Buscar

Mioto - Familismo, direitos e cidadania - Regina Celia Tamaso

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 223 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 223 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 223 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

FAMILISMO
DIREITOS E CIDADANIA
Conselho Editorial da
área de Serviço Social
Ademir Alves da Silva
Dilséa Adeodata Bonetti (Conselheira Honorífica)
Elaine Rossetti Behring
Ivete Simionatto
Maria Lúcia Carvalho da Silva
Maria Lúcia Silva Barroco
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Familismo, direito e cidadania [livro eletrônico] : contradições da política
social / Regina Célia Tamaso Mioto, Marta Silva Campos, Cássia
Maria Carloto , (orgs.). – São Paulo :
Cortez, 2015.
6,9 Mb ; PDF
Bibliografia.
ISBN 978-85-249-2401-9
1. Assistência social 2. Cidadania 3. Família 4. Proteção social 5.
Política social I. Mioto, Regina Célia Tamaso. II. Campos, Marta Silva. III.
Carloto, Cássia Maria.
15-06980
CDD-362.82
Índices para catálogo sistemático:
1. Famílias : Proteção social : Bem-estar social 362.82
FAMILISMO, DIREITOS E CIDADANIA: contradições da Política Social
Regina Célia Tamaso Mioto, Marta Silva Campos, Cássia Maria Carloto (Orgs.)
Capa: de Sign Arte Visual
Preparação de originais: Jaci Dantas
Assessoria editorial: Maria Liduína de Oliveira e Silva
Editora assistente: Priscila F. Augusto
Revisão: Alexandra Resende
Composição: Linea Editora Ltda.
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização
expressa das autoras e do editor.
© 2015 by Autoras
Direitos para esta edição
CORTEZ EDITORA
Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes
05014-001 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290
E-mail: cortez@cortezeditora.com.br
www.cortezeditora.com.br
Publicado no Brasil — 2015
mailto:cortez@cortezeditora.com.br
http://www.cortezeditora.com.br/
Sumário
Apresentação
Prefácio
O casamento da política social com a família: feliz ou infeliz?
Marta Silva Campos
Políticas Sociais, família e proteção social: um estudo acerca das
políticas familiares em diferentes cidades/países
Marlene Bueno Zola
Programas de transferências condicionadas, famílias e gênero:
aproximações a alguns dilemas e desencontros
Mónica De Martino
Mudanças nas famílias brasileiras e a proteção desenhada nas
políticas sociais
Carmen Rosario Ortiz Gutierrez Gelinski e Liliane Moser
Serviços sociais e responsabilização da família: contradições da
política social brasileira
Regina Célia Tamaso Mioto e Keli Regina Dal Prá
Programa Bolsa Família, cuidados e o uso do tempo das mulheres
Cássia Maria Carloto
Política social contemporânea: a família como referência para as
Políticas Sociais e para o trabalho social
Solange Maria Teixeira
Sobre as Autoras
Apresentação
A proposta que mobilizou um grupo de pesquisadoras a
escrever sobre a família surgiu da urgência em problematizar e
debater o caráter familista e o aspecto regressivo que tem
caracterizado o conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado
Brasileiro, no contexto da nossa política social, notadamente a partir
do final do século XX, em nome da focalização no Combate à
Pobreza e à Miséria, de forma a ferir a própria lógica dos direitos
sociais, forjada pela Constituição Federal de 1988.
O processo de responsabilização das famílias por encargos
dentro do sistema de proteção social, presente na configuração e na
condução da política social brasileira contemporânea, se insere no
debate sobre uma velha questão que é a da forma de incorporação
da família à política social. A discussão desse fenômeno não pode
ser realizada fora do quadro analítico que, tanto do ponto de vista
estrutural como em várias conjunturas, tem marcado historicamente
as relações entre família, política social e Estado.
Nesse quadro se apresentam aspectos importantes, dos quais
Chiara Saraceno destaca a grande dificuldade de estabelecer
consensos sobre o campo de inter-relações família e política social.
Mesmo existindo um acordo sobre a importância das políticas
sociais para sustentar a vida familiar, não existe concordância, nem
sobre o que é família, e nem acerca do que se entende por
sustentar a família. Este problema dá fórum a uma velha pergunta,
sempre presente nos debates e nos embates, que é a do quantum
de responsabilidade caberia à família e ao Estado. As famílias não
são homogêneas, nem em recursos, nem em fases dos ciclos de
vida, nem em modelos culturais e organizativos; também são
influenciadas e interagem com o conjunto da legislação e das
políticas sociais.
O segundo destaque dado pela socióloga italiana quanto à
Política Social é de que esta constitui um campo que dá ampla
visibilidade à interferência/participação do Estado na vida das
famílias, considerando que esta acontece tanto através da
legislação, como de suas políticas demográficas e econômicas.
Isso, sem desconsiderar o fato que o próprio Estado de bem-estar
social nasce de sua assunção de responsabilidades no campo da
reprodução social, que tradicionalmente é terreno compartilhado
com a família. Além disso, não pode deixar de ser assinalado o fato
que nas sociedades capitalistas ocidentais todos os sistemas de
proteção social sustentam-se na tríade Estado, mercado e família.
Desde os seus primórdios até a atualidade têm sido organizados a
partir da família nuclear burguesa, a saber, pai provedor e mãe dona
de casa e cuidadora. Isto nos leva ao terceiro destaque que é o de
constatarmos que, apesar das famílias terem se distanciado do ideal
burguês na sua conformação, ainda são mantidas as mesmas
expectativas sobre o seu papel e suas responsabilidades enquanto
um grupo/ arranjo de proteção e cuidados dos indivíduos. Apesar da
fecundidade das críticas já desenvolvidas, perdura em nosso meio a
compreensão de que a família é o locus de atuação da mulher e o
mercado de trabalho o locus de atuação do homem. Mesmo sendo
sabido que homens e mulheres estão presentes em ambos os
espaços, essa concepção é incorporada pelas intervenções estatais.
Assim as mulheres, a partir de seu trabalho não pago na esfera
doméstica-familiar fazem a mediação entre o Estado e a família no
desenvolvimento das políticas sociais específicas, em áreas como
assistência social, saúde, educação, habitação entre outras.
Compartilhando do desafio de enfrentar o debate enunciado
sobre a família no contexto da política social, este livro reúne
trabalhos de pesquisadoras vinculadas a núcleos de pesquisa de
Programas de Pós-graduação na área de Serviço Social de
diferentes universidades — Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Federal do
Piauí (UFPI) e Universidad de la República (UDELAR) do Uruguai. A
produção da maioria dos trabalhos é resultado de debates ocorridos
no V Encontro de Núcleos de Pesquisa em Política Social e Família,
ocorrido na UFSC em março de 2012 e apresentados no XIII
ENPESS realizado em novembro de 2012. Eles contemplam de
forma articulada diferentes eixos de discussão. Parte-se de uma
contextualização sócio-histórica sobre a incorporação da família na
política social, avança-se para o debate sobre a família brasileira
contemporânea e suas disposições regressivas em relação à
provisão de bem-estar, considerando suas configurações atuais.
Inclui a problematização da “(in)viabilidade” de manter a
centralidade na família como eixo estruturante da política social,
dados os processos de responsabilização da família através dos
serviços, pautados sobremaneira na questão do cuidado, e enfim, a
sobrecarga que tal cuidado representa no interior da família,
especialmente para as mulheres. Finalmente debruça-se na
centralidade da família na política social de assistência social,
focalizando a questão do trabalho com famílias.
Nessa lógica a discussão é aberta pelo artigo, ironicamente
intitulado “O casamento da política social com a família: feliz ou
infeliz?” toma como matriz teórica a discussão da visível contradição
entre o objetivo de promover direitos de cidadania — inerente à
política social — com a participação da estrutura da família,
estritamente hierarquizada e consagradaem seus padrões atuais.
As suas conclusões reforçam a importância da abertura da família-
domicílio, como grupo analisado em sua diversidade: unidade
distribuidora interna de renda, cuidado e afetos, com significativas
transferências materiais e imateriais, mas que encobre, dada a
hierarquização de gêneros, a mulher-mãe sobrecarregada pelo
trabalho domiciliar não pago e penalizada pela pior posição no
mercado de trabalho. O trabalho “Políticas sociais, família e
proteção social: um estudo acerca das políticas familiares em
diferentes cidades/ países” discute as transformações da família na
atualidade e o reconhecimento conceitual de políticas públicas
enquanto conteúdos concretos regulamentados ou executados pelo
Estado conduzindo à análise de várias legislações que, na
atualidade, fundamentam a matricialidade familiar e a convivência
familiar em âmbito internacional. Também ao reconhecimento de
programas, projetos, serviços e benefícios dirigidos à família, em
diferentes cidades/ países, da América Latina e Europa, parceiras
de um projeto comum de cooperação internacional. Em seguida, o
texto “Programas de transferências condicionadas, famílias e
gênero: aproximações a alguns dilemas e desencontros” visa
aproximar o leitor dos debates em torno dos Programas de
Transferências Condicionadas de Renda (PTCR) na América Latina,
a partir de duas perspectivas que pouco têm sido privilegiadas. A
saber: suas relações materiais e simbólicas com a família e as
construções de gênero ou generizantes que esses programas têm
para além dos elementos discursivos. Nesse sentido, destaca como
o discurso político e acadêmico sobre a pluralidade de arranjos
familiares e a necessidade de relações mais igualitárias de gênero,
perdem a oportunidade de materializar-se nesta nova geração de
políticas sociais. Além disso, questiona o reconhecimento contido no
discurso político da família como uma entidade privilegiada para
quebrar o ciclo da pobreza.
