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Medicina Legal e Psicologia Forense Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Susyara Medeiros de Souza Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Tanatologia e Sexologia Forense Tanatologia e Sexologia Forense • Conhecer os critérios de determinação da morte e seus fenômenos, discutindo as repercus- sões jurídico-sociais relacionadas aos tipos de morte e os destinos dos cadáveres; • Identificar os crimes de natureza sexual e as perícias médico-legais que são realizadas para a materialização do fato e a identificação da autoria; • Distinguir entre aborto e infanticídio sob o ponto de vista médico-legal, discutindo as reper- cussões jurídico sociais em cada caso. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Sexologia Forense. UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Introdução Tudo começa pelo conceito, não é?! Então, podemos conceituar a Tanatologia Forense com a lição de França (2015), que explica que é a área da Medicina Legal que estuda a morte e o morto, e as suas repercussões na esfera jurídico-social. Tanatus significa morte, e logia, estudo. Logo, a Tanatologia, resumidamente, é o estudo da morte. Ainda de acordo com França (2015), á na Tanatologia que se estudam os critérios atuais para uma definição de morte, os direitos sobre o cadáver e o destino que se dá a ele, as causas jurídicas da morte (homicídio, suicídio ou acidente), o diagnóstico da realidade de morte pelos sinais tradicionais, a estimativa do tempo de morte, a morte súbita, agônica e sobrevivência e as técnicas usadas na necropsia médico legal. Direitos sobre o Cadáver Algumas questões surgem diante da morte de alguém. Hoje, com a possibilidade dos transplantes, da necessidade de cadáveres para finalidade de estudo e pesquisa científicos, necessidade de esclarecimentos das causas de morte, sejam as mortes por causas externas ou internas (chamadas naturais), tudo isso provoca questionamentos diversos no campo da legalidade e da ética também. Assim, iniciamos apresentando um conceito simples sobre o que é cadáver: corpo sem vida. Mas é preciso esclarecer que, embora seja corpo sem vida e, consequentemente, não seja mais pessoa, configurando-se em “coisa”, não se esqueça de que este cadá- ver já foi uma pessoa, e representa ainda a imagem do que ela foi, requerendo, por isso, todo respeito e tratamento digno. Assim, o cadáver tem natureza jurídica de coisa, mas extrapatrimonial (res extra commercium), conforme leciona França (2017). Com relação à posse sobre o cadáver, também sempre há dúvidas e até crendices sem fundamentos. Mas vamos explicar a seguir. Posse sobre o Cadáver Direitos da Família A família do morto, por óbvio, tem direitos sobre ele, mas também tem deveres. O principal desses deveres corresponde à obrigação de respeito à sua última von- 8 9 tade, a não ser que esta última vontade não seja lícita, ou contrarie a moralidade e a ordem pública, ou ainda, a família não tenha condições financeiras para executar essa última vontade de seu ente falecido. O professor Genival Veloso de França (2017, p. 431), traz uma observação importante sobre o direito da família sobre o cadáver: ele explica que “[...] a família jamais poderá ceder o cadáver a uma instituição científica se esta não era a vontade do morto”. Outra questão importante para que você saiba é que a necropsia clínica, aquela realizada em casos de morte natural (vamos estudar este tópico mais à frente), somente pode ser realizada com o termo de consentimento da família. E, por fim, mas sem esgotar o assunto, é claro, a família tem direito ao sentimento de respeito aos mortos, e deve ser respeitada em sua dor. Direitos da Sociedade Mais uma vez, é o Professor Genival Veloso de França que trata sobre o assunto, e esclarece que o próprio reconhecimento dos direitos da família sobre o cadáver, com o respeito ao princípio da piedade, configura-se como proteção aos direitos da Sociedade. Mas há outras questões que envolvem interesses da Sociedade quando ocorre uma morte. É o caso da necessidade do esclarecimento da causa médica e da causa jurídica da morte, tanto por razões de progresso científico quanto por imperativos de ordem médico-sanitária, ou seja, ao se esclarecer uma morte, geram-se informações para que o poder público crie ou aprimore políticas públicas de saúde e prevenção que beneficia a toda Sociedade. Direitos do de cujos Aquele que já morreu não é mais sujeito de direitos enquanto pessoa, mas há, clara e indiscutivelmente de se respeitar suas últimas vontades declaradas, sobretudo em testamento. França (2017) nos explica que se a vontade do de cujos é vinculante no que se refere aos seu testamento, nada mais justo que o seja quanto à disposição de seu corpo. Com isso, o autor defende que uma pessoa pode decidir doar seu cadáver a uma instituição científica, sem obstáculos. Destinos do Cadáver Quando ocorre uma morte, algumas providências precisam ser realizadas. O cadá- ver precisa receber a destinação competente. 9 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Assim, há providências preliminares, ou também chamadas destinos temporários do cadáver, que são o encaminhamento para retirada de órgãos e tecidos para trans- plante, e os exames de necropsia, seja clínica ou médico legal. Após essas providências, o cadáver deverá ser encaminhado à destinação final, sendo possível a inumação (sepultamento), a cremação e a doação para fins de estudo e pesquisa de caráter científico. Destinos Transitórios do Cadáver Necropsia Médico-Legal A necropsia médico-legal é um exame pericial, com fundamento legal no Código de Processo Penal: Código Processual Penal Art. 6°. Logo que tomar conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá: VII – Determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias. Art. 158. Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito... É exame pericial realizado por Peritos Médicos Legistas e seus Assistentes, nos Institutos Médicos Legais (IMLs). No caso de mortes por causas externas, mais conhecidas como mortes violentas (acidentes, homicídios e suicídios), o cadáver é um dos vestígios do fato. Na verdade, destaca-se como o principal vestígio. Por isso, será indispensável o seu exame, com a finalidade de se esclarecer a causa biológica da morte, e auxiliar as investigações para se determinar a causa jurídica da morte, entre homicídio, suicídio e acidentes. Também é exigida a necropsia nos casos de mortes súbitas, sem sinais exter- nos que evidenciem violência, mas também que não permitam observar uma causa natural aparente. Vamos imaginar o exemplo uma pessoa que morava sozinha, e determinado dia é encontrada morta, sentada no sofá da sala. Não há histórico de doenças crônicas, não são encontrados medicamentos usados em tratamentos cardíacos, por exemplo, não se encontram exames médicos que levam a supor que a pessoa possa ter morrido da manifestação de alguma doença. Também não se encontram sinais de envenenamento, de asfixia, ou qualquer sinal de luta ou ferimento. Trata-se, portanto, de uma morte suspeita. Esses casos são examinados nos Ins- titutos Médicos Legais. 10 11 Necropsia Clínica A necropsia clínica é exame realizado para esclarecer a causa da morte de pes- soas que faleceram de causas ditas naturais, ou seja, aquelas que ocorreram pelo processo natural de envelhecimento ou do desdobramento natural de uma doença. É realizada por médicos patologistas e seus assistentes nos conhecidos SVO (Serviços de Verificação de Óbito e Esclarecimento da Causa Mortis). Veja, a seguir, trecho da Portaria que criou o serviço: PORTARIA Nº 1.405 DE 29 DE JUNHO DE 2006. Institui a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito e Esclareci- mento da Causa Mortis (SVO). § 1º . Caberá ao médico do SVO o fornecimento da Declaração de Óbito nas necropsias a que proceder. ... Art. 8º . Os SVO serãoimplantados, organizados e capacitados para exe- cutarem as seguintes funções: I – realizar necropsias de pessoas falecidas de morte natural sem ou com assistência médica (sem elucidação diagnóstica), inclusive os casos enca- minhadas pelo Instituto Médico Legal (IML); II – transferir ao IML os casos: a) confirmados ou suspeitos de morte por causas externas, verificados antes ou no decorrer da necropsia; b) em estado avançado de decomposição; e c) de morte natural de identidade desconhecida. III – comunicar ao órgão municipal competente os casos de corpos de indigentes e/ou não reclamados, após a realização da necropsia, para que seja efetuado o registro do óbito (no prazo determinado em lei) e o sepultamento; IV – proceder às devidas notificações aos órgãos municipais e estaduais de epidemiologia; V – garantir a emissão das declarações de óbito dos cadáveres examina- dos no serviço, por profissionais da instituição ou contratados para este fim, em suas instalações; VI – encaminhar, mensalmente, ao gestor da informação de mortalidade local (gestor do Sistema de Informação sobre Mortalidade): a) lista de necropsias realizadas; b) cópias das Declarações de Óbito emitidas na instituição; e c) atualização da informação da(s) causa(s) do óbito por ocasião do seu esclarecimento, quando este só ocorrer após a emissão deste documento. Parágrafo único. O SVO deve conceder absoluta prioridade ao esclare- cimento da causa mortis de casos de interesse da vigilância epidemioló- gica e óbitos suspeitos de causa de notificação compulsória ou de agravo inusitado à saúde. 11 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Observe, principalmente, o artigo 8º, que fala da competência do SVO. E observe que o SVO pode transferir alguns casos ao IML, respeitando a competência do órgão: • Confirmados ou suspeitos de morte por causas externas, verificados antes ou no decorrer da necropsia; • Em estado avançado de decomposição; • De morte natural de identidade desconhecida. Agora, vamos entender a função do SVO. Sempre que houver uma morte por causas naturais, mas essa morte não tiver sido acompanhada por um médico que ateste a causa, o corpo deverá ser examinado no SVO a fim de esclarecer a causa. Ou mesmo se, ainda que tenha existido atendimento, não se chegou a ter um diagnóstico da doença que acometia a pessoa e ela veio a falecer. Nesse caso, este corpo será encaminhado a exame de necropsia clínica para esclarecimento da causa da morte. Em todos esses casos, o médico do SVO emitirá a declaração de óbito. A necropsia clínica exige autorização da família ou ordem judicial. Leia a portaria completa sobre a criação e funcionamento dos SVO no Brasil, com todos os detalhes em. Disponível em: https://bit.ly/3hBozz9 Ao final desses exames, além da causa biológica da morte, também fica esclarecida a causa jurídica da morte, que se classifica em: • Natural: decorrente do processo natural do envelhecimento ou do desdobra- mento de doenças; • Violenta: motivada por causas externas, não naturais (homicídio; suicídio; acidente); • Indeterminada: sem condições de determinação, mesmo após exames e pesquisas. A causa jurídica da morte não depende exclusivamente da necropsia, mas do con- junto probatório dos fatos. Destinos Finais do Cadáver Inumação (Sepultamento) Prevista na Lei dos Registros Públicos – Lei n° 6.015/1973: 12 13 Art. 77. Nenhum sepultamento será feito sem certidão de Oficial de Re- gistro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou, em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiveram presenciado ou veri- ficado a morte. Isto é, não se pode inumar o cadáver sem registrar o óbito em Cartório. Caso o administrador do cemitério aceite fazer a inumação sem essa formalidade, ele está assumindo uma séria responsabilidade. Cremação Também prevista na Lei dos Registros Públicos – Lei n° 6.015/1973: Art. 77. [...] § 2º. a cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado, ou no interesse da saúde pública, e se o atestado de óbito tiver sido firmado por dois médicos ou por um médico legista, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária. Observe que o cadáver vítima de morte violenta é também vestígio do fato. Logo, sua incineração fará com que se perca para sempre esse vestígio. Assim, só poderá ser realizada a cremação, nesses casos, mediante autorização judicial. Doação para Fins de Estudo e Pesquisa Previsão legal: Lei n° 8.501, de 30 de novembro de 1992: Art. 1º. Esta lei visa disciplinar a destinação de cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, para fins de ensino e pesquisa. Art. 2º. O cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de caráter científico. Art. 3º. Será destinado para estudo, na forma do artigo anterior, o cadáver: I – sem qualquer documentação; II – identificado, sobre o qual inexistem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais. § 1º. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autoridade competente fará publicar, nos principais jornais da cidade, a título de utilidade pública, pelo menos dez dias, a notícia do falecimento. § 2º. Se a morte resultar de causa não natural, o corpo será, obrigatoria- mente, submetido à necropsia no órgão competente. § 3º. É defeso encaminhar o cadáver para fins de estudo, quando houver indício de que a morte tenha resultado de ação criminosa. Art. 4º. Cumpridas as exigências estabelecidas nos artigos anteriores, o cadáver poderá ser liberado para fins de estudo. Art. 5º. A qualquer tempo, os familiares ou representantes legais terão acesso aos elementos de que trata o § 4° do art. 3° desta lei. 13 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Lei N° 8.501, de 30 de Novembro de 1992. Disponível em: https://bit.ly/2FL2C3y Perceba que a doação de cadáveres obedece a regramento sério, em razão das questões éticas e de dignidade que incidem aqui. Somente pode ser doado o cadáver que não tem qualquer identificação, ou da- queles que, mesmo sendo identificados, não se tem informações sobre sua família, impossibilitando encontrar parentes ou responsáveis, Tais corpos ficam nos serviços, normalmente nos IMLs, aguardando o prazo legal para a destinação final. Passados os 30 dias do prazo, iniciam-se as providências para a doação ou para o sepultamento desses corpos. Lembre-se: a doação só pode acontecer desde que morte resulte de causa natu- ral ou acidental, e não resultante de ação criminosa. Critérios Atuais de Morte Os critérios de morte encefálica são definidos pela Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.173/17, como sendo: “Perda completa e irreversível das funções encefálicas, definida pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico, caracteriza a morte encefálica e, portanto, a morte da pessoa”. Além do conceito, a Resolução do CFM traz, ainda, os critérios para sua determi- nação. A determinação da morte encefálica, além de definir que aquela pessoa está morta sem possibilidade de reanimação, é importante para os casos de remoção de órgãos e tecidos para transplante. Logo, é algo bastante sério. Destaco para você dois artigos da resolução, que tratam do procedimento de diagnóstico de morte encefálica: Resolução nº 2.173/17 Art. 2º. É obrigatória a realização mínima dos seguintes procedi- mentos para determinação da morte encefálica: a) dois exames clínicos que confirmem coma não perceptivo e ausência de função do tronco encefálico; b) teste de apneia que confirme ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios; c) exame complementar que comprove ausência de atividade encefálica. Art. 3º. O exame clínico deve demonstrar de forma inequívoca a exis- tência das seguintes condições:a) coma não perceptivo; 14 15 b) ausência de reatividade supraespinhal manifestada pela ausência dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, vestíbulo-calórico e de tosse. § 1º . Serão realizados dois exames clínicos, cada um deles por um médi- co diferente, especificamente capacitado a realizar esses procedimentos para a determinação de morte encefálica Retirada de Órgãos e Tecidos para Transplantes A retirada de órgãos e tecidos do corpo humano com a finalidade de transplantes está regulamentada pela Lei 9.434/1997. De acordo com o Art. 3º da Lei, a retirada post mortem (após a morte) de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, sendo permitido que um médico de confiança da família esteja presente no momento da comprovação e também do atestado da morte. Pela Lei, também é permitido dispor de partes do corpo ou mesmo órgãos do corpo vivo. Isso se a pessoa doadora é pessoa juridicamente capaz e dispuser, gra- tuitamente, ou seja, só pode doar, os tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau. Para doar a não parentes, requer autorização judicial. Para doação de medula óssea, pode se doar a qualquer outra pessoa, sem neces- sidade de autorização judicial. Leia a Legislação completa e saiba tudo sobre as doações de órgãos e tecidos e partes do corpo. A Legislação prevê, inclusive, punição para casos de descumprimento das diretrizes da doação. Disponível em: https://bit.ly/2FFbHuv Declaração de Óbito Muito importante que você saiba um pouco sobre este documento. A Declaração de Óbito (DO) é o documento base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS). É composta de três vias auto- copiativas, pré-numeradas sequencialmente, fornecida pelo Ministério da Saúde e distribuída pelas Secretarias Estaduais e Municipais de saúde conforme fluxo padro- nizado para todo o país. A Declaração de Óbito é o documento que inicia a baixa do registro civil de uma pessoa natural. Não se registra óbito em cartório sem a DO. Além da finalidade jurídica, o registro do óbito fornece estatísticas sobre as causas de morte, fomentando políticas públicas. 