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A Centralidade da Familia nas Politicas Sociais um olhar do assistente social sobre o trabalho com familias na area da saude

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A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NAS POLÍTICAS SOCIAIS: um olhar do assistente social 
sobre o trabalho com famílias na área da saúde 
Carmen Lúcia Nunes da Cunha1 
 
 
 
Resumo 
 
Neste artigo pretendemos apresentar algumas reflexões sobre 
a forma como a família foi se constituindo ao longo dos tempos 
e as novas configurações familiares. Discutiremos a 
centralidade da família nas políticas sociais com ênfase na 
política de saúde. Partimos do pressuposto de que trabalhar 
com famílias exige do assistentes sociais competências ético-
política, teórico-metodológica e técnico-operativa que possam 
disponibilizar recursos para uma intervenção capaz de oferecer 
respostas que superem a imediaticidade da situação 
apresentada. 
Palavras-chave: Famílias; Políticas Sociais; Serviço Social. 
 
 
Abstract 
 
In this article we intend to present some reflections about the 
way the family has been building up over time and the new 
family configurations. We will discuss the centrality of the family 
in social policies with an emphasis on health policy. We start 
from the assumption that working with families requires social 
workers to have ethical-political, theoretical-methodological and 
technical-operative skills that can provide resources for an 
intervention capable of offering answers that overcome the 
immediacy of the presented situation. 
Keywords: Families; Social Politics; Social Service. 
 
 
1 Assistente Social, Especialista em Saúde da Família e Comunidade, Mestranda em Serviço Social, 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS, E-mail: carmenlncunha@gmail.com. 
 
mailto:carmenlncunha@gmail.com
 
 
 
I. INTRODUÇÃO 
Sabemos que os assistentes sociais trabalham com famílias desde seus 
primórdios. Mas, conforme aponta Mioto (2010), nos anos 1990 este tema teve pouca 
visibilidade no Serviço Social se comparado à produção sobre política social e direitos 
sociais. Nos anos 2000 o tema volta a ser discutido categoria justamente quando a política 
social brasileira “no contexto da reforma do Estado brasileiro, induzida pelos ventos da 
ideologia neoliberal - passa a se estruturar dentro da proposta do pluralismo de bem-estar 
social, enfatizando amplamente a família” (MIOTO, 2010, p. 166). Na atualidade estamos 
acostumados a pensar na família como a responsável pelo cuidado de seus membros, mas 
ao olharmos pra trás veremos na história que não foi sempre assim, pois a instituição família 
e o cuidado de seus entres foi sendo construído ao longo dos séculos. No início aparecia 
como uma forma de manutenção das terras, das riquezas, dos bens adquiridos. Com o 
passar dos anos, com as transformações societárias e o estabelecimentos de novas 
necessidades passou-se a esperar da família que desse sustentação à sociedade capitalista 
transformando-se no principal responsável pelos seus membros, cobrindo desta forma as 
insuficiências das políticas públicas. 
 
 
II. POLÍTICAS PÚBLICAS, PROTEÇÃO SOCIAL E FAMÍLIAS 
 
O modo como a política pública incorpora a família vai se refletir na organização 
dos serviços de saúde e na organização do trabalho com as famílias no cotidiano dos 
serviços e programas. Teixeira (2012) destaca que a família ocupou um espaço secundário 
na conformação do Sistema de Proteção Social no Brasil no período de 1930 a 1980. Os 
serviços estavam dispostos a partir de “indivíduos-problemas” e “situações especificas”, 
como trabalho infantil, abandono, exploração sexual, delinquência, idade ou sexo, bem 
como para crianças e adolescentes, mulheres e idosos, dentre outros. Isso não contemplava 
a família como uma totalidade. Nesta lógica da assistência social estava a ideia de que as 
famílias pobres não tinham capacidade de criar, educar e proteger seus integrantes, 
“imperava o paradigma da incapacidade familiar e da institucionalização dos seus membros, 
como crianças, adolescentes, idosos e portadores de doenças mentais, dentre outros, 
considerados uma ameaça para a sociedade” (TEIXEIRA, 2012, p. 109). 
 