Aprofundando o debate na realidade brasileira são
apresentados os trabalhos “Mudanças nas famílias brasileiras e a
proteção desenhada nas políticas sociais”, “Serviços Sociais e
responsabilização da família: contradições da política social
brasileira” e “Programa Bolsa Família, cuidados e o uso do tempo
das mulheres”. O primeiro traça o perfil das famílias brasileiras nos
levantamentos demográficos recentes, tendo como pano de fundo a
percepção de família enunciadas nas políticas públicas. Os dados
mostram que as famílias estão menores, mais fragmentadas e com
mais idosos e que, mesmo com a tão propalada centralidade da
família nas políticas sociais, o Estado vem se desvencilhando há
mais de três décadas de uma série de responsabilidades e as vem
repassando para as famílias. As mudanças observadas na
população levam a concluir que estas terão cada vez menos
condições de dar conta dos encargos a elas propostos e, a despeito
do aumento da vulnerabilidade das mesmas, não há sinais de que
estejam sendo construídos sistemas de proteção sólidos para as
gerações futuras. O segundo discute a relação família e serviços
sociais no contexto da política social brasileira, tomando como foco
os programas Brasil Carinhoso e Melhor em Casa. Através deles,
demarca-se a tendência familista da política social considerando
que o objeto dos programas que são os serviços, marcam uma
inflexão nos rumos da política social e que ao reforçar a família no
cuidado em saúde e focalizar o acesso aos serviços educacionais
infantis à pobreza extrema, explicita-se o distanciamento ao
princípio da universalidade dos direitos sociais. Assim, coloca em
evidência a privatização da provisão de bem-estar através de dois
atores, o mercado e a família. O terceiro, fruto de pesquisas
desenvolvidas desde 2003, traz o debate sobre a participação das
mulheres em programas de transferência condicionada de renda, na
perspectiva de gênero. Os dados apreendidos, através de
entrevistas e grupos focais com mulheres titulares do Programa
Bolsa Família em diferentes cidades, sustentam a discussão desse
trabalho sobre as tensas relações derivadas das necessidades
geradas às mulheres para a conciliação entre a esfera dos cuidados
intra-familiares e o trabalho remunerado. Finalizando a coletânea,
encontra-se o trabalho “Política social contemporânea: a família
como referência para as políticas sociais e para o trabalho social”,
em que é reafirmado o debate sobre a centralidade da família nas
políticas sociais. Trata especialmente da centralidade nas políticas
de assistência social e saúde, que têm reatualizado as demandas
de trabalho socioeducativo e de educação em saúde com grupos de
famílias. No escopo desse debate problematiza-se tal centralidade,
ao retratar a trajetória histórica, com ênfase na contemporaneidade,
do modo de abordar e trabalhar com famílias nessas políticas, além
de oferecer contribuições para repensá-las em bases críticas.
As Organizadoras
Prefácio
A feliz incumbência de prefaciar este livro sobre familismo,
direitos e cidadania, organizado por Regina Mioto, Marta Campos e
Cássia Carloto — e constituído de textos cujas autoras, incluindo as
organizadoras, são reconhecidas estudiosas do assunto —
propiciou-me duas gratas satisfações: ter, de alguma forma, meu
nome incluído nesta oportuna e necessária publicação; e merecer o
privilégio de conhecer, previamente, o seu conteúdo. Além disso,
como interessada que sou por tudo o que diga respeito às políticas
sociais, a temática nele trabalhada incitou-me a expressar pontos de
vista sobre a contraditória relação entre a transformação da família e
posturas governamentais, assumidas ou não.
Afinal, este é o eixo em torno do qual as discussões nesta obra
são travadas. Sua atualidade candente, associada a mudanças
estruturais e histórias, particularmente no âmbito dos costumes,
respondem pela contínua alteração do padrão familiar convencional
em todo o mundo. Hoje não é mais novidade o fato de a família
estável, de elevada fertilidade, constituída de pai, mãe e filhos do
mesmo casamento, e sustentada por um provedor masculino, ser
raridade. E essa tendência tem produzido significativas reviravoltas
no acervo factual, doutrinário e normativo, que garantia a
reprodução consensual do Estado Social pós-bélico.
Desde então, a transferência estatal de encargos de natureza
social ao núcleo familiar, a título de parceria no cuidado mais
humanizado de crianças e idosos, mas na verdade essenciais à
reprodução do sistema capitalista, tornou-se anacrônica; e não só
por causa do estiolamento do pleno emprego (masculino) dos anos
dourados da política social, entre os anos 1945-1975; mas pelas
alterações desencadeadas por novas forças produtivas que
requeriam outros pactos e justificações sociais, políticos e jurídicos.
Como bem diagnosticou Esping-Andersen,1 já na década de
1990, as ameaças que, desde o final dos anos 1970, pairavam
sobre o Estado Social do segundo pós-guerra, procediam de duas
potentes forças globais: a transição demográfica, responsável pelo
irreversível processo de envelhecimento, e a transformação da
família também em franca ascensão.
Tais ameaças consistiam não no que, em si, elas expressavam,
pois dependendo da análise poderiam significar avanços
civilizatórios. O temor que passaram a inspirar era de outra ordem.
Devia-se à constatação de que o modelo de regulação social
keynesiano, vigente nos referidos anos dourados, e que poderia
articular estabilidade econômica, democracia política e capitalismo,
para enfrentar tais eventos, dava claros sinais de esgotamento.
Com efeito, o sistema de proteção social conquistado por
movimentos democráticos desde o final do século XIX, e pautado,
após a Segunda Guerra Mundial, pelo estatuto da cidadania, tornou-
se incompatível com a nova ordem socioeconômica emergente, de
filiação liberal, que se implantava com vigor. Por isso, era preciso
desacreditar o Estado Social, por meio de uma retórica avessa aos
seus princípios e critérios eminentemente públicos.
Não à toa passaram a vigorar slogans e juízos devalor que, ao
mesmo tempo em que veiculavam a ideia de que não mais havia
alternativas ao neoliberalismo triunfante (veja-se a ampla difusão da
sigla “Tina” — there is no alternative), reduziam o social à mera
soma de indivíduos. Um exemplo marcante desse culto às
individualidades e ao mérito pessoal foi um emblemático discurso
proferido pela ex-primeira ministra inglesa Margareth Thatcher, no
qual pontuava que na Grã-Bretanha não havia sociedade, mas
apenas pessoas.
Essa mudança produziu efeitos disruptivos sobre o
protagonismo do Estado no processo de atenção pública às
demandas sociais, especialmente daquelas procedentes de
necessidades humanas coletivas. Com a dissolução do socialismo
real, que constituía, ao menos simbolicamente, uma meta
socialdemocrata a ser perseguida, esses efeitos destrutivos
ganharam cada vez mais legitimidade. Em função desse movimento,
novos atores institucionais privados recobraram notoriedade — não
que eles, no passado, tivessem ficado fora do circuito das ações do
Estado; mas sim que, agora, eles competiam com a liderança
estatal.
O primeiro ator privado a ser alçado à condição de protagonista
da vida econômica e social foi o livre mercado caracterizado por um
individualismo possessivo e pelo afã de privatizar o Estado, baratear
o trabalho e transformar bens e serviços sociais em mercadoria. Em
decorrência, uma cultura política que se consolidava em torno dos
direitos e da justiça sociais, inclusive no chamado Terceiro Mundo,
entrou em declive, dando vez ao domínio antissocial do sistema de
trocas mercantil, ao trabalho assalariado ou rentável, como produtor
de bem-estar, e das políticas econômicas monetaristas.
Sob a égide da privatização, laborização e monetarização,
outros atores privados, não mercantis, ressurgiram como substitutos
do Estado na provisão bens e serviços essenciais a indivíduos e
grupos, reduzindo-se, dessa forma, os gastos sociais públicos.
Dentre esses atores, destaca-se a família como fonte primaz de
reprodução humana e de solidariedades primárias no seu interior,
instituindo-se, com a sua participação, novos arranjos de ajudas
altruístas. Foi o caso do modelo misto ou pluralista de bem-estar
(welfare mix), iniciado na Europa, a partir dos anos 1980. Nesse
modelo, o Estado, o mercado e a família, além de outros setores
voluntários da sociedade, formariam uma cadeia de participações
não hierárquicas, equivalentes e corresponsáveis, para, com
recursos variados — específicos de cada um — enfrentar os “riscos”
gerados pela nova ordem socioeconômica mundial. E no rol desses
“riscos” figurava, com precedência, a própria transformação da
família, acompanhada do envelhecimento humano e populacional e
de outros eventos também considerados incompatíveis com a
linguagem da proteção social pública, na perspectiva da cidadania,
como as correntes migratórias. Ou seja, ironicamente, a família vem
sendo convocada para ajudar a amortecer os efeitos deletérios
produzidos por determinações estruturais e políticas, que têm como
prioridade o aumento da competitividade capitalista em escala
planetária.
Outro modelo recente, no qual a família ganhou centralidade,
como fonte privada de apoio social, na contramão da
responsabilidade pública, é o regido pelo chamado princípio da
subsidiaridade. Tal modelo baseia-se na prédica, de tom religioso,
que no fundo recomenda o amor ao próximo, principalmente ao
“mais próximo”, deixando os mais “distantes” (leia-se, o Estado)
como último recurso a ser acionado. Transportando essa retórica
pseudoeducativa/ altruística para o campo minado de interesses
opostos da política social, tem-se o prevalecimento da seguinte
estratégia protetora, que se situa à margem dos direitos devidos
pelo poder público: as pessoas necessitadas devem, em primeiro
lugar, recorrer a si mesmas, aos seus próprios recursos, ou como
sabiamente traduz um antigo dito popular: devem transformar suas
“tripas em coração” para continuar sobrevivendo. O segundo passo,
caso os indivíduos não possuam nenhum “ativo” de que possam
lançar mão para se autoajudar, deverá ser dado em direção à
família. É neste locus que carecimentos de ordem social se
individualizam e devem ser tratados como assuntos particulares.
