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Apostila - Teologia Sistemática III_ FTSA

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Novembro / 2020
Professor/autor: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3| Teologia Sistemática III | FTSA | 
SUMÁRIO
Teologia Sistemática III - Antropologia e Soteriologia
Unidade I - A criação do cosmos e do ser humano
1.1. O Gênesis: a criação em dois relatos............................................................................05
1.2. A criação do ser humano................................................................................................11
1.3. A constituição do ser humano no Antigo Testamento.................................................20
1.4. A constituição do ser humano no Novo Testamento...................................................30
Unidade II - O drama humano
2.1. Mandato cultural.............................................................................................................43
2.2. Queda e pecado..............................................................................................................51
2.3. Tentação, fraqueza e responsabilidade humana..........................................................61
2.4. O problema do mal..........................................................................................................73
Unidade III - Fundamentação bíblica da salvação
3.1. A salvação no Antigo Testamento.................................................................................82
3.2. A salvação no Novo Testamento.................................................................................104
Unidade IV - Temas e estruturas da salvação
4.1. A cruz de cristo.............................................................................................................118
4.2. Sistemas soteriológicos...............................................................................................129
4.3. A amplitude da salvação..............................................................................................136
| Teologia Sistemática III | FTSA4
UNIDADE 1 – A criação do cosmos e do ser humano
A disciplina de Teologia Sistemática III abrange o estudo de duas áreas 
clássicas da dogmática cristã que são a Antropologia Teológica e a 
Soteriologia. A Antropologia tem como assunto principal o ser humano, 
incluindo o tema de sua criação, inserida na perspectiva mais ampla d 
a criação do mundo como um todo. Ela também tratará o estudo dos 
temas da queda, do pecado e do mal. Já a Soteriologia é área responsável 
pelo estudo do tema da salvação. Estas duas áreas encontram-se unidas 
nesta disciplina visando construir uma ponte entre a queda e o pecado 
humano, e a salvação do estado em que ele se encontra após a queda. 
Iniciaremos nosso estudo com a temática da criação geral, ou seja, da 
criação do cosmos ou da natureza, para depois tratarmos do ser humano.
“No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1:1). Esta é a afi rmação 
que encontramos no primeiro versículo da Bíblia. De forma introdutória, 
utilizamos esta mesma afi rmação no estudo da Teontologia ou de Deus — 
na disciplina de Teologia Sistemática I. Também recorremos a ela, agora, 
para falar da criação, uma vez que esta primeira afi rmação estabelece 
um pressuposto teológico para toda a revelação que segue, conforme 
apresentada nas Escrituras. Importa, assim, refl etir sobre a profundidade 
desta máxima, observando os detalhes e efeitos que ela nos traz.
Em alguns círculos evangélicos ainda encontramos a discussão, 
normalmente na forma de embate, entre criacionismo e evolucionismo. 
Ainda que alguns tentem dar um tratamento científi co à discussão, 
eles parecem perder de vista um pressuposto fundamental que é a 
impropriedade em tentar ler o discurso bíblico como se ele fosse científi co. 
Aqui é necessário retomarmos alguns conceitos elaborados nas aulas de 
Introdução à Teologia naquilo que se refere ao entendimento da revelação 
escriturística. O conteúdo, a mensagem, ou seja, o objetivo primário do 
texto bíblico não é revelar a mecânica do universo com suas leis físicas, 
químicas, biológicas, etc. A intenção da revelação bíblica é comunicar 
ao ser humano aspectos fundamentais sobre a sua existência, incluindo 
origem e destino, propósito e dignidade, problemas e soluções referentes 
ao seu drama. O uso de uma variedade de estilos e formas linguísticas nas 
5| Teologia Sistemática III | FTSA | 
Escrituras se dá como meio de comunicação, próprio de cada contexto 
histórico e limitado a estes mesmos contextos. Sendo assim, ainda que 
não haja preocupação com a perspectiva científi ca, como a conhecemos 
hoje, os textos deixam transparecer algumas percepções de cosmovisão 
daqueles contextos antigos, considerando suas culturas e suas ciências, 
porém, sem a preocupação de explicá-las nem fazer destas referências o 
fundamento para o entendimento da mensagem.
O que ocorre quando tentamos utilizar o texto bíblico, na forma como 
ele aparece nas Escrituras, como fundamento para uma discussão no 
campo da ciência, no mesmo patamar de argumentação, é, no mínimo, 
um equívoco metodológico. Me parece claro que a mensagem bíblica 
afi rma que todas as coisas vieram à existência por um ato intencional de 
Deus. No entanto, a narrativa utiliza uma linguagem simbólica que não 
deve, por questões hermenêuticas (de metodologia de interpretação), ser 
lida como um tratado científi co que busca a exatidão de suas expressões. 
Aliás, é curioso notar que a sequência do relato da criação se aproxima, 
de certa forma, da teoria evolucionista, mesmo o autor bíblico não tendo 
qualquer intenção de fazer essa comparação. Perceba que a ordem das 
coisas criadas, apresentada no primeiro capítulo do livro de Gênesis, 
inicia com a criação da fl ora, seguindo para os animais aquáticos, depois 
as aves, os animais terrestres, culminando com a criação do ser humano. 
No entanto, independentemente de qualquer aproximação entre as 
teorias, sou da opinião de que esta é uma discussão improdutiva. Nosso 
foco, portanto, estará naquilo que concerne aos aspectos teológicos, 
com seus desdobramentos existenciais, ministeriais e missiológicos.
1.1. O Gênesis: a criação em dois relatos
Relembrando que a abordagem que temos utilizado para as disciplinas 
de Teologia Sistemática tem como aporte metodológico a Teologia 
Bíblica, gostaria de iniciar o estudo da criação ressaltando a presença 
de dois relatos distintos no texto de Gênesis. Seguindo a divisão 
proposta por Ernst Sellin e Georg Fohrer (1978), o primeiro relato é 
aquele compreendido entre os versículos 1:1 e 2:4a e o segundo entre 
os versículos 2:4b e 25. Exegeticamente falando, os relatos pertencem a 
| Teologia Sistemática III | FTSA6
duas fontes editoriais diferentes. O primeiro relato é atribuído à tradição 
sacerdotal (Sellin e Fohrer, 1978, p. 248) e o segundo à tradição javista 
(idem, 1978, p. 200). Sem nos aprofundarmos muito na questão literária 
das tradições, podemos observar que todo o primeiro relato se refere 
a Deus usando a palavra hebraica Elohim, enquanto o segundo relato 
refere-se a Deus usando a expressão Iahweh Elohim, traduzido como 
Senhor Deus. Ambos os relatos parecem completos em si, no sentido de 
desenvolverem a ideia da criação, com introdução e conclusão. Vejamos:
• Relato 1 – “No princípio Elohim criou os céus e a terra [...]. Abençoou 
Elohim o sétimo dia e o santifi cou, porque nele descansou de toda a 
obra que realizara na criação. Esta é a história das origens dos céus e 
da terra, no tempo em que foram criados” (Gn 1:1-2:4a).
• Relato 2 – “Quando o Iahweh Elohim fez a terra e os céus [...]. O homem 
e sua mulher viviam nus, e não sentiam vergonha” (Gn 2:4b-25).
Saiba mais
Para melhor entendimento da questão literária dos textos do Antigo 
Testamento, sobre autoria, datação e tradições, sugiro a consulta 
às referênciasbibliográfi cas indicadas nesta unidade ou a fontes 
semelhantes.
Tratando especifi camente das expressões utilizadas para 
identifi car a Deus nos relatos de Gênesis, vale a pena atentar para 
o problema introduzido pela tradução da língua original para o 
português. Algumas versões da Bíblia traduzem a palavra Iahweh
como “SENHOR”, com letras maiúsculas, enquanto a palavra 
adonai, que em hebraico se refere a uma forma de tratamento de 
alguém em posição de domínio, é traduzida como “Senhor”, com 
letras minúsculas. Isto causa uma natural confusão ou, no mínimo, 
a perda da informação sobre a carga teológica que a tradição do 
monoteísmo javista traz para o entendimento dos textos. Algo 
semelhante ocorre com a tradução de elohim que tanto pode 
designar o Deus do povo de Israel quanto qualquer outro deus.
7| Teologia Sistemática III | FTSA | 
No fundo, os relatos seguem a teologia própria de suas tradições. 
A tradição javista, mais antiga, pode ser datada no tempo da “realeza 
davídica” (Sellin e Fohrer, 1978, p. 207), e tem como características a 
“aprovação da sociedade de cultura agrária”, “a exaltação da fertilidade 
da terra” (idem, 1978, p. 203) e ricas “representações antropomórfi cas” 
indicando que “o Deus transcendente está perto do homem e fala com 
ele” (idem, 1978, p. 206). Já a tradição sacerdotal, entendida como 
tendo sua origem no tempo do pós-exílio babilônico (idem, 1978, p. 258), 
apresenta um Deus “absolutamente transcendental” (idem, 1978, p. 256) 
sem um “acesso imediato”, em que esse caminho de comunicação deve 
“passar pelo clero em sua função mediadora” (idem, 1978, p. 257).
Não comentando ainda aspectos específi cos da criação do ser humano, 
que será tratada mais adiante, podemos ver que os relatos se equivalem 
em apontar para a formação da natureza como o habitat do ser humano. 
No primeiro, observamos a perspectiva da teologia sacerdotal mostrando 
um Deus distante de sua criação apenas comandando sua formação sem 
uma direta interação com a mesma. Vemos, portanto, uma abrangência 
maior com a referência aos elementos da criação, formação dos astros, 
da fl ora e das espécies de animais, em uma divisão temporal  usando a 
palavra hebraica yom que pode signifi car dia, ano ou tempo. No segundo 
relato o autor procura delimitar uma região geográfi ca descrevendo o 
habitat humano como um jardim, com o uso da linguagem agrária. Deus 
aparece em maior proximidade tanto no trato com a criação quanto na 
forma do discurso e diálogo estabelecido na narrativa, que pode ser 
percebido de maneira ainda mais intensa na sequência do capítulo 3. 
Podemos pensar, então, que a presença dos dois relatos na editoração 
fi nal das Escrituras se deu porque eles oferecem uma complementação de 
ideias entre si. Ambos trazem perspectivas interessantes, principalmente 
no que se refere ao ser humano, mas também em relação à criação geral.