 
 
 
 
Como estas famílias “eram consideradas incapazes, por suas debilidades, 
desagregação conjugal e pobreza, dentre outros fatores, cabia ao Estado, nessas situações-
limite, livrar seus membros dependentes dos riscos por via da institucionalização e do 
afastamento do ambiente familiar” (TEIXEIRA, 2012, p. 109). O que se observava naquela 
época, e ainda hoje, é que estas ações aprofundam o paradoxo entre a família idealizada e 
família real, vivida pelos pobres, chamadas de “desestruturadas”, pois não leva em conta os 
diferentes núcleos familiares. Histórica e culturalmente a família tem se colocado como um 
dos eixos de proteção social existente na sociedade, promovendo a sobrevivência de seus 
membros, fato que pode ser facilmente observado na literatura, onde 
 
 
(...) o grupo familiar aparece com dupla face, a de uma unidade econômica com 
dependentes e “chefes de família” que redistribuem renda e a de unidade “doadora 
de cuidados”, também a partir de redistribuição interna. Nele, da mulher-mãe se 
espera que seja a principal provedora de cuidados para seus membros, mantendo-
se economicamente dependente de seu marido. Assim, supõe-se, por um lado, as 
responsabilidades do “chefe de família” com o sustento, e por outro lado, as da 
mulher com o cuidado. (MIOTO, 2003, p.169). 
 
 
Cuidado por parte da família que foi sendo construído ao longo dos séculos. Ao 
observamos os estudos de Ariès (2014), por exemplo, assistiremos ao nascimento e o 
desenvolvimento deste sentimento de família desde o século XV até o século XVIII. “Não 
que a família não existisse como realidade vivida: seria paradoxal contestá-la. Mas ela não 
existia como sentimento ou como valor” (ARIÈS, 2014, p. 191). O autor analisa em sua obra 
que o sentimento da família ligado a casa, ao governo da casa e a vida na casa não foi 
conhecido na Idade Média porque esse período possuía uma concepção particular de 
família: a linhagem. A linhagem era o único sentimento de caráter familiar conhecido na 
Idade Média, estendia-se aos laços de sangue, mas não levava em conta os valores 
nascidos da coabitação e da intimidade, pois a linhagem nunca se reunia em um espaço 
comum, em torno do mesmo pátio. Essa situação alterou-se a partir do século XVI quando a 
legislação real reforçou o papel paterno no que concerne ao casamento dos filhos. 
 
 
Enquanto se enfraqueciam os laços de linhagem, a autoridade do marido dentro de 
casa tornava-se maior e a mulher e os filhos se submetiam a ela mais estritamente. 
Esse movimento duplo, na medida em que foi o produto inconsciente e espontâneo 
do costume, manifesta sem dúvida uma mudança nos hábitos e nas condições 
sociais. Passara-se portanto à atribuir a família o valor que outrora se atribuía à 
linhagem. Ela torna-se a célula social, a base dos Estados, o fundamento do poder 
monárquico (ARIÈS, 2015, p. 146). 
 
O cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos, uma 
nova afetividade que não era vivenciada séculos antes. “Os pais não se contentavam mais 
 
 
 
em pôr os filhos no mundo, em estabelecer apenas alguns deles, desinteressando-se dos 
outros” (ARIÈS, 2015, p. 195). “A família deixou de ser uma apenas uma instituição do 
direito privado para a transmissão dos bens e do nome, e assumiu uma função moral e 
espiritual, passando a formar os corpos e as almas” (ARIÈS, 2015, p. 195). A constituição de 
uma nova família, no século XV e XVI, devia-se a necessidade de manutenção da riqueza, 
das terras, dos bens; a esposa tinha a função de procriação e organizava e participava da 
vida social. As crianças não eram ligadas aos pais, como hoje, eram amamentadas por 
amas de leite e cresciam em torno da comunidade. 
A família burguesa no Brasil, conforme KEHL (2003) desenvolveu-se no início do 
século XIX, segundo escreve Maria Angela D’Incao na História das Mulheresno Brasil, na 
esteira da necessidade de civilizar nossa sociedade escravocrata, mestiça, luso-tropical. Ou 
seja, nasceu para fortalecer um núcleo de resistência contra as condições históricas 
formadoras da sociedade brasileira. 
 
 
Naquele período, o desenvolvimento das cidades e da vida burguesa influiu também 
na arquitetura das residências, procurando tornar o convívio familiar mais íntimo, 
mais aconchegante, o que significa: mais separado do tumulto das ruas e do 
burburinho da gente do povo. Esta tendência de fechamento da família sobre si 
mesma foi o início do que D’Incao chama de processo de privatização da família, 
marcado pela valorização da intimidade (KEHL, 2003, p. 2). 
 
