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II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte 13 a 15 de setembro de 2010 – Belém-PA GT 6 – Identidades, Sexualidades e Corporalidades: contextos tradicionais, fronteiras e deslocamentos De bajubá em bajubá, onde será que vai dar? apropriações, classificações e relações de poder em Belém-PA Milton Ribeiro da Silva Filho – UFPA De bajubá em bajubá, onde será que vai dar? apropriações, classificações e relações de poder em Belém-PA1 Mílton Ribeiro da Silva Filho2 Resumo: O trabalho refere-se a uma reflexão acerca da gíria urbana utilizada pelos homossexuais na capital paraense, uma vez que a inquietação surgiu no decorrer da pesquisa realizada entre 2007 e 2009, e que tinha como foco as discussões sobre identidade(s) LGBT e o coming out em Belém-PA a partir de uma expressão coletiva, o bajubá. Baseando-se no uso, na apropriação e nas formas de classificação presentes no bajubá procuramos entender como este auxilia na construção de um ethos LGBT e se a intensificação da utilização diz respeito à “saída do armário”. A partir do entendimento de que a compreensão da sociedade se dá em dimensões binárias (homem/mulher, masculino/feminino, heterossexual/homossexual) e de que a construção da subjetividade brasileira é estruturalmente pautada na heteronormatividade, recorremos à pesquisa de campo para estabelecer alguns eixos norteadores no desenvolvimento desta pesquisa, como: o estabelecimento de uma conexão entre as referências simbólicas (através das expressões e palavras/vocábulos mais recorrentes e, também, da performance) presentes no “bajubá”; como eles tendem a classificar @ “outr@”, se é a relação de proximidade ou não é que determina o uso de termos classificatórios, a partir da realidade vivida por el@s; e (re)conhecer no léxico algumas palavras que estejam ligadas à binaridade de gênero, principalmente no que diz respeito às categorias relacionadas à sujeira, roubo, etc. Para isso, será necessário retorno ao campo, assim como a utilização de entrevistas e observação participante, tendo em vista os objetivos acima descritos,assim como uma revisão bibliográfica da temática sobre sexualidade e relações de gênero. Palavras-chave: Bajubá, Ethos LGBT, Homossexualidade Introdução A origem deste trabalho está na observação e nas conversas que desenvolvi ao longo da pesquisa para a monografia de graduação, sem perder de vista o foco original do trabalho original, que se detinha no coming out de jovens gays em Belém e na formação de um ethos gay diferente do hegemônico, tentei mapear as palavras do bajubá que me diziam alguma coisa. Durante a construção da pesquisa, percebi que o bajubá, além de fazer uma mediação entre a identificação subjetiva e a identificação coletiva, ajudava a entender um pouco das relações de poder existentes entre LGBT, pois as formas de apropriação e de classificação presentes neste léxico marginal são parte de uma “cosmologia”, de um conjunto de significados, de um conjunto de representações, e 1 Trabalho apresentado no II. Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte, realizado entre os dias 13 e 15 de setembro de 2010, Belém, Pará, Brasil. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – área de concentração em Antropologia – da Universidade Federal do Pará (Orientadora: Carmem Izabel Rodrigues) e Bolsista de Mestrado do CNPq. por que não dizer, de explicações dos preconceitos e discriminações por parte de quem fala, do sujeito falante, pois mesmo que, inadvertidamente, se aproprie de nichos dessa linguagem acaba levando consigo os traços das relações de poder emanadas pelo constructo semântico. E só para começar com um exemplo, sito uma expressão muito utilizada no meio para se referir as mulheres, lésbicas ou não, o termo “racha”. Pessoalmente, já acompanhei discussões em encontros acadêmicos em que o termo fora posto porta a fora, por iniciativa das mulheres lésbicas, travestis e transexuais, e até mesmo de homens gays sensíveis