Para enfrentá-los caberá à instituição familiar valer-se de uma
virtude que só ela possui — o dever moral da ajuda parental — a
qual deverá ser colocada a serviço de boas práticas voluntárias que
configuram externalidades econômicas, mas das quais o sistema
econômico dominante se beneficia. Contudo, na falta da família,
uma terceira instância privada a ser acessada por indivíduos
carentes repousa ainda no altruísmo associativo. Trata-se não só de
instituições filantrópicas, religiosas ou laicas, formalmente
constituídas, mas também de amigos e vizinhos; isto é, daquelas
estruturas de relações informais que se organizam e funcionam
movidas por sentimentos de fraternidade. Muitas delas, como as
redes de amizade, de companheirismo e de vizinhança, se
estabelecem espontaneamente, como forma de compensar a
ausência do Estado, as incompetências governamentais e a
inanição das políticas partidárias e dos representantes do povo; e se
caracterizam como estratégias de sobrevivência precárias de cuja
mutualidade todos os cooperantes podem se valer em situação de
desamparo. Donde se conclui que a eleição dos poderes públicos
como o último recurso a ser ativado, nada significa em termos
educativos ou de estímulo à autonomia individual. Pelo contrário, a
ausência do protagonismo estatal no processo de provisão social,
não apenas priva os cidadãos da fruição de direitos, que só o
Estado pode garantir, mas também sobrecarrega a família com
encargos que superam as suas possibilidades de bancá-los. Isso,
sem falar do incitamento à proliferação do assistencialismo, ou da
negação da assistência social como política pública, tal como
concebida na Constituição brasileira vigente, promulgada em 1988.
Essa tendência tem contribuído, sobremaneira, para o reforço
do familismo (ênfase na autoajuda familiar), onde ele já existia —
como no sul da Europa, América Latina, e particularmente no Brasil
— e para o enfraquecimento das experiências nacionais onde o
Estado constituía a principal fonte de proteção social, como na
Escandinávia. Até mesmo nesta região nórtica europeia, tida como a
mais socialdemocrata, a ingerência neoliberal tem limitado o escopo
e a intensidade protetora do Estado, fazendo com que indivíduos
necessitados, especialmente os estrangeiros, passem a contar com
o apoio de seus círculos informais privados. Em suma, tem-se, em
todo mundo, um afrouxamento da relação de mútua implicação
entre família, política social e direitos de cidadania.
Na realidade latino-americana e, especificamente, brasileira —
como demonstram as análises contidas neste livro além das
controvérsias sobre o conceito de família e sobre a definição de
atenções públicas mínimas aos seus membros mais fragilizados,
não existem sinais de que o Estado esteja se esforçando para
enfrentar as transformações familiares. Neste contexto geográfico-
cultural, enfatizam vários textos, não só se espera que as famílias
assumam a responsabilidade pelos cuidados pessoais em seu
próprio âmbito, mas também que se transformem em unidades
produtivas e em redes de proteção paralelas ao Estado. Impera o
que uma das autoras chama de “neofamilismo”, para nominar o
processo de refamilirização que se fortalece no rastro da
remercantilização das relações familiares com a sociedade. Tal fato
resgata e potencializa o assistencialismo, de conotação moralista,
cuja principal consequência é a institucionalização de desigualdades
sociais. Há, portanto, “um descaminho da lógica da cidadania”,
pondera uma das autoras. Há também, afirmam outras, ao se
referirem ao Brasil, flagrante descompasso entre os avanços sociais
formalmente previstos na Constituição da República vigente e os
atrasos ou retrocessos no respeito a esses avanços. E como era de
se esperar, os programas sociais, de caráter monetário,
condicionados a contrapartidase focalizados na pobreza extrema,
endereçados às famílias latino-americanas, têm impactos reduzidos,
quando não perversos. Isso porque, muitos não têm foro de direito,
ou não estão positivados como tal; e, por definição própria, são
instrumentos de alívio da pobreza — uma frase de efeito, importada
de países regidos pelo ideário neoliberal, como os Estados Unidos,
que no fundo expressa o desinteresse governamental em atacar o
problema pela raiz. Disso se conclui que a magnitude das ameaças
globais de que falava Esping-Andersen não está merecendo contra-
ataques politicamente empenhados, nem no Brasil e nem alhures.
É tendo em vista essa problemática, que avança tal qual um
cavaleiro do apocalipse, não somente contra as famílias
contemporâneas, mas contra a própria humanidade, que estudos
como estes são sempre necessários e benquistos.
Península Norte/ Brasília, 26 de novembro de 2013.
Potyara Amazoneida Pereira Pereira
Professora titular e emérita da Universidade de Brasília (UnB)
O casamento da política social com a
família: feliz ou infeliz?
___________________________ Marta Silva
Campos
1. INTRODUÇÃO
A associação entre Política Social e família é tema que ganha,
hoje, mais força, na medida em que é reclamada a participação
familiar ativa dentro do sistema de proteção social, com cobertura
institucional extremamente favorável.
Para problematizar e debater essa acolhida atual da família,
enquanto instância necessariamente vinculada ao desenvolvimento
da política social, fazemos aqui um recuo ao tempo da
implementação das primeiras estruturas de bem-estar social, que
podem dar os fundamentos que permitem compreender a posição
atual da família na Política Social, ao propiciar o reconhecimento de
que as formas atuais não são fenômeno totalmente novo.
Chamamos a atenção para o fato de que essas formas existem, na
verdade, desde a constituição dos primeiros esboços do que seria a
Política Social brasileira.
Para ligar as concepções de Política Social e Estado de Bem-
Estar Social, mostramos uma aproximação, tomando a ideia de
Beveridge (apud Marshall, 1967, p. 97), de vincular ambas mediante
a continuidade e a transformação, ao falar numa “revolução
britânica”, sob “um desenvolvimento natural do passado”, ou seja:
[…] fusão das medidas de política social num todo o qual, pela primeira vez,
adquiriu, em consequência, uma personalidade própria e um significado
que, até então, tinha sido apenas vislumbrado. Adotamos a expressão
“Estado do Bem-Estar Social” para denotar essa nova entidade composta de
elementos já conhecidos.
Tal explicação permite ver a Política Social na condição de um
estágio pouco desenvolvido, precursor do Welfare State vigente na
sociedade inglesa entre os fins do século XIX e começo do XX.1
Assumimos, assim, a atual posição da família na Política Social
não como uma novidade, ao contrário do que, em geral, vem sendo
enfatizado em sua análise atual, pelos que a caracterizam apenas
como consequência da política neoliberal, em ascensão a partir dos
anos 1990.
Por essa razão, tratamos detalhadamente da primeira
combinação entre família e Política Social, base para a segunda
configuração. Essa demonstração segue no tempo, mediante
comentários ligados a diferentes bases conceituais relativas à
família e seu uso no desenho e cotidiano das diversas políticas de
caráter social. Recomendamos basicamente que se proceda à
abertura da realidade das famílias, analisando não só suas
transformações morfológicas, mas o sentido real do processo das
profundas mudanças que a caracterizam.
Enfim, tomamos como fio condutor a alusão ao paradoxo que
se apresenta na vinculação entre família e direitos de cidadania
existentes no país. De um lado, a busca intensificada do
protagonismo — leia-se responsabilidade — da família no sistema
de proteção social. De outro, a promoção da proteção social,
tradicionalmente objeto da Política Social, com base na
concretização de direitos políticos, civis e sociais, via de regra,
especificados individualmente. Parece contraditória a
simultaneidade da atribuição do caráter universal do direito de
cidadania a tal política e da responsabilização ampla da família em
seu desenho e desenvolvimento.
Com foco na atual situação brasileira, recorremos à
consolidada bibliografia internacional e à já consistente crítica
interna existente no País acerca dos fundamentos relativos à busca
de estratégias alternativas a partir dos esforços familiares, dentro da
questão aqui analisada.
2. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
2.1 Um primeiro casamento
A primeira Política Social, com a qual a família casou-se, surgiu
como produto histórico do período compreendido entre fins do
século XIX e primeira metade do XX, constituindo proposta coletiva
para solucionar a contradição entre interesses e demandas próprias
do desenvolvimento acelerado do sistema capitalista em sua forma
na época.
Nesse contexto, diferentes forças sociais contribuíram para a
construção de tal proposta: os sindicatos; movimentos e partidos de
trabalhadores; industriais, em sua maioria; partidos políticos;
governos; classes médias; outras instâncias e organizações da
sociedade. Em jogo, as condições e garantias para a força de
trabalho, a possibilidade de implantação de um regime antitético ao
capitalismo, ou, simplesmente, a busca da distensão e de menores
conflitos. Já no contexto do século XX, uniu-se bem com a
reconstrução pós-guerra da Europa, além de servir à demonstração
e defesa do sistema capitalista em tempos de Guerra Fria.
Um conjunto bastante heterogêneo de forças sociais,
econômicas e políticas, da consciência das incertezas vigentes, no
final do século XIX, são testemunhos às diferentes fontes de
aspiração por mudanças na sociedade: a Rerum Novarum, carta
encíclica papal de 1891; as lutas sociais, comunista e socialista; ou
iniciativas de matriz liberal.