 
A casa, segundo Rago (1985), era considerada um lugar privilegiado onde se 
formava o caráter das crianças e a “nova mãe” passou a desempenhar um papel 
fundamental no nascimento da família nuclear moderna. Ela era a responsável pela saúde 
das crianças e do marido, pela felicidade da família e pela higiene do lar, num momento em 
que crescia a obsessão contra tudo que possa facilitar a propagação de doenças (lixo, 
poeira, micróbios). 
 
(...) dois caminhos conduzirão a mulher ao território da vida doméstica: o instinto 
natural e o sentimento de sua responsabilidade na sociedade. Enquanto para o 
homem é designada a esfera pública do trabalho, para ela o espaço privilegiado 
para a realização de seus talentos será a esfera privada do lar. Tudo que ela tem a 
fazer é compreender a importância de sua missão de mãe, aceitar seu campo 
profissional: as tarefas domésticas, encarnado a esposas-dona-de-casa-mãe-de-
família (RAGO, 1985, p. 74). 
 
 
Esta tendência de fechamento da família sobre si mesma foi o início do processo 
de privatização da família, segundo KEHL (2003), marcado pela valorização da intimidade, 
 
 
 
quando as famílias se retiravam do convívio caótico das ruas e cidades brasileiras, abriam 
suas casas para um público selecionado, um círculo restrito de parentes, amigos, alguns 
pretendentes, um ou outro político, capaz de atestar o sucesso de sua elitização e de seu 
branqueamento. Como explica Ariès (2014), a casa perdeu o caráter de lugar público que 
possuía em certos casos no século XVIII, em favor do clube e do café, que por sua vez se 
tornaram menos frequentados. A vida profissional e a vida familiar abafaram essa outra 
atividade, que outrora invadia a vida: a atividade das relações sociais. Nesta estrutura 
familiar a mulher cabia um papel bem definido, os cuidados domésticos e os cuidados com 
os membros da família; era a mantenedora da unidade familiar, aquela que cuida de todos. 
Na atualidade vivenciamos uma idealização da família “estruturada” com o 
objetivo de dar base e sustentação à sociedade capitalista. Esta nova concepção de família 
foi delineada na época de grande desenvolvimento do capitalismo e do liberalismo 
econômico, quando entrou em cena a família nuclear burguesa. Esta é uma das concepções 
de família, a noção mais generalizada, e que se encontra ligada a ideia da família nuclear, 
onde a família é tratada “a partir de uma determinada estrutura tomada como ideal (casal 
com seus filhos) e com papéis bem definidos” (MIOTO, 2010, p. 168). 
Outra concepção é aquela onde a família é concebida apenas numa perspectiva 
relacional, ou seja, “onde as relações familiares estão circunscritas apenas às relações 
estabelecidas na família, seja no âmbito de seu domicílio, seja na sua rede social primária” 
(MIOTO, 2010, p. 168). Esta concepção, portanto, segue Mioto (2010), não incorpora como 
as relações estabelecidas com outras esferas da sociedade, o Estado, por exemplo, através 
de sua legislação, de suas políticas econômicas e sociais, interfere na história das famílias, 
na construção dos processos familiares que são expressos através das dinâmicas 
familiares. Consequentemente, “se contrapõe às concepções que tomam a família como a 
principal responsável pelo bem-estar de seus membros, desconsiderando em grande 
medida às mudanças ocorridas na sociedade” (MIOTO, 2010, p. 168) como as mudanças de 
caráter econômico, relacionadas ao mundo do trabalho e as de caráter tecnológico, além, 
sem dúvida, “das novas configurações demográficas, que incluem famílias menores, famílias 
com mais idosos e também das novas formas de sociabilidade desenhadas no interior da 
família” (MIOTO, 2010, p. 168). 
Entendemos que a família se constrói e reconstrói ao longo da história, assim 
como cotidianamente vem se construindo e reconstruindo através das relações que 
estabelece entre seus membros e entre seus entes e outras esferas da sociedade, como o 
Estado e o mercado, por exemplo. 
 
 
 
 
Portando, ela não é apenas uma construção privada, mas também publica e tem um 
papel importante na estruturação da sociedade em seus aspectos sociais, políticos e 
econômicos. E, nesse contexto, pode-se dizer que é a família que “cobre as 
insuficiências das políticas públicas, ou seja, longe de ser um “refúgio num mundo 
sem coração” é atravessada pela questão social (MIOTO, CAMPOS, LIMA, 2004, 
Apud MIOTO, 2010, p. 168)”. 
 