Com o intuito de analisar melhor a primeira narrativa (Gn 1:1-2:4), assumo 
o pressuposto de que sua composição foi feita pela tradição sacerdotal 
no tempo do pós-exílio, destacando suas particularidades contextuais 
| Teologia Sistemática III | FTSA8
históricas. Jean Louis Ska (2005) nos ajuda nessa tarefa interpretativa 
defendendo a ideia de que o relato de Gênesis 1 faz um contraponto 
teológico à mitologia mesopotâmica de Babilônia. O ambiente de um 
caos aquático que é organizado criativamente por Deus faz sentido para 
uma região banhada pelos rios Tigre e Eufrates, fundamentais para a 
vida naquela região. No entanto, a primeira importante concepção que 
difere, e até mesmo confronta, a cultura mesopotâmica é a afi rmação 
da superioridade do Deus de Israel sobre aqueles que eram seus 
dominadores. Ao relatar que o sol e a lua eram “criaturas” de Deus (v. 
16), a teologia judaica se autentica, pois, “as divindades mesopotâmicas 
eram identifi cadas com os astros — o deus Shamash era o sol, o deus 
Sin era a lua, a deusa Ishtar era o planeta Vênus etc. Também os 
monstros marinhos — que aparecem em alguns mitos mesopotâmicos 
sobre a criação — são criados por Deus no quinto dia (Gn 1:21)” (Ska, 
2005, p. 29). Para Ska, esse fato é de suma relevância porque “a fé de 
Israel sobreviveu às provas do exílio graças a esse esforço de refl exão 
teológica” (ibidem). O autor ainda enxerga neste relato uma resposta ao 
contexto de desesperança surgido no exílio:
Para combater o desespero e desânimo muito difundido 
entre os israelitas, o texto de Gênesis 1 torna a partir 
das origens do mundo para mostra que o “mal” não faz 
parte do plano divino. O mundo criado por Deus é de todo 
positivo. Por exemplo, o texto de Gênesis 1 não contém 
uma única negação. Por bem sete vezes (número 
sagrado), o texto repte que “Deus viu que [o que tinha 
feito] era bom” (1,4.10.12.18.21.25.31). Na última vez 
diz mais, que “Deus viu tudo o que tinha feito. Eis que 
era muito bom” (1,31). Signifi ca, portanto, que a raiz de 
todas as coisas e de todo ser neste mundo é sadia. Se 
existe corrupção, morte e mal, estes chegaram apenas 
em um segundo compasso (2005, pp. 29-30)
9| Teologia Sistemática III | FTSA | 
O primeiro relato, enfi m, representa um todo harmônico que aponta para 
a organização do caos, a promoção da vida e do equilíbrio na criação, 
principalmente na relação entre a natureza e o ser humano. É nele 
também que vemos o destaque dado ao sábado (shabbat), que, embora 
inclua o tema do descanso, a teologia sacerdotal passou a enfatizar a 
atenção especial dedicada ao sétimo dia da semana que deveria estar 
voltado para as práticas religiosas. Contudo, é de suma importância 
ressaltar o tema do descanso uma vez que a tradição javista, autora do 
segundo relato, indica o trabalho como um fardo inevitável da vida, como 
aquilo que é responsável pela produção do sustento de subsistência 
(Gn 3:19). No fundo, o conceito de descanso aparece teologicamente 
ampliado, ainda relacionado à criação, tratando de questões ecológicas 
e de justiça. Notamos isso na lei do “sábado de anos”, indicada no texto 
de Êxodo 23:10-11 e seu correlato em Levítico 25:1-1-7, e na lei do jubileu 
descrita em Levítico 25:8-34.
Analisando agora o segundo relato (Gn 2:4-25), diferentemente do 
primeiro, ele tem como centro o ser humano. Enquanto o primeiro trata 
da criação de maneira mais ampla, o segundo concentra a sua narrativa 
em torno do ser humano e suas relações existenciais, no caso, “seu 
espaço vital (o jardim), os mantimentos (os frutos do jardim), o trabalho 
(2.15), a comunidade (2.18-24), e, em tudo isso, a relação com seu 
Criador” (Westermann, 2013, p. 36). Primeiro o ser humano é criado e 
depois todas as outras coisas são feitas em função de sua existência. 
Os detalhes descritos procuram situar geografi camente este ambiente 
inicial na Mesopotâmia, talvez o lugar mais antigo que se conhecia 
ou de onde vinham as histórias mais antigas. De maneira semelhante 
ao primeiro relato, o segundo também aponta para uma criação que 
expressa harmonia e equilíbrio, em que as árvores são “agradáveis aos 
olhos e boas para alimento” (Gn 2:9), a vida recebe um tratamento de 
centralidade — “no meio do jardim estavam a árvore da vida [...]” (Gn 2:9) 
—, e o ser humano se relaciona em plenitude (Gn 2:22-25).
| Teologia Sistemática III | FTSA10
Exercício de fi xação - 01
Considerando o estudo apresentado sobre as narrativas da 
criação no livro de Gênesis é falso afi rmar que:
a. Ambas as narrativas têm como base dois pontos de vistas 
de tradição editorial que se complementam;
b. As narrativas pretendem refutar as propostas científi cas 
contrárias ao criacionismo;
c. Elas têm por objetivo apontar para a origem do mundo a 
partir da vontade criadora divina;
d. O foco principal das narrativas são as questões ontológicas, 
indicando o lugar do ser humano na criação;
e. Nenhuma das narrativas trazem detalhes sobre o “como” 
do processo criador.
Há, no entanto, no segundo relato, um objetivo que vai além da 
apresentação da teologia da criação, que é servir comoprólogo para o 
drama humano apresentado nos capítulos seguintes. Ainda no relato da 
criação é indicada a presença da “árvore do conhecimento do bem e do 
mal” (Gn 2:9) e do mandamento para não comer do seu fruto (Gn 2:17). 
É em função dessa informação que o evento da queda se desenvolve 
no capítulo 3. Na verdade, poderíamos dizer que é em função dessa 
introdução que obtemos o que se chama na teologia clássica de História 
da Salvação (Heilsgeschichte), talvez o principal tema para a humanidade 
e em função do qual as próprias Escrituras são desenvolvidas.
Sem dúvida os relatos da criação presentes no livro de Gênesis são os 
mais importantes e mais referenciados na teologia bíblica, mas há outros 
textos que afi rmam e confi rmam a perspectiva teológica produzida pelo 
povo de Israel ao longo da história. Entre os mais importantes podemos 
ressaltar os apresentados nos livros de Salmos, Isaías e Jó. 
11| Teologia Sistemática III | FTSA | 
1.2. A criação do ser humano
Podemos dizer que a criação do ser humano, conforme apresentada 
nas Escrituras, é o ápice da construção teológica sobre a criação como 
um todo. Se entendemos os textos iniciais como um prólogo para o 
grande acontecimento que gira em torno da existência humana, vemos a 
elaboração de um pano de fundo que apresenta o habitat e as condições 
iniciais para que a vida humana ocorra. Mais adiante estudaremos outros 
aspectos da relação do ser humano com o seu habitat e com a sociedade, 
que ele estabelece para desenvolver a vida. Por hora, nos concentraremos 
nos conteúdos específi cos, referentes ao ser humano em si, naquilo que 
concerne à sua essência desde a perspectiva da teologia da criação. 
Mais uma vez, apoiaremos a maior parte de nossas refl exões nos dois 
relatos de Gênesis, seguindo o mesmo tipo de investigação já iniciado.
1.2.1. O ser humano como imagem e semelhança divina
O primeiro relato trata a criação do ser humano indicando uma 
diferenciação em relação aos outros seres vivos. Enquanto as plantas 
e animais são criados segundo o seu “tipo” (mino) ou espécie, o ser 
humano é criado segundo a “imagem e semelhança” de Deus: “Então 
disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem (tsalemenu), conforme 
a nossa semelhança (demutenu)’” (Gn 1:26). Antes de discutirmos como 
podemos interpretar essa dupla expressão, vejamos como as palavras 
são tratadas no dicionário de hebraico:
[Imagem] Basicamente, a palavra se refere a uma 
representação, uma semelhança. Cinco vezes diz 
respeito ao homem como criado à imagem de Deus. 
Duas vezes designa as cópias de ouro dos ratos e 
inchaços que afl igiam os fi listeus (1 Sm 6.5, 11; e veja-
se ‘opel). Na maioria das vezes refere-se a um ídolo [...] 
tselem refere-se à imagem como uma representação 
da divindade. Nesse sentido, as imagens eram 
terminantemente proibidas. Observe-se que nem toda 
| Teologia Sistemática III | FTSA12
escultura era proibida (cf. querubins de ouro), mas 
apenas os ídolos (Hartley, 1998, p. 1288).
[Semelhança] Embora este substantivo seja usado 
apenas 26 vezes no AT, é uma palavra bastante 
importante. Ela aparece na seção teofânica de Ezequiel 
(1.5, 10, 13, 16, 22, 26, 28; 10.1, 10, 21, 22), e com bastante 
frequência justaposta a kemarê, “como a aparência de” 
[...] Todas essas passagens em Ezequiel referem-se 
a semelhanças visuais, mas Isaías 13.4 mostra que 
demût também pode ser empregado para designar 
semelhanças sonoras e semelhanças estruturais, no 
sentido de ser um padrão ou modelo (2 Rs 16.10, onde 
a palavra é paralela a tabnît).
Analisamos, por fi m, duas passagens importantes em 
que se afi rma que o homem foi criado “à [imagem e] 
semelhança de Deus” (Gn 1.26; 5.1) e uma passagem 
onde se diz que Adão gerou um fi lho, Sete, “à sua 
semelhança” (Gn 5.3) [...] Procuraremos verifi car 
especifi camente a relação, em Gênesis, entre tselem
(imagem, q.v.) e demût (“semelhança”). Em nenhuma 
outra passagem do AT esses dois substantivos são 
paralelos ou relacionados um com o outro [...] Não 
se deve procurar estabelecer nenhuma distinção 
entre essas duas palavras. Elas são totalmente 
intercambiáveis (Hamilton, 1998, p. 316).