a essa forma tão discriminatória de designação do ser feminino, do ser mulher. Mas o que estaria por trás do “racha”? Justamente os componentes que reforçam a ligação da mulher com a natureza, o fato dela menstruar, da possibilidade de parir, fazendo com que ela exista pela metade no meio sócio- cultural, pois estaria “poluída”, “contaminada” pelo sangue, marcada pela relação constante com o natural, principalmente pelo fato de gestar um filho em seu ventre. Ao longo deste trabalho retomarei algumas considerações, com base na reflexão sobre sujeira, poluição e perigo, presente em Douglas (1991), da marcação a partir do estigma, partilhando da visão de Goffman (2008), do lugar do estranho ou do outsider, de acordo com Becker (2008) e Elias e Scotson (2000), e da situação do não-lugar, conforme Augé (2001), mas após esta exposição inicial faz-se urgência em desenvolver uma micro-genealogia do bajubá. Bajubeando: uma possível micro-genealogia Quando Fry (1982) fez sua incursão por terras paraenses, tentado buscar uma relação causal entre a homossexualidade masculina e os cultos afro-brasileiros, talvez, tenha passado despercebido ou possa ser que, até aquele momento, o objeto em questão não fosse tão difundido entre a comunidade gay, tanto que os escritos desta época não fazem referência a linguagem/gíria, que aqui defino, como um dos elementos-chave na construção de um ethos LGBT e facilitador da sociabilidade entre @s sujeit@s. O bajubá é parte do processo criativo, tão somente incorpore uma série de palavras de línguas alienígenas, como as provenientes do Iorubá-Nagô (PELÚCIO, 2007; SILVA FILHO e PALHETA; 2008), do francês, do inglês, quão esteja atrelado ao uso performático que a linguagem acaba acarretando, ou seja, é apenas um elemento na construção da identidade homossexual, como pude perceber durante a pesquisa, pois ele também aparece como instrumento da sociabilidade, conectando pólos distintos, ou seja, relacionando duas categorias que não se excluem, mas que por vezes aparecem como, essencialmente, dicotômicas: a casa e a rua. Embora Silva Filho e Palheta (2008), tenham atentado para o fato de que é no espaço da rua em que o bajubá é falado, trago à discussão o conceito de “pedaço”, descrito por Magnani3 (1998), e que em Pelúcio4 (2007) e Rodrigues5 (2008) aparece como suporte às suas etnografias realizadas em espaço urbano, como o espaço de interseção entre o público e o privado, uma vez que esta linguagem (e sua performatividade), também, pode remeter a um continuum público- privado (ou porque não dizer um continuum folk-urbano6) quando notei a disseminação do bajubá, através repercussão das Paradas do Orgulho em todo país, nas entrevistas de (tele)jornais, na mídia eletrônica e impressa, na presença de personagens gays em novelas, séries de TV, programas humorísticos, etc., ou seja, algumas palavras do bajubá fazendo parte do cotidiano do “mundo heterossexual”. Enquanto suporte das identidades LGBT, o bajubá, acaba encontrando possibilidade na difusão que acontece nos espaços e “pedaços” gays: onde o código, que deveria ser restrito somente àqueles que vivenciam a homossexualidade e/ou transbordam as identidades de gênero ou àqueles que estão inseridos no 3 Magnani (1998, p. 116) define o pedaço como “espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e indivudualistas impostas pela sociedade”. 4 Pelúcio (2007) esclarece da seguinte forma a apropriação do termo: “Em A casa e a rua, DaMatta estabeleceuma triangulação espacial, simbólica e moral entre casa/rua/outro mundo, propondo que estas categorias espaciais estão moralmente opostas. Ainda que não sejam estanques só se definem em oposição umas às outras, ocorrendo o englobamento de um pela outra, mas não o patente trânsito que proponho. Magnani procurou quebrar essa visão dicotomizada de “casa” e “rua” através da idéia de “pedaço” (Nota de rodapé 92, p. 77). 