70; SZTAJN, Contrato de sociedade e formas
societárias, pp. 67-68; ABREU, Responsabilidade patrimonial dos
sócios nas sociedades comerciais de pessoas, pp. 36-37.
35. É o que observam Rachel Sztajn e Priscila Corrêa da Fonseca em
comentário ao art. 1.024 do Código Civil: “determinado que os sócios
respondem pelo pagamento de todas as obrigações, são responsáveis
pelo saldo não coberto se os bens da sociedade forem para tanto
insuficientes, segue-se a regra de que a apreensão dos bens
particulares dos sócios é subsidiária. Portanto, a responsabilidade
patrimonial pessoal dos sócios só e-merge depois de esgotados os
bens da sociedade. A norma parte da separação patrimonial
decorrente da personificação da sociedade” (Código Civil comentado,
vol. XI, pp. 386-387).
36. V.g. PINTO, Do contrato de suprimento – o financiamento da
sociedade entre capital próprio e capital alheio, p. 307.
2
A CHAMADA LIMITAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE
2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante
transposição de risco
Viu-se no item precedente que a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica não necessariamente resguarda seus integrantes
de arcar com suas obrigações. Em parte dos tipos societários
personificados (entidades coletivas que têm por fim
proporcionar lucro aos seus participantes), sócios respondem de
forma subsidiária pelas dívidas da pessoa jurídica. Nesses casos,
caindo a sociedade em insolvência, os prejuízos sociais serão
suportados por seus integrantes, com consequências
possivelmente devastadoras sobre seus patrimônios pessoais.
Não é difícil perceber quão desencorajador tal regime de
responsabilidade pode apresentar-se a quem cogite exercer uma
atividade econômica. Independentemente da aptidão dos sujeitos
envolvidos, ingressar no mercado implica submissão a um sem-
número de riscos, muitos dos quais escapam a qualquer tentativa
de controle. Para ficar apenas em exemplos triviais, basta
mencionar a possibilidade de inflação, variação cambial,
escassez de crédito e inadimplência de devedores – fatores que
podem influir decisivamente no destino de uma iniciativa
empresarial.37 São tantos os azares que podem acometer uma
atividade econômica, que mesmo o mais preparadoe previdente
empreendedor ficaria temeroso de tomar parte em uma pessoa
jurídica quando pudesse ser responsabilizado por suas
obrigações na hipótese de sua insolvência. Em razão de um
insucesso empresarial, bens pessoais conquistados ao longo de
anos de trabalho poderiam perder-se.38
O receio do empreendedorismo (rectius: dos riscos que lhe
são inerentes) é sem dúvida nocivo para o desenvolvimento de
um país. Primeiro, porque inibe a realização de atividades
econômicas legítimas e desejáveis, que gerariam empregos,
incrementariam o recolhimento de tributos e proporcionariam
maior número de bens e serviços à disposição da população. Por
consequência, constitui entrave à concorrência, uma vez que o
ingresso de novos agentes econômicos no mercado depende em
grande medida de iniciativas empreendedoras, que se reduzem
em cenários de maior risco.39 Ademais, acaba colaborando para
o fenômeno da concentração de renda, pois propicia que
empreendimentos sejam tentados somente por quem dispõe de
capital suficiente para suportar eventuais prejuízos econômicos
no âmbito pessoal.
Não é só. A responsabilidade subsidiária dos sócios por
obrigações sociais também dificulta a atuação dos chamados
agentes passivos – sujeitos que desejam aplicar parcela de seu
capital no financiamento de sociedades empresárias, mas não
estão dispostos ou habilitados a participar de sua administração
ou mesmo a acompanhar de perto a sua gestão.40 Como a tais
pessoas não seria viável exercer qualquer tipo de controle sobre
os prejuízos que lhes poderiam ser imputados em caso de
insucesso do negócio, elas certamente receariam participar de
pessoas jurídicas na condição de sócio investidor se
respondessem subsidiariamente pelas obrigações sociais. Então,
salutares iniciativas empreendedoras careceriam de
financiamento – ou enfrentariam enorme dificuldade para obtê-
lo.41
Tendo tudo isso em vista, as normas em geral buscam
oferecer mecanismos que mitiguem os riscos dos que se
propõem ao desenvolvimento de atividades econômicas. Cuida-
se de uma escolha política, que reconhece no empreendedorismo
um motor de desenvolvimento econômico-social e visa a
fomentá-lo. Entre tais mecanismos, destaca-se o regime de
limitação de responsabilidade, que se verifica em certas espécies
societárias personificadas42 do ordenamento jurídico brasileiro.
O regime de limitação de responsabilidade deve ser bem
compreendido. Diferentemente do que se pode imaginar, ele não
estabelece nenhum tipo de restrição à responsabilidade da
própria pessoa jurídica, cujo patrimônio responde sempre
ilimitadamente por suas obrigações.43 Na realidade, restringe-se
o risco patrimonial de seus integrantes: em caso de insolvência
social, eles perderão os recursos que tiverem investido na
formação do capital da pessoa jurídica, porém seus bens
particulares não responderão subsidiariamente por obrigações
sociais. Serão, portanto, irresponsáveis pelas dívidas contraídas
pela pessoa jurídica.44
Tal regime naturalmente se mostra mais propício à atuação de
empreendedores e dos mencionados investidores passivos, pois
lhes proporciona meio para previsão e contenção de riscos.45 Ao
ingressar em uma sociedade com limitação de responsabilidade,
podem esses agentes dimensionar ex ante a extensão da perda
patrimonial que estão dispostos a experimentar na hipótese de
insucesso do negócio, a qual será ditada pela medida de seu
investimento na formação do capital social.46 Dessa forma, a
limitação de responsabilidade constitui verdadeiro subsídio ao
empreendedorismo,47 e não à toa as pessoas jurídicas que
funcionam sob tal regime são praticamente as únicas utilizadas
para o desenvolvimento de atividades empresariais.48
Evidentemente, alguém há de bancar tal subsídio, suportando
o ônus que o ordenamento jurídico retira daqueles que se
dedicam a um empreendimento e dos sujeitos que se animam a
financiá-lo. Ninguém imaginará que, por meio de política
legislativa, seja possível desvanecer o risco da atividade
empresarial ou parte dele.49 De fato, o que a limitação de
responsabilidade promove não é a supressão, e sim a
transposição desse risco, que é parcialmente extraído da esfera
dos sócios e transferido aos credores sociais.50 Num regime sem
limitação de responsabilidade, os prejuízos que o patrimônio
social não é capaz de absorver são imputados aos sócios, que
respondem subsidiariamente por eles com seus bens particulares.
Já num regime de responsabilidade limitada, como inexiste
responsabilidade subsidiária dos sócios, os prejuízos que
excederem o patrimônio social são absorvidos pelos credores da
pessoa jurídica, que não terão alternativa para buscar a satisfação
de seus créditos e, assim, sofrerão baixas em seus próprios
patrimônios. Daí a assertiva de MILLON de que limitação de
responsabilidade é um subsídio ao empreendedorismo concedido
aos sócios à custa dos credores sociais.51
2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade
A limitação ou não da responsabilidade dos sócios é em geral
ditada pelo tipo societário, pois a legislação prescreve para cada
espécie de sociedade o regime ao qual se submetem os seus
participantes. Por conta disso, tornou-se corrente na doutrina
uma divisão entre tipos societários de responsabilidade
ilimitada, cujos integrantes respondem ordinária52 e
subsidiariamente por obrigações sociais; e tipos societários de
responsabilidade limitada, em que ordinariamente inexiste
responsabilidade subsidiária dos sócios por dívidas da pessoa
jurídica.53
No primeiro grupo dessa divisão encontra-se, v.g., a já
referida sociedade em nome coletivo (CC, art. 1.039).54 Os mais
representativos exemplos do segundo agrupamento são a
sociedade anônima (ou companhia), cujos sócios têm sua
responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que
vierem a subscrever ou adquirir (CC, art. 1.088; Lei
6.604/1976); a sociedade limitada (também denominada
sociedade por cotas de responsabilidade limitada), em que os
integrantes têm responsabilidade restrita ao valor de suas cotas,
embora respondam solidária e subsidiariamente55 pela
integralização do capital social (CC, art. 1.052); e a empresa
individual de responsabilidade limitada (EIRELI), composta por
um único sujeito cuja responsabilidade restringe-se ao valor
aplicado na integralização do capital empresarial (CC, art. 980-
A).56
Nada há de equivocado nessa forma de classificação, pois o
tipo societário efetivamente estabelece o regime de
responsabilidade a que se submetem os integrantes da sociedade
(limitada ou não). No entanto, é preciso atentar na possibilidade
de a natureza da obrigação contraída pela pessoa jurídica
também interferir na limitação ou não de responsabilidade dos
sócios. Em outras palavras: é perfeitamente concebível que, nos
tipos societários de responsabilidade limitada, o ordenamento
jurídico determine que os sócios respondam automática e
subsidiariamente por obrigações sociais de determinada espécie,
conferindo proteção diferenciada a uma específica classe de
credores da pessoa jurídica.
Colhe-se exemplo interessante da doutrina norte-americana,
que refere a uma possível distinção entre credores voluntários
(voluntary creditors) e credores involuntários (involuntary
creditors) das sociedades com limitação de responsabilidade.57
Credores voluntários seriam essencialmente os credores
contratuais, ou seja, aqueles que têm a sociedade como devedora
em razão de uma relação consensual, deliberada pelas partes.
Seria o caso, e.g., de um mutuante. Já os credores involuntários
consistiriam fundamentalmente nas vítimas da prática de atos
ilícitos, isto é, pessoas que dispõem de um crédito com a
sociedade não em razão de uma escolha, mas por força de uma
inopinada circunstância da vida. Pense-se, por exemplo, em um
sujeito atropelado por automóvel pertencente à pessoa jurídica.
A partir dessa distinção, defendeu-se naquele país que a
limitação de responsabilidade devesse ser oponível somente aos
credores voluntários, pois estes contratariam com a sociedade
cientes de que os patrimônios dos sóciosnão responderiam pela
dívida em caso de insolvência social e, portanto, poderiam
compensar essa desvantagem no próprio negócio entabulado
com a pessoa jurídica (mediante exigência de garantias
contratuais, por exemplo). Já aos credores involuntários não
seria adequado dispensar idêntico tratamento. Como seu crédito
não decorre de uma escolha em se relacionar com uma sociedade
de responsabilidade limitada, e sim de um ato praticado
unilateralmente pela pessoa jurídica, não seria legítimo colocar
sobre seus ombros os riscos inerentes ao regime de limitação de
responsabilidade dos sócios.58 Logo, em face desses credores, os
integrantes de sociedades de responsabilidade limitada
responderiam subsidiariamente com seus patrimônios
particulares.59
A distinção entre os tratamentos dispensados a credores
voluntários e involuntários é criticável60 e, diga-se desde já, não
encontra abrigo no ordenamento brasileiro vigente.61 Todavia,
convém mencioná-la para que se tenha consciência de que o
legislador pode muito bem estabelecer que determinadas
obrigações – ou determinados credores – não se submetam à
limitação de responsabilidade de que desfrutam os integrantes de
certas sociedades. Mais à frente (infra, n. 4.2), tal compreensão
será fundamental para diferenciar autênticos casos de
desconsideração da personalidade jurídica e hipóteses de mera
responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações sociais –
não raro confundidos pela doutrina.
37. “São salutares as explicações de Ischer: […] ‘Nos dias atuais,
submeter-se ao ‘risco ilimitado de uma empresa’ significa estar em
perigo de ser totalmente arruinado pelo efeito de circunstâncias
independentes a sua vontade […] mencionemos as medidas
imperativas do Estado, a instabilidade monetária, a variação de
preços, a escassez de crédito, a nacionalização de bens no estrangeiro,
a falência de clientes e de bancos, a voracidade fiscal, enfim, um
conjunto de problemas que chamamos de crise econômica’”. WARDE
JR., Responsabilidade dos sócios – a crise de limitação e a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, p. 147.
38. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, p. 16.
39. WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 146-148.
40. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, pp. 115-116.
41. “Os financiamentos de negócios em bases relacionais tendem a ser
impactados pelo regime de responsabilidade. Familiares, amigos e
outros investidores que se envolvem em um negócio na base da
confiança quase sempre desejam se tornar sócios para participarem do
sucesso; de vez em quando o fazem para ajudar um empreendedor por
quem têm apreço, amizade ou laços de família; mas quase nunca estão
dispostos a simplesmente arriscar todo o seu patrimônio pessoal em
um único investimento. É nesse ponto que o tipo de regime jurídico
de responsabilidade de sócio passa a ser importante, porque sob
responsabilidade ilimitada o investidor poderá perder todo o seu
patrimônio se a empresa vier a naufragar. Repare que esse problema é
particularmente verdadeiro no caso de novos negócios, porque estes
têm, sabidamente, maiores chances de quebrar do que negócios já
estabelecidos há muito tempo. É nesse sentido que afirmo que a
ilimitação de responsabilidade do sócio pode ser considerada um
entrave adicional ao empreendedorismo, isto é, à abertura de novos
negócios”. SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no Brasil –
história, direito e economia, p. 276.
42. Em certos sistemas jurídicos, como o alemão, a limitação de
responsabilidade verifica-se em todas as espécies societárias
personificadas, pois tais ordenamentos não reconhecem personalidade
jurídica a sociedades que não disponham desse regime (Cf. CORRÊA
DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 39; 261;
RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a
‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 138-140). Não é o
que se constata no Brasil, onde se reconhece personalidade jurídica
mesmo a sociedades que não funcionem sob regime de limitação de
responsabilidade, a exemplo da sociedade em nome coletivo. Desta
forma, vale entre nós entendimento de que “limitação de
responsabilidade não é elemento constitutivo da personalidade
jurídica” (DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p.
522).
43. Cf. SZTAJN, Contrato de sociedade e formas societárias, p. 99.
44. Cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. II, p.
84, n.r. 69; WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da
limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
pp. 10-11.
45. Cf. PARENTONI, Desconsideração contemporânea da personalidade
jurídica, p. 45.
46. Conforme observa Fran Martins, “haverá sempre um ponto em que
cessa a responsabilidade dos sócios, o que não se verifica nas
sociedades de responsabilidade ilimitada e nas mistas” (Sociedades
por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, vol. I, p. 288).
47. “Limited liability is an important incentive because individuals will
more willingly take on the risk of business failure if their exposure to
loss is limited to their actual investment” (MILLON, “Piercing the
corporate veil, financial responsibility, and the limits of limited
liability”, p. 1.317). No mesmo sentido, Coutinho de Abreu assevera
que, “para limitar a aversão ao risco e promover investimentos, a
ordem jurídica atribui o benefício da ‘responsabilidade limitada’ aos
sujeitos que queiram exercer actividade económica por intermédio da
sociedade” (“Diálogos com a jurisprudência, II – responsabilidade dos
administradores para com credores sociais e desconsideração da
personalidade jurídica”, p. 57).
48. Sobre a absoluta predominância das sociedades com limitação de
responsabilidade no Brasil, cf. GAGGINI, A responsabilidade dos
sócios nas sociedades empresárias, p. 46; ARBACHE, “A
justificação econômica da limitação de responsabilidade no direito
societário, a desconsideração da personalidade jurídica e a
responsabilidade civil do administrador”, n. 2. Sobre o mesmo
fenômeno em Portugal, cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de
direito comercial, vol. II, p. 84.
49. “Como é por demais evidente, o legislador ao conceber um esquema
destes não subtraiu, como que por artes mágicas, a existência do risco;
transferiu-o simplesmente para os credores”. DUARTE, Aspectos do
levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação
de domínio, p. 85.
50. “Limited liability does not eliminate the risk of business failure but
rather shifts some of the risk to creditors”. EASTERBOOK-
FISCHEL, “Limited liability and the Corporation”, p. 91.
51. “Piercing the corporate veil, financial responsibility, and the limits of
limited liability”, p. 1.307. De acordo com Marçal Justen Filho, “é o
preço que se paga pela promoção do desenvolvimento”
(Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
p. 121)
52. Isto é, independentemente de abuso na condução da sociedade.
53. Entre outros, cf. BORBA, Direito societário, pp. 48-49; SILVA, A
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito
brasileiro, pp. 158-159. Os autores referem ainda a sociedades com
regime de responsabilidade misto, vale dizer, em que só parte dos
sócios se beneficia da limitação – caso das sociedades em comandita
(CC, art. 1.045).
54. Supra, n. 1.3.
55. Cf. FONSECA-SZTAJN, Código Civil comentado, vol. XI, pp 426-
427.
56. A bem da verdade, não consiste a EIRELI num tipo societário. A ideia
de sociedade, conforme observa Ferrer Correia (Sociedades fictícias e
unipessoais, p. 204), pressupõe pluralidade de sujeitos associados,
enquanto a EIRELI constitui-se por uma só pessoa titular da
totalidade do capital social (CC, art. 980-A) – Alfredo Gonçalves
Neto define-a como “agente econômico personificado” (Direito de
empresa – comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, p.
125). De todo modo, cuida-se de pessoa jurídica voltada ao lucro e
dotada de limitação de responsabilidade, sendoconveniente o
tratamento em conjunto com as sociedades de responsabilidade
limitada.
57. Cf., v. g., EASTERBOOK-FISCHEL, “Limited liability and the
corporation”, pp. 104-107.
58. “A relevância da distinção está relacionada à possibilidade, existente
apenas para o credor de obrigação negociável [credor voluntário], de
se preservar economicamente contra os riscos da insolvabilidade da
pessoa jurídica devedora”. COELHO, “A teoria maior e a teoria
menor da desconsideração”, n. 4.
59. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresariais, p. 119.
60. “A mera caracterização de um credor como ‘voluntário’ ou
‘involuntário’ esconde uma série de diferenças entre os integrantes de
cada um desses dois grupos. Por exemplo, tanto os contratantes
comerciais quanto os empregados podem, a rigor, ser considerados
credores voluntários. Afinal, comerciantes contratam entre si, o
mesmo ocorrendo entre empresas e empregados. […] Nem todo
credor voluntário está em condições de se compensar ex ante facto,
isto é, de embutir no preço e nas condições do contrato os riscos
relativos à solvência da empresa devedora. A capacidade de precificar
e embutir os riscos de perda no valor das obrigações voluntariamente
assumidas depende de diversas considerações sobre o credor, duas das
quais são particularmente importantes: (i) da sua capacidade de
precificar riscos e (ii) do seu poder de barganha. A capacidade de
precificar riscos depende principalmente de terem os credores
voluntários acesso a informações da empresa e capacidade de
processarem tais informações. As informações de que ora falamos são
aquelas que permitem estimar (aproximadamente, pelo menos) as
chances de quebra da empresa e a consequente redução da capacidade
da empresa de honrar os compromissos acertados com os credores.
Informações desse tipo são necessárias para estabelecer a
compensação ex ante facto a ser embutida nas prestações da relação
contratual. Já o poder de barganha depende principalmente da
demanda da empresa pelo bem ou serviço ofertado pelo contratante.
De nada adianta um credor ser capaz de precificar com alguma
precisão o valor da compensação ex ante facto que lhe cabe pelo
aumento do risco de solvência dos seus créditos se não dispõe, na
prática, de força para exigir a correspondente elevação da prestação
da empresa” (SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no
Brasil – história, direito e economia, pp. 415-422).
61. Cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. II, pp. 417-419;
CEOLIN, Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da
pessoa jurídica, pp. 105-106.
3
A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Origem e desenvolvimento
Conforme exposto anteriormente, as pessoas jurídicas estão
habilitadas a praticar atos e entabular relações em nome próprio,
tendo em vista a autonomia patrimonial de que dispõem. Dessa
forma, ações e obrigações da pessoa jurídica não podem ser
confundidas com as de seus integrantes, como também não se
confundem suas esferas de responsabilidade. Em regimes
específicos (sociedades de responsabilidade ilimitada – supra, n.
2.2), os sujeitos que compõem a pessoa jurídica respondem
subsidiariamente por suas dívidas, mas do inverso
(responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica por dívidas de
seus integrantes) não se cogita.
A legislação brasileira sintetizava tal realidade de modo
singelo e elucidativo: constava do Código Civil de 1916 que “as
pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”
(art. 20). Embora o Código Civil de 2002 não reproduza essa
prescrição legal, não há quem questione a plena vigência de seu
conteúdo, que se extrai sistematicamente de outras disposições
normativas62 e da própria compreensão de que a autonomia
patrimonial é conatural à personalidade jurídica.63
Com sua existência distinta, viu-se que a pessoa jurídica
cumpre papel importante na organização e no desenvolvimento
de atividades, sobretudo quando se necessita da conjugação de
esforços e recursos de variados sujeitos (supra, n. 1.3). Todavia,
não é difícil supor o uso dessa ferramenta para finalidades pouco
decorosas, que passam ao largo dos fins para os quais ela foi
concebida.
Imagine-se a hipótese de dois sujeitos que organizam
sociedade limitada cujo escopo seja a produção de livros
didáticos. Logo depois de ser constituída, a pessoa jurídica
contrai empréstimo de cem mil reais na instituição financeira,
mas, em vez de ser aplicado na atividade societária (compra de
material gráfico, v.g.), o numerário emprestado é despendido na
aquisição de imóveis, os quais são registrados em nome das
pessoas físicas dos sócios. Chegado o momento de quitação do
mútuo, a pessoa jurídica não realiza o pagamento e é
judicialmente condenada a fazê-lo, porém não se encontram em
seu patrimônio bens suficientes para a satisfação da obrigação.
Como os imóveis foram incorporados aos patrimônios pessoais
dos sócios (que não respondem pela dívida da sociedade), não se
consegue expropriá-los no processo movido pela instituição
credora.
Imagine-se outro exemplo. Dois indivíduos constituem
sociedade limitada que tem por objeto a instalação de redes de
proteção em apartamentos, repartindo a participação societária
em cotas de 99% e 1%. Propositalmente, os serviços são sempre
contratados em nome da pessoa física do minoritário, que não
mantém bens em seu patrimônio e transfere todo pagamento que
recebe à pessoa jurídica. Certa instalação é mal realizada,
ocasionando um acidente fatal. Pessoalmente responsável pela
prestação do serviço, o sócio minoritário é condenado ao
pagamento de alto valor indenizatório, mas em seu patrimônio
só se encontra sua ínfima participação na sociedade, cuja
expropriação64 satisfaz parte insignificante da obrigação. Já os
recursos acumulados no patrimônio da pessoa jurídica não são
alcançados pela execução, uma vez que os bens sociais não
respondem por dívidas pessoais de seus integrantes.
Nas duas hipóteses anteriores, a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica poderia, em tese, justificar a inviabilidade de se
atingir o patrimônio do sócio para a satisfação de obrigação da
sociedade ou o contrário. Mas essa aparente correção técnica
conduziria a soluções substancialmente incongruentes, que por
certo chocariam o homem da rua65 e perturbariam a consciência
do juiz comprometido com a realização de justiça. Por cego
respeito à autonomia patrimonial da pessoa jurídica, seria
correto proteger sujeitos que claramente a manipularam com o
intuito de formar uma barreira contra a satisfação de pretensões
legítimas?
Nos Estados Unidos, questões éticas dessa natureza
chamaram a atenção de magistrados. Em 1912, I. MAURICE
WORMSER publicou artigo noticiando que, no início do século
XIX, “it was perceived that in many cases the literal application
of the notion that a corporation is only a legal entity, and
nothing more, would work injustice”.66 À vista disso, relatou o
jurista norte-americano, tribunais começaram a adotar soluções
no sentido de “ignorar o conceito de pessoa jurídica” para evitar
a consumação de iniquidades provenientes da utilização abusiva
da personalidade jurídica.67 Em substância, tais soluções
consistiam na responsabilização daqueles que atuavam por meio
de sociedades, frustrando, assim, manobras maliciosas que
visassem a prejudicar credores inocentes.68
O ensaio de MAURICE WORMSER é histórico e fundamental por
uma série de razões. Além de ser o primeiro trabalho doutrinário
acerca da repressão ao mau uso da pessoa jurídica,69 ele
demonstra como isso foi fruto de um movimento jurisprudencial
surgido na common law70 diante de casos em que o rígido
respeito à autonomia patrimonial das sociedades levaria a
desfechos irrazoáveis.71 Conforme destacaria MENEZES CORDEIRO
quase um século depois, as medidas contra o uso abusivo de
pessoas jurídicas não surgiram de “lucubrações teóricas”, senão
“para resolver problemas reais postos pela personalidade
colectiva”.72
Não é só. Em seu artigo, o jurista norte-americano também
plantou ideia fundamental, que se perpetua até hoje:medidas de
repressão à manipulação fraudulenta da pessoa jurídica devem
ser usadas pontual e parcimoniosamente, não se destinando a pôr
abaixo o secular instituto da personalidade jurídica.73 Não se
trata de coibir o uso, e sim o abuso da personalidade jurídica.
Como bem sintetizou o autor em seu estudo, “the concept is not
an ‘open sesame’, which will open all gates”.74
Para sacramentar o pioneirismo de seu trabalho, WORMSER deu
nome às medidas que identificou na jurisprudência de seu país.
Foi o jurista quem primeiro utilizou as metafóricas expressões
“disregard of corporate entity”,75 “lift the veil of corporate
entity”76 e “pierce the veil of corporate entity”77 para se reportar
às soluções adotadas pelos tribunais para contornar a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica e frustrar seu uso de forma
abusiva.78 Com elas, buscou transmitir a ideia de que as cortes
estavam a decidir tal como se a pessoa jurídica não existisse,
levantando um imaginário véu que estaria a cobrir os indivíduos
que por meio dela atuavam. Começava a ganhar forma, então, o
instituto que entre nós ganharia o nome de “desconsideração da
personalidade jurídica” – claramente derivado de uma das
expressões cunhadas por WORMSER (“disregard of corporate
entity”).79
Curiosamente, grande parte da doutrina não atribui a origem
da desconsideração da personalidade jurídica a nenhum dos
casos mencionados por WORMSER em seu ensaio. Muitos
acreditam que o instituto teve como ponto de partida um
julgamento ocorrido na Inglaterra em 1897: o célebre caso
Salomon v. Salomon & Co. Ltd.80
O litígio envolveu o comerciante de couros e calçados Aaron
Salomon, que constituiu com a esposa e quatro filhos a
companhia Salomon & Co. Ltd. Cada familiar de Aaron
Salomon recebeu uma única ação da empresa, enquanto ao
comerciante foram atribuídas 20.000 ações, pagas com a
transferência do fundo de comércio que lhe pertencia. Como o
fundo do comércio teria valor superior ao das ações atribuídas ao
comerciante, A. Salomon ainda se tornou credor da empresa que
criara, com garantia real constituída em seu favor. Pouco tempo
depois de sua constituição, a Salomon & Co. Ltd. caiu em
insolvência. Iniciada a sua liquidação, verificou-se que os bens
da empresa eram suficientes apenas à satisfação do crédito de A.
Salomon (munido de garantia real), sem que nada restasse aos
credores quirografários. Diante desse cenário, o liquidante
nomeado alegou que as atividades da Salomon & Co. Ltd.
confundiam-se com as do próprio A. Salomon, afirmando que a
empresa só fora formada para servir como escudo contra o
pagamento de dívidas, e concluiu que o comerciante deveria ser
responsabilizado pelos débitos sociais.81 A High Court deu razão
ao liquidante, e a Court of Appeal confirmou a decisão em sede
recursal. Não foi esse, no entanto, o entendimento que por fim
prevaleceu. Com fundamento na existência distinta da pessoa
jurídica, a House of Lords reformou as decisões anteriores, não
se importando com o fato de que a quase totalidade das ações
estava concentrada na pessoa de A. Salomon.82 Assim, concluiu-
se pela inexistência de responsabilidade do comerciante perante
os credores da pessoa jurídica e pela legitimidade de seu crédito
com a Salomon & Co. Ltd.83
Como se vê, o caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd. com
certeza não foi pioneiro da desconsideração, que nem sequer foi
aplicada naquele processo. Aliás, tampouco foi o primeiro em
que se aventou uma medida dessa natureza. Em seu ensaio,
MAURICE WORMSER menciona julgamentos anteriores a 1897 e nos
quais a disregard of legal entity prevaleceu como solução para a
causa. O caso Montgomery Web Company v. Dienelt, por
exemplo, foi definitivamente julgado em 1890.84 Nele, o credor
de uma companhia (Aronia Company) alegou que seus sócios
haviam transferido seus ativos para uma nova empresa
(Montgomery Web Company), abandonando com dívidas a
primeira pessoa jurídica. De acordo com o relato de WORMSER,
uma corte da Pensilvânia decidiu que a nova companhia deveria
responder perante o credor da primeira empresa e consignou: “Is
the Montgomery Company so completely a new and different
person from the Aronia Company that the law must close its eyes
to the fact that the difference is a mere juggle of names? We do
not think there is any compulsion to such legal blindness”.85 Não
é correto, portanto, atribuir ao caso Salomon v. Salomon & Co.
Ltd. a origem da disregard. Esse precedente teria até dificultado
a difusão do instituto na Inglaterra.86
Nos países de sistema jurídico romano-germânico, o
pioneirismo no tratamento doutrinário da desconsideração coube
ao alemão ROLF SERICK, autor da obra Rechtform und Realität
Juristischer Personen (“Forma jurídica e realidade das pessoas
jurídicas”). Fruto de tese87 apresentada por SERICK à
Universidade de Tübingen no ano de 1953, o trabalho, publicado
em 1955, é uma tentativa de sistematização da matéria. De
acordo com o autor, a experiência da desconsideração estava
àquele tempo sendo verificada na jurisprudência alemã, porém
de modo aleatório e muitas vezes contraditório. SERICK receava
que isso redundasse no uso genérico e desmedido da disregard,
o que acabaria por esvaziar o instituto da pessoa jurídica. Era
necessário, na sua visão, estabelecer hipóteses claras para a
desconsideração, para que fora delas a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica fosse respeitada.88
Em seu estudo, SERICK partiu de uma análise da jurisprudência
alemã para em seguida se debruçar sobre a aplicação da
disregard of legal entity nos Estados Unidos. Da experiência
norte-americana,89 ele extraiu a ideia que norteia as conclusões
de seu trabalho: a autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve
ser respeitada sempre que usada em conformidade com “los
fines en atención a los cuales el Derecho la ha creado”,90 e “sólo
un abuso91 de la persona jurídica autoriza al juez para que
prescinda de la radical separación entre la sociedad y los
socios”.92 SERICK propôs, assim, uma sistematização fundada no
dualismo regra-exceção: ordinariamente, observa-se a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica; excepcionalmente, quebra-se
essa autonomia para se responsabilizar os que dela se utilizaram
de modo abusivo.93
A colaboração de SERICK para o desenvolvimento do tema foi
grandiosa. Além de ter consolidado a ideia de que a
desconsideração não se propõe a suplantar o utilíssimo instituto
da pessoa jurídica, e sim a frustrar seu uso para fins espúrios, o
jurista apresentou noções até hoje fundamentais para a boa
compreensão da disregard. Esclareceu, v.g., que a
desconsideração não produz efeitos senão sobre o caso concreto
em que é aplicada, não se prestando a romper de modo geral a
autonomia patrimonial de determinada pessoa jurídica.94
Ademais, sua obra foi fundamental para a propagação do tema
no direito continental europeu, sobretudo após sua tradução para
o italiano e o espanhol.95
Catorze anos após a publicação da obra de ROLF SERICK, a
disregard doctrine chegou ao Brasil pelas mãos de RUBENS
REQUIÃO. Em conferência na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Paraná,96 o comercialista apresentou à
comunidade jurídica do país instituto que, nas suas palavras,
tinha por objetivo “impedir a fraude ou abuso através do uso da
personalidade jurídica”.97 Tal instituto, expôs REQUIÃO, fora
desenvolvido pelos tribunais norte-americanos e era conhecido
pelas designações disregard of legal entity ou lifting the
corporate veil, que ele logo verteu para o português: “com
permissão dos mais versados no idioma inglês, acreditamos que
não pecaríamos se traduzíssemos as expressões referidas como
‘desconsideração da personalidade jurídica’”.98 Assim nasceu o
nomen iuris do instituto no direito brasileiro.99-100
Embora RUBENS REQUIÃO seja frequentemente saudado por ter
introduzido a desconsideração na doutrina brasileira,101 talvez
não seja esse o seu maior mérito no que se refere ao tema. Cedo
ou tarde, a disregard acabaria aportando no país. Mas poderia
aportar totalmente transfigurada, e REQUIÃO foi em grande
medida responsávelpor que isso não ocorresse.
Como observa BARBOSA MOREIRA, a importação de institutos
do direito estrangeiro envolve um processo sempre delicado, que
demanda precisa compreensão sobre seu funcionamento no país
de origem para que não se desvirtue no ponto de chegada.102 No
específico caso da disregard doctrine, havia o risco de se
entendê-la como uma proposta de ampla relativização da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica – ou, pior, como uma
proposta de negação da pessoa jurídica de direito privado,
conforme assimilado por PONTESDE MIRANDA.103Ciente desse
risco, e sobretudo da importância de se preservar o instituto da
pessoa jurídica, RUBENS REQUIÃO apresentou a desconsideração à
comunidade jurídica brasileira com cautela, em meio a uma série
de advertências.