2.1.1 A estrutura de apoio
Esta primeira proposta, ainda no fim do século XIX, foi
institucionalizada pela criação do seguro social, destinado aos
trabalhadores titulares de contratos de trabalho formalizados.2
A vinculação original do Estado de Bem-Estar Social à
formação, manutenção e controle da força de trabalho, destinou-se
a prover uma base sólida para o funcionamento da economia e
sociedade como um todo: sua prontidão — indispensável numa
economia caracterizada por períodos alternados de crescimento e
expansão produtiva —, ou depressão. Política de natureza
contributiva, com aportes de patrões e trabalhadores, que tem o
Estado como fiador político e suporte financeiro da gestão da
institucionalidade necessária, destinada à proteção contra eventuais
necessidades futuras relacionadas aos principais riscos sociais:
desemprego, morte, doença, envelhecimento e/ou invalidez e
origem do que se denomina previdência social, expandida pela
maioria dos países que construíram estruturas de bem-estar social
significativamente abrangentes.
Também no caso do Brasil, é consensual a aceitação dessa
forma como marco inicial de uma intervenção estatal mais
consistente, em termos de política social, na década de 1930,
momento de expansão industrial na economia nacional (Paula,
1992).
Do ponto de vista que interessa aqui, deve-se lembrar que o
funcionamento desse sistema de transferências sociais de caráter
financeiro, ocorre, como demonstrado, dentro do sistema
previdenciário, com base no princípio de trocas intergeracionais na
sociedade em geral.
Assim, oferece um lugar importante às famílias, quando
examinadas em seu interior: enquanto os adultos trabalham,
mantêm os mais novos e contribuem com parte de seus salários
para gerar um fundo de recursos de caráter público, que provê
aposentadorias e pensões para a geração anterior.
2.1.2 As dificuldades
Esta rememoração torna presente o fato de que é pelo ângulo
antes mencionado, com referência ao sistema de proteção social,
que se delineia em grande parte seu papel criador de
desigualdades, no tocante aos resultados da própria Política Social
vigente. Fato, de certa forma, surpreendente, pois,dado seu
estatuto de modelo redistributivista de recursos da sociedade,
deveria ser considerado predominantemente agente de diminuição
das desigualdades.
Para analisar os prós e contras dessa forma inicial de
associação entre a família e tal política social, impõe-se trilhar um
caminho teórico específico, abrindo a política previdenciária em sua
ponta, verificando como chega ao conjunto das pessoas
beneficiadas.
Com efeito, a organização do sistema previdenciário brasileiro
— como em qualquer parte centrado na ótica da proteção e controle
da força de trabalho — opera privilégios de várias formas. Em
primeiro lugar, ao favorecer basicamente o acesso dos
trabalhadores legalmente contratados, em detrimento dos atuantes
na informalidade. Desta maneira, são deixados de lado, por
exemplo, no Brasil, os trabalhadores rurais — uma massa
respeitável de pessoas —; também os autônomos, os empregados
domésticos, categorias que só vieram a contar com os benefícios
previdenciários de aposentadorias e pensões, por força da
Constituição de 1988.
Além disso, sua montagem se fez de forma incremental,
seletiva e negociada, de acordo com o peso das diferentes
categorias profissionais, em termos econômicos e políticos. Ao criar
inicialmente institutos de previdência social específicos para cada
uma delas, propiciou benefícios mais amplos para as categorias
contempladas com maiores salários, já que a contribuição de todos
ao sistema de seguro é proporcional a esses rendimentos. A
proporcionalidade da contribuição denuncia o caráter não
distributivo entre os diferentes níveis salariais.
A falta de isonomia espelha-se ainda na concessão de
aposentadorias de valor integral, iguais às dos vencimentos na
ativa, para funcionários públicos, contrastando com o seu
rebaixamento no caso dos empregados do setor privado. Trata
algumas categorias como especiais, para efeito dos benefícios,
estabelecendo gritantes diferenciais quanto às exigências de tempo
de contribuição ao sistema, caso da aposentadoria de
parlamentares e da pensão vitalícia a filhas solteiras de militares.3
Todas essas diferenças de tratamento certamente influem no
grau de proteção social às famílias, que são diferentemente situadas
em função dos recursos obtidos por meio do trabalho.
Mediante esses processos, portanto, tratando-se da
previdência social — estrutura tradicional de todo o sistema de
proteção social brasileiro — cujo desenho é orientado para
estabelecer um benefício de abrangência familiar calculado pelos
diferentes níveis salariais, são produzidas discriminações, pela
segunda vez, mediante o próprio sistema de proteção social.
E, ainda, aqueles que, no sistema previdenciário, são
considerados os titulares de direito, a quem são transferidos os
benefícios correspondentes, coincidiram majoritariamente com os
trabalhadores homens, dada a relativamente mais baixa inserção de
mulheres no mercado de trabalho, durante um longo período da vida
nacional quanto a seu sistema de proteção social.
Assim, observa-se que, nesse sistema, concretiza-se um
padrão de transferência dos benefícios para aquele que detém o
status de trabalhador, em geral, o homem “chefe de família”, e só de
forma derivada abrangendo a mulher e os filhos. Lewis (1997)
assevera que o seguro social, considerado um benefício de
“primeira classe”, é dirigido majoritariamente aos homens, enquanto
para as mulheres sobram os da assistência social, ou de “segunda
classe”. Como consequência, registram-se prejuízos para o acesso
das mulheres à proteção social vigente, conforme já mencionado,
especialmente devido à sua posição (em geral menos favorecida) no
mercado de trabalho e/ou quando o vínculo conjugal se torna
instável (Gornic, 1997, apud Esping-Andersen, 1999).
Para demonstrar a existência de implícita política de gênero —
e, conjuntamente, de organização familiar — na construção do
próprio Welfare State, o importante, na afirmação desses autores, é
o fato de registrá-las como dotadas de amplo alcance para a
estabilidade e o desenvolvimento social, em termos políticos, de
construção nacional.
Isto se explica perfeitamente, dentro do modelo normatizado e
naturalizado da família nuclear conjugal, que se apoia no “homem
provedor”, do qual a mulher é “dependente” (termo clássico) para
seu sustento, bem como os filhos da união. Nessa situação, ao
homem, considerado pelo seu status de trabalhador, correspondia o
papel de “chefe de família”.
Para o caso da Inglaterra, cujos primórdios, em termos de
proteção social, apresentam boas condições de acompanhamento,
pela existência de referências históricas amplas, há cabal definição
da “funcionalidade”, em termos de Estado, dessa base familiar
específica, presente no desenvolvimento inicial do padrão de
intervenção social estatal. Traz claramente uma explícita política de
gênero citada pelo próprio Beveridge (1942, apud Esping-Andersen,
1999), em seu Relatório:
[…] a grande maioria das mulheres casadas deve ser vista como ocupada
com um trabalho que é vital, embora não pago, sem o qual seus maridos
não poderiam fazer seu trabalho pago, e sem o qual a nação não poderia
continuar (tradução nossa).
2.1.3 A convivência
Glennerster (2007, p. 35) mostra a preocupação de Beveridge
com o sistema de seguro social inglês, quando este afirma muito
claramente seu pensamento relativo à família como “uma unidade
social básica, como o lar do homem, da esposa e das crianças
mantidas pelos rendimentos unicamente do primeiro”. Daí a
importância que atribui a uma razoável segurança do emprego para
o homem provedor. Enfatiza que, ao ter de lidar com grandes
mudanças em suas próprias concepções acerca do papel das
mulheres, esse defensor máximo de uma Seguridade Social ampla
se vê diante de “uma infeliz justaposição de sua visão das mulheres
como iguais e de seu papel dentro dos arranjos domésticos que
sabotavam e excluíam tal status” (op. cit. p. 35).
São disso evidência suas afirmações, em 1945:
[…] no casamento, uma mulher adquire um direito legal de ser sustentada
por seu marido, como uma primeira linha de defesa contra os riscos que
recaem diretamente sobre a mulher sozinha. Ou: É verdade que a maioria
das mulheres casadas não desejará sair para trabalhar porque elas terão
muito trabalho para fazer como donas de casa e mães. Mas numa
sociedade livre é preciso deixar à própria mulher e a seu marido a decisão
sobre isso.4
Em suas percepções, mostrando-se incomodado com a
contraditoriedade entre os princípios supostamente envolvidos
nesse tipo de associação entre família e política social, ele vem ao
encontro da reflexão aqui feita: a indesejabilidade dessa “infeliz
justaposição”, quer dizer, dessa dupla empresa de procurar
promover igualdade, e acrescentam-se, também, direitos de
cidadania, a partir de uma estrutura familiar, tendente à consagração
de sua hierarquia interna, em que pese certa plasticidade.
Observe-se que, nestes comentários sobre a família, o autor
tem como fundo bem visível sua decisão estratégica pelo seguro
social no sistema de bem-estar social inglês. Glennerster (2007)
comenta a contradição quanto à aspiração ao universalismo como
princípio do Welfare State, que ele expressou no Relatório, motivada
por seu “profundo desejo de incluir tudo e todos e sua escolha
metodológica: o seguro contributivo através do emprego”.5
Uma das consequências importantes dessa decisão, orientada
para o destaque do seguro social como instrumento da Política
Social, é costumeiramente o estabelecimento de uma superioridade
de gastos com transferências financeiras sobre os relativos à oferta
de serviços sociais enquanto instrumentos de políticas. A
organização de uma rede de serviços sociais que esteja realmente
disponível, como vias para a educação e criação das crianças e
para os cuidados gerais aos membros dependentes, fica nesse caso
bastante relegada dentro dos restritos orçamentos públicos.