5 Rodrigues (2008, p. 235) diz que são “espaços conhecidos e nominados em um território claramente demarcado e apropriado pelos usuários, lugares de passagem e de encontro entre vizinhos, conhecidos ou chegados”. 6 Quando nos referimos à categoria de Redfield (1949) para referendar que o bajubá nasce de palavras de línguas e/ou dialetos tradicionais, como o Yorubá-Nagô, o francês, o inglês, e que são (justa)postas em outro contexto, tendo como novo nascedouro o meio urbano. “gueto” gay, é o grande responsável pela sociabilidade, pelos encontros com amigos, pela pegação (que neste caso acontecerá, por vezes, preferencialmente, com quem não fala o bajubá7), etc. E fazer parte de uma comunidade gay, do “pedaço” homossexual, por exemplo, traz conseqüências, seja na luta por manter o código em sigilo , seja na “compra”, “uso” e “difusão” (entre iguais) das muitas palavras e dos atos performativos que tangenciam a linguagem, ou seja, expandir o bajubá, porém, com ressalvas: [...] Quando minha mãe me viu conversando com um amigo lá em casa, depois, numa outra conversa, disse que não tinha entendido nada do que eu tinha falado [...] ela tinha escutado a gente falar bafon 8 , ocó 9 , neca 10 , num sei direito... mas eu disse assim: “não era pra entender, porque se fosse [eu] não usava o bajubá [...] e depois, mais tarde, eu tive que dizer o que era o bajubá (risos) [...] mas não disse tudo, algumas coisas eu ensinei errado (risos) (XY6, 26 anos, 26/09/2009) Mas, antes de retomar as considerações acima, permito-me pensar um pouco sobre uma possível genealogia do bajubá, pois, de acordo com a etnolinguísta Pessoa de Castro o iorubá é uma língua única, constituída por um grupo de falares regionais concentrados no sudoeste da Nigéria (ijexá, oió, ifé, ondô, etc.) e no antigo Reino de Queto (Ketu), hoje, no Benim, onde é chamada de nagô, denominação pela qual os iorubás ficaram tradicionalmente conhecidos no Brasil (2009, p. 3) Então, o iorubá como língua, e que não esteve presente na etnografia sobre a relação entre homossexualidade e os cultos afro-religiosos encontrados por Fry (1982) em Belém, ajuda a demonstrar que o 7 Isso acontece devido o entendimento, por parte da comunidade, de que quem fala o bajubá é bicha, não homem de verdade. 8 No bajubá significa “Lugar do babado; Caso amoroso e/ou sexual; Briga; escândalo; faniquito; piti” e também “Acontecimento; Algo muito importante”. 9 No bajubá significa “homem que faz o papel de ativo”; aquele que é “masculino”. 10 No bajubá significa “pênis”. repertório linguístico, genericamente chamado de língua-de-santo na Bahia, compreende uma terminologia religiosa operacional, de caráter mágico- semântico e de aparente forma portuguesa, mas que repousa sobre sistemas lexicais de diferentes Iínguas africanas que provavelmente foram faladas no Brasil durante a escravidão, vindo a constituir uma língua ritual, mítica, que se acredita pertencer a nação do vodum, do orixá ou do inquice e não a determinada nação africana política atual. (PESSOA DE CASTRO, 1983, p. 84) E o que antes se encontrava cercado por uma aura privada e de culto começou a ser utilizado no espaço das ruas, entre as travestis (PELÚCIO, 2007; FOLHA ON-LINE, 2006), as drag-queens (SOUZA, 1998), as bichas, etc., portanto, afastando-se da configuração religiosa “original”; assim sendo, a presença constante de homossexuais nos terreiros de umbanda em Belém (FRY, 1982), levou a uma transposição do caráter litúrgico e ritualístico para uma configuração mais “profana”: o uso da língua-de-santo no seio da comunidade gay. Os reflexos desse entrecruzamento de línguas, de espaços, de domínios, como o público e o privado, e até mesmo de palavras de outras variantes africanas, como é o exemplo da palavra nena11 (do banto kunena; o prefixo ku- indica o verbo no infinitivo) e que significa “defecar”, mas que na “linguagem de comunicação usual do povo-de-santo” aparece como “fazer nena” e que no bajubá aparece na expressão “deserdar a nena”, que corresponde ao mesmo processo (PESSOA DE CASTRO, 1983, p. 88; SILVA FILHO e PALHETA, 2008). Mas a glossolalia12 que é o bajubá, no qual a entrevista acima deixa claro, quando aparecem palavras que antes faziam parte de outro repertório, como é o caso da palavra “bafon” (do francês bas-fond), com significação diferente da percebida no bajubá: no primeiro caso, significa “baixo”, “baixio” e que, também, está relacionado as classes baixas, na França; e no segundo caso, significa “1. Lugar do babado; 2. Caso amoroso e/ou sexual; 3. Briga; escândalo; faniquito; piti” (cf. AURÉLIA, 2006?), “acontecimento, algo muito importante” (cf. SILVA FILHO e PALHETA, 2008). 