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Educação Física no Ensino Fundamental W B A 0 2 17 _ V 1_ 0 2/209 Educação Física no Ensino Fundamental Autora: Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros Como citar este documento: MEDEIROS, Daniele Cristina Carqueijeiro de. Educação física no ensino fundamental. Valinhos: 2016. Sumário Apresentação da Disciplina 04 Unidade 1: Os significados da escola e da disciplina educação física 06 Assista a suas aulas 24 Unidade 2: O papel da educação física no ensino fundamental 32 Assista a suas aulas 48 Unidade 3: As teorias pedagógicas na educação física 56 Assista a suas aulas 74 Unidade 4: A sistematização dos conteúdos da cultura corporal de movimento na educação física no ensino fundamental 82 Assista a suas aulas 100 2/209 3/2093 Unidade 5: Objetivos gerais de educação física no ensino fundamental – 1º, 2º, 3° e 4° ciclos 108 Assista a suas aulas 124 Unidade 6: Temas transversais em educação física no ensino fundamental: as diferenças e as ques- tões de gênero no âmbito da educação física 132 Assista a suas aulas 150 Unidade 7: Planejamento das aulas de educação física no ensino fundamental 158 Assista a suas aulas 176 Unidade 8: Avaliação da educação física no ensino fundamental 184 Assista a suas aulas 201 Sumário Educação Física no Ensino Fundamental Autora: Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros Como citar este documento: MEDEIROS, Daniele Cristina Carqueijeiro de. Educação física no ensino fundamental. Valinhos: 2016. 4/209 Apresentação da Disciplina A disciplina de Educação Física Escolar no Ensino fundamental tem como intenção promover o estudo das concepções e abor- dagens da educação física no ensino fun- damental, sua relação com a formação de crianças e jovens bem como seus procedi- mentos didáticos e pedagógicos. O obje- tivo, ao longo destas aulas, é refletir sobre o ensino da disciplina no contexto de ins- tituições escolares de ensino de nível fun- damental, através das proposições teórico- -metodológicas. Para isso, serão feitas aná- lises a respeito dos aspectos pedagógicos que orientam a intervenção profissional em Educação Física e análises da prática peda- gógica da em diferentes contextos. Ao longo das aulas, trabalharemos a partir de três eixos. O primeiro tratará das rela- ções entre o ambiente escolar e a disciplina de Educação Física na escola. Serão abor- dadas as formas como historicamente esta disciplina foi se tornando parte da cultura escolar, em especial no ensino fundamen- tal, e como as transformações na sociedade e na concepção de escola foram alterando também as intenções voltadas à educação física. O segundo eixo tratará de questões peda- gógicas voltadas à educação física, a partir de uma análise de algumas das principais teorias pedagógicas da disciplina. A partir da exposição destas abordagens, será ado- tado um referencial metodológico que pri- vilegia a ideia de cultura corporal de movi- mento. Estudaremos, então, a forma como esta cultura se sistematiza no ensino fun- 5/209 damental. Por fim, trataremos das questões voltadas à prática e didática dos docentes, pautadas especificamente no ensino fundamental, através da formulação dos objetivos, orga- nização dos planejamentos e planos de en- sino e avaliação, além da inserção de temas transversais no que tange aos conteúdos da educação física escolar nesta faixa de ensi- no. Iniciaremos a partir de agora os estudos a respeito dos significados da escola ao longo do tempo e de que forma a educação física adentrou o espaço escolar. 6/209 Unidade 1 Os significados da escola e da disciplina educação física. Objetivos 1. Compreender de que forma as transformações na sociedade alteraram a compreensão do papel da escola ao longo do tempo. 2. Compreender de que forma a escola deixa de ser vista como um espaço de reprodução e começa a ser percebida através do enfoque sociocultural, e quais as consequências desse pensamento. 3. Compreender de que forma a educação do corpo foi pensada dentro do ambiente escolar para suprir determinadas demandas da sociedade. 4. Localizar historicamente os significados atribuídos à educação física escolar ao longo do tempo. Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física7/209 Introdução De onde vêm certos discursos a respeito da escola? Já pararam para pensar onde se construiu a ideia de que “a escola de anti- gamente era melhor”? Ou ainda, um pensa- mento corrente de que “antigamente é que se educava de verdade”? Estes são alguns discursos proferidos a res- peito da escola contemporânea e que le- vam a pensar que a educação está sendo produzida de modo completamente errado. Mas como seria a maneira certa de educar as crianças do século XXI? Da mesma forma que as pessoas foram educadas lá no pas- sado? Estes são alguns questionamentos que sus- citam a ideia de que a escola contemporâ- nea não é a mesma que a escola moderna; ela não é igual a escola dos nossos avós, tios, pais...tampouco igual a escola em que você estudou. Ao longo do tempo, novas demandas sociais começam a surgir e sur- giram com elas também novas noções so- bre educação, escola e disciplina. Ou seja, é preciso pensar que a escola, como todas as instituições sociais, é um produto histo- ricamente construído, e que se altera com o tempo e com as relações que estabelece com a sociedade. Nesta aula, você verá que a função social da escola foi se alterando ao longo do tempo. Em seu surgimento como instituição obri- gatória, ela serviu a determinadas necessi- dades e intenções do período. Com o pas- sar do tempo e com o estabelecimento de novas relações sociais e econômicas, outras demandas foram postas à escola, que mu- Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física8/209 dam sua relação com os sujeitos, com os métodos e processos de ensino, e até mes- mo com o que se entende por escolarização. Por fim, este resgate histórico chegará à so- ciedade contemporânea e traçará algumas respostas para as mudanças que surgiram. Como uma instituição que tinha rígidas concepções de educação, moral e disciplina pode hoje trabalhar com temas da cultu- ra infantil, juvenil e popular dentro de seus muros? Agora você pode se perguntar: mas qual é a relação da educação física com tudo isso? A resposta é uma só: as relações estabele- cidas com o corpo dentro da escola – e com sua educação – também se transformaram de acordo com a sociedade, a economia e as expectativas a respeito desta disciplina. Assim, será estabelecida a maneira como a educação física e seus paradigmas foram se alterando ao longo do tempo a serviço de determinada educação do corpo que se imaginava. Desde sua introdução à escola moderna, quando o corpo era visto como um elemen- to estranho à educação, até os paradigmas esportivos que dominaram disciplina ao longo do século XX, a educação física foi utilizada para diversos fins e pensada atra- vés de diversas óticas. E, da mesma forma que afirmamos a res- peito da escola, o corpo não é pensado da mesma maneira hoje que há cem anos. As necessidades fisiológicas, as produções cul- turais, os jogos, brincadeiras, a disciplina, a postura; nenhuma destas características Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física9/209 se assemelha com o que era feito naquela época. Também as relações entre esforço e trabalho, as capacidades físicas necessárias para a vida se alteraram e transformaram a forma como este corpo deve ser educado. A partir deste traçado histórico a respeito do corpo e da escola, serão discutidas algumas questões que o fará pensar sobre o papel da educação física na escola contemporânea, que não é o mesmo quefoi desempenhado em uma educação física pensada para ou- tras sociedades e grupos. As conclusões irão apontar para a necessi- dade de se pensar a educação física como um segmento sociocultural, e as implica- ções disso para os currículos e objetivos do ensino fundamental. Terão lugar, a partir de agora, as discussões a respeito das transformações sociais e a função social da escola. 1. As transformações sociais e a função social da escola A ideia de educar as pessoas para viverem em sociedade existe desde muito tempo. Porém, educar para a vida em sociedade nem sempre foi uma tarefa relegada a uma instituição exclusiva para esta finalidade. O surgimento da escola enquanto local res- ponsável por esta tarefa foi diferente con- forme a sociedade e cultura em que ela es- teve inserida, e teve como objetivo diferen- tes formas de transmissão de conhecimen- to. A escola enquanto instituição obrigatória Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física10/209 na educação das crianças surge na Europa, sob a égide do Iluminismo, em meio a diver- sas transformações sociais, principalmen- te no campo econômico e no campo social. Para citar algumas delas, houve a mudan- ça nos regimes de governo (que deixam de ser monarquistas e passam a se pautar na ideia de Estado-Nação), a mudança no sis- tema financeiro (que começa a se basear no acúmulo de capital, e não mais na heredita- riedade) e na crescente racionalização das relações sociais, baseadas nos preceitos da ciência moderna. Todas estas transformações, somadas à ideia de democracia, que vinha tomando lugar com as revoluções sociais, permitiram a formação dos sistemas de ensino nacio- nais, que se baseavam no poder da ciência, na igualdade de oportunidades e na cons- trução do cidadão através da escola. A partir da segunda metade do século XIX, há uma guinada na função da