Muito claramente, para a vida familiar, a disponibilidade dos
serviços é fundamental. Como expressam Campos e Reis (2009):
“Os serviços conferem materialidadeàs políticas sociais e, por
conseguinte, garantem direitos sociais”. Acrescentemos: conferem
materialidade de potencial mais satisfatório, mais refinado e seguro,
que as transferências financeiras.
E com Mioto (2010, p. 5):
[…] os serviços atuam como ponto de convergência e mediação de ações
vinculadas à proteção social e exercem papel fundamental no
desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social, além do
enfrentamento aos riscos circunstanciais.
Desvendando a partir do interior da família, configura-se mais
uma vez a situação desfavorecida da mulher-mãe (em geral, com
consequências indesejáveis para todo o grupo familiar) quanto à
divisão de recursos indispensáveis para esse cuidado, que cabe a
ela prover ou providenciar, dada a forte expectativa do cumprimento
de sua responsabilidade familiar de cuidadora. Reforça-se a
desigualdade do tratamento de gênero interno à família,
influenciando nela a própria vida no tocante à reprodução social.
Ao mesmo tempo, estimula-se a hierarquização entre o casal,
por meio dessa própria estruturação. A crítica teórica feminista
(Lewis, 1997; Pateman, 1989; Orloff, 1999) ressalta que, na
verdade, o que substancialmente opera na consolidação de tal
modelo de proteção social assim construído é o trabalho não pago
da mulher.
Fica bastante evidente, a partir dessa inclusão teórica da
questão de gênero, a relação do sistema de proteção social com o
mercado de trabalho e o próprio desenvolvimento econômico: à
mulher é reservado um papel subsidiário; seu regime e ritmo de
trabalho estão na dependência rigorosa das estratégias familiares e
das conveniências do sistema produtivo, de forma bem menos
vantajosa do que a do homem.
A ótica do feminismo intelectual alerta para a necessária
análise do tipo de relações que deverá sustentar a convivência a
que a família foi conduzida após esse casamento.
Pateman (2006) não hesita em denominar como The
Patriarchal Welfare State6 a seu texto emblemático do ponto de vista
dessa crítica, publicado em 1989.
Nele ressalta muitos modos — eficazes e dissimulados — de
impedir a igualdade de direitos da mulher que convive com um
homem provedor na família e demonstra alguns deles.
Partindo da ideia de que o modelo supõe a dependência
financeira da mulher em relação ao cônjuge (já que a formação para
o trabalho e a posição possível no mercado, além da força modelar
em termos culturais, não favorecem decisivamente sua
independência mediante inserção produtiva), a autora alerta para a
expectativa aí incluída de que o homem seja “benevolente”, quer
dizer, esteja disposto a compartilhar seu ganho individual de forma a
garantir um padrão de vida igualitário. Afirma que isso nem sempre
acontece, e conta que num único estudo que conseguiu localizar, de
William Thompson, foi constatado o erro de se esperar sempre esse
comportamento masculino, num longo período histórico7 (Pateman,
op. cit., p. 137; tradução nossa).
2.2 Um segundo casamento
Embora os efeitos do chamado segundo casamento não sejam
completamente distintos do primeiro, quanto a sua influência sobre a
desigualdade social e a cidadania, como veremos, é preciso analisar
como vem sendo instalada outra associação entre uma nova política
social e uma nova família.
Em ambas há muitas diferenças devidas à passagem do
tempo: a primeira desliza para o combate à pobreza e à miséria,
sustentada em grande parte pela expansão dos mundialmente
adotados programas de transferência direta de renda às famílias,
como ação dos governos. Relativamente pouco dessa transferência
está afeta ao sistema previdenciário — objeto de duas reformas
tendentes a limitar gastos, — em 1998 e 2003, configurando-se
como Assistência Social, portanto, Política Social não contributiva.
A família, por sua vez, vislumbrada nos chamados diferentes
“arranjos familiares”, distanciou-se ainda mais do antigo modelo
plasmado na modernidade e reforçado pela política social
contemporânea.
Ao passar a receber benefícios da assistência social, em
muitos casos constando da mulher sozinha,8 a família passou a ser
condicionada, e ainda mais responsabilizada, leia-se cobrada, por
certas obrigações definidas administrativamente em torno da
educação e saúde dos filhos, sob pena de perder o subsídio.
No Brasil, se considerados os níveis de remuneração do
trabalho e dos benefícios, vem sendo evidenciado o aumento dos
problemas de sobrevivência, especialmente no caso da mulher
única responsável por sua própria manutenção e a dos filhos.
O assunto foi bastante estudado no Brasil, tomando como base
a situação das famílias denominadas “monoparentais”, e
consubstanciado teoricamente no tema da “feminilização da
pobreza”.
Como já sugerido, a mulher enfrenta um caminho difícil, tanto
na ausência de um companheiro na convivência conjugal, como na
saída dessa união — principalmente se não reconhecida legalmente
— pela falta de cobertura da proteção pessoal para si e para os
filhos. Devido às suas demandas incontornáveis, e à sujeição
inevitável a trabalhos mal pagos, torna-se, em geral, diretamente
dependente do Estado, mediante subsídios assistenciais.
Complementarmente à denúncia de que o tema da distribuição
de renda dentro da unidade doméstica é em geral descuidado,9
Pateman (op. cit., p. 137; tradução nossa) registra o fato de a
mulher ter em geral sua situação piorada com a separação.10 No
Brasil, dados oficiais nacionais registram, nas últimas décadas,
evolução nesse sentido.
Apresentando esses e vários outros consistentes argumentos,
a autora afirma apropriadamente que “a cidadania das mulheres é
cheia de contradições e paradoxos” e que a negação de uma
cidadania completa inclui mesmo “o objetivo de mantê-las fora da
força de trabalho paga”.
Essas observações articulam-se no Brasil, de modo a afirmar a
configuração de uma nova situação estrutural, com referência ao
seu sistema de proteção social.
Apresenta-se, dentro dele, uma situação diferente, para a
família, ligada a maior esgarçamento da solidariedade familiar
intergeracional.
Dentro de uma tendência mundial, medidas que atingem
profundamente o sistema vigente de pensões e aposentadorias são
adotadas no Brasil, respaldadas na aprovação da Emenda
Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, e posteriormente
em nova legislação.
Com base em princípios de contenção de gastos, considerados
como agravantes do déficit do sistema previdenciário, e na garantia
de um sistema caracterizado como um mix público-privado, conduz-
se para a adesão a um sistema claro de dois “pilares”
previdenciários, um básico, estatal, e outro privado, mediante
operação de fundos fechados ou abertos de seguros, dentro de um
teto financeiro de aposentadoria bastante restrito — dez salários-
mínimos — para os trabalhadores de empresas privadas (com a
possibilidade de sua extensão para os funcionários públicos).
Utilizando-se do instituto da previdência complementar, já
existente no sistema brasileiro, suas medidas centrais se dirigem ao
retardamento da aposentadoria, ao estabelecer uma idade mínima
— 60 anos para homens e 55 para mulheres —, funcionando de
forma vinculada ao tempo de contribuição (35 anos para homens e
30 para mulheres) já vigente (exceto para professores
universitários), com o fim da aposentadoria concedida simplesmente
por tempo de serviço.
Também favorecem a redução substancial do montante do
“salário-benefício” a ser pago no caso das aposentadorias por idade
e por tempo de contribuição, com a introdução do “fator
previdenciário”, um corretor mais próximo de critérios atuariais para
o cálculo e construído a partir da diferente ponderação, no momento
da aposentadoria, do tempo de contribuição, da idade e expectativa
de vida.
Para a adequada compreensão do tipo de alcance que pode
ser esperado dessa mudança, é bom prestar atenção ao
posicionamento das forças que se alinham genericamente a uma
perspectiva neoliberal. No caso das organizações patronais, é
significativo o posicionamento da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp), de importâncianacional, favorável à
abolição da seguridade social como um conjunto, inclusive
orçamentário, propondo a previdência social contributiva com
caráter de seguro e uma Rede de Proteção Social ao Trabalhador,
composta pela Política de Assistência Social e de Saúde,
financiadas com recursos fiscais.
Baseia-se na mínima interferência governamental e abolição
das contribuições patronais, com a operação do sistema individual e
de capitalização para os que desejem benefícios acima dos limites
da previdência pública. O seguro de acidentes de trabalho seria
inclusive de natureza privada, a partir de contribuições compulsórias
dos trabalhadores.
Sem pretensão de tratar também da conformação do sistema
previdenciário brasileiro em geral, alguns aspectos específicos
devem ser lembrados para esta argumentação: a vinculação da
idade mínima para aposentadoria ao tempo de contribuição dilatou a
exigência de vida laborativa para aqueles que começaram a
trabalhar em idades mais baixas, presumivelmente os pertencentes
às camadas de menor renda; o cotejamento da idade mínima com a
expectativa média de vida dos brasileiros leva à previsão de pouco
tempo de sobrevivência para os aposentados; algumas mudanças
dos termos para recebimento do benefício causaram danos,
especialmente para aqueles que estavam prestes a gozá-lo.
Nesse sentido, num contexto de divergências profundas entre
interesses expressos e propostas conflitantes — com vitórias e
derrotas eleitorais e batalhas públicas, que produziram intensa luta,
com perdas e ganhos entre segmentos da população —, temos de
considerar que as normas previstas para a passagem gradual do
velho ao novo foram bastante rápidas, comparativamente, por
exemplo, ao caso italiano, no governo Dini.
Do ponto de vista da relação entre família e política social, essa
nova situação significa a deterioração da solidariedade
intergeracional à qual nos referimos ao tratar do primeiro
casamento.