Como visto, as duas palavras querem expressar uma ideia única, de alguma 
coisa que se parece com outra. Da mesma maneira como uma escultura 
se assemelha, pela imagem transferida ao material utilizado na sua 
confecção, àquilo que quer representar, o ser humano é dito como alguém 
parecido com Deus. Seguindo o raciocínio já iniciado anteriormente, 
considerando que a dupla expressão é utilizada como parte da criação 
geral, parece haver uma intenção do autor em afi rmar a particularidade do 
13| Teologia Sistemática III | FTSA | 
ser humano e sua diferença em relação a todas as outras criaturas. O ser 
humano é, por assim dizer, único, porque parece com Deus.
É certo que muito já foi escrito sobre o que se convencionou chamar de 
imago Dei na teologia, no entanto, sou da opinião de que este esforço é 
um exagero, considerando o pouco conteúdo bíblico que temos para nos 
debruçar sobre. Mais que isso, não me parece haver, da parte dos autores 
bíblicos, a mesma preocupação fi losófi ca que há da parte dos teólogos 
em tentar explorar o fenômeno da criação humana em função da pessoa 
de Deus. Há consenso de que a similitude entre o ser humano e Deus não 
trata de questões de aparência e sim de alguns dos seguintes aspectos: 
espírito, raciocínio, moral, liberdade, consciência, etc. Como indicação 
resumida daquilo que a ideia de imagem e semelhança possa signifi car, 
utilizo a refl exão de Emil Brunner:
Aquele que cria através da Palavra, que, como Espírito 
cria em liberdade, quer ter um “refl exo”, que é mais do 
que um “refl exo”, que é uma resposta à Sua Palavra, um 
ato espiritual livre, uma correspondência de Seu falar. 
Só assim pode o seu amor realmente dar-se como amor. 
Porque o amor só pode dar-se onde é recebido em amor. 
Daí o coração da existência humana do homem é a 
liberdade, auto-existência, de ser um “Eu”, uma pessoa. 
Apenas um “Eu” pode responder a um “Tu”, apenas 
uma Auto que é auto-determinação pode livremente 
responder a Deus. Um autômato não responde; um 
animal, em contraposição a um autômato, pode de fato 
re-agir, mas não pode re-sponder. Não é capaz de falar, 
de livre auto-determinação, ele não pode fi car a uma 
distância de si mesmo, e, portanto, não é re-sponsável.
O Ser livre, capaz de auto-determinação, pertence 
à constituição original do homem como criado por 
Deus. Mas desde o início, essa liberdade é limitada. 
Não é primária, mas secundária [...] Deus quer a minha 
| Teologia Sistemática III | FTSA14
liberdade, é verdade, porque Ele quer glorifi car a Si 
mesmo e dar-se a si mesmo. Ele quer a minha liberdade, 
a fi m de tornar esta resposta possível; minha liberdade 
é, portanto, desde o início, responsiva. Responsabilidade 
é liberdade restrita, que distingue os humanos da 
liberdade divina; e é uma restrição que também é livre 
— e isto distingue a nossa liberdade humana limitada 
daquela do resto da criação. Os animais, e Deus, não 
têm nenhuma responsabilidade —animais, porque estão 
abaixo do nível de responsabilidade, e Deus, porque está 
acima dela; os animais porque não têm liberdade, e Deus 
porque tem liberdade absoluta (1952, pp. 55-56).
Reforçando a ideia de que a expressão quer, ao mesmo tempo, 
estabelecer semelhanças e diferenças, Brunner destaca que o ser 
humano se assemelha a Deus na consciência de existência autônoma e 
na liberdade. Essa condição difere o ser humano das outras criaturas, em 
especial, os animais, ao ponto de exercer domínio sobre eles, conforme 
a sequência do texto: “[...] Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as 
aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os 
pequenos animais que se movem rente ao chão” (Gn 1:26b). Por outro 
lado, ao gerar fi lhos o ser humano transfere essa imagem e semelhança 
com algo que agora lhe é próprio: “Aos 130 anos, Adão gerou um fi lho 
à sua semelhança, conformea sua imagem; e deu-lhe o nome de Sete” 
(Gn 5:3). É também esta imagem e semelhança que lhe confere valor e 
dignidade únicos: “Quem derramar sangue do homem, pelo homem seu 
sangue será derramado; porque à imagem de Deus foi o homem criado” 
(Gn 9:6). Para Brunner, o grande objetivo da formação do ser humano 
como imagem e semelhança divinos é lhe conferir a capacidade para 
vivenciar um relacionamento livre, e em amor, com Deus, seu criador.
É importante ressaltar que a ideia de imagem e semelhança não está presente 
no segundo relato de Gênesis, em que o ser humano é descrito como sendo 
formado como um boneco de barro. Neste sentido, a aproximação do ser 
humano é maior com a terra da qual ele é feito, conforme veremos a seguir. 
15| Teologia Sistemática III | FTSA | 
1.2.2. O ser humano como homem e mulher
A questão do gênero é muito clara nos dois relatos de Gênesis, embora 
ofereçam diferentes perspectivas na formação do ser humano. O 
primeiro relato é simples e sintético apontando para a formação dos 
gêneros masculino e feminino em um mesmo patamar: “Então disse 
Deus: ‘Façamos o homem (adam) à nossa imagem, conforme a nossa 
semelhança’ [...] Criou Deus o homem (adam) à sua imagem, à imagem 
de Deus o criou; homem (zakar) e mulher (neqevah) os criou” (Gn 1:26-
27). Observando o texto, ofereço a seguinte alternativa de tradução: Então 
disse Deus: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’ [...] 
Criou Deus o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho 
e fêmea os criou”. Parece claro que a palavra adam  depois traduzida 
como Adão  é uma indicação geral de humanidade, pois, diz o texto, 
que Deus cria o adam como macho (zakar) e fêmea (neqevah), ou seja, 
o adam é criado com dois gêneros distintos, sexuados, à semelhança 
dos animais, como macho e fêmea, o sexo masculino e feminino. O ser 
humano, portanto, macho e fêmea, são criados à imagem de Deus, ao 
mesmo tampo, no mesmo patamar de dignidade e valor.
O segundo relato é um pouco mais complexo, trazendo outros termos 
para se referir ao ser humano, bem como detalhando a maneira como 
o autor propõe a teologia por trás das relações iniciais e posteriores à 
queda. Segue um apanhado de versículos focando nossa atenção na 
questão do gênero.
7Então o Senhor Deus formou o homem [adam] do pó 
[aphar] da terra [adamah] e soprou em suas narinas o 
fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente 
[...] 18Então o Senhor Deus declarou: “Não é bom que o 
homem [adam] esteja só [bado]; farei para ele alguém 
que o auxilie [ezer] e lhe corresponda [negedo]” [...] 
20Assim o homem deu nomes a todos os rebanhos 
domésticos, às aves do céu e a todos os animais 
selvagens. Todavia não se encontrou para o homem 
| Teologia Sistemática III | FTSA16
alguém que o auxiliasse [ezer] e lhe correspondesse 
[negedo]. 21Então o Senhor Deus fez o homem [adam] 
cair em profundo sono e, enquanto este dormia, tirou-
lhe uma das costelas [tsela], fechando o lugar com 
carne [basar]. 22Com a costela que havia tirado do 
homem [adam], o Senhor Deus fez uma mulher [ishah] 
e a levou até ele. 23Disse então o homem [adam]: “Esta, 
sim, é osso [tsem] dos meus ossos e carne [basar] da 
minha carne! Ela será chamada mulher [ishah], porque 
do homem [ish] foi tirada”. 24Por essa razão, o homem 
[ish] deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher [ishah], 
e eles se tornarão uma só carne [basar]. 25O homem 
[adam] e sua mulher [ishah] viviam nus, e não sentiam 
vergonha (Gênesis 2:7, 18, 20-25).
Esse relato, mais antigo que o primeiro, apresenta uma direta relação 
entre o termo adam e adamah. Ambos possuem a mesma raiz hebraica 
e Leonard Coppes sugere que “embora a etimologia de ’ādām não possa 
ser explicada com certeza [...] a palavra está provavelmente relacionada 
com a cor avermelhada da pele humana” (1998, p. 13). Daí a associação 
com a terra (adamah) da qual o ser humano é dito ser moldado. Como 
indica Coppes, “originalmente, a palavra tinha o sentido de solo vermelho 
arável” (1998, p. 14). Para o autor,
A Bíblia estabelece um forte relacionamento entre o 
homem (’ădām) e a terra (’ădāmâ) [...] No princípio, 
Deus faz ’ădām da ’ădāmâ para lavrar a ’ădāmâ [...] 
Então veio o pecado. A unidade ’ădām (Adão e Eva; 
veja também Rm 5.12) violou a estrutura criada. A 
’ădāmâ, daí em diante, produziu espinhos e cardos em 
vez de frutifi car livremente (Gn 3.17). Visto que ’ădām
provocou o rompimento do estado paradisíaco de 
produção de vida, foi expulso da ’ădāmâ paradisíaca 
e recebeu a sentença de volta à ’ădāmâ (Gn 3.19) 
(Coppes, 1998, pp. 14-15).
17| Teologia Sistemática III | FTSA | 
Como vimos, a expressão adam tende a signifi car a ideia do ser humano, 
homem e mulher, como um ser formado dos elementos da terra, sem 
distinção. No entanto, o autor do texto bíblico aplica o termo adam tanto 
para se referir ao ser humano em geral, quanto para se referir apenas 
ao gênero masculino e também para dar nome ao primeiro homem, em 
contraposição à primeira mulher, na história do Éden. Este intercâmbio 
do uso da palavra adam, embora possa causar confusão, não deve nos 
impedir de tentar compreender as mensagens que o texto quer transmitir.
No primeiro relato encontramos as expressões zakar (macho) e neqevah
(fêmea), as mesmas usadas para os animais, para se referir aos gêneros 
humanos nas formas de um ser sexuado. No segundo relato encontramos 
os termos ish e ishah, reportando-se a outro tipo de ênfase. No pano 
de fundo construído pelo autor podemos perceber que o foco está no 
relacionamento humano: “Não é bom que o adam esteja só” (Gn 2:18).
