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COLITE PSEUDOMEMBRANOSA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA, ANIBAL MESCUA CARDOSO, MEDICINA, 2020. Clostridium difficile é um bacilo gram-positivo, formador de esporos, cujas toxinas causam doença gastrointestinal com amplo espectro de gravidade. O quadro clínico varia desde diarreia leve até megacólon tóxico, podendo levar a óbito. Ao longo das últimas décadas, a infecção pelo C. difficile passou a ser reconhecida como a principal causa bacteriana de diarreia associada à antibioticoterapia, bem como patógeno nosocomial de grande importância epidemiológica, estando relacionado à morbimortalidade crescente em diversos países. FISIOPATOLOGIA A infeção por C. difficile se inicia após desequilíbrio da microflora normal do cólon, geralmente causado por antibioterapia. Ao chegar ao intestino delgado, na presença de sais biliares, esporos de C. difficile começam a germinar, transformando-se em formas vegetativas; estas, ao chegarem ao cólon, encontrando condições favoráveis, colonizam a mucosa e produzem as toxinas A e B. Ocorre, então, produção de citocinas pró-inflamatórias e aumento da permeabilidade vascular, levando a um intenso processo inflamatório que destrói o epitélio intestinal e culmina no aparecimento de diarreia e toxemia sistêmica. APRESENTAÇÃO CLÍNICA EPIDEMIOLOGIA A infecção por C. difficile é, atualmente, a principal causa de diarreia associada aos cuidados de saúde, especialmente, em ambientes hospitalares, respondendo por 20-30% de todos os casos de diarreia associada a antibióticos, 50-75% das colites associadas a antibióticos e mais de 90% das colites pseudomembranosas de pacientes internados. Recentemente, observou-se também aumento do número de casos de infecção por C. difficile na comunidade; C. difficile faz parte da microbiota fecal residual em 1-3% da população e em mais de 20% dos adultos hospitalizados. É comum que recém-nascidos sejam portadores assintomáticos desta bactéria, com taxas que ultrapassam os 50% nos seis primeiros meses de vida. O desenvolvimento da doença, entretanto, é raro na população pediátrica, provavelmente devido a não expressão de receptores de toxinas nesta faixa etária; No início dos anos 2000, o aparecimento de uma variante hipervirulenta, NAP1/BI/027, causou surtos e aumento da mortalidade da infecção por C. difficile em diversas regiões do mundo, principalmente nos Estados Unidos e Europa. QUADRO CLÍNICO • O quadro clínico da infecção por C. difficile varia desde casos assintomáticos (cerca de 50% das infecções) até quadros graves, eventualmente fatais, que representam 5% a 10% do total.; • Gravidade clínica variável, dependente da patogenicidade da estirpe bacteriana, do estado de imunidade do paciente e de suas comorbidades; • Geralmente, a infecção se manifesta como diarreia aquosa, associada a dor abdominal, náusea e anorexia. Febre pode estar presente em até 15% dos casos; • Pode evoluir com megacólon tóxico. Critérios de gravidade: Albumina < 3 g/dL; leucocitose > 15.000 células/mL; creatinina > 1,5 mg/dL ou distensão abdominal. Quadro fulminante: Choque ou hipotensão, íleo paralítico, megacólon. Infecção recorrente: Recorrência da diarreia até 8 semanas após término do tratamento. FATORES DE RISCO PRINCIPAL FATOR DE RISCO: uso recente de antibióticos de largo espectro. Potencialmente, qualquer antibiótico pode desencadear o quadro: Frequentemente associados: fluoroquinolonas, clindamicina, cefalosporinas, penicilinas, carbapenêmicos; Ocasionalmente associados: macrolídeos, sulfametoxazol-trimetoprim; Raramente associados: aminoglicosídeos, tetraciclinas, metronidazol, vancomicina; TERAPIA