Em seu sucinto artigo, o comercialista paranaense dedicou
inúmeras passagens a destacar que as cortes dos Estados Unidos,
berço da disregard doctrine, reservavam sua aplicação a casos
verdadeiramente excepcionais, em que havia evidência de fraude
ou abuso da personalidade jurídica.104 À semelhança de SERICK,
REQUIÃO alertou para o perigo de haver banalização do instituto:
“não devemos imaginar que a penetração do véu da
personalidade jurídica e a desconsideração da personalidade se
tornem instrumento dócil nas mãos inábeis dos que, levados ao
exagêro, acabassem por destruir o instituto da pessoa jurídica,
construído através dos séculos pelo talento dos juristas dos
povos civilizados”.105-106
REQUIÃO também cuidou para que bem se compreendesse o
alcance da desconsideração da personalidade jurídica. Amparado
no estudo de SERICK, observou que a disregard não visa à
dissolução da pessoa jurídica manipulada de forma abusiva nem
implica a definitiva quebra de sua autonomia patrimonial,
incidindo somente sobre o específico caso em que é aplicada.107
Na definição de REQUIÃO, a desconsideração da personalidade
jurídica consistiria na “declaração de sua ineficácia para
determinado efeito, em caso concreto”.108
A despeito das particularidades dos trabalhos de WORMSER,
SERICK e REQUIÃO, é possível identificar neles um traço comum:
todos abordaram o abuso da personalidade jurídica sob uma
perspectiva subjetivista, que condiciona sua configuração à
existência do propósito de lesar. SERICK, por exemplo, aduz
expressamente em sua obra que a disregard dirige-se a quem
“intente utilizar abusivamente” a pessoa jurídica.109
Essa concepção subjetivista do abuso da personalidade
jurídica, contrastada por doutrina ulterior,110 foi gradativamente
abandonada.111 Sucedeu-a uma linha de pensamento objetivista,
segundo a qual a configuração do abuso independe da
consciência do agente sobre a utilização indevida da pessoa
jurídica.112 De acordo com MENEZES CORDEIRO, trata-se de
evolução natural dos institutos relacionados à boa-fé: “Numa
primeira fase, tudo é feito a depender das (más) intenções do
agente. Conquistado o instituto, este é objectivado, passando a
depender da pura contrariedade ao ordenamento”.113
62. “Essa distinção, que era ditada de modo direto no Código Civil de
1916 (‘as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus
membros’), continua sendo observada no estatuto agora vigente: seu
art. 50, ao estabelecer que os bens dos sócios poderão vir a responder
por obrigações da sociedade sempre que houver abuso da
personalidade jurídica desta ou confusão patrimonial, está claramente
dispondo, a contrario sensu, que, sem esse mau uso, será sempre
respeitada a autonomia patrimonial de cada um” (DINAMARCO,
“Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e
contraditório”, pp. 531-532). No mesmo sentido, expõe Maurício
Giannico: “apesar de o texto desse dispositivo legal não ter sido
reproduzido pelo Código Civil atual, a distinção entre pessoas físicas
e jurídicas naturalmente ainda se mantém, podendo ser depreendida,
por exemplo, a partir da interpretação do art. 985 desse novo diploma
legal, o qual enuncia que ‘a sociedade adquire personalidade jurídica
com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos
constitutivos (arts. 45 e 1.150)” (Expropriação executiva, p. 90, n.r.
100).
63. Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, p.
261.
64. Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, houve certa
controvérsia sobre a possibilidade de expropriação de participação
societária (cf. BARBOSA MOREIRA, Direito aplicado II –
pareceres, pp. 474-481). No estatuto processual vigente, tal
possibilidade está regulamentada (art. 861).
65. O homem da rua (l’uomo della strada) é a figura com que
Calamandrei ilustra o leigo em direito, que, por não estar
contaminado por dogmas jurídicos, muitas vezes revela-se mais
sensível à lógica do équo e do razoável (cf. DINAMARCO,
“Relativizar a coisa julgada material”, n. 19).
66. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 497. O artigo
encontra-se reproduzido na coletânea Disregard of the corporate
fiction and allied corporation problems.
67. Eis um dos vários casos relatados por Wormser em seu estudo: “One
other case will serve to make it clear that the courts ignore the concept
of legal corporate entity when used as a shield for fraudulent attempts
to swindle creditors. In First National Bank of Chicago v. Trebein
Company, an insolvent individual, one F.C. Trebein, together with his
wife, his daughter, his son-in-law, and his brother-in-law, formed a
corporation and then conveyed to it every vestige of tangible property
which he owned. His creditor insisted and proved that the purpose in
creating the corporation was to hinder and defraud them. The court
held that ‘the corporation was in substance another F.C. Trebein’, and
that ‘his identity as owner of the property was no more changed by his
conveyance to the company than it would have been by taking off one
coat and putting on another’. It was held to be immaterial that four out
of five hundred shares of stock were held not by Trebein himself but
by his relatives; that circumstance quite properly did not deter the
Supreme Court of Ohio from deciding that the corporation was ‘in
substance another F.C. Trebein’” (“Piercing the corporate veil of
corporate entity”, p. 502).
68. WORMSER, “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 497.
69. Segundo Simone Lahorgue. Nunes e Pedro Henrique Torres Bianqui,
trata-se do “primeiro estudo conhecido sobre o assunto” (“A
desconsideração da personalidade jurídica: considerações sobre a
origem do princípio, sua positivação e a aplicação no Brasil”, p. 301).
70. Nesse sistema jurídico, observa Maria de Fátima Ribeiro, “a ausência
de preocupação quanto ao rigor dogmático que fundamenta as
soluções encontradas contribui para o predomínio da justiça material
no caso concreto”. (A tutela dos credores da sociedade por quotas e a
‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 96).
71. Mal traduzida, a expressão inglesa disregard doctrine pode provocar a
errônea impressão de que a desconsideração da personalidade jurídica
é criação da doutrina. Na literatura jurídica anglo-saxã, o vocábulo
doctrine (ou a locução legal doctrine) comumente designa um
conjunto de regras extraído de precedentes, e não escritos de
estudiosos do direito.
72. O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e
comercial, p. 115. No mesmo sentido, Marçal Justen Filho expôs: “o
tema não se coloca ao nível do sistema ou da teoria; não é cogitável
aprioristicamente pelo trabalho doutrinário. O doutrinador, que
raciocina o direito independentemente de questões concretas, dispõe
da solução sistemática e teórica. Ou seja, se há um agrupamento
personificado, a decorrência é a inconfundibilidade entre tal pessoa
jurídica e seus sócios. […] O tema se põe, isto sim, perante o
aplicador do direito, que se vê diante do problema concreto e avalia as
repercussões efetivas da incidência de um certo princípio teórico. É
que visualiza a inadequação dessa solução perante certos valores.
Vale dizer: a teoria da desconsideração não foi produzida pela ciência
do direito, mas a partirda jurisprudência (ou seja, da atividade
judiciária de aplicação do direito ao caso concreto)”.
(Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
p. 54).
73. No início de seu artigo, o jurista norte-americano coloca seguinte a
questão: “When should the concept of corporate entity be adhered to,
when should it be disregarded?”. Ao fim, após analisar uma série de
casos concretos, apresenta esboço de sistematização que tem como
ponto de convergência o abuso (“Piercing the corporate veil of
corporate entity”, p. 496; p. 517).
74. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 496.
75. Em tradução livre: “desconsideração da pessoa jurídica”.
76. Em tradução livre: “levantar o véu da pessoa jurídica”.
77. Em tradução livre: “penetrar o véu da pessoa jurídica”.
78. Cf. ALTING, “Piercing the veil in American and German law –
liability of individuals and entities: a comparative view”, p. 190, n.r.
6; p. 192.
79. Nos países em que ganhou atenção, o instituto recebeu denominações
variadas, mas todas de algum modo derivadas de uma das três
expressões cunhadas por Wormser. Cf. GARCIA, “Desconsideração
da personalidade jurídica no Código no Código de Defesa do
Consumidor e no Código Civil de 2002”, n. 2; RIBEIRO, A tutela dos
credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da
personalidade jurídica’, p. 67, n.r. 1; PARENTONI, Desconsideração
contemporânea da personalidade jurídica, pp. 59-61.
80. “A maioria dos doutrinadores acredita que a teoria da personalidade
jurídica teve sua origem na Inglaterra, no caso Salomon v. Salomon &
Co. Ltd., de 1892” (SILVA, “Desconsideração da personalidade
jurídica: limites para sua aplicação”, n. 7). A título de exemplo, cf.:
BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica, p. 50; BLOK, “Desconsideração da
personalidade jurídica: uma visão contemporânea”, n. 4;
RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e
processo, p. 45; GUIMARÃES, Desconsideração da personalidade
jurídica no Código do Consumidor – aspectos processuais, pp. 21-23;
VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC –
natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 45, n.r. 12.
81. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle
società di capitali nella common law e nella civil law, p. 91.
82. “Lord Herschell ponderou que, uma vez que se admite que a
sociedade, por seu liquidante, possa fazer valer determinados direitos
contra seu sócio principal, está-se evidentemente a reconhecer sua
personalidade jurídica distinta, não sentido, portanto, dizer-se que a
sociedade é mero alias de seu sócio. O mesmo juiz salientou que a
circunstância de estarem quase todas as ações em nome de Aaron e de
estarem as poucas ações restantes em mãos de pessoas de sua família
(que seriam meros figurantes, testas-de -ferro do marido e pai) não
tinha por si o condão de afetar a circunstância de que a sociedade fora
validamente constituída nem o de fazer nascer contra a pessoa dos
sócios deveres que, de outra forma, inexistiriam. Lord Macnaghten,
em seu voto, enfrentou também a problemática da sociedade
unipessoal, sustentando que a circunstância de virem as ações a ser
transferidas durante a vida a uma só pessoa não afeta em nada a
existência nem a capacidade de uma sociedade à qual a personalidade
jurídica foi reconhecida” (CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise
da pessoa jurídica, p. 457). Segundo Paola Manes, a decisão tomada
pela House of Lords foi “fortemente condizionata dall’assoluta
mancanza di prove dell’utilizatione frodatoria della società o
dell’abuso dello schermo societário: infatti, se questi requisiti fossero
stati presenti, l’esito sarebbe statto probabilmente diverso” (Il
superamento della personalità giuridica – l’esperienza inglese, p.
145).
83. VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle
società di capitali nella common law e nella civil law, p. 92.
84. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 501, n.r. 17.
85. “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 501.
86. Cf. SERICK, Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el
abuso de derecho por medio de la persona jurídica, p. 95, n.r. 26.
87. O título original do trabalho, segundo Corrêa de Oliveira, era
“‘Rechtsform und Realität juristischer Personen – Ein
rechtsvergleichender Beitrag zur Frage des Durchgriffs auf die
Personen oder Gegenstände hintter der juristischen Person’
(literalmente, ‘Forma jurídica e realidade das pessoas jurídicas –
Contribuição de Direito Comparado à questão da penetração
destinada a atingir pessoas ou objetos situados atrás da pessoa
jurídica’)” (A dupla crise da pessoa jurídica, p. 296).
88. “La radical separación entre la persona jurídica y sus miembros
componentes constituye, por todo ello, un rasgo distintivo y cabe
ciertamente preguntar si en definitiva es admisible que se quebrante
este principio. La jurisprudencia no ha vacilado en dar una respuesta
afirmativa. Pero todavía no está en claro cuál es el fundamento teórico
que lo justifica. Al propio tiempo, es muy discutible la determinación
de los casos en que será posible alcanzar el resultado señalado. Estas
dudas responden al peligro de que el hecho de prescindir de la forma
de la persona jurídica se generalice demasiado y con ello quede sin
valor la misma figura de la persona jurídica” (Apariencia y realidad
en las sociedades mercantiles – el abuso de derecho por medio de la
persona jurídica, p. 26; pp. 31 ss.).
89. “La actual investigación ha demostrado que también en Derecho
americano la persona jurídica de Derecho privado ha sido ideada para
permitir que sus miembros componentes puedan tomar parte en la
vida jurídica en una forma independizada respecto a ellos, sin que
sean personalmente responsables de las deudas de la sociedad. Por
ello, en el tráfico negocial de buena fe la persona jurídica puede
celebrar contratos en lugar de sus socios, adquirir propiedad,
demandar y ser demandada […] La idea fundamental de la persona
jurídica que el Derecho ha tenido en cuenta para fijar su
responsabilidad debe ser primordialmente respetada en todos los
negocios jurídicos. Pero de toda corporation rige el principio de que
‘debe ser empleada para fines negociales y no debe quedar
desvirtuada’. Si se abusa de una sociedad para fines ajenos a su razón
de ser, la disregard doctrine evita que el Derecho tenga que sancionar
tan temeraria empresa” (Apariencia y realidad en las sociedades
mercantiles – el abuso de derecho por medio de la persona jurídica,
pp. 132-133).
90. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de
derecho por medio de la persona jurídica, p. 135.
91. “A noção de abuso de um instituto (no caso, a pessoa jurídica) é por
Serick formulada a partir da noção de abuso de direito, restrita esta
aos abusos de direitos subjetivos. Embora, porém, o autor invoque a
noção de abuso de direito em sua formulação objetivista (exercício de
modo contrário à função ético-jurídica e social do direito), citados,
dentre outros, Soergel-Siebert e Esser, a noção de abuso da pessoa
jurídica que Serick termina por aplicar só é levada em conta como
justificativa da desconsideração da pessoa jurídica de Direito Privado
se acompanhada de elemento subjetivo (nos casos em exame,
intenção de fraude à lei). Não provada tal intenção, não se justificaria
a desconsideração” (CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da
pessoa jurídica, p. 301). No mesmo sentido, cf. SALOMÃO FILHO,
O novo direito societário, p. 235.
92. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de
derecho por medio de la persona jurídica, p. 136.
93. BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo
civil, p. 24.
94. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de
derecho por medio de la persona jurídica, p. 28.
95. MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva
no direito civil e comercial, p. 111, n.r. 299.
96. A conferência foi convertida no célebre artigo “Abuso de direito e
fraude através dapersonalidade jurídica”, publicado na Revista dos
Tribunais n. 410/1969.
97. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 2.
98. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 2.
99. É equivocada, portanto, a afirmação de que à obra de José Lamartine
Corrêa de Oliveira – publicada apenas em 1979 – “se deve a adoção
do termo ‘desconsideração’” (VIEIRA, Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e
temas polêmicos, p. 45).
100. Em Portugal, Menezes Cordeiro censurou (de forma totalmente
arbitrária, diga-se) a denominação brasileira do instituto:
“‘Desconsideração’ não parece adequado. Tratase duma fórmula
anglo-saxónica afastada das nossas tradições. Além disso, tem um
inequívoco sabor pejorativo que não faz, aqui, sentido” (O
levantamento da personalidade colectiva no direito civil e
comercial, pp. 102-103). Ainda assim, ela tem prevalecido em obras
recentemente publicadas naquele país.
101. Entre outros, cf. BIANQUI, Desconsideração da personalidade
jurídica no processo civil, p. 40.
102. “A ninguém é lícito duvidar, nos dias que correm, da importância dos
estudos comparativos, indispensáveis, entre outros fins, para que os
ordenamentos jurídicos possam beneficiar-se reciprocamente das
experiências levadas a cabo fora das fronteiras nacionais. […] Uma
coisa, porém, é a atenção crescente ao direito comparado,
movimento a que o autor desta palestra dificilmente poderia ser
tachado de alheio. Outra, bem distinta, é o deslumbramento ingênuo
que impele à imitação acrítica de modelos estrangeiros. […]
Primeiro, cumpre examinar a fundo o modo como na prática
funciona o instituto de que se cogita no país de origem – análise que
reclama a visita direta às fontes, o conhecimento dos textos originais,
mas também a consulta da jurisprudência e da doutrina alienígenas, a
fim de evitar erros de perspectiva em que não raro incorrerá quem se
contente com leituras de segunda ou terceira mão, com traduções
nem sempre fidedignas, ou – pior ainda – com a contemplação de
seqüências de películas cinematográficas, superlativamente
emocionantes, porém sem compromisso maior com a realidade.
Valha o exemplo de tantos filmes policiais norte-americanos,
capazes de dar a impressão de que, nos Estados Unidos, a quinta-
essência do processo penal consiste no espetacular episódio do trial,
que não dispensa um juiz armado de martelo, embora provido de
poderes escassos em mais de um aspecto, ao passo que na verdade
constituem minoria insignificante, não ultrapassam 10% do total, os
feitos criminais que chegam até esse ponto” (“O futuro da justiça:
alguns mitos”, pp. 7-8).
103. É o que se infere do seguinte trecho de sua obra: “o desprêzo das
formas de direito das pessoas jurídicas, o ‘disregard of Legal Entity’,
provém de influências, conscientes e inconscientes, do capitalismo
cego, que, chegando a negar, por vêzes, a ‘pessoa’ jurídica privada,
prepara o caminho para negar a ‘pessoa’ do Estado” (Tratado de
direito privado, t. L, p. 303).
104. “A doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-americanos, da qual
partiu o Prof. Rolf Serick para compará-la com a moderna
jurisprudência dos tribunais alemães, visa a impedir a fraude ou
abuso através o da personalidade jurídica. […] É uma constante nos
julgamentos dos tribunais americanos, como nos germânicos, que o
levantamento do véu da personalidade jurídica, pela aplicação da
‘disregard doctrine’, é feito com extrema cautela e em casos
excepcionais. Não se transformou, nas várias décadas em que tem
sido usada, numa panacéia, aplicável ao talante de paixões, dúvidas e
interesses momentâneos e menos graves. Os juízes norte-americanos
que se vêem obrigados a aplicar a doutrina não perdem o ensejo de
invocar o seu caráter excepcional, após acentuar que a pessoa
jurídica normalmente se distingue da pessoa dos sócios que a
compõem e que respeitam essa autonomia. Apenas no caso em que a
fraude ou abuso de direito se revelam à calva é que suspendem o véu
da personalidade, para colhêr a pessoa do sócio ou os bens
envolvidos, para não se consumar a iniqüidade. […] Quando
propugnamos pela divulgação da doutrina da desconsideração da
pessoa jurídica em nosso direito, o fazemos invocando aquelas
mesmas cautelas e zelos de que a revestem os juízes norte-
americanos, pois sua aplicação há de ser feita com extremos
cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem a impedir a
fraude ou o abuso de direito em vias de consumação. […] Há, pois,
necessidade de se atentar com muita agudeza para a gravidade da
decisão que pretender desconsiderar a personalidade jurídica. Que
nos sirva de exemplo, oportuno de edificante, a cautela dos juízes
norte-americanos na aplicação da ‘disregard doctrine’, tantas vezes
ressaltada em seus julgados, de que ela tem aplicação nos casos
efetivamente excepcionais” (“Abuso de direito e fraude através da
personalidade jurídica”, n. 7).
105. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 11.
106. Com acórdão extraído da jurisprudência brasileira, Requião ilustrou o
que seria uma descabida desconsideração da personalidade jurídica:
“Na apelação cível de São Paulo n. 90.636, entre apelantes Antônio
dos Santos Morais e outros e apelada Adail S/A., desastradamente se
desconsiderou a distinção entre a pessoa dos sócios e a personalidade
jurídica, a pretexto de que essa limitação diz respeito às operações de
caráter comercial e a espécie era de caráter civil. Vejamos a ementa,
que é elucidativa: ‘Ocorrendo incêndio do prédio alugado a uma
sociedade por cotas de responsabilidade limitada, não podem os
sócios invocar a limitação da sua responsabilidade até o limite do
capital. Tal limitação diz respeito às operações de caráter comercial’.
Sustentou o acórdão que não provara a locatária, sociedade
comercial, que o incêndio que ocorrera em prédio que se instalara
não resultou de caso fortuito, e que não haviam tomado providência
de segurar o armazém sinistrado contra fogo, embora nêle
depositassem material facilmente inflamável. E conclui o
fundamento do acórdão: ‘Em tais condições, a responsabilidade dos
réus era inafastável. A pretendida limitação dos sócios à
responsabilidade pelas dívidas até o limite do capital social não tem
cabimento. Tal limitação diz respeito às operações de caráter
comercial e a dívida aqui cobrada resulta de culpa de natureza
civil’… Ora, houve desconsideração da pessoa jurídica da sociedade,
penetrando o acórdão o seu véu, para fixar a responsabilidade dos
sócios. Apenas o agrupamento não é válido, pois a limitação da
responsabilidade da sociedade comercial não distingue entre as
obrigações civis e as obrigações comerciais, para que se chegasse a
tão condenável e injusta decisão” (“Abuso de direito e fraude através
da personalidade jurídica”, n. 11).
107. As ideias que Requião procurou transmitir não foram de pronto
compreendidas pela comunidade jurídica brasileira. É o que se
conclui do relato de Corrêa de Oliveira sobre a tramitação do projeto
do Código Civil de 2002: “No 1º Anteprojeto elaborado pela
Comissão residida pelo Prof. Miguel Reale, introduziu-se norma que,
segundo o Supervisor da Comissão, visava justamente incorporar ao
futuro Código as sugestões derivadas da contribuição do Prof.
Requião, basicamente as de seu artigo que vem de ser comentado
[“Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, in
Revista dos Tribunais n. 410/ 1969]. Com efeito, dizia o Prof. Reale:
‘… acolhendo-se sugestões do Prof. Rubens Requião, cuidou-se de
prevenir e repelir os abusos perpetrados à sombra da personalidade
jurídica’. O dispositivo a que se referia o Prof. Reale era o art. 49,
assim redigido: ‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins
que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou
cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá
ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar-
lhe a dissolução. Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis,responderão, conjuntamente com os da pessoa
jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela
se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se
norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os
membros da administração’. O texto do Anteprojeto, principalmente
em seu caput, não correspondia, de nenhum modo, às idéias básicas
das teses de desconsideração. Em verdade, o artigo misturava coisas
distintas – a idéia de desconsideração com a de dissolução por ter
passado a entidade a servir a finalidades ilícitas, matéria diversa e já
há muito objeto, entre nós, de norma especial (art. 6º do Decreto-lei
n. 9.085, de 25 de março de 1946). As críticas não se fizeram
esperar, fazendo sentir o Prof. Requião, de modo particular, que se
puniam com tal dispositivo os sócios inocentes (em relação à fraude)
com a dissolução da sociedade. Na versão de 1973, seria alterada a
norma criticada, referindo o Prof. Reale a solução adotada, ‘que
condena o uso indevido da personalidade jurídica, quando desviada
dos fins econômico-sociais que legitimam a distinção entre o
patrimônio dos sócios e o das pessoas jurídicas’. E acrescenta: ‘Foi
julgada procedente a crítica quanto à excessiva sanção prevista no
Anteprojeto anterior, estatuindo-se, agora, ou tão somente a exclusão
do sócio responsável, que responderá perante a pessoa jurídica e
terceiros, ou então, tais sejam as circunstâncias, até mesmo a
dissolução da associação ou sociedade’. De fato, o novo texto (art.
48), mantendo idêntica a redação do parágrafo único, dava a seguinte
redação ao caput da norma: ‘A pessoa jurídica não pode ser desviada
dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento
ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que
poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios ou do
Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais
sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade’. A dissolução
aparecia já aqui, portanto, como solução alternativa, excepcional,
‘tais sejam as circunstâncias’. A sanção normal seria a de exclusão
do sócio responsável. E a legitimidade para requerer a medida
deslocava-se para os sócios. Foi esse o texto mantido no art. 48 do
Projeto n. 634/1975, enviado pelo Executivo à Câmara dos
Deputados. Perante a Câmara, assim se expressou o Prof. Requião:
‘O anteprojeto havia dado solução diferente, determinando a
dissolução da sociedade. Mas isso, como contraditamos na ocasião,
importava em punir os demais sócios, que não deviam responder
pela truculência e fraude do sócio atingido. Não seria justo. A
comissão, porém, embora melhorando o texto, não acolheu a
doutrina em toda a sua pureza…’”. (A dupla crise da pessoa
jurídica, pp. 555-557). O dispositivo em questão, como se sabe,
acabou promulgado com redação bem distinta (art. 50 do Código
Civil). Cf. PASSOS-LIMA, Memória legislativa do Código Civil, p.
18.
108. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, n. 6.
109. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles – el abuso de
derecho por medio de la persona jurídica, p. 242.
110. CORRÊA DE OLIVEIRA, A dupla crise da pessoa jurídica, pp. 357
ss.
111. MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva
no direito civil e comercial, p. 126.
112. “Se a vontade e a intenção do agente eram orientadas a obter ou não
o resultado concretizado, isso é irrelevante. Há disfunção quando os
fins almejados pelo direito não são realizados pelo agente – sem que
se altere essa configuração pelo fato de que a intenção do agente era
a de realizar os ditos fins. Correlativamente, inexiste disfunção se os
fins previstos pelo direito são realizados, ainda que isso decorra do
acaso ou se verifique contra a vontade do sujeito. Bem por isso, a
desconsideração não depende da vontade de abusar ou da
consciência de prejudicar os interesses alheios. Não se indaga o
elemento subjetivo do agente, mas tão-somente a situação do
desempenho da função” (JUSTEN FILHO, Desconsideração da
personalidade societária no direito brasileiro, p. 141).
113. MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva
no direito civil e comercial, p. 126.
4
A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS
HIPÓTESES
4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil,
art. 50)
O art. 50 do Código Civil é sem dúvida a principal referência
legislativa do país no que diz respeito ao instituto da
desconsideração.114 De acordo com o caput do dispositivo, cabe
a disregard quando constatado “abuso da personalidade
jurídica” por parte de seus integrantes.
À primeira vista, a prescrição legal parece obrigar o
intérprete a perscrutar o significado da expressão “abuso da
personalidade jurídica”, de conteúdo supostamente
indeterminado.115 Mas a leitura do dispositivo em sua inteireza
revela que a tarefa interpretativa é outra: “em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
Como se vê, a própria lei tratou de delimitar,116 em oração
subordinada, o que se deve entender por abuso da personalidade
jurídica, preceituando que ele estará configurado quando houver
desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Com a entrada em
vigor da Lei 13.874/2019, que alterou o art. 50 do Código Civil,
o legislador foi além e deu a tais condutas definições: desvio de
finalidade seria “a utilização da pessoa jurídica com o propósito
de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer
natureza” (§ 1º); confusão patrimonial, por sua vez, consistiria
na “ausência de separação de fato entre os patrimônios” da
pessoa jurídica e seus integrantes (§ 2º).
Para que bem se compreendam essas duas modalidades de
abuso, convém examiná-las mais de perto.
4.1.1. Desvio de finalidade
Para se definir o que configura desvio de finalidade da pessoa
jurídica, é logicamente necessário indagar antes acerca de sua
finalidade.117 Quanto ao ponto, duas são as interpretações
possíveis.
Como já registrado (supra, n. 1.2), o ordenamento jurídico
viabiliza a criação de entidades dotadas de autonomia
patrimonial com o intuito de propiciar a organização e o
desenvolvimento de atividades que o Estado considera legítimas.
Tal é a finalidade do instituto pessoa jurídica. Por outro lado,
toda e qualquer pessoa jurídica é constituída para a realização de
um propósito específico, eleito por aqueles que idealizaram a sua
criação. No caso de uma companhia, por exemplo, esse
propósito estará representado em seu objeto social, identificando
a atividade exercida pela pessoa jurídica para proporcionar lucro
aos seus acionistas. Trata-se aqui da finalidade de cada pessoa
jurídica individualmente considerada.
À vista disso, põe-se a seguinte questão: ao prescrever o
desvio de finalidade como causa para a desconsideração da
personalidade jurídica, refere-se o artigo 50 do Código Civil à
finalidade do instituto pessoa jurídica ou à finalidade de cada
pessoa jurídica individualmente considerada? A resposta
interfere de forma significativa no âmbito de incidência da
norma.
Antes de editada a Lei 13.874/2019, parte minoritária da
doutrina sustentava que a disposição do art. 50 do Código Civil
dizia respeito à finalidade da pessoa jurídica em específico. Ou
seja, estaria sujeita à desconsideração a pessoa jurídica que
atuasse em desconformidade com seu estatuto. Sociedade que
tivesse como objeto a prestação de determinado serviço, v.g.,
não poderia dedicar-se a atividade estranha a esse escopo, sob
pena de seus integrantes incorrerem em abuso da personalidade
jurídica. Era essa a posição de BRUNO MEYERHOF SALAMA, para
quem o desvio de finalidade dava-se “quando sócios ou
administradorespraticam atos em nome da empresa com fins
distintos daqueles estabelecidos no objeto social”.118
Tal interpretação é incompatível com a atual redação do art.
50, categórica ao dispor que “não constitui desvio de finalidade
a mera expansão ou a alteração da finalidade original da
atividade econômica específica da pessoa jurídica” (§ 5º). Essas
condutas, em realidade, inserem-se na prática dos chamados atos
ultra vires societatis (“além das forças da sociedade”). Trata-se
de matéria regulada em dispositivo distinto do Código Civil,119 e
que definitivamente não se relaciona com o instituto da
desconsideração.120 No que diz respeito à atuação ultra vires
societatis, a discussão gira em torno da validade e da eficácia de
atos praticados em desacordo com o objeto social.121 Na
desconsideração, por sua vez, o que está em pauta é a
responsabilização de sujeitos que tenham se utilizado
abusivamente de uma pessoa jurídica, e não a validade ou a
eficácia de qualquer ato que seja.
A definição de desvio de finalidade, hoje dada pelo art. 50, §
1º, do Código Civil,122 corresponde em grande medida ao que
LAMARTINE CORRÊA denominou crise da função da pessoa
jurídica. Trata-se, segundo o autor, de fenômeno verificado em
diversos países, consistente no uso da pessoa jurídica – de sua
autonomia patrimonial, especificamente – para fins distintos dos
que justificam sua existência no ordenamento.123 Dessa forma,
caso não seja utilizada propriamente para a organização e o
desenvolvimento de atividades legítimas, mas para a realização
de propósitos antijurídicos, estará a pessoa jurídica a desviar-se
de sua finalidade como instituto, ensejando a desconsideração.124
Tal interpretação, vale dizer, vai ao encontro da mens
legislatoris125 em sua origem: na exposição de motivos do
Código Civil, MIGUEL REALE identificou o abuso da personalidade
jurídica ao desvio dos “objetivos socioeconômicos” do
instituto.126
Não faltam exemplos para ilustrar o desvio de finalidade da
pessoa jurídica, que pode se concretizar das mais variadas
formas. Num dos casos imaginados no terceiro item deste
trabalho (supra, n. 3), que envolvia a prestação de serviço de
instalação de redes de proteção em apartamentos, sua
manifestação é clara. Naquela hipótese, a sociedade não servia
ao desenvolvimento da atividade comercial, mas à blindagem
dos patrimônios dos sócios contra pretensões legítimas. Eis a
pessoa jurídica sendo usada para fim antijurídico, em
descompasso com seu papel no ordenamento.
Outro bom exemplo de desvio de finalidade é lembrado por
ALEXANDRE ALBERTO TEODORO DA SILVA.127 O autor alude ao caso
de sujeitos que vendem estabelecimento comercial e celebram
com o comprador o compromisso de não concorrer na região em
que instalado o negócio alienado. Em seguida, para contornar a
obrigação de não fazer, constituem nova pessoa jurídica e
passam a desenvolver, em seu nome, justamente a atividade que
se comprometeram a não desempenhar. Tem-se aí a formação de
sociedade com o nítido propósito de eludir obrigação contratual,
desviando-se a pessoa jurídica de sua finalidade institucional.
4.1.2. Confusão patrimonial
A constituição de toda pessoa jurídica tem como principal
consectário a formação de um centro de interesses autônomo,
que se distingue da esfera patrimonial de cada um de seus
integrantes (supra, n. 1.2). Tal distinção, contudo, somente
poderá se sustentar enquanto seus próprios membros a
observarem, zelando para que seus direitos e deveres
particulares sejam administrados de forma rigorosamente
separada dos interesses da pessoa jurídica. A partir do momento
em que os próprios integrantes da pessoa jurídica deixam de
respeitar essa separação patrimonial, inexistirá razão para que
terceiros sejam obrigados a fazê-lo.128
Também chamado em Portugal de mistura de patrimónios,129
o fenômeno da confusão patrimonial é uma das mais
corriqueiras causas de desconsideração da personalidade
jurídica, sobretudo em sociedades fechadas.130 Não raro, sócios
valem-se de recursos sociais para a realização de interesses
estritamente pessoais, que não guardam relação com a atuação
da sociedade, deixando, assim, de observar a rígida separação
que deve haver entre o patrimônio particular e o patrimônio
social. Com tal comportamento, abrem caminho para a
desconsideração da personalidade jurídica e sua
responsabilização por obrigações da sociedade, pois “quem
ignora a separação patrimonial, confundindo o seu patrimônio
com o patrimônio social, não pode, contraditoriamente, invocar
a separação que ignorou”.131-132 De certa forma, portanto, a
disregard fundada em confusão patrimonial expressa o repúdio
da ordem jurídica ao venire contra factum proprium.133
A confusão entre esferas patrimoniais pode manifestar-se nos
mais variados comportamentos. Alguns deles são
exemplificados nos incisos do § 2º do art. 50 e apresentam-se de
forma mais ou menos explícita. Há sócios que reiteradamente
imputam despesas particulares (turismo, alimentação, vestuário
etc.) à sociedade, para que sejam quitadas com recursos sociais;
que registram em nome da sociedade veículos destinados à
locomoção sua e de seus familiares; que se valem de
empregados da sociedade para a prestação de serviços
domésticos em suas residências etc. Noutros casos, a
apropriação indevida de recursos sociais pode ocorrer de
maneira dissimulada, para camuflar a confusão patrimonial. A
doutrina menciona hipóteses, v.g., em que o sócio adquire bem
da sociedade por valor inferior ao de mercado ou, por outro lado,
aliena à pessoa jurídica bem por preço superestimado.134 Daí por
que a celebração de negócios entre a pessoa jurídica e seus
integrantes deve ser sempre observada com olhos vivos: embora
não caracterize ilicitude per se, pode acobertar operação
indevida.
4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades
Para a hipótese de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial,
o caput do art. 50 do Código Civil prescreve que os efeitos de
determinadas obrigações da pessoa jurídica sejam estendidos
aos bens particulares de seus integrantes. Já o § 3º, introduzido
pela Lei 13.874/2019, consagra a chamada desconsideração
inversa da personalidade jurídica, cujo cabimento era
reconhecido havia muito tanto pela doutrina135 quanto pela
jurisprudência.136
Nessa última modalidade, a desconsideração revela-se útil
quando o devedor, para esquivar-se de seus credores,
formalmente transfere seus bens particulares a pessoa jurídica
sob seu controle direto ou indireto. Em tais casos, a extensão dos
efeitos da obrigação do sujeito devedor à pessoa jurídica por ele
controlada frustra a manobra fraudulenta, pois permite que o
credor se satisfaça à custa do patrimônio social. Curiosamente,
uma das primeiras ocorrências de desconsideração da
personalidade jurídica já relatadas deu-se na modalidade inversa.