Saiba mais
A ênfase sobre a ideia do ser humano como um ser social é uma 
máxima que vale para todos, independente do gênero, mesmo o 
relato do Gênesis tendo sido construído a partir do sexo masculino. 
Ela é reafi rmada pelas ciências humanas, desde Aristóteles, que 
dizia que o ser humano era um animal político, ou seja, entendido 
essencialmente em sociedade.
O mesmo vale para as teorias da psicologia que avaliam a formação 
da personalidade desde as primeiras relações estabelecidas com 
a mãe, pai, família estendida, escola e tantos outros ambientes de 
convivência:
“Os seres humanos são animais sociais, e o teor da 
vida social de alguém é uma das influências mais 
importantes em sua saúde mental e física. Sem 
relacionamentos positivos e duradouros, tanto a 
mente quanto o corpo podem desmoronar.
| Teologia Sistemática III | FTSA18
Os indivíduos começam a vida dependendo para 
sobreviver da qualidade de seu relacionamento 
com seu cuidador principal, geralmente sua mãe. 
A sobrevivência da humanidade como espécie 
também depende da capacidade de viver em 
sociedade. A maior parte da história humana foi 
passada em pequenos grupos nos quais cada 
indivíduo dependia de outros para sobreviver; 
evidências sugerem que esta é a condição à qual os 
humanos estão mais bem adaptados”.
Fonte: https://www.psychologytoday.com/us/
basics/social-life
Em função, então, desta premissa constituinte da condição humana, 
o autor do segundo relato apresenta, como num romance, a história da 
formação da mulher. Não sendo bom a solidão humana, Deus faz passar 
diante do adam todos os animais criados para ver qual deles poderia 
“estar diante dele na mesma condição” (negedo) e tornar-se assim o seu 
“socorro” (ezer). Não havendo nenhum animal naquela condição, Deus 
forma a esposa, não mais do pó da terra, mas do mesmo osso (tsem, ou 
tsela — costela) — e da mesma carne (basar) — do esposo. A esposa é feita, 
portanto, da estrutura fundamental do organismo do marido e por ele é 
assim reconhecida. Entretanto, é interessante ressaltar que as expressões 
hebraicas usadas na história não são macho e fêmea, como nos animais, 
mas sim uma referência ao homem e à mulher remetendo-os à questão 
do relacionamento, como indica Thomas McComiskey ao dizer que “um 
dos usos mais comuns de ’îsh é no sentido de marido” (1998, p. 63) e 
que a “palavra [’ishshâ] é usada com frequência no sentido de ‘esposa’”(1998, p. 99). Concluindo a ideia das companhias que estão na mesma 
condição e servem de ajuda mútua, propõe-se a união dos dois gêneros 
numa misteriosa simbiose em que eles se tornam como um único ser ou 
uma só carne. Mais ainda, eles convivem sem o empecilho da vergonha ou 
do desapontamento mútuo, indicando um relacionamento pleno.
19| Teologia Sistemática III | FTSA | 
Esta breve introdução sobre a criação do ser humano mostra a 
complexidade da existência. A teologia da criação não se preocupa em 
discutir detalhadamente o fenômeno humano, mas é capaz de apresentar 
alguns conceitos fundamentais que estabelecem uma a perspectiva que 
deve nortear toda e qualquer aproximação que façamos em direção ao 
ser humano. Pelo menos duas grandes questões se impõem. A primeira é 
que o ser humano possui dignidade intrínseca e capacidade responsável 
para se relacionar com Deus. A segunda é que o ser humano é igualmente 
valoroso em sua representação nos gêneros masculino e feminino, 
sendo essencialmente formado para viver em busca de relacionamentos 
equânimes de companheirismo e complementariedade.
Exercício de aplicação - 02
Tendo em vista os conceitos apresentados de Imagem e Semelhança 
de Deus, como podemos tornar estes conceitos efi cazes em nossa 
vida cotidiana: 
a) Ao saber que possuo um espírito, assim como Deus, sei também que 
nada nem ninguém pode ir contra o meu espírito, por isso, tudo na minha 
vida será como eu quero que seja;
b) Ser imagem e semelhança de Deus, me torna exatamente como Deus, 
por isso tenho poder e controle sobre todas as situações ao meu redor. 
c) Sendo imagem e semelhança de Deus tenho permissão e dever de dominar 
sobre toda a criação, escolhendo qual será o futuro da criação, inclusive de 
outros seres humanos que estão sob meu domínio. 
d) Sendo imagem e semelhança de Deus, me pareço com ele na minha 
liberdade de decidir e agir, assim, tenho capacidade para escolher cumprir 
os planos de Deus e me manter em um relacionamento sadio com ele, 
comigo mesmo, com os outros e com o restante da criação.
e) A imagem e semelhança de Deus me dá acesso ao mundo espiritual, 
permitindo que tenha acesso a ele em oração, experimente as coisas 
celestiais e lute contra as potestades demoníacas.
| Teologia Sistemática III | FTSA20
1.3. A constituição do ser humano no Antigo Testamento
Como visto até aqui, entendemos que o ser humano possui uma relação 
íntima com a natureza. Primeiro, por ser formado da mesma matéria 
ou dos mesmos elementos presentes em todo o resto da criação. 
Segundo, porque ela é o seu habitat, ou seja, a sobrevivência humana 
depende diretamente da natureza. Também vimos que o ser humano é 
eminentemente social, estabelecendo ligações que podem chegar a um 
alto nível de intimidade e cumplicidade, como no caso da relação entre 
os gêneros. Há muitas outras perspectivas que podemos tomar para 
falar do ser humano, o que faremos mais adiante, mas gostaria de tratar 
de uma questão que possui vários desdobramentos para a Antropologia 
Teológica, que é o tema da constituição humana.
Já vimos que o ser humano é constituído dos elementos da terra 
(adamah), das mesmas substâncias que formam toda a matéria que 
conhecemos no universo. No entanto, este aspecto da constituição 
nos aponta, como consequência, para as dimensões físicas, químicas, 
biológicas, etc. sem indicar outros aspectos que fogem, a princípio, desta 
questão material. Como já mencionado antes, se entendemos que faz 
parte da constituição humana aquilo que é percebido como imagem e 
semelhança divina, e sendo Deus imaterial, necessitamos lidar com 
essa dissemelhança, que é o fato de o ser humano ser físico e Deus ser 
metafísico — além da matéria. Ao mesmo tempo, precisamos lidar com 
as dimensões da existência humana que são informadas pela imagem e 
semelhança com o ser divino.
No fundo, estamos adentrando uma arena bastante complicada, 
exatamente por sermos limitados em nossa materialidade ou àquilo que 
é físico, imanente. A imaterialidade (metafísico, transcendente) é, em 
si, incompreensível e nos conduz, na maioria das vezes, ao campo da 
experiência pessoal e mística, o que reduz a possibilidade de elaboração 
de teologias — lembro que esta discussão já foi levantada na disciplina 
de Teologia Sistemática I. Permanecendo, portanto, no âmbito da Teologia 
Bíblica, investigando os relatos bíblicos da criação e outros textos referentes 
21| Teologia Sistemática III | FTSA | 
ao ser humano no que se refere à sua constituição, nos concentramos 
no segundo relato Gênesis, uma vez que o primeiro relato não traz outra 
informação além da já discutida questão da imagem e semelhança.
Assim, lemos no segundo relato a seguinte construção textual: “Então 
o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas 
narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2:7). 
Historicamente a teologia cristã, desde os pais gregos, interpretam este e 
outros textos bíblicos como indicação de uma possível subdivisão do ser 
humano. Embora existindo como um ser único, a discussão gira em torno 
de três opções de entendimento. A primeira opção é entender o ser humano 
como uma unidade (monismo), a segunda, como sendo subdividido em 
duas partes constituintes (dicotomia) e a terceira, como subdividido em 
três partes (tricotomia). Acredito que a maioria das correntes teológicas 
evangélicas brasileiras atuais tem assumido a compreensão tricotômica 
do ser humano, entendendo que ele é formado de corpo, alma e espírito. 
As razões para este posicionamento podem ser explicadas como tendo 
sido causadas pela infl uência de algumas correntes teológicas norte-
americanas, principalmente as de cunho pentecostal, e pela limitação à 
interpretação do texto de 1 Tessalonicenses 5:23. Contudo, historicamente, 
a compreensão teológica da constituição humana é diversa, apresentando 
ao longo da história defensores das três opções.
Voltando ao texto de Gênesis 2:7, necessitamos olhar para a sua redação 
tentando entender a cosmovisão e intenção do autor e, de maneira 
geral, a teologia desenvolvida ao longo do Antigo Testamento. Para isso, 
recorremos à língua original e ao signifi cado dos termos ali presentes. 
O que lemos é: “Então o Senhor Deus formou o homem (adam) do pó 
(aphar) da terra (adamah) e soprou (naphach) em suas narinas (aph) o 
fôlego (neshamah) de vida (chayyim), e o homem (adam) se tornou um ser 
(nephesh) vivente (chayyim)”. Considerando o relato da criação como um 
todo, não enxergo aqui uma intenção do autor em desenvolver uma teologia 
profunda, detalhada, da constituição humana, nem mesmo a indicação de 
uma possível tricotomia. Pelo contrário, o que vejo é a transmissão de uma 
| Teologia Sistemática III | FTSA22
ideia, de maneira até simples, mostrando de modo fi gurado a formação 
do ser humano. A descrição fala da modelagem de um tipo de boneco 
feito do “pó da terra” que, como qualquer estátua, é inanimado, ou seja, 
não tem vida. Para que ele se torne um ser vivente, Deus sopra em suas 
narinas. Em nenhum momento vemos uma preocupação ou cuidado do 
autor em detalhar como o pó da terra se transformou em ossos, músculos 
e órgãos ou como se transformou naquilo que a língua hebraica denomina 
de carne (basar). Não aparece também no texto qualquer referência ao 
fôlego (neshamah) de vida como estando associado ao vento ou espírito 
(ruach), ainda que outros textos façam esta associação posteriormente. 
O que parece ocorrer é uma breve descrição do ser humano como alguém 
criado por Deus dos elementos da terra que vem à existência, ou seja, 
torna-se um ser (nephesh) vivente pela ação divina.