ANTISSECRETORA: uso de inibidores de bomba protônica ou anti-histamínicos diminuem a quantidade do inóculo bacteriano necessário para causar doença, predispondo assim à infecção; • Cirrose; • Doença inflamatória intestinal; • Diabetes mellitus; • Doença renal crônica; • Imunossupressão; • Idosos > 65 anos; • SIDA/AIDS; • Presença de invasão gastrointestinal: cateter nasogástrico ou orogástrico, cateter nasoentérico; • Cirurgia gastrointestinal recente; • Neoplasias e quimioterapia; • Transplante de órgãos; • Internação em CTI e ventilação mecânica; • Índice de comorbidades de Charlson; • Desnutrição. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA A infecção por Clostridium difficile deve ser suspeitada em indivíduos com três ou mais episódios de evacuação/dia, com fezes líquidas, expostos a fatores de risco relacionados à infecção. O diagnóstico é clínico-laboratorial. EXAMES LABORATORIAIS DE ROTINA: Hemograma, ureia e cretinina, eletrólitos, albumina, gasometria arterial, se critérios de gravidade. DIAGNÓSTICO ESPECÍFICO: Deve ser colhida amostra de fezes líquidas, transportadas ao laboratório em até duas horas. O uso de algoritmos diagnósticos deve ser preferido em relação a testes isolados (ex.: GDH + toxina A/B, seguido de NAAT se resultados discordantes; NAAT + toxina A/B). Se alta suspeição, pode-se utilizar o NAAT isoladamente. Pacientes assintomáticos não devem ser testados. Não se deve repetir testes para diagnóstico de infecção por Clostridium difficile nos primeiros sete dias do mesmo episódio de diarreia. Não está indicado realização de testes para controle de cura. DETECÇÃO DE TOXINAS A E B NAS FEZES POR ENSAIO IMUNOENZIMÁTICO (EIA): exame de fácil e rápida execução. Apresenta baixa sensibilidade e alta especificidade, sendo útil como teste confirmatório. Não deve ser utilizado como método isolado para diagnóstico devido à alta proporção de falsos negativos; DETECÇÃO DO ANTÍGENO GLUTAMATO DESIDROGENASE (GDH): a GDH é uma enzima constitutiva, encontrada no C. difficile e, eventualmente, em outras espécies do gênero Clostridium; este exame não separa as estirpes toxigênicas das não patogênicas. É um exame barato, de fácil execução e rápido, utilizado como método de triagem. Recomenda-se que os casos positivos pelo GDH devam ser seguidos por um segundo exame, em geral a PCR ou a pesquisa de toxinas A/B pelo EIA, métodos de boa especificidade. Devido ao alto valor preditivo negativo, um resultado negativo praticamente exclui a infecção por C. difficile. Existem kits comerciais disponíveis com a pesquisa de toxina A/B e GDH combinados em um mesmo cassete; NAAT (PCR): exame de rápida execução capaz de detectar os genes responsáveis pela produção das toxinas A e B. O custo mais elevado, a necessidade de estrutura laboratorial mais sofisticada e de equipe treinada são fatores limitantes. Apresenta alta sensibilidade e especificidade. Apesar dos benefícios dos ensaios moleculares, atualmente, questiona-se a correlação da detecção dos genes tcdA (associado à produção de toxina A) e tcdB (associado à produção de toxina B) com a real expressão das toxinas; CULTURA TOXIGÊNICA (EM 72 HORAS): considerado o teste padrão-ouro, porém, devido ao longo período de processamento e exigência de infraestrutura para cultura em anaerobiose, é mais utilizado em pesquisas epidemiológicas; EXAMES DE IMAGEM A. RADIOGRAFIA DE ABDOME: útil na presença de distensão abdominal para avaliar dilatação colônica e sinais de megacólon tóxico (dilatação do cólon > 7 cm); B. COLONOSCOPIA E RETOSIGMOIDOSCOPIA: indicada somente na necessidade de se estabelecer diagnóstico diferencial com outras patologias