 
Observamos que o conceito de família foi sendo construído ao longo dos séculos 
e os laços familiares que foram socialmente reconhecidos criaram funções sociais, tais 
como a responsabilidade de apoiar e proteger todos os seus membros, expressas nas 
políticas sociais, como por exemplo, na Política Nacional de Assistência Social que identifica 
como função básica da família “prover a proteção e a socialização de seus membros; 
constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; de identidade grupal, 
além de ser mediadora das relações dos seus membros com outras instituições sociais e 
com o Estado” (PNAS, 2004, p.29). Outro exemplo aparece no Estatuto do Idoso que 
determina a obrigação da família em assegurar ao idoso “a efetivação do direito à vida, à 
saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, 
à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2003, 
p. 1), e indica a “priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento 
do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de 
manutenção da própria sobrevivência” (BRASIL, 2003, p. 1). 
 
 
O trabalho dos assistentes sociais na saúde 
 
O assistente social na área da saúde atua na compreensão dos determinantes 
sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde-doença e na busca de 
estratégias político-institucionais para o enfrentamento dessas questões, mediadas pelas 
competências ético-políticas, técnico-operativas e teórico-metodológicas. Neste contexto o 
profissional trabalha no atendimento direto aos usuários onde predominam as ações 
socioassistenciais, as ações de articulação interdisciplinar e as ações socioeducativas. 
Sabemos que estas ações não ocorrem de forma isolada, mas integram o processo coletivo 
do trabalho em saúde, sendo complementares e indissociáveis. 
No trabalho em equipe na saúde temos múltiplos saberes coordenados para a 
definição do melhor tratamento, qualificação da assistência, planejamento de alta e 
identificação dos recursos de saúde disponíveis no município de origem do usuário, 
buscando garantir uma assistência que “transcenda a prática curativa, contemplando o 
 
 
 
indivíduo em todos os níveis de atenção e considerando o sujeito inserido em um contexto 
social, familiar e cultural” (SOUZA Et al, 2012, p. 452). Neste trabalho, aponta Raichelis 
(2009), não se pressupõe abolir as especificidades dos profissionais, pois são estas 
diferenças que possibilitam a melhoria dos serviços prestados à medida que a especialidade 
permite o aprimoramento do conhecimento e do desempenho técnico em determinada área 
de atuação. 
 
 
 
Ao contrário do que muitas vezes se considera, o trabalho interdisciplinar demanda a 
capacidadede expor com clareza os ângulos particulares de análise e propostas de 
ações diante dos objetos comuns a diferentes profissões, cada uma delas buscando 
colaborar a partir dos conhecimentos e saberes desenvolvidos e acumulados pelas 
suas áreas (RAICHELIS, 2009, p. 15). 
 
 
 
Esta afirmação que vai ao encontro do que sustenta Iamamoto ao dizer que “tal 
perspectiva de atuação não leva à diluição das identidades e competências de cada 
profissão; ao contrário, exige maior explicitação das áreas disciplinares no sentido de 
convergirem para a consecução de projetos a serem assumidos coletivamente” 
(IAMAMOTO, 2002, p. 41). O exercício do trabalho em equipe nos remete a ideia de 
interdisciplinaridade, exigindo portanto, um reconhecimento e valorização de diferentes 
saberes e uma postura aberta ao diálogo de forma horizontal. Mas sabemos que o cuidado 
na saúde não se restringem apenas aos cuidados que se desenvolvem nos sistemas de 
saúde envolvendo ações e procedimentos técnicos dos profissionais que atuam em áreas 
bem específicas, ou são oferecidos por equipes interdisciplinares. O cuidado na saúde é 
produzido em dois contextos distintos, porém inter-relacionados: a rede de oficial de 
serviços e a rede informal, representada especialmente pela família. 
 
 
(...) a rede oficial, incorporando o saber biomédico-científico e as tecnologias 
terapêuticas modernas, conta com amplo reconhecimento como agência produtora 
de cuidados. Já a rede informal, que tem na família seu principal personagem, não 
conta com tanto prestígio. No entanto é na e pela família que se produzem cuidados 
essenciais à saúde. (GUTIERREZ & MINAYO, 2010, p.1498). 
 
 
 
 
Neste contexto em que o familiar acometido por uma doença necessita de 
cuidados, surge um personagem importante, “a figura do cuidador familiar, na maioria das 
vezes um membro da família que não possui preparo técnico que o permita cuidar do outro 
sem interferir no cuidado que deve ter consigo próprio” (MENDONÇA Et al, 2008, p. 144). 
 