Exercício de reflexão - 03
Certamente você já leu este relato de Gênesis 2, porém, pode ser 
que não tenha atentado para o tipo de interpretação que está sendo 
proposto aqui. Por isso, releia o relato de Gênesis 2, na versão 
bíblica de sua preferência, e escreva em 3 ou 4 linhas, a partir dos 
estudos feitos até aqui, suas percepções sobre a criação humana.Aprofundando um pouco mais nossa investigação, e utilizando o 
detalhado estudo de Hans Walter Wolff sobre a Antropologia do Antigo 
Testamento, encontramos o seguinte alerta:
Ao traduzir, via de regra, os substantivos hebraicos 
mais frequentes com as palavras “coração”, “alma”, 
“carne” e “espírito”, ocorreram equívocos de graves 
consequências. Eles remontam já à antiga tradução da 
Septuaginta e acarretam uma antropologia dicotômica 
ou tricotômica, na qual o corpo, a alma e o espírito se 
encontram em oposição mútua. É necessário examinar 
23| Teologia Sistemática III | FTSA | 
até que ponto, quando passou a usar a língua grega, 
a fi losofi a helênica deturpou e substituiu concepções 
semítico-bíblicas. Para isso, temos que esclarecer o 
uso veterotestamentário das palavras (2007, p. 29).
Para Wolff, assumir o entendimento dicotômico ou tricotômico é um 
equívoco que surge pela infl uência de uma interpretação fi losófi ca grega 
que se sobrepõe à cultura original do texto bíblico que é semítica. O autor 
ainda comenta sobre duas características da literatura hebraica. A primeira 
é uma forma de paralelismo sinonímico em que há o uso de termos que se 
referem a partes ou funções humanas e que podem ser trocados uns pelos 
outros designando o ser humano todo, mostrando “diversos aspectos do 
sujeito único” (2007, p. 30). Como exemplo o autor cita o Salmo 84:2: “A 
minha alma anela, e até desfalece, pelos átrios do Senhor; o meu coração 
e o meu corpo cantam de alegria ao Deus vivo”. Alma, coração e corpo são 
referências ao ser humano, mas que funcionam como sinônimos indicando 
o todo do seu ser, porém, vistos por distintas perspectivas.
A segunda característica da literatura hebraica Wolff chama de 
“‘pensamento sintético’ que, com a menção de uma parte do corpo, 
refere-se à sua função” (2007, p. 30). Desta forma, “com um vocabulário 
relativamente pequeno, por meio do qual designa as coisas e também 
justamente as partes do corpo humano, o hebreu pode e precisa expressar 
toda uma série de matizes sutis, fazendo com que o nexo sintático 
acentue as possibilidades, atividades, propriedades ou experiências 
do sujeito mencionado” (idem, p. 31). Um exemplo desta segunda 
característica aparece no texto de Isaías 52:7: “Como são belos nos 
montes os pés daqueles que anunciam boas-novas [...]”. Na interpretação 
de Wolff teríamos: “‘Como é belo que o mensageiro se aproxime com 
rapidez pelas montanhas!’ O hebreu diz ‘pés’, mas pensa no aproximar-se 
aos saltos” (ibidem). A palavra pés, embora sendo apenas uma parte do 
corpo, representa, metaforicamente, a qualidade de uma ação humana, 
realizada em sua integralidade.
| Teologia Sistemática III | FTSA24
1.3.1. Os conceitos de carne, alma e espírito — basar, 
nephesh e ruach
Fundamentado numa vasta apresentação de aplicações bíblicas de 
termos, Wolff procura explicar como a cultura hebraica entende o ser 
humano. Assim, ele apresenta o conceito de basar (ָּבָׂשר), que logo vemos 
na narrativa sobre a criação da mulher, quando ao tirar a costela do 
homem, Deus preenche aquele espaço com “carne” (Gn 2:21) e o homem 
reconhece que a mulher é “carne da sua carne” (Gn 2:23):
 ocorre ao todo 273 vezes e em 104 vezes se refere ָּבָׂשר
a animais, isto é, em mais do que a terça parte dos 
casos. Isso já mostra que ָּבָׂשר (a seguir: b.) designa 
algo que, em grande escala é próprio tanto do ser 
humano como do animal [...] designar principalmente a 
parte visível do corpo, a seguir também pode significar 
todo o corpo humano [...] aparece no sentido daquilo 
que une os seres humanos entre si, podendo tornar-
se praticamente um termo jurídico de parentesco [...] 
caracteriza a vida humana em geral como fraca e 
caduca em si mesma [...] À natureza caduca da criatura 
se acrescenta a fraqueza ética (2007, pp. 57-65).
Embora seja fácil entendermos o conceito de basar como a dimensão 
física do ser humano — pele, músculos, órgãos, ossos, etc. —, 
representando um pedaço ou o todo, vemos que o termo acabou 
recebendo um signifi cado mais amplo e fi gurativo, para tratar da fraqueza 
moral, tipicamente humana, incluindo a questão ético comportamental. 
Essa é a ideia desenvolvida pelo apóstolo Paulo no capítulo 7 da carta 
aos Romanos — com destaque para o versículo 18. Isto signifi ca que 
aquilo que entendemos simplesmente como a “parte” física, numa ótica 
dicotômica ou tricotômica, também recebe teologicamente aspectos 
morais, identifi cados, normalmente, com outras áreas ou “partes” do ser 
humano que não a física. Em outras palavras, tratamos a questão dos 
valores éticos no âmbito interior, na esfera da consciência, vontade e 
25| Teologia Sistemática III | FTSA | 
decisão, por isso, pensamos que isto ocorre na mente, na alma ou algo 
semelhante e não nos músculos, ossos, etc.
Wolff também esclarece o conceito por trás da palavra nephesh (ֶפׁש ,(֫נֶ
indicando que seu uso no texto de Gênesis 2:7 “certamente, não significa 
“alma’. N. deve ser vista aqui em conjunto com a figura total do ser 
humano e especialmente com sua respiração; por isso, o ser humano 
não tem n., mas é n., vive como n.” (2007, p. 34) — “n.” nesta citação 
é a abreviação de nephesh. O autor define a ideia de grega de psyche
de maneira diferente de nephesh, que também é traduzida por alma 
em português. Para o grego a alma (psyche) aponta para o “lugar” dos 
sentimentos e estados de ânimo na interioridade humana. Já a nephesh
é entendida como algo referente ao ser humano como um animal 
biológico. Aliás, os animais também são chamados de “seres viventes” 
(nephesh chayah) (Gn 2:19), no entanto, a teologia evangélica não atribui 
a eles uma alma — entendida mais como o conceito grego de psyche — 
como o faz com o ser humano. Aprofundando sua análise e recordando 
as duas características da literatura hebraica destacadas anteriormente 
— paralelismo sinonímico e pensamento sintético —, Wolff explica que
Em nossa compreensão analítica talvez se abra 
um acesso à riqueza de signifi cação dada com o 
pensamento sintético, se perguntarmos com que parte 
do corpo humano podem ser identifi cados o ser e o agir 
humano designados por n. [...] Em geral, o pensamento 
estereométrico-sintético visualiza um membro do 
corpo juntamente com suas atividades e capacidades 
especiais, e estas, por sua vez, são concebidas como 
características de todo o ser humano (2007, pp. 34-35).
Por isso, ele segue seu raciocínio apresentando as associações de 
nephesh com alguns órgãos humanos, indicando, assim, que tipo de 
compreensão obtemos do uso desse termo na Bíblia. Nephesh aparece 
associada à goela, boca e garganta, ou seja, aos órgãos de ingestão de 
alimentos e da saciação (Is 5:14; Hc 2:5; Sl 107:5,9; Pv 13:25; Ec 6:7). Há 
também uma associação com as funções da respiração (Êx 23:12; 2 Sm 
| Teologia Sistemática III | FTSA26
16:14; Sl 69:1-3; etc.). O que se conclui é que “para os semitas o ato de comer, 
de beber, e de respirar realizava-se na garganta; assim, ela era simplesmente 
a área das necessidades elementares da vida” (Wolff, 2007, p. 39). Por isso,
Se laçarmos um olhar sobre o grande espectro em que se 
contempla a n. do ser humano e o ser humano como n., 
vemos ou o ser humano principalmente como o ser vivo 
individual que não alcançou a vida por si mesmo nem 
a pode conservar por si mesmo, mas que, em anseio 
vital, procura a vida, conforme dão a entender a garganta 
como órgão da ingestão de alimentos e da respiração e o 
pescoço como parte do corpo principalmente ameaçada. 
Se, assim, n. mostra o ser humano principalmente em 
sua carência e cobiça, isso inclui sua excitabilidade e 
vulnerabilidade emocional. A acepção vital, que também 
compete ao animal, contribui essencialmente para que 
n. possa signifi car a pessoa e o indivíduo destacável, 
seguindo-se daí, em um caso extremo, a signifi cação 
de “cadáver”. A n. nunca se torna sujeito de atividades 
especifi camente mentais (Wolff, 2007, p. 55).
Resumindo, nephesh, na maioria das vezes, indica o serhumano como um todo, 
naquilo que representa os seus anseios, desejos, buscas, anelos, aspirações 
ou cobiças vitais. Ela se refere àquilo que está no interior, no “lugar” profundo 
do ser humano, comparando esta sensação à da fome, sede e respiração 
que estão no limiar da existência e que precisam ser satisfeitas; tudo isto 
desde uma perspectiva mais animal e intuitiva, sem o controle consciente da 
razão. Sendo assim, a nephesh não é uma coisa que se tem; não é uma parte 
humana localizável ou possível de ser separada de sua existência total. Ela 
funciona como uma referência a um aspecto da constituição humana assim 
como outros termos se referirão a outras características.
Tratando agora do conceito de espírito ou vento — ruach (�ַרּו) —, que 
possui uma associação com o fôlego de vida, já mencionado, e ainda 
considerando o segundo relato da criação, Wolff comenta:
27| Teologia Sistemática III | FTSA | 
O “vento” (r.) [r. como abreviação para ruach] do ser 
humano é, antes de mais nada, sua respiração. Por isto, r.
não poucas vezes está em paralelo com ְנָׁשָמה [neshamáh]
(p. ex., em Is 42.5) [...] Também esse “vento”, como força 
vital do ser humano, é “dada” por Javé; ele “molda” (יצר) a r.
no interior do ser humano (Zc 12.1). No interior dos ídolos 
de madeira ou pedra, não há r., isto é, respiração e, assim, 
nenhuma força vital, sem a qual não é possível despertar e 
levantar-se (Hc 2.19; cf. Jr 10.14 = 51.17). Apenas depois 
de Javé dar a r. como respiração às ossadas revestidas 
de músculos, carne e pele, os corpos se tornam vivos (Ez 
37.6,8-10,14) (2007, pp. 68-69).