intestinais. Deve-se preferir a retosigmoidoscopia flexível devido ao risco de perfuração intestinal durante a colonoscopia. Permite a visualização de pseudomembranas e realização de biópsias. A ausência de pseudomembranas não exclui a infecção por C. difficile. ABORDAGEM TERAPÊUTICA Os fatores de risco para infecção por Clostridium difficile devem ser removidos sempre que possível. SUPORTE CLÍNICO 1. Ressuscitação volêmica; 2. Correção de distúrbios hidroeletrolíticos; TRATAMENTO ESPECÍFICO CARACTERIZAÇÃO TRATAMENTO Episódioinicial, leve Vancomicina 125 mg – VO – 6/6hr, por 10 dias, ou Fidaxomicina 200 mg – VO – 12/12hr, por 10 dias, ou Metronidazol 250 mg / 2cp – VO – 8/8hr, por 10 dias. Episódio inicial, grave Vancomicina 125 mg VO de 6/6 horas, por 10 dias, ou Fidaxomicina 200 mg VO de 12/12 horas, por 10 dias Episódio inicial, fulminante Vancomicina 500 mg VO ou SNG de 6/6 horas, por 10 dias. Se íleo paralítico, adicionar enema de retenção de Vancomicina (500 mg em 100 mL de SF 0,9% de 6/6 horas) e Metronidazol 500 mg EV de 8/8 horas. 1ª recorrência Vancomicina 125 mg VO de 6/6 horas, por 10 dias, se Metronidazol utilizado no primeiro tratamento; ou Vancomicina em esquema de desmame (125 mg de 6/6 horas por 10-14 dias, de 12/12 horas por 7 dias, de 24/24 horas por 7 dias, e a cada 2- 3 dias, por 2-8 semanas); ou Fidaxomicina 200 mg VO de 12/12 horas, por 10 dias, se Vancomicina utilizada inicialmente. 2ª recorrência Vancomicina em esquema de desmame (125 mg de 6/6 horas por 10-14 dias, de 12/12 horas por 7 dias, de 24/24 horas por 7 dias, e a cada 2-3 dias, por 2-8 semanas); ou Fidaxomicina 200 mg VO de 12/12 horas, por 10 dias; ou vancomicina 125 mg VO de 6/6 horas, por 10 dias, seguido de Rifaximina 400 mg VO de 8/8 horas, por 20 dias. 3 ou mais recorrências Transplante fecal ABORDAGEM CIRÚRGICA (colectomia subtotal) está indicada na presença de: 1. Megacólon tóxico; 2. Perfuração colônica; 3. Doença rapidamente progressiva, com choque séptico e falência de múltiplos órgãos. PROFILAXIA Os dois pilares da profilaxia da infecção por Clostridium difficile são o uso racional de antibióticos e estratégias de precaução de contato e higiene dos pacientes e profissionais de saúde para diminuir a disseminação da bactéria no meio hospitalar. Pacientes com infecção devem ser isolados por, pelo menos, 48 horas após o término da diarreia. Observação: O álcool não é efetivo na eliminação do patógeno, sendo necessário proceder a lavagem das mãos com água e sabão, seguida de clorexidina degermante. Pacientes que forem fazer exames (tomografia, radiografia) serão tratados com as mesmas precauções de contato, no entanto os aparelhos e mobiliários deverão ser desinfectados com hipoclorito de sódio 1% e não álcool 70%. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BAGDASARIAN N, Rao K, Malani PN. Diagnosis and treatment of Clostridium difficile in adults: a systematic review. JAMA 2015. 2. MCDONALD CL, et al. Clinical practice guidelines for Clostridium difficile infection in adults and children: 2017 update by the Infectious Diseases Society of America (IDSA) and Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA). Clin Infect Dis 2018; 66. 3. HOTA SS, Sales V, Tomlinson G, et al. Oral vancomycin followed by fecal transplantation versus tapering oral vancomycin treatment for recurrent Clostridium difficile infection: an open-label, randomized controlled trial. Clin Infect Dis 2017; 64:265. 4. POLAGE CR, Gyorke CE, Kennedy MA, et al. Overdiagnosis of Clostridium difficile infection in the molecular test era. JAMA Intern Med 2015; 175:1792-801.
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