11 Cf. Pessoa de Castro (1983, p. 91): “itens que se referem aos órgãos sexuais, a diversas funções fisiológicas, a gravidez, ao homossexualismo; entre os casos assinalados por eufemismo, a maioria foi de étimos bantos, como nena, fezes, ou fazer nena, defecar”. 12 Encarada aqui um pouco diferente do sentido etimológico. Porém, não é só do francês que as palavras são importadas, mas também das línguas anglo-saxônicas, um exemplo é o “close”, que em inglês é “fechado” e no bajubá aparece na expressão “dar close”, que é o ato de fechar, da “fechação” (Fry, 1983, p. 101), porém, as variações vão sendo construídas tanto a partir de línguas alienígenas, quanto de contrações, conjunções, retrações, adequações, etc. da própria língua portuguesa. Mergulhando num rio que se chama bajubá13! A linguagem como forma de (re)(de)marcar o não-lugar ou o des-lugar do sujeito, de contextualizar o estranhamento gerado pelo sujeito abjeto, marcado pelo estigma, de cercar o forasteiro, o estrangeiro e o outsider, como se esse estivesse fora da “cosmologia”, da maneira pela qual o mundo pode ser explicado e classificado, faz com que os agentes expandam a abjeção para o operador do processo discriminatório, mantendo o caráter “escrachado”, “debochado” e “desbocado” que o bajubá tende a assumir. Sendo assim, aparecem formas de classificação que agem de maneira a marcar o lugar de cada um(a) a partir da apropriação e preconceitos d@s outr@s, como aparece abaixo: TIPOS RELACIONADAS COM FINAS O luxo, mas que também pode aparecer como sinônimo de esperteza PÃO-COM-OVO Bicha pobre 13 No afã de compilar todos os verbetes, que compreendem o rico vocabulário do bajubá, foi editado em 2006, por Angelo Vip (o jornalista e cineasta Victor Angelo) e Fred Libi (definido no Aurélia como Joaquim Nozes do Rego Vanderley, mas que em entrevista, à época do lançamento do dicionário, não fora identificado) “Aurélia, a dicionária da língua afiada”, reunindo palavras/expressões do bajubá presentes nas grandes cidades brasileiras, inclusive Belém. Porém, seu lançamento gerou um “desconforto” na família de um famoso dicionarista, por conta da homenagem, que chegou até a reclamar a Lei de Direitos Autorais, para “proteger” a marca (FOLHA ON-LINE, 2006). Mas, não entrarei no mérito da questão, se a família encarou com preconceito a “homenagem” da dupla, mas a contribuição que a Aurélia (2006) trouxe para o entendimento de várias palavras/expressões do bajubá, quando do início desta pesquisa. E mesmo utilizando esse recurso, algumas expressõessó se tornam claras, de fato, no contexto em que estão inseridas. PINTOSA Agir com trejeitos femininos QUÁ-QUÁ Faladeiras e/ou que contam muito “bafo” TRUCADAS OU BOY Que agem de forma masculinizada Quadro 1: Classificações das bichas. Fonte: Pesquisa de campo, 2008. Com o quadro acima, tem-se uma mínima dimensão de como agem as formas de classificação, que muitas vezes aparecem como categorias hierarquizantes na medição de status ou de área de influência, mas que também possibilitam a quem fala ser enquadrado em uma delas. E na maioria das vezes está ligada a alguns marcadores sociais da diferença, como: cor, raça, etnia, classe, preferência sexual, etc. Mas que, também, pode estar relacionadas às convenções sociais de gênero, que ligariam as mulheres a poluição, a sujeira e ao perigo, e reforçariam as hierarquias de gênero, assim como o preconceito perpetrado contra o feminino, estendendo