Seguindo este raciocínio, o que chamamos de espírito humano está 
relacionado à vida e à sua manutenção. Por isso, quando cessa a vida o 
entendimento é que o vento que era soprado constantemente por Deus 
sobre o ser humano, para de ser soprado, ou seja, é “recolhido” ou “retorna” 
a Deus, enquanto o seu corpo retorna à terra da qual é formado. Essa é 
a compreensão apresentada pelo autor de Jó: “Se fosse intenção dele, 
e de fato retirasse o seu espírito e o seu sopro, a humanidade pereceria 
toda de uma vez, e o homem voltaria ao pó” (Jó 34:14-15). O que vemos 
é uma estreita relação de ruach com a sua origem, que é Deus, ainda que 
em poucas passagens se fale
da r. como ente invisivelmente autônomo que não 
é concebido necessariamente como a r. de Javé, 
estando, contudo, inteiramente à sua disposição [...] R., 
como um ente enviado por Javé, opera no ser humano 
principalmente pela fala, é também aquela r. da mentira 
que engana os profetas de Acabe (1Rs 22.21-23). R. é 
como um conjunto de forças que podem ser distribuídas 
por muitas pessoas (Wolff, 2007, pp. 72-73).
Neste ponto temos um óbvio encontro entre a Antropologia e a 
Pneumatologia em que o ruach é entendido como uma capacitação, 
por êxtase ou não, momentânea, ou seja, algo além daquele ruach que 
| Teologia Sistemática III | FTSA28
mantém a vida, sem que seja identifi cado como algo constituinte do 
ser humano. No mesmo sentido, encontramos o elo entre ruach e as 
reações humanas ligadas à respiração, próximo ao conceito de nephesh, 
e relativos aos estados de ânimo — agitação, irritação, paciência, 
pulsilanimidade, desânimo, orgulho, angústia, afl ição, amargura, mágoa, 
tristeza, etc. Concluindo, Wolff diz:
Deve-se registrar que r. é empregado duas vezes mais no 
sentido de vento e força vital de Deus do que de respiração 
do ânimo e vontade do ser humano. A maioria dos textos 
que tratam da r. de Deus ou dos seres humanos mostra 
Deus e o ser humano em relação dinâmica. O fato de que 
um ser humano como r. é vivo, quer o bem e age com 
autoridade não vem dele (2007, p. 77).
Com esta explicação de Wolff fi ca difícil entender a ideia do espírito como 
algo que constitua uma “parte” do ser humano, como algo que lhe seja 
pessoal e confi ra autonomia própria ou possibilidade de identifi cação de 
forma separada de seu ser como um todo. Também não conseguimos 
identifi cá-lo como responsável pela personalidade, consciência, mente 
ou outra dimensão daquilo que pretende descrever a complexidade da 
existência humana.
1.3.2. O conceito de coração — leb/lebab
Para Wolff, “a palavra mais importante para a gramática da antropologia 
veterotestamentária geralmente se traduz por ‘coração’ [...] diferentemente 
dos outros conceitos principais, refere-se, quase unicamente, ao 
ser humano” (2007, p. 79). Noto que exatamente aquilo que é mais 
enfatizado na teologia do ser humano no Antigo Testamento, que é o 
leb, não é considerado pelas perspectivas dicotômica e tricotômica, que 
se restringem aos conceitos de corpo, alma e espírito, respectivamente, 
basar, nephesh e ruach. O que torna o termo leb (ֵלב) interessante é a 
vasta amplitude de seu significado, porém, tipicamente apontando para 
a interioridade humana. Ainda que a sua tradução imediata seja coração, 
“conhecido como um órgão inacessível, oculto no interior do corpo” e 
29| Teologia Sistemática III | FTSA | 
que “se contrapõe à aparência externa” (idem, pp. 83-84), este sentido 
típico do pensamento sintético hebraico quer indicar exatamente este 
paralelismo de ideias, tornando o coração não um mero órgão, mas o 
centro da interioridade humana, incluindo aquilo que hoje entendemos 
como funções cerebrais ou de “natureza intelectual-psíquica” (idem, 
p. 84). Segue uma lista de exemplos de atos que são atribuídos ao leb
humano, elaborada por Wolff:
a) Sensibilidade, emocionalidade, estado de ânimo (1 Sm 2:1; Sl 25:17; 
Pv 15:13);
b) Desejo, aspiração — próximo daquilo que foi apresentado referente 
à nephesh (Nm 15:39; Sl 21:2; Is 9:10-11);
c) Entendimento, compreensão, consciência, memória (Dt 29:4; Pv 7:3; 
18:15; Is 6:10);
d) Decisão, vontade, planejamento (Gn 6:5; Sl 20:4; Pv 16:9).
Resumindo, o ser humano, como nephesh, é visto a partir de seus 
desejos, anseios e cobiças, indicando um aspecto mais instintivo, animal, 
quase incontrolável. Como ruach, ele é enxergado como alguém cuja 
vida é dependente da fonte divina, quer em sua sustentação, quer em 
sua motivação e capacitação. Como leb, o ser humano é percebido como 
um ser consciente e responsável por seus sentimentos, pensamentos e 
ações. Mais uma vez, seguindo a compreensão hebraica da antropologia, 
o coração não é identifi cado como uma “parte” e sim como representante 
fi gurativo da integralidade humana. 
Essa breve discussão sobre a constituição humana na ótica do Antigo 
Testamento tem por objetivo esclarecer o entendimento do pensamento 
hebraico que, originalmente, forma a Antropologia bíblica e que informa, 
em grande parte, a compreensão dos escritores do Novo Testamento. 
Certamente, o contato com a cultura grega, principalmente com a fi losofi a, 
infl uenciou a argumentação dos autores neotestamentários, uma vez que 
sua mensagem foi escrita para alcançar a igreja primitiva que se tornou 
prioritariamente gentílica, ou seja, sem possuir a bagagem histórico-
| Teologia Sistemática III | FTSA30
teológica do pensamento hebraico. Nosso próximo passo, portanto, 
será investigar como os autores do Novo Testamento apresentam o ser 
humano em sua constituição, visando formar uma perspectiva ampla da 
teologia bíblica.
Exercício de fi xação - 04
Qual das opções abaixo representa a melhor interpretação do 
termo hebraico nephesh aplicado à constituição humana?
a) A vida como um todo, com atenção para os desejos humanos 
mais básicos;
b) O âmbito do ser humano onde se reconhece a personalidade;
c) A área da vida que se relaciona com as outras pessoas;
d) A área da vida que se relaciona com Deus pela expressão dos 
sentimentos;
e) O âmbito do ser humano referente às coisas espirituais.
1.4. A constituição do ser humano no Novo Testamento
Certamente a Antropologia Teológica adotada pela maior parte da 
igreja evangélica contemporânea é mais infl uenciada pelos escritos 
do Novo Testamento que do Antigo. Nem por isso podemos afi rmar 
que esta perspectiva componha uma antropologia neotestamentáriaporque mesmo utilizando os textos que ali se encontram, percebemos 
que muitas interpretações atuais são infl uenciadas por paradigmas que 
parecem fugir da intenção dos autores bíblicos. É por essa razão que 
faremos a investigação de alguns textos do Novo Testamento, tentando 
entendê-los à luz daquilo que estudamos sobre como Antigo Testamento 
apresenta a constituição do ser humano. Nosso objetivo fi nal é obtermos 
uma teologia bíblica abrangente e coerente.
31| Teologia Sistemática III | FTSA | 
Após analisarmos alguns termos gregos, focaremos a investigação em 
dois grupos de textos que acredito serem sufi cientes para a compreensão 
daquilo que estou propondo. O primeiro grupo de textos é referente aos 
evangelhos, tentando obter o tratamento dado por Jesus e seus discípulos 
ao tema durante aquele período. O segundo grupo terá os textos paulinos 
que, ao tentar traduzir sua teologia para o mundo greco-romano, acabou 
estabelecendo a principal referência utilizada pela igreja contemporânea, 
mesmo parecendo haver problemas atuais de interpretação daquilo que 
ele tinha a intenção de ensinar.
Como vimos, a antropologia bíblica tem seu início com a teologia 
desenvolvida pelos autores do Antigo Testamento. Por esta razão, é ela 
que norteia aquilo que foi desenvolvido, mais tarde, pelos autores do 
Novo Testamento, considerando que a fé cristã é uma continuidade da fé 
hebraica. Mais que isso, a maioria dos autores neotestamentários eram 
judeus ou possuíam formação cultural e religiosa dentro do judaísmo. 
Dessa forma, quando os autores utilizaram palavras gregas para 
escreverem seus textos, no fundo, eles tinham um pressuposto teológico 
hebraico, conforme apresentado na unidade anterior.
Saiba mais
A Septuaginta
Muito antes de escreverem seus textos, os autores do Novo 
Testamento já possuíam a referência da Septuaginta. São os textos 
da Septuaginta que aparecem sendo citados pelos autores do Novo 
Testamento em seus livros quando se referenciam às Escrituras, 
portanto, era natural que usassem os termos gregos adotados 
naquela versão que traduziam os termos hebraicos originais.
“Septuaginta, abreviação LXX, a mais antiga 
| Teologia Sistemática III | FTSA32
tradução grega existente do Antigo Testamento do 
hebraico original. A Septuaginta foi provavelmente 
feita para a comunidade judaica no Egito, quando 
o grego era a língua comum em toda a região. A 
análise da linguagem estabeleceu que a Torá, ou 
Pentateuco (os primeiros cinco livros do Antigo 
Testamento), foi traduzido perto da metade do 
século III a.C. e que o restante do Antigo Testamento 
foi traduzido no século II a.C.