escolariza- ção: ela passa a ser responsável pelo mundo do trabalho. A escola seria a responsável por fornecer certos saberes, importantes para cada grupo social. Os empresários conse- guiriam através dela racionalizar e acele- rar a produção; a classe média conseguiria através da escola ocupar postos de trabalho mais qualificados; e os trabalhadores atra- vés do conhecimento conseguiriam superar as adversidades da vida. Voltada para sua nova funcionalidade, a es- cola adota certos métodos que garantiriam o sucesso escolar. Dentre eles, a rígida dis- ciplina, imitando certos níveis disciplinares Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física11/209 de instituições semelhantes, como a prisão e a fábrica. Havia também a burocratização neste novo ensino, que se dava através de etapas que segmentavam o conhecimento, como na pro- dução industrial. Por fim, esta nova escola também se baseava na ideia de resultados, obtidos através de rígidas avaliações: aqueles que os garantiam estavam aptos às novas etapas; os que não alcançavam certa média eram automaticamente excluídos. Para saber mais O filósofo e historiador Francês Michel Foucault realizou um estudo a respeito do surgimento das ins- tituições sociais que visavam controlar e educar as pessoas, e percebeu que as prisões, as fábricas e as escolas tinham uma essência parecida no que dizia respeito ao controle dos corpos. Saiba mais lendo o livro de Michel Foucault, Vigiar e Punir. Costuma-se dizer que esta escola moderna está baseada em um modelo piramidal, onde muitas pessoas entram na base da pirâmide – afinal, a educação se baseia na ideia de democracia – mas poucas pessoas obtêm êxito e chegam ao final. Não lhe parece familiar este modelo escolar, baseado em resultados e exclusão? Um modelo es- colar em que muitas pessoas entram, mas os índices de reprovação e abandono são imensos? Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física12/209 Pois bem, esta é a escola que ainda vem sendo feita em muitos lugares do Brasil e do mundo, e esta é provavelmente a escola em que você e seus pais, avós e tios estudaram. Mas, você pode pensar que, se esta escola serve às intenções da sociedade, ela ainda é adequada para ensinar os jovens e crianças. A questão que se deve observar aqui é que a sociedade contemporânea não é mais a mesma sociedade que foi aqui narrada. Ela mudou em muitos aspectos, e a escola tam- bém precisa se transformar. Pode-se dizer que a sociedade contempo- rânea é a sociedade do conhecimento, in- formação e tecnologia. O conhecimento, inclusive, não é mais uma “propriedade” da escola: ele está em diversos lugares, em to- dos os momentos. Além disso, há uma ideia que se difunde cada vez mais do “empresá- rio de si”, ou seja, é preciso saber gerenciar seus conhecimentos, competências e ha- bilidades e encontrar atividades que sejam adequadas àquilo que você se preparou. As- sim, nem todas as pessoas precisam ter as mesmas características; elas não precisam, tampouco, serem boas alunas na escola para terem sucesso no mercado profissio- nal. Vem nascendo, portanto, uma sociedade que exalta e cultua a diferença e que dá es- paço às diferentes culturas e capacidades individuais. E de que forma a escola pode se libertar das amarras impostas pela socieda- de moderna e se adequar às novas deman- das e possibilidades da sociedade? Antes de tudo, é preciso pensar que a esco- Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física13/209 la deve deixar de ser aquele espaço de re- produção da sociedade, de preparação para o mundo do trabalho e principalmente de “seleção dos mais aptos” e se transformar em um local que permita a exploração das potencialidades e capacidades dos alunos. A escola deve deixar de ser um espaço de recebimento de ordens da sociedade e deve ser um lugar de protagonismos e criações. Os primeiros passos na construção desta nova ideia de escola começaram a ser dados lá nos anos 1980, quando novas pedago- gias, aliadas a uma mudança no pensamen- to das ciências sociais sobre as instituições sociais, começam a conceber a escola como um espaço sociocultural. Isso significa que há uma dinâmica envolvida neste ambien- te, um fazer cotidiano, levado a cabo pelos professores, alunos, comunidade, funcio- nários, que permite o protagonismo destes sujeitos na produção dos objetivos e fun- ções da escola. É a partir deste momento que novas verten- tes pedagógicas começam a ser pensadas levando em conta as tramas sociais que en- volvem os sujeitos da escola e que propõem um entendimento deste espaço como pro- duzido por e para pessoas. Mas, você pode perguntar, o que a educa- ção física tem a ver com tudo isso? Veremos agora que as transformações no entendi- mento dos usos e funcionalidades do corpo também se alteraram ao longo do tempo, e alterou-se, da mesma forma, a ideia que a escola fez de sua educação. Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física14/209 2. As transformações na compreensão de educação do corpo Pode-se afirmar que, da mesma forma que a escola, o corpo foi pensado de distintas for- mas ao longo do tempo, e, mais do que isso, a forma de educar estes corpos através da instituição escolar também se transformou. A educação física começou a ser pensada no ambiente escolar, no século XVIII, como um complemento à educação moral e inte- lectual, sob a égide de uma educação ilu- minista, que tinha como objetivo educar o “homem completo”, em seus desígnios mo- ral, intelectual e físico. Esta tríplice divisão se baseava na ideia que a ciência moderna fazia do conhecimento, divisão esta que foi adotada pela escola. A ciência moderna foi a concepção de co- nhecimento que dominou as relações de educação escolar a partir deste período, na formação de uma escola democráticae laica. Para esta ciência, o corpo era um ele- mento perturbador, que precisava ser con- trolado e educado por procedimentos ri- gorosos de educação. Assim, a escola foi o estabelecimento escolhido para sistemati- zar os conhecimentos sobre o corpo e os co- nhecimentos produzidos com o corpo. Ela acabou elaborando uma corporeidade que lhe era única, educando o corpo de acordo com seus objetivos. As primeiras tentativas de inserir a educa- ção física dentro do ambiente escolar foram pautadas em dois paradigmas: o médico e Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física15/209 o militar. O paradigma militar implantou à educação física a preocupação com o for- talecimento dos corpos, útil para a defesa das fronteiras dos Estados-Nação que se formavam. O paradigma médico inseriu a ideia de que era necessário cuidar dos cor- pos, através da profilaxia e higiene, para que uma vida em sociedade pudesse se dar de forma harmônica e sadia. Estes dois paradigmas foram contemplados a partir de um conteúdo que foi hegemônico na educação física entre o fim do século XIX e início do século XX: a ginástica. No Brasil, teve-se a influência de algumas formas gi- násticas, como a alemã, sueca e francesa, cada uma com suas características princi- pais. A ideia da ginástica dentro da escola se adequava perfeitamente à ideia do cui- dado de si, do movimento com economia de gastos de energia, ligado à ideia industrial da época, e o fortalecimento dos corpos voltados ao paradigma militar. Ao longo de muito tempo, este foi o para- digma dominante na educação física esco- lar. Mas, da mesma forma que aconteceu com a escola, as mudanças na sociedade exigiram determinadas alterações na forma como se educava os corpos e se escolarizava estes conhecimentos, e foi a partir daí que um novo paradigma começou a despontar: o paradigma esportivo. O século XX é conhecido como o século onde o capitalismo se fez emergente, e as relações interpessoais e de trabalho se pau- tavam neste sistema. Agora, era necessário ser o melhor dentro de um grupo de pes- Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física16/209 soas, e a individualidade e o esforço pode- riam transformar a posição social do indiví- duo. Ora, é exatamente a mesma premissa do esporte moderno, no qual o esforço e o treinamento são os responsáveis por deixar todos para trás para se alcançar o primeiro lugar. A sociedade piramidal, que permite que muitos entrem na disputa, mas poucos atinjam o topo se assemelha à competição esportiva, onde somente o mais “apto” é capaz de chegar ao final. A ideia de defesa das nações também não era a mesma que em outras sociedades. Agora, o poderio não precisava ser mostra- do apenas com a dominação pelas guerras, mas também pela dominação ideológica e cultural. Assim, o esporte serviu aos in- tentos de apresentar ao mundo os grandes países-potência, que eram os mesmos que obtinham grandes êxitos nos programas esportivos. A exposição do quadro de me- dalhas olímpicas servia para confirmar esta hegemonia. Para saber mais O uso do esporte como aparelho ideológico serviu a diversos intentos governamentais ao longo do século XX. Um dos momentos mais emblemáticos foi o uso das Olimpíadas de 1936, em Berlim, para que Hitler fizesse uma apologia de seu governo. Sobre o assunto, veja o filme “Olympia” (Ano de lançamento: 1938; duração: 121 min.; gênero: do- cumentário; dirigido por Leni Riefensthal; origem: alemão). Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física17/209 A própria ideia de nacionalismo e pertencimento ao Estado foi associada às questões esportivas. Torcer para o mérito da equipe de seu país era demonstrar o mais puro nacionalismo e amor à pá- tria. Pode-se tomar como exemplo aqui os usos que a Ditadura Militar no Brasil fez do tricampeo- nato da seleção brasileira de futebol masculino na Copa do Mundo de Futebol: usou-se aquela conquista para alavancar os ideais de nacionalismo e pátria que se queria para aquele momento. Para saber mais A Ditadura Militar Brasileira se valeu da animação popular com o desempenho na Copa do Mundo de Fu- tebol Masculino de 1970 para acobertar diversos problemas políticos que ocorriam no país. Para saber mais sobre o assunto, veja o filme “O ano em que meus pais saíram de férias” (Lançamento: 2005; origem: brasileiro; direção: Cao Hamburger). Entretanto, da mesma forma que ocorrido com a questão escolar como um todo, este paradigma começou a ser questionado na educação física escolar brasileira. Nos anos de 1980, algumas vertentes pedagógicas críticas começaram a ser incorporadas pelos estudiosos da educação fí- sica, que começam também a somar novos conhecimentos de outras ciências, como a filosofia, história e mesmo da área da psicologia. O que se viu então foi o início de novas proposições que tentaram transformar a ideia de que esta disciplina pertencia somente ao caráter biológico, e Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física18/209 que ela poderia ser pensada também atra- vés de outras ciências. A principal transformação que se vê a par- tir destes questionamentos é uma ideia de educação física como produtora de cultura, ou seja, da mesma forma que os sujeitos da escola começaram a ser pensados em seu fazer cotidiano como produtores de certos saberes e de determinada cultura, também na educação física este pensamento co- meçou a se refletir, e o fazer e pensar com o corpo passaram a ser encarados como uma ação sociocultural e histórica. No ensino fundamental, estas transforma- ções a respeito dos paradigmas e entendi- mento da educação física fez surgir algu- mas concepções que propõem objetivos, conteúdos e procedimentos de aula que baseiam a prática escolar na ideia de pro- dução de uma cultura corporal. Link 1. Entrevista com o prof. Dr. Marcos Garcia Neira sobre os novos papéis assumidos pela educação física na escola. Disponível em: <http://acervo. novaescola.org.br/formacao/vez-formar- -atletas-analisar-cultura-corporal-487620. shtml>. Acesso em: 15 nov. 2016. 2. Documentário “Escolarizando o mundo”. Você poderá encontrar o documentário legendado no YouTube. A seguir, o link do site oficial do docu- mentário. Disponível em: <http://schooling- theworld.org/>. Acesso em: 15 nov. 2016. (site em inglês). Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física19/209 Link 3. Artigo sobre a influência dos paradigmas mili- tar e da saúde sobre a educação física brasileira. SILVA, Carlos Leonardo Bahiense da; MELO, Vic- tor Andrade de. Fabricando o soldado, forjando o cidadão: o doutor Eduardo Augusto Pereira de Abreu, a Guerra do Paraguai e a educação física no Brasil. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, Rio de Janeiro. v. 18, n. 2, abr.-jun. 2011, p. 337- 353. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/hcsm/v18n2/05.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2016. Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física20/209 Glossário Educação iluminista: O Iluminismo foi um movimento surgido na França do século XVIII que ti- nha como objetivo combater a “escuridão” causada, sobretudo, pela religião e pelo absolutismo monárquico, e promover novas formas de pensamento, baseadas na razão. Este movimento foi primordial na concepção de escola moderna. Modelo piramidal de sociedade: A sociedade moderna caracterizou-se por um sistema de so- ciedade que preza pela ideia de que todos nascem com as mesmas oportunidades, e que o es- forço é suficiente para se alcançar as melhores posições sociais. Entretanto, estas posições são poucas, e disponíveis apenas àqueles que conseguem êxito nas diversas esferas da sociedade, enquanto muitosficaram para trás nesta tentativa. Revoluções sociais: no século XIX, a Europa foi tomada por inúmeros movimentos sociais, que tiveram como motivação distintas questões, como o direito ao voto, a independência ou unifica- ção dos países e mesmo as mudanças em benefício aos trabalhadores. Dentre estas revoluções se destaca a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e a Unificação da Alemanha. Questão reflexão ? para 21/233 Você está convidado a pensar sobre as transformações sociais e mudanças na concepção de escola e de para- digmas na educação física, conforme o exposto. Quais são as implicações que você encontra nas aulas de edu- cação física no ensino fundamental? Houve uma mu- dança de conteúdos, procedimentos, vestimentas, ava- liação, dentre outras questões, desde a época em que você foi aluno até sua prática pedagógica? Reflita sobre estas questões. 22/209 Considerações Finais • Transformações sociais implicaram mudanças na concepção de escola. • A compreensão de escola na sociedade moderna não é a mesma que na so- ciedade contemporânea. A escola passa a ser entendida como um espaço sociocultural. • A educação física também teve suas concepções alteradas por conta de mu- danças sobre o entendimento do corpo. • As concepções pautadas no paradigma da ginástica ou esportivo não são mais adequadas à escola contemporânea. • Isso implica novas abordagens da educação física que trabalham a ideia de educar o corpo a partir de uma perspectiva cultural. Unidade 1 • Os significados da escola e da disciplina educação física23/209 Referências BRACHT, Valter. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cad. CEDES, ago. 1999, vol. 19, nº 48, p. 69-88. DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sociocultural. In: DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olha- res sobre educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996. FOUCAULT, Michel. Os corpos dóceis. In: Vigiar e punir – nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1995. NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mário Luiz Ferrari. Educação Física, currículo e cultura. São Pau- lo: Phorte, 2009. SILVA, Carlos Leonardo Bahiense da; MELO, Victor Andrade de. Fabricando o soldado, forjando o cidadão: o doutor Eduardo Augusto Pereira de Abreu, a Guerra do Paraguai e a educação física no Brasil. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos, v. 18, n. 2, p. 337-354, 2011. SOARES, Carmen Lúcia. Educação física: raízes europeias e Brasil. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. 24/209 Assista a suas aulas Aula 1 - Tema: Os significados da escola e da disciplina educação física. Bloco I Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 8fd2af8cb9b7ae16c4c0e8441bedc2cf>. Aula 1 - Tema: Os significados da escola e da disciplina educação física. Bloco II Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 9d8ce3fe02be545d1d43d7e432439a99>. 25/209 1. De que forma se deu o surgimento das instituições escolares? a) Com a invenção da imprensa por Gutenberg. b) Em todos os lugares do mundo, ao mesmo tempo. c) A partir da influência dos gregos que inventaram a filosofia. d) Foi diferente conforme a sociedade e cultura, e teve como objetivo diferentes formas de transmissão de conhecimento. e) As instituições escolares surgiram na Europa Iluminista, com a transmissão dos saberes oriundos da ciência moderna. Questão 1 26/209 2. Quais são as principais características da escola moderna? a) Disciplina, burocracia e ênfase nos resultados. b) Democracia, ênfase nos resultados, educação pouco rígida. c) Burocracia, produção cultural dos agentes escolares, disciplina. d) Educação como produto cultural, disciplina e modelo piramidal. e) Educação pouco rígida, ênfase nos processos e não nos resultados, democracia. Questão 2 27/209 3. Quais são as competências que a escola deve explorar para a vida na sociedade contemporânea? a) Organização, obediência às regras, solidariedade. b) Solidariedade, universalidade, habilidade em decorar. c) Habilidade em decorar, criatividade, obediência às regras. d) Proatividade, enquadramento em padrões, universalidade. e) Protagonismo, criatividade, autogerenciamento de habilidades e potencialidades. Questão 3 28/209 4. De que forma os paradigmas médico e militar chegaram à escola? a) Através das ginásticas. b) Através dos esportes de luta. c) Através das lutas por territórios. d) Através do pensamento da escola como espaço sociocultural. e) Através do pensamento da educação física como produtora de cultura corporal. Questão 4 29/209 5. Quais são as características semelhantes entre o paradigma esportivo e a sociedade moderna? a) A cooperação, a divisão, a pacificação. b) A competitividade, a tendência à guerra, a coletividade. c) A individualidade, disputas de poder não bélico, a competitividade. d) A coletividade, a cooperação, a demonstração de poder não bélico. e) A cooperação, a tendência à guerra, a pouca importância aos resultados. Questão 5 30/209 Gabarito 1. Resposta: D. Foi diferente conforme a sociedade e cultu- ra, e teve como objetivo diferentes formas de transmissão de conhecimento. A escola não surgiu em um local determi- nado, e nem da mesma forma em todos os lugares. Ela surgiu de forma difusa e com o papel de transmitir os conhecimentos ne- cessários a cada cultura. 2. Resposta: A. Disciplina, burocracia e ênfase nos resul- tados. As três principais características da escola moderna são a disciplina, parecida com a das fábricas e prisões, a burocracia e o tecnicismo e a ênfase nos resultados, que seleciona os melhores alunos para a conti- nuação. 