essa classificação, também, aos homossexuais: SIGNIFICANTE SIGNIFICADO NENA Defecar ELZA Roubar TIA AIDS PODRE Falar mal de algo ou alguém Quadro 2: Classificações de atos. Fonte: Pesquisa de campo, 2009. O quadro acima traz algumas das palavras que são sempre acompanhadas do artigo definido “a” e que, portanto, estaria ligado ao campo feminino. Percebo que, os atos estão não só relacionados ao feminino por conta do uso do artigo, mas que a ligação se faz com base nas definições usualmente ligadas ao sujo, imundo, imoral, doença, etc. Assim sendo, o uso freqüente do bajubá cria uma rede de troca, pois a partir das falas e na medida em que se agregam novos vocábulos cria-se um permanente mercado de bens simbólicos, uma vez que esse capital será mantido e aperfeiçoado, a partir da relação no “gueto”, por exemplo, com gays mais antigos, chamadas de “madrinha” (e estas retribuem chamando as mais novas de “filhinhas”) e com o “mundo hétero”, criando uma rede de sociabilidade, e porque não dizer de solidariedade. A linguagem e a atitude: bajubá, mamação e buu As observações de Durkheim e Mauss (1979) sobre como a classificação dos seres, objetos, pessoas acontecem a partir das relações sociais, da sociedade, ou seja, o real criando o abstrato, indicam, com relação à questão aqui analisada, que na sociedade brasileira a homossexualidade aparece classificada como desvio, divergência do normal. E que apesar de ainda sobreviver sob a égide da violência, causa da intolerância com relação ao diferente, encontra nos espaços de sociabilidade, na guetização a resistência à classificação hegemônica. Em vista disso, algo que estaria no plano do preconceito velado como, por exemplo, na falta de uma discriminação oficializada e que mesmo assim acabaria deslocando a homossexualidade para um espaço restrito e específico, encontraria espaço fértil para a transgressão através da performance. E é nos espaços de sociabilidade (bares, boates, saunas GLS, etc.), no famigerado “gueto gay”, que a fechação pode ser vivenciada plenamente, pois, de certa forma, a rede de amigos, que frequentam estes espaços com um objetivo comum, permite a extravagância, o close, o “aparecer”, a exposição e publicidade da homossexualidade. Mais, até, que outros espaços onde a identidade homossexual encontra-se como parte da “sujeira” (DOUGLAS, 1991), do não-lugar (AUGÉ, 2001), do “outsider” e aquém do “processo civilizador” (ELIAS e SCOTSON, 2000; ELIAS, 1990), mas, é claro, que estas categorias acabam não existindo como “tipos puros”, apenas sendo conclamadas (ou reclamadas) quando se pretende marcar uma distinção entre a “normalidade” e a “anormalidade” (FOUCAULT, 2001). Sendo, também, parte das relações produtivas de poder-saber (FOUCAULT, 2008), da ordem/organização da sociedade (DURKHEIM e MAUSS, 1979). Mas como agir, dado que existem instâncias prontas para estabelecer o controle, com relação a gestos e atitudes? A resposta não parece ser simples de responder, mas ensaio breves considerações, a partir desta parte transcrita: [entrevistador] É fácil ser gay em Belém? [XY3] Claro que não, né, mana!? Tem muita mamação, tem muito buu [...] bicha em Belém dá close, mas pena [...] porque a sociedade ainda é muito preconceituosa [...] Lembra do caso dos travestis do Reduto 14 ? Pois é, algumas foram espancadas, levaram porrada mesmo [...] mas se não sofrer, não é viado! (26/09/2009) A mamação e o buu, integrantes dos atos performáticos e do fenômeno de “acusação”, são o reflexo da intolerância pela qual passam os indivíduos homoeróticos: vindo de todos os lados, os insultos, as galhofas, os atos discriminatórios se tornam presentes na maior parte da vida, seja em casa ou na rua: [...] O preconceito, no âmbito restrito da família, de acordo com os depoimentos, pode manifestar pela intolerância declarada e até culminar na expulsão de casa. Todavia, é mais comum ignorar-se a situação e “fingir que não se sabe de nada”, ou diante das evidências, aceitá-la. Esta aceitação, entretanto, exigirá