Trata-se do caso First National Bank of Chicago v. Trebein
Company, julgado em 1898. Para evitar que seu patrimônio
fosse consumido por suas dívidas, F.C. Trebein constituiu, com
quatro familiares, a empresa Trebein Company, transferindo-lhe
todos os seus bens. No entanto, seus credores acusaram a
manobra e afirmaram em juízo que a companhia havia sido
criada com o propósito de defraudá-los. O argumento foi
acolhido pela Suprema Corte de Ohio, que considerou a empresa
responsável pelo pagamento das dívidas de F. C. Trebein.137
Essas são as modalidades de desconsideração a que alude o
art. 50 do Código Civil, mas não as únicas. Como bem se sabe, a
interpretação literal de um texto normativo “é apenas o ponto de
partida da atividade hermenêutica”.138 Uma leitura teleológica
do dispositivo, sempre à luz de sua mens (reprimir o uso
indevido da personalidade jurídica), oferece várias outras
possibilidades de aplicação do instituto.
O art. 50 autoriza, por exemplo, que a desconsideração sirva
à responsabilização de uma pessoa jurídica por obrigação de
outra quando estejam direta ou indiretamente sob o mesmo
controle. Em grupos de sociedades (sejam elesde fato ou de
direito),139 por exemplo, pode muito bem ocorrer de seus
controladores transferirem ativos e passivos patrimoniais de uma
empresa a outra “ao sabor de maliciosas conveniências”.140 Não
é incomum a estruturação de complexas teias societárias como
estratégia de fuga da responsabilidade,141 concentrando-se a
atividade empresarial em certas pessoas jurídicas enquanto os
ativos do grupo são mantidos noutras. Diante de tais manobras, a
disregard presta-se à responsabilização da pessoa jurídica
dotada de bens por dívidas daquela utilizada para acumulação de
obrigações. Todavia, é preciso saber separar o joio do trigo: nos
termos do § 4º do art. 50, a constatação de abuso será sempre
condição para a incidência da desconsideração, não sendo
possível aplicá-la diante da simples existência de coligação entre
sociedades.142 Ao contrário, chegar-se-ia ao ponto – absurdo –
de se sancionar com a desconsideração o tão só fato de um
sujeito controlar ou deter participação em mais de uma
sociedade empresária, comportamento que nada tem de ilícito.
Segundo o mesmo raciocínio, o art. 50 pode ser aplicado às
hipóteses em que se verifica a chamada sucessão irregular de
empresas. Trata-se de situação em que os controladores de
sociedade empresarial insolvente – ou na iminência de cair em
insolvência – furtivamente transferem suas atividades a uma
nova pessoa jurídica, para que esta não esteja vinculada às
dívidas acumuladas por aquela mas ao mesmo tempo usufrua de
componentes materiais ou imateriais de seu patrimônio (meios
de produção, reputação empresarial etc.).143 Nesses casos, o fato
de a sociedade primitiva compartilhar ativos com sua
“sucessora” denota confusão entre seus patrimônios, o que
impõe sejam também compartilhados os passivos de ambas.
Em período recente, tem-se falado em nova modalidade de
desconsideração da personalidade jurídica, chamada pela
doutrina de expansiva.144 Também extraível da leitura
teleológica do art. 50, visa a atingir sujeitos que, para se
resguardar da possibilidade de aplicação da disregard em sua
forma tradicional, participam de sociedades ocultamente, por
meio de testas de ferro. Em agosto de 2017, o Superior Tribunal
de Justiça autorizou o processamento do que seria um pedido de
desconsideração expansiva (e ao mesmo tempo inversa) da
personalidade jurídica. No caso, o credor sustentava que um
conhecido futebolista aposentado, seu devedor, mantinha seus
bens em sociedade da qual participava mediante um laranja.
Apresentando documentos em que o ex-atleta se intitulava
“proprietário” da empresa (muito embora não contasse de seu
quadro societário), o interessado pediu a instauração de
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com
vista a alcançar o patrimônio da sociedade. Após o requerimento
ter sido indeferido pelo tribunal local, o STJ deu provimento a
recurso especial interposto pelo credor para determinar a
instauração do incidente, por verificar “indícios de que o
recorrido seria sócio e de que teria transferido seu patrimônio
para a sociedade de modo a ocultar seus bens do alcance de seus
credores”.145
Finalmente, vale observar que o art. 50 do Código Civil
sugere que o instituto da desconsideração seja aplicável apenas
aos casos de abuso da personalidade jurídica societária,
porquanto o texto normativo prescreve “que os efeitos de certas
e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios”. Todavia, também
nesse ponto a interpretação literal deve ceder espaço à leitura
teleológica do dispositivo legal. Se por um lado é certo que o
abuso da personalidade jurídica se dê majoritariamente em
sociedades, também é correto dizer que o uso indevido da pessoa
jurídica pode verificar-se em outras espécies do gênero.146 Basta
cogitar, e.g., a hipótese de dirigente de associação que sub-
repticiamente vincula obrigações de seu interesse particular ao
patrimônio associativo. A autonomia patrimonial de toda e
qualquer pessoa jurídica de direito privado pode ser utilizada
nocivamente por quem a controle, inexistindo justificativa
racional para que a desconsideração incida somente quando o
abuso ocorrer no âmbito societário.147
4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de
desconsideração
MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO assevera que a doutrina
frequentemente “cede à tentação” de qualificar como
desconsideração da personalidade jurídica toda e qualquer
situação em que os integrantes de uma sociedade venham a
responder por suas dívidas.148 WALFRIDO WARDE JR. visualiza
tendência semelhante,149 atribuindo-a a uma habitual crença de
que a desconsideração seria rota necessária para se chegar à
responsabilidade dos sócios por obrigações sociais.150
Não é tarefa difícil demonstrar que a responsabilização dos
sócios por dívidas da sociedade não necessariamente passa pela
desconsideração da personalidade jurídica. Nos tipos societários
de responsabilidade ilimitada, como a sociedade em nome
coletivo, o próprio regime legal ordena que as obrigações sociais
sejam automaticamente imputadas aos sócios quando insolvente
a pessoa jurídica, e não há quem associe tal regramento à
disregard. Com efeito, não deve haver confusão entre hipóteses
em que os membros da sociedade ordinária e subsidiariamente
respondam por obrigações sociais (que nada têm a ver com o
instituto da desconsideração) e casos em que a responsabilidade
dos sócios surja em caráter extraordinário, como consequência
de alguma forma de abuso da personalidade jurídica. Trata-se de
fenômenos evidentemente distintos.151
Como regra, integrantes de sociedades de responsabilidade
limitada não respondem ordinária e subsidiariamente por
obrigações sociais (supra, n. 2). Contudo, conforme já registrado
neste trabalho (supra, n. 2.2.), é perfeitamente concebível que tal
regime seja posto de lado pela lei em relação a obrigações de
determinada natureza. Basta haver uma escolha político-
legislativa no sentido de não submeter determinado nicho de
credores ao regime de limitação de responsabilidade de que
gozam os integrantes de certas sociedades.152
No ordenamento jurídico brasileiro, ao menos duas classes de
obrigações foram colocadas à margem do regime de limitação de
responsabilidade, recebendo especial proteção do legislador: as
oriundas de relações de consumo e aquelas de natureza
ambiental. No que diz respeito a essas específicas obrigações,
mesmo nos tipos societários de responsabilidade limitada, a
insolvência da sociedade será razão suficiente para que a dívida
social recaia sobre os sócios – como se verifica nas sociedades
de responsabilidade ilimitada com relação a toda e qualquer
dívida. Em tais hipóteses, portanto, não se trata de
responsabilidade extraordinária dos sócios, decorrente de abuso
da personalidade jurídica, senão de responsabilidade ordinária,
que a legislação lhes atribui independentemente de seu
comportamento no âmbito societário. Logo, não há motivo para
relacioná-la ao instituto da desconsideração – desenvolvido e
consolidado como meio de sanção ao mau uso da personalidade
jurídica (supra, n. 3).
Ocorre que o legislador, decerto embalado pela tendência
identificada por MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO e WARDE JR.,
erroneamente associou à disregard doctrine normas que na
verdade tratam da responsabilidade subsidiária dos sócios por
obrigações de origem consumerista ou ambiental. O Código de
Defesa do Consumidor prescreve que “poderá [rectius:
deverá]153ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados aos consumidores” (art. 28, § 5º). Idêntica
fórmula é encontrada no art. 4º da Lei 9.605/1998, segundo o
qual “poderá [rectius: deverá]154 ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio
ambiente”. Em substância, esses dispositivos simplesmente
estabelecem que os sócios serão ordinária e subsidiariamente
responsáveis por dívidas consumeristas ou ambientais da
sociedade,preceituando que a insolvência da pessoa jurídica fará
com que seus patrimônios particulares sejam acionados para a
satisfação obrigações sociais.155 Eis o conteúdo e o sentido das
normas em questão. E a imprópria referência do texto
normativo156 à expressão “desconsideração da personalidade
jurídica” em nada altera essa realidade, pois em matéria
legislativa “não se consegue mascarar a natureza das coisas com
o simples uso de outros vocábulos”.157
A despeito disso, o conteúdo literal dos dispositivos legais
vertentes fez com que a doutrina e os tribunais neles
vislumbrassem verdadeiras hipóteses de disregard. Em livros e
artigos, tornou-se corriqueira a menção à coexistência de duas
“teorias” da desconsideração da personalidade jurídica no
ordenamento jurídico brasileiro:158 de regra, vigeria a “teoria
maior” da desconsideração, com incidência condicionada à
comprovação de abuso da personalidade jurídica, conforme o
artigo 50 do Código Civil; excepcionalmente, no direito do
consumidor e no direito ambiental, vigoraria a “teoria menor”,
para cuja aplicação bastaria a insolvência da sociedade, nos
termos dos arts. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor e
4º da Lei 9.605/1998. A jurisprudência, por sua vez, abraçou
acriticamente essa classificação.159 Porém, pelas razões já
expostas, o que se convencionou chamar de “teoria menor” só
impropriamente pode ser relacionado ao instituto da
desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se, na verdade,
de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios por
dívidas sociais de origem consumerista ou ambiental, fruto de
uma opção político-legislativa de não submeter essas específicas
obrigações ao regime de limitação de responsabilidade que
vigora em certos tipos societários.160
Ao contrário do que possa parecer a alguns, a conclusão
apresentada não tem sabor puramente acadêmico. Há enorme
relevância prática em reconhecer que os dispositivos legais
mencionados (CDC, art. 28, § 5º; Lei 9.605/1998, art. 4º) não
disciplinam hipóteses de desconsideração da personalidade
jurídica, mas de responsabilidade ordinária e subsidiária dos
sócios. Em autênticos casos de disregard, o administrador não
sócio pode ser atingido161 quando comprovado seu envolvimento
no abuso da personalidade jurídica.162 Todavia, não é válido
implicá-lo na “desconsideração por mera insolvência”, pois,
repete-se, a hipótese aí verificada é de responsabilidade
ordinária e subsidiária dos sócios (note-se bem: dos sócios) por
obrigações sociais de determinada natureza. Em tais casos, a
razão que veda a responsabilização do administrador não sócio é
a mesma que o preserva de responder subsidiariamente por
dívidas numa sociedade de responsabilidade ilimitada: ele não
tem participação no capital social. Ubi eadem ratio ibi idem jus.
A jurisprudência comprova essa relevância prática. Em
julgamento de recurso especial, discutiu-se se um administrador
não sócio poderia ser responsabilizado por obrigação social em
caso de insolvência da pessoa jurídica, por aplicação da “teoria
menor da desconsideração”.163 Concluiu-se, então, pela negativa:
de acordo com acórdão proferido pelo Superior Tribunal de
Justiça, só cabe responsabilizar o administrador não sócio por
incidência da “teoria maior”, vale dizer, quando de sua parte
houver comprovado abuso da personalidade jurídica (CC, art.
50).164 Assim, ainda que não fundada na mesma premissa de
raciocínio, a decisão corrobora a conclusão anteriormente
proposta.
114. Cf. SOUZA, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos
processuais, p. 102; BIANQUI, Desconsideração da personalidade
jurídica no processo civil, p. 67.
115. Cf. XAVIER, “A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no
Código Civil”, n. 4.
116. Nesse sentido, cf. THEODORO JR., Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. XV, p. 329; PALHARES, “A aplicação da teoria
da desconsideração inversa da personalidade jurídica à luz do
ordenamento jurídico brasileiro”, n. 4.1. Arruda Alvim,
diferentemente, compreende o desvio de finalidade e a confusão
patrimonial como exemplos de abuso da personalidade jurídica:
“Segundo o art. 50 do Código Civil para fins de desconsideração da
personalidade jurídica impõe-se a observância concreta de abuso da
personalidade jurídica que se caracteriza, exemplificativamente, (i)
pelo desvio de finalidade da pessoa jurídica, […]; ou (ii) pela
confusão patrimonial” (Manual de direito processual civil, pp. 528-
529).
117. Afinal, “primeiro, faz-se imprescindível saber em que consiste a
perfeição, visto que só pelo confronto com ela se logra compreender
a imperfeição. Constitui defeito, aos nossos olhos, a falta de um
braço ou de uma perna em ser humano porque – e apenas porque –
sabemos que o homem tem normalmente dois braços e duas pernas:
caso não dispuséssemos desse padrão de referência, nenhuma razão
existiria para havermos por ‘defeituoso’ quem porventura dele se
afaste” (BARBOSA MOREIRA, “Citação de pessoa falecida”, pp.
78-79).
118. O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e
economia, p. 202. Em sentido semelhante, Nestor Duarte afirma ser
cabível a desconsideração quando contrariadas suas “finalidades
estatutárias”. (Código Civil comentado, p. 58).
119. “A teoria ultra vires societatis foi elaborada e desenvolvida no direito
inglês, com o intuito de limitar a responsabilidade da sociedade aos
atos praticados em estrita observância de seu objeto social, como
forma de proteger acionistas e credores. […] De fato, enquanto a
teoria ultra vires societatis teve superado o seu modelo clássico, que
fulminava de nulidade atos praticados além do objeto social, pelo
entendimento doutrinário e jurisprudencial, até a sua abolição no
direito estrangeiro, o legislador brasileiro aprovou a regra do art.
1.015, parágrafo único, inciso III, que assim prevê: ‘No silêncio do
contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes
à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou
a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios
decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores
somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das
seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou
averbada no registro próprio da sociedade; II provando-se que era
conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente
estranha aos negócios sociedade’. Em uníssona manifestação, os
autores que vêm se dedicando ao estudo do dispositivo legal
reprovam-no, atribuindo-lhe o caráter de verdadeiro retrocesso em
relação à evolução que se verifica na matéria”.
(AZEVEDOGUERRA, “Teoria ultra vires societatis”, pp. 360; 382-
383).
120. “Deve-se salientar que a desconsideração da personalidade jurídica
não se confunde com a teoria ultra vires. […] Os autos serão ultra
vires quando estiverem em desacordo com a atividade ou a
finalidade da empresa; quando incorrerem em violação aos estatutos
ou contratos sociais; ou quando não forem expressamente estatutos
por serem dispensáveis à realização do objeto social. No caso de atos
ultra vires, aqueles que de boa-fé contratarem e sofrerem prejuízos
terão como válidos esses atos, respondendo a sociedade perante
terceiro de boa-fé, e o administrador perante a sociedade”. (SILVA,
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no
direito brasileiro, p. 228). No mesmo sentido, cf. SILVA,
Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais,
pp. 113-114.
121. “Il problema è quello degli atti compiuti dagli amministratori di
società per azioni al di fuiori dell’oggetto sociale. Di esso sono
astrattamente possibili (o immaginabili) queste soluzioni: o si ritiene
che l’atto estraneo compiuto dagli amministratori è radicalmente
nullo; o, invece, si ritiene che l’atto è semplicemente inefficace, in
quanto eccedente i poteri degli amministratori; o, infine, si considera
l’atto estraneo valido ed efficace in ogni caso, riducendo in tal modo
l’indicazione stattutaria dell’oggetto sociale ad uma mera normainterna di amministrazione” (CASELLI, Oggetto sociale e atti ultra
vires, pp. 3-4).
122. “Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a
utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para
a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”.
123. A dupla crise da pessoa jurídica, p. 262.
124. “Se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como
concessão do Estado objetivando, como diz Cunha Gonçalves, ‘a
realização de um fim’, nada mais procedente do que se reconhecer ao
Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito
concedido está sendo adequadamente usado”. (REQUIÃO, “Abuso
de direito e fraude através da personalidade jurídica”). No mesmo
sentido, ainda que por linha distinta, Fredie Didier Jr. aponta que a
pessoa jurídica constitui manifestação do direito de propriedade,
devendo, portanto, ser utilizada em conformidade com sua função
social (Const., art. 5º, XXIII). A partir do momento em que a pessoa
jurídica se desviasse desse propósito, a desconsideração surgiria
como correspondente sanção (cf. Regras processuais no Código
Civil, pp. 1-5).
125. Dinamarco afirma haver “generalizada tendência a desprezar as
intenções com que o legislador redigiu determinado texto e o pôs na
ordem jurídico-positiva do país porque a lei, uma vez posta,
desprega-se da vontade de quem a fez e se impõe por si próprio”.
Todavia, o próprio jurista adverte: “isso não significa que a mens
legislatoris seja de total irrelevância, pois há situações em que o
conhecimento desta será útil como elemento a ser levado em conta
na determinação da mens legis. A interpretação histórica inclui
passagem pelos antecedentes da lei, inclusive projeto, anteprojeto,
exposição de motivos etc., dos quais se pode extrair a mens
legislatoris e, através do conhecimento desta, melhor compreender a
verdadeira mens legis” (Vocabulário do processo civil, pp. 370-371).
126. “Exposição de motivos do supervisor da comissão revisora e
elaboradora do Código Civil”, p. 20.
127. A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, p.
134.
128. COMPARATO, O poder de controle na sociedade anônima, p. 333.
No mesmo sentido, Daniel Moeremans assevera que os membros de
uma pessoa jurídica só podem exigir respeito à separação de
patrimônios “cuando ellos mismos respetan dicha división”
(“Extensión de la responsabilidad de los socios en las sociedades de
capital a través del ‘disregard of legal entity’”, p. 348).
129. RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a
‘desconsideração da personalidade jurídica’, p. 55.
130. Cf. SALAMA, O fim da responsabilidade limitada no Brasil –
história, direito e economia, pp. 464-468.
131. LEÃES, Pareceres, vol. I, p. 378.
132. Quanto ao ponto, Maria de Fátima Ribeiro desenvolve ideia
interessante: “a expressão ‘desconsideração’ da personalidade
jurídica ou da autonomia patrimonial para descrever a solução para o
problema ‘mistura de patrimónios’ não será a mais indicada, por não
traduzir correctamente a realidade que lhe subjaz: uma eventual
solução de responsabilização em consequência da mistura de
patrimónios vai, quando muito, ‘considerar’ a situação que eles
próprios criaram. Por outras palavras: se durante a vida da sociedade
algum dos seus sócios adoptou sistematicamente comportamentos
capazes de pôr em causa a autonomia patrimonial, na vertente de
responsabilidade do património da pessoa colectiva exclusivamente
por obrigações por si contraídas (e nunca pelas obrigações de seus
membros), então a autonomia patrimonial e a própria personalidade
jurídica dessa sociedade já estão ‘desconsideradas’ e ‘levantadas’
pelo sócio” (A tutela dos credores da sociedade por quotas e a
‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 265-266).
133. COMPARATO-SALOMÃO, O poder de controle na sociedade
anônima, p. 498.
134. WARDE JR., Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 234.
135. Entre outros, cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas
sociedades empresárias, pp.162-164; BIANQUI, Desconsideração
da personalidade jurídica no processo civil, pp. 58-60; COELHO,
Curso de Direito Comercial, vol. II, pp. 47-48.
136. “Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater
a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode
ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu
patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de
uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/ 02, ser possível a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir
bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio
controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na
norma” (STJ, 3ª T., REsp 948.117-MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
22.6.2010). No mesmo sentido, cf. STJ, 4ª T., AgRg no AREsp
1.096.319-SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 26.2.2013; STJ,
3ª T., AgInt no AREsp 1.030.790-DF, rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, j. 6.4.2017; STJ, 3ª T., REsp 1.493.071-SP, rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24.5.2016.
137. WORMSER, “Piercing the corporate veil of corporate entity”, p. 502.
138. FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão,
dominação, p. 253.
139. “Os grupos são classificados em de fato e de direito. São grupos de
fato aquelas sociedades nas quais haja qualquer relação de controle
ou de coligação e de direito aquelas devidamente registradas na
Junta Comercial como tal”. (BIANQUI, Desconsideração da
personalidade jurídica no processo civil, p. 83). Cf. ainda COUTO E
SILVA, “Grupos de sociedades”, nn. 2.2 e 2.3; SZTAJN, Contrato
de sociedade e formas societárias, pp. 120-122; MANGANO, Os
grupos de empresa no direito do trabalho, p. 29.
140. DINAMARCO, “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude,
ônus da prova e contraditório”, p. 536.
141. Bruno Meyerhof Salama define a fuga da responsabilidade como “a
ação ou conjunto de ações estratégicas da empresa que tendem a
frustrar a satisfação de um crédito” (O fim da responsabilidade
limitada no Brasil – história, direito e economia, p. 343). Segundo o
autor, a montagem de grupos societários é uma dessas ações: “uma
estratégia igualmente conveniente [de fuga da responsabilidade] é a
criação de subsidiárias ou empresas coligadas. Essa técnica permite à
empresa operar seus ativos e gerar retorno econômico sem ter a
propriedade dos ativos geradores desse retorno. Como em princípio
cada entidade reconhecida pelo Direito tem autonomia patrimonial, o
proprietário desses ativos não pode ser acionado para responder por
dívidas da empresa que está operando os ativos” (O fim da
responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia,
p. 349).
142. “A desconsideração da personalidade jurídica, mesmo no caso de
grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações excepcionais,
quando verificado que a empresa devedora pertence a grupo de
sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal,
o que ocorre quando diversas pessoa jurídicas do grupo exercem
suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, e, ainda,
quando se visualizar a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de
direito e má-fé com prejuízo a credores” (STJ, 5ª T., REsp 968.564-
RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18.12.2008).
143. “Imagine-se uma sociedade de ‘responsabilidade limitada’ que tem
problemas de liquidez (ou tê-los-á previsivelmente a curto prazo); os
sócios (também administradores ou não, ou sendo alguns
administradores ou não) deslocam a produção (ou boa parte dela)
para sociedade nova (com objeto idêntico ou similar) por eles
constituída (intentando um ‘começar de novo’ com mais saber e sem
grilhetas, a velha sociedade ‘já não dá nada’) ou para sociedade já
existente e de que eles são sócios; a primeira sociedade cessa a
actividade ou diminui-a grandemente e a breve trecho fica exangue,
impossibilitada de cumprir obrigações com terceiros. Deve neste
caso ser afirmada a desconsideraçãoda personalidade jurídica da
primeira sociedade” (COUTINHO DE ABREU, “Diálogos com a
jurisprudência, II – Responsabilidade dos administradores para com
credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, pp.
56-57). No mesmo sentido, expõe Araken de Assis: “É caso de
desconsideração da pessoa jurídica, por exemplo, a criação de nova
sociedade Y entre A e B, pois a antiga sociedade X, da qual também
são sócios, é ré em ação de reparação de danos movida por C, vítima
de acidente de trânsito provocado por motorista de X, cujo vulto
abrangerá todo o seu patrimônio, razão pela qual A e B deixam de
investir em X e concentram suas atividades em Y. Em tal hipótese, o
juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica X, estendendo a
responsabilidade da dívida perante C para Y ou para os sócios A e
B” (Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 143).
144. “A desconsideração expansiva surge como tentativa de conseguir
atingir o sócio oculto, que não seria alcançado pela forma da
desconsideração”. (REQUIÃO, “O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica: o novo Código de Processo Civil entre a
garantia e a efetividade”, n. 3.2).
145. STJ, 3ª T., REsp 1.647.362-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
3.8.2017.
146. Cf. PARENTONI, Desconsideração contemporânea da
personalidade jurídica, pp. 76-78, BIANQUI, Desconsideração da
personalidade jurídica no processo civil, pp. 67 ss.
147. Nesse sentido, veja-se o enunciado 284 da IV Jornada de Direito
Civil: “as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou
de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da
personalidade jurídica”.
148. A tutela dos credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração
da personalidade jurídica’, pp. 102-103.
149. Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, p. 286.
150. Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, p. 297.
151. Cf. THEODORO JR. Curso de direito processual civil, vol. III, pp.
314-315; GIANNICO, Expropriação executiva, pp. 90-94.
152. Cf. GAGGINI, A responsabilidade dos sócios nas sociedades
empresárias, pp. 100-101.
153. Zelmo Denari entende que a aplicação da norma vertente é uma
“faculdade do juiz” (Código de Defesa do Consumidor comentado
pelos autores do anteprojeto, p. 252). Trata-se, no entanto, de
opinião infirmada por razões que expõe Dinamarco: “a ordem
jurídico-processual não outorga faculdades nem ônus ao juiz.
Aquelas têm por premissa a disponibilidade de bens ou de situações
jurídicas e, daí, serem conceituadas como liberdade de conduta: cada
qual age ou omite-se segundo sua vontade e sua própria escolha,
tendo em vista o resultado que mais lhe agrade. Mas o juiz não está
no processo para gestão de seus próprios interesses, senão para
regular os de outrem, ou seja, das partes. Não tem disponibilidade
alguma sobre esses interesses, que não são seus, nem sobre as
situações jurídico-processuais ocupadas por elas. Todos os poderes
que a lei lhe outorga são acompanhados do dever de exercê-los”
(Instituições de direito processual civil, vol. II, pp. 238-239).
154. V. n.r. anterior.
155. Nesse sentido, expressamente afirmando que “não se deve falar em
desconsideração da personalidade jurídica” em tais hipóteses:
DIDIER JR., Regras processuais no Código Civil, p. 7.
156. “Os membros das Casas Legislativas, em países que se inclinam por
um sistema democrático de governo, representam os vários
segmentos da sociedade. Alguns são médicos, outros bancários,
industriais, agricultores, engenheiros, advogados, dentistas,
comerciantes, operários, o que confere um forte caráter de
heterogeneidade, peculiar aos regimes que se queiram
representativos. […] Ponderações desse jaez nos permitem
compreender o porquê dos erros, impropriedades, atecnias,
deficiências e ambiguidades que os textos legais cursivamente
apresentam. Não é, de forma alguma, o resultado de um trabalho
sistematizado cientificamente. […] Se, de um lado, cabe deplorar
produção legislativa tão desordenada, por outro sobressai, com
enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que
surge nesse momento como a única pessoa credenciada a construir o
conteúdo, sentido e alcance da matéria legislada”. (CARVALHO,
Curso de direito tributário, pp. 40-42).
157. BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, p. 59. Ou, como diz
Barbosa Moreira: “mudança de rótulo não influi no conteúdo da
garrafa” (“A nova definição de sentença”, p. 170).
158. Entre outros, cf. SILVA, A aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica no direito brasileiro, pp. 138-140.
159. “A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico
brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações.
Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a
demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da
desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria
objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração,
acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no
Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera
prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas
obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade
ou de confusão patrimonial” (STJ, 3ª T., REsp 279.273-SP, rel. Min.
Nancy Andrighi, j. 4.12.2013).
160. Nesse sentido, veja-se o que expõe Walfrido Warde Jr. sobre a
disposição do art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor: “A
tutela aos direitos do consumidor, especialmente do direito de crédito
de sua titularidade, ganhou – em detrimento da limitação da
responsabilidade dos sócios – a preferência do legislador. […] A
insuficiência de ativos componentes do patrimônio social, por
obediência à norma do artigo 28, § 5º, é causa única da imputação de
responsabilidade aos sócios. […] Torna-se claro, portanto, que o
legislador, preferindo a satisfação do crédito do consumidor à
limitação da responsabilidade dos sócios da sociedade devedora,
pretendeu ab-rogar – relativamente às questões de consumo – as
normas dos artigos 1.045, 1.052 do Código Civil e 1º da Lei de
Sociedades Anônimas” (Responsabilidade dos sócios – a crise da
limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
pp. 296-297).
161. O art. 50 do Código Civil determina que, em caso de abuso da
personalidade jurídica, “os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de
administradores ou de sócios da pessoa jurídica”.
162. A propósito, cf. o item 4.1 deste trabalho (supra).
163. “A controvérsia a ser dirimida limita-se à possibilidade ou não de
inclusão do administrador não-sócio no polo passivo da execução em
caso de desconsideração da personalidade jurídica fundada no art.
28, § 5º, do CDC (teoria menor)” (STJ, 3ª T., REsp 1.658.648-SP,
rel. Min. Moura Ribeiro, j. 7.11.2017).
164. “Segundo a doutrina, a desconsideração da personalidade jurídica
pode assumir dois referenciais que se convencionou denominar
teoria maior e teoria menor. A teoria menor, adotada pelo CDC,
possui menos requisitos para a desconsideração e, por consequência,
menor extensão. A teoria maior foi a abraçada pelo CC. Seus
requisitos são mais abrangentes e seu efeito também. […] Esta Corte
já consolidou o entendimento de que nas relações jurídicas de
natureza civil-empresarial, adota-se a teoria maior da
desconsideração da personalidade jurídica e que a medida é
excepcional, permitindo que sejam atingidos os bens das pessoas
naturais (sócios ou administradores), responsabilizando-as pelos
prejuízos que, em fraude ou abuso, causarem a terceiros”. […] A
teoria maior (art. 50 do CC) demanda, para a desconsideração da
personalidade jurídica, a comprovação de abuso, o que pode se dar
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. […] O
preenchimento dos requisitos do art. 50 do CC permite atribuir
responsabilidadeao administrador não-sócio. […] A
responsabilização dos administradores, nestas hipóteses, é subjetiva,
e depende, reitera-se da comprovação do ato abusivo ou fraudulento.
[…] A seu torno, o § 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria menor,
reitere-se, prevê a desconsideração da personalidade jurídica diante
da mera comprovação de prejuízo ao consumidor. São requisitos
menos rígidos dos que os exigidos pela teoria maior, de certa forma
compensados pela menor extensão dos efeitos da disregard doctrine.
Assim é que, no microssistema consumerista, a desconsideração da
personalidade jurídica não tem o condão de abranger os bens
pessoais dos administradores não sócios […]. As premissas adotadas
pelo Tribunal de origem não indicaram nenhuma prática de ato
irregular ou fraudulento de Paulo Neto, administrador não-sócio.
Apenas estabeleceu que (i) a empresa executada praticou ato ilícito
causando prejuízo ao consumidor; (ii) não foram encontrados bens
passíveis de penhora; (iii) há a baixa cadastral da empresa; (iv) Paulo
Neto não é sócio da empresa executada, mas apenas administrador;
e, (v) o administrador também é responsável pelas ações negligentes
e fraudulentas praticadas pela pessoa jurídica (e-STJ, fls. 114/121).
Evidente, pelas assertivas acima que o Tribunal de origem fez incidir
ao caso o § 5º do art. 28 do CDC, ou seja, a teoria menor, que
permite a responsabilização tão somente dos sócios quando a
personalidade jurídica da sociedade empresária configurar
impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor
[…]” (STJ, 3ª T., REsp 1.658.648-SP, rel. Min. Moura Ribeiro, j.
7.11.2017).
5
O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
“Metaphors in law are to be narrowly watched, for starting as
devices to liberate thought, they end often by enslaving it”
(Justice BENJAMIN N. CARDOZO).165
A esta altura do trabalho, cabe enfrentar uma indagação
fundamental: afinal, o que quer dizer desconsiderar a
personalidade jurídica? Ou, em outros termos: que efeito produz
a desconsideração no plano do direito?
Desde o pioneiro trabalho de RUBENS REQUIÃO (supra, n. 3),166
a questão vem recebendo da doutrina respostas essencialmente
idênticas. Na opinião de EDUARDO TALAMINI e LUIZ RODRIGUES
WAMBIER, a desconsideração corresponde à “desconstituição da
eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica” no âmbito de
determinada relação obrigacional.167 Para MARÇAL JUSTEN FILHO, o
ato de desconsideração provoca “a suspensão dos efeitos da
personificação relativamente a algum ato específico, a algum
período determinado da atividade da sociedade ou ao
relacionamento específico e certa (s) pessoa (s)”.168 Segundo
CHRISTIAN GARCIA VIEIRA, desconsiderar a personalidade jurídica
significa “reconhecer a inoponibilidade da personalidade
jurídica da sociedade” num caso concreto.169 Na visão de ANDRÉ
PAGANI DE SOUZA, trata-se de declarar “a ineficácia episódica dos
atos constitutivos da pessoa jurídica, para considerá-la um
grupo de pessoas sem personalidade própria” em relação a uma
obrigação específica.170 GILBERTO GOMES BRUSCHI assevera que “o
que se busca ao utilizar a teoria da desconsideração é a
ineficácia da pessoa jurídica para aquele determinado caso”.171
De acordo com FREDIE DIDIER JR., a desconsideração promove a
“suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa
jurídica, de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que
respondam pela dívida contraída”.172 SUZY KOURY entende que a
desconsideração “consiste em subestimar os efeitos da
personificação jurídica em casos concretos”.173 Para ELIZABETH
CRISTINA CAMPOS MARTINS DE FREITAS, a desconsideração provoca
“ineficácia episódica da personalidade jurídica”.174 Segundo
ALEXANDRE COUTO SILVA, cuida-se de “declaração de ineficácia
da personalidade jurídica para determinados efeitos”.175 FÁBIO
ULHOA COELHO sustenta que a desconsideração “suspende a
eficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica”.176
Também é essa a posição de ARAKEN DE ASSIS, para quem a
desconsideração ocasiona “suspensão episódica da personifi-
cação”.177 No mesmo sentido, LUIZ GUILHERME MARINONI e
RICARDO ALEXANDRE DA SILVA asseveram: “a doutrina salienta
acertadamente que a desconsideração acarreta a pontual
cessação de eficácia do ato constitutivo da personalidade
jurídica”.178
A despeito da variação de termos, verifica-se nas muitas
definições acima reunidas claro ponto comum: todas convergem
para o entendimento de que a desconsideração é ato que incide
sobre a personalidade jurídica da entidade utilizada de forma
abusiva, suspendendo pontualmente sua eficácia. Não há nisso
mera coincidência. Ao que tudo indica, os autores têm procurado
extrair conteúdo técnico-jurídico da expressão “desconsideração
da personalidade jurídica”, como se esse fosse o caminho para a
conceituação do instituto. Não é, todavia.