3. Resposta: E. Protagonismo, criatividade, autogerencia- mento de habilidades e potencialidades. As habilidades ligadas à sociedade contempo- rânea são aquelas que prezam por um ge- renciamento de si, que dão certa liberdade à escolha e desenvolvimento dos saberes e habilidade, e não aquelas voltadas à disci- plina e retidão. 4. Resposta: A. Através das ginásticas. As ginásticas, entre o fim do século XIX e início do XX, foram as 31/209 Gabarito grandes responsáveis por levar os paradig- mas militar e médico às escolas. 5. Resposta: C. A individualidade, disputas de poder não bélico, a competitividade. O esporte serviu às intenções da sociedade moderna, pois estimulava a individualidade, a competiti- vidade e as disputas de poder, caras a esta nova sociedade que se formava, baseada no capitalismo. 32/209 Objetivos 1. Discutir as especificidades da educa- ção física dentro do ambiente escolar. 2. Analisar de que forma os conteúdos devem ser abordados dentro da esco- la. 3. Discutir o papel da educação física no ensino fundamental. Unidade 2 O papel da educação física no ensino fundamental. Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental33/209 Introdução Como professor de escola, você deve se per- guntar constantemente quais são seus ob- jetivos na disciplina de educação física, da- das as diversas possibilidades e caminhos possíveis. Deveria ser o objetivo formar atletas e desenvolver o gosto pelos esportes daqueles que ficam sentados? Deveria ser a educação física o momento “lúdico” da es- cola, um momento de descanso das disci- plinas “mais sérias”? Deveria ser este mo- mento apropriado para desenvolver a apti- dão física dos alunos e auxiliá-los a buscar uma vida mais saudável? Além disso, também há a preocupação com aqueles alunos que, definitivamente, não gostam de exercícios físicos, e tampouco de ficarem “suados” na escola. Como proce- der? Deve-se insistir para que todos façam as aulas de educação física? A educaçãofí- sica deve ser prazerosa a todos os alunos ou ela é uma obrigação escolar? A pedagoga Roseli Cação Fontana relatou em um texto toda sua frustração com a dis- ciplina educação física na época em que era estudante, na década de 1960. As palavras que sua professora proferia durante a aula não conseguiam ser absorvidas pelo corpo da aluna: Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental34/209 “Não é assim que se bate na bola para o saque!” “Como você pretende acertar a manchete?” “Cação Fontana, preste atenção! Endireite as costas!” (FONTANA, 2001). Estas palavras diretivas, que deixaram marcas tão negativas no corpo da aluna, foram pronun- ciadas nos anos de 1960. Podemos afirmar que a educação física de hoje é completamente di- ferente, tendo mudado seus métodos e objetivos, tornando-se mais inclusiva e atrativa para os alunos, correto? Na verdade, algumas pesquisas afirmam que não houve tantas transformações nas concepções da disciplina ao longo do tempo. Uma pesquisa realizada pelos professores Mauro Betti e Marlene Liz (2003), em escolas de en- sino fundamental, aponta que, ao mesmo tempo em que as alunas entrevistadas gostavam da aula de educação física, elas não sabiam o significado desse conteúdo no ensino fundamental. Ao mesmo tempo em que elas gostavam dos esportes, elas deixavam de participar de diversas aulas em que eles eram conteúdo. Esta pesquisa foi publicada em 2003. A análise de Roseli Cação Fontana, na década de 1960. Ou seja, são cerca de quarenta anos de diferença e os alunos e alunas ainda não compreendem a Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental35/209 especificidade desta disciplina na escola e, menos ainda, porque precisam fazer aque- las atividades e obedecer àquelas ordens. Mas, e os professores? Eles sabem exata- mente para que serve a educação física no ensino fundamental? Ainda restam diversas dúvidas com relação aos conteúdos, metodologias, avaliação e prática docente na educação física como componente curricular do ensino funda- mental. Como organizar a disciplina nessa faixa de ensino? Como estabelecer um diá- logo com as demais disciplinas escolares e com o papel social da escola? Pode parecer que não, mas as palavras constantemen- te repetidas em aula nos dias de hoje ainda remetem aos diálogos reproduzidos da pro- fessora dos anos 1960 (BETTI, LIZ, 2003). Esta aula tem como objetivo estabelecer a especificidade da educação física enquan- to componente curricular dentro da esco- la, e, ainda, estabelecer seu papel no ensi- no fundamental, por meio de uma linha de pensamento que elege os conhecimentos sobre a cultura corporal como aqueles em que devem ser tratados nas aulas de edu- cação física. A discussão a partir de agora será sobre a especificidade desta disciplina na escola. 1. A especificidade da educação física Ao tratarmos da educação física como componente curricular, como um elemento presente na escola, não se pode esquecer Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental36/209 de que os conhecimentos sobre o corpo vêm de muito antes na vida das crianças e dos jovens. Mesmo fora da escola os alunos já sabem pular, saltar, correr, equilibrar. Não se deve negar os co- nhecimentos que os alunos trazem de seu meio social para a disciplina de educação física, nem persistir em ensinar coisas que já são do conhecimento prático dos alunos. Para saber mais O pedagogo Paulo Freire insistiu, ao longo de seu percurso como alfabetizador, na consideração dos saberes dos educandos como parte importante da construção dos saberes escolares. Embora não vol- tado especificamente para os conhecimentos da educação física, é possível verificar a importância dada aos saberes prévios na construção dos conhecimentos de cada um. Então, qual é o trato pedagógico que deve ser dado a esses conhecimentos? Não podemos achar que os alunos chegam à escola desconhecendo tudo sobre educação física e que o professor vai “enchê-lo” de saberes. A tarefa do professor de educação física deve ser de abordar os aspectos que os alunos não são capazes de refletir por si mesmos. A partir do momento em que as Leis de Diretrizes e Bases da educação (LDB) institucionalizaram Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental37/209 a ideia de que a educação física era uma disciplina escolar, e não mais uma ativida- de, foi preciso pensar de que forma a edu- cação física se alinharia aos procedimentos comuns destas práticas pedagógicas, como por exemplo, pensar em objetivos, em pro- cedimentos adequados, em avaliações e em um planejamento anual que constasse no Projeto Político-Pedagógico. Assim, uma nova especificidade foi dada à educação fí- sica dentro da escola. Um primeiro pensamento da educação físi- ca como disciplina escolar, e não como ati- vidade esportiva, conectou a disciplina aos preceitos da psicomotricidade. Esta linha teórica entende que o movimento, os jogos e as brincadeiras podem ser atividades au- xiliares dos professores para o aprendizado de saberes como adição, subtração, coor- denação motora fina e grossa, soletração, entre outros. Assim, a educação física, lo- cal onde estes jogos serão aplicados, serve como auxiliar para o desenvolvimento do conhecimento específico de outras discipli- nas (BRACHT, 1999). Uma prática pedagógica baseada nestes alicerces, muito utilizada principalmente no ensino infantil, não permite que haja uma reflexão sobre a especificidade da educação física dentro da escola. Afinal, a educação física estaria presente no ambiente escolar apenas para servir de alicerce à construção de outros conhecimentos? Outro paradigma surgiu ao longo dos anos 1980 que questionava o verdadeiro papel da educação física dentro da escola, e procura- Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental38/209 va ampliar os saberes relativos à disciplina. Se antes havia uma preocupação excessiva com a técnica dos esportes e também com seus aspectos biológicos, este novo para- digma propôs uma abordagem através de um enfoque cultural. Isso quer dizer que, se antes a preocupação destas aulas se volta- va apenas para a prática esportiva ou para a execução das técnicas adequadas, agora a história dos esportes e jogos, as práticas de lazer da comunidade, as relações interpes- soais, as questões socioculturais, todas es- tas preocupações passaram a fazer parte do fazer escolar na educação física (BRACHT, 1996; BRACHT, 1999). Estes conhecimentos a respeito das práti- cas corporais – que podem ser tanto no que tange ao “fazer corporal” quanto ao “saber sobre o fazer corporal” – foram distribuí- dos em diversos componentes da cultura corporal a serem abordados pedagogica- mente, entre eles os jogos, as danças, as gi- násticas, os esportes, as lutas. Estas novas possibilidades foram consideradas, então, os saberes específicos da educação física, trabalhados sob uma abordagem sociocul- tural. Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental39/209 Essa mudança de paradigma não significou o abandono da preocupação com a técnica ou mesmo com os esportes; ela significou apenas uma ampliação na possibilidade de estabelecer o verdadeiro papel da educa- ção física na escola. Não significou, ainda, o abandono de uma ideia de corpo como um elemento biológico, mas significou uma mudança de perspectiva, que trabalha ago- ra com novas concepções produzidas pelas ciências humanas. O movimento, nesse as- pecto, passou a ser entendido como uma comunicação com o mundo, uma lingua- gem que é construtora de cultura e ao mes- mo tempo é possibilitada por ela (BRACHT, 1996). Basta ver que os próprios documen- tos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e os Parâmetros Curricu-lares Nacionais (PCN) inserem a educação física na área das linguagens, e não na área das ciências biológicas ou ciências da natu- reza. Assegura-se, portanto, os conteúdos espe- Para saber mais O professor Valter Bracht, no Texto “Educação físi- ca no primeiro grau: conhecimentos e especificida- de” (1996), trabalha com a ideia de que a educa- ção física é responsável por dois saberes, um que se encerra no “fazer corporal” e outro em que se deve dar ênfase a um saber a respeito deste fazer corporal. Esta concepção tenta diminuir a ideia da diferença entre educar o “corpo e a mente”, con- cepção ainda hoje presente na formação em edu- cação física na escola. Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental40/209 cíficos e o papel específico da educação fí- sica na escola – não mais como uma “ativi- dade auxiliar”, e sim como um componente curricular obrigatório, com seus objetivos e procedimentos adequados. Mas, qual é a especificidade da educação física no ensino fundamental? 2. O papel da educação física no ensino fundamental O novo pensamento a respeito da educação física, instituído através das pedagogias críticas nos anos 1980, assegura uma ideia de educação física como responsável por tratar dos conhecimentos relativos à cul- tura corporal. Mas como é possível falar, e mais do que isso, fazer esta “cultura corpo- ral” nas aulas de educação física do ensino fundamental? É preciso assegurar, antes de determinar os conteúdos e especificidades, a organização que tangencia os fazeres escolares: a orga- nização curricular, objetivos, avaliações e procedimentos metodológicos, deve fazer parte da organização da educação física também. Há um consenso entre os demais agentes da escola de que a educação física “não reprova”, ou de que na educação físi- ca “não há prova”, e que, por isso, o profes- sor pode fazer o que quiser. A verdade é que sem organização didática e sequenciamen- to pedagógico, é impossível quebrar este senso comum. Isso não quer dizer que a aula de educação física no ensino fundamental deva ser teó- Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental41/209 rica para ter legitimidade, ou que é preciso tornar o ambiente da aula de educação fí- sica “mais sério”. Quer dizer apenas que o professor de educação física deve ter seus objetivos e procedimentos metodológicos claros quando chega para ministrar suas aulas. A perspectiva adotada neste texto aborda a educação física escolar no ensino funda- mental através da ideia de cultura corporal, (COLETIVO DE AUTORES, 19992) e, portan- to, estes objetivos e procedimentos meto- dológicos devem se direcionar a abordar os conhecimentos específicos da educação física, como os jogos, lutas, danças, ginás- ticas, capoeira, brincadeiras, atividades rít- micas, circo, dentre outros. Estes conheci- mentos devem balizar os conteúdos de aula, os procedimentos metodológicos, a avalia- ção e os objetivos do professor de educação física na escola. Isso quer dizer que não basta trabalhar o fu- tebol ou o voleibol na aula de educação físi- ca: é preciso trabalhar com tais componen- tes reconhecendo de que são conteúdos da cultura humana, que foram estabelecidos como práticas corporais por determinados grupos sociais, que seguem determinadas regras e que têm uma historicidade envol- vida. É possível abordar uma miríade de conteúdos a partir destes conhecimentos, como as regras, a inserção destes espor- tes na sociedade, a relação com a mídia, as questões técnicas e táticas, sua história e sua presença na comunidade local. É possí- vel abordá-los com relação ao fazer corpo- Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental42/209 ral e também com relação a um saber sobre o fazer, já que os elementos da cultura cor- poral não se encerram na prática feita na quadra (BRACHT, 1996). Além disso, é preciso considerar que não é possível trabalhar sempre com o mes- mo conteúdo e sempre da mesma forma. É preciso considerar que há um processo de aprendizagem, que em geral começa de ati- vidades mais básicas até as mais comple- xas, passando pelas séries do ensino funda- mental. Assim, se o professor opta por de- senvolver um trabalho com o futebol, não é possível fazê-lo da mesma forma desde o primeiro ano do ensino fundamental até o nono. Diferenças táticas, técnicas, e outras que se inserem nos corpos e conhecimentos dos alunos devem ser consideradas no pro- cesso de aprendizagem. Considerar a educação física como a res- ponsável por trabalhar os elementos da cul- tura corporal significa responsabilizar esta disciplina escolar pelo aumento dos conhe- cimentos dos alunos a respeito deste tema (SOARES, 1996). Isso significa que não é preciso trabalhar todos os anos do ensino fundamental com o “quarteto fantástico”: vôlei, futebol, basquete e handebol. Ao lon- go dos nove anos do ensino fundamental, é possível tratar de diversos temas nas aulas que envolvam outros conhecimentos, como a dança, as diversas ginásticas, outros es- portes menos praticados pela comunidade e mesmo esportes de aventura ou na natu- reza. E o trabalho “bimestral”, que permitia o trato de cada conteúdo em um bimestre, Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental43/209 também não necessariamente é o tempo adequado para o desenvolvimento de um conteúdo. Pode ser que um trabalho sobre circo na escola, a partir do momento que envolva a turma e a comunidade, dure um tempo maior do que o determinado pelo bi- mestre; ele pode durar até o ano letivo in- teiro. Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental44/209 Glossário Cultura corporal: o corpo, como um dos principais meios de expressão dos seres humanos, não foge das influências culturais, ou seja, não existe uma dimensão corporal isolada da sociedade e cultural. Assim, diversos autores da área começaram a entender que a cultura é um dos princi- pais conceitos da educação física, adicionando diversos saberes àqueles vivenciados na prática das aulas. Especificidade: a especificidade da Educação Física busca demonstrar sua particularidade, ou seja, aquilo que a diferencia das demais disciplinas. Ela não deve ser utilizada como auxiliar das demais disciplinas escolares, mas contar com seus próprios objetivos e conteúdos. Psicomotricidade: a psicomotricidade busca aliar o desenvolvimento motor ao intelectual nas crianças, se valendo dos ensinamentos como coordenação motora fina e orientação espacial para auxiliar na aprendizagem global da criança. Em geral, a educação física pensada nessa pers- pectiva serve como um trampolim para o aprendizado em outras esferas. Questão reflexão ? para 45/233 Você está convidado a pensar sobre a educação física como um componente curricular voltado à cultura cor- poral de movimento. Escolha uma temática de aula que você costuma trabalhar (um esporte, uma modalidade ginástica, uma luta) e procure encará-lo como um com- ponente da cultura corporal. Como abordar sua história, sua relação com a produção de técnicas e a relação com a sociedade e a comunidade? Tente elaborar um pensa- mento a respeito destas questões com o conteúdo sele- cionado. 46/209 Considerações Finais • A educação física, como componente curricular, não deve ter como objetivo auxiliar outras disciplinas na escola ou ser o momento de re- laxamento dos alunos; ela tem sua especificidade. • É preciso pensar a disciplina como um componente curricular obriga- tório. Isso significa que ela tem objetivos, metodologias e uma espe- cificidade na escola. • A tarefa da educação física na escola é tematizar os elementos da cul- tura corporal, o que inclui temas como danças, ginásticas, esportes, jogos, lutas. • Não há um tempo idealde trabalho dos conteúdos, tampouco uma sequência lógica para a realização dos mesmos. É preciso assegurar a diversidade de temas, a contemplação de objetivos e o uso de meto- dologias adequadas a cada faixa etária. Unidade 2 • O papel da educação física no ensino fundamental47/209 Referências BRACHT, Valter. Educação física no primeiro grau: conhecimento e especificidade. Revista Pau- lista de Educação Física, n. supl. 2, p. 23-8, 1996. ______. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, v. 19, n. 48, p. 69-88, 1999. BETTI, Mauro; LIZ, Marlene T. F. Educação física escolar: a perspectiva de alunas do ensino funda- mental. Motriz, v. 9, n. 3, p. 135-142, 2003. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, c1992. DAOLIO, Jocimar. A educação física escolar como prática cultural: tensões e riscos. Pensar a prá- tica. v. 2, n. 2, p. 215-226, jul./dez. 2005. FONTANA, Roseli C. O corpo aprendiz. In: CARVALHO, Yara M. de e RUBIO, Kátia (Org.). Educação física e ciências humanas. São Paulo: Huicitec, 2001. SOARES, Carmen L. Educação física escolar: conhecimento e especificidade. Revista Paulista de Educação Física, v. 10, p. 6-12, 1996. 48/209 Assista a suas aulas Aula 2 - Tema: O papel da educação física no ensino fundamental. Bloco I Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f- 1d/34e058bd6a8b1f8715fe734063a5715c>. Aula 2 - Tema: O papel da educação física no ensino fundamental. Bloco II Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f- 1d/659be5beebf9d4cd21e7f5af8ded0f7d>. 