 
 
São cuidadores informais, que não tiveram uma formação específica para cuidar, mas 
aprenderam na prática, cuidando de outros familiares por longos períodos. São pessoas que 
muitas vezes precisam se dedicar em tempo integral ao familiar adoecido, podendo chegar a 
sete dias na semana, sem folga nem férias, dependendo do grau de dependência do familiar 
adoecido para as atividades da vida diária. 
Segundo Polaro (2012), “pacientes”2 fragilizados, com limitações funcionais ou 
condições crônicas que exijam tratamentos prolongados e permanentes, quando não 
recebem o tratamento adequado por parte dos serviços de saúde, acabam sobrecarregando 
a família. “A falta de apoio dos serviços sociais e de saúde para o cuidado com seu familiar 
dependente acaba se tornando um ônus que ameaça o bem-estar e a qualidade de vida, 
culminando em desequilibrar a saúde (e as finanças) de toda uma família” (POLARO, 2012, 
p. 229). Entendemos ser imprescindível que os assistentes sociais compreendam o 
processo de constituição das famílias e suas novas configurações na atualidade para que 
possam intervir com qualidade, pautados num referencial teórico e postura crítica, 
alicerçados no projeto ético-político da profissão, revendo posturas e intervenções 
conservadoras. 
 
 
A centralidade das famílias nas políticas sociais 
 
Conforme discute Mioto (2003), a família sempre esteve relacionada com a 
política social, diferenciando-se em três tipos, “a família do provedor masculino”, o 
“familismo” e a “família no Estado de Bem-Estar Social de orientação social democrata”. 
Pode-se dizer, a “grosso modo”, que existem duas tendências em disputa nesse campo, 
denominadas de proposta familista e proposta protetiva. A ideia central da proposta 
familista, segundo ela, reside na afirmação de que existem dois canais tidos como naturais 
para a satisfação das necessidades dos indivíduos: a família e o mercado. A interferência 
pública só deverá acontecer, e de maneira transitória, quando estes dois canais falharem. 
Nesta concepção a incorporação da família na política social traz embutida e ideia de 
falência da família. 
 
 
 
Ou seja, a política pública acontece prioritariamente, de forma compensatória e 
temporária, em decorrência da sua falência no provimento de condições materiais e 
imateriais de sobrevivência, de suporte afetivo e de socialização de seus membros. 
Isso corresponde a uma menor provisão de bem-estar por parte do Estado. O 
 
2 Expressão utilizada pelo autor. 
 
 
 
fracasso das famílias é entendido como resultado da incapacidade de gerirem e 
otimizarem seus recursos, de desenvolverem adequadas estratégias de 
sobrevivência e de convivência, de mudar comportamentos e estilos de vida, de se 
articularem em redes de solidariedade e também de serem incapazes de se 
capacitarem para cumprir com as obrigações familiares (MIOTO, 2010, p. 169-170). 
 
 
A perspectiva familista é entendida como a perspectiva em que a política pública 
deposita nas famílias a responsabilidade pelo bem-estar de seus membros, o que 
corresponde a uma menor provisão por parte do Estado e uma forte presença do mercado. 
Analisando as famílias na atualidade percebemos que houve uma mudança significativa no 
modelo familiar, este é um dado inegável, porém, se observarmos a instituição família desde 
seus primórdios até nossos dias, veremos que tanto sua função quanto sua composição foi 
sendo alterada ao logo dos séculos, mas a responsabilidade pelo cuidado de seus membros 
foi sendo intensificada ao longo dos anos, seja pelas políticas públicas, seja pelas 
legislações vigentes. Tal fato pode ser facilmente constatado ao analisarmos a Política de 
Saúde, Lei 8080 de 1990, no artigo 2º, onde a saúde aparece como um direito fundamental 
do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno 
exercício, mas “o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da 
sociedade” (BRASIL, 2010, p.2). 
O Programa Saúde da Família (PSF), como o próprio nome já diz, tem o foco 
centrado na família. O objetivo do PSF, conforme descrito já no 1º Caderno de Atenção 
Básica, é “contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, 
em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo urna nova 
dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades 
entre os serviços de saúde e a população" (BRASIL, 2000, p. 10). Essa discussão na 
fundamentação do Programa vai além, ao afirmar, em seus documentos básicos, que o 
setor saúde sempre privilegiou o indivíduo de forma isolada de seu contexto familiar e dos 
valores socioculturais, com tendência generalizante, fragmentando-o e compartimentando-o, 
descontextualizando-o de suas realidades familiar e comunitária. Mas, atualmente uma 
mudança vem ocorrendo, vem se estruturando, em nível internacional, uma nova visão da 
atuação da família e da comunidade, fundamental para o desenvolvimento de estratégias de 
políticas sociais, e sob esta perspectiva: 
 
 
 
(...) o papel do profissional de saúde é o de aliar-se a famí1ia no cumprimento de 
sua missão, fortalecendo-a e proporcionando o apoio necessário ao desempenho de 
suas responsabilidades, jamais tentando substituí-la. É preciso ajudá-la a descobrir 
e a desenvolver suas potencialidades individuais e coletivas (BRASIL, 2000, p.10). 
 