No direito, como em todo setor do conhecimento, é natural
que se busque compreender o sentido de uma expressão pela
acepção das palavras que a compõem. Por outro lado, não se
pode descuidar da existência de alguns “slogans mais aptos a
dissimular ideias do que propriamente a expressá-las”.179-180
Aqui se está diante de um deles: o nomen iuris “desconsideração
da personalidade jurídica” é especioso e nitidamente vem
colocando a doutrina em falsa pista.
FÁBIO KONDER COMPARATO observa que o instituto da
desconsideração historicamente esteve cercado por expressões
metafóricas: “lift the corporate veil” (“levantar o véu da pessoa
jurídica”), “pierce the corporate veil” (“penetrar o véu da pessoa
jurídica”), “crack open the corporate shell” (“abrir a concha da
pessoa jurídica”) etc. Mas o próprio jurista ressalta que de
metáforas não se espera grande apuro técnico, de sorte que tais
expressões não devem ser encaradas como fonte de compreensão
do fenômeno jurídico que designam.181
Pode-se dizer que a advertência de COMPARATO foi absorvida
apenas em parte pela doutrina. Com efeito, ninguém procura
colher na literalidade de expressões como “levantar o véu da
pessoa jurídica” ou “abrir a concha da pessoa jurídica”
elementos para uma conceituação jurídica da desconsideração.
Porém, a grande maioria dos autores parece não dar conta de que
também a expressão “desconsideração da personalidade
jurídica” (tradução literal da inglesa “disregard of legal entity”)
é metafórica182 e a interpreta à letra. Aí se encontra, sem sombra
de dúvida, a explicação para a generalizada convicção de que a
desconsideração consiste na suspensão episódica da eficácia da
personalidade da pessoa jurídica, que não resiste a uma análise
mais acurada.
A proposição de que o ato de desconsideração ocasiona a
pontual suspensão da eficácia da personalidade de uma pessoa
jurídica, fazendo emergir a responsabilidade dos indivíduos que
a compõem, poderia, em tese, ilustrar a disregard em sua
modalidade clássica– quando os membros da pessoa jurídica são
responsabilizados por obrigações desta. Entretanto, o raciocínio
perde sentido quando confrontado com outras possibilidades de
aplicação do instituto (v. supra, n. 4.1.3). Por exemplo: no caso
de abuso em grupos societários, de que modo a suspensão da
eficácia da personalidade jurídica da sociedade devedora explica
a responsabilização de outra pessoa jurídica que esteja sob
mesmo controle? Em tais hipóteses, o sujeito de direito
alcançado por meio da disregard não necessariamente integra a
sociedade originalmente obrigada; logo, a eficácia ou não da
personalidade jurídica desta não pode ser a chave para se
esclarecer o fenômeno. Pelo mesmo motivo, a proposição não
explica a incidência do instituto nas hipóteses de sucessão
irregular de empresas ou da chamada desconsideração expansiva
da personalidade jurídica. Tampouco se consegue explicar por
meio dela a denominada desconsideração inversa, em que o
devedor originário no mais das vezes não é sequer uma pessoa
jurídica. Falta congruência, portanto, à concepção predominante
na doutrina.
Mesmo no âmbito da modalidade clássica, a concepção de
que a desconsideração consiste naepisódica suspensão da
eficácia da personalidade jurídica não se mostra consistente.
Fosse ela correta, a disregard implicaria sempre a integralidade
dos membros da pessoa jurídica, pois a ineficácia de sua
personificação logicamente faria emergir todos aqueles cobertos
pelo imaginário véu da personalidade jurídica. Contudo, isso vai
de encontro à restrição dos efeitos da desconsideração aos
sujeitos “beneficiados direta ou indiretamente” pelo abuso (art.
50), que não necessariamente representam a totalidade dos
integrantes da pessoa jurídica.183 De fato, não é razoável que um
sócio minoritário, sem poder de controle sobre a pessoa jurídica
e sem mínima relação com algum malfeito, tenha seu patrimônio
pessoal comprometido por conta de abuso perpetrado pelo
majoritário controlador. Raciocínio diverso implicaria, nos
termos do velho dito, pagar o justo pelo pecador. Em
companhias abertas, que negociam ações ao público em bolsas
de valores, uma responsabilização generalizada dos acionistas
seria um disparate, tendo em vista o alto grau de alheamento da
larga maioria dos minoritários em relação à administração
societária.
Do exposto até aqui, conclui-se não ter fundamento a
frequente assertiva de que a desconsideração ocasiona a
suspensão da eficácia da personalidade jurídica. Todavia, tal
conclusão não põe fim ao problema ora enfrentado: que efeito,
então, produz a desconsideração no plano do direito?
O ato que se convencionou chamar “desconsideração da
personalidade jurídica” em nada afeta a personalidade da pessoa
jurídica utilizada abusivamente,184 pois nem a tem como objeto
de seus efeitos. Ele opera, na verdade, sobre a obrigação
contraída pela pessoa jurídica, estendendo seus efeitos à esfera
do membro que dela tenha abusado.185 Tal é, por sinal, o claro
preceito do art. 50 do Código Civil: “em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica”. Dessa forma, compreende-se com facilidade o porquê
de a desconsideração jamais estender seus efeitos para além do
caso concreto em que é aplicada,186 conforme defendido por
ROLF SERICK há mais de seis décadas.187
Assim, por paradoxal que possa parecer, “desconsiderar a
personalidade jurídica” nada tem a ver com o afastamento ou a
suspensão da eficácia da personificação. Na verdade, o
fenômeno jurídico que a consagrada expressão188 designa é a
constituição de novo responsável para determinada obrigação
em virtude de abuso da personalidade jurídica, sendo
precisamente esse o seu significado no plano do direito.
A solução dada à questão atinente ao conteúdo do ato de
desconsideração faz nascer outra indagação: será primária ou
secundária a responsabilidade proveniente do abuso da
personalidade jurídica? Em síntese, cuida-se de saber se o sujeito
alcançado pela desconsideração responde por dívida própria ou
alheia, do que decorrem relevantes consequências práticas. O
ponto será abordado no item seguinte.
165. “A few jurists have recognized, but only in passing, the importance,
ramifications, and dangers of metaphorical expressions in judicial
argument. Justice Cardozo, well known for his imaginative use of
tropes, warned: ‘Metaphors in law are to be narrowly watched, for
starting as devices to liberate thought, they end often by enslaving it.
Like Justice Cardozo, other Supreme Court justices have been
suspicious of the judiciary’s reliance on metaphorical expression in
opinions” (BOSMAJIAN, Metaphor and reason in judicial opinions,
p. 12).
166. Na ocasião, o comercialista definiu a desconsideração da
personalidade jurídica como a “declaração de sua ineficácia para
determinado efeito, em caso concreto” (“Abuso de direito e fraude
através da personalidade jurídica”, n. 6).
167. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I,
pp. 374; 377.
168. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
p. 56.
169. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC –
natureza, procedimentos e temas polêmicos, cap. VII, p. 111.
170. Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais,
p. 186.
171. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica,
p. 33.
172. Regras processuais no Código Civil, p. 6.
173. A desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine e
os grupos de empresas, p. 85.
174. Desconsideração da personalidade jurídica – análise à luz do
Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil, p. 74.
175. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito
brasileiro, p. 69.
176. “Lineamentos da teoria da desconsideração da pessoa jurídica”, p. 40.
177. Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 141.
178. “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no Código
de Processo Civil”, p. 456.
179. A expressão é de Barbosa Moreira (“Alguns problemas atuais da
prova civil”, p. 149).
180. Veja-se um exemplo: o Código de Processo Civil dispõe que, “nos
casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu
causa ao processo” (art. 85, § 10). Interpretada literalmente, a
expressão “perda do objeto” sugere algo como o desaparecimento
intercorrente do objeto do processo. Entretanto, a nenhum
processualista cabe ignorar que ela designa fenômeno de todo
distinto: a perda do interesse processual no julgamento da demanda
em momento ulterior a sua propositura. Entre outros, cf. LOPES,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 120.
181. “À guisa de explicação geral, o que se nos oferece é um conjunto de
metáforas. Fala-se, assim, em levantar ou traspassar o véu da
personalidade jurídica (lifting or piercing the corporate veil), ou
ainda de abrir a concha da pessoa jurídica (cracking open the
corporate shell). Figuras de retórica, na verdade, todas elas
impróprias, como já se salientou, pois, se se quiser interpretar
figurativamente o fenômeno, bastará recorrer à própria etimologia”
(O poder de controle na sociedade anônima, p. 273). No mesmo
sentido, Daniel Monteiro Peixoto assevera que os estudos sobre a
desconsideração da personalidade jurídica “são amplamente
permeados por metáforas que mais prejudicam do que esclarecem
acerca do que efetivamente significa a chamada ‘teoria’”
(“Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária,
abuso de direito e os conceitos jurídicos fundamentais”, n.1).
Também nesse sentido, Menezes Cordeiro afirma que “toda a
matéria do levantamento radica em fórmulas vagas: disregarding the
corporate fiction, piercing the corporate veil ou looking at the
substance rather than at the form” (O levantamento da
personalidade colectiva no direito civil e comercial, p. 109).
182. Cf. item 3 (supra).
183. A propósito, cf. RODRIGUES FILHO, Desconsideração da
personalidade jurídica e processo, p. 101; PARENTONI,
Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, p. 52;
BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no processo
civil, p. 85; ARAKEN DE ASSIS, Processo civil brasileiro, vol. II,
t. I, p. 142; BRUSCHI, Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica, pp. 147-149; GAMA, Desconsideração da
personalidade jurídica – visão crítica da jurisprudência, p. 13;
BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a
desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo
Civil de 2015, p. 148.
184. Nas palavras de Calixto Salomão Filho, a desconsideração “não
implica qualquer alteração nas esferas envolvidas”; conforme aponta
o autor, “permanece intacta a personalidade jurídica” (O novo direito
societário, p. 263).
185. A assertiva tem em vista a desconsideração clássica, mas pode ser
facilmente amoldada a qualquer das modalidades de aplicação do
instituto: na desconsideração inversa da personalidade jurídica, o atoincide sobre a obrigação contraída pelo sócio, estendendo seus
efeitos à esfera da sociedade por ele controlada; na chamada
sucessão irregular de empresas, sobre a obrigação contraída pela
sociedade primitiva, fazendo com que seus efeitos atinjam a
sociedade sucessora; e assim por diante.
186. É uníssona a doutrina nesse sentido: “A desconsideração é também
medida pontual, por sua vez, porque a aplicação dessa medida se dá
dentro de um processo judicial específico, em face de um problema
concreto e determinado. Por consequência, seus efeitos se darão
dentro desse processo e entre as mesmas partes, não sendo aplicável
a nenhuma outra relação jurídica, inclusive entre as mesmas partes,
em processo distinto. Por tal motivo, um terceiro, estranho ao
processo, não poderá invocar a desconsideração em questão para
executar diretamente os bens dos sócios, pois a desconsideração
ocorre de forma pontual, no caso concreto. Frente a terceiros,
estranhos ao processo, é como se nada ocorresse” (GAGGINI, A
responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias, p. 154).
No mesmo sentido, cf. REQUIÃO, “Abuso de direito e fraude
através da personalidade jurídica”, n. 6; RIBEIRO, A tutela dos
credores da sociedade por quotas e a ‘desconsideração da
personalidade jurídica’, p. 71; JUSTEN FILHO, Desconsideração
da personalidade societária no direito brasileiro, p. 56;
MOEREMANS, “Extensión de la responsabilidad de los socios en
las sociedades de capital a través del ‘disregard of legal entity’”, p.
347; WAMBIERTALAMINI, Curso avançado de processo civil –
teoria geral do processo, vol. I, p. 377; DIDIER JR., Curso de
direito processual civil, vol. I, p. 525.
187. Supra, n. 3.
188. Justamente por se tratar de expressão consagrada, posto que
imprecisa, não convém questionar o seu uso, conforme lição de
Menezes Cordeiro (Levantamento da personalidade colectiva no
direito civil e comercial, p. 103). Basta ter consciência de sua
imprecisão.
6
O SUJEITO ATINGIDO POR
DESCONSIDERAÇÃO: RESPONSÁVEL
PATRIMONIAL PRIMÁRIO
Pouco adiantariam as normas de direito substancial, que
regulam a convivência social disciplinando condutas e
atribuindo bens da vida às pessoas, se a recalcitrância de seus
destinatários lhes neutralizasse a eficácia. Essa consciência,
deveras intuitiva,189 aponta para a necessidade de um
instrumento que viabilize a realização imperativa dos preceitos
jurídico-materiais.190 No Brasil, como na larga maioria dos
países, tal função cabe ao processo, que tem entre seus escopos
promover “a atuação da vontade concreta do direito”.191
À vista desse escopo, é natural que os institutos processuais
sejam moldados à luz da ordem jurídico-substancial, consistindo
de certa forma numa projeção desta. Em determinados casos, o
paralelo revela-se especialmente nítido, havendo máxima
proximidade entre os planos jurídicos material e processual.192
Tal é a relação entre a obrigação e a responsabilidade
patrimonial.
De acordo com ALFREDO BUZAID,193 quem primeiro identificou
obrigação e responsabilidade como elementos distintos foi o
romanista alemão ALOIS BRINZ.194 Com sua refinada teoria Schuld
und Haftung, BRINZ afirmou a obrigação (Schuld) como um
dever de prestar, ao passo que a responsabilidade (Haftung)
exprimiria outro dever do obrigado – o de permitir a satisfação
do credor às expensas de seu patrimônio.195 Dessa forma, tanto
dívida quanto responsabilidade estariam confinadas no âmbito
do direito privado, pois ambas consistiriam em deveres do
obrigado.
Décadas depois, FRANCESCO CARNELUTTI lapidaria a teoria
concebida por BRINZ. Partindo da distinção entre Schuld e
Haftung, o jurista italiano demonstrou não ser a responsabilidade
um dever do obrigado, e sim sua sujeição a atividades estatais
destinadas à satisfação do credor.196 Revelou, dessa forma, o
caráter publicístico do instituto, situando a responsabilidade
como inequívoca categoria do direito processual.197 Seguindo a
linha de CARNELUTI, DINAMARCO define a obrigação como uma
situação jurídica “visivelmente estática”, que a ordem jurídico-
material regula sem conferir ao titular do direito meios para
obter à força o que lhe é devido; já a responsabilidade, diz o
processualista, é “eminentemente dinâmica”, disciplinando as
atividades jurisdicionais que visam a entregar ao credor aquilo
que lhe cabe.198
Ordinariamente, obrigação e responsabilidade caminham
juntas: quem assume o dever de prestar sujeita-se, em caso de
inadimplemento, a ter seu patrimônio invadido pelo Estado-juiz
para a satisfação do credor.199 Tal é a regra prescrita nos arts.
391 do Código Civil200 e 789 do Código de Processo Civil.201
Todavia, verifi-cam-se excepcionalmente casos de obrigação
sem responsabilidade, bem como de responsabilidade sem
obrigação. Ou seja, nem todo obrigado é necessariamente
responsável – e vice-versa.
Exemplo de obrigação sem responsabilidade patrimonial
encontra-se nas chamadas obrigações naturais, como a dívida de
aposta.202 Em tais casos, embora tenha assumido o dever de
prestar, não se sujeita o obrigado a ter seu patrimônio invadido
pelo Estado para a satisfação forçada do credor. A este o
ordenamento jurídico confere, a título de proteção, somente a
soluti retentio: uma vez paga a dívida, não tem o devedor a
prerrogativa de obter a restituição do bem voluntariamente
entregue ao credor. “Il debitore, dunque, adempie se vuole”,
resume CARNELUTTI.203
De outro lado, há os casos de responsabilidade sem
obrigação.204 Trata-se de hipóteses em que a ordem jurídico-
processual, em prol da satisfação do credor, sujeita à atividade
executiva não somente o patrimônio do obrigado (responsável
primário), mas também bens de determinado terceiro. Este
último será, então, responsável apesar de não ser devedor,
condição tradicionalmente denominada responsabilidade
secundária.205 Exemplo típico,206 apresentado por LIEBMAN,207 é o
sócio que responde ordinária e subsidiariamente por obrigação
da sociedade nos tipos societários de responsabilidade ilimitada.
Exposto brevemente esse quadro,208 torna-se à indagação que
encerrou o item anterior do trabalho: quando alcançado pela
desconsideração da personalidade jurídica, responde o sujeito
por obrigação própria ou alheia? Em outras palavras: a hipótese
é de responsabilidade patrimonial primária ou secundária?
Na visão de TEORI ZAVASCKI, a desconsideração da
personalidade jurídica implica responsabilidade patrimonial
primária.209 Assim também compreendem CALIXTO SALOMÃO
FILHO,210 ANDRÉ PAGANI DE SOUZA211 e LEONARDO PARENTONI,212 para
quem o sujeito atingido pela disregard responde na qualidade de
codevedor. DINAMARCO, diversamente, entende que a
desconsideração da personalidade jurídica suscita
responsabilidade patrimonial secundária,213 no que é
acompanhado por boa parte da doutrina.214
Para se tomar partido na dissensão, é preciso destacar aspecto
fundamental da responsabilidade patrimonial secundária.
Quando se trata de responsabilidade por obrigação alheia, é
natural que se assegure ao responsável secundário o direito de
ressarcir-se, junto ao efetivo devedor, do que despender para
saldar débito deste. No ordenamento brasileiro, extrai-se essa
lógica do art. 346, III, do Código Civil, que prevê sub-rogação
do indivíduo que solve dívida de terceiro pela qual poderia ser
responsabilizado, e do art. 778, § 1º, IV, do Código de Processo
Civil. Conforme observa DINAMARCO, o raciocínio aplica-se
“tanto se tiver feito um pagamento com sub-rogação, ou seja, um
ato voluntário do sujeito que cumpre a obrigação de outrem,
como também se ele houver suportado uma execução forçada,
saindo de seu patrimônio o valor com que o débito alheio foi
saldado”.215
Diante disso, intui-se facilmente a incompatibilidade entre a
desconsideração da personalidade jurídica e o regime da
responsabilidade patrimonial secundária. Afinal, aceitar que o
indivíduo alcançado pela desconsideração seja responsável por
obrigação alheia implica reconhecer seu direito de se ressarcir,
às expensas do devedor (responsável primário), de tudo o que
despenderpara solver o débito.
Imagine-se, por exemplo, sociedade anônima cujo acionista
controlador promova a contratação, em nome da companhia, de
escritório de advocacia para defendê-lo em processo de seu
interesse pessoal. Encerrado o litígio, tendo os patronos atingido
objetivo que lhes confere direito a verba honorária ad exitum,
encontra-se a sociedade insolvente. Cientes da confusão
patrimonial envolvida na contratação, os advogados postulam a
desconsideração da personalidade jurídica e conseguem a
satisfação da obrigação à custa do patrimônio do acionista
controlador.
Diante de tal cenário, põe-se a seguinte questão: o acionista
controlador, que abusou da personalidade jurídica, poderá
ressarcir-se, junto à companhia, do dinheiro que lhe foi
expropriado?
Caso ele seja tratado como responsável patrimonial
secundário, a indagação comportará apenas resposta positiva.
Conforme exposto anteriormente, o responsável secundário que
adimple obrigação alheia tem garantia – ex lege, vale frisar – de
ressarcimento junto ao responsável primário. No específico caso
da responsabilidade secundária de sócios por obrigações sociais,
o Código de Processo Civil expressamente dispõe que “o sócio
que pagar a dívida poderá executar a sociedade nos autos do
mesmo processo” (art. 795, 3º). Assim, ao fim e ao cabo, o
prejuízo causado pelo acionista controlador seria
necessariamente suportado pela companhia e, por via oblíqua,
pela totalidade dos acionistas.
Por outro lado, tratá-lo como corresponsável primário,
juntamente com a pessoa jurídica, permite soluções flexíveis. Na
relação interna dos codevedores,216 é possível discutir a concreta
responsabilidade de cada um pela obrigação.217 Na hipótese
anteriormente imaginada, é certo que o acionista controlador não
deve ter direito de regresso em face da sociedade, pois a
obrigação, embora originalmente contraída em nome da pessoa
jurídica, foi constituída por interesse pessoal seu. Mas haverá
situações em que o sócio o terá, por exemplo, quando
demonstrar que a obrigação pela qual respondeu como devedor
era realmente de interesse da sociedade e não tinha ligação com
o abuso que motivou a desconsideração. Tudo dependerá do
caso concreto, que poderá inclusive comportar soluções
intermediárias.
Assim, há incompatibilidade entre o instituto da disregard e o
regime jurídico da responsabilidade patrimonial secundária. O
indivíduo atingido pela desconsideração não responde por dívida
alheia; ele passa a fazê-lo na qualidade de codevedor, e a fonte
de sua obrigação estará no ato ilícito de abuso da
personalidade jurídica. A desconsideração provoca uma
alteração no polo passivo da relação obrigacional (supra, n. 5),
incluindo o sócio onde primitivamente só se encontrava a
sociedade.
A opinião aqui sustentada, esclarece-se, não é de forma
alguma desmentida pelo art. 790, VII, do Código de Processo
Civil. Tal dispositivo prescreve apenas que serão sujeitos à
execução os bens “do responsável, nos casos de
desconsideração da personalidade jurídica”, sem definir como
primária ou secundária a responsabilidade desse sujeito. O art.
790 da lei processual não é um rol de responsáveis patrimoniais
secundários, e disso faz prova seu inciso terceiro, que trata de
responsável inequivocamente primário – o devedor.
189. Como assinala Bruno Meyerhof Salama, “se o comportamento das
pessoas fosse pautado apenas pela norma jurídica, a positivação em
lei de um comando bastaria para disciplinálo” (O fim da
responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia,
p. 385).
190. Cf. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, pp. 213-215.
191. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p.
228.
192. Sobre o chamado direito processual material, cf. DINAMARCO,
Instituições de direito processual civil, vol. I, pp. 105-109.
193. Do concurso de credores no processo de execução, p. 15.
194. Comparato cita também estudos de Ernst Bekker, mas ressalva:
“Cependant, la véritable révision du concept d’obligation date de
Brinz, consideré très généralement comme l’inspirateur de toutes les
théories modernes [sobre a matéria]. C’est lui en effet qui, reprenant
le point de vue de Bekker, jeta les bases d’une analyse nouvelle et
créa la terminologie devenue désormais courante en ce domaine”
(Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit privé, p. 5).
195. Cf. DINAMARCO, Execução civil, p. 249.
196. “Diritto e processo nella teoria delle obbligazioni”, pp. 211-217.
197. “O êrro dessa concepção nitidamente privatística [da
responsabilidade] foi considerar a sanção como elemento da relação
jurídica obrigacional, quando ela é a expressão do poder soberano do
Estado. O direito de excutir os bens do devedor não é o lado passivo
da obrigação, antes um poder do Estado. […] Compreendendo a
necessidade de pôr ordem nessas idéias, Carnelutti elaborou uma
ampla e completa revisão do conceito de obrigação e de realização
forçada, construindo a doutrina, que representa talvez a mais alta
contribuição italiana para o progresso do direito processual civil. Foi
seu grande mérito refundir toda a teoria da execução de sentença,
mostrando que a obrigação é instituto de direito privado, ao passo
que a sanção e a responsabilidade executória são figuras de direito
processual, e, portanto, de direito público” (BUZAID, Do concurso
de credores no processo de execução, pp. 17-18).
198. Instituições de direito processual civil, vol. IV, pp. 327-328.
199. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, pp.
325-326.
200. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor”.
201. “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para
o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas
em lei”.
202. Cf. MENDONÇA LIMA, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. IV, p. 417; ABELHA, Manual de execução civil, p. 72.
203. “Diritto e processo nella teoria delle obbligazioni”, p. 244. Ressalve-
se que autor não vê as obrigações naturais tecnicamente como
obrigações, embora não negue tratar-se de relações jurídicas (cf. pp.
245-248 de seu estudo).
204. Se bem se observar, não é correto referir a casos de responsabilidade
sem obrigação. Para que haja responsabilidade patrimonial, alguma
obrigação tem de existir, ainda que o mero responsável não integre
aquela relação. Melhor falar, portanto, em hipóteses de
responsabilidade por obrigação alheia, conforme sugere Comparato:
“un cas de responsabilité sans dette, ou plutôt, de responsabilité pour
une dette d’autrui” (Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit
privé, p. 211).
205. Cf. LIEBMAN, Processo de execução, p. 95; THEODORO JR.,
Comentários ao Código de Processo Civil, p. 789; ZAVASCKI,
Processo de execução, p. 193; ARAKEN DE ASSIS, Manual da
execução, p. 292.
206. Com frequência, a fiança é inadvertidamente utilizada como exemplo
de responsabilidade sem obrigação (entre outros, cf. MELLO,
Responsabilidade executiva secundária – a execução em face do
sócio, do cônjuge, do fiador e afins, p. 157; MENDONÇA LIMA,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 417;
THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, p. 311;
ABELHA, Manual de execução civil, p. 74). Trata-se de ideia
equivocada. Conforme observa Antunes Varela, a fiança é “caso
típico de obrigação acessória. O fiador não é apenas responsável; é
também devedor, embora acessoriamente” (Das obrigações em
geral, vol. I, p. 148). Também Carnelutti esclarece que “il
fideiussore è un obbligato, e perció (soggettto alla esecuzione) per un
debito proprio, non solo per un debito altrui” (“Dirito e processo
nella teoria delle obbligazioni”, p. 312). No mesmo sentido, cf. ainda
DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p.
330; SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema
processual civil, p. 241. Para opinião expressamente discordante, cf.
COMPARATO, Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit
privé, pp. 211-213).
207. Processo de execução, p. 96.
208. Para aprofundado exameda matéria, cf. SIQUEIRA, A
responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, cap.
II.
209. Processo de execução – parte geral, p. 236.
210. O novo direito societário, p. 262.
211. Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais,
p. 91.
212. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica, p. 57.
213. “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e
contraditório”, pp. 545-546; Instituições de direito processual civil,
vol. IV, pp. 395-397.
214. Entre outros: ARAKEN DE ASSIS, Manual da execução, p. 303;
Processo civil brasileiro, vol. II, t. I, p. 141; MELLO,
Responsabilidade executiva secundária – a execução em face do
sócio, do cônjuge, do fiador e afins, p. 192; SIQUEIRA, A
responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p.
231; BIANQUI, Desconsideração da personalidade jurídica no
processo civil, pp. 52-53; ABELHA, Manual de execução civil, p.
119; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade
jurídica e processo, p. 174; BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO,
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica
no Código de Processo Civil de 2015, p. 138; CÂMARA, O novo
processo civil brasileiro, p. 103.
215. Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 118.
216. “Uma coisa é a responsabilidade dos devedores nas relações externas,
ou seja, perante o credor; outra, a sua responsabilidade nas relações
internas, na roda dos codevedores” (ANTUNES VARELA, Das
obrigações em geral, vol. I, p. 782).
217. Conforme aponta Antunes Varela, pode ocorrer que um dos
obrigados “tenha o direito de cobrar-se por inteiro junto de um ou de
alguns dos condevedores (como sucede quando o comitente, sem
culpa, haja pago toda a indemnização: art. 500.º, 3 – ou quando o
detentor do veículo automóvel, também sem culpa, houver pago toda
a indemnização dos danos provenientes de acidente devido ao
locatário, comodatário ou condutor do veículo: art. 507.º, 2, ou não
tenha qualquer direito de regresso, por só ele dever suportar a
prestação (caso do comissário que age culposamente e paga toda a
indemnização)” (Das obrigações em geral, vol. I, p. 781-782).
7
OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E
QUESTÕES DE MÉRITO – NOÇÕES
ELEMENTARES
Um processo só deve começar com a propositura de uma
demanda.218 Por meio da demanda, um sujeito apresenta ao juiz
uma crise jurídica, relatando certo acontecimento da vida e
pedindo que o Poder Judiciário ali interfira, sempre com o
objetivo de obter algo que não seria legitimamente alcançado
sem a intercessão judicial. É com a demanda, portanto, que se
tira o magistrado de sua inércia, chamando-o a exercer seu poder
jurisdicional.219
O ato de demandar não é somente condição para que o juiz
desempenhe a função jurisdicional. Além de legitimar o
exercício da jurisdição, a demanda também baliza o emprego
desse poder, fixando os lindes dentro dos quais o Estado poderá
atuar. Em suma, isso se faz mediante indicação de seus
elementos identificadores (partes, causa de pedir e pedido),220
que delimitarão o provimento que ao julgador será lícito emitir,
especificando sua natureza (condenatório, declaratório etc.), seu
objeto (o bem da vida almejado) e os sujeitos que se quer atingir
(partes), sempre com a exposição dos fundamentos da pretensão
apresentada (causa petendi). Se o autor propõe demanda
pedindo que o réu seja condenado a lhe entregar mil sacas de
soja em razão de determinado contrato, tal pretensão deverá ser
apreciada nos exatos termos em que lhe foi apresentada. Não
deverá o juiz valer-se do poder jurisdicional para condenar
alguém senão o réu, como também não estará autorizado a
determinar que entregue algo além ou diferente do que pedido
pelo autor, sendo-lhe vedado ainda condenar o demandado à
entrega de mil sacas de soja em razão de outra circunstância que
não seja o contrato invocado por aquele que ajuizou a
demanda.221
Embora esses sejam pontos de conhecimento geral, eles
giram em torno de conceito bem menos corrente. Fala-se aqui
sobre o objeto do processo, que parte da doutrina denomina
objeto litigioso do processo.222
A locução “objeto do processo” não é unívoca e pode dar
ensejo a confusões. Antes de mais nada, há que distinguir o
objeto do processo de suas finalidades,223 ou escopos, que são
valores que se busca alcançar por meio desse instrumento
(pacificação social, educação etc.).224 Não é disso que se trata.
Ademais, deve-se atentar no fato de que parte da doutrina se vale
de “objeto do processo” para referir-se a “tudo aquilo que se
apresenta à intelecção do juiz”, como faz ARRUDA ALVIM.225
Também não é esse o sentido que se deseja conferir à expressão.
Neste trabalho, “objeto do processo” designa precisamente
aquilo “que se coloca diante do juiz, à espera do provimento que
ele proferirá afinal”.226 A divergência apontada, contudo, é
apenas terminológica: a mencionada corrente doutrinária refere-
se com a expressão “objeto litigioso do processo” à mesma ideia
aqui representada por “objeto do processo”, chamando, por sua
vez, de “objeto do processo” o que ora será tratado por “objeto
do conhecimento do juiz”.
O objeto do conhecimento do juiz compõe-se da totalidade
dos elementos sobre os quais o julgador se debruça no exercício
da atividade jurisdicional. Conforme expõe KAZUO WATANABE,227
o campo de cognição do julgador é formado por todo o conjunto
de questões surgidas no processo, sejam elas referentes ao
mérito ou à admissibilidade de seu julgamento,
independentemente de terem sido suscitadas pelo autor, pelo réu
ou abordadas ex officio pelo magistrado. Já o objeto do processo
é resultado de um recorte muito mais específico, restringindo-se
àquilo sobre o que o juiz está vinculado a se pronunciar, ao fim
do processo, no dispositivo de sua sentença – ou seja, ao
mérito.228 Daí a observação de DINAMARCO de que a busca do
conceito de objeto do processo “outra coisa não é senão a busca
do conceito de mérito”.229
É fundamental não confundir o mérito com as questões
pertinentes ao seu julgamento.230 O meritum causæ corresponde
ao pedido formulado pelo demandante, ou seja, à pretensão por
ele submetida à apreciação do órgão jurisdicional (a condenação
do demandado ao pagamento de certa quantia de dinheiro, a
declaração de nulidade de um contrato etc.). Contudo, da mesma
forma como uma equação algébrica não pode ser solucionada
sem a prévia resolução de diversas operações matemáticas, o
juiz deve enfrentar uma série de questões de fato e de direito
surgidas ao longo do processo para chegar a uma conclusão
sobre o pedido. Se o autor narra a ocorrência de um acidente
automobilístico, atribuindo ao réu culpa pelo evento danoso e
pedindo que ele seja condenado a lhe pagar mil reais a título de
reparação por dano material, o julgador eventualmente haverá de
averiguar se ele estava em velocidade superior à que se permitia
na via (questão de fato), se o prazo prescricional aplicável
àquela situação é um ou outro (questão de direito) e tudo o mais
que possa influenciar no julgamento da causa.231 Essas são as
chamadas questões de mérito, cuja abordagem é feita pelo juiz
nos fundamentos da sentença (CPC, art. 489, II) e serve para dar
suporte lógico à decisão sobre o pedido, proclamada no
dispositivo.232 Ao enfrentá-las, o julgador estará essencialmente
explicando233 por que decidiu o mérito de tal ou qual forma, em
cumprimento de seu dever constitucional de motivar decisões
(Const., art. 93, IX).
A constatação de que o objeto do processo corresponde ao
mérito e de que o mérito, por sua vez, consiste na pretensão
submetida pelo autor à apreciação do juiz demanda alguns
breves esclarecimentos. O primeiro diz respeito à causa de pedir.
