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Art De bajubá em bajubá onde é que vai dar

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II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte 
13 a 15 de setembro de 2010 – Belém-PA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GT 6 – Identidades, Sexualidades e Corporalidades: contextos tradicionais, 
fronteiras e deslocamentos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
De bajubá em bajubá, onde será que vai dar? apropriações, classificações e 
relações de poder em Belém-PA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Milton Ribeiro da Silva Filho – UFPA 
De bajubá em bajubá, onde será que vai dar? apropriações, classificações e 
relações de poder em Belém-PA1 
 
 
Mílton Ribeiro da Silva Filho2 
 
 
Resumo: O trabalho refere-se a uma reflexão acerca da gíria urbana utilizada pelos homossexuais 
na capital paraense, uma vez que a inquietação surgiu no decorrer da pesquisa realizada entre 2007 
e 2009, e que tinha como foco as discussões sobre identidade(s) LGBT e o coming out em Belém-PA 
a partir de uma expressão coletiva, o bajubá. Baseando-se no uso, na apropriação e nas formas de 
classificação presentes no bajubá procuramos entender como este auxilia na construção de um ethos 
LGBT e se a intensificação da utilização diz respeito à “saída do armário”. A partir do entendimento 
de que a compreensão da sociedade se dá em dimensões binárias (homem/mulher, 
masculino/feminino, heterossexual/homossexual) e de que a construção da subjetividade brasileira é 
estruturalmente pautada na heteronormatividade, recorremos à pesquisa de campo para estabelecer 
alguns eixos norteadores no desenvolvimento desta pesquisa, como: o estabelecimento de uma 
conexão entre as referências simbólicas (através das expressões e palavras/vocábulos mais 
recorrentes e, também, da performance) presentes no “bajubá”; como eles tendem a classificar @ 
“outr@”, se é a relação de proximidade ou não é que determina o uso de termos classificatórios, a 
partir da realidade vivida por el@s; e (re)conhecer no léxico algumas palavras que estejam ligadas à 
binaridade de gênero, principalmente no que diz respeito às categorias relacionadas à sujeira, roubo, 
etc. Para isso, será necessário retorno ao campo, assim como a utilização de entrevistas e 
observação participante, tendo em vista os objetivos acima descritos,assim como uma revisão 
bibliográfica da temática sobre sexualidade e relações de gênero. 
 
Palavras-chave: Bajubá, Ethos LGBT, Homossexualidade 
 
 
Introdução 
 
 
A origem deste trabalho está na observação e nas conversas que 
desenvolvi ao longo da pesquisa para a monografia de graduação, sem perder de 
vista o foco original do trabalho original, que se detinha no coming out de jovens 
gays em Belém e na formação de um ethos gay diferente do hegemônico, tentei 
mapear as palavras do bajubá que me diziam alguma coisa. 
Durante a construção da pesquisa, percebi que o bajubá, além de fazer 
uma mediação entre a identificação subjetiva e a identificação coletiva, ajudava a 
entender um pouco das relações de poder existentes entre LGBT, pois as formas de 
apropriação e de classificação presentes neste léxico marginal são parte de uma 
“cosmologia”, de um conjunto de significados, de um conjunto de representações, e 
 
1
 Trabalho apresentado no II. Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte, 
realizado entre os dias 13 e 15 de setembro de 2010, Belém, Pará, Brasil. 
2
 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – área de concentração em 
Antropologia – da Universidade Federal do Pará (Orientadora: Carmem Izabel Rodrigues) e Bolsista 
de Mestrado do CNPq. 
por que não dizer, de explicações dos preconceitos e discriminações por parte de 
quem fala, do sujeito falante, pois mesmo que, inadvertidamente, se aproprie de 
nichos dessa linguagem acaba levando consigo os traços das relações de poder 
emanadas pelo constructo semântico. 
E só para começar com um exemplo, sito uma expressão muito utilizada 
no meio para se referir as mulheres, lésbicas ou não, o termo “racha”. 
Pessoalmente, já acompanhei discussões em encontros acadêmicos em que o 
termo fora posto porta a fora, por iniciativa das mulheres lésbicas, travestis e 
transexuais, e até mesmo de homens gays sensíveis a essa forma tão 
discriminatória de designação do ser feminino, do ser mulher. 
Mas o que estaria por trás do “racha”? Justamente os componentes que 
reforçam a ligação da mulher com a natureza, o fato dela menstruar, da 
possibilidade de parir, fazendo com que ela exista pela metade no meio sócio-
cultural, pois estaria “poluída”, “contaminada” pelo sangue, marcada pela relação 
constante com o natural, principalmente pelo fato de gestar um filho em seu ventre. 
Ao longo deste trabalho retomarei algumas considerações, com base na 
reflexão sobre sujeira, poluição e perigo, presente em Douglas (1991), da marcação 
a partir do estigma, partilhando da visão de Goffman (2008), do lugar do estranho ou 
do outsider, de acordo com Becker (2008) e Elias e Scotson (2000), e da situação do 
não-lugar, conforme Augé (2001), mas após esta exposição inicial faz-se urgência 
em desenvolver uma micro-genealogia do bajubá. 
 