49/209 1. De acordo com o texto, houve mudanças na concepção de educação física desde a década de 1960 até os dias de hoje? Questão 1 a) Sim, entretanto muitos conceitos ainda são parecidos, como os objetivos e metodologias utilizadas. b) Sim, a educação física abandonou as concepções anteriores e trabalha exclusivamente com a cultura corporal. c) Sim, atualmente trabalha-se com as ideias da psicomotricidade aplicadas à escola. d) Não, a educação física continua com as concepções adotadas na década de 1960. e) Não, a educação física se mantém com os objetivos voltados à esportivização e formação de atletas. 50/209 Questão 2 2. A respeito dos conhecimentos prévios dos alunos na educação física, pode-se afirmar que: a) Os alunos chegam sem conhecimentos a respeito da disciplina de educação física, e a cons- trução destes conhecimentos se dá em aula. b) Os alunos chegam sem conhecimentos nas aulas de educação física e cabe ao professor produzi-los de forma escrita. c) Os alunos trazem conhecimentos acumulados da sociedade, o professor deve dar continui- dade àquilo que o aluno já conhece. d) Os alunos trazem conhecimentos acumulados sobre os esportes, o professor deve trabalhar outros temas da cultura corporal. e) Os alunos trazem conhecimentos acumulados sobre os elementos da cultura corporal, abor- dar os aspectos que os alunos não são capazes de refletir por si mesmos. 51/209 3. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a educação física se insere em qual área? Questão 3 a) Códigos e suas tecnologias. b) Ciências da natureza. c) Linguagens. d) Matemática e suas tecnologias. e) Ciências humanas e suas tecnologias. 52/209 4. De acordo com o texto, o que significa cultura corporal? Questão 4 a) A cultura dos esportes que é tradicional na educação física. b) Os conhecimentos teóricos a respeito dos elementos da educação física. c) A cultura dos elementos contra-hegemônicos na educação física escolar contemporânea. d) A consideração da cultura e dos demais elementos da sociedade na produção de conheci- mentos sobre o corpo nas aulas de educação física. e) A introdução de novas temáticas na educação física que consideram culturas indígenas e africanas na produção de conhecimento e nas vivências. 53/209 5. De acordo com o texto, quais são os conteúdos corretos para serem tratados em cada ano do ensino fundamental? Questão 5 a) Jogos e brincadeiras nos primeiros ciclos e esportes nos ciclos finais. b) Jogos e ginástica nos primeiros bimestres e lutas e ginástica nos dois últimos. c) Handebol e futebol para os primeiros anos do ensino fundamental e voleibol e basquetebol para os anos finais, já que estes esportes dependem da altura dos alunos. d) Deve haver uma progressão no conteúdo, iniciando os anos do ensino fundamental pelos esportes mais simples como atletismo e finalizando com os esportes coletivos. e) Não há um conteúdo específico para cada ano, o professor deve considerar a progressão das dificuldades e assegurar a diversificação dos temas da cultura corporal. 54/209 Gabarito 1. Resposta: A. Embora muitas mudanças sejam sentidas na educação física a respeito de seus obje- tivos e metodologias, muitas práticas ainda retomam as ideias propagadas no fim dos anos 1960, quando a educação física se apoiava nas ideias de esportivização e for- mação de atletas. 2. Resposta: E. De acordo com Paulo Freire, os conhecimen- tos prévios dos alunos devem ser utilizados na produção do conhecimento escolar, e o professor deve aprofundar estes conheci- mentos e levá-los a dimensões não alcan- çadas pelo senso comum. 3. Resposta: C. Ancorada na definição dos objetivos da edu- cação física através de um viés cultural, que considera a expressão corporal uma lingua- gem, as Diretrizes Curriculares Nacionais e os documentos subsequentes inserem a educação física na área de linguagens. 4. Resposta: D. O corpo, como um dos principais meios de expressão dos seres humanos, não foge das influências culturais, ou seja, não existe uma dimensão corporal isolada da socieda- de e cultural. Por isso, a cultura passa a ser associada à educação física. 55/209 Gabarito 5. Resposta: E. Não há uma definição para os conteúdos a serem abordados na educação física. O professor deve ampliar o leque de conhe- cimentos a serem tratados na educação fí- sica, abandonando as ideias tradicionais, e assegurar apenas a progressão das dificul- dades, para que as aulas não sejam dadas da mesma forma desde o início até o fim do ensino fundamental. 56/209 Unidade 3 As teorias pedagógicas na educação física. Objetivos 1. Apresentar as tensões envolvendo a formação de um currículo escolar. 2. Discutir as teorias pedagógicas não críticas da educação física, problematizando e refletindo so- bre seus pressupostos. 3. Discutir as teorias pedagógicas críticas da edu- cação física, problematizando e refletindo sobre seus pressupostos. 4. Apontar pedagogias emergentes na educação fí- sica (pós-críticas), problematizando e refletindo sobre seus pressupostos. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física57/209 Introdução A formação de um currículo, em qualquer que seja a disciplina escolar, pode ser con- siderada um sistema de poder. Isso signifi- ca que estabelecer um currículo envolve as ações de escolher, selecionar e excluir, ou seja, ao montar um currículo, se expressam certas concepções em detrimento a outras (MOREIRA, 2001). Assim, é preciso pensar que nenhuma abor- dagem pedagógica selecionada para ser trabalhada está livre de interesses: os con- teúdos sempre servem aos interesses de determinado grupo de poder, que consegue impor suas concepções aos demais pares. Além de ligadas a certos jogos de poder, os conteúdos curriculares atendem às relações com a sociedade. Os processos pelos quais atravessam as sociedades e a relação que a educação estabelece com esses processos também são determinantes na produção dos currículos, objetivos e conteúdos edu-cacionais, seja no âmbito das artes, ciências naturais ou da educação física. O currículo funciona como aparato técnico, pois distribui e organiza os conteúdos, as práticas pedagógicas e os códigos ligados a estas práticas (MOREIRA, 2001). Os ob- jetivos traçados pelos professores em sala de aula se ligam a um objetivo mais amplo, que é posto como o motivador do currículo. É papel da educação física cuidar do desen- volvimento do corpo dos alunos? Ampliar sua relação com os esportes? Desenvolver ações de profilaxia e manutenção da saúde? Estas amplitudes que ultrapassam os obje- tivos da aula estão presentes sobretudo na Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física58/209 perspectiva curricular adotada pelo profes- sor. A relação entre a formação de propostas curriculares e a prática pedagógica depen- de, em suma, de uma perspectiva teórica adotada. Os objetivos pedagógicos obe- decem a um pensamento sobre o papel da educação física no ambiente escolar, sendo diversas teorias pedagógicas formuladas a esse respeito no âmbito da educação física (BRACHT, 1999). Da mesma forma como ocorre na esfera da educação, a educação física obedece, de certa forma, a um pensamento sobre o papel do corpo na sociedade e o papel das práti- cas corporais. Assim, quando a educação se munia de aparatos técnicos para dar con- ta de uma sociedade burocratizada, indus- trializada e organizada em preceitos fabris, como foi a sociedade moderna, a educação física também se prestava a uma decodifi- cação do papel do corpo separado em um desenvolvimento progressivo e contínuo. Pensar a aprendizagem de gestos corporais progressivamente e de acordo com a ida- de se assemelha a um pensamento social e escolar desenvolvimentista e burocrático, que preza pela organização social (BRACHT, 1999). A educação passou por grandes mudanças ao longo da década de 1980, estimulada por novos pensamentos a respeito da democra- cia, de sociedade igualitária e do papel da educação a respeito desses novos objetivos. A educação física, acompanhando este pro- Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física59/209 cesso, também passou por questionamen- tos em seus paradigmas e pensamentos, e foi conduzida por um pensamento mais “social” a respeito do corpo. Novas possi- bilidades de pensar o corpo e sua educação dentro da escola emergiram a partir dessas concepções (OLIVEIRA, 2008). Refletir sobre o corpo de novas formas não anula um pensamento anterior, tão pouco se torna algo hegemônico, em que nenhum outro pensamento existe. Existem diversas nuances e diversos pensamentos peda- gógicos que coexistem no pensamento da educação física, e é exatamente por este motivo que o professor deve realizar o papel de escolher quais os objetivos e conteúdos a serem tratados pedagogicamente – esse é o papel do currículo. Nesta aula, serão apresentadas algumas das teorias pedagógicas da educação fí- sica, que serão divididas entre pedagogias não críticas (as teorias desenvolvimentista e construtivista); as pedagogias críticas (as teorias crítico-superadora e crítico-eman- cipatória); além de alguns apontamentos a respeito das teorias pós-críticas (BRACHT, 1999). 1. Abordagens pedagógicas não críticas As teorias pedagógicas não críticas na edu- cação física são aquelas em que a preocu- pação não recai sobre o papel social da dis- Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física60/209 ciplina e, menos ainda, sobre os fazeres cul- turais do corpo e sua relação com o ambien- te. Estas teorias se preocupam em trabalhar o corpo e a aprendizagem dos movimentos, ou sua relação com a aprendizagem e as questões psicológicas (BRACHT, 1999). 