É generalizada a compreensão de que o pedido apenas se
identifica perfeitamente quando adjunto da causa petendi.
Segundo EDUARDO TALAMINI, “negar que a causa de pedir seja
relevante para a identificação da pretensão e do objeto do
processo implicaria, por exemplo, afirmar que, quando um dos
cônjuges formula reconvenção na ação de separação por um
fundamentoimputável ao outro, não se teria uma nova pretensão
nem a ampliação do objeto do processo – o que, obviamente,
não é concebível”.234 O processualista paranaense ressalva,
contudo, que essa função identificadora da causa de pedir não a
torna parte integrante do objeto do processo,235 ou seja, do que
se coloca perante o juiz como alvo do provimento que ele
proferirá afinal.
Pode-se pensar que o raciocínio de TALAMINI é artificioso e
que a causa petendi integra o objeto do processo tanto quanto o
pedido, como efetivamente sustenta parte da doutrina.236 A
crítica, contudo, não subsiste. A defesa desse ponto de vista
implica aceitar também que as próprias partes integram o objeto
do processo, pois é inegável sua importância para a devida
identificação da pretensão submetida a julgamento. Entretanto,
como ressalta DINAMARCO, seria inconcebível a afirmação de que
os sujeitos do processo são ao mesmo tempo seu objeto.237
Em suma, é indiscutível que se julga o pedido à luz de
determinada causa de pedir e em relação a certas partes. Daí não
é legítimo inferir, no entanto, que o alvo da decisão proferida no
dispositivo da sentença seja a causa de pedir ou as partes do
processo. Por tais razões, mostra-se correta a posição categórica
de DINAMARCO: “tenho por objeto do processo somente o pedido,
repudiando decididamente a inclusão da causa de pedir”.238
Outro necessário esclarecimento acerca do objeto do processo
diz respeito à defesa. Teria ela algum impacto sobre sua
delimitação?
A resposta é negativa. Ao contestar a demanda, o réu nada
mais faz que resistir à pretensão deduzida pelo autor, valendo-se
dos expedientes que o ordenamento jurídico lhe confere para
evitar o seu acolhimento. Assim, não tem a defesa o potencial de
modificar o objeto da decisão final a ser proferida pelo juiz: com
ou sem a sua apresentação, permanecerá o julgador incumbido
de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelo autor.239
Claro que a defesa ministra ao magistrado novos elementos
para que ele possa dar uma resposta ao pedido do autor.
Todavia, isso não significa ampliação do objeto do processo, e
sim do objeto do conhecimento do juiz. Se a princípio o julgador
dispunha de apenas uma versão dos fatos, com a defesa ele terá
outra, distinta ou mais abrangente; se estava diante da
interpretação jurídica do autor sobre certo evento, a defesa
apresentar-lhe-á a perspectiva do réu. Dessas divergências
surgem as referidas questões de mérito, a cujo respeito o juiz
deve posicionar-se nos fundamentos de sua sentença (CPC, art.
489, II). E isso ele deverá fazer sempre voltado ao cumprimento
de sua tarefa final: decidir sobre o pedido apresentado pelo
autor. Portanto, é o objeto da atividade-meio do juiz que varia de
acordo com o conteúdo da defesa, não o de sua atividade-fim.240
Dizer que a defesa não tem o potencial de modificar o objeto
do processo não equivale a afirmar que a resposta do réu não o
tenha. Quando responde a uma demanda,241 pode o sujeito
assumir diferentes posturas: render-se à demanda ajuizada pelo
autor, admitindo sua procedência; opor-se ao pedido autoral,
argumentando para que não seja acolhido; e ainda contra-atacar,
propondo no processo já pendente uma nova demanda para
julgamento.242 A essas duas últimas condutas correspondem,
respectivamente, as ideias de defesa e reconvenção.
A defesa, como já se registrou, não altera o objeto do
processo. Mas a reconvenção sem dúvida alguma o amplia,
porquanto coloca diante do juiz outra pretensão, que, junto
àquela deduzida pelo autor, deverá ser julgada.243 Assim, o
impacto da resposta do réu sobre o objeto do processo dependerá
de seu conteúdo: sendo ela puramente defensiva, manter-se-á
intacto o objeto do processo instalado a pedido do autor; caso
contenha demanda reconvencional (e nesse conceito se inclui o
pedido contraposto a que alude o artigo 31 da Lei dos Juizados
Especiais),244 o objeto do processo tornar-se-á complexo,
passando a compor-se do pedido autoral e ainda do petitum
formulado pelo réu em reconvenção.245
Não somente a reconvenção tem o condão de alargar o objeto
de processo pendente. Também pode ampliá-lo uma intervenção
de terceiro, ou seja, “o ingresso de um sujeito em processo
pendente entre outros, como parte”.246 O impacto da intervenção
de terceiro sobre o objeto do processo é, por sinal, um dos
critérios utilizados para a classificação de suas diferentes
formas, distinguindo a doutrina entre intervenções que o
ampliam e que não o fazem.247
São ampliativas as intervenções cuja ocorrência pressupõe
propositura de nova demanda no processo pendente.248 É o caso,
v.g., da denunciação da lide movida pelo réu,249 na qual ele pede
que terceiro o ressarça de eventual prejuízo que vier a
experimentar no julgamento da demanda ajuizada pelo autor.
Em tal hipótese, o objeto do processo, originalmente integrado
apenas pelo pedido autoral, passa a abrigar também o petitum
formulada pelo réu na qualidade de litisdenunciante;
consequentemente, ficará o juiz incumbido de pronunciar-se
sobre ambos na sentença.250 De outro lado, há intervenções sem
nenhum impacto sobre o objeto do processo. Exemplo perfeito
encontra-se na assistência, em que um terceiro, demonstrando ter
interesse jurídico no julgamento de causa alheia, ingressa na
relação processual com o único propósito de ajudar uma das
partes a sair vitoriosa. Nesse caso, o objeto do processo
permanece tal como estava antes da intervenção, pois o
assistente não ingressa na relação jurídico-processual para
formular pedido e tampouco tem contra si um petitum
apresentado; ele tão somente diligencia para que o pedido já
deduzido no processo seja julgado procedente (se for o autor a
parte assistida) ou deixe de ser acolhido (caso o auxiliado seja o
réu).251
No próximo item do trabalho, que abre a segunda parte deste
livro, será apresentada a nova modalidade de intervenção de
terceiro introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015: o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Como se
verá, trata-se de intervenção ampliativa, que alarga o objeto do
processo, mas não exatamente da forma como tem visualizado a
doutrina.
218. Dinamarco assevera que o processualista moderno, “em virtude de
sadios princípios herdados historicamente”, deve sempre estar
vinculado “à inércia da jurisdição e à demanda como pressuposto
indispensável à instauração dos processos e exercício regular da
jurisdição (pressuposto processual)” (“O conceito de mérito em
processo civil”, p. 302). Giovanni Verde esclarece que a exigência
de demanda para a instauração de processo judicial “è il prodotto di
una regola dell’antica sapienza (nemo iudex sine actore, ne procedat
iudex ex officio), dietro la quale riposa l’intuizione che il giudice
deve essere terzo e neutrale rispetto alla controversia da decidere (o,
più genericamente, all’affare giudiziario da risolvere) e, sopprattutto,
che deve apparire come tale di fronte ai consociati. Al contrario,
potrebbe non esserlo e sicuramente darebbe luogo al sospetto di non
essere terzo e neutrale, qualora avesse il potere (e lo esercitasse) di
dare inizio al procedimento all’esito del quale debba emanar la
decisione” (“Principio della domanda”, p. 1).
219. Código de Processo Civil, art. 2º: “o processo começa por iniciativa
da parte e se desenvolve por impulso oficial”.
220. Conforme aponta Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, não obstante as
críticas que se pode fazer à teoria dos três eadem, “reconhece-se de
forma generalizada que ela fornece ao menos uma boa hipótese de
trabalho, apta a resolver a maioria dos problemas pertinentes à
identificação da demanda” (Limites objetivos e eficácia preclusiva
da coisa julgada, p. 14).
221. Sobre a correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda, cf.
DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, cap.
LXXIX.
222. Por todos: SANCHES, “Objeto do processo e objeto litigioso do
processo”.
223. Como observa Jaime Guasp, “la idea de objeto no se confunde con la
de causa o principio ni con la de fin aunque el empleo vulgarpueda
inducir en este punto a confusiones: no son objetos de una institución
jurídica y, por ende, no lo son del proceso, el fundamento a que debe
su existencia (por ejemplo, el mantenimiento de la paz justa de la
comunidad) ni la función o fin que, aún de modo inmediato, está
llamada a realizar” (“La pretensión procesal”, p. 363).
224. Sobre os escopos social, político e jurídico do processo, cf.
DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, pp. 177 ss.
225. Direito processual civil – teoria geral do processo de conhecimento,
vol. II, p. 148.
226. DINAMARCO, “O conceito de mérito em processo civil”, p. 305.
227. Cognição no processo civil, pp. 79 ss.
228. “Só uma parte do ‘objeto do processo’ [objeto do conhecimento do
juiz] constitui o ‘objeto litigioso do processo’ [objeto do processo]: é
o mérito, assim entendido o pedido do autor formulado na inicial”
(SANCHES, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, p.
11).
229. “O conceito de mérito em processo civil”, p. 306.
230. Liebman assevera que “todas as questões cuja resolução possa
indiretamente influir em tal decisão formam, em seu complexo, o
mérito da causa” (Manual de direito processual civil, vol. I, pp. 222-
223). Dinamarco critica tal afirmação, ponderando haver nela uma
indevida confusão entre o mérito e as questões de mérito (“O
conceito de mérito em processo civil”, p. 307).
231. No dizer de Dinamarco, “a motivação deve ser tal que traga ao leitor
a sensação de que o juiz decidiu de terminado modo porque assim
impunham os fundamentos adotados, mas decidiria diferentemente
se outros fundamentos houvessem prevalecido – seja no exame da
prova, seja na interpretação do sistema jurídico. […] Exige-se
também que a motivação seja completa, sem omitir pontos cuja
solução pudesse conduzir o juiz a concluir diferentemente”
(Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 375).
232. “Na motivação, o juiz não se limita a analisar questões de fato e de
direito, mas resolve-as. No dispositivo, o juiz já não resolverá tais
questões, senão que se pronunciará sobre o pedido. A conclusão não
consiste na solução de questões, e sim na ilação final, a que se
chegou à luz dessa solução” (BARBOSA MOREIRA, “O que deve e
o que não deve figurar na sentença”, p. 118).
233. “La sentenza è un atto avente un duplice contenuto: come
provvedimento pronunciato dall’autorità giudiziaria, essa contiene
una disposizione, una statuizione. L’atto di tutela giuridica’; ma
quest’atto è risultato di un giudizio, di un’attività logica compiuta dal
giudice per pervenire alla decisione ed egli deve esporre nella
sentenza il cammino da lui percorso, cioè, i ‘motivi in fatto e in
diritto della decisione’ (art. 132, 2º co., n.4, c.p.c.). Questa
motivazione, che è anche un preciso adempimento costituzionale
(art. 111 Cost.), ha lo scopo di spiegare e giustificare la decisione,
ma non è essa stessa una decisione o una serie di decisioni”
(LIEBMAN, “Giudicato”, p. 307).
234. Coisa julgada e sua revisão, p. 80.
235. “A causa de pedir é elemento indispensável para que a pretensão seja
adequadamente identificada, embora a causa de pedir, em si, não
constitua o objeto ou parte do objeto do processo” (Coisa julgada e
sua revisão, p. 80).
236. Cf. CORRÊA, O objeto litigioso no processo civil, p. 67; LEONEL,
“Objeto litigioso do processo e o princípio do duplo grau de
jurisdição”, pp. 349 ss.
237. Cf. “O conceito de mérito em processo civil”, p. 347.
238. Cf. “O conceito de mérito em processo civil”, p. 348.
239. “A defesa do réu não amplia jamais o objeto do processo. Ao
contestar o réu simplesmente nega os fatos alegados pelo autor, ou
nega-lhes a eficácia jurídica afirmada por este, ou alega fatos novos
que excluem o direito afirmado na petição inicial, ou ainda suscita
razões relacionadas com o direito de ação e o processo […]. Mas fica
absolutamente inalterado o material a ser objeto do pronunciamento
jurisdicional, ou seja, o objeto do processo” (DINAMARCO,
Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 220). Cf. também
BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, p. 26.
240. “Enquanto o objeto do processo é colocado estritamente pela
demanda e relevância alguma tem a maneira como se comporte o
demandado depois, constitui objeto do conhecimento do juiz toda a
massa de questões no processo, venham de onde vierem. O réu
sustenta questões ao responder, o autor na réplica ou depois, ambos a
todo momento no contraditório no processo, dúvidas são levantadas
de-ofício pelo juiz etc. – e de todas essas questões o juiz conhece e
sobre elas se pronuncia no momento adequado” (DINAMARCO, “O
conceito de mérito em processo civil”, p. 325).
241. Isto é, quando não se mantém inerte, tornando-se revel.
242. Cf. BARBOSA MOREIRA, “Resposta do réu no sistema do Código
de Processo Civil”, n. 2.
243. “Enquanto a reconvenção veicula nova e inédita pretensão, agora
formulada pelo réu, a exceção se limita a argumentos para a rejeição
da demanda ajuizada pelo autor, a fim de evitar o reconhecimento do
direito que ele diz ter na sua petição inicial. Á medida que a
reconvenção aumenta o número de demandas existente no processo
(cumulação ulterior de demandas) e conseqüentemente estende os
limites da sentença (correlação entre demanda e sentença), a exceção
mantém inalterados esses aspectos da relação jurídica processual. Ao
passo que a reconvenção alarga o objeto do processo, […] a exceção
não interfere nas dimensões do objeto do processo” (BONDIOLI,
Reconvenção no processo civil, p. 26).
244. Conforme observa Dinamarco, não há “qualquer diferença
substancial ou funcional entre o pedido contraposto e a reconvenção.
A única diferença existente é meramente formal e pouco mais que
nominal, porque o resultado a que ambos conduzem é o mesmo:
ampliação do objeto do processo pela introdução de mais um
pedido” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 587). No
mesmo sentido, cf. BONDIOLI, Reconvenção no processo civil, pp.
37-38.
245. No dizer de Fabbrini, “le eccezioni terminano dove termina l’oggeto
del giudizio; oltre questo limite cominciano, se del caso, le domande
del convenuto” (“L’eccezione di merito nello svolgimento del
processo di cognizione”, p. 375).
246. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
428.
247. Por todos, cf. DINAMARCO, Intervenção de terceiros, pp. 26 ss.
248. Por isso, Athos Gusmão Carneiro as denomina “intervenções por
ação” (Intervenção de terceiros, p. 88).
249. Na hipótese de denunciação da lide pelo autor, como ela deve ser
apresentada já na petição inicial, não há propriamente ampliação do
objeto do processo; este já será complexo desde a sua origem.
Ademais, como bem nota Dinamarco, a denunciação promovida pelo
autor nem sequer consiste em autêntica intervenção de terceiro,
“porque o listisdenunciado já ingressa no processo desde o início,
tanto quanto o réu da demanda principal. A rigor, ele não intervém,
ou seja, não é integrado na relação processual depois de já
inteiramente formada em sua estrutura tríplice” (DINAMARCO,
Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 74). A hipótese é de
“formação originária de um litisconsórcio eventual” (CINTRA,
Intervenção de terceiro por ordem do juiz – a intervenção iussu
iudicis no processo civil, p. 151).
250. Naturalmente, só haverá julgamento de mérito da denunciação da lide
em caso de procedência da pretensão autoral; caso esta seja rejeitada,
não terá o réu-litisdenunciante interesse processual em que seja
acolhido seu pedido de ressarcimento, pela simples razão de que não
existirá prejuízo a ser ressarcido (cf. DINAMARCO, Intervenção de
terceiros, p. 31). Clarisse Lara Leite concorda com tal raciocínio,
mas ressalva situações excepcionais em que o julgamento de meritis
da denunciação da lide poderá ocorrer mesmo em caso de
improcedência da demanda primitiva: “tratando-se de garantia por
evicção, isso pode ocorrer p. ex. porque o denunciado demonstra ter
alienado de forma gratuita ou ter celebrado negócio aleatório. Diante
dessa situação, sendojá possível resolver de forma definitiva o
conflito de direito material, não há razão para que o julgador se
limite a proferir decisão terminativa, permitindo assim que a mesma
controvérsia venha a repetir-se no futuro” (Evicção e processo, pp.
209-210).
251. No categórico dizer de Dinamarco, “a intervenção do terceiro na
condição de assistente é de absoluta irrelevância para o objeto do
processo. […] ‘Com ou sem essa intervenção, o juiz julgará somente
a pretensão do autor perante o réu’” (“Coisa julgada, assistência e
eficácia da intervenção”, p. 358).
SEGUNDA PARTE
INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
8
UMA APRESENTAÇÃO
8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo
Civil
Como já registrado neste trabalho, o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é uma novidade
introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015 no
ordenamento brasileiro. Assim, antes de examiná-lo, convém
fazer sua apresentação, expondo brevemente suas principais
características e seu procedimento.
Acertadamente, o incidente foi disposto pelo legislador entre
as formas típicas de intervenção de terceiros. Com efeito, trata-
se de expediente que inclui, em processo pendente, sujeito que
não participava da relação jurídico-processual, chamando-o a
responder por obrigação inicialmente reclamada apenas do réu
originário. Como esse terceiro não toma a iniciativa de ingressar
no processo, mas se integra a ele por provocação da parte que
postula a instauração do incidente, sua intervenção é coata,
independendo de aquiescência para efetivar-se.1
Do ponto de vista procedimental, a principal característica do
incidente é sem dúvida a exigência de citação e oitiva do terceiro
antes da prolação de decisão que venha a afetá-lo, nos termos do
art. 135 do Código de Processo Civil.2 Com tal determinação,
procurou-se afastar de vez a possibilidade de a desconsideração
da personalidade jurídica ser pronunciada sem prévia
oportunidade de defesa ao terceiro cujo patrimônio poderia ser
afetado.3 Embora essa fosse uma prática flagrantemente
inconstitucional, por desrespeitar as garantias do devido
processo legal e do contraditório (Const., art. 5º, LIV e LV), ela
tornou-se comum na vigência do Código de Processo Civil de
1973 e inclusive era considerada legítima pelo Superior Tribunal
de Justiça.4 No Código de 2015, sua proibição tornou-se
explícita, estabelecendo a lei processual que “para a
desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a
observância do incidente”.5 Nada disso impede, todavia, a
concessão de tutelas provisórias inaudita altera parte: sendo
demonstrados, por exemplo, a probabilidade do direito e o
perigo de dano (CPC, art. 300), o sujeito acionado por meio do
incidente poderá suportar constrições provisórias sobre seu
patrimônio antes mesmo de ser citado.6
Segundo o art. 133 do Código de Processo Civil, o incidente
será instaurado a requerimento “da parte ou do Ministério
Público, quando lhe couber intervir no processo” (caput),
deduzindo-se por meio dele um “pedido de desconsideração da
personalidade jurídica” (§ 1º). Trata-se, assim, de modalidade
de intervenção que contempla a postulação de tutela
jurisdicional em face do terceiro, causando ampliação do objeto
do processo originalmente formado.7 Justamente por isso, a
instauração do incidente deve ser anotada pelo distribuidor
(CPC, art. 134, § 1º), de modo que todos possam informar-se da
existência da nova demanda e evitar negócios que possam
configurar fraude de execução (CPC, art. 137).
O Código de Processo Civil afirma a admissibilidade do
incidente não somente na chamada desconsideração tradicional,
mas também em sua modalidade inversa (CPC art. 133, § 2º).
Não se deve ver nisso, porém, limitação ao seu cabimento, que
deverá abranger todo e qualquer caso de disregard (supra, n.
4.1.3), e não apenas essas duas hipóteses. Lex minus dixit quam
voluit.
Diferentemente do que sucede com as demais formas de
intervenção coata e ampliativa de terceiros, inexiste limitação
temporal para a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, que o Código dispõe ser cabível “em
todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de
sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial” (art. 134). Tampouco há restrição à instauração do
incidente em processos de competência dos juizados especiais
(art. 1.062), ao contrário do que se dá com as demais
modalidades de intervenção de terceiros (Lei 9.099/1995, art.
10).8
Com a citação do terceiro no incidente de desconsideração,
ele adquirirá a qualidade de parte9 e terá prazo de quinze dias
para defender-se (CPC, art. 135). Após a realização de instrução
(caso necessária), o incidente será encerrado por decisão
interlocutória (CPC, art. 136), contra a qual caberá agravo de
instrumento (CPC, art. 1.015, IV) ou interno (CPC, art. 136,
parágrafo único), a depender de ter sido proferida por juiz de
primeira instância ou por relator em tribunal. Durante essa
tramitação, o processo permanecerá suspenso (CPC, art. 134, §
3º), não se praticando atos alheios ao incidente, salvo aqueles
que se revelarem urgentes (CPC, 314).
O Código de Processo Civil menciona expressamente a
possibilidade de o pedido cabível no incidente de
desconsideração da personalidade jurídica ser formulado já na
petição inicial (CPC, art. 134, §2º). Nesse caso, obviamente não
se terá uma intervenção de terceiro, pois o sujeito contra o qual
se dirigirá o pedido será citado como réu originário. Logo, em
tal hipótese não há que falar em suspensão do processo nem em
ampliação de seu objeto.
Eis, em síntese, os contornos do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, cujos principais aspectos serão
analisados nos próximos itens. Antes disso, porém, cumpre fazer
importante observação sobre a extensão de seu cabimento.
8.2. O incidente de desconsideração e outras causas
de responsabilidade dos sócios
Tendo em vista que a legislação processual estabelece
incidente de observância obrigatória para a desconsideração da
personalidade jurídica (CPC, art. 795, §4º),10 poder-se-ia
concluir, a contrario sensu, pela desnecessidade de sua
instauração quando a responsabilidade do sócio por obrigações
sociais não estivesse fundada na disregard. Então, salvo nas
hipóteses de desconsideração, a responsabilização do sócio
prescindiria da observância de um procedimento prévio,
bastando o redirecionamento da execução ao seu patrimônio.
No campo das execuções fiscais, o raciocínio exposto vem
ganhando corpo em relação à responsabilidade disciplinada no
art. 135 do Código Tributário Nacional.11 Em seminário que
reuniu juízes de todo o país, a Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) aprovou uma série
de enunciados a respeito do Código de Processo Civil, entre os
quais o seguinte: “o redirecionamento da execução fiscal para o
sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015”. Parte
da doutrina também defende que “o redirecionamento da
execução [fiscal] ao responsável dispensa o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica”12 e afirma que, “após
o redirecionamento, o sócio e/ou administrador incluídos no
polo passivo podem exercer plenamente a sua ampla defesa ou o
contraditório”.13 Os adeptos dessa corrente apoiam-se no
predominante entendimento de que a responsabilidade disposta
no art. 135 do Código Tributário Nacional não se confunde com
a disregard,14 o que tornaria prescindível a instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica para sua
apuração.
O raciocínio não se sustenta, pois esbarra na garantia de que
ninguém deve ser privado de seus bens sem o devido processo
legal (Const., art. 5º, LIV), no qual a observância do
contraditório é imperiosa.15 Ressalvadas excepcionais situações
em que o ordenamento justificadamente autoriza a concessão de
provimentos jurisdicionais inaudita altera parte, jamais será
legítimo submeter o patrimônio de um sujeitoa atos de
constrição sem que lhe tenha sido dada oportunidade de discutir
sua responsabilidade. Como aponta LEONARDO GRECO, a
antecedência do contraditório deve ser tratada como regra do
sistema processual, porque “influir eficazmente nas decisões não
é influir depois que as decisões já foram tomadas, é influir
antes”.16 E tal regra deve impor-se inclusive nos casos de
responsabilidade secundária, sendo imperioso garantir ao
indigitado responsável a chance de questionar essa sua condição
previamente à emissão de medidas sobre seus bens.17 Autorizar
que um sujeito discuta sua responsabilização somente após seu
patrimônio ter sido afetado equivale, segundo a ilustrativa
expressão de DINAMARCO, a “um convite a assistir ao próprio
velório”.18
A partir dessa premissa constitucional, infere-se que toda e
qualquer pretensão à responsabilização dos sócios por
obrigações sociais – esteja ou não fundada na desconsideração
da personalidade jurídica – deve submeter-se ao contraditório
antes de desencadear efeitos contrários aos interesses do sujeito
contra o qual se volta. Se a legislação infraconstitucional não
estabelece um procedimento para a integração desses indivíduos
em certas hipóteses, a solução não é ignorar a providência, mas
buscar alternativas que assegurem sua implementação, conforme
manda a Constituição.
Nos casos em que inexiste procedimento específico para a
responsabilização dos sócios, o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica surge como a mais óbvia opção para a
implementação do contraditório. Parte da doutrina vem já
sustentando a obrigatoriedade de sua instauração “para além das
hipóteses em que tal responsabilização funda-se na
desconsideração da personalidade jurídica”.19 A utilização do
incidente nesses outros casos, “mesmo que analógica, é, mais do
que recomendável, necessária, pois visa a preservar o direito de
defesa prévio – que é a regra do sistema – do sujeito que terá seu
patrimônio atingido pela decisão judicial”.20
Diante dessas considerações, não deve o intérprete apegar-se
excessivamente ao nomen iuris da modalidade de intervenção de
terceiro disposta nos arts. 133 ss. do Código de Processo Civil.
Concebeu-se um incidente para a hipótese da desconsideração da
personalidade jurídica, mas tudo recomenda que o expediente
sirva à apuração da responsabilidade de sócios por outros
fundamentos.
1. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, pp.
435 e 491; CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, p. 94.
2. “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para
manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze)
dias”.
3. “A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em
relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem
no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão
processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando
concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que
preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas,
prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica” (Exposição de
motivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil).
4. “Esta Corte firmou o entendimento de que é prescindível a citação
prévia dos sócios para a desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade empresária” (STJ, 3ª T., REsp 1.459.831-MS, rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, j. 21.10.2014).
5. “Esse incidente veio com o manifesto escopo de pôr fim a uma
desenfreada tendência de juízes e tribunais a invadir arbitrariamente o
patrimônio de terceiros, nessas circunstâncias, sem prévio
contraditório, sem que o indigitado responsável esteja incluído no título
executivo (CPC, art. 779, inc. I) e quase sempre sem sua citação. No
sistema agora implantado, aquele que pretender responsabilizar um
terceiro por obrigações da parte contrária tem o ônus de suscitar o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 ss.),
provocando por esse meio a inclusão daquele na relação processual, da
qual participará com todas as oportunidades de defesa inerentes à
garantia constitucional do contraditório, sem a possibilidade de vir a
suportar constrições judiciais antes da prolação de uma decisão judicial
que autorize tal desconsideração (art. 795, § 4º)” (DINAMARCO,
Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 491).
6. Cf. DINAMARCO, “O novo Código de Processo Civil brasileiro e a
ordem processual civil vigente”, n. 16; ARRUDA ALVIM, Manual de
direito processual civil, p. 534; YARSHELL, Comentários ao novo
Código de Processo Civil, p. 239; VIEIRA, Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e
temas polêmicos, pp.152-153; NEVES, Manual de direito processual
civil, p. 310; GRECO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p.
504; BENEDUZI, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p.
263; COSTA, Convenções processuais sobre intervenção de terceiros,
p. 185.
7. Entre outros, cf. THEODORO JR., Curso de direito processual civil,
vol. I, p. 405.
8. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
128; THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 405;
WAMBIER-TALAMINI, Curso avançado de processo civil – teoria
geral do processo, vol. I, p. 374.
9. Cf. SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo
Civil, vol. I, p. 572
10. “Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a
observância do incidente previsto neste Código”.
11. “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de
poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas
referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e
empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado”.
12. BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a
desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo
Civil de 2015, p. 165. No mesmo sentido, cf. BONFIM-
BERTAGNOLLI, “Da não aplicação do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica aos casos de responsabilização tributária por
ato ilícito”, n. 6.
13. BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a
desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo
Civil de 2015, p. 169.
14. Observando que o art. 135 do Código Tributário Nacional não dispõe
hipótese de desconsideração da personalidade jurídica: SOUZA,
Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais,
p. 84; SILVA, A aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica no direito brasileiro, pp. 236-238; BRUSCHI, Aspectos
processuais da desconsideração da personalidade jurídica, p. 64;
SILVA, A desconsideração da personalidade jurídica no direito
tributário, pp. 97-111.
15. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, pp.
326-327; TUCCI--TUCCI, Constituição de 1988 e processo –
regramentos e garantias constitucionais do processo, p. 18.
16. “Os juízes devem, como regra geral, que somente deve ser posta de
lado em situações excepcionais, assegurar o contraditório prévio,
porque contraditório postergado é contraditório nenhum, é uma
tentativa de reequilibrar um processo já desequilibrado, no qual a
desigualdade prevaleceu. O juiz ao assegurar o contraditório a
posteriori está procurando remediar um mal que já foi feito. […] É
preciso estabelecer a prioridade do contraditório, porque, se de um
lado, o autor tem o direito de acesso à justiça, o réu tem o direito de se
defender e de influir nas decisões do juiz. Frise-se que influir
eficazmente nas decisões não é influir depois que as decisões já foram
tomadas, é influir antes” (Instituições de processo civil, vol. I, p. 516).
17. Conforme aponta Thiago Ferreira Siqueira, “deve-se oportunizar ao
responsável que se manifeste a respeito de sua legitimidade
anteriormente a qualquer medida constritiva que venha a se realizar
sobre seus bens. Neste ponto, é de se lembrar que, como regra, o
contraditóriodeve ocorrer antecipadamente – isto é: antes da prática
do ato desvantajoso ao interesse da parte –, apenas se admitindo sua
postergação em hipóteses excepcionais, devidamente justificadas” (A
responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p.
199). No mesmo sentido, cf. GRECO, O processo de execução, vol. I,
p. 271.
18. “Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e
contraditório”, p. 542.
19. SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. I, p. 573; “Aspectos gerais da intervenção de terceiros no novo
Código de Processo Civil”, p. 152. Também pela utilização analógica
do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, cf.
YARSHELL, “O incidente de desconsideração da personalidade
jurídica no CPC 2015: aplicação a outras formas de extensão da
responsabilidade patrimonial”, pp. 218-224.
20. CINTRA, Intervenção de terceiro por ordem do juiz – a intervenção
iussu iudicis no Processo Civil, p. 166.
9
O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO
COMO DEMANDA
Tem havido consenso na doutrina em torno da ideia de que o
pedido de instauração do incidente de desconsideração
representa a propositura de demanda incidental, com ampliação
do objeto do processo.21 Até o momento, porém, acredita-se
faltar análise satisfatória acerca do conteúdo dessa demanda. De
um modo geral, referem-se os autores a um “pedido de
desconsideração da personalidade jurídica”, reproduzindo a
expressão constante da lei processual (CPC, art. 133, § 1º; art.
137) sem se estender sobre o conteúdo de tal pretensão.
Neste item do trabalho, pretende-se contribuir para o
preenchimento dessa lacuna. A análise partirá da
desconsideração da personalidade jurídica demandada na petição
inicial para em seguida se examinar sua propositura incidental.
9.1. Ponto de partida: desconsideração da
personalidade jurídica na petição inicial
Como deixa claro o art. 134, § 2º, do Código de Processo
Civil, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser
postulada pelo interessado tanto na petição inicial quanto
incidentalmente. Trata-se, portanto, de pretensão passível de ser
deduzida em demanda inicial, que instaura novo processo, ou
em demanda incidental, que se apresenta em processo já
pendente, com a particularidade de não haver limite temporal
para sua propositura (CPC, art. 134).22 A rigor, não variará o
conteúdo dessa pretensão, mas somente o momento em que ela
será formulada pela parte – ao início do processo ou com ele já
em curso, por meio do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.23
Na hipótese em que a desconsideração da personalidade
jurídica vem postulada na petição inicial, a doutrina
acertadamente identifica a formação de litisconsórcio passivo
originário decorrente da cumulação de demandas propostas em
face de sujeitos distintos: (I) a sociedade indicada como
devedora originária; e (II) o sócio que se quer responsabilizar
pela dívida em razão de abuso da personalidade jurídica.24-25
Todavia, ao contrário do que se vem afirmando, não haverá
contra este último a formulação de um pedido de
desconsideração da personalidade jurídica. Na realidade, a
desconsideração integrará outro elemento da demanda ajuizada
em face do sócio: a causa de pedir.
A origem e o desenvolvimento da disregard (supra, n. 3)
revelam não haver no instituto um fim em si mesmo, senão um
meio para evitar a frustração de um direito de crédito. Com a
desconsideração da personalidade jurídica, pretende-se a
constituição de novo devedor (o sócio) para uma obrigação
contraída pela sociedade (supra, n. 5), mas essa modificação no
polo passivo da relação obrigacional é obviamente perseguida
pelo credor para que ele possa afinal lograr a satisfação de um
direito seu.
Na estrutura da demanda, repercute de forma muito clara a
ideia de que a disregard consiste em meio e não fim. Como
regra, a desconsideração não integra o pedido do demandante, e
sim o fundamento por ele apresentado para obter a condenação
do sócio ao cumprimento de obrigação originariamente
contraída pela pessoa jurídica. Sendo a desconsideração da
personalidade jurídica alegada na petição inicial do processo de
conhecimento, haverá de fato uma cumulação de demandas
propostas contra a sociedade e o sócio, porém nenhuma delas
terá como objeto a desconsideração da personalidade jurídica.
Em face da pessoa jurídica, haverá pedido condenatório fundado
na existência de obrigação por ela inadimplida; contra o sócio, a
pretensão será também condenatória, com a diferença de que
estará fundamentada em causa de pedir complexa: a existência
da obrigação inadimplida pela sociedade mais a extensão dessa
relação jurídica obrigacional à pessoa do sócio por força da
desconsideração.