 
Bajubeando: uma possível micro-genealogia 
 
 
Quando Fry (1982) fez sua incursão por terras paraenses, tentado buscar 
uma relação causal entre a homossexualidade masculina e os cultos afro-brasileiros, 
talvez, tenha passado despercebido ou possa ser que, até aquele momento, o objeto 
em questão não fosse tão difundido entre a comunidade gay, tanto que os escritos 
desta época não fazem referência a linguagem/gíria, que aqui defino, como um dos 
elementos-chave na construção de um ethos LGBT e facilitador da sociabilidade 
entre @s sujeit@s. 
O bajubá é parte do processo criativo, tão somente incorpore uma série 
de palavras de línguas alienígenas, como as provenientes do Iorubá-Nagô 
(PELÚCIO, 2007; SILVA FILHO e PALHETA; 2008), do francês, do inglês, quão 
esteja atrelado ao uso performático que a linguagem acaba acarretando, ou seja, é 
apenas um elemento na construção da identidade homossexual, como pude 
perceber durante a pesquisa, pois ele também aparece como instrumento da 
sociabilidade, conectando pólos distintos, ou seja, relacionando duas categorias que 
não se excluem, mas que por vezes aparecem como, essencialmente, dicotômicas: 
a casa e a rua. 
Embora Silva Filho e Palheta (2008), tenham atentado para o fato de que 
é no espaço da rua em que o bajubá é falado, trago à discussão o conceito de 
“pedaço”, descrito por Magnani3 (1998), e que em Pelúcio4 (2007) e Rodrigues5 
(2008) aparece como suporte às suas etnografias realizadas em espaço urbano, 
como o espaço de interseção entre o público e o privado, uma vez que esta 
linguagem (e sua performatividade), também, pode remeter a um continuum público-
privado (ou porque não dizer um continuum folk-urbano6) quando notei a 
disseminação do bajubá, através repercussão das Paradas do Orgulho em todo 
país, nas entrevistas de (tele)jornais, na mídia eletrônica e impressa, na presença de 
personagens gays em novelas, séries de TV, programas humorísticos, etc., ou seja, 
algumas palavras do bajubá fazendo parte do cotidiano do “mundo heterossexual”. 
Enquanto suporte das identidades LGBT, o bajubá, acaba encontrando 
possibilidade na difusão que acontece nos espaços e “pedaços” gays: onde o 
código, que deveria ser restrito somente àqueles que vivenciam a homossexualidade 
e/ou transbordam as identidades de gênero ou àqueles que estão inseridos no 
 
3
 Magnani (1998, p. 116) define o pedaço como “espaço intermediário entre o privado (a casa) e o 
público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços 
familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e indivudualistas 
impostas pela sociedade”. 
4
 Pelúcio (2007) esclarece da seguinte forma a apropriação do termo: “Em A casa e a rua, DaMatta 
estabeleceuma triangulação espacial, simbólica e moral entre casa/rua/outro mundo, propondo que 
estas categorias espaciais estão moralmente opostas. Ainda que não sejam estanques só se definem 
em oposição umas às outras, ocorrendo o englobamento de um pela outra, mas não o patente 
trânsito que proponho. Magnani procurou quebrar essa visão dicotomizada de “casa” e “rua” através 
da idéia de “pedaço” (Nota de rodapé 92, p. 77). 
5
 Rodrigues (2008, p. 235) diz que são “espaços conhecidos e nominados em um território claramente 
demarcado e apropriado pelos usuários, lugares de passagem e de encontro entre vizinhos, 
conhecidos ou chegados”. 
6
 Quando nos referimos à categoria de Redfield (1949) para referendar que o bajubá nasce de 
palavras de línguas e/ou dialetos tradicionais, como o Yorubá-Nagô, o francês, o inglês, e que são 
(justa)postas em outro contexto, tendo como novo nascedouro o meio urbano. 
“gueto” gay, é o grande responsável pela sociabilidade, pelos encontros com 
amigos, pela pegação (que neste caso acontecerá, por vezes, preferencialmente, 
com quem não fala o bajubá7), etc. 
E fazer parte de uma comunidade gay, do “pedaço” homossexual, por 
exemplo, traz conseqüências, seja na luta por manter o código em sigilo , seja na 
“compra”, “uso” e “difusão” (entre iguais) das muitas palavras e dos atos 
performativos que tangenciam a linguagem, ou seja, expandir o bajubá, porém, com 
ressalvas: 
 