15 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Importante! A emissão da Declaração de Óbito é ato exclusivo de médico, segundo a Legislação do País. Em que situações é emitida a DO? • Em todos os óbitos (natural ou violento); • Quando a criança nascer viva e morrer logo após o nascimento, independente- mente da duração da gestação, do peso do recém-nascido e do tempo que tenha permanecido vivo; • No óbito fetal, se a gestação teve duração igual ou superior a 20 semanas, ou o feto com peso igual ou superior a 500 gramas, ou estatura igual ou superior a 25 centímetros. Sinais Característicos da Realidade e do Tempo de Morte Trata-se, aqui, do estudo dos fenômenos biológicos que se instalam após a morte, e passam a alterar o corpo, modificam a aparência do cadáver e são utilizados para demonstrar que a morte está instalada naquele corpo e servem, ainda, para se esti- mar o tempo de morte. São dois grupos de fenômenos: os fenômenos abióticos ou avitais que, como o nome já informa, indicam ausência de vida, e os fenômenos transformativos, que alteram a aparência do corpo, em alguns casos destruindo o corpo e, em outros, conservando o corpo. Vamos conhecer tais fenômenos a seguir. A partir deste ponto, você deve estudar observando fotografias, para melhor compreensão dos fenômenos. Confira o Atlas Fotográfico de Medicina Legal criado e mantido pelo professor Malthus Galvão, que permite a visualização de forma gratuita. Assim, você vai lendo seu material de estudo e observando no site as fotografias dos fenômenos cadavéricos que iremos estudar a partir de agora. Disponível em: https://bit.ly/3hCOOoX Fenômenos cadavéricos abióticos ou avitais Dividem-se em imediatos e consecutivos. Vejamos os exemplos, conforme os au- tores clássicos, França (2017) e Croce (2012): • Imediatos: são os primeiros sinais que indicam a ausência de vida no corpo, mas não nos dão certeza. Por isso, são também chamados sinais indicativos ou de incerteza de morte: » Insensibilidade, inconsciência e imobilidade; 16 17 » Parada cardiorrespiratória irreversível; » Flacidez muscular generalizada e relaxamento dos esfíncteres; » Facies hipocrática (olhos fundos, parados, inexpressivos, palidez cutânea); • Consecutivos: surgem com o passar das horas, e permitem confirmar a mor- te instalada. São também chamados sinais de certeza de morte. » Desidratação: Perda de água por evaporação; » Resfriamento progressivo do corpo (algor mortis), que depende de fatores como temperatura do ambiente, vestes, massa corporal, entre outros mais técnicos. O corpo perde calor para o ambiente; » Livores de hipóstase: Quando o sangue para de circular no organismo, ele decanta, e se acumula nas regiões mais baixas, encharcando os tecidos, dei- xando uma mancha violácea; » Rigidez cadavérica: Com o passar das horas, o corpo vai enrijecendo, ficando duro. Esse fenômeno começa a surgir na mandíbula depois da 2ª hora; em seguida nuca (2 a 4 horas), nos membros (4 a 6 horas) e nos músculos do tórax (6 a 8 horas); » Espasmo cadavérico: Corresponde a um fenômeno que nem todos os autores consideram. Seria o enrijecimento imediato do cadáver, mantendo a última posição do corpo antes de morrer; » Mancha verde abdominal, que marca o início do processo putrefativo. Fenômenos cadavéricos transformativos Aqui estão agrupados os fenômenos cadavéricos que modificam, alteram a aparência do cadáver, dividindo-se em dois grupos: os fenômenos destrutivos e os conservativos. Destrutivos • Autólise: Ocorre em nível celular. De acordo com Bittar (2018), é a destruição das células pelas próprias proteínas que produz e que possuem ação digesti- va (enzimas); • Putrefação: É a decomposição do cadáver, pela ação das bactérias. Esse fenô- meno altera bastante o cadáver, chegando até a esqueletização. Fatores como as condições do ambiente, sobretudo a temperatura e a umidade, aceleram o processo. Divide-se em 4 fases, listadas a seguir: » Fase de coloração (1 a 7 dias): Inicia pela mancha verde que, normalmente, surge na região abdominal, no lado direito. O nome é fase de coloração ou cromática, pois o cadáver realmente muda de cor. Com o passar das horas, essa cor verde se espalha por todo o corpo; 17 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense » Fase gasosa ou enfisematosa (7 a 21 dias): A putrefação gera uma grande quantidade de gases que, à medida que se expandem, distendem os tecidos, fazendo com que o corpo aumente de tamanho. É a fase que mais apresenta sinais, como aparecimento de bolhas contendo gases pútridos, destacamento da pele justamente em razão do surgimento dessas bolhas, agigantamento das estruturas do corpo, como a língua, que fica para fora da boca, as genitálias incham, e surge ainda um fenômeno muito descrito na literatura, que é a “circulação póstuma de Brouardel”. Ela surge pela ação dos gases que fazem movimentar dentro dos vasos os restos de secreções e líquidos, deixando os vasos do corpo visíveis. Observação: não deixe de observar as fotografias desse fenômeno no site indicado; » Fase coliquativa (1 a 3 meses): Ocorre o amolecimento, o desfazimento dos tecidos e órgãos do corpo, que se transformam em uma lama putrefeita, de consistência pastosa ou