Do exposto acima, extraem-se conclusões extremamente
relevantes. Como não constituirá um petitum do demandante, e
sim um dos fundamentos que amparam a demanda proposta em
face do sócio, a desconsideração da personalidade jurídica não
integrará o objeto do processo (v. supra, n. 7).26 O meritum
causæ corresponderá, na verdade, às pretensões condenatórias
deduzidas em face da pessoa jurídica e do sócio, o que significa
que a cognição do julgador estará voltada a oferecer resposta a
esses pedidos,27 e não a verificar o preenchimento dos requisitos
para a desconsideração. No desenvolvimento da atividade
cognitiva, a desconsideração eventualmente surgirá como
questão de mérito a ser enfrentada pelo juiz na motivação da
sentença, apenas caso a resolução dessa questão seja
imprescindível ao julgamento do pedido condenatório formulado
contra o sócio.
Um exemplo facilitará a compreensão do raciocínio.
Imagine-se que o demandante afirme o inadimplemento de
dívida contraída por uma sociedade e alegue fatos que
caracterizem abuso da personalidade jurídica, pedindo por essas
razões que tanto a pessoa jurídica quanto o sócio sejam
condenados ao pagamento do débito. Diante desse quadro, são
vários os julgamentos de mérito possíveis. Poderá o julgador
concluir pela existência da obrigação inadimplida e pela
ocorrência de fatos que justifiquem a desconsideração,
condenando ambos os réus. Também poderá o juiz concluir pela
existência da obrigação inadimplida e pela inocorrência de fato
que caracterize abuso da personalidade jurídica, caso em que
acolherá a demanda condenatória proposta em face da sociedade
e rejeitará aquela ajuizada contra o sócio. Num terceiro cenário,
poderá o julgador concluir pela inexistência da obrigação, e
então será prescindível enfrentar a questão atinente à
desconsideração para se proceder ao julgamento das demandas,
que serão improcedentes independentemente de ter havido ou
não abuso da personalidade jurídica.
Note-se: fosse a desconsideração da personalidade jurídica
parte integrante do objeto do processo, estaria o julgador adstrito
a decidi-la em caráter principal,28 dada a necessidade de
correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda (CPC, art.
141). Não é o que ocorre. Mesmo quando o juiz tem de apreciá-
la, ele o faz incidenter tantum, na fundamentação de sua
sentença, com o único propósito de justificar a resposta que dará
ao pedido formulado em face do sócio.
Está mais do que claro, portanto, que a desconsideração da
personalidade jurídica não se confunde com o thema
decidendum, consistindo, na realidade, em questão de cuja
solução poderá depender a condenação do sócio (verdadeiro
meritum causæ).29 E isso decorre diretamente da premissa de
que a desconsideração não representa o pedido do demandante,
senão parte da causa de pedir de sua demanda.30
Eventual imprecisão na exposição da demanda não deve
interferir na aplicação das ideias ora apresentadas. Ainda que a
parte se refira à desconsideração da personalidade jurídica como
seu pedido, caberá ao julgador interpretar a petição inicial e
considerar “o conjunto da postulação” (CPC, art. 322, § 2º) para
compreender a tutela jurisdicional de fato perseguida pelo
demandante.31 Sempre que o juiz extrair dessa interpretação a
pretensão de que o sócio seja compelido a adimplir obrigaçãooriginariamente contraída pela sociedade por ter abusado de sua
personalidade jurídica, estará diante de pedido condenatório
fundado na desconsideração – e como tal deverá julgá-lo.32
9.2. Segue: desconsideração da personalidade
jurídica no incidente
O que se expôs a respeito da desconsideração da
personalidade jurídica pleiteada na petição inicial aplica-se, em
praticamente toda a sua extensão, à hipótese em que a disregard
é postulada de forma incidental. Afinal, como já registrado, tem-
se em ambos os casos a formulação de um pedido de tutela
jurisdicional, e sua configuração não há de alterar-se
substancialmente pelo fato de a pretensão ser apresentada initio
litis (na demanda inicial) ou no decorrer do processo (em
demanda incidental). Verificam-se, ainda assim, certas
especificidades nessa última hipótese.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica
naturalmente pressupõe a pendência de processo movido contra
a sociedade. Sua instauração causará, então, a ampliação do
objeto e do polo passivo do processo pendente: ao pedido
formulado contra a pessoa jurídica acrescentar-se-á outro, que
terá como sujeito passivo o sócio que se deseja atingir por meio
dadisregard. Haverá, portanto, a formação de litisconsórcio
passivo em razão de um cúmulo ulterior de demandas:33 àquela
ajuizada originariamente em face da pessoa jurídica irá somar-se
a proposta contra o sócio por meio do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica.34
Como o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica não encontra limitação temporal no processo (CPC, art.
134), convém abordar dois cenários distintos: quando sua
instauração ocorre ainda na fase de conhecimento do processo
ou já durante o cumprimento de sentença.
Na fase de conhecimento, estará pendente o julgamento de
pedido condenatório dirigido contra a pessoa jurídica. Com a
instauração do incidente de desconsideração nesse estágio do
processo, o demandante provocará a ampliação de seu objeto,
nele inserindo pretensão condenatória em face do sócio, a fim de
obter também contra este último a formação de título executivo
judicial. No incidente, portanto, tampouco se veiculará um
petitum de desconsideração da personalidade jurídica;
adisregardintegrará acausa de pedir da demanda
incidentalmente proposta em face do sócio, sem se confundir
com o meritum causæ.
Mais uma vez, um exemplo facilitará a compreensão do
raciocínio. Imagine-se que, no curso de processo conhecimento
em que esteja proposta demanda condenatória em face da
sociedade devedora, o autor tome ciência de atos de confusão
patrimonial praticados pelo sócio controlador e postule a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Nos termos do art. 134, § 3º, o processo será suspenso
até que o incidente seja resolvido por decisão interlocutória,
porém não se terá nessa decisão necessariamente o julgamento
do meritum causæ. Caso o juiz entenda não estarem presentes os
pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, a
demanda incidental proposta em face do sócio deverá ser desde
logo rejeitada, e o processo de conhecimento prosseguirá
somente contra a pessoa jurídica.35 Ao contrário, constatando-se
a confusão patrimonial afirmada pelo autor, o processo
prosseguirá contra ambos (sociedade e sócio), e tanto a demanda
inicial quanto a incidental serão julgadas na sentença. Assim, a
decisão que puser fim ao incidente de desconsideração no curso
do processo de conhecimento resolverá uma questão de mérito,
cuja solução poderá ou não ser suficiente para o julgamento do
meritum causæ em relação ao sócio. Sendo-lhe desfavorável, tal
decisão não definirá ainda sua sucumbência, pois o pedido
condenatório contra ele deduzido poderá ser rejeitado na
sentença por razões alheias à desconsideração (inexistência da
dívida cobrada pelo autor, por exemplo).
O quadro não se altera significativamente quando o incidente
é instaurado no curso de cumprimento de sentença movido em
face da sociedade: também nesse caso há ampliação do objeto e
do polo passivo do processo pendente. A diferença é que o
processo em curso terá como objeto a pretensão do exequente à
satisfação de seu direito à custa da pessoa jurídica já
condenada,36 o qual será expandido pela inserção de pedido
condenatório em face do sócio, a fim de que se forme título que
viabilize a execução também contra o patrimônio deste. Nesse
caso, vale esclarecer, a demanda proposta por meio do incidente
terá da mesma forma natureza condenatória, e nela a
desconsideração também não será deduzida como petitum, senão
como fundamento para que o exequente futuramente possa obter
a satisfação de seu direito às expensas do patrimônio do sócio.
Assim, a partir da instauração do incidente de desconsideração
na fase de cumprimento de sentença, comporão o objeto do
processo dois pedidos de natureza substancialmente distintas:
em face da sociedade, estará deduzido pedido satisfativo, pois
contra ela o título executivo já terá sido formado na fase
processual cognitiva; em face do sócio, o petitum será
condenatório, já que contra ele o título executivo ainda precisará
ser constituído.
Ao contrário do que se verifica na fase de conhecimento, a
decisão que encerra o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica instaurado no cumprimento de sentença
deverá necessariamente oferecer resposta ao pedido deduzido
em face do sócio, já que não haverá ocasião própria para sua
ulterior apreciação – caso da sentença na fase cognitiva. Surge,
então, indagação relevante: para evitar seu acolhimento, estará o
sócio limitado a questionar a desconsideração da personalidade
jurídica ou sua defesa poderá fundar-se noutros pontos? O
problema será enfrentado no próximo item.
21. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
128; YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil,
pp. 230-232; THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol.
I, p. 405; WAMBIER-TALAMINI, Curso avançado de processo civil
– teoria geral do processo, vol. I, p. 374; DIDIER JR., Curso de
direito processual civil, vol. I, p, 527; RODRIGUES FILHO,
Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 262;
VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC –
natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 107; BRUSCHI-
NOLASCO-AMADEO, Fraudes patrimoniais e a desconsideração
da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015, p.
159; CINTRA, Intervenção de terceiros por ordem do juiz – a
intervenção iussu iudicis no processo civil, p. 165; RODRIGUES,
Intervenção de terceiros, p. 100; CAMARGO, Comentários ao novo
Código de Processo Civil, p. 235; COSTA, Convenções processuais
sobre intervenção de terceiros, p. 184, n.r. 199.
22. Trata-se, portanto, de exceção à regra de estabilização do objeto de
processo (CPC, art. 329).
23. Cf. RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 102.
24. Cf. CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, p. 98; RODRIGUES
FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p.
267; CAMARGO, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p.
235; WAMBIER-TALAMINI, Curso avançado de processo civil –
teoria geral do processo, vol. I, p. 375, SIQUEIRA, A
responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil, p.
235; BENETI, “Desconsideração da sociedade e legitimidade ad
causam: esboço de sistematização”, pp. 1.017-1.018.
25. Aqui, como em várias outras passagens do trabalho, fala-se na
sociedade como devedora originária e no sócio como sujeito a ser
atingido pela desconsideração por conveniência. O raciocínio
apresentado evidentemente aplica-se a todas as modalidades de
desconsideração (inversa etc.).
26. É o que já apontara Ada Pellegrini Grinover na vigência do Código de
Processo Civil de 1973: “a desconsideração da personalidade jurídica,
providência cujo acerto e eficácia devem atentar para sua
excepcionalidade e para a presença de seus pressupostos (fraude e
abuso, a desvirtuar a finalidade social a pessoa jurídica), não pode,
não ao menos como regra, ser feitapor simples despacho no processo
de execução. A cognição para detectar a presença dos citados
pressupostos é indispensável e, nessa medida, ao menos como regra,
impõe-se a instauração do regular contraditório em processo de
conhecimento. Esse processo de conhecimento que se exige, fique
claro, é o processo de conhecimento condenatório, no qual se
pretende a formação do título executivo para que, depois, se promova
a invasão patrimonial. A via própria assim exigida, portanto, não é
necessariamente um processo que tenha por objeto a desconsideração
da personalidade jurídica. Trata-se de ‘ação própria’ no sentido de que
aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via desconsideração, deve
figurar no processo de conhecimento condenatório para que, também
em relação a ele, se forme o título executivo” (“Da desconsideração
da pessoa jurídica – aspectos de direito material e processual”, pp.
184-185).
27. Como observa Liebman, “o conhecimento do juiz é conduzido com o
objetivo de decidir se o pedido formulado no processo é procedente
ou improcedente”. (Manual de direito processual civil, vol. I, pp. 222-
223).
28. “Em todos os casos onde o objeto do processo é composto, e não
simples, é também dever do juiz atender a todos os itens que o
compõem, sob pena de decidir citra petita. Se há cúmulo de pedidos
na demanda inicial (CPC, arts. 325, 326, 327), sobre todos eles
pronunciar-se-á necessariamente o juiz” (DINAMARCO, Instituições
de direito processual civil, vol. III, p. 333).
29. “‘Julgar a lide’ e ‘julgar o mérito’ são expressões sinônimas, porque
significam decidir o pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o,
concedendo ou negando a providência pleiteada. Mérito constitui,
pois, o thema decidendum, ou seja, a matéria sobre a qual irá o juiz
decidir principaliter, que não abrange todo o objeto da sua cognição.
Há questões que, apesar de diretamente relacionadas ao objeto do
processo, porque pertinentes à relação de direito material, não se
confundem com o mérito, embora para decidir sobre ele tenha o
julgador de solucioná-las” (BEDAQUE, Efetividade do processo e
técnica processual, p. 253). Cf. ainda YARSHELL, Curso de direito
processual civil, vol. I, pp. 280-281.
30. Não se está descartando a possibilidade de a desconsideração
efetivamente constituir o pedido deduzido pela parte em sua demanda.
Em tese, é perfeitamente possível que o demandante, demonstrando
interesse processual, peça principaliter a modificação do polo passivo
da obrigação contraída pela sociedade para que o sócio passe à
condição de codevedor em razão de abuso da personalidade jurídica
(tutela jurisdicional constitutiva). A experiência mostra, porém, que a
hipótese é acadêmica: de ordinário, o demandante que invoca a
desconsideração da personalidade jurídica está em busca de título
judicial que lhe permita em seguida a execução do patrimônio do
sócio, e para isso é apropriada a tutela jurisdicional condenatória.
31. “Como todo texto escrito, o pedido é especificado por meio de
palavras, que projetam a futura decisão judicial. Para captar-lhe o
significado e a interpretação, vem agora, na novel codificação,
dispensado qualquer processo hermenêutico restritivo, substituído
pela busca de compreensão sob o enfoque de uma perspectiva global”
(TUCCI, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 89).
32. Conforme reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça,
“o pedido não deve ser extraído apenas do capítulo da petição
especificamente reservado aos requerimentos, mas da interpretação
lógico-sistemá-tica das questões apresentadas pela parte ao longo da
petição” (STJ, 3ª T., AgInt no AREsp 978.024-SC, rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, j. 6.6.2017).
33. Entre outros, cf. DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. I,
p. 527.
34. Não é correta, portanto, a afirmação de Dinamarco no sentido de que
“ao autor é oferecida uma única ordem de possibilidades de trazer
nova demanda ao processo já instaurado, consistente nas
modificações à inicial” (Instituições de direito processual civil, vol.
II, p. 204); também por meio da instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica o autor poderá fazê-lo, e a
qualquer momento (CPC, art. 134), não se submetendo às limitações
impostas pelo art. 329 do Código de Processo Civil. O próprio jurista
chega a tal conclusão em outra passagem de sua obra: “também
depois de formado o processo, em algumas hipóteses outras demandas
podem sobrevir, portadoras de pretensões diferentes da inicial mas
igualmente destinadas a obter uma tutela (demandas ulteriores –
supra, n. 396 – infra, n. 556). Isso acontece (a) quando o réu
reconvém, pedindo para si uma providência judicial em face do autor
(condenação a pagar etc. – CPC, art. 343); […] (d) quando o autor
suscita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
[…]. Na reconvenção e nessas modalidades de intervenção de
terceiro, bem assim em todos os demais casos em que uma demanda
ulterior seja admitida pelo direito, ela caracterizará uma nova
pretensão trazida à apreciação do juiz” (Instituições de direito
processual civil, vol. II, p. 128).
35. Haverá nessa hipótese um julgamento antecipado parcial do mérito
(CPC, art. 356).
36. Sobre o objeto do processo na fase de execução, cf. DINAMARCO,
Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 211; vol. IV, pp. 45-
46; 735-736.
10
DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO
DO INCIDENTE
Quando a desconsideração vem postulada logo na petição
inicial do processo de conhecimento, apontou-se haver um
cúmulo originário de demandas condenatórias propostas em face
da sociedade e do sujeito que teria abusado de sua personalidade
jurídica. Com relação àquela, a causa petendi consistirá
fundamentalmente na existência de obrigação a ser adimplida;
quanto a este, o pedido deverá estar ancorado não somente na
existência de obrigação inadimplida pela sociedade, mas
também na extensão dessa relação jurídica obrigacional à sua
pessoa pela desconsideração da personalidade jurídica (supra, n.
9.1).
Ao contestar a demanda contra si ajuizada, o sócio terá o
ônus de impugnar todos os fundamentos fáticos e jurídicos que
amparam o pedido, nos termos do art. 336 do Código de
Processo Civil, e lhe serão úteis todas as exceções que puderem
impedir o acolhimento da pretensão deduzida pelo autor. Sua
defesa não estará, assim, restrita à desconsideração da
personalidade jurídica, podendo incidir sobre qualquer ponto
relevante para o julgamento da causa.37 Caso demonstre, v.g.,
estar prescrita a obrigação cujo adimplemento o demandante
pleiteia, obterá sentença de mérito favorável ainda que haja
cabal comprovação de abuso da personalidade jurídica. Daí seu
indiscutível interesse em impugnar outros pontos além da
desconsideração.
Na hipótese em que a demanda é proposta incidentalmente
em face do sócio, não há razão para se adotar entendimento
distinto. Também nesse caso seu direito constitucional a ampla
defesa38 deverá ser integralmente assegurado, cumprindo-lhe
deduzir todas suas alegações defensivas – sejam elas referentes
ou não à desconsideração – no prazo indicado no art. 135 do
Código de Processo Civil. O ponto não se revela nítido, porém,
com relação à instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença, em
que já existirá definitivo reconhecimento de dívida a ser saldada
pela sociedade (ré originária). Nessa hipótese, estaria a defesa do
sócio restrita por força da coisa julgada formada no processo
primitivamente movido em face da pessoa jurídica?
Para LUIZ RODRIGUES WAMBIER e EDUARDO TALAMINI, a resposta
é positiva: nessa hipótese, a defesa do sócio ficaria limitada a
discutir a existência ou não dos pressupostos para a
desconsideração da personalidade jurídica. Caso não lograsse
descaracterizá-la, a coisa julgada formada contra a sociedade o
atingiria “como se ele não tivesse personalidade jurídica
própria”, de modo que não lhe seria viável discutir aquilo que
houvesse sido objeto da sentença proferidana fase de
conhecimento.39 Ocorre que, para chegar a tal conclusão, os
autores partem da premissa de que a desconsideração da
personalidade jurídica corresponde à “desconstituição da
eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica”,40 a qual não
procede. Como já exposto neste trabalho (supra, n. 5), a
disregard em nada afeta a personalidade jurídica de qualquer das
partes envolvidas. Não se sustenta, portanto, a assertiva de que a
coisa julgada formada contra a sociedade poderia estender seus
efeitos ao sócio tal como se suas pessoas se confundissem.
Acertadamente, grande parcela da doutrina filiou-se a linha
de opinião distinta. Conforme dispõe expressamente o Código
de Processo Civil, “a sentença faz coisa julgada às partes entre
as quais é dada, não prejudicando terceiros”.41 Dessa forma, não
há como impedir o sócio de discutir matéria decidida em
sentença de cuja formação não teve oportunidade de participar.
Tal impedimento esbarra inclusive em preceito constitucional,
porquanto se estaria a restringir seu acesso ao contraditório e a
impossibilitar o exercício de ampla defesa (Const., art. 5º, LV).42
Impõe-se, assim, o entendimento de que o sujeito demandado
por meio do incidente durante a fase de cumprimento de
sentença pode exercer amplamente seu direito de defesa,
discutindo inclusive a existência, a validade ou a exigibilidade
do débito reconhecido no processo de conhecimento movido em
face da pessoa jurídica.43-44 Nesse sentido, aliás, já apontava a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na vigência do
Código de Processo Civil de 1973.45
Não se ignora que a orientação ora defendida possa dar
ensejo a julgamentos contraditórios. Basta imaginar, na fase de
cumprimento de sentença, o acolhimento de exceção apresentada
pelo sócio contra a existência da dívida, caso em que haveria
decisões em diferentes sentidos sobre uma mesma obrigação–
aquela transitada em julgado em face da sociedade,
reconhecendo sua existência, e a proferida em relação ao sócio
no incidente de desconsideração, proclamando o oposto. Tal
possibilidade poderá causar estranhamento a muitos, mas não a
quem tiver consciência de que a finalidade da coisa julgada é
essencialmente prática e de que o instituto não se presta a
preservar coerência lógica entre julgados.46Mesmo em processo
único, a doutrina não descarta a existência de pronunciamentos
judiciais logicamente discrepantes.47 Trata-se de situação por
certo indesejável, porém muito menos grave do que subtrair ao
sócio garantias constitucionais como o contraditório e a ampla
defesa.
37. Cf. SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de Processo
Civil, p. 577; CAMARGO, Comentários ao Código de Processo
Civil, p. 241; SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo
sistema processual civil, p. 204. Nesse sentido, v. ainda o enunciado
248 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “quando a
desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição
inicial, incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica, na contestação,
impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os
demais pontos da causa”.
38. “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes” (Const., art. 5º, LV).
39. Cf. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol.
I, p. 376.
40. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p.
374.
41. Sobre a impossibilidade de prejuízo ao terceiro, cf. ainda TUCCI,
Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil,
esp. cap. V; TALAMINI, “Partes, terceiros e coisa julgada (os limites
subjetivos da coisa julgada)”, pp. 202-203.
42. “Fere o landmark da garantia constitucional do contraditório e ampla
defesa limitar o conteúdo da defesa de alguém que nunca participou
do processo antes e não teve sequer chance de impor seus argumentos
ao Poder Judiciário. Mesmo porque a pessoa jurídica pode ter sido
mal assessorada no processo de conhecimento e alguns elementos
essenciais podem não ter sido discutidos. Portanto, o sócio pode
plenamente (a) negar a qualidade de responsável, (b) discutir a
admissibilidade da desconsideração e (c) atacar a própria existência
da relação jurídica principal” (BIANQUI, Desconsideração da
personalidade jurídica no processo civil, p. 183). No mesmo sentido,
Otávio Joaquim Rodrigues filho afirma que “submetê-los [os sócios] à
imutabilidade do julgado equivaleria a negar-lhes as garantias
constitucionais do processo, até mesmo porque pode haver erro de
fato ou de direito que torne injusta a sentença condenatória”
(Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 348).
43. Nesse sentido, cf. YARSHELL, Comentários ao novo Código de
Processo Civil, pp. 243-244; VIEIRA, Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC, pp. 170-171; RODRIGUES
FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e processo, pp.
323-324; GRECO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p.
505; RODRIGUES, Intervenção de terceiros, pp. 104-105; CINTRA,
Intervenção de terceiro por ordem do juiz – a intervenção iussu
iudicis no processo civil, p. 166; CAMARGO, Comentários ao novo
Código de Processo Civil, pp. 241-242; BEDAQUE, “Sucessão de
empresas e desconsideração da personalidade jurídica”, pp. 458-459;
DIDIER JR., Regras processuais no Código Civil, pp. 12-13;
BONÍCIO, “A dimensão da ampla defesa dos terceiros na execução
em face da nova ‘desconsideração inversa’ da personalidade jurídica”,
n. 1; COSTA, Convenções processuais sobre intervenção de
terceiros, pp. 185-186.
44. Liebman chegou a semelhante conclusão ao examinar hipótese de
sentença condenatória proferida contra a sociedade em nome coletivo.
Segundo o processualista italiano, a autoridade da coisa julgada não
poderia estender-se ao sócio responsável que não participou do
processo de conhecimento, a quem deveria ser franqueada a
possibilidade de questionar a existência da obrigação social. Cf.
Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa
julgada, pp. 162-163.
45. “Quem, na condição de sócio, é citado para responder pelo débito da
sociedade, assume a condição de parte passiva na relação processual;
a respectiva defesa é ampla, seja negando a qualidade de responsável,
seja atacando a própria existência do débito” (STJ, 3ª T., REsp
159.659-SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 24.9.2002).
46. Entre outros, cf. TALAMINI, Coisa julgada e sua revisão, pp. 84-85;
BARBOSA MOREIRA, “Julgamento e ônus da prova”, p. 81;
DINAMARCO, Capítulos de sentença, p. 118.
47. Cf. DINAMARCO, Capítulos de sentença, p. 119.
11
INTERESSE PROCESSUAL NA
DESCONSIDERAÇÃO – A INSOLVÊNCIA DO
DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO SUPOSTA
CONDIÇÃO PARA A DISREGARD
Em estudos sobre a desconsideração da personalidade
jurídica, indaga-se com frequência se a responsabilidade do
sócio “seria solidária ou apenas subsidiária em relação à
sociedade”.48 A dúvida consiste em saber se a disregard tem
lugar apenas quando a pessoa jurídica cai em insolvência ou se
pode ocorrer independentemente dessa condição.
Antes de se responder à indagação, deve-se colocá-la em
termos corretos. Questionar se certa responsabilidade é solidária
ou subsidiária é tão ilógico quanto perguntar se uma pessoa é
alta ou morena, pois não se trata de qualidades opostas. A
solidariedade passiva existe quando “o credor tem o direito de
exigir toda a prestação de qualquer dos devedores”,49 de sorte
que o seu inverso se verifica quando o credor não dispõe dessa
faculdade. Trata-se das chamadas obrigações conjuntas, ou
parciárias,50 “cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a
cada um dos sujeitos [devedores] compete apenas uma parte do
débito”.51 Repare-se: quando dois indivíduos se obrigam
solidariamente ao pagamento de cem mil reais, tem o credor a
prerrogativa de demandar de qualquer deles a totalidade do
valor; se a mesma obrigação é contraída de modo não solidário,
não se tem um devedor respondendo subsidiariamente ao outro,
mas cada qualresponsável por uma cota da dívida perante o
credor.
A inexistência de oposição entre solidariedade e
subsidiariedade confirma-se pela existência de sujeitos que
respondem solidária e subsidiariamente por certas obrigações.52
Bom exemplo encontra-se no integrante de sociedade em nome
coletivo: sua responsabilidade por obrigações sociais é
subsidiária, nos termos do artigo 1.024 do Código Civil,53 e ao
mesmo tempo solidária, pois do sócio pode ser exigida a
integralidade da dívida que a sociedade não for capaz de saldar
com o patrimônio social (CC, art. 1.039).54
Assim, para se saber se a desconsideração depende ou não da
insolvência da pessoa jurídica, não se deve indagar se se trata de
responsabilidade solidária. A pergunta a se fazer é outra: cuida-
se de responsabilidade principal ou subsidiária?
TEORI ZAVASCKI entende a desconsideração como causa de
responsabilidade principal, que independe da insolvência da
pessoa jurídica para implementar-se.55 HUMBERTO THEODORO JR.,56
FÁBIO ULHOA COELHO57 e FREDIE DIDIER JR.58 concordam com a
posição de ZAVASCKI, que vai ao encontro do enunciado 281 da
IV Jornada de Direito Civil: “a aplicação da teoria da
desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde
da demonstração de insolvência da pessoa jurídica”.
PEDRO BIANQUI contesta esse entendimento. Partindo da
premissa de que o credor “só poderá pedir a desconsideração
quando ele tiver interesse jurídico, ou seja, quando o provimento
a ser buscado lhe for útil”,59 conclui que “somente há interesse
na desconsideração quando há insolvência da pessoa jurídica”.60
Invocando a posição de BIANQUI, JOSÉ ROBERTO BEDAQUE concorda
que faltaria ao credor interesse para postular a desconsideração
quando a pessoa jurídica não se encontrasse em situação de
insolvência.61 Idêntica é a posição de OTÁVIO RODRIGUES FILHO,
para quem “somente haveria o interesse de agir para a
desconsideração quando, nessas situações, não houver
patrimônio suficiente para o adimplemento da obrigação”.62
Como se vê, a resolução da questão passa pela análise do
interesse pro cessual do credor em obter a desconsideração, e é
indubitavelmente correta a afirmação de que esse interesse
inexistirá quando a disregard não puder proporcionar algo de
útil ao demandante. Daí não é possível inferir, porém, que a
utilidade da desconsideração apenas se manifeste na hipótese de
insolvência da pessoa jurídica.
Conforme explica DINAMARCO, considera-se útil a tutela
jurisdicional capaz de trazer ao postulante “uma melhora em sua
situação na vida comum”.63 Por outras palavras, DONALDO
ARMELIN expressa ideia essencialmente idêntica, explicando que
a utilidade do provimento existirá sempre que ele tiver o
potencial de conferir ao demandante algum tipo de “vantagem
jurídica”.64 Logo, para se responder quando haverá interesse na
desconsideração da personalidade jurídica, há que verificar em
que situações a disregard poderá conduzir o credor a condição
juridicamente mais vantajosa – se apenas na hipótese de
insolvência da pessoa jurídica ou também noutros casos.
Não é difícil conceber cenários em que, mesmo estando
solvente a pessoa jurídica devedora, tenha o credor interesse
processual em buscar a desconsideração. Imagine-se
cumprimento de sentença em que a sociedade executada, em
estado de solvência, possua somente bens de baixa liquidez
(maquinário industrial, e.g.). Imagine-se ainda que um de seus
sócios, com dinheiro suficiente para a satisfação da obrigação,
tenha abusado de sua personalidade jurídica. Nesse caso,
conquanto solvente a sociedade, revela-se claro o interesse do
exequente na desconsideração: com a inclusão do sócio no polo
passivo da execução, ele poderá obter a penhora de dinheiro e
evitará os percalços inerentes à expropriação de bens de baixa
liquidez – situação juridicamente mais vantajosa.65
Do exemplo anteriormente apresentado, pode-se já concluir
que a insolvência da pessoa jurídica não é conditio sine qua non
para a desconsideração da personalidade jurídica. Mas a verdade
é que o interesse do credor em postular a disregard vai muito
além da hipótese em que se quer alcançar bens de maior
liquidez.
Como exposto nos itens quinto e sexto deste trabalho (supra),
a desconsideração consiste na constituição de novo devedor para
determinada obrigação em virtude de abuso da personalidade
jurídica: a partir da disregard, o sócio passa a integrar o polo
passivo da relação obrigacional ao lado da pessoa jurídica
(devedora originária). Por consequência, um patrimônio a mais
garantirá a satisfação da obrigação pendente, o que por si só
configura vantagem jurídica para quem postula a
desconsideração: quanto maior o acervo de bens a responder
pelo inadimplemento da obrigação (CC, art. 391),66 tanto melhor
será para o credor. Assim, independentemente da condição
patrimonial da pessoa jurídica devedora,67 a desconsideração há
de ser considerada útil, por ter o potencial de conduzir o credor a
posição juridicamente mais benéfica.
O raciocínio é simples: a partir do momento em que se dá o
abuso da personalidade jurídica, nasce para o credor o direito à
modificação de uma relação jurídica,68 consistindo essa
modificação na constituição de novo devedor para uma
obrigação pendente. O interesse no exercício desse direito, por
sua vez, decorre da melhora que poderá ser proporcionada à
situação jurídica de seu titular: a ampliação do acervo de bens
que responde pelo inadimplemento da obrigação da qual ele é
credor. Portanto, independentemente da condição patrimonial da
pessoa jurídica devedora, havendo abuso da personalidade
jurídica, terá o credor interesse em postular a desconsideração –
seja na petição inicial, seja por meio do incidente.
A norma do art. 795, § 1º, do Código de Processo Civil, cabe
esclarecer, não se aplica à desconsideração da personalidade
jurídica, mas aos casos de responsabilidade ordinária e
subsidiária dos sócios por dívidas sociais.69 Na disregard,
diferentemente, o que se tem é uma responsabilidade
extraordinária e primária dos sócios por obrigações na origem
contraídas pela sociedade (supra, n. 4.2 e 6).
48. RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade jurídica e
processo, p. 174.
49. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 767.
50. “Muitos autores (Planiol, Ripert, Esmein, Radouant e Gabolde, Traité
pratique, VII, n.º 1055; Vaz Serra, Pluralidade de devedores ou de
credores, n.º 1; M. Andrade, ob. Cit., n.os 16 e 22) preferem a
expressão obrigações parciárias à designação tradicional obrigações
conjuntas. Aqueles autores franceses consideram mesmo esta
expressão como imprópria e inconveniente. Imprópria, porque neste
caso não haveria uma conjunção (união ou ligação) dos devedores,
mas um parcelamento da prestação, uma separação da
responsabilidade. Inconveniente, por poder induzir os leigos em erro:
um credor, estipulando que os devedores responderão conjuntamente,
será provavelmente traído nas suas expectativas, ao saber que a
responsabilidade deles é separada, autónoma, parcelar” (ANTUNES
VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 748).
51. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, p. 748.
52. Nesse sentido, cf. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral,
vol. I, p. 765, n.r. 1.
53. “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas
da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.
54. “Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome
coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente,
pelas obrigações sociais”.
55. Processo de execução – parte geral, p. 236.
56. Curso de direito processual civil, vol. III, p. 318.
57. Curso de direito comercial, vol. II, pp. 421-422.
58. Regras processuais no Código Civil, p. 9.
59. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p.115.
60. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, p. 178.
61. “Sucessão de empresas e desconsideração da personalidade jurídica”,
pp. 454-455.
62. Desconsideração da personalidade jurídica e processo, p. 175.
63. Instituiçõesde direito processual civil, vol. II, p. 353.
64. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 58.
Essa compreensão, aliás, transcende a doutrina nacional: “L’intérêt
peut se définir comme le profit, l’utilité ou l’avantage que l’action est
susceptible de procurer au plaideur. Dire d’une personne qu’elle a
intéret à agir, c’est dire que la demande formée est susceptible de
modifier, en l’améliorant, sa condition juridique” (CADIET-
JEULAND, Droit judiciaire privé, p. 280).
65. “É de se perceber, nesta linha, que o CPC/2015 estabelece, em seu art.
835, um extenso rol de bens que, apesar de não ser exaustivo […],
traduz uma ordem preferencial de bens a serem atingidos pela
execução. E, para tanto, o legislador levou em consideração sobretudo
o grau de liquidez destes bens” (SIQUEIRA, A responsabilidade
patrimonial no novo sistema processual civil, pp. 184-185).
66. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor”.