1.1 Abordagem desenvolvimentista Esta abordagem tem como ideia principal oferecer às crianças oportunidades de ex- periências de movimento para garantir seu desenvolvimento normal, ou seja, através da aprendizagem de movimentos, é possí- vel objetivar o desenvolvimento motor dos alunos. Baseada nos estudos de Jean Piaget e David Gallahue, ela foi difundida no Brasil principalmente com o livro “Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista” (TANI, G. et al, 1988). Esta perspectiva procura relacionar o de- senvolvimento dos alunos às condições ge- néticas, maturacionais e suas experiências, ou seja, existem princípios gerais ligados à genética dos alunos e ao crescimento e de- senvolvimento que devem ser ensinados na escola, progressivamente. As habilida- des, como são chamadas as possibilidades corporais, devem partir das mais simples – as habilidades fundamentais – até as mais complexas – as habilidades específicas. Esta abordagem foi e ainda é muito utili- zada nas escolas, principalmente, nos anos iniciais do ensino fundamental. Entretan- to, algumas críticas foram constantemente Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física61/209 delegadas a ela, principalmente dos auto- res das chamadas pedagogias críticas. Para eles, não há um tratamento destinado por esta abordagem às diferenças, estabele- cendo-se um padrão eurocêntrico de mo- vimentos e também instituindo padrões de movimentos aos alunos, sem conhecimento da cultura local e da comunidade em que o aluno está inserido. Estes princípios promo- vem uma divisão entre os fazeres corporais entre “certo e errado”, o que, para eles, de- veria se categorizar apenas como diferen- ças culturais (BONETTO; NEVES, 2016). 1.2 Abordagem construtivista Esta abordagem levada a cabo pelo livro de João Batista Freire, “Educação de corpo intei- ro”, foi influenciada pelas teorias de Jean Le Boulch e Jean Piaget, representantes da psi- comotricidade e desenvolvimentismo, res- pectivamente. A principal característica do livro é, através das brincadeiras, proporcionar o desenvol- vimento das crianças, amparado nas fases de desenvolvimento elaboradas por Piaget. Assim, o autor busca, com os jogos (jogos simbólicos, jogos de construção e jogos so- ciais), desenvolver nos alunos a cognição, a afetividade, a sociabilidade através do mo- vimento corporal. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física62/209 Para saber mais As fases de desenvolvimento da inteligência propostas por Jean Piaget são: sensório-motor, pré- -operatório, operatório-concreto e operatório formal ou hipotético-dedutivo. João Batista Freire foi e ainda é um dos prin- cipais autores da educação física, sendo sua obra constantemente bibliografia de con- cursos públicos e currículos municipais e estaduais. Entretanto, sua teoria baseada no jogo e na brincadeira como os principais componentes do currículo da educação fí- sica dá margem para a associação com as teorias desenvolvimentistas, que inserem um padrão de movimento para que seja to- mado como ideal e levado a todas as crian- ças. Além disso, o jogo não é tomado como um elemento da cultura infantil, e sim como uma estratégia para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras (BONET- TO; NEVES, 2016). Ambas abordagens tratadas até aqui são consideradas não críticas por terem como preocupação os movimentos, a aprendiza- gem cognitiva e motora e as relações psico- lógicas proporcionadas por esta aprendiza- gem. Embora pareçam muito diferentes “na prática”, as concepções teóricas de ambas se assemelham, e isso ocorre também com as expectativas de aprendizagem delinea- das. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física63/209 Assim, as duas abordagens estão passíveis à mesma crítica: se a escola é um elemento central da sociedade, é preciso que ela seja um agente crítico, que esteja a par daqui- lo que acontece, que consiga problematizar aquilo que é feito lá dentro. Assim, as peda- gogias críticas, que começaram a surgir na década de 1980,em consonância com um movimento crítico e democrático fremente na área da educação, buscam resolver es- tas questões dando novas vozes às aulas de educação física na escola. 2. Abordagens críticas As teorias que serão aqui apresentadas têm como princípio discutir a educação física em seu papel social e cultural, corroborando com as questões das comunidades em que as escolas estão inseridas e com um fazer corporal que foi historicamente construí- do. O objetivo agora é selecionar as princi- pais características de ambas abordagens e apresentá-las em um panorama geral. 2.1 Abordagem crítico- superadora Esta abordagem, amplamente divulgada com o livro “Metodologia do ensino da educa- ção física” (COLETIVO DE AUTORES, 1992), produzido por um coletivo de autores da área, se baseou nas teorias pedagógicas da concepção histórico crítica, que teve como principal representante o pedagogo De- merval Saviani. Pautada em um novo olhar Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física64/209 à escola e ao fazer escolar, que enfatizava este ambiente como produtor de cultura, e não como um receptáculo social, esta pe- dagogia foi pioneira em estabelecer uma preocupação da educação física com a cul- tura dos alunos, como parte de sua realida- de social complexa. O objetivo desta pedagogia é apresentar os temas ligados à cultura corporal do homem e da mulher brasileiros, colocando-os como parte de uma cultura geral. Os alunos de- vem, portanto, apreender e entender esta cultura corporal como constitutiva de sua realidade social complexa. Mas, o que sig- nifica esta cultura corporal para os autores? Para eles, são os elementos que foram constituídos historicamente como parte da cultura humana em movimento, como as danças, a ginástica, as lutas, os esportes, os jogos e brincadeiras, as atividades rítmi- cas, a capoeira. Estes conteúdos devem ser entendidos como práticas sociais, ou seja, devem ser abordados em sua historicida- de, sua complexidade e sua inserção na vida daquelas crianças. Deve ser ofertado um “fazer corporal” ligado a uma reflexão sobre este “fazer”. O objetivo final desta pedago- gia é uma transformação da sociedade em que vivem, através da formação de cidadãos críticos e conscientes de seu entorno social. Uma caracterização dos conteúdos e obje- tivos pautados na relação de cultura rom- pe com os pressupostos biologicistas pro- postos até então à educação física. Esta abordagem, pautada em pressupostos das ciências humanas, dá os primeiros passos Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física65/209 na inserção da educação física na esfera da linguagem. Para saber mais Os autores desta proposta – Carmen Lúcia Soares, Celi Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht – na se- gunda edição do livro, publicada 20 anos depois da primeira (2012), responderam aos questiona- mentos do pesquisador Marcílio Souza Júnior a respeito do impacto desta obra na educação físi- ca escolar brasileira e analisaram os limites desta publicação no pensamento da disciplina. 2.2 Abordagem crítico- emancipatória Esta abordagem, que teve como principal divulgador o professor Elenor Kunz, com sua obra “Transformação didático-pedagógica do esporte” (KUNZ, 1994), entende como obje- to do ensino da educação física o movimen- to humano, em especial o esporte, e suas transformações sociais. Assim, os conteú- dos básicos desta abordagem são os movi- mentos humanos, através dos esportes, das danças e das atividades lúdicas. Tal concepção é considerada crítica, pois procura apontar o movimento humano como algo passível de ultrapassar as estru- turas coercitivas. Os movimentos devem ser aprendidos para que possam ser ressig- Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física66/209 nificados, recriados, em uma aposta na ex- perimentação e na ressignificação através da aprendizagem. Portanto, a abordagem entre professor e alunos deve ser preferen- cialmente comunicativa e, acima de tudo, problematizadora. Embora esta abordagem aponte alguns conteúdos a serem desenvol- vidos em aula, ela não aponta uma proposta de divisão em séries ou organização do tra- balho do professor, em relação às questões didáticas. 3. Abordagens pós-críticas As abordagens pós-críticas começaram a ser introduzidas nos estudos da educação física a menos tempo do que as demais e elas procuram realizar o mesmo movimento que as teorias críticas exerceram anterior- mente: apontar algumas inconsistências e limites das abordagens e tentar relacionar aquilo que vem sendo produzido na socie- dade e no campo da educação às aulas de educação física. Assim, alguns trabalhos que seguem esta vertente, que tem como principais expoentes os professores Mar- cos Neira e Mário Nunes, procuram criticar a ideia de que a sociedade contemporâ- nea é a mesma que a sociedade moderna, e que, portanto, as metodologias de ensino e aprendizagem devem transformar a escola, para que ela se adapte às necessidades da sociedade atual (NEIRA; NUNES, 2006). No campo da educação física, a ideia central desta perspectiva é compreender a cultura corporal como um campo de significados Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física67/209 constituídos através da gestualidade e que o objetivo principal da disciplina deve ser a descolonização do currículo na tentativa de produzir novas possibilidades estético ex- pressivas. A base teórica desta perspectiva é composta de teorias pós-críticas como o pós-estruturalismo, o pós-modernismo e a filosofia da diferença, dentre outros. (NEIRA, NUNES, 2006) Isso implica produzir saberes na educação física que não seguem um padrão de con- teúdos e temas propostos até então. Estes saberes devem ser buscados na própria rea- lidade dos alunos, através de uma ancora- gem social dos conhecimentos, para que sejam tematizados e ressignificados na es- cola. Para saber mais A revista Carta Educação, em sua área de práti- cas pedagógicas, abordou dois temas que comu- mente não eram tratados nas aulas de educação física, mas que foram tematizados sob o prisma dessa perspectiva: os esportes radicais e o funk. Disponível em: <http://www.cartaeducacao. com.br/aulas/fundamental-2/lugar-de-es- porte-radical-e-na-escola/>. Acesso em: 8 dez. 2016. Disponível em: <http://www.cartaeduca- cao.com.br/aulas/fundamental-1/o-funk- -%E2%80%A8na-escola/>. Acesso em: 8 dez. 2016. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física68/209 Link 1. Entrevista do professor Marcos Neira a respeito do papel da educação física na escola. Disponível em: <http://www.cartaeducacao.com.br/entrevistas/educacao-fisica-amplia-re- pertorio-cultural-do-jovem/>. Acesso em: 8 dez. 2016. 2. Prêmio “Professor Nota Dez” (Fundação Victor Civitta) – Lutas na Educação Física. Disponí- vel em: <http://www.fvc.org.br/educadornota10/vencedores/joice-mayumi-nozaki-676136. shtml>. Acesso em: 8 dez. 2016. 3. Abordagem desenvolvimentista: 20 anos depois. Disponível em: <http://eduem.uem.br/ ojs/index.php/RevEducFis/article/viewArticle/5022>. Acesso em: 8 dez. 2016. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física69/209 Glossário Abordagens críticas da educação física: são as abordagens que se preocupam com o fazer cor- poral inserido na sociedade, pensando os conteúdos e objetivos da educação física atrelados a uma cultura corporal. Abordagens não críticas da educação física: são abordagens que têm como preocupação a aprendizagem dos movimentos e o desenvolvimento das crianças, sem preocupações com as questões sociais ou culturais. Currículo: aparato técnico que distribui e organiza os conteúdos, as práticas pedagógicas e os códigos ligados a estas práticasna disciplina referente. Questão reflexão ? para 70/233 Após a apresentação de todas estas abordagens, suas principais características e objetivos, você é convidado a refletir sobre sua prática pedagógica. Em qual dessas perspectivas ela se encaixa, ou a qual delas ela se apro- xima? Você consegue refletir se suas aulas são críticas, não críticas ou pós-críticas? E quais são as vantagens e desvantagens da metodologia utilizada? 71/209 Considerações Finais • A construção de currículos escolares na educação física não é feita de forma aleatória. Ela envolve disputas de poder e determinadas concepções a respeito do que significa educação física, educação do corpo e aprendizagem dos movimentos • A formação de tais currículos depende de perspectivas teóricas adotadas, e as perspectivas ou abordagens na educação física são divididas em três grupos: as não críticas, as críticas e as pós-críticas. • As abordagens não críticas têm como preocupação a aprendizagem dos movimentos e o de- senvolvimento das crianças, sem preocupações com as questões sociais ou culturais. As abor- dagens críticas se preocupam com o fazer corporal inserido na sociedade, pensando os con- teúdos e objetivos da educação física atrelados a uma cultura corporal. Já as concepções pós- -críticas procuram descolonizar o currículo e produzir outras práticas estéticas e expressivas, mais próximas ao fazer da comunidade. • Apesar de existirem diversas abordagens, nenhuma delas está certa ou errada; a configuração de um currículo envolve escolhas, e o professor ou o grupo devem optar pelas pedagogias que mais se adéquam às concepções adotadas, sendo capaz de avaliar seu trabalho entre os be- nefícios e prejuízos daquilo que se optou. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física72/209 Referências BONETTO, P. X. R.; NEVES, M. R. De corpo inteiro, desenvolvido e crítico: onde está a diferença? In: NEIRA, M. G.; NUNES, M. L. F. (Orgs.). Educação Física Cultural: Por uma pedagogia da(s) diferen- ça(s). 1ª ed. Curitiba: CRV, 2016, v. 13, p. 157-173. BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, v. 19, n. 48, p. 69-88, 1999. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992. FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. 4 ed. São Paulo: Sci- pione, 1994. KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994. MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currículo, cultura e formação de professores. Educar em re- vista, n. 17, p. 39-52, 2001. NEIRA, M. G.; NUNES, M. L. F. Educação Física, currículo e cultura. Phorte, 2009. NEIRA, M. G; NUNES, M. L. F. Pedagogia da cultura corporal: crítica e alternativas. Phorte, 2006. OLIVEIRA, A. A. B de. Metodologias emergentes no ensino da educação física. Revista da Educa- ção física/UEM, v. 8, n. 1, p. 21-27, 2008. Unidade 3 • As teorias pedagógicas na educação física73/209 TANI, G. Abordagem desenvolvimentista: 20 anos depois. Journal of Physical Education, v. 19, n. 3, p. 313-331, 2008. TANI, G.; MANOEL, E. DE J.; KOKUBUN, E., PROENÇA, J. E. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU: EdUSP,1988. Referências 74/209 Assista a suas aulas Aula 3 - Tema: As teorias pedagógicas e a edu- cação física. Bloco I Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 38769341ca9c4ea52bd25e9c2c3253ed>. Aula 3 - Tema: As teorias pedagógicas e a edu- cação física. Bloco II Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 125214fd49eae9735d29c0cd71f32f11>. 75/209 1. Analise as afirmações a seguir sobre o papel do currículo na educação física. Indique (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas: ( ) O currículo não tem importância na educação física, pois ele só serve às disciplinas de humanas. ( ) O currículo serve para organizar os esportes ao longo do ano letivo. ( ) O currículo serve para distribuir e organizar os conteúdos, as práticas pedagógicas e os códigos ligados a estas práticas. ( ) O currículo serve para inserir as diversas abordagens da educação física no trabalho do professor. Assinale a alternativa que contém a sequência correta das afirmações: a) V – V – V – V. b) V – F – V – F. c) V – V – F – F. d) V – V – F – V. e) F – F – V – F. Questão 1 76/209 2. Qual entre as alternativas a seguir apresenta corretamente a denominação de abordagens pedagógicas da educação física? a) Psicomotricidade; militarista; crítico-superadora; crítico-emancipatória; e saúde renovada. b) Psicomotricidade; crítico-superadora; abordagem dos PCN; saúde renovada; e pós-críticas. c) Esportivista; construtivista; pré-críticas; pós-críticas; e saúde renovada. d) Desenvolvimentista; construtivista; crítico-superadora; crítico-emancipatória; e pós-críti- cas. e) Militarista; desenvolvimentista; construtivista; esportivista; e crítico-emancipatória. Questão 2 77/209 3. Na coluna I aparecem os principais autores de algumas abordagens pedagógicas da Educação Física. Na coluna II aparecem os nomes destas abordagens. Assinale a alternativa que apresenta a correta relação entre as colunas: a) A-1; B-2; C-3; D-4. b) A-2; B-1; C-4; D-3. c) A-4; B-1; C-3; D-2. d) A-3; B-2; C-4; D-1. e) A-3; B-1; C-2; D-4. Questão 3 Coluna I A – Go Tani B- Coletivo de autores C – João Batista Freire D – Elenor Kunz Coluna II 1 – Crítico-superadora 2 – Crítico-emancipatória 3 – Construtivista 4 – Desenvolvimentista 78/209 4. Leia o trecho a seguir: Para ____________, o principal conteúdo das aulas de educação física devem ser os jogos e brincadeiras, pois eles permitem o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras. Complete a lacuna com a alternativa que apresenta o nome correto da teórica que apresen- ta a ideia acima: a) Elenor Kunz. b) João Batista Freire. c) Valter Bracht. d) Lino Castellani Filho. e) Go Tani. Questão 4 79/209 5. Qual é o principal objetivo das abordagens pós-críticas na educação físi- ca? a) Problematizar a cultura corporal de movimento através dos jogos, dança, ginástica, lutas e esporte. b) Descolonizar o currículo na tentativa de produzir novas possibilidades estético-expressivas. c) Desenvolver as habilidades motoras das crianças em seus primeiros anos do ensino funda- mental. d) Trabalhar com jogos e brincadeiras na tentativa de desenvolver as capacidades cognitivas e habilidades motoras. e) Ressignificar os movimentos através do se-movimentar. Questão 5 80/209 Gabarito 1. Resposta: E. O currículo é um aparato técnico, ligado à organização do trabalho pedagógico do professor. 2. Resposta: D. As abordagens apresentadas foram: Desenvolvimentista, construtivista, crítico-superadora, crí- tico-emancipatória, pós-críticas. 3. Resposta: C. Elenor Kunz é responsável pela teoria crítico-emancipatória; Coletivo de autores, pela teoria-crí- tico superadora; João Batista Freire, pela teoria construtivista; Go Tani, pela teoria tecnicista. 4. Resposta: B. João Batista Freire elege os jogos e as brincadeiras como principais ferramentas da educação fí- sica pelo potencial que exibem no desenvolvimento das habilidades cognitivas e motoras. 81/209 Gabarito 5. Resposta: B. As teorias pós-críticas têm como objetivo é compreender a cultura corporal como um campo de construção de significados através dos gestos, e descolonizar o currículo para produção de no- vos sentidos nas aulas. 82/209 Unidade 4 A sistematização dos conteúdos da cultura corporal de movimento na educação física no ensino fundamental.
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