semilíquida, e bastante fétida. Nessa fase, a ação da fauna cadavérica (larvas de insetos que colonizam o cadáver) ajudam a acelerar a destruição total dos restos orgânicos, pois essas larvas se alimentam dessa matéria em putrefação; » Fase de esqueletização (6 meses a 3 anos): Aqui, temos a última fase da putrefação, na qual a lama de putrilagem seca e se desfaz, deixando os ossos completamente expostos; • Maceração: Destacamento da pele por ficar muito tempo na água,e assim, há um amolecimento dos tecidos. A pele se enruga e se solta. Comum também em fetos retidos na cavidade uterina. Nesses casos, a maceração intrauterina pode ajudar a estimar o tempo de morte; Conservadores Aqui, há a modificação da aparência do cadáver, porém, ele não se destrói. A putrefação ou não se instala, ou para antes de destruir o cadáver. Vamos ver: • Mumificação: É o ressecamento do corpo, que acontece quando ele fica em temperatura ambiente alta, com ventilação intensa, e Sol causticante. É uma verdadeira desidratação, que impede o crescimento de bactérias e deixa a pele com característica de couro; • Saponificação ou adipocera: Também depende das condições do ambiente (temperatura baixa, terrenos úmidos e argilosos e pouca ventilação). Aqui, a putrefação é freada e as estruturas do corpo passam a se transformar em uma consistência de sabão, lembrando muito a superfície de um queijo rançoso; • Courificação ou corificação: Ocorre por sepultamento em urnas metálicas ou hermeticamente fechadas e, segundo autores, com zinco na composição. Não é fenômeno comum, mas a aparência é semelhante à mumificação; 18 19 • Calcificação: Muito raro, é descrito na literatura como sendo a infiltração de sais de cálcio nos tecidos do cadáver (BITTAR, 2018). Forma, então, fetos petri- ficados, também chamados litopédio; • C ongelamento: Acomete corpos cobertos por gelo ou submetidos a tempera- turas a seguir de 20°C. Cronotanatognose Parece até difícil de pronunciar, não é?! Mas se trata de palavra que significa diagnóstico do tempo de morte. Cronos – tempo; tanato – morte, e gnose – diagnóstico. Todos os fenômenos que você estudou até aqui são utilizados em Medicina Legal para a estimativa do tempo de morte. É claro que se trata apenas de estimativa, não sendo possível uma determinação exata, pois muitos fatores influenciam no tempo de surgimento e de desenvolvimento desses fenômenos, como as condições do ambiente, principalmente temperatura e umidade, as condições próprias do organismo da pessoa etc. Exemplos: • Esfriamento progressivo: 2 a 17 horas; • Desidratação: 10 a 18 gramas por quilo de peso ao dia; • Rigidez cadavérica: começa em duas horas pelas extremidades e mandíbula, e se generaliza em 8 a 12 horas; • Livores: começa com 30 minutos e se fixa com 12 horas; • Mancha verde abdominal: 18 a 24 horas; • Gases da putrefação: 9 a 12 horas; • Opacificação da córnea: após 24 horas; • Flacidez: a rigidez se desfaz entre 36 a 48 horas; • Fauna cadavérica: estudo da Entomologia Forense. Sexologia Forense É a parte da Medicina Legal que estuda as questões do comportamento sexual ou relacionadas ao sexo. Assim, vamos estudar, aqui, as contribuições da Medicina Legal para o esclarecimento de fatos que envolvam crimes sexuais, comportamentos sexuais classificados como parafilias e sua influência na vida da pessoa, e as questões quanto a aborto e infanticídio. 19 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Neste estudo, estão presentes conhecimentos médicos, anatômicos, funcionais, psicológicos, comportamentais e culturais, no que tange às implicações jurídicas. Os crimes sexuais Infelizmente, a violência sexual não é fenômeno raro. Trata-se de problema em toda parte do mundo, tendo sido registrado em todas as épocas da Humanidade. De acordo com o Anuário da Segurança Pública – 2019, houve 66.041 registros de casos de violência sexual no ano de 2019 no Brasil. Considere que esse número alarmante é apenas o que foi registrado, pois se sabe que a maior parte dos casos não são notificados. Nosso Código Penal tipifica várias condutas como crimes sexuais e, para nosso estudo, vamos citar apenas algumas, que embasam nossos comentários sobre as perícias relacionadas. Por exemplo, o crime de estupro, previsto no Art. 213 do CP: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, e o crime do Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. A perícia irá buscar os elementos relacionados ao fato, irá buscar mostrar vestí- gios do ato sexual no corpo da vítima, como por exemplo: Prova da conjunção carnal: • Sinais de introdução completa ou incompleta do pênis na vagina; • Prova da violência física: » Emprego de força física com mordidas, apertões, escoriações ungueais, equi- moses etc.; Prova da autoria: • Busca de espermatozoide, células de descamação do pênis, pelos etc. Prova de outro ato libidinoso que não seja conjunção carnal, vai depender se tais atos deixaram vestígios. Vários atos são libidinosos, pois o conceito de ato libidinoso é qualquer ato que busque satisfazer a lascívia ou o desejo sexual. Assim, atos como beijo lascivo, apalpadas, toque na genitália, lambidas etc. se configuram como tais atos. A questão é que a maioria deles não deixa vestígios ma- teriais no corpo da vítima, dependendo, então, de outros meios de prova. O que se busca no exame pericial? Será realizado exame na vítima, ouvindo, inicialmente, seu relato dos fatos e, em seguida, o Médico fará o exame físico, no qual verificará se houve conjunção carnal (penetração do pênis na vagina), se houve relação sexual anal ou oral, introdução de objetos etc. 20 21 O exame ainda busca por vestígios de outros atos libidinosos e sinais de violência sobre o corpo da vítima, sendo os pontos