em contrapartida, que o indivíduo se realize, seja no campo financeiro ou profissional, como se atestando sua competência e/ou conformidade aos padrões vigentes em outra área, ele abafasse o seu lado “negativo” e “desviante”. Ademais, foi colocado que, mesmo quando há “aceitação” ou “tolerância” por parte dos familiares, sempre há uma esperança de que por algum motivo a situação se reverta e o indivíduos “entre nos eixos”. Diante da situação de preconceito e pressão, ficou constatado nas entrevistas, que os homossexuais se utilizam de estratégias de encobrimento, seja através do escudo da heterossexualidade, saindo com parceiros do sexo oposto ou, no caso feminino, aceitando “cantadas de homens” e, destarte, justificando socialmente sua condição (GONÇALVES, 1989, p. 20-21) A citação acima saiu da etnografia realizada em Belém, no final da década de 1980, por uma estudante, à época, do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará, na qual ela procurava desvendar as representações de pessoas homoeróticas, o preconceito e a discriminação. E como se pode ver, quase nada mudou, com relação aos três itens pesquisados por ela, mesmo tendo passado duas décadas entre a etnografia da Profa. Telma Amaral Gonçalves e esta. 14 Uma espécie de “limpeza” ocorrida no bairro do Reduto em Belém, em 2009, tendo apoio do aparato policial, os moradores das proximidades dos “pontos” de prostituição disseram que as travestis atentavam contra os “bons costumes da sociedade”. Quais as alternativas ao comportamento moralista? E que respostas podem ser produzidas pelos sujeitos que vivenciam essas situações que vão da “intolerância declarada” à tolerância vigiada, ao controle mais direto ou mais sutil de suas escolhas e preferências, enfim, ao risco cotidiano do “segredo aberto” (Sedgwick, 2007) nos diversos contextos de interação familiar e social? Entre as alternativas possíveis aos indivíduos LGBT, assumir-se pode implicar em assumir a fechação como experiência a ser vivenciada nos mais diferentes espaços, no sentido de produzir uma re-significação do ato de “levar buu”, da “mamação”; pode implicar, ao mesmo tempo, em um processo político de reconhecimento da diferença como produtiva (PIERUCCI, 1999); pode implicar ainda em pensar (e viver) a homossexualidade como uma experiência transgressora e não normatizadora, como pretendeu Foucault (2008), ao dizer que o esforço em “tornar- se” é mais interessante, e por isso mais “perturbador”, que o reconhecimento de que somos, pois, para alguns [...] a afirmação passa pela afirmação da radical diferença dos homossexuais e por marcar nitidamente as fronteiras que os separam dos heterossexuais [...] Eles devem assumir de uma forma agressiva a sua própria condição, devem “fechar” para afirmar o seu direito à livre expressãode seu desejo, não devendo aceitar as regras colocadas pela sociedade heterossexual (ALBUQUERQUE JR e CEBALLOS, 2002, p. 322) Fry (1983, p. 101) assim define a fechação: “um tipo de desmunhecação proposital e escandalosa” que os homossexuais utilizam como “forma de humor, expressão de uma identidade grupal e meio de agredir os que têm preconceito anti- homossexuais”. Acompanhando um pouco deste raciocínio, Pelúcio (2007, p. 162), insiste em que “a estratégia de resistência é justamente a de se agir ao contrário das expectativas sociais”; onde o “grito/escândalo” como estratégia de defesa (como micro-política) passa a “estender o espaço de sua própria abjeção àqueles que comumente as recusam, humilham e oprimem” (Idem, p. 175) Então a fechação estaria no âmago do rompimento com as normas, com valores “heterocentrados”, ou seja, com o que está posto. Evidenciando o desligamento do indivíduo com o que denomino como “manipulações heteronormativas” e que se assentam nas formas explícitas e implícitas de enquadramento de indivíduos LGBT na norma heterossexualmente compulsória, dando ênfase ao comportamento masculinizado para os homens gays e feminilizado para as mulheres