O nome Septuaginta (do latim, “70”) foi derivado 
posteriormente da lenda de que havia 72 tradutores, 6 
de cada uma das 12 tribos de Israel, que trabalharam 
independentemente para traduzir o todo e, por fi m, 
produziram versões idênticas. Outra lenda afi rma 
que os tradutores foram enviados a Alexandria por 
Eleazar, o sacerdote principal de Jerusalém, a pedido 
de Ptolomeu II Filadelfo (285–246 a.C.), embora sua 
fonte, a Carta de Aristeas, não seja confi ável. Apesar 
da tradição de que foi perfeitamente traduzido, há 
grandes diferenças de estilo e uso entre a tradução 
da Torá pela Septuaginta e suas traduções dos livros 
posteriores do Antigo Testamento. No século III d.C., 
Orígenes tentou esclarecer os erros dos copistas que 
haviam se infi ltrado no texto da Septuaginta, que 
então variava amplamente de uma cópia para outra, 
e vários outros estudiosos consultaram os textos 
hebraicos para tornar a Septuaginta mais precisa”.
Fonte: https://www.britannica.com/topic/Septuagint
33| Teologia Sistemática III | FTSA | 
Abaixo apresento um quadro que correlaciona os termos hebraicos aos 
termos gregos, que apontam para a principal opção de tradução, assim 
como a correspondência em português:
Hebraico Grego Português
basar (ָּבָׂשר) sarx (σάρξ) carne
nephesh (֫נֶֶפׁש) psyche (ψυχή) alma
ruach (רּוַח) pneuma (πνεῡμα) espírito
leb (ֵלב) kardia (καρδία) coração
1.4.1. Os conceitos de carne, alma, espírito e coração - 
sarx, psyche, pneuma e kardia
Nossa tarefa inicial será verifi car como se comporta a tradução dos 
conceitos hebraicos para o grego. Para isso, recorremos aos dicionários e 
léxicos da língua grega. Seguindo a ordem de termos indicadas na tabela, 
encontramos a tradução de basar como sarx. Em uma análise rápida, vemos 
que a tradução é bastante próxima já que sarx designa “a parte muscular 
do corpo humano ou animal”, abarcando a totalidade do corpo físico 
(Schweizer, 1971, p. 99-101). Eduard Schweizer (1971, pp. 98-151) faz uma 
longa apresentação do emprego da palavra, desde de a Antiguidade até os 
pais apostólicos, e chama a atenção para a infl uência da fi losofi a grega na 
atribuição de uma conotação negativa do termo, como algo corruptível, em 
contraposição à psyche, como algo imortal e superior. Mencionando as 
reações às difundidas ideias de Epicuro, Schweizer comenta que
Não se deve esquecer que seus oponentes pertenciam 
a uma tradição que desde o tempo de Platão via os 
desejos e vontades do corpo como os meios por onde 
a alma era enfeitiçada, manchada e poluída. Nos dias 
do NT, então, a expressão ἡδονῂ σαρκός [desejo ou 
sensualidade da carne] era um slogan, especialmente 
popular no judaísmo helenista. Era constantemente visto 
| Teologia Sistemática III | FTSA34
como uma convocação às formas mais cruas de prazer. 
Os animais não conheciam nada melhor que ἡδονῂ, sem 
retidão divina; todas as coisas serviam ἡδονῂ σαρκός e à 
satisfação de seu desejo (1971, p. 104). 
É com esse pano de fundo que o apóstolo Paulo utiliza o termo, de 
forma fi gurativa, em suas cartas, pensando na natureza humana caída, 
com tendência ao pecado. Jürgen Moltmann esclarece a concepção 
teológica paulina:
“Carne”, aqui, é uma afi rmação sobre a totalidade do 
homem, e não pode fi car limitada à corporalidade do 
homem. A sede do pecado, que fracassa no encontrar 
a vida, não é a sensualidade, nem são os impulsos ou 
instintos assim chamados inferiores, mas é o homem 
todo, primordialmente sua alma ou seu coração, o 
centro de sua consciência ou de sua vontade, na medida 
em que é possuído pelo impulso da morte (1999, p. 91).
Nesse sentido, sarx se distancia do conceito de basar, que não carrega 
esse mesmo entendimento fi gurativo, e negativo, no pensamento hebraico.
Passando para a análise da tradução de nephesh por psyche, Albert 
Dihle explica que essa palavra é a de menor ocorrência, dentre as aqui 
investigadas, e que significa “a impalpável essência central do homem, 
a sede do pensamento, desejo e emoção, a quintessência da vida 
humana” (1974, p. 616). É na psyche que se reconhece a personalidade, 
a existência como indivíduo, possuindo um entendimento, já mencionado 
anteriormente, como algo imortal, em contraste com sarx. “Quando usada 
para denotar a sede do intelecto e intenção, ψυχή [psyche], naturalmente, 
não corresponde ao hebraico ֶפׁש nem a muitas outras palavras no ,֫נֶ
vocabulário psicológico hebraico, que é rico, embora diferente, quando 
comparado com o grego, c.f. ֵלב [leb], �ַרּו [ruach]” (Dihle, 1971, p. 632). Aqui 
também vemos um distanciamento entre a ideia de nephesh e psyche, 
causando certo descompasso com a construção veterotestamentária. 
Como vimo, nephesh não é considerada como aquilo que move o 
pensamento ou se reconhece a personalidade.
35| Teologia Sistemática III | FTSA | 
Tratando da palavra pneuma, usada na tradução de ruach, Hermann 
Kleinknecht explica que, “apesar do estoicismo, πνεῡμα [pneuma] possui 
apenas uma leve e secundária signifi cação no pensamento grego como 
um todo. Isto está em contraste com o seu importante papel no NT” 
(1968, p. 357). Isso signifi ca que a expressão recebeu nos textos do 
Novo Testamento um signifi cado maior que aquele presente na cultura 
grega visando se adequar ao Antigo Testamento. Para a cultura grega 
pneuma signifi cava algo semelhante a um dos entendimentos de ruach, 
ode fl uxo de ar ou sopro do vento, além dos aspectos relacionados à 
respiração e da ideia de algo que enchia o ser humano de inspiração e 
entusiasmo. Contudo, ruach também carregava o entendimento do vento 
proveniente de Deus como a força vital no ser humano e de capacitação. 
Principalmente com o apóstolo Paulo, a adjetivação de pneuma recebeu 
a conotação de nova existência, como um sopro do vento divino gerando 
nova vida a partir do relacionamento com Jesus Cristo.
Exercício de aplicação - 05
Ao olharmos para a constituição do ser humano, a partir da 
antropologia bíblica, é correto afi rmarmos que:
a) É possível perceber o corpo, assim como o sopro do espírito, que vivifi ca 
a minha alma. Por isso, assim como Deus, me percebo trino. 
b) Como não consigo perceber a minha alma, considero que o corpo físico 
é o elemento mais importante na minha existência. 
c) Percebo facilmente meu corpo físico, mas é bastante difícil distinguir 
a alma e o espírito. Assim, aquilo que didaticamente conhecemos como 
corpo, alma e espírito me parecem perspectivas do meu ser, que é uma 
unidade indivisível.
d) Percebo claramente o meu espírito e consigo facilmente diferenciá-lo 
da minha alma e corpo físico, a carne. Sabendo que o sopro de Deus é 
o responsável por me dar o espírito, ele acaba se tornando a parte mais 
importante.
e) A minha alma são os meus sentimentos e raciocínio. O meu espírito 
é como percebo a minha comunicação com Deus, sem que precise usar 
o raciocínio. Tudo isto acontece na minha carne, por isto, me percebo 
composto como três partes distintas e separáveis.
| Teologia Sistemática III | FTSA36
Por último, observamos que a palavra kardia, traduzindo leb, representa 
na cultura grega o órgão central do corpo humano e dos animais. Ela 
também era usada pelos poetas para representar a sede da vida moral, 
intelectual, das paixões e emoções. Johannes Behm explica que “o uso 
do NT da palavra concorda com o uso do AT mas é distinto do uso grego” 
(1965, p. 611); isto porque o entendimento de leb recebe, à semelhança 
de rûach, uma interpretação teológica mais ampla e profunda que acaba 
sendo absorvida no Novo Testamento. Assim, “o coração é de maneira 
suprema o centro no homem a que Deus se volta, em que a vida religiosa 
é enraizada, que determina a conduta moral” (1965, p. 612).
1.4.2. O ser humano nos evangelhos
Diferente dos textos do apóstolo Paulo, que procura organizar o 
pensamento doutrinário da igreja gentílica, as narrativas dos evangelhos 
não têm esta preocupação sistematizadora. Assim, nossa observação 
fi cará restrita aos acontecimentos como tais, tentando propor possíveis 
compreensões e caminhos para a antropologia ali apresentada. Um 
detalhe importante que deve estar em nossa mente é que os relatos dos 
evangelhos são posteriores, em termos de datação, aos textos paulinos. 
Eles foram compostos na língua grega, mas tinham a intenção de relatar 
os acontecimentos da vida e ministério de Jesus e seus discípulos. 
Esse grupo de pessoas, de quem os textos tratam, assim como seus 
contemporâneos, falavam aramaico e hebraico e possuíam a prerrogativa 
da teologia judaica, anterior ao tempo da igreja. Além disso, para eles, 
as Escrituras continham apenas os textos do que hoje chamamos de 
Antigo Testamento, ou seja, a Bíblia Hebraica. Esse alerta é importante 
por causa de possíveis interpolações de ideias considerando os 
cruzamentos de contexto e tempo que envolveram o registro dos textos 
feitos posteriormente em grego.
A dinâmica utilizada para essa investigação é a de encontrarmos 
passagens que mencionem os principais termos que se refi ram ao ser 
humano, a partir daquilo que foi desenvolvido pelo Antigo Testamento. 
Mais especifi camente, procuramos as ocorrências de basar, nephesh, 
ruach e leb, em suas correspondências em grego que são, respectivamente, 
37| Teologia Sistemática III | FTSA | 
sarx, psyche, pneuma e kardia, além da inclusão de soma nesta busca.