mais comuns vulva, nádegas, mamas, região anal e pescoço. O exame físico da vítima considera, dentre outros elementos: • Conjunção carnal: Confirmação da penetração da vagina pelo pênis; • Rotura recente do hímen, como sinal de conjunção carnal recente; • Presença de esperma na vagina; • Presença de material genético do possível agressor na vagina (pelo, saliva, célu- las de descamação); • Doença venérea profunda; • Gravidez. O Exame Médico e o Laudo Pericial O exame sexológico é realizado pelo Perito Médico Legista, que entrevista a vítima e examina os vestígios em seu corpo. O exame inicia, então, pela entrevista, também chamada na área de saúde de anamnese. Nesse momento o Legista escuta o relato da vítima sobre o que acon- teceu, como aconteceu e pergunta se a vítima tomou banho ou de outra forma se limpou após a prática criminosa. Essas informações são redigidas no campo “histórico” do laudo, usando preferen- cialmente as palavras usadas pela vítima. O histórico serve como norteador para a perícia, visto que orientará o estabe- lecimento dos nexos, causal e temporal, entre os vestígios encontrados e o delito em apuração. Quando a vítima é do sexo feminino e relata a prática de conjunção carnal, o médico pergunta quando foi sua última conjunção carnal consentida (é que a conjun- ção carnal consentida também deixa vestígios e, se aconteceu próximo ao fato cri- minoso, esses vestígios se confundem), se nessa relação usou preservativo e quando foi sua última menstruação. Em seguida, vem a descrição do exame, na qual o legista registra todos os acha- dos relevantes, bem como descreve fisicamente a pessoa submetida a exame, tam- bém chamada de periciando. São registrados dados como peso, estatura, estado nutricional, compleição física, alguma deficiência física ou mental e se há presença de vestígios de emprego de violência efetiva. 21 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Descreve, detalhadamente, todas as lesões encontradas, as características, locali- zação no corpo, e quantas são. As lesões que não apresentam relação ao fato delitu- oso, se existirem, serão descritas à parte pelo Perito. É examinada a região genital descrevendo o seu desenvolvimento e característi- cas. Observa o hímen, descrevendo suas características e se há rotura, descreve. Se a prática foi de outro ato libidinoso, o Perito Médico examina se há vestígio disso, como presença de equimose, escoriações, presença de material suspeito de ser sêmen etc. Ao final, o Legista conclui, de forma sintética e esclarecedorasobre a presença ou a ausência de vestígios de prática libidinosa delituosa, ou se não foi possível afir- mar ou negar que houve prática delituosa ou, ainda, informa que o exame foi preju- dicado, quando, por alguma razão, não pode realizá-lo, como por exemplo, quando a pessoa se nega a se submeter ao exame. Ao final, o Perito deve responder a um conjunto de quesitos padronizados, mesmo que a autoridade solicitante do exame não faça nenhuma pergunta na requisição. O POP – Procedimento Operacional Padrão da SENASP/MJ sugere os seguintes quesitos: • Houve conjunção carnal que possa ser relacionada ao delito em apuração? • Houve outro ato libidinoso que possa ser relacionado ao delito em apuração? • Houve violência para essa prática? • Qual o meio dessa violência? • Da conduta, resultou para o(a) periciando(a): incapacidade para as ocupa- ções habituais por mais de trinta (30) dias, ou perigo de vida, ou debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou aceleração do parto, ou inca- pacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente, ou aborto? (resposta especificada); • Tem o(a) periciando(a) idade menor de 18 e maior de 14 anos? • É o(a) periciando(a) menor de 14 anos; • Tem o(a) periciando(a) enfermidade ou deficiência mental? • O(A) periciando(a), por qualquer outra causa não pode oferecer resistência? • Da conduta resultou gravidez? • O agente transmitiu para o(a) periciando(a) doença sexualmente transmissível? Para responder aos quesitos, o Legista, normalmente, utiliza os seguintes termos: • SIM (quando tem convicção de que ocorreu o que o quesito pergunta); • NÃO (quando tem convicção de que não ocorreu o que o quesito pergunta); 22 23 • SEM ELEMENTOS (quando não tem convicção para responder nem sim, nem não ao que o quesito pergunta); • PREJUDICADO (quando a pergunta que o quesito faz não se aplica àquela situação, ou quando a resposta anterior prejudica a resposta do quesito seguinte); • AGUARDAR (quando depende do resultado de exame laboratorial). São essas, suscintamente, as informações que você encontrará no laudo pericial dos exames sexológicos. Perceba que os laudos são compostos de um histórico do fato, a descrição de tudo quanto se observou ao exame e que tem ou possa ter relação com o fato, as conclusões a que chegou o Perito e a resposta aos quesitos oficiais (padronizados). Caso a autoridade solicitante envie outros quesitos, eles serão também respondi- dos pelo Perito, em sequência. Os Transtornos da Sexualidade São distúrbios quantitativos e/ou qualitativos do instinto sexual (HERCULES, 2014). O termo “transtorno” é mais aceito atualmente. Cientificamente, tem-se evitado a palavra perversão, tornada estigmatizante. Na área acadêmica, não há consenso sobre vários aspectos no estudo das patologias relacionadas ao sexo, conflitando-se conceitos desde o diagnóstico até o tratamento. Causas: os autores referem que há pesquisas considerando diferentes causas: alte- rações orgânicas concretas, desequilíbrios glandulares perturbações psíquicas, mera preferência individual. A maioria dos transtornos da sexualidade não constituem infrações penais em si mesmos. Ainda de acordo com as lições de Hercules (2014), algumas vezes representam fatores criminógenos, contribuindo para escândalos, chantagens, ameaças, corrup- ções e violência. Algumas vezes, observam-se criminosos sexuais apresentando disfunções. Em ou- tros casos, especificamente os atos para satisfazer ao instinto sexual constitui crime. Na esfera cível, os transtornos da sexualidade podem ensejar separação judicial, divórcio, anulação de casamentos, perda do poder familiar etc. Por essas razões, a Medicina Legal se interessa pelo tema. Vejamos os exemplos, com base nos estudos de Hercules (2014), por ser o mais completo manual nessa área, na minha avaliação. Ele divide os transtornos da sexualidade em dois grupos, apesentados a seguir. 