 
[...] Quando minha mãe me viu conversando com um amigo lá em casa, 
depois, numa outra conversa, disse que não tinha entendido nada do que 
eu tinha falado [...] ela tinha escutado a gente falar bafon
8
, ocó
9
, neca
10
, 
num sei direito... mas eu disse assim: “não era pra entender, porque se 
fosse [eu] não usava o bajubá [...] e depois, mais tarde, eu tive que dizer o 
que era o bajubá (risos) [...] mas não disse tudo, algumas coisas eu ensinei 
errado (risos) (XY6, 26 anos, 26/09/2009) 
 
 
Mas, antes de retomar as considerações acima, permito-me pensar um 
pouco sobre uma possível genealogia do bajubá, pois, de acordo com a 
etnolinguísta Pessoa de Castro 
 
 
o iorubá é uma língua única, constituída por um grupo de falares regionais 
concentrados no sudoeste da Nigéria (ijexá, oió, ifé, ondô, etc.) e no antigo 
Reino de Queto (Ketu), hoje, no Benim, onde é chamada de nagô, 
denominação pela qual os iorubás ficaram tradicionalmente conhecidos no 
Brasil (2009, p. 3) 
 
 
Então, o iorubá como língua, e que não esteve presente na etnografia 
sobre a relação entre homossexualidade e os cultos afro-religiosos encontrados por 
Fry (1982) em Belém, ajuda a demonstrar que o 
 
 
7
 Isso acontece devido o entendimento, por parte da comunidade, de que quem fala o bajubá é bicha, 
não homem de verdade. 
8
 No bajubá significa “Lugar do babado; Caso amoroso e/ou sexual; Briga; escândalo; faniquito; piti” e 
também “Acontecimento; Algo muito importante”. 
9
 No bajubá significa “homem que faz o papel de ativo”; aquele que é “masculino”. 
10
 No bajubá significa “pênis”. 
 
repertório linguístico, genericamente chamado de língua-de-santo na Bahia, 
compreende uma terminologia religiosa operacional, de caráter mágico-
semântico e de aparente forma portuguesa, mas que repousa sobre 
sistemas lexicais de diferentes Iínguas africanas que provavelmente foram 
faladas no Brasil durante a escravidão, vindo a constituir uma língua ritual, 
mítica, que se acredita pertencer a nação do vodum, do orixá ou do inquice 
e não a determinada nação africana política atual. (PESSOA DE CASTRO, 
1983, p. 84) 
 
 
E o que antes se encontrava cercado por uma aura privada e de culto 
começou a ser utilizado no espaço das ruas, entre as travestis (PELÚCIO, 2007; 
FOLHA ON-LINE, 2006), as drag-queens (SOUZA, 1998), as bichas, etc., portanto, 
afastando-se da configuração religiosa “original”; assim sendo, a presença constante 
de homossexuais nos terreiros de umbanda em Belém (FRY, 1982), levou a uma 
transposição do caráter litúrgico e ritualístico para uma configuração mais “profana”: 
o uso da língua-de-santo no seio da comunidade gay. 
Os reflexos desse entrecruzamento de línguas, de espaços, de domínios, 
como o público e o privado, e até mesmo de palavras de outras variantes africanas, 
como é o exemplo da palavra nena11 (do banto kunena; o prefixo ku- indica o verbo 
no infinitivo) e que significa “defecar”, mas que na “linguagem de comunicação usual 
do povo-de-santo” aparece como “fazer nena” e que no bajubá aparece na 
expressão “deserdar a nena”, que corresponde ao mesmo processo (PESSOA DE 
CASTRO, 1983, p. 88; SILVA FILHO e PALHETA, 2008). 
Mas a glossolalia12 que é o bajubá, no qual a entrevista acima deixa claro, 
quando aparecem palavras que antes faziam parte de outro repertório, como é o 
caso da palavra “bafon” (do francês bas-fond), com significação diferente da 
percebida no bajubá: no primeiro caso, significa “baixo”, “baixio” e que, também, está 
relacionado as classes baixas, na França; e no segundo caso, significa “1. Lugar do 
babado; 2. Caso amoroso e/ou sexual; 3. Briga; escândalo; faniquito; piti” (cf. 
AURÉLIA, 2006?), “acontecimento, algo muito importante” (cf. SILVA FILHO e 
PALHETA, 2008). 
 