Antes, porém, ressalto a importância de mantermos em mente o 
contexto em que os textos foram produzidos, caracterizado pela forte 
infl uência da cultura grega e da apocalítica judaica. Ambas as infl uências 
contribuíram para a perspectiva dualista da realidade e dicotômica 
do ser humano. Lembro que o dualismo apocalíptico construiu uma 
expectativa escatológica que percebia o mundo dividido entre Deus 
e Satanás, e seus respectivos exércitos angelicais, céu e inferno, vida 
e morte eterna, etc. Nesse sentido, é interessante notarmos como a 
teologia neotestamentária dialogou com esse ambiente na construção 
da compreensão do ser humano.
Observando os textos, não percebo haver uma preocupação doutrinária 
na menção de algum aspecto da condição humana. Pelo contrário, as 
referências parecem concordar, em sua maioria, com o entendimento 
hebraico do assunto, conforme já discutido na apresentação dos textos do 
Antigo Testamento. Contudo, algumas narrativas de contornos escatológicos 
tendem a fortalecer um possível entendimento dicotômico do ser humano, 
mas elas também dão margem para uma interpretação de fundo apenas 
didático e não necessariamente defi nidor de sua constituição.
Comecemos com algumas referências em que encontramos o uso da 
palavra sarx, que traduz o termo hebraico basar. Nos textos sinóticos de 
Mateus 16:17 e Lucas 24:39 percebemos um dualismo, não radical, em 
oposição ao pneuma, além da diferenciação entre aquilo que é puramente 
humano e aquilo que recebe a infl uência divina. Já nos textos do evangelho 
de João, cuja mensagem encontra-se mais integrada à cultura grega, 
vemos o mesmo dualismo, mas também uma conotação negativa de 
sarx quando associada à ideia de humanidade pecadora (e.g. Jo 1:13, 14; 
3:6; 6:51, 52, 56, 63). De forma semelhante, temos o tratamento de soma, 
entendido como conceito paralelo ao da sarx — c.f. Mateus 14:12 — em 
Mateus 10:28, mas nesse texto ele se encontra em oposição a pneuma.
Os textos que mencionam a psyche, como possível indicação de nephesh, 
ou seja, signifi cando simplesmente vida, não trazem novidade para o 
| Teologia Sistemática III | FTSA38
entendimento da constituição humana (e.g. Mt 26:38; Lc 2:35) a não ser a 
visível infl uência da perspectiva escatológica (Mt 16:26) apontando para 
o conceito grego de imortalidade.
O termo mais complicado na comparação entre a antropologia do Novo 
Testamento e do Antigo é pneuma. Isso porque ele traz a compreensão 
apocalíptica e grega de representação de seres angelicais ou 
demoníacos, sem se referir à constituição humana em si (e.g. Mt 8:16; 
10:1; 12:43; Mc 3:30). Também percebemos indícios de uma possível 
compreensão dicotômica, de maneira similar e talvez até intercambiável 
com o que ocorre com psyche (e.g. Mt 26:41; Mc 2:8; Lc 1:47; Jo 11:33, 
13:21). Contudo, o maior uso parece concordar com a perspectiva 
veterotestamentária em que o ruach dá e sustenta a vida — também a 
nova vida —, capacita e infl uencia o comportamento e estado de ânimo 
das pessoas (e.g. Mt 27:50; Lc 1:47, 67, 8:55, 9:55; Jo 4:23, 11:33, 13:21).
Por último, quando os evangelhos usam a expressão kardia, ela 
concorda com o Antigo Testamento sem qualquer novidade e mudança 
no entendimento da constituição humana (e.g. Mt 9:4; 12:34; Mc 7:21; 
Lc 2:35; Jo 12:40) ou mesmo na inclusão da mesma em alguma opção 
dicotômica ou tricotômica.
1.4.3. O ser humano no pensamento paulino
O apóstolo Paulo é o principal autor a ser investigado sobre a complexidade 
da constituição humana. Foi ele o responsável pela estruturação, 
mesmo em forma de carta, das doutrinas da igreja. Também parece 
ter assumido o encargo de fazer a transição entre a teologia hebraica 
e nova realidade contextual greco-romana. Particularmente, defendo a 
hipótese de que seus textos possuem uma intencionalidade didática, 
em especial, na exposição da antropologia teológica. Apesar do texto da 
carta aos Tessalonicenses, particularmente o versículo 23 do capítulo 
5, ser a referência que fundamenta a opção por uma compreensão 
tricotômicado ser humano, não podemos cair no equívoco de sintetizar 
todo o pensamento paulino nele. Pelo contrário, a fi m de entendermos o 
que o apóstolo Paulo pensava sobre a constituição humana, devemos 
39| Teologia Sistemática III | FTSA | 
investigar a argumentação presente no conjunto de sua obra.
Uma rápida apresentação de alguns textos de Paulo me parece sufi ciente 
para mostrar que ele não tem a intenção de apresentar uma doutrina 
sistematizada da constituição humana. Em diferentes situações, 
contextos e propósitos ele menciona o ser humano caracterizando-o de 
forma inconclusiva:
• Romanos 1:24 – kardia e soma (coração e corpo);
• Romanos 2:29 – soma e pneuma (corpo e espírito);
• Romanos 7:23 – melos e nous (corpo e mente)
• Romanos 8:13 – sarx e soma (carne e corpo);
• 1 Coríntios 5:3 – soma e pneuma (pessoa e espírito);
• 1 Coríntios 5:5 – sarx e pneuma (carne e espírito);
• 1 Coríntios 14:15 – pneuma e nous (espírito e mente);
• 1 Coríntios 15:44 – soma psychikon e soma pneumatikon (corpo 
natural ou psíquico e corpo espiritual);
• 1 Coríntios 15:45 – pneuma e psyche (espírito e alma);
• Filipenses 4:7 – kardia e nous (coração e mente);
• 1 Tessalonicenses 5:23 – pneuma, psyche e soma (espírito, alma 
e corpo)
Nessa lista incluí o termo nous, traduzido como mente, que embora não 
tenhamos abordado anteriormente, possui grande proximidade com 
o conceito de leb no hebraico. Outro termo mencionado foi melos que 
signifi ca um membro ou uma parte do corpo físico, muito próximo da 
palavra sarx. Interessante é percebermos o uso das expressões corpo 
natural e corpo espiritual, que foge da tendência de se considerar o corpo 
como algo apenas físico, especialmente quando interpretamos o texto 
de 1 Tessalonicenses 5:23. O que parece concluir-se dessa pequena 
lista é que o texto que acabou sendo utilizado como fundamento para a 
tricotomia não se repete em nenhum outro ensino de Paulo e, portanto, 
acaba fi cando como algo isolado em sua antropologia. Arrisco dizer que 
a perspectiva paulina concorda com a do Antigo Testamento, mas utiliza 
diversas caracterizações de funções ou percepções do ser humano para 
poder transmitir sua mensagem. Por isso, Schweizer afi rma:
| Teologia Sistemática III | FTSA40
Os termos antropológicos de Paulo não são consistentes 
ou originais. O Espírito Santo afeta o homem todo e não 
pode ser explicado psicologicamente. Isso permite que 
Paulo adote idéias populares quase que livremente. A 
tese de que não há um πνεῡμα antroplógico em Paulo 
difi cilmente pode ser sustentada. Junto com σωμα 
e σάρξ, πνεῡμα é usado quase exclusivamente para 
as funções físicas do homem, 1Co 7:34; 2Co 7:1; Cl 
2:5(?). Pode ser um paralelismo com ψυχή, (Fl 1:17) ou 
paralelismo com σάρξ, pode denotar o homem como 
um todo, com uma ênfase mais forte em sua natureza 
psíquica do que física, 2Co 2:13; 7:5; cf. 7:13; 1Co 6:18, 
tudo com pronomes pessoais (1968:434-435).
Como conclusão do que procurei expor tanto no que se refere à 
constituição do ser humano, desde uma perspectiva neotestamentária 
quanto veterotestamentária, considerando as categorias dicotômica ou 
tricotômica, apresento a opinião de Philip J. Hefner:
Há um sério questionamento sobre se qualquer 
uma destas categorias é útil ou mesmo inteligível 
para nós hoje. Lutero, por exemplo, já as contestou 
porque acreditava que a criatura humana é um ser 
unitário perante Deus, uma pessoa que é totalmente 
criação de Deus, totalmente pecadora e totalmente 
redimida [...] Em acréscimo a esta consideração 
teológica, a compreensão contemporânea do ser 
humano e da estrutura da personalidade humana não 
permite uma concepção dicotômica ou tricotômica, 
exceto metaforicamente. Requer-se uma perspectiva 
evolutiva moderna. Dentro desta perspectiva, há ainda 
considerável ambiguidade, incerteza e desacordo sobre 
a relação entre corpo e espírito ou mente. Nem mesmo 
há total acordo a respeito de como a mente deveria ser 
descrita. Não obstante, espírito ou mente e corpo ou 
41| Teologia Sistemática III | FTSA | 
matéria são vistos como parte do mesmo processo, e 
não como entidades separadas [...] Para os teólogos na 
tradição da Reforma, as categorias contemporâneas 
de pensamento são libertadoras porque permitem 
expressar de maneira lúcida uma perspectiva unitária 
da criatura humana. O ser humano é uma criatura una, 
uma criatura da natureza, criada com uma relação 
especial com Deus o Criador e com a capacidade de 
perceber essa relação e de viver uma vida de resposta a 
Deus. O ser humano é uma criatura unitária em termos 
de origem e destino em termos de pecado e de erro e 
em termos de redenção (1990, pp. 335-337)
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43| Teologia Sistemática III | FTSA | 
UNIDADE 2 – O drama humano
Essa unidade procurará discutir aspectos ontológicos do ser humano, 
ou seja, tratará da sua existência, propósito e destino com um olhar na 
teologia da criação e mais especifi camente na continuidade da narrativa 
que nos apresenta a Queda. É este estado existencial apresentado pela 
teologia da Queda e do Pecado que estabelece a condição na qual toda 
a vida humana se desenvolve e, por esta razão, identifi cada aqui como o 
Drama Humano. Antes de estudarmos a Queda e o Pecado, que também 
incluirá a discussão do tema do Mal, introduziremos mais um elemento 
que constitui o pano de fundo da condição humana ainda como parte 
da Teologia da Criação. Este elemento é o que se acostumou chamar de 
“mandato cultural”.
2.1. Mandato cultural
A expressão mandato cultural reúne duas

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