A entrada do chamado “segundo pilar” da Previdência Social —
a previdência privada —, ao admitir a impossibilidade da estatal
fazer face à cobertura de riscos, desmonta a relação de interajuda
entre as gerações da família: os que trabalham hoje e mantêm as
aposentadorias e pensões dos que já deixaram o mercado de
trabalho e ao mesmo tempo cuidam de si e de seus filhos.
Torna-se difícil, devido à insegurança do modelo, servir àqueles
que devem manter-se e cuidar do seu futuro com proteção
financeira privada, dada a insegurança de seu rendimento a longo
prazo.
A estrutura familiar “securitária” não é mais garantia adequada
à permanência do grupo, dando origem a uma situação pior, do
ponto de vista da relação entre esse casamento, com a família
agora constituída, em relação à primeira união.
Deduz-se, assim, que a cada configuração de Política Social
corresponde uma dada família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão aqui feita reforça a importância da abertura da
família-domicílio em sua diversidade interna, para vê-la como um
grupo, dotado de estrutura própria, que inclui diferenciados
sentimentos, relações e posições, com seus consequentes poderes
e suas hierarquias.
Muitas transferências materiais e imateriais de monta ocorrem
dentro dela.
Trata-se seguramente de uma unidade distribuidora interna de
renda, o que se nota e se usa nos atuais programas de
transferência condicionada de renda.
Compreendê-la supõe evitar a indiferenciação de sua realidade
interna, o que provocaria desrespeito a um detalhamento mais
empenhado de sua realidade e sobre como tratá-la.11
A propósito, alguns critérios devem ser recuperados na
continuidade da compreensão dessa intimidade familiar e das
normas da família brasileira. Cabe lembrar que a posição de chefe
de família foi objeto de legislação estrita (hoje extinta) concedendo-
se, pelo Código Civil, ao homem, entre outras coisas, o direito de
fixar a residência do casal, sob pena, para a mulher, de caracterizar
“abandono de lar”, se desobedecido. Também o seu direito de
administrar os bens do casal e, para não deixar dúvidas: “o direito
de decidir, em caso de divergência”, conforme a letra da lei anterior
(apud Campos, 2010).
Dada essa forte configuração do papel proeminente do antigo
homem-chefe-de-família, convém não se afastar desse modelo
mediante o elogio à fortaleza da mulher como chefe da família,
respondo às avessas a hierarquização dos cônjuges dentro da
estrutura familiar. Ou seja, marcar antieticamente mudanças
“profundas” na organização familiar, abandonar a possibilidade de
estabelecer relações horizontais entre os cônjuges. Pior, refundar a
desigualdade interna de gêneros, depois de séculos de avanços
contrários, mas ainda desafiados.
Desse ponto de vista, parece bastante equivocado (além de
ilegal) insistir na recuperação de uma hierarquia familiar, ao
empenhar-se na afirmação da “Chefia Feminina” (Campos, 2010).
Tendência cujo inconveniente reside tanto no prejuízo à convivência
entre os cônjuges, e deles com os filhos e outros membros, como no
reforço a uma situação de pauperização da família, que
comprovadamente ocorre quando a mulher está só com seus filhos
no domicílio.
Estudo da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea, 2010, p. 21) confirma essa situação, ao examinar dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2009),
referentes ao caso dos “arranjos formados por mães com filhos, sem
a presença do cônjuge” dentro do “fenômeno das famílias chefiadas
por mulheres”. Observa que, nesse caso, a mulher é considerada
responsável pela família por ser a única adulta presente, com o
encargo do sustento de todos, nessa forma familiar.
Entretanto, admite que “não se pode considerar como
vantagem12 tanto o fato de mais mulheres serem consideradas
responsáveis por suas famílias, com a ausência do cônjuge,
especialmente no caso de haver crianças menores a serem
sustentadas. Isso faz com que a renda familiar seja, por vezes,
insuficiente e coloca essas mulheres em situação de maior
fragilidade”, visto que “[…] o arranjo parece estar mais relacionado a
uma situação de maior dificuldade” (op. cit., p. 21).13
Neste sentido, é preciso lembrar que o modelo nuclear conjugal
de família, que Parsons definiu, partindo dos Estados Unidos, nos
anos 1950, era coerente com a prosperidade econômica promovida
pelo fordismo da época, gerando salários altos, suficientes para que
o homem-pai fosse o provedor da família. Estendeu-se ao grosso
dos países do Ocidente, mas não vem funcionando em termos das
próprias funções que lhe são atribuídas. No Brasil, isso ocorre
desde o registro do desaparecimento do “homem provedor”, na
década de 1980, conforme constatado por Araújo e Scalon (2005). A
mulher teve de sair de casa e trabalhar, para “ajudar o marido”, dado
o nível salarial insuficiente do homem.
Retoricamente, enfim, a importância desse modelo parece ter
continuado, penalizando a compreensão da situação das mulheres
sós na família.
O reforço à financeirização da Política Social, tão ao gosto da
perspectiva liberal, ao jogar dinheiro rapidamente no mercado,
mediante uma política social de benefícios, extensiva a vasto setor
da população, estimula o consumo espontâneo. Embora, com isso,
cumpra um papel importante para os beneficiários atuais, ressente-
se da inexistência simultânea de estratégias políticas de curto,
médio e longo prazos para o problema da distribuição de renda e do
patrimônio, tão desiguais no País, devido aos seus determinantes
estruturais.
Em termos do empenho dessa nova união da política social
com a família — obrigatória, pela adesão em grau mais estreito a
um novo patamar de exigência —, é necessário incluir, além de
subsídios financeiros e programas, serviços adequados e medidas
relativas às condições do trabalho feminino no país.
Na atual Política Social, no tocante às mulheres, aspectos
indispensáveis, como seu trabalho, sua formação, igualdade
salarial, empregos, não constituem ainda os focos principais, de
efeito prolongado, na direção real de promover sua autonomia em
relação a certos entraves auma emancipação humana.
Do ponto de vista teórico, pode-se reconhecer a importância da
variação das estruturas de proteção social, de seu caráter mais ou
menos amplo em termos de cobertura das necessidades e
demandas da população, para o desenvolvimento da concepção de
cidadania na sociedade. O alerta é para sua positividade,
principalmente para essa população, que dela passou a se servir em
suas lutas por mais direitos e difusão por um circuito mundial.
Vale dizer que medidas foram implantadas em países diversos,
alguns em que só remotamente havia a possibilidade de existir um
novo estatuto nas relações Estado-sociedade, no sentido da
democratização, pois muitos estavam mergulhados em ditaduras há
séculos.
Para o Brasil, também base para a redemocratização e
ampliação da consciência das necessidades e demandas
imperativas, houve impulso à legislação social.
Em decorrência, a abertura para a responsabilização dos
governos e das sociedades por respostas de enfrentamento dos
riscos, principalmente os tradicionais: doença, morte,
envelhecimento, incapacidades, além do desemprego; expansão da
atenção à saúde e extensão da educação. Mesmo diante de todas
as insuficiências que ainda encontramos, é certo.
Por outro lado, também à custa de muita desigualdade histórica
deixada intacta, à margem da sociedade, para além do que foi
claramente discorrido neste trabalho.
A fim de contrapor-se à reafirmação dessas injustiças, em
muitas situações sistemicamente repetidas dentro dos padrões
institucionais do exercício profissional, é imprescindível, ao trabalhar
com a família, em qualquer de seus casamentos com a política
social, atribuir profunda importância às matrizes políticas e
econômicas em que ela se desenvolve; aos programas, que delas
coerentemente descendem; e à ação direta com os membros das
famílias, em sua condição de pessoas, trabalhadores e cidadãos,
para lembrar o mínimo.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, M. S. Reforma do sistema previdenciário brasileiro: condições e
alternativas de mudança. COLÓQUIO INTERNACIONAL — “O MODELO LATINO
DE PROTECÇÃO SOCIAL” REFLEXÕES SOBRE O ESTADO PROVIDÊNCIA EM
PORTUGAL, ESPANHA E BRASIL. Anais…, Lisboa, ISEG, set. 2001, Ed. CD-
ROM, socius@iseg.ul.pt.
______; REIS, D. S. Metodologias do trabalho social no Cras. In: CRAS:
MARCOS LEGAIS. Capacita Cras, São Paulo, Secretaria Estadual de Assistência
e Desenvolvimento Social/Fundação Vanzolini, v. 1, p. 41-70, 2009.
CAMPOS, M. S.; MIOTO, R. C. T. Política de assistência social e a posição da
família na política social brasileira. Ser Social, revista do Programa de Pós-
graduação em Política Social, UnB, Brasília, n. 12, p. 165-190, jan./ jun. 2003.
mailto:socius@iseg.ul.pt
______. Para que serve pensar a existência de uma “chefia feminina” na família
atual? In: MARTINO, M. (Comp.). Infancia, familia y género: multiples
problemáticas, multiples abordajes. Montevideo: Ediciones Cruz del Sur, 2010.
ESPING-ANDERSEN, G. Social foundations of post industrial economies. New
York: Oxford University Press, 1999.
FONSECA, A. M. M. Painel: Que família é essa?: a família é sempre um tema
fascinante. In: WANDERLEY, M. B.; OLIVEIRA, I. de M. C. e (Orgs.). Trabalho
com Famílias. São Paulo: IEE, PUC-SP, 2004. (Textos de Apoio, v. 2.)
GLENNERSTER, Howard. British Social Policy: 1945 to the Present. 3. ed.
USA/UK: Blackwell Publishing, 2007.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). PNAD 2009 —
Primeiras análises: Investigando a chefia feminina de família. Comunicados do
Ipea, Brasília, n. 65, nov. 2010.
LEWIS, S. “Family Friendly” employment policies: a route to changing
organizational culture or playing about at the margins? Gender, Work and
Organization, v. 4, n. 1, p. 3-23, 1997.