11
 Cf. Pessoa de Castro (1983, p. 91): “itens que se referem aos órgãos sexuais, a diversas funções 
fisiológicas, a gravidez, ao homossexualismo; entre os casos assinalados por eufemismo, a maioria 
foi de étimos bantos, como nena, fezes, ou fazer nena, defecar”. 
12
 Encarada aqui um pouco diferente do sentido etimológico. 
Porém, não é só do francês que as palavras são importadas, mas 
também das línguas anglo-saxônicas, um exemplo é o “close”, que em inglês é 
“fechado” e no bajubá aparece na expressão “dar close”, que é o ato de fechar, da 
“fechação” (Fry, 1983, p. 101), porém, as variações vão sendo construídas tanto a 
partir de línguas alienígenas, quanto de contrações, conjunções, retrações, 
adequações, etc. da própria língua portuguesa. 
 
 
Mergulhando num rio que se chama bajubá13! 
 
 
A linguagem como forma de (re)(de)marcar o não-lugar ou o des-lugar do 
sujeito, de contextualizar o estranhamento gerado pelo sujeito abjeto, marcado pelo 
estigma, de cercar o forasteiro, o estrangeiro e o outsider, como se esse estivesse 
fora da “cosmologia”, da maneira pela qual o mundo pode ser explicado e 
classificado, faz com que os agentes expandam a abjeção para o operador do 
processo discriminatório, mantendo o caráter “escrachado”, “debochado” e 
“desbocado” que o bajubá tende a assumir. 
Sendo assim, aparecem formas de classificação que agem de maneira a 
marcar o lugar de cada um(a) a partir da apropriação e preconceitos d@s outr@s, 
como aparece abaixo: 
 
TIPOS RELACIONADAS COM 
FINAS 
O luxo, mas que também pode aparecer como sinônimo de 
esperteza 
PÃO-COM-OVO Bicha pobre 
 
13
 No afã de compilar todos os verbetes, que compreendem o rico vocabulário do bajubá, foi editado 
em 2006, por Angelo Vip (o jornalista e cineasta Victor Angelo) e Fred Libi (definido no Aurélia como 
Joaquim Nozes do Rego Vanderley, mas que em entrevista, à época do lançamento do dicionário, 
não fora identificado) “Aurélia, a dicionária da língua afiada”, reunindo palavras/expressões do bajubá 
presentes nas grandes cidades brasileiras, inclusive Belém. Porém, seu lançamento gerou um 
“desconforto” na família de um famoso dicionarista, por conta da homenagem, que chegou até a 
reclamar a Lei de Direitos Autorais, para “proteger” a marca (FOLHA ON-LINE, 2006). Mas, não 
entrarei no mérito da questão, se a família encarou com preconceito a “homenagem” da dupla, mas a 
contribuição que a Aurélia (2006) trouxe para o entendimento de várias palavras/expressões do 
bajubá, quando do início desta pesquisa. E mesmo utilizando esse recurso, algumas expressõessó 
se tornam claras, de fato, no contexto em que estão inseridas. 
PINTOSA Agir com trejeitos femininos 
QUÁ-QUÁ Faladeiras e/ou que contam muito “bafo” 
TRUCADAS OU BOY Que agem de forma masculinizada 
Quadro 1: Classificações das bichas. 
Fonte: Pesquisa de campo, 2008. 
 