23 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Exemplos de Disfunções Sexuais • Transtorno de desejo sexual hipoativo: Deficiência ou ausência do desejo de ter atividade sexual; • Transtorno da aversão sexual: Aversão, esquiva do contato genital com o parceiro; em casos mais severos, chega a englobar qualquer estímulo sexual, mesmo beijos ou toques; • Transtorno de excitação sexual: Incapacidade persistente ou recorrente de adquirir ou manter uma resposta de excitação adequada, seja de lubrificação ou turgência genital (do sexo feminino); • Transtorno erétil masculino: Incapacidade persistente ou recorrente de obter ou manter uma ereção adequada até a conclusão da atividade sexual; • Transtorno orgástico: Atraso ou ausência, persistente ou recorrente, de orgasmo, após uma fase normal de excitação sexual; • Ejaculação precoce: Desencadeamento, persistente ou recorrente, do orgasmo e da ejaculação, mediante mínima estimulação, sem que o indivíduo deseje; • Dispareunia: Dor genital associada ao ato sexual. Não é exclusivo das mulheres. No homem, caracteriza-se pela ereção dolorosa; • Vaginismo: Contração involuntária dos músculos do períneo, quando é tentada a cópula; • Coitofobia: Repugnância ou medo mórbido do coito. Pode ter origem no vagi- nismo ou dispareunia, ou em fatores psicológicos. Parafilias De acordo com os ensinamentos de Higino Hércules (2014), são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais, manifestados de forma intensa e recorrente, que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns, que acabam por causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional. É comum nas parafilias a natureza repetitiva, compulsiva e de padrão constante. É preciso ressaltar que algumas práticas definidas como parafilias, quando se apresentam apenas de modo esporádico, não constituindo o meio único ou o pre- dominante de satisfação sexual, e quando realizados de comum acordo entre os par- ceiros, não ferindo outras pessoas, podem ser aceitos como normais, especialmente em Sociedades mais liberais. Exemplos de parafilias • Anafrodisia: diminuição do instinto sexual no homem; • Frigidez: diminuição do instinto sexual na mulher; • Exibicionismo: impulso em exibir os órgãos sexuais em público; 24 25 • Mixoscopia: prazer em observar o parceiro em relações sexuais com outrem; • Gerontofilia: atração sexual por pessoas muito idosas; • Ninfomania: desejo sexual insaciável da mulher; • Sadismo: prazer sexual em infringir sofrimento ao parceiro; • Masoquismo: prazer decorrente da dor, sofrimento, humilhação, infligidos pelo parceiro; • Zoofilia: compulsão por sexo com animais; • Necrofilia: prática sexual com cadáveres; • Asfixiofilia: excitação e satisfação erótica por meio de manobras asfíxicas, como constrições no pescoço ou sufocação direta; • Dolismo: atração sexual por bonecas ou manequins de conformação humanas; • Pigmalionismo: atração sexual por estátuas; • Edipismo: atração incestuosa do filho homem pela própria mãe; • Electrismo: desejo incestuoso da filha pelo pai; • Enclitofilia: atração sexual por indivíduos marginais, delinquentes; • Lubricidade senil: manifestação exagerada do instinto sexual em idade muito avançada. Alguns casos é sinal da instalação da demência da senilidade; • Onanismo: prática compulsiva da auto masturbação. Destaque Pedofilia É a atração libidinosa compulsiva de adulto por criança ou adolescente menor de 14 anos. Pode se manifestar de forma hetero ou homossexual. O pedófilo busca se satisfazer de várias formas, desde a observação de fotos ao ato libidinoso ou estu- pro. Muito comum na Internet, filmes. Os atos para satisfazer a pedofilia sempre configuram crimes, previstos em nossa Legislação, como o estupro de vulnerável (CP- Art. 217-A), corrupção de meno- res (CP- Art. 218), os atos tipificados no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990 (ver artigos 240, 241, 244-A). ObstetríciaForense Este é o termo dado ao estudo médico legal da gravidez, do parto e puerpério e do aborto e infanticídio. Parece estranho estudar a gravidez e parto, mas esse conhecimento é utilizado como base para a investigação de aborto e infanticídio. 