MARSHALL, T. H. Política social. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MIOTO, R. C. T. Família e política social: uma introdução ao debate sobre os
processos de responsabilização das famílias no contexto dos serviços públicos.
In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO
SOCIAL/ENPESS, 12., 2010.
OLIVEIRA, Z. C. A provisão da família: redefinição ou manutenção dos papéis. In:
ARAÚJO, C.; SCALON, C. Gênero, família e trabalho no Brasil. Rio de Janeiro:
FGV, 2005. p. 123-147.
ORLOFF, A. S. Frommaternalism to “employment for all”: state policies to promote
women´s employment across the affluent democracies. In: LEVY, J. (Ed.). The
State after Statism. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 230-68.
PATEMAN, C. The Patriarchal Welfare State. In: PIERSON, C.; CASTLES, Francis
G. (Eds.). The Welfare State reader. London: s/ed., 2006.
PAULA, L. F. R. de. Estado e políticas sociais no Brasil. Rev. de Administração
Pública, Rio de Janeiro, FGV, n. 4, 1992.
PEREIRA, P. A. P. Mudanças estruturais, política social e papel da família: crítica
ao pluralismo de bem-estar. In: SALES, M. A.; MATOS, M. C.; LEAL, M. C.
(Orgs.). Política social, família e juventude. São Paulo/Rio de Janeiro: Cortez/Ed.
da UERJ, 2004.
Políticas Sociais, família e proteção
social: um estudo acerca das políticas
familiares em diferentes cidades/países
____________________________ Marlene Bueno
Zola
1. INTRODUÇÃO
As sociedades humanas, no decorrer da história, criaram
formas de proteger seus membros para a produção e reprodução da
espécie. Nas sociedades modernas, a proteção social dos
indivíduos, e da sociedade como um todo, ocorre pela combinação
das funções da família, do trabalho e do Estado, que exercem, entre
si, poderes e produzem efeitos, conforme a dinâmica e as forças
sociais.
As transformações familiares, inseparáveis do massivo
ingresso da mulher no mundo do trabalho e da democratização das
relações sociais, vêm alterando a composição familiar e sua
dinâmica interna, impactando na tão naturalizada capacidade de
proteção social. A interdependência do trabalho e a organização
familiar podem ser bem observadas pela dificuldade da família, em
especial da mulher, em conciliar as atividades familiares com o
trabalho remunerado e manter a base relacional em equilíbrio. Esse
descompasso coloca em evidência, além das desigualdades entre
os gêneros, o forte comprometimento com a produção e reprodução
social, demandando mudanças culturais e a regulação do Estado
para apoiar a proteção social de indivíduos e sociedade.
O objeto de estudo fundamenta-se em reconhecer as inter-
relações e tensões existentes entre a família e o Estado para o
desempenho da proteção social. A abordagem metodológica baseia-
se nos procedimentos bibliográfico, documental e na pesquisa
aplicada. Tem por base analítica literaturas e legislação, brasileira e
internacional, e também dados obtidos de fonte primária, a partir de
um estudo de cooperação internacional realizado entre
cidades/países europeus e latino-americanos sobre as políticas
sociais voltadas ao apoio familiar. Definidas como os conteúdos
concretos da decisão política, foram identificadas a partir de
legislação específica, quando da inserção do tema na agenda
política, e também no momento de sua operacionalização, por meio
de programas, projetos, serviços e benefícios desenvolvidos pelas
cidades/países pesquisados.
O texto é organizado em três eixos. No primeiro, apresenta o
debate teórico sobre proteção social e as inter-relações da família e
políticas públicas, para sua consecução, com diferentes acepções,
que expressam a recursiva presença da família nas expectativas
públicas, em diferentes períodos históricos. O segundo contém
estudos e políticas sociais, implícitas e explícitas, de apoio familiar
desenvolvidas na atualidade, em âmbito internacional. São
classificadas três linhas de convergência das ações públicas em
articulação com a família: apoio para os cuidados de seus membros;
combate à pobreza; e conciliação de trabalho e família. O terceiro
coloca em questão os cuidados familiares na contemporaneidade e
a difícil igualdade de gênero.
Com essa análise, pretende-se contribuir para o
aprofundamento da discussão em torno das políticas sociais e da
família. Destacam-se as transformações sociais, suas tensões e a
necessidadede aprimorar a efetividade das políticas sociais. A
interdependência do trabalho e a organização familiar doméstica, na
atualidade, de intrincada conciliação para proteger os membros
familiares e de difícil igualdade entre os gêneros masculino e
feminino, evidenciam o comprometimento com a produção e
reprodução social, em especial de famílias pobres.
Distingue o avanço dos estudos e a implementação de políticas
de proteção social na atualidade brasileira. Reconhece, todavia, que
as políticas sociais fortalecem, em seu desenho, a concepção
tradicional de família, que atribui à mulher a função de provedora de
cuidados dos membros familiares. Essas políticas atuam para
reduzir a pobreza e têm como prioridade a criança e o adolescente,
mas são insuficientes e incapazes de intervir nas disparidades das
relações de gênero.
2. PROTEÇÃO SOCIAL E INTER-RELAÇÕES DA FAMÍLIA NAS
POLÍTICAS SOCIAIS
A pesquisa sobre o tema família e suas relações com as
políticas sociais para desenvolver a proteção social recebeu impulso
nas literaturas brasileira e internacional, no decorrer da década de
1980. O debate teórico é apresentado em três eixos: a proteção
social desenvolvida pela família em diferentes períodos históricos; a
proteção social expressa por intermédio das políticas públicas; e
suas interligações, quando passa a ter centralidade nas políticas
públicas sociais, em âmbito mundial.
2.1 Família e proteção social: transformações e impacto na
capacidade de proteção de seus membros
A família, histórica e naturalmente, tem se colocado como um
dos eixos de proteção social existentes na sociedade. Ao longo do
tempo, tem sido a forma básica de organização social para a
sobrevivência, produção e reprodução da espécie humana,
compartilhando as funções de cuidados de seus membros, com
dimensões sociais, econômicas e afetivas (Parsons, 1980; Nazzari,
2001; Giddens, 2003; Campos e Mioto, 2003; Singly, 2007;
Venâncio, 2008).
O estudo de Muriel Nazzari (2001) identifica a organização
social, em São Paulo, no período compreendido de 1600 a 1900, e,
focalizado nas famílias que tinham posses, fundamenta as relações
econômicas, de propriedade e de poder existentes, organizadas a
partir dos clãs familiares ou famílias extensas. A estrutura social e a
familiar se confundiam e se fortaleciam, de acordo com sua
representação, na quantidade de parentes, índios e escravos
africanos. Essa forma de organização social e o desempenho de
funções socioeconômicas próprias das famílias patriarcais extensas
garantiam a proteção social e dispensavam a intervenção do
Estado.
A proteção social realizada no meio rural, pela sociabilidade de
famílias extensas ou da comunidade, no período colonial, pode ser
observada também em artigo intitulado Maternidade negada, de
Renato Venâncio (2008). Ao discorrer sobre os efeitos do processo
de urbanização, em contraposição à vida nas áreas rurais, o autor
destaca a sociabilidade das comunidades em acolher crianças, seja
como agregado ou filho de criação, reduzindo os desequilíbrios
sociais, tão acentuados nas cidades.
A revolução industrial e o consequente crescimento da
urbanização promoveram o declínio das famílias extensas
empregadoras e provocou a nuclearização das famílias, de forma
ampla, com o fortalecimento de vínculos de privacidade,
cumplicidade e afetividade decorrentes do isolamento conjugal.
A conexão inter-relacional, configurando a família num sistema
harmônico e facilitador do equilíbrio social, é bem defendida por
Parsons (1980), ao analisar a sociedade americana dos anos 1950,
quando sugere funções sociais aos gêneros que atuam de formas
solidária e complementar. Compete à atuação masculina, a esfera
pública do trabalho e, à feminina, a esfera privada do lar e dos
cuidados com os filhos; esta última, de natureza secundária:
A família “moderna” nuclear é uma unidade solidária, um sistema baseado
no princípio comunalista, sendo “que a responsabilidade principal para este
apoio recai sobre o membro masculino adulto da família nuclear” pai
exemplar e trabalhador. Cabe à mulher casada a responsabilidade pelo
cuidado dos filhos e pelos assuntos internos da família (ibidem, 1980, p. 55).
Essa visão tradicional, que atribui funções discriminadas aos
gêneros, no âmbito da família nuclear, além da necessária
solidariedade interna, encerra a dimensão econômica de
dependência, privada e pública, que é alertada por Marta Campos e
Regina Mioto (2003, p. 169):
[…] o grupo familiar aparece com dupla face, a de uma unidade econômica
com dependentes e “chefes de família” que redistribuem renda e a de
unidade “doadora de cuidados”, também a partir de redistribuição interna.
Nele, a da mulher-mãe se espera que seja a principal provedora de
cuidados para seus membros, mantendo-se economicamente dependente
de seu marido. Assim supõe-se, por um lado, as responsabilidades do
“chefe de família” com o sustento, e por outro, as da mulher com o cuidado.
É dessa forma que, no âmbito privado, se gera a dependência
dos filhos e da mulher ao homem provedor. Também o âmbito
público é calcado na dependência do trabalho familiar desenvolvido
pela mulher. Compete a ela dar a sustentação para a organização
interna da casa, desempenhando os chamados afazeres
domésticos, que incluem os cuidados dos membros familiares, com
a garantia da harmonia e do equilíbrio interno, capaz de produzir o
bem-estar e reproduzir a sociedade vigente.