67. “É bem verdade que o pleito de imputação de responsabilidade aos
sócios seja mais conveniente e necessário em face da incapacidade da
sociedade de adimplir suas dívidas. Isso não faz, contudo, também do
inadimplemento – fundado no esgotamento patrimonial ou na
insolvência – causa da imputação de responsabilidade aos sócios […]
A responsabilidade não decorre, portanto, de um estado da sociedade,
mas de uma conduta do sócio” (WARDE JR., Responsabilidade dos
sócios – a crise da limitação e a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, p. 310).
68. Sobre o direito à modificação de uma relação jurídica, cf.
DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 246.
69. Cf. THEODORO JR., Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
XV, p. 399; DIDIER JR., Regras processuais no Código Civil, pp. 7-
9.
12
LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO
INCIDENTE
A legitimidade para postular a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica revela-se clara no que
diz respeito ao titular – ou que se diz titular – de direito de
crédito.70 Todavia, quando se trata de outros atores processuais,
o ponto pode suscitar discussões. Fala-se do juiz,71 do Ministério
Público e daquele que participa do processo na qualidade de
assistente.
12.1. Instauração por iniciativa do juiz?
Parcela da doutrina sustenta a possibilidade de o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica ser instaurado por
iniciativa do magistrado, independentemente de provocação da
parte interessada. São adeptos dessa corrente EDUARDO TALAMINI e
LUIZ RODRIGUES WAMBIER, os quais reputam viável que o incidente
seja “determinado de ofício pelo juiz”.72 Nessa hipótese, os
autores afirmam que o magistrado deve ouvir previamente a
parte interessada, mas não descartam que o incidente seja
instaurado contra a sua vontade.73 De modo mais restritivo,74
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA também admite a
instauração ex officio do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica: “para tanto, será baixada portaria
judicial com a descrição dos fatos supostamente hábeis a ensejar
a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, com
posterior citação da pessoa cuja personalidade se pretenda
desconsiderar, permitindo a produção de provas e, em seguida, a
solução judicial do incidente pelo magistrado”.75
Considerada a premissa de que a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica corresponde à
propositura de demanda incidental (supra, n. 9), é inviável
reconhecer ao juiz o poder de determiná-la ex officio. Admiti-lo
seria aquiescer à possibilidade de o julgador ampliar sponte
propria o objeto do processo, nele inserindo algo não postulado
pelas partes, o que esbarra na proibição de que o magistrado
decida a respeito do que não lhe tenha sido pedido. Tal
proibição, resumida nas máximas nemo judex sine actore76 e ne
eat judex extra vel ultra petita partium,77 deriva da experiência
comum de que o julgador jamais estará em posição de
imparcialidade para deliberar sobre aquilo que ele próprio haja
submetido à jurisdição. No Código de Processo Civil, as mais
evidentes manifestações dessa regra secular encontram-se no art.
2º,78 que impede o processo de começar por iniciativa do juiz, e
no art. 492, que veda ao magistrado “proferir decisão de
natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi
demandado”.
TALAMINI e WAMBIER também partem da premissa de que a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica envolve a propositura de demanda incidental, com
ampliação do objeto do processo.79 Afirmam, porém, que se
estaria diante de uma “exceção ao princípio de que uma tutela
jurisdicional não será outorgada senão mediante pedido da parte
legitimada”.80
Por uma série de razões, o raciocínio não se sustenta.
Primeiro, porque inexiste disposição legal que estabeleça a
possibilidade de se proceder ex officio à desconsideração da
personalidade jurídica. Quisesse o legislador criar “uma exceção
ao princípio de que uma tutela jurisdicional não será outorgada
senão mediante pedido da parte legitimada”, decerto o teria feito
expressamente, e não há norma nesse sentido. Na verdade, tem-
se o contrário: o art. 50 do Código Civil dispõe que o juiz
decidirá acerca da desconsideração da personalidade jurídica “a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo”. No mesmo sentido prescreve o art.
133 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a
pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo”.
Não é só. Mesmo que algum dispositivo legal houvesse
expressamente estabelecido a possibilidade de a desconsideração
da personalidade jurídica ser promovida ex officio, seria de se
questionar a sua constitucionalidade. A garantia fundamental do
devido processo legal (Const., art. 5º, LV) assegura aos
jurisdicionados a imparcialidade do julgador,81 e, como já
mencionado, esse direito estaria seriamente abalado se o juiz
pudesse decidir sobre tutela jurisdicional por ele próprio
aventada.82 Assim, a possibilidade de instauração de ofício do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica esbarra
não apenas na legislação infraconstitucional, mas também na
cláusula due process of law.
Pelos motivos aduzidos, tem razão ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
quando assevera incisivamente que “a desconsideração da
personalidade jurídica jamais poderá ser decretada de ofício,
dependendo, sempre, de provocação”83 – posição que está em
harmonia com praticamente toda a doutrina.84
12.2. Instauração por iniciativa do Ministério
Público?
No que diz respeito ao Ministério Público, a legitimidade
para instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é patente quando o Parquet atua no
processo como parte principal – tutela de interesses coletivos, e.
g. Mas não se pode dizer o mesmo para a hipótese em que o
órgão funciona como custos legis.
O art. 133 do Código de Processo Civil estabelece que “o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica será
instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando
lhe couber intervir no processo”. Numa interpretação
estritamente literal, a lei parece indicar a legitimidade do
Parquet para dar início ao incidente quando atue como fiscal da
ordem jurídica. Pode-se pensar que o legislador, querendo
restringi-la aos processos em que o órgão figure como parte
principal, prescreveria apenas que “o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a
pedido da parte”, sem acrescentar a cláusula alternativa “ou do
Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”. A
mesma ideia valeria para o art. 50 do Código Civil, que dispõe:
“em caso de abuso da personalidade jurídica […], pode o juiz
decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para
que os efeitos de certas e determinadasrelações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de
sócios”. No entanto, o raciocínio não subsiste a uma análise
sistemática da questão.
Mais uma vez, é preciso relembrar a premissa de que o
pedido de instauração do incidente de desconsideração
personalidade jurídica corresponde à propositura de demanda
incidental (supra, n. 9). Logo, reconhecer ao Ministério Público
legitimidade para instauração do incidente implica admitir que o
órgão, na condição de custos legis, está habilitado a deduzir
pedido em nome de um dos litigantes, o que contrasta com a
necessária imparcialidade do fiscal da ordem jurídica.85 Como
observa DINAMARCO, o Parquet nada pode pedir em prol de
qualquer das partes enquanto custos legis;86 nessa condição,
deve o órgão atuar sobre o objeto do processo delimitado pelas
partes, visando apenas a que o julgamento ocorra em
conformidade com o ordenamento jurídico. YARSHELL acerta,
portanto, ao sustentar que “o Ministério Público só está
legitimado a pedir a desconsideração nos casos em que seja
titular do direito de ação; não nos casos em que atue como fiscal
da lei”.87
12.3. Instauração por iniciativa do assistente?
Também em razão da premissa de que o pedido de
instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica corresponde à propositura de demanda incidental (supra,
n. 9), tampouco o assistente está legitimado a postular a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica.
Diferentemente do fiscal da ordem jurídica, o assistente age
com parcialidade no processo: como tal, ele é sempre
interessado no desfecho da causa,88 e sua função consiste em
auxiliar um dos litigantes à obtenção da tutela jurisdicional. No
entanto, assim como o custos legis, tem sua participação restrita
ao objeto do processo formatado pelas partes,89 não podendo
ampliá-lo com a introdução de outro petitum. Diante disso, e
tendo em vista que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica contém em si a propositura de nova
demanda, é forçoso reconhecer a impossibilidade de sua
instauração por iniciativa do assistente.
Obviamente, nada impede que o assistente traga aos autos
elementos para que o assistido requeira a instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica por
iniciativa própria. Nessa hipótese, embora com substrato
apresentado por outrem, a demanda incidental será proposta por
parte inequivocamente legitimada a fazê-lo.
70. “Suposto que o pedido esteja fundado em uma das hipóteses legais que
autorizam a desconsideração, legitimidado ativo é o credor; que
processualmente ocupa a posição de autor da demanda originária
(aquela cujo objeto é impor o devedor de prestar). […] Embora seja
presumível que o pedido seja feito pelo autor (porque ostenta a
posição de alegado credor), não se deve descartar que o pleito seja
feito pelo demandado. Apenas, isso exige que haja perspectiva de que
ao autor venha a ser imposto dever de prestar – isto é, de pagar
quantia – porque é isso que justifica desencadear os meios executivos
com o objetivo de expropriar patrimônio penhorável; e, dessa forma,
chega-se ao acervo de terceiro, via desconsideração. Isso poderá
ocorrer nos casos de reconvenção, de ações dúplices e, pensando
apenas na improcedência da demanda, nos casos em que houver
condenação do autor ao pagamento de quantia por causas processuais
(honorários, custas, multas e eventualmente outras)” (YARSHELL,
Comentários ao novo Código de Processo Civil, pp. 233-234).
71. Não é tecnicamente adequado aludir à legitimidade ou à ilegitimidade
do julgador para a instauração do incidente de desconsideração, pois a
legitimatio ad causam é qualidade que somente pode dizer respeito às
partes (cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil,
vol. II, pp. 357-359). Todavia, convém à exposição tratar da
possibilidade de instauração ex officio do incidente de
desconsideração neste item do trabalho.
72. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, vol. I, p.
374.
73. É o que se infere da seguinte passagem: “A decisão final do incidente
condenará o vencido nas verbas de sucumbência (custas e honorários
de advogado). Se a desconsideração for provida, o sócio ou sociedade
responde por tais verbas. Se for rejeitada, a parte que a requereu é a
responsável. Mas o problema se põe quando o incidente é instaurado
de ofício ou a requerimento do Ministério Público e a
desconsideração vem a ser negada: a parte da ação originária que seria
beneficiada pela desconsideração pode ser condenada nas verbas de
sucumbência, uma vez que não foi ela quem pediu a instauração do
incidente? A princípio, ela apenas pode ser exonerada dessa
condenação se houver expressamente se oposto à instauração do
incidente” (Curso avançado de processo civil – teoria geral do
processo, vol. I, p. 378).
74. Na sua visão, a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica por iniciativa do juiz só seria cabível “nos
casos envolvendo interesses coletivos ou difusos tutelados em normas
de ordem pública” (“Incidente de desconsideração da personalidade
jurídica”, n. 4).
75. “Incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, n. 4.
76. “Ninguém é juiz sem um autor. Esse é o princípio da inércia dos
órgãos jurisdicionais (ou princípio da demanda), pelo qual estes são
impedidos de exercer a jurisdição deofício, ou seja, espontaneamente”
(DINAMARCO, Vocabulário do processo civil, p. 376).
77. “Não vá o juiz além ou fora dos pedidos das partes. Essa é a expressão
do princípio da correlação entre a sentença e o pedido, devendo
aquela ater-se aos limites deste” (DINAMARCO, Vocabulário do
processo civil, p. 375).
78. “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por
impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.
79. “No incidente de desconsideração, há a ampliação do objeto do
processo. Isso significa que o requerimento de instauração do
incidente, quando formulado pela parte interessada ou pelo Ministério
Público, consiste em uma nova demanda em face do terceiro (a pessoa
que terá sua esfera jurídica atingida pela desconsideração). Trata-se de
uma ação incidental (i.e., uma ação que se formula e tramita dentro de
um processo já em curso), pela qual se pretende a desconstituição da
eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica, para o fim de se
atingir o patrimônio dela (quando o sócio é a parte originária no
processo) ou o patrimônio de seu sócio (quando ela é a parte
originária). Mesmo quando instaurado de ofício pelo juiz, é também
esse o objeto do incidente” (Curso avançado de processo civil –
teoria geral do processo, vol. I, p. 374).
80. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo, p. 374.
81. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 374.
82. “A mais ampla e severa das limitações que o devido processo legal
impõe ao exercício da jurisdição consiste na rígida proibição de
exercê-la sem a iniciativa de um sujeito que peça a tutela jurisdicional
(CPC, art. 2º) – disposição, essa, que é tradicional no direito brasileiro
e se alinha ao que dispõem os ordenamentos jurídico-processuais em
geral. Essa proibição é imposta em atenção à necessidade de preservar
a imparcialidade do juiz (supra, nn. 51 e 116) e à inconveniência
social de realizar processos para uma possível tutela a quem não se
animou a pedi-la. Ela constitui a positivação legislativa das máximas
ne procedat judex ex officio e nemo judex sine actore. O princípio da
inércia judicial, ou da demanda, foi uma conquista do liberalismo
político em sua imposição ao processo penal (sistema acusatório),
tendo o significado histórico de repúdio à máxima segundo a qual tout
juge est procureur general: o acusador dificilmente seria um bom
julgador (Cintra-Grinover-Dina-marco). A experiência mostra ao
legislador que, em causas de qualquer natureza ou espécie, o juiz que
desse início ao processo acabaria por apegar-se aos fundamentos de
sua própria iniciativa e teria mais dificuldades que outro juiz,outra
pessoa, para comportar-se com imparcialidade. Muito provavelmente
a natural tendência subjetiva do juiz que tomasse a iniciativa do
processo seria, no comando deste, na condução da prova e no
julgamento da causa, a de buscar meios e argumentos para confirmar
o que de início houvesse afirmado” (DINAMARCO, Instituições de
direito processual civil, vol. II, pp. 46-47).
83. O novo processo civil brasileiro, p. 95; Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil, p. 426.
84. Entre outros: RODRIGUES FILHO, Desconsideração da
personalidade jurídica e processo, pp. 254-255; YARSHELL,
Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 239; VIEIRA,
Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC – natureza,
procedimentos e temas polêmicos, pp.118-119; SOUZA,
Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, pp.
186-188; SCARPINELLA BUENO, Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. I, p. 572; DIDIER JR., Curso de direito
processual civil, vol. I, 526, THEODORO JR., Curso de direito
processual civil, vol. I, p. 404; WAMBIER et al., Primeiros
comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 252; DELLORE et.
al. Teoria geral do processo contemporâneo, p. 343; COSTA,
Convenções processuais sobre intervenção de terceiros, p. 184.
85. Cf. GRECO, Instituições de processo civil, vol. I, p. 261.
86. Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 502.
87. Comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 233. No mesmo
sentido, cf. VIEIRA, Desconsideração da personalidade jurídica no
novo CPC – natureza, procedimentos e temas polêmicos, p. 117;
NEVES, Manual de direito processual civil, p. 309. Em sentido
contrário, cf. WAMBIER et al., Primeiros comentários ao novo
Código de Processo Civil, p. 252; ARAÚJO, Intervenção de
terceiros, p. 336.
88. “O interesse legitimador da assistência é sempre representado pelos
reflexos jurídicos que os resultados do processo possam projetar sobre
a esfera jurídica do terceiro, como é expressamente exigido pelo art.
1191 do Código de Processo Civil (‘terceiro juridicamente
interessado’). Esses possíveis reflexos ocorrem quando o terceiro se
mostra titular de algum direito ou obrigação cuja existência ou
inexistência dependa do julgamento da causa pendente, ou vice-versa”
(DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
444).
89. “A intervenção do terceiro na qualidade de assistente não altera o
objeto do processo, tendo em vista que ele se limita a aderir à
pretensão do assistido, sem formular nova demanda. Sua atividade
está centrada, insista-se, na colaboração para que uma das partes saia
vitoriosa no processo. Isso significa dizer, em outras palavras, que o
mérito a ser julgado, no caso de assistência, tem os mesmos contornos
do que teria sem ela” (RODRIGUES, Intervenção de terceiros, p. 67).
13
PROVA
13.1. Necessidade e ônus da prova
Constitui ideia arraigada no processo civil contemporâneo a
de que cada parte deve provar os fatos que lhe interessarem. Em
todos os sistemas jurídicos de que se tem conhecimento,
independentemente de sua tradição,90 acha-se uma espécie de
advertência do legislador aos jurisdicionados: “se vuoi vincere la
causa devi provare il fatto su cui fondi la tua domanda o
eccezione”.91 Entre nós, semelhante aviso encontra-se no art. 373
do Código de Processo Civil, que incumbe o ônus da prova ao
demandante, com relação aos fatos constitutivos de sua
pretensão, e ao demandado, quanto aos fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito de seu adversário.
Existem, é verdade, hipóteses em que a lei processual distribui o
encargo de provar de modo distinto,92 mas são todas elas
excepcionais, prevalecendo como regra a necessidade de as
partes comprovarem a ocorrência dos fatos relevantes para a
defesa de suas pretensões no processo.
No âmbito do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, não há que ser diferente. Sendo do credor o interesse
em obter a disregard, cumpre a ele o ônus de provar fatos que,
segundo as normas de direito material, constituam causa para a
desconsideração. Tal regramento é reforçado pela circunstância
de a disregard ser condicionada à constatação de abuso da
pessoa jurídica: como todo desvio no exercício de direitos,
também aquele verificado na utilização da personalidade jurídica
deve ser provado por quem o alega, pois a conduta contrária à
boa-fé constitui fato extraordinário, que não comporta pura e
simples presunção.93 Assim, cabe mesmo ao interessado na
desconsideração comprovar a prática de atos abusivos que lhe
deem causa.94
Diante dessas considerações, não deveria despertar nenhum
tipo de censura a redação do art. 134, § 4º, do Código de
Processo Civil, segundo a qual o pedido de instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica “deve
demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos
para desconsideração da personalidade jurídica”. Em princípio,
haveria aí somente uma confirmação da regra geral concernente
ao ônus da prova. Todavia, leitura mais atenta do dispositivo
revela impropriedade que deve ser afastada mediante adequada
interpretação.
Por importante que seja, a questão relativa ao ônus da prova
não deve ser enfrentada senão depois de se indagar quanto à sua
necessidade. Primeiro, cumpre saber se é preciso provar a
ocorrência de determinado fato, e apenas em caso positivo será
relevante verificar sobre quem recai o encargo de fazê-lo. Sendo
prescindível a prova de um evento, qualquer debate a respeito do
ônus probatório não valerá mais que um exercício de retórica.
A necessidade da prova surge diante da existência de
afirmações discrepantes sobre a ocorrência de um fato relevante
para o julgamento da causa.95 A princípio, as alegações lançadas
por qualquer das partes prescindem de comprovação; porém, a
partir do momento em que são contrastadas, cumpre àquele que
suporta o ônus da prova demonstrar a veracidade de sua versão,
sob pena de prevalecer a de seu oponente. Em linguagem
carneluttiana, diz-se que as alegações das partes sobre
determinado evento da vida formam pontos, os quais se
transformam em questões quando controvertidos.96 Nesses
termos, pode-se afirmar que a prova somente se faz necessária
diante de questões de fato, não com relação a pontos (alegações
incontroversas).97
A impropriedade contida no art. 134, § 4º, do Código de
Processo Civil está em sugerir a necessidade de prova antes
mesmo da formação de controvérsia sobre as alegações daquele
que postula a abertura do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica. Diferentemente do que consta do
dispositivo legal, o pedido de instauração do incidente não deve
demonstrar, senão apenas suscitar “o preenchimento dos
pressupostos legais específicos para desconsideração”, mediante
afirmação da ocorrência de fatos que caracterizem abuso da
pessoa jurídica.98 Caso o sujeito demandado por meio do
incidente conteste a narrativa do demandante, impugnando as
alegações por este apresentadas, aí sim surgirá a necessidade de
“demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais
específicos para desconsideração”. Ao contrário, presumir-se-á
verídica a versão dos fatos apresentada com o pedido de
instauração do incidente,99 e a desconsideração poderá ser
acolhida independentemente da produção de prova – desde que
os eventos narrados pelo postulante realmente caracterizem
abuso da personalidade jurídica, segundo avaliação do juiz.100
Em síntese: é inequívoco que o ônus da prova dos fatos que
ensejam a disregard cabe a quem a postula, mas tal encargo só
recairá efetivamente sobre o interessado na hipótese de a prova
se mostrar necessária – isto é, se se tornarem controvertidas as
alegações fáticas que fundamentam o pedido de instauração do
incidente de desconsideração.
13.2. Dificuldades probatórias
Uma vez existente, o ônus da prova dos fatos constitutivos do
direito à desconsideração não deve impor ao interessado encargo
desarrazoado. A doutrina reconhece a dificuldade de se
comprovar abuso da personalidade jurídica sem acesso a
informaçõesinternas da sociedade (dados contabilísticos,
v.g.),101 e seus integrantes não raro relutam em fornecê-las.
Diante disso, assumem singular importância no âmbito da
disregard, para fins de prova, as exibições documentais e as
denominadas presunções simples ou judiciais.
Como a legislação material impõe à sociedade empresária a
manutenção de detalhada escrituração de suas operações (CC,
arts. 1.179 ss.), pode o interessado valer-se de sua exibição
(CPC, art. 396 ss.) para obter prova de fatos que caracterizem
abuso da personalidade jurídica – utilização de recursos sociais
para a quitação de despesas pessoais do sócio controlador
(confusão patrimonial), v.g. Negada injustificadamente a mostra,
ou sendo apresentada razão ilegítima para a recusa, será lícito
presumir a veracidade da alegação que se pretendia provar com a
exibição (CPC, art. 400).102 E o mesmo deverá ocorrer em caso
de ser apresentada escrituração irregular, que impeça a
conferência da administração societária,103 pois não parece
válido que seus integrantes possam se valer de sua própria
desorganização para impedir o acesso de terceiros a informações
cuja adequada documentação a lei determina.104
As presunções simples ou judiciais consistem na formação de
convicção sobre um evento a partir de um indício. No cotidiano
forense, não são raras as situações em que, sendo inviável fazer
prova de um acontecimento, encontram-se elementos suficientes
para a demonstração de outro fato que proporcione seguro grau
de certeza quanto à incidência daquele. Opera-se, então,
raciocínio que alia os conhecimentos a respeito de um fato – o
indício – às chamadas máximas de experiência (CPC, art. 375)105
para presumir-se o evento ligado àquilo que se pôde diretamente
provar.106
O álibi, defesa conhecida até mesmo fora do ambiente
jurídico, bem ilustra o que se quer expor. Para negar a autoria de
um crime, o acusado muitas vezes procura demonstrar que, no
momento do delito, estava em local diverso. Logrando fazê-lo,
não oferece ao juiz uma prova direta sobre a autoria do crime,
mas um elemento a partir do qual o julgador desenvolverá um
raciocínio lógico a seu respeito: se o crime foi cometido em
certo lugar e o réu provou que na ocasião se encontrava alhures,
infere-se que ele não é o autor do delito, por ser impossível estar
em dois locais ao mesmo tempo.107
No processo civil, e mais particularmente nas causas que
envolvam desconsideração da personalidade jurídica, tais
presunções podem ter grande valia. Imagine-se, v.g., situação em
que a empresa executada se ache em plena evolução comercial,
com crescente número de empregados e estabelecimentos, mas
em cujas contas não se localize valor algum. A prova da
inexistência de dinheiro em caixa, jungida à noção comum de
que a uma sociedade não é viável operar e prosperar sem dispor
de numerário, autoriza a razoável dedução de que a devedora
esteja movimentando recursos por contas de terceiros,
possivelmente de seus sócios. Eventual impropriedade dessa
presunção, todavia, sempre poderá ser demonstrada pelos
administradores da pessoa jurídica, inclusive mediante
apresentação de elementos que justifiquem o insólito quadro
empresarial.108
Nas presunções judiciais, vale esclarecer, não se tem de modo
algum uma inversão do ônus da prova. Na realidade, trata-se de
permitir que o titular do encargo probatório dele se desincumba
provando indiretamente (isto é, por meio de indícios) a
ocorrência do fato de seu interesse. Tem-se aí um modo de
mitigar as dificuldades geralmente enfrentadas pelo credor na
demonstração de fatos que caracterizem abuso da personalidade
jurídica, mas o ônus de provar, ainda que por via indireta,
continua a sobre ele recair.
90. “Parte-se da premissa, explícita ou implícita, de que o maior
interessado em que o juiz se convença da veracidade de um fato é o
litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro,
por decorrer daí a afirmação de um efeito jurídico favorável a esse
litigante, ou a negação de um efeito jurídico a ele desfavorável.
Semelhante interesse naturalmente estimula a parte a atuar no sentido
de persuadir o órgão judicial de que o fato deveras ocorreu – numa
palavra: de prová-lo. Todo ordenamento processual, sejam quais
forem as diretrizes filosóficas ou políticas que o inspirem, conta em
larga extensão com a eficácia desse estímulo. O desejo de obter a
vitória cria para o litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar
os meios de que se poderá valer no trabalho de persuasão, e de
esforçar-se, depois, para que tais meios sejam efetivamente utilizados
na instrução da causa. Fala-se, ao propósito, de ônus da prova”
(BARBOSA MOREIRA, “Julgamento e ônus da prova”, p. 74). Cf.
ainda TARUFFO, A prova, pp. 144-145.
91. TARUFFO, Michele. “L’onere come figura processuale”, p. 429.
92. “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa
relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir
o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da
prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de
modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em
que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que
lhe foi atribuído” (CPC, art. 373, § 1º).
93. “Si lo ordinario se presume, lo extraordinario se prueba: tal es el
principio supremo del peso de la prueba, principio que llamaré
ontológico, en cuanto tiene su fundamento inmediato en el modo
natural de ser de las cosas. Quien afirme aquello que está en el curso
ordinario de los sucesos no tiene la obligación de la prueba: tiene en
su favor la voz universal de las cosas mismas, y la de las personas que
lo confiman en virtud del resultado general de la observación y de la
experiencia. Lo ordinario, pues, se presume. Mas quien, en cambio,
afirme lo que está fuera del curso ordinario de los sucesos, tiene en
contra de sí la voz universal de las cosas, confirmada por la voz
también universal de las personas: en su virtud tiene la obligación de
sostener con pruebas particulares su aserto: lo extraordinario se
prueba” (MALATESTA, Lógica de las pruebas en materia criminal,
pp. 161-162).
94. “O ônus da prova sobre a verificação dos fatos aptos a admiti-la [a
desconsideração] pertence a quem pretende obtê-la, mesmo porque a
fraude é situação excepcional, extraordinária, não sendo admissível
presumi-la nem considerá-la como acontecimento normal nas relações
jurídicas” (BEDAQUE, “Sucessão de empresas e desconsideração da
personalidade jurídica”, p. 453).
95. “A necessidade de provar é gerada pela controvérsia sobre fatos.
Controvérsia é choque de razões, alegações ou fundamentos
divergentes, que se excluem – de modo que a aceitação de um deles é
negação do oposto ou vice-versa (Carnelutti). Se a afirmação de
determinado fato não é contrastada por uma afirmação oposta,
colidente com ela, não há controvérsia e em princípio o
reconhecimento do fato não depende de prova alguma”
(DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, p.
64).
96. “As alegações de fato que faz o autor na sua petição inicial são pontos
de fato. As conclusões que tira em torno da interpretação da lei são
pontos de direito. A doutrina fala de ponto e diz que ponto se pode
transformar em questão. Como isso ocorre? Mediante a controvérsia,
em primeiro lugar. Quer dizer, quando uma das partes afirma algo e
outra nega o que foi afirmado, aquele ponto deixou de ser pacífico.
Surgiu para o juiz, que deve afinal se pronunciar a respeito, uma
dúvida. Essa dúvida é a questão. Carnelutti definiu questão em várias
passagens de sua obra, por ângulos diferentes, mas dizendo sempre a
mesma coisa: as dúvidas, dizia ele, são os pontos controvertidos. É o
ponto com essa conotação de que é controvertido” (DINAMARCO,
“Ônus de contestar e o efeito da revelia”). No dizer do próprio autor
italiano, “per questione si intende ogni punto dubbio di fatto o di
diritto, ogni incerteza intorno alla realtà di un fatto o intorno alla sua
efficacia giuridica” (Lezioni di diritto processualecivile, vol. IV, p.
3).
97. Assim dispõe expressamente o art. 374, III, do Código de Processo
Civil: “não dependem de prova os fatos: […] admitidos no processo
como incontroversos”.
98. Cf. ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, p. 532;
NEVES, Manual de direito processual civil, p. 310.
99. A não ser, é claro, nas hipóteses em que não se produzem os efeitos da
revelia (CPC, art. 345).
100. Em sentido distinto, sustentando que a instauração do incidente nem
sequer deverá ser admitida sem “elementos de prova que permitam
ao juiz a formação de um juízo de probabilidade” a respeito da
desconsideração da personalidade jurídica: CÂMARA, O novo
processo civil brasileiro, pp. 99-100.
101. WARDE, Responsabilidade dos sócios – a crise da limitação e a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, p. 220.
102. “Ao decidir o pedido [de exibição de documento], o juiz admitirá
como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa,
a parte pretendia provar se: I – o requerido a não efetuar a exibição
nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398 [cinco dias]; II –
a recusa for havida por ilegítima”.
103. Cf. COELHO, Curso de direito comercial, vol. I, p. 92.
104. Cf. RIBEIRO, A tutela dos credores da sociedade por quotas e a
‘desconsideração da personalidade jurídica’, pp. 402-403.
105. “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela
observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de
experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”.
106. Cf. BARBOSA MOREIRA, “As presunções e a prova”, pp. 56-59;
“Provas atípicas”; “Regras de experiência e conceitos juridicamente
indeterminados”, p. 63. Cf. ainda DINAMARCO, Instituições de
direito processual civil, vol. III, p. 74; SICA, “Questões velhas e
novas sobre a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC)”, n.
6.
107. “São dois fatos distintos. Uma coisa é eu ter ou não ter atropelado
alguém; outra coisa é eu estar ou não em Itaperuna no momento em
que o acidente ocorreu no Rio. São dois fatos distintos, mas há entre
eles uma relação: dada a nossa impossibilidade de estar em dois
lugares ao mesmo tempo, nós que somos desprovidos do dom da
ubiqüidade, se demonstro que estava em Itaperuna, ipso facto
forneço ao juiz um meio pelo qual ele vai chegar à conclusão segura
de que não fui eu que atropelei a vítima no Rio de Janeiro, naquele
mesmo dia e naquela mesma hora” (BARBOSA MOREIRA,
“Provas atípicas”).
108. “Toda presunción puede ser combatida destruyendo el hecho base o
demonstrando que se ha faltado a las reglas de la lógica y del criterio
humano al deducir de un hecho admitido o probado el hecho
presumido como continuación o consecuencia lógica del anterior”
(VÁZQUEZ SOTELO, “La prueba en contrario en las presunciones
judiciales” n. 8).
14
FRAUDE DE EXECUÇÃO
Instituto próprio do direito brasileiro,109 a fraude de
execução110 está fortemente ligada ao postulado da efetividade
do processo. Sua função é preservar o resultado da atividade
jurisdicional, evitando que atos de alienação patrimonial
promovidos pelo demandado no decorrer do processo venham a
prejudicar a satisfação do credor. Para tanto, o Código de
Processo Civil determina que tais atos sejam considerados
ineficazes em relação ao exequente (art. 792, § 1º).111 Por outro
lado, a lei processual protege o adquirente de boa-fé, garantindo-
lhe o direito de demonstrar que não sabia nem tinha como
razoavelmente saber da existência de processo contra o alienante
(CPC, 792, §4º).112 Como esse terceiro seria prejudicado pela
ineficácia da alienação, tendo seu bem expropriado como se
ainda pertencesse ao devedor, a legislação prefere resguardá-lo
quando ele se provar inocente.113
Não convém, no plano específico deste trabalho, esmiuçar o
instituto vertente e cada uma das hipóteses em que o legislador
entende caracterizada a fraude de execução. No que concerne ao
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, interessa
a principal delas, disposta no art. 792, IV, do Código de
Processo Civil: “a alienação ou a oneração de bem é considerada
fraude à execução: […] quando, ao tempo da alienação ou da
oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à
insolvência”.
A pendência de processo114 em que o alienante figure como
demandado é conditio sine qua non para caracterizar-se a fraude
de execução.115 Como a litispendência apenas produz efeitos
sobre a esfera jurídica do réu após sua citação (CPC, arts. 240 e
312), só se deve cogitar de fraude executiva por negócios
celebrados após integração do alienante à relação jurídico-
processual.116 Excepcionalmente, quando o réu informar-se da
existência da demanda antes de ser citado, serão potencialmente
fraudulentas as alienações realizadas a partir do momento em
que soube estar sendo demandado.117 Mas descabe pensar em
fraude de execução por atos de disposição anteriores à
propositura de demanda em face do alienante, ainda que eles
tenham sido praticados na iminência do aforamento.118
É relevante notar que um único processo pode abrigar
diferentes demandas e sujeitar os demandados à fraude de
execução em momentos sucessivos. Imagine-se o seguinte
quadro: em fevereiro, A propõe demanda em face de B; citado
no mês de abril, B contesta a demanda e reconvém; em maio, A
é intimado da reconvenção. Repare-se: no mesmo processo,
tanto A quanto B são demandados, porém cada um soube dessa
sua condição ao seu tempo: primeiro B (abril), depois A (maio).
Consequentemente, varia para eles a data a partir da qual seus
atos de alienação podem ser considerados fraude de execução.
Em março, A já sabia da existência do processo, pois o havia
iniciado no mês anterior, mas só teve ciência de que estava
sendo demandado ao tomar conhecimento da reconvenção
(maio); assim, no período compreendido entre o começo do
processo e a data em que A soube da demanda reconvencional,
seus atos de alienação patrimonial não se sujeitam à fraude de
execução. O raciocínio segue a lógica segundo a qual não é
“razoável nem legítimo afirmar a ocorrência de uma fraude
perpetrada por quem ainda não tenha conhecimento da
litispendência instaurada”.119
A exposição feita nos parágrafos anteriores permite analisar
de forma crítica o dispositivo legal que versa sobre o termo
inicial da fraude de execução no incidente de desconsideração da
personalidade jurídica. Trata-se do art. 792, §3º, do Código de
Processo Civil, que contém a seguinte redação: “nos casos de
desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução
verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se
pretende desconsiderar”.