Com o quadro acima, tem-se uma mínima dimensão de como agem as 
formas de classificação, que muitas vezes aparecem como categorias 
hierarquizantes na medição de status ou de área de influência, mas que também 
possibilitam a quem fala ser enquadrado em uma delas. E na maioria das vezes está 
ligada a alguns marcadores sociais da diferença, como: cor, raça, etnia, classe, 
preferência sexual, etc. 
Mas que, também, pode estar relacionadas às convenções sociais de 
gênero, que ligariam as mulheres a poluição, a sujeira e ao perigo, e reforçariam as 
hierarquias de gênero, assim como o preconceito perpetrado contra o feminino, 
estendendo essa classificação, também, aos homossexuais: 
 
SIGNIFICANTE SIGNIFICADO 
NENA Defecar 
ELZA Roubar 
TIA AIDS 
PODRE Falar mal de algo ou alguém 
Quadro 2: Classificações de atos. 
Fonte: Pesquisa de campo, 2009. 
 
O quadro acima traz algumas das palavras que são sempre 
acompanhadas do artigo definido “a” e que, portanto, estaria ligado ao campo 
feminino. Percebo que, os atos estão não só relacionados ao feminino por conta do 
uso do artigo, mas que a ligação se faz com base nas definições usualmente ligadas 
ao sujo, imundo, imoral, doença, etc. 
Assim sendo, o uso freqüente do bajubá cria uma rede de troca, pois a 
partir das falas e na medida em que se agregam novos vocábulos cria-se um 
permanente mercado de bens simbólicos, uma vez que esse capital será mantido e 
aperfeiçoado, a partir da relação no “gueto”, por exemplo, com gays mais antigos, 
chamadas de “madrinha” (e estas retribuem chamando as mais novas de “filhinhas”) 
e com o “mundo hétero”, criando uma rede de sociabilidade, e porque não dizer de 
solidariedade. 
 
 
A linguagem e a atitude: bajubá, mamação e buu 
 
 
As observações de Durkheim e Mauss (1979) sobre como a classificação 
dos seres, objetos, pessoas acontecem a partir das relações sociais, da sociedade, 
ou seja, o real criando o abstrato, indicam, com relação à questão aqui analisada, 
que na sociedade brasileira a homossexualidade aparece classificada como desvio, 
divergência do normal. E que apesar de ainda sobreviver sob a égide da violência, 
causa da intolerância com relação ao diferente, encontra nos espaços de 
sociabilidade, na guetização a resistência à classificação hegemônica. Em vista 
disso, algo que estaria no plano do preconceito velado como, por exemplo, na falta 
de uma discriminação oficializada e que mesmo assim acabaria deslocando a 
homossexualidade para um espaço restrito e específico, encontraria espaço fértil 
para a transgressão através da performance. 
E é nos espaços de sociabilidade (bares, boates, saunas GLS, etc.), no 
famigerado “gueto gay”, que a fechação pode ser vivenciada plenamente, pois, de 
certa forma, a rede de amigos, que frequentam estes espaços com um objetivo 
comum, permite a extravagância, o close, o “aparecer”, a exposição e publicidade da 
homossexualidade. Mais, até, que outros espaços onde a identidade homossexual 
encontra-se como parte da “sujeira” (DOUGLAS, 1991), do não-lugar (AUGÉ, 2001), 
do “outsider” e aquém do “processo civilizador” (ELIAS e SCOTSON, 2000; ELIAS, 
1990), mas, é claro, que estas categorias acabam não existindo como “tipos puros”, 
apenas sendo conclamadas (ou reclamadas) quando se pretende marcar uma 
distinção entre a “normalidade” e a “anormalidade” (FOUCAULT, 2001). Sendo, 
também, parte das relações produtivas de poder-saber (FOUCAULT, 2008), da 
ordem/organização da sociedade (DURKHEIM e MAUSS, 1979). 
Mas como agir, dado que existem instâncias prontas para estabelecer o 
controle, com relação a gestos e atitudes? A resposta não parece ser simples de 
responder, mas ensaio breves considerações, a partir desta parte transcrita: 
 
 
[entrevistador] É fácil ser gay em Belém? 
[XY3] Claro que não, né, mana!? Tem muita mamação, tem muito buu [...] 
bicha em Belém dá close, mas pena [...] porque a sociedade ainda é muito 
preconceituosa [...] Lembra do caso dos travestis do Reduto
14
? Pois é, 
algumas foram espancadas, levaram porrada mesmo [...] mas se não sofrer, 
não é viado! (26/09/2009) 
 