Anthony Giddens (2003, p. 70) observa o surgimento do valor
do afeto, com a privatização da família. Considera que a unidade
familiar é baseada em “comunicação emocional” ou “intimidade
emocional” e destaca três situações que dão base afetiva à família:
“os relacionamentos sexuais e de amor, os relacionamentos pais-
filhos e também a amizade”. Utiliza-se da ideia de “relacionamento
puro” para análise desses laços de intimidade e dos processos de
confiança existentes na relação, com recompensas mútuas e apoios
decorrentes do relacionamento, em que a franqueza é condição
essencial, seja em relação ao casal e, destes, na relação com os
filhos.
Cabe ressaltar que o relacionamento puro fundamentado na
confiança e no respeito mútuo não comporta o sentimento de
exploração, desigualdade, opressão, pois existem direitos e deveres
mutuamente cultivados e acordados que podem ser abalados e a
família pode se tornar um espaço de conflitos e dificuldades.
A afetividade, conforme a concepção de Spinoza (2009, p. 98),
é reconhecida na célebre e complexa definição de afetos: “As
afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada
ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias
dessas afecções”. A afetividade é compreendida em suas duas
dimensões: pelas emoções alegres e tristes. Quando o corpo é
afetado de modo a aumentar sua potência, ele apresenta alegria;
em seu contrário, a infelicidade.
A base relacional, em suas interações, gera vínculos e tensões,
encerra consensos e dissensos e expõe felicidades e sofrimentos,
quando, diante desses últimos, pode exigir reajustamentos sociais, o
que contribui para entender as novas formas de organização do
núcleo familiar, na atualidade.
A individualização é apontada como importante determinação
para as transformações da família, com início em seu processo de
nuclearização e, depois, em seus avanços na atualidade. Singly
(2007) atribui duas dimensões ao processo atual de individuação da
família, que possibilita aos seus membros o sentimento de
liberdade: a autonomia e a independência. A independência é,
principalmente, analisada em sua perspectiva econômica, em que o
indivíduo, graças aos seus recursos pessoais, depende cada vez
menos dos outros. E a autonomia é o conhecimento do mundo em
que se insere.
Esse processo vai provocando, além da individualização da
família, também, a individualização na família, e cria as condições
para a construção de novas individualidades. A mulher reivindica um
processo pessoal de desenvolvimento, pois a concepção tradicional
representada na família nuclear, em que a realizaçãofeminina se dá
a partir dos resultados obtidos pelo marido e filhos, passa a ser
insuficiente para manter a relação conjugal.
Pode-se citar, dentre outros, alguns indicadores que vêm
atestando essa transformação da morfologia das famílias em quase
todas as sociedades na atualidade: o aumento do número de
divórcios ou separações; o aumento de filhos fora do casamento;
casamentos em idade mais tardia; permanência de filhos com mais
idade na casa dos pais; o nascimento de filhos com idade mais
avançada da mulher. Esses fatores, por sua vez, vão configurando
diversas formas de organização familiar, como famílias nucleares,
extensas, reconstituídas depois do divórcio, casais homoafetivos,
unipessoais, monoparentais, estas últimas, em especial, compostas
por mães e seus filhos.
A breve análise histórica sobre família possibilita sustentar que
os tipos observados não se esgotam em seus tempos, ou com o
surgimento de novos modelos, mas convivem vários tipos de família,
que demonstram prevalência de características, em alguns
períodos, configurando-se como fenômenos sociais datados,
determinados pelas ordens política, econômica e social. São
permeados por valores patriarcais, que atravessam os tempos,
sofrem transformações e convivem, na atualidade, com um
processo cada vez mais comum de individualização da família. Mas
ainda é simbolizada, no imaginário coletivo, a partir de visão
funcionalista, como um grupo privilegiado de proteção social, em
dimensões econômica e afetiva.
Um descompasso colocado em evidência, destacadamente
quando são observadas as dificuldades da família, em especial da
mulher, em conciliar o trabalho familiar com o trabalho remunerado e
manter o equilíbrio da base relacional e a proteção social dos
membros familiares.
A alteração do lugar da mulher na sociedade, principalmente
por sua maciça entrada no mercado de trabalho, e o aumento da
instabilidade conjugal, transformam o modelo de família tradicional,
apoiado nas funções de pai, mãe e filhos, e sobrecarregam as
funções familiares, como o cuidado com as crianças e os idosos.
Indicadores que colocam em relevo a necessidade de
ajustes/regulação pública e a desigualdade entre os gêneros.
2.2 O Estado e a proteção social pública: abordagem
conceitual
A origem da concepção de proteção social pública é atribuída,
por vários estudiosos do tema, ao avanço do processo de
industrialização e às contradições entre o capital e o trabalho,
registradas na Europa do século XIX. Considerado o risco dos
trabalhadores e suas famílias enfrentarem doenças, velhice,
desemprego, ou morte, nos primórdios da industrialização, num
mercado de trabalho competitivo e ainda instável, se reconheceu e
evidenciou, na sociedade, o fenômeno do pauperismo, enquanto
questão social. E sobre as respostas à questão social, Behring e
Boschetti (2009, p. 51) apontam as políticas sociais como forma de
proteção social:
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento — em
geral setorizadas e fragmentadas — a expressões multifacetadas da
questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de
exploração do capital sobre o trabalho.
Luciana Jaccoud (2009, p. 58) define proteção social como “um
conjunto de iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a
provisão de serviços e benefícios sociais visando a enfrentar
situações de risco social ou de privações sociais”.
A proteção social, conforme Carmelita Yazbek (2010, p. 4), é
uma “intervenção do Estado no processo de reprodução e
distribuição da riqueza, para garantir o bem-estar dos cidadãos”.
Aldaíza Sposati (2009, p. 21) ressalta o “caráter
preservacionista” no conceito de proteção social que supõe “tomar a
defesa de algo, impedir sua destruição” e aponta duas dimensões
da proteção social, a “noção de segurança social” e a de “direitos
sociais”. Considera a segurança como uma “exigência antropológica
do indivíduo” e as políticas sociais como ferramentas usadas pelas
sociedades para assegurar a proteção e os direitos sociais de seus
membros.
Na área do Serviço Social, observa-se o uso alternado das
terminologias política pública e política social, ora como sinônimos,
ora como distinção. Potyara Pereira (2008, p. 92) considera a
política social como uma “espécie do gênero política pública”. A
espécie política social é uma classificação ou especialização que se
subordina ou deriva do gênero da política pública. A política pública,
de caráter mais geral, possui outras espécies, como, por exemplo,
política econômica.
Marta Campos (2011, p. 119), de outra forma, também debate o
tema e amplia o conceito quando imprime ação e responsabilidade
às políticas. Situa a política pública na ação executiva dos governos
e a política social trabalha nessa esfera do Estado, com as
estratégias de proteção social. Em suas palavras:
A expressão “políticas públicas” deve ser entendida no sentido das
“estratégias governamentais” relacionadas às várias áreas de sua atuação.
É, portanto, conotativa do investimento dos governos em áreas tanto
econômicas como sociais, de grande efeito na sociedade, incluindo, por ex.,
transportes, produção agrícola, impostos etc. Por “política social”
designamos aquelas estratégias mais diretamente ligadas ao sistema de
proteção social stricto sensu: Seguridade Social com seu tripé: saúde,
previdência social e assistência social […].
Na distinção de política pública, as inter-relações e a
demarcação conceitual têm apontado as diferentes dimensões da
política, e, embora imbricadas, possuem objetos e características
diferentes.
Potyara Pereira (2008, p. 101) distingue dois principais
significados da política, a política clássica e a política pública. A
política clássica é a “base institucional da atividade política”. É
relacionada aos temas clássicos do processo político-eleitoral, como
partido político, parlamento, votação, governabilidade. E política
pública “têm como uma de suas principais funções a concretização
de direitos de cidadania conquistados pela sociedade e amparados
pela lei”.
A literatura inglesa adota três dimensões da política, ao
caracterizar os estudos da policy science. A polity, para designar as
instituições políticas, refere-se ao ordenamento do sistema político e
à estrutura institucional político-administrativa. A politics, para
denominar os processos políticos, a dinâmica do relacionamento
político para a tomada de decisões, frequentemente de caráter
conflituoso, diante dos interesses e objetivos. A policy, para nomear
a política pública, considerada a materialidade das decisões
políticas para implementação dos programas de governo (cf. Frey,
apud Zola, 2011, p. 70).
Essas considerações, acompanhadas da prática desenvolvida,
possibilitam sustentar o conceito de que política pública, da espécie
social, ao equivalente da expressão inglesa policy, é definida como
os conteúdos concretos da decisão política, representadas por um
conjunto de ações ou normas de iniciativa governamental, que
asseguram os direitos sociais. É realizada por meio de programas,
projetos e serviços; regulamentados ou desenvolvidos pelo Poder
Executivo, ou em parceria com setores da sociedade civil;
demandam legislações e orçamento; são direcionadas a alterar uma
realidade, em resposta às demandas, pressões e prioridades da
sociedade.
2.3 Articulação e centralidade da família nas políticas
públicas: diferentes abordagens sobre o lugar atribuído à
família na proteção social
A articulação dos temas família e Estado, para a proteção
social, é analisada por Claude Martin (1995, p. 54) que reconhece o
lugar ocupado pela família nos sistemas de proteção social,
especialmente na atualidade. Atribui a centralidade como
decorrência da crise do mercado e também pelo Estado, que trouxe
de novo “à ribalta mecanismos tradicionais de integração social”.
Considera que a partilha de responsabilidades está na ordem do dia
e, tendo como referência os países europeus, interpreta a presença
da família e, também,

Continue navegando