Em sua literalidade, o dispositivo sugere que o termo inicial
da fraude de execução para o sócio não seja o momento de sua
integração à relação jurídico-processual, e sim a citação da
pessoa jurídica (ré originária) no processo. Assim, seriam
potencialmente fraudulentos atos de alienação praticados pelo
sócio quando contra ele nem sequer havia demanda ajuizada.
Na vigência do Código de Processo Civil 1973, PEDRO
BIANQUI defendeu lógica idêntica,120 mas tal posição encontrava
contraponto na doutrina121 e não prevaleceu na jurisprudência.122
Atualmente, o mesmo vem sendo sustentado por MARCELO
ABELHA com os seguintes argumentos: “óbvio que o devedor
[sócio], atuando como representante legal da pessoa jurídica na
posição de réu/executado (ou, ao inverso, atuando como pessoa
física no caso de desconsideração inversa), irá promover a
‘venda de bens’ da pessoa física muito antes de ser contra ele
instaurado o incidente, pois já será ele (na condição de
representante da pessoa jurídica) réu ou executado na demanda
capaz de levá-la à insolvência”.123 Segundo ABELHA, seria
“ingenuidade absurda” submeter ao regime da fraude de
execução somente as alienações promovidas pelo sócio após sua
citação no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica.124
Como já constatado por autorizada doutrina,125 tal
posicionamento não se sustenta. No processo originariamente
movido contra a sociedade,o sócio apenas passa a ser
demandado no momento em que tem contra si instaurado o
incidente de desconsideração. Antes disso, somente a pessoa
jurídica se encontra nessa posição. E decerto não se pode
conceber que sejam considerados fraude de execução atos de
disposição patrimonial praticados pelo sócio quando ele ainda
não figurava como demandado no processo judicial. A pergunta
retórica de HUMBERTO THEODORO JR. é expressiva: “como poderá
fraudar a execução quem não é executado, nem demandado em
processo algum?”.126
É verdade que o sócio, antes da instauração do incidente,
pode participar do processo na qualidade de representante da
pessoa jurídica originariamente demandada. Mas não cabe
confundir as condições de demandado e representante do
demandado, como aparentemente faz ABELHA ao dizer que “já
será ele [sócio] (na condição de representante da pessoa jurídica)
réu ou executado na demanda capaz de levá-la à insolvência”.127
Trata-se de posições distintas, e, como é cediço, a lei processual
somente submete à fraude de execução os atos de alienação
promovidos pela parte, não aqueles realizados por seu
representante.
Há ainda um aspecto prático a ser considerado. Até o
momento da instauração do incidente de desconsideração,
somente o nome da pessoa jurídica será encontrado no registro
no distribuidor. Como, então, se acautelaria um terceiro para a
aquisição de bens do sócio durante esse período? Conforme
aponta HUMBERTO THEODORO JR., o ônus desse adquirente seria
desarrazoado, pois lhe cumpriria primeiro verificar se o
alienante é integrante de sociedade, depois pesquisar por
demandas ajuizadas contra a pessoa jurídica da qual ele participa
e por fim apurar se há fundamentos para eventual instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica.128
Pelas razões apresentadas, há que concordar com o
processualista mineiro: “a interpretação correta e adequada do
art. 792, § 3º, do CPC- 2015 deve ser feita de modo a entender
‘citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar’
como se referindo àquele que vai ser atingido pela
desconsideração”.129 Com efeito, trata-se da única leitura
consentânea com os fundamentos do instituto da fraude de
execução e com a proteção do terceiro adquirente de boa-fé.
A posição ora sustentada não pressupõe desvirtuar o
dispositivo, mas uma leitura minimamente coerente com as
demais regras que disciplinam a fraude de execução. A
interpretação literal de um texto normativo, cabe aqui repetir, “é
apenas o ponto de partida da atividade hermenêutica”.130
Ademais, compreender à letra a disposição legal implica
concluir que o marco inicial da fraude de execução variará a
depender da modalidade de desconsideração. Afinal de contas,
na disregard inversa, a “parte cuja personalidade se pretende
desconsiderar” seria, a rigor, aquela citada no incidente.
Também por essa razão, não se sustenta a interpretação
estritamente literal do art. 792, § 3º, do Código de Processo
Civil.
109. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV,
p. 424; CAIS, Fraude de execução, pp. 111-112; LUISO,
L’esecuzione ultra partes, p. 174, n. r. 248.
110. Conforme adverte Rodolfo Amadeo, a locução “fraude de execução”
pode ser empregada em três diferentes sentidos: “ora para designar o
próprio ato que frustraria a atividade executiva; ora para designar o
remédio processual existente para combater os efeitos danosos desse
ato; ora, por fim, para significar a circunstância prevista em lei que
autorizará que o bem alienado a terceiro seja alcançado pela
atividade jurisdicional executiva decorrente de processo em curso”
(Fraude de execução, p. 13).
111. “A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao
exequente”.
112. “No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro
adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias
para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes,
obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o
bem”.
113. “Essa é uma opção política da ordem processual, que prefere
sacrificar o credor e não o adquirente quando o comportamento deste
houver sido razoavelmente regular” (DINAMARCO, Instituições de
direito processual civil, vol. IV, p. 431).
114. Trata-se de “qualquer processo envolvendo a dívida, e que possa,
diretamente ou indiretamente, futuramente ensejar a expropriação
dos bens do responsável, não sendo necessário, ao contrário do que a
alcunha pode sugerir, que o feito seja de natureza executiva. A
fraude de execução caracteriza-se, assim, na pendência de processo
de conhecimento, cautelar, monitório, arbitral, e, mesmo, criminal”
(SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema
processual civil, p. 318).
115. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. VI, p.
426; LUISO, L’esecuzione ultra partes, p. 175.
116. Nesse sentido, cf. ARAKEN DE ASSIS, Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. VI, p. 252; DINAMARCO, Instituições de
direito processual civil, vol. IV, p. 426; THEODORO JR.,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 355;
RODRIGUES, Manual da execução, p. 107. Para fundamentado
contraponto à posição dominante, cf. CAIS, Fraude de execução, pp.
130-139.
117. Cf. SIQUEIRA, A responsabilidade patrimonial no novo sistema
processual civil, pp. 319--320.
118. Como aponta THEODORO JR., “não existe fraude à execução na
iminência do processo” (Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. XV, p. 356).
119. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p.
426.
120. “Veja-se a seguinte situação já exposta acima: o sócio recebe, na
qualidade de representante legal, citação para uma demanda movida
contra a sociedade. Ou seja, somente a sociedade foi citada, apesar
de o sócio controlador já ter plenos conhecimentos da demanda.
Sabedor de que a pessoa jurídica não terá patrimônio disponível
suficiente para honrar a dívida e temeroso de que poderá sofrer os
efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, esse sócio
desvia o seu patrimônio. Em uma situação como essa, em que há
segurança jurídica suficiente para se afirmar que o sócio tinha
conhecimento da pendência da demanda antes de seu chamamento
formal na qualidade de responsável patrimonial, pode-se afirmar que
o bem do sócio foi alienado em fraude executiva. Lógico que se terá
de analisar, caso a caso, a posição do adquirente, para concluir se
prevalecerá a sua boa-fé ou não. O importante para esse raciocínio
são três características: (a) a existência de uma situação que autorize
a desconsideração da personalidade jurídica (ela preexiste – supra, n.
64), que se tenha (b) o mínimo de segurança jurídica para afirmar
que o sócio tinha conhecimento da demanda pendente contra a
sociedade (ou vice-versa, nas raras hipóteses de desconsideração
inversa) e que (c) seja analisada a posição do adquirente, para se ele
praticou as diligências ordinárias em busca da situação do alienante-
executado. Ora, sendo alguém sócio de uma sociedade mercantil, são
facilmente obtidos os dados da empresa mediante a busca na Junta
Comercial como capital social, sócios etc. e com isso o adquirente
pode realizar pesquisas de demandas judiciais em nome da sociedade
também” (Desconsideração da personalidade jurídica no processo
civil, p. 189).
121. CAIS, Fraude de execução, pp. 162-165.
122. STJ, 3ª T., REsp 1.391.830-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
22.11.2016. O julgamento foi realizado à luz do Código de Processo
Civil de 1973.
123. Manual de execução civil, p. 111.
124. Manual de execução civil, pp. 110-111.
125. THEODORO JR, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
XV, pp. 361-363.
126. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 362.
127. Manual de execução civil, pp. 111.
128. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 362.
129. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XV, p. 363. Em
sentido semelhante, cf. ARRUDA ALVIM, Manual de direito
processual civil, p. 535; BRUSCHI-NOLASCO-AMADEO,
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidadejurídica
no Código de Processo Civil de 2015, pp. 176-179; WAMBIER-
TALAMINI, Curso avançado de processo civil – execução, vol. III,
p. 171.
130. FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão,
dominação, p. 253.
15
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
SUCUMBENCIAIS
O art. 85 do Código de Processo Civil dispõe que “a sentença
condenará o vencido [rectius: a parte que deu causa ao
processo]131 a pagar honorários ao advogado do vencedor”, e seu
§ 1º estabelece que tal condenação terá lugar “na reconvenção,
no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na
execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos,
cumulativamente”. Não há, como se vê, expressa referência ao
incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou às
intervenções de terceiros de um modo geral. Assim, podem
surgir dúvidas a respeito do arbitramento de verba honorária
sucumbencial nas hipóteses em que a desconsideração da
personalidade jurídica é postulada incidentalmente.
Acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo têm
negado o arbitramento de honorários advocatícios
sucumbenciais no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. As decisões fundam-se justamente na disposição do §
1º do art. 85 do Código de Processo Civil, que seria taxativa,
para rejeitar a fixação de verba honorária em prol de advogados
de sócios cuja responsabilização tenha sido incidentalmente
rejeitada.132 No Superior Tribunal de Justiça, também já se
decidiu pelo não arbitramento de honorários no incidente “em
razão da ausência de previsão normativa”.133
O argumento de que o § 1º do art. 85 do Código de Processo
Civil estabelece taxativamente as hipóteses em que são devidos
honorários advocatícios padece de grave inconsistência. Caso
procedesse, nem sequer a demanda inicial do autor estaria
submetida ao regime da sucumbência, pois não se encontra
elencada no dispositivo. Evidentemente, o rol em questão não é
exaustivo: a condenação referida no caput do art. 85 “deve
ocorrer em litígios de toda espécie”,134 inclusive naqueles
instaurados incidentalmente ao processo. Conforme aponta
LEONARDO GRECO, “o princípio da sucumbência impõe ao vencido
o pagamento do advogado do vencedor em todas as ações
principais ou incidentes resolvidas conclusivamente”.135
A própria lei processual denota que o art. 85, § 1º, do Código
de Processo Civil não é taxativo quando alude, no parágrafo
único do art. 129, ao arbitramento de verba honorária
sucumbencial em denunciação da lide, hipótese que não se
encontra lá elencada: “se o denunciante for vencedor, a ação de
denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da
condenação do denunciante ao pagamento das verbas de
sucumbência em favor do denunciado”. Tal referência, vale
esclarecer, não era sequer necessária para que se impusesse a
responsabilidade por verbas sucumbenciais em caso de não
acolhimento da denunciação da lide. Por haver na
litisdenuntiatio a propositura de uma demanda, inexiste dúvida
sobre a aplicabilidade das normas concernentes à fixação de
verba honorária sucumbencial.136
Pelas mesmas razões, é certa a necessidade de condenação ao
pagamento de verba honorária da parte que restar vencida na
demanda proposta por meio do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.137 Caso o sócio acionado incidentalmente
seja vencedor, seu advogado deverá ser remunerado pelo
profícuo trabalho desempenhado no processo. Se restar vencido,
responderá pela verba honorária como litisconsorte da
sociedade, nos termos do art. 87 do Código de Processo Civil.138
Para a hipótese em que o incidente de desconsideração é
instaurado na fase de conhecimento do processo, convém
retomar esclarecimento feito no item 9.2 deste trabalho. Nesse
caso, como visto, a decisão que encerra o incidente resolve uma
questão de mérito, e a solução aí alcançada poderá ou não ser
suficiente para o julgamento da demanda incidentalmente
proposta em face do sócio. A se decidir pela inexistência dos
pressupostos para a disregard, a improcedência será consectário
lógico e imediato, impondo-se a condenação do demandante ao
pagamento de honorários. Todavia, ocorrendo o contrário, não
estará ainda definida a sucumbência do sócio, já que o pedido
contra ele deduzido poderá ser rejeitado na sentença por razões
estranhas à desconsideração (inexistência da obrigação, v.g.).
Consequentemente, não caberá nessa decisão interlocutória a
fixação de verba honorária, cujo arbitramento deverá ocorrer
apenas quando se resolver o mérito em relação ao sócio.
131. “A regra da sucumbência não comporta aplicação indiscriminada na
determinação da parte responsável pelo pagamento de honorários
advocatícios. Aqui, fala mais alto o princípio da causalidade, ou seja,
responde pelos honorários a parte que deu causa à instauração do
processo. É certo que, na maioria das vezes, causalidade e
sucumbência levam a soluções coincidentes; esta é o mais eloquente
sinal daquela. Todavia, quando as soluções forem destoantes,
prevalece aquela atrelada ao princípio da causalidade” (NEGRÃO et
al., Comentários ao Código de Processo Civil e legislação
processual em vigor, p. 185, n. 6). Sobre a vigência da teoria da
causalidade no ordenamento jurídico brasileiro, cf. ainda
DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, pp.
760-762; LOPES, Honorários advocatícios no processo civil, pp. 44-
46.
132. Cf. TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, AI 2090550-
17.2017.8.26.0000, rel. Des. Soares Levada, j. 12.7.2017; TJSP, 17ª
Câmara de Direito Privado, AI 2028960-39.2017.8.26.0000, rel. Des.
Paulo Pastore Filho, j. 20.7.2017; TJSP, 25ª Câmara de Direito
Privado, AI 2200879-96.2017.8.26.0000, rel. Des. Hugo Crepaldi,
7.12.2017. O entendimento, todavia, não é pacífico na corte paulista.
Em sentido contrário, e ressaltando que “a fixação de honorários em
razão do acolhimento de defesa no incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é matéria controvertida”, cf. TJSP, 12ª
Câmara de Direito Privado, AI 2178071-97.2017.8.26.0000, rel. Des.
Jacob Valente, j. 10.11.2017.
133. STJ, 4ª T., AgInt no REsp 1.834.210-SP, rel. Min. Raul Araújo, j.
12.11.2019.
134. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. II, p.
770.
135. Instituições de processo civil, vol. I, p. 430.
136. Entre outros, cf. LOPES, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. II, p. 232.
137. Cf. YARSHELL, Comentários ao novo Código de Processo Civil, p.
237; RODRIGUES FILHO, Desconsideração da personalidade
jurídica e processo, pp. 333-335; VIEIRA, Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e
temas polêmicos, pp. 182-184; BENEDUZI, Comentários ao Código
de Processo Civil, pp. 261-262; RODRIGUES, Intervenção de
terceiros, p. 108.
138. Cf. LOPES, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p.
230.
16
COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA
Parcela da doutrina tem afirmado sem hesitação que a decisão
que resolve o incidente, deferindo ou indeferindo a disregard,
faz coisa julgada material.139-140 Parte-se da correta premissa de
que há no pedido de instauração do incidente a propositura de
uma demanda, e daí já se conclui ser de mérito a decisão que se
pronuncia sobre a desconsideração. Sendo de meritis, ela estaria
apta a adquirir a imutabilidade própria à coisa julgada material e,
por consequência, a ser objeto de ação rescisória (CPC, art. 966).
A matéria deve ser examinada com maior cautela. Conforme
exposto nos itens 9.1 e 9.2 deste trabalho, a desconsideração da
personalidade jurídica não constitui o petitum do demandante,
mas um fundamento para a condenação do sócio ao
adimplemento de obrigação contraída a princípio pela sociedade
(verdadeiro meritum causæ). Ao resolver o incidente,
pronunciando-se sobre a desconsideração, o julgador não
necessariamente decidirá o mérito, pois seu juízo a respeito da
disregard poderá ou não ser suficiente para julgar o pedido do
demandante.
Para relembrar o raciocínio, vale novamente recorrer ao
exemplo do incidente instaurado na fase de conhecimento do
processo.Estando ajuizada demanda condenatória em face da
sociedade, o autor poderá requerer a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, o que provocará a
suspensão do processo até sua resolução (CPC, art. 134, § 3º).
Sendo reconhecidos os pressupostos para a disregard, o
incidente será encerrado por decisão interlocutória, mas aí só se
resolverá uma questão de mérito,141 já que o processo retomará
seu curso e a pretensão do autor contra o sócio será apreciada na
sentença, podendo inclusive ser rejeitada por razões estranhas à
desconsideração (prescrição, inexistência da obrigação etc.).
É evidente que, na hipótese de se rejeitar a desconsideração, a
decisão que puser fim ao incidente já julgará o mérito, pois a
negativa da disregard bastará para que se rejeite a pretensão
condenatória contra o sócio. O que se quer observar, no entanto,
é que a decisão resolutória do incidente não necessariamente
será de mérito: como no exemplo do parágrafo anterior, ela
poderá apenas dirimir uma questão de mérito, sem ainda julgar o
meritum causæ em relação ao sócio.142
Tal constatação tem grande relevância. Caso não contenha
julgamento do mérito, mas somente resolução de questão de
mérito, a decisão que encerrar o incidente de desconsideração
não estará apta a fazer coisa julgada material.
Consequentemente, não será passível de desconstituição por
ação rescisória.143
Para melhor se compreender essa implicação, torne-se mais
uma vez ao exemplo do incidente instaurado na fase de
conhecimento do processo. Imagine-se que o juiz de primeira
instância defira a disregard e não haja interposição de recurso
pelo sócio. Imagine-se ainda que, com o prosseguimento do
processo, a pretensão condenatória do autor seja acolhida em
acórdão proferido em segunda instância. Encerrado o processo,
caso o sócio condenado pretenda ajuizar ação rescisória por
manifesta violação de norma jurídica na decretação da
disregard, que decisão deverá apontar como rescindenda? A
interlocutória que resolveu o incidente de desconsideração ou o
acórdão condenatório proferido em segunda instância?
A resposta encontra-se na segunda alternativa, pois, no
exemplo dado, é a decisão colegiada que contém julgamento de
mérito contrário aos interesses do sócio e imunizado pela coisa
julgada material.144 A rigor, será inadmissível demanda que visar
à rescisão da decisão interlocutória que reconheceu o
preenchimento dos pressupostos para a desconsideração, seja
porque não é de mérito (e, portanto, não faz coisa julgada
material), seja porque não se acha nela o preceito judicial
imperativo contrário aos interesses do sócio (vale dizer, a sua
condenação).
Não se está a propor, no entanto, que seja inadmitida por
ausência de interesse processual ação rescisória que, não
obstante corretamente fundamentada, contenha erro no
apontamento da decisão rescindenda. Quem o fizer talvez se
alinhe a certa corrente de processualistas que prefere assistir a
um sujeito morrer de fome a vê-lo comer peixe com talheres de
carne.145 O próprio legislador, sensível às graves consequências
que a indicação equivocada da decisão rescindenda pode
acarretar,146 estabeleceu medidas para evitar que um deslize no
petitum da ação rescisória acabe por levar o processo a desfecho
irrazoável (CPC, art. 968, § 5º).147 Portanto, caso a leitura da
petição inicial à luz do “conjunto da postulação” (CPC, art. 322,
§ 2º) revele a pretensão do autor de desconstituir a decisão de
mérito que de fato lhe impõe prejuízo, assim deverá ser
compreendida a demanda,148 eventualmente com remessa dos
autos a outro órgão jurisdicional por motivo de competência e
sempre com oferecimento de oportunidade para que o réu se
defenda da ação rescisória tal qual interpretada.
139. Cf. TALAMINI-WAMBIER, Curso avançado de processo civil –
teoria geral do processo, vol. I, p. 377; SCARPINELLA BUENO,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 584; DIDIER
JR., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 528; RODRIGUES,
Intervenção de terceiros, p. 108; VIEIRA, Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC – natureza, procedimentos e
temas polêmicos, p. 187.
140. Conquanto criticável, a expressão fazer coisa julgada é corrente na
doutrina e está registrada no texto legal (CPC, art. 506). Em suma,
diz-se que faz coisa julgada o pronunciamento judicial que,
transitado em julgado, se torna intangível em seu conteúdo decisório
(e, circunstancialmente, em parcela de sua motivação – CPC, art.
503, § 1º). A respeito da coisa julgada material, cf. BARBOSA
MOREIRA, “Ainda e sempre e coisa julgada”; DINAMARCO,
Instituições de direito processual civil, vol. III, cap. LXXX;
TALAMINI, Coisa julgada e sua revisão, cap. II.
141. Sobre a distinção entre mérito e questões de mérito, cf. item 7
(supra).
142. A propósito, lembre-se que, “ao contrário do que se verifica na fase
de conhecimento, a decisão que encerra o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica instaurado no
cumprimento de sentença deverá necessariamente oferecer resposta
ao pedido deduzido em face do sócio, já que não haverá ocasião
própria para sua ulterior apreciação – caso da sentença na fase
cognitiva” (supra, item 9.2).
143. A situação é análoga àquela em que, por decisão interlocutória, o juiz
rejeita alegação de prescrição ou decadência sem ainda julgar o
pedido, analisada por Yarshell: “tratando-se de rejeição da alegação
de prescrição ou decadência isso significa a rejeição de uma das
matérias defensivas – uma delas, porque, se o processo não foi
extinto, presume-se que existam outras, alegadas pelo demandado.
Não há propriamente – nem por aproximação, nem por analogia –
julgamento do pedido, que, inclusive poderá ser rejeitado por outras
razões (a ensejar a falta de interesse para se impugnar a sentença,
quer mediante recurso, quer mediante ação rescisória). Não há,
portanto, como caracterizar a decisão interlocutória que rejeita a
alegação de prescrição como sendo de mérito, para fins de ação
rescisória. Pensar diversamente é aceitar que qualquer outra questão
de mérito que fosse apreciada no curso do processo ensejaria ação
rescisória – o que não parece procedente” (Ação rescisória – juízos
rescindente e rescisório, pp. 200-201). Em sentido diverso:
DINAMARCO, Nova era do processo civil, pp. 284-293.
144. Aqui são inteiramente aplicáveis as considerações de Yarshell a
propósito da situação análoga já referida, em que o juiz rejeita a
prescrição ou a decadência por decisão interlocutória e condena o réu
em posterior sentença: “se a questão acerca de eventual prescrição ou
decadência foi resolvida no curso do processo (portanto, mediante
decisão interlocutória), e se essa decisão porventura padecer de
quaisquer dos vícios arrolados no art. 485 do CPC, somente caberá
ação rescisória que tenha por objeto a sentença que venha, depois, a
decretar a procedência da demanda (reconhecendo o direito que se
disse estar extinto pela prescrição ou decadência). Como já dito,
antes disso não há sequer interesse para o aforamento da rescisória,
na exata medida em que a demanda poderá, por outras razões, ser
improcedente, tornando desnecessária a rescisão da sentença. Nem se
diga que, nesse caso, estar-se-ia rescindindo uma sentença que não
apreciou o objeto da rescisão, isto é, que o objeto do pedido de
rescisão não encontraria correspondente na decisão cuja rescisão se
pede. Mais uma vez é preciso distinguir entre ‘questões de mérito’ e
‘mérito’. A sentença que, mesmo sem ferir o tema da prescrição ou
decadência – porque a matéria já fora antes decidida via
interlocutória, inclusive sobre a qual já se operara a preclusão –,
acolhe o pedido (na parte dispositiva), julga o mérito. Eis aí, então, o
julgamento do mérito, contra o qual investirá a eventual ação
rescisória. É natural que o acolhimento do pedido seja incompatível
com o acolhimento da alegação de prescrição e decadência. Apenas a
questão não é reapreciada na fundamentação da sentença – e nem
poderia ser, no caso de prescrição patrimonial –, porque jáhouve
decisão a respeito e já se operou a preclusão, aqui entendida como
fenômeno restrito ao processo. Mas é rigorosamente certo que o
decreto de procedência da demanda (ao qual será futuramente
dirigida a rescisória) está apoiado na precedente rejeição da alegação
de prescrição ou decadência” (Ação rescisória – juízos rescindente e
rescisório, pp. 201-202).
145. A espirituosa expressão foi referida por Barbosa Moreira ao assumir
cadeira da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Seu discurso de
posse encontra-se na Revista de Processo n. 67/1992.
146. A propósito, cf. BARBOSA MOREIRA, “Ação rescisória: o objeto
do pedido de rescisão”, p. 137.
147. Como expõe Yarshell, “o CPC de 2015 superou divergência
doutrinária acerca da hipótese em que o autor ajuíza a rescisória
perante tribunal que não julgou o mérito, isto é, não conheceu do
recurso (§ 5º). Descartou-se a solução de carência de ação, por
ausência de pedido quanto ao verdadeiro objeto da desconstituição.
Como já havíamos sustentado, se o objeto da rescisão não está
exatamente onde supõe o autor, terá ele, contudo, explicitado o que
pretende ver cassado (desde que tenha feito tal explicitação), o que é
suficiente para configurar o interesse processual” (Comentários ao
Código de Processo Civil, p. 188).
148. Nesse sentido, cf. YARSHELL, Ação rescisória – juízos rescindente
e rescisório, pp. 280-281.
CONCLUSÃO
As conclusões foram todas apresentadas ao longo do
trabalho, no qual se examinaram importantes aspectos da
desconsideração da personalidade jurídica e do incidente
disciplinado no Código de Processo Civil. Aproveita-se este
item final para sintetizar as principais ideias defendidas.
1. Para o estudo da desconsideração, é prescindível dissecar a
natureza ou a “essência” da personalidade jurídica.
2. A personalidade jurídica constitui técnica para a formação
de patrimônio autônomo.
3. Ordinariamente, o patrimônio da pessoa jurídica responde
somente por suas obrigações, e não por aquelas contraídas por
seus integrantes.
4. Em tipos societários de responsabilidade ilimitada, sócios
respondem ordinária e subsidiariamente pelas obrigações
sociais.
5. Para incentivar o empreendedorismo, o ordenamento
jurídico disponibiliza tipos societários de responsabilidade
limitada, nos quais os sócios ordinariamente não respondem por
obrigações sociais.
6. Mesmo nos tipos societários de responsabilidade limitada,
pode a lei dispor que os sócios respondam ordinária e
subsidiariamente por dívidas sociais de certa natureza, como
sucede no Brasil com as obrigações de cunho ambiental ou
consumerista.
7. O instituto da desconsideração desenvolveu-se na
jurisprudência em reação ao uso da autonomia patrimonial de
pessoas jurídicas para defraudar credores.
8. A desconsideração é medida extraordinária, cabível
somente em caso de abuso de pessoas jurídicas.
9. A desconsideração só produz efeitos sobre determinado
caso concreto.
10. O abuso da pessoa jurídica verifica-se objetivamente, não
dependendo de má-fé para consumar-se.
11. Nos termos do art. 50 do Código Civil, há abuso da
personalidade jurídica nas hipóteses de desvio de finalidade ou
confusão patrimonial.
12. O desvio de finalidade corresponde ao uso de pessoa
jurídica em desacordo com sua função socioeconômica, não se
confundindo com a prática de atos estranhos ao objeto social.
13. A desconsideração não abrange todas as formas de
responsabilização dos sócios por obrigações sociais.
14. Não há desconsideração da personalidade jurídica, e sim
responsabilidade ordinária e subsidiária, quando a
responsabilidade dos sócios por dívidas sociais depender apenas
da insolvência da sociedade, como sucede com as obrigações de
cunho ambiental ou consumerista.
15. A expressão “desconsideração da personalidade jurídica”
é metafórica, não devendo ser interpretada literalmente.
16. O chamado ato de desconsideração não afeta de modo
algum a personalidade jurídica de qualquer dos envolvidos,
operando, na verdade, sobre determinada relação obrigacional.
17. A expressão “desconsideração da personalidade jurídica”
designa a constituição de novo responsável para determinada
obrigação em razão de abuso da personalidade jurídica.
18. A desconsideração da personalidade jurídica implica
responsabilidade patrimonial primária.
19. O sujeito atingido pela desconsideração responde como
codevedor, e a fonte de sua obrigação encontra-se no ato ilícito
de abuso da personalidade jurídica.
20. O objeto do processo corresponde ao meritum causæ, isto
é, ao pedido apresentado pelo demandante.
21. A atividade cognitiva do juiz é voltada ao julgamento do
mérito.
22. Chamam-se questões de mérito aquelas de cuja solução
depende logicamente o julgamento do mérito.
23. O objeto do processo, delimitado originalmente pelo
petitum do autor, só se amplia com a propositura de demandas
incidentais.
24. A intervenção de terceiro amplia o objeto do processo
quando pressupõe propositura de demanda incidental.
25. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica
é modalidade de intervenção coata de terceiro.
26. A necessidade de citação do terceiro no incidente de
desconsideração não impede a concessão de tutela provisória
inaudita altera parte.
27. O incidente não se aplica somente às formas tradicional e
inversa de desconsideração, mas a todas as suas variações.
28. Por analogia, cabe o incidente para apurar toda e qualquer
forma de responsabilidade dos sócios por obrigações sociais.
29. No incidente de desconsideração ajuíza-se demanda
incidental, ampliando-se o objeto do processo.
30. Quando postulada a desconsideração da personalidade
jurídica na petição inicial, forma-se litisconsórcio passivo
decorrente da cumulação originária de demandas em face da
sociedade e do sócio.
31. Quando postulada incidentalmente a desconsideração da
personalidade jurídica, forma-se litisconsórcio passivo
decorrente da cumulação ulterior de demandas em face da
sociedade e do sócio.
32. Seja em demanda inicial, seja em demanda incidental, a
desconsideração não integra o petitum, e sim a causa petendi
apresentada em relação ao sócio.
33. A desconsideração da personalidade jurídica não constitui
o mérito e, portanto, não integra o objeto do processo.
34. A desconsideração da personalidade jurídica é questão de
mérito a ser decidida pelo juiz na fundamentação da sentença.
35. A defesa do sócio demandado inicial ou incidentalmente
é ampla, não se limitando a questionar a desconsideração da
personalidade jurídica.
36. Quando o incidente de desconsideração é instaurado em
fase de cumprimento de sentença, a coisa julgada formada contra
a sociedade não prejudica o sócio nem limita sua defesa.
37. A desconsideração da personalidade jurídica não implica
responsabilidade subsidiária, mas principal.
38. O interesse processual na desconsideração independe da
situação econômica da pessoa jurídica devedora.
39. Em hipótese alguma o juiz pode instaurar o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica ex officio.
40. Na condição de custos legis, o Ministério Público não
pode requerer a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
41. O assistente não tem legitimidade para requerer a
instauração do incidente de desconsideração, mas pode trazer
aos autos elementos para que o assistido o faça.
42. Quem invoca a desconsideração da personalidade jurídica
tem o ônus de provar os fatos que lhe dão causa.
43. Para instauração do incidente de desconsideração, é
prescindível a apresentação de prova ou indício de abuso da
personalidade jurídica, o que só será necessário na hipótese de
haver controvérsia sobre as alegações fáticas que fundamentam
o pedido.
44. Pode-se provar indiretamente, por meio de indícios, fatos
que ensejam a desconsideração da personalidade jurídica.
45. Para o sujeito demandado incidentalmente, o marco
inicial da fraude de execução é a sua própria citação.
46. No julgamento da demanda proposta por meio do
incidente de desconsideração, impõe-se a condenação do
vencido aopagamento de honorários advocatícios
sucumbenciais.
47. Por não conter julgamento de mérito, não é passível de
rescisão a decisão interlocutória que defere a desconsideração
sem ainda condenar o sócio.
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	ANTERROSTO
	PÁGINA DE DIREITOS AUTORAIS
	FOLHA DE ROSTO
	DEDICATÓRIA
	PREFÁCIO
	NOTA DO AUTOR
	SUMÁRIO
	INTRODUÇÃO
	PRIMEIRA PARTE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E PROCESSO
	1. PERSONALIDADE JURÍDICA
	1.1. Considerações preliminares
	1.2. Função
	1.3. Autonomia patrimonial
	2. A CHAMADA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
	2.1. Incentivo ao empreendedorismo mediante transposição de risco
	2.2. Critérios para a limitação de responsabilidade
	3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
	Origem e desenvolvimento
	4. A DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – PRINCIPAIS HIPÓTESES
	4.1. Abuso da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50)
	4.1.1. Desvio de finalidade
	4.1.2. Confusão patrimonial
	4.1.3. Desconsideração inversa e outras modalidades
	4.2. A mera insolvência como falsa hipótese de desconsideração
	5. O CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
	6. O SUJEITO ATINGIDO POR DESCONSIDERAÇÃO: RESPONSÁVEL PATRIMONIAL PRIMÁRIO
	7. OBJETO DO PROCESSO, MÉRITO E QUESTÕES DE MÉRITO – NOÇÕES ELEMENTARES
	SEGUNDA PARTE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
	8. UMA APRESENTAÇÃO
	8.1. A disciplina do incidente no Código de Processo Civil
	8.2. O incidente de desconsideração e outras causas de responsabilidade dos sócios
	9. O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO COMO DEMANDA
	9.1. Ponto de partida: desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial
	9.2. Segue: desconsideração da personalidade jurídica no incidente
	10. DEFESA DO SUJEITO ACIONADO POR MEIO DO INCIDENTE
	11. INTERESSE PROCESSUAL NA DESCONSIDERAÇÃO – A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ORIGINÁRIO COMO SUPOSTA CONDIÇÃO PARA A DISREGARD
	12. LEGITIMIDADE PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE
	12.1. Instauração por iniciativa do juiz?
	12.2. Instauração por iniciativa do Ministério Público?
	12.3. Instauração por iniciativa do assistente?
	13. PROVA
	13.1. Necessidade e ônus da prova
	13.2. Dificuldades probatórias
	14. FRAUDE DE EXECUÇÃO
	15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS
	16. COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA
	CONCLUSÃO
	BIBLIOGRAFIA

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