lésbicas, partindo de um entendimento asséptico com relação às ditas “minorias” sexuais e de gênero, neste caso, qualquer indivíduo que fuja do padrão heteronormativo (BUTLER, 2003). À guisa de conclusões Essas considerações são o motor de arranque para que eu possa continuar pensando no bajubá como subversor, mas também como propagador de discriminação, uma vez que desde o momento inicial percebi a linguagem como um dos elementos na construção do ethos homossexual; linguagem essa cada vez mais difundida, através da TV e da internet, principalmente, pois tod@s querem “aquendar o bajubá”, principamente os heterossexuais. E mesmo que não saibam o que é o bajubá, que desconheçam do que se trata, que não gostem de falar, cotidianamente acabam ouvindo os “babados15”, vendo os “bofes escândalos16” ou acabam se deparando com um “equê17”. Neste momento o “segredo”, que fazia parte da sobrevivência bajubá nos guetos, acaba sendo revelado e até mesmo quem está falando acaba de ser tornar um suspeito. E pode, também, até abrir o “armário” da sexualidade, em determinados contextos. Trevisan (2000) diz que a sigla GLS trouxe uma diluição, uma ruptura com o gueto, quando deu ênfase ao “S” (de simpatizantes), estendendo a esse sujeito a menor simpatia e uma maior suspeita, ou seja, o indivíduo falante do bajubá será encarado, mesmo que não seja, pertencente à sopa de letrinhas (FACCHINI, 2005). Em outro momento, Velho e Machado (1977) já haviam alertado para a questão do anonimato relativo na grande metrópole, pois um indivíduo mesmo que em “relativa segurança” está na mira de ser “descoberto” ou “desmascarado”, pois os guetos (linguísticos ou comerciais) podem denunciar essa condição “desabonadora”, caso seja alvo da curiosidade hétero. 15 No bajubá significa “acontecimento importante”. 16 No bajubá significa “homem bonito”. 17 No bajubá significa “mentira”. Assim sendo, o bajubá (e todo o jogo performático que nele está inserido) acabará sob o signo da acusação quando servir para “identificar” o sujeito, mediante o poder que outro possui em nomear àquele. E sob o signo da identificação quando o indivíduo utilizá-lo para “sair do armário”, para publicizar uma homossexualidade que antes era escondida. Este último momento poderá ser alinhavado ao processo de fechação, que considerei, em outro momento, como um elemento de transgressão do comum, de re-significação do estabelecido. E Weeks (2000) diz que tudo que aprendemos sobre a história da sexualidade nos diz que a organização social da sexualidade nunca é fixa ou estável ela é modelada sob circunstâncias históricas complexas. Na medida em que entramos no período conhecido como “pós-modernidade”, é provável que vejamos uma nova e radical mudança nos modos como nos relacionamos com nossos corpos com suas necessidades sexuais. O desafio será compreender, de uma forma mais efetiva do que no período da modernidade, os processos que estão em ação nesse campo (p. 80). Então, neste jogo do armário, o processo criativo ficaria por conta do estabelecimento de novas linguagens e de novas performances e, por que não dizer, de um outro ethos, este ligado a uma performance desafiadora, que cada vez mais ajudará a desconstruir convenções, rompendo os contornos da norma, da estigmatização, e criando sujeitos políticos, de fato. Referências ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de & CEBALLOS, Rodrigo. Trilhas urbanas, armadilhas humanas: a construção de territórios de prazer e de dor na vivência da homossexualidade masculina nos nordeste brasileiro dos anos 1970 e 1980. In: SANTOS, Rick & GARCIA, Wilton (orgs.). A escrita de adé: perspectivas teóricas dos estudos gays e lésbic@s no Brasil. São Paulo. Xamã – NCC/SUNY, 2002, p. 307-327. AUGÉ, Marc. Não-lugares – introdução a uma antropologia da super- modernidade. Campinas: Papirus/Travessia do Século, 2001. AURÉLIA, a dicionária da língua afiada. São Paulo: Editora da Bispa, 2006?. BECKER, Howard. 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