 
A mamação e o buu, integrantes dos atos performáticos e do fenômeno 
de “acusação”, são o reflexo da intolerância pela qual passam os indivíduos 
homoeróticos: vindo de todos os lados, os insultos, as galhofas, os atos 
discriminatórios se tornam presentes na maior parte da vida, seja em casa ou na 
rua: 
 
 
[...] O preconceito, no âmbito restrito da família, de acordo com os 
depoimentos, pode manifestar pela intolerância declarada e até culminar na 
expulsão de casa. Todavia, é mais comum ignorar-se a situação e “fingir 
que não se sabe de nada”, ou diante das evidências, aceitá-la. Esta 
aceitação, entretanto, exigirá em contrapartida, que o indivíduo se realize, 
seja no campo financeiro ou profissional, como se atestando sua 
competência e/ou conformidade aos padrões vigentes em outra área, ele 
abafasse o seu lado “negativo” e “desviante”. Ademais, foi colocado que, 
mesmo quando há “aceitação” ou “tolerância” por parte dos familiares, 
sempre há uma esperança de que por algum motivo a situação se reverta e 
o indivíduos “entre nos eixos”. 
Diante da situação de preconceito e pressão, ficou constatado nas 
entrevistas, que os homossexuais se utilizam de estratégias de 
encobrimento, seja através do escudo da heterossexualidade, saindo com 
parceiros do sexo oposto ou, no caso feminino, aceitando “cantadas de 
homens” e, destarte, justificando socialmente sua condição (GONÇALVES, 
1989, p. 20-21) 
 
 
A citação acima saiu da etnografia realizada em Belém, no final da 
década de 1980, por uma estudante, à época, do curso de Ciências Sociais da 
Universidade Federal do Pará, na qual ela procurava desvendar as representações 
de pessoas homoeróticas, o preconceito e a discriminação. E como se pode ver, 
quase nada mudou, com relação aos três itens pesquisados por ela, mesmo tendo 
passado duas décadas entre a etnografia da Profa. Telma Amaral Gonçalves e esta. 
 
14
 Uma espécie de “limpeza” ocorrida no bairro do Reduto em Belém, em 2009, tendo apoio do aparato 
policial, os moradores das proximidades dos “pontos” de prostituição disseram que as travestis atentavam 
contra os “bons costumes da sociedade”. 
Quais as alternativas ao comportamento moralista? E que respostas 
podem ser produzidas pelos sujeitos que vivenciam essas situações que vão da 
“intolerância declarada” à tolerância vigiada, ao controle mais direto ou mais sutil de 
suas escolhas e preferências, enfim, ao risco cotidiano do “segredo aberto” 
(Sedgwick, 2007) nos diversos contextos de interação familiar e social? 
Entre as alternativas possíveis aos indivíduos LGBT, assumir-se pode 
implicar em assumir a fechação como experiência a ser vivenciada nos mais 
diferentes espaços, no sentido de produzir uma re-significação do ato de “levar buu”, 
da “mamação”; pode implicar, ao mesmo tempo, em um processo político de 
reconhecimento da diferença como produtiva (PIERUCCI, 1999); pode implicar ainda 
em pensar (e viver) a homossexualidade como uma experiência transgressora e não 
normatizadora, como pretendeu Foucault (2008), ao dizer que o esforço em “tornar-
se” é mais interessante, e por isso mais “perturbador”, que o reconhecimento de que 
somos, pois, para alguns 
 
 
[...] a afirmação passa pela afirmação da radical diferença dos 
homossexuais e por marcar nitidamente as fronteiras que os separam dos 
heterossexuais [...] Eles devem assumir de uma forma agressiva a sua 
própria condição, devem “fechar” para afirmar o seu direito à livre expressãode seu desejo, não devendo aceitar as regras colocadas pela sociedade 
heterossexual (ALBUQUERQUE JR e CEBALLOS, 2002, p. 322) 
 