 
 
 
O Programa Saúde da Família surge como uma nova estratégia de atenção à 
saúde e de reorientação do modelo de assistência à saúde. Suas premissas exemplificam o 
processo de responsabilização das famílias, através das políticas sociais, que incorporam as 
famílias no texto da lei ou por meio de normativas e orientações que incidem diretamente na 
organização e na provisão dos serviços no campo da saúde. Outra proposta prevista na 
legislação, em que a família aparececomo colaboradora, diz respeito ao cuidado domiciliar. 
A assistência domiciliar é mencionada no Estatuto do Idoso que orienta o atendimento do 
idoso em casa, se necessário, garantindo-lhe ações e serviços para prevenção e 
manutenção de sua saúde na Atenção Primária à Saúde, porta de entrada do sistema. 
Seguindo essa linha de cuidado, em outubro de 2011, o Ministério da Saúde 
implanta o Programa Melhor em Casa, um serviço de atenção domiciliar no âmbito do 
Sistema Único de Saúde (SUS) que vem substituir a modalidade de internação domiciliar. O 
Programa Melhor em Casa é voltado ao atendimento de pessoas com necessidades de 
reabilitação motora, idosos, pacientes crônicos sem agravamento ou em situação pós-
cirúrgica que terão assistência multiprofissional gratuita em seus lares, com cuidados mais 
próximos da família. 
 
 
Também são enfatizadas, com a implantação do Programa Melhor em Casa, a 
redução na ocupação de leitos hospitalares, a economia de até 80% nos custos de 
um paciente, se comparado ao custo desse mesmo paciente quando internado na 
unidade hospitalar e a redução das filas de urgência e emergência já que a 
assistência, quando houver a indicação médica, passará a ser feita na própria 
residência do paciente, desde que haja o consentimento da família (MIOTO, 2010, p. 
159). 
 
 
Cabe destacar que o Programa Melhor em Casa exige a indicação de um 
cuidador, por parte da família, em todas as situações atendidas, independentemente do grau 
de complexidade do cuidado, sendo que este pode ser, ou não, um membro da família, e 
que deverá ser capacitado pela equipe multiprofissional para o cuidado no domicílio. Aqui já 
fica claro que o Programa não leva em conta os novos arranjos familiares, pois elege um 
determinado tipo de família que atenda determinados critérios. A família, segundo Mioto 
(2010), vai sendo incluída tanto através de requisições nos domicílios, como através da 
participação nos serviços. Passa a ser invocada e evocada como sujeito fundamental no 
processo de cuidado tanto no sentido de sua responsabilidade do cuidado, como de ser 
objeto de cuidado. 
 
 
 
 
 
 
III. CONSIDERAÇÕES 
 
A centralidade da família nas políticas sociais apresenta como aspectos 
positivos a redução dos custos sociais, que seriam maiores se os serviços tivessem como 
foco os indivíduos, e a articulação de ações e políticas diferentes no enfrentamento das 
suas necessidades, possibilitando uma intervenção articulada e planejada. “Os paradoxos 
aparecem na medida em que a família ora é tomada como sujeito de direitos e merecedora 
de proteção social, ora como agente dessa proteção e provedora de assistência e cuidado 
aos seus membros, na principal estratégia das ações de prevenção” (TEIXEIRA, 2012, p. 
116). Partimos do pressuposto de que a proteção social não está restrita às famílias e, 
portanto, a solução dos mesmos vai além de suas possibilidades individuais de resposta, 
por isso faz-se necessário uma análise aprofundada sobre os processos de enfrentamento 
das famílias frente ao adoecimento e o suporte do Estado, através das políticas públicas, no 
acompanhamento e atendimento destas famílias, mediadas pelas competências ético-
politica, teórico-metodológica e técnico-operativa dos assistentes sociais na identificação 
das demandas e na garantia do acesso às políticas sociais de forma integrada e articulada 
em diferentes níveis de atenção, enquanto sujeitos de direitos. 
 
 
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