 
Fry (1983, p. 101) assim define a fechação: “um tipo de desmunhecação 
proposital e escandalosa” que os homossexuais utilizam como “forma de humor, 
expressão de uma identidade grupal e meio de agredir os que têm preconceito anti-
homossexuais”. Acompanhando um pouco deste raciocínio, Pelúcio (2007, p. 162), 
insiste em que “a estratégia de resistência é justamente a de se agir ao contrário das 
expectativas sociais”; onde o “grito/escândalo” como estratégia de defesa (como 
micro-política) passa a “estender o espaço de sua própria abjeção àqueles que 
comumente as recusam, humilham e oprimem” (Idem, p. 175) 
Então a fechação estaria no âmago do rompimento com as normas, com 
valores “heterocentrados”, ou seja, com o que está posto. Evidenciando o 
desligamento do indivíduo com o que denomino como “manipulações 
heteronormativas” e que se assentam nas formas explícitas e implícitas de 
enquadramento de indivíduos LGBT na norma heterossexualmente compulsória, 
dando ênfase ao comportamento masculinizado para os homens gays e feminilizado 
para as mulheres lésbicas, partindo de um entendimento asséptico com relação às 
ditas “minorias” sexuais e de gênero, neste caso, qualquer indivíduo que fuja do 
padrão heteronormativo (BUTLER, 2003). 
 
 
À guisa de conclusões 
 
 
Essas considerações são o motor de arranque para que eu possa 
continuar pensando no bajubá como subversor, mas também como propagador de 
discriminação, uma vez que desde o momento inicial percebi a linguagem como um 
dos elementos na construção do ethos homossexual; linguagem essa cada vez mais 
difundida, através da TV e da internet, principalmente, pois tod@s querem 
“aquendar o bajubá”, principamente os heterossexuais. 
E mesmo que não saibam o que é o bajubá, que desconheçam do que se 
trata, que não gostem de falar, cotidianamente acabam ouvindo os “babados15”, 
vendo os “bofes escândalos16” ou acabam se deparando com um “equê17”. Neste 
momento o “segredo”, que fazia parte da sobrevivência bajubá nos guetos, acaba 
sendo revelado e até mesmo quem está falando acaba de ser tornar um suspeito. E 
pode, também, até abrir o “armário” da sexualidade, em determinados contextos. 
Trevisan (2000) diz que a sigla GLS trouxe uma diluição, uma ruptura com 
o gueto, quando deu ênfase ao “S” (de simpatizantes), estendendo a esse sujeito a 
menor simpatia e uma maior suspeita, ou seja, o indivíduo falante do bajubá será 
encarado, mesmo que não seja, pertencente à sopa de letrinhas (FACCHINI, 2005). 
Em outro momento, Velho e Machado (1977) já haviam alertado para a questão do 
anonimato relativo na grande metrópole, pois um indivíduo mesmo que em “relativa 
segurança” está na mira de ser “descoberto” ou “desmascarado”, pois os guetos 
(linguísticos ou comerciais) podem denunciar essa condição “desabonadora”, caso 
seja alvo da curiosidade hétero. 
 
15
 No bajubá significa “acontecimento importante”. 
16
 No bajubá significa “homem bonito”. 
17
 No bajubá significa “mentira”. 
Assim sendo, o bajubá (e todo o jogo performático que nele está inserido) 
acabará sob o signo da acusação quando servir para “identificar” o sujeito, 
mediante o poder que outro possui em nomear àquele. E sob o signo da 
identificação quando o indivíduo utilizá-lo para “sair do armário”, para publicizar 
uma homossexualidade que antes era escondida. 
Este último momento poderá ser alinhavado ao processo de fechação, 
que considerei, em outro momento, como um elemento de transgressão do comum, 
de re-significação do estabelecido. E Weeks (2000) diz que 
 
 
tudo que aprendemos sobre a história da sexualidade nos diz que a 
organização social da sexualidade nunca é fixa ou estável ela é modelada 
sob circunstâncias históricas complexas. Na medida em que entramos no 
período conhecido como “pós-modernidade”, é provável que vejamos uma 
nova e radical mudança nos modos como nos relacionamos com nossos 
corpos com suas necessidades sexuais. O desafio será compreender, de 
uma forma mais efetiva do que no período da modernidade, os processos 
que estão em ação nesse campo (p. 80). 
 
 
Então, neste jogo do armário, o processo criativo ficaria por conta do 
estabelecimento de novas linguagens e de novas performances e, por que não dizer, 
de um outro ethos, este ligado a uma performance desafiadora, que cada vez mais 
ajudará a desconstruir convenções, rompendo os contornos da norma, da 
estigmatização, e criando sujeitos políticos, de fato. 
 
 
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