25 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Deixe-me explicar: numa investigação de aborto ou de infanticídio, examina-se o feto ou o recém-nascido. Mas também se examina a suposta mãe, para relacionar a criança a ela. Antes de partir para um exame de DNA, por exemplo, essa mulher deve apresentar sinais de gravidez e/ou de parto recente. É por isso que vamos ver brevemente essas questões. Gravidez É importante o diagnóstico da gravidez para casos que envolvem paternidade, simulação e dissimulação de gestação para os mais diversos fins, na investigação de infanticídio ou de aborto, atestado de gravidez para fins administrativos e traba- lhistas, prova de violência sexual, questões civis como impossibilidade de anulação casamento e meio de contrair novas núpcias. São sinais de probabilidade da gravidez: • Amenorreia (suspensão da menstruação); • Enjoos e vômitos; • Alteração das mamas: Pigmentação das aréolas, eliminação de secreção (colostro); • Máscara gravídica: Manchas na face; • Pigmentação da linha alba (linha do umbigo até próximo a genitália); • Aumento do volume do ventre; • Sinais vaginais como cor arroxeada da vagina e colo do útero amolecido. Prova da Gravidez • Exame laboratorial: Dosagem de gonadotrofina coriônica (hormônio produzido pela placenta); • Exame físico: Avaliação macroscópica realizada por médico; • Movimentos fetais perceptíveis; • Exame físico: Avaliação por exames de imagens – Ultrassom; • Batimentos cardiofetais; • Crescimento uterino. Parto O parto é, segundo a Literatura define, um conjunto de fenômenos fisiológicos e me- cânicos com objetivo único de expulsão do concepto e seus anexos (FRANÇA, 2015). O trabalho de parto, clinicamente, inicia com as contrações uterinas. Para a Me- dicina Legal, o parto se dá por iniciado quando ocorre a ruptura da bolsa. O parto termina com a expulsão da placenta. 26 27 Perícia do Parto • Parto Recente: o que o Legista irá observar: » Mamas túrgidas, com auréola pigmentada e secreção de colostro nos dois primeiros dias, ou de leite a partir do terceiro dia; » Flacidez e relaxamento do abdome, ainda com pigmentação da linha alba; » Estrias gravídicas; » Vulva inchada, aberta e com sangue; » Carúnculas mirtiformes: Restos de hímen, no parto vaginal; » Colo do útero entreaberto; » Útero ainda aumentado de volume; » Lóquios: Secreção genital, semelhante à menstruação – Dura até cerca de 12 dias. • Parto antigo: O que o legista irá observar : » Não há como calcular a época em que ocorreu; » A perícia se baseará em sinais gravídicos persistentes, ou de cicatrizes, como: » Pigmentação de auréolas; » Carúnculas mirtiformes; » Cicatrizes no períneo; » Orifício no colo do útero em fenda (parto vaginal). Observação : Na mulher que não pariu (nulípara), e no parto cesariano, o orifício do colo do útero é circular. Aborto Conforme Croce (2012), aborto é o resultado de um conjunto de meios e mano- bras com a finalidade de interromper a gravidez. O concepto poderá ser expulso, retido, morto ou inviável. Há classificações dou- trinárias sobre o aborto, apresentadas a seguir. Aborto espontâneo ou acidental Decorrente de condições materno fetais endógenas, de inviabilidade da gestação ou de fatores traumáticos, tóxicos ou infecciosos, em circunstâncias eventuais. Aborto provocado Este, de maior interesse na Medicina Legal, pois pode configurar crime: • Necessário ou terapêutico: único meio de salvar a vida da gestante; 27 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense • Sentimental, piedoso ou humanitário: em caso de gravidez resultante de estupro. É praticado por médico, com o consentimento da gestante ou de seu representante legal, em ambiente hospitalar, até a 12º semana da gestação; • Eugênico: visa a evitar o nascimento de criança com má formação ou defeito genético; • Social: praticado por motivos econômicos, morais e até estéticos. A nossa Legislação penal pune o aborto sob qualquer forma que não seja o necessário e o sentimental, previstos no artigo 128 do Código Penal. Mas, em 2012 o STF decidiu pela legalização do aborto em casos de anencéfalos. Leia a íntegra do Acordão. Disponível em: https://bit.ly/3mrQHbx Perícia nos casos de aborto O exame vai buscar a caracterização do fato. Se foi encontrado material utilizado, pois na maioria dos casos é realizado de forma clandestina. Se deixou lesão corporal na mulher, o que é uma qualificadora. Verifica, no caso de aborto provocado pelo médico, se havia meio de salvar a mulher, por meio de exame do prontuário, as cau- sas da morte da mãe, se houve complicação etc. Outras Perícias relacionadas São exames relacionados: exame de gravidez pregressa, estimativa de idade – do feto e da mãe, exame psicopatológico – da mãe, exame de consanguinidade – paren- tesco entre feto encontrado e suposta mãe, exames indiretos em prontuários. Quesitos do laudo pericial • Há vestígios de provocação de aborto? • Qual o meio empregado? • Se em consequência do aborto ou do meio empregado para provocá-lo sofreu a gestante incapacidade? • Se havia outro meio de salvar a vida (quando praticado por médico)? • A gestante é alienada ou débil mental? Infanticídio O crime de infanticídio está tipificado no Código Penal: Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. 28 29 Perícia nos casos de infanticídio Busca os elementos constituintes do crime: • Se houve vida extrauterina (nascimento com vida – caracterizada, fundamen- talmente, pela respiração autônoma. Diagnóstico realizado pelas “docimásias”, que são provas baseadas na respiração e seus efeitos); • Caracterizar o estado de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém- -nascido (tempo de vida extrauterina); • Causa jurídica da morte (mecanismo da morte que vai caracterizar se foi real- mente um infanticídio ou um acidente); • Estado psíquico da mulher (se ela estava em “estado puerperal”); • Comprovação de parto pregresso (recente – com sinais do puerpério, ou par- to antigo). E quanto ao estado puerperal? De acordo com França (2015), a Legislação brasileira adotou como atenuante no crime de infanticídio a condição biopsicossocial do estado puerperal, justificado pelo trauma psicológico, pela pressão social e pelas condições do processo fisioló- gico do parto desassistido (angústia, aflição, dores, sangramento e cansaço), cujo resultado traria o estado confusional capaz de levar ao ato criminoso. O puerpério é um período típico durante o qual a mulher se refaz das alterações ocorridas em seu organismo, devido à gravidez e o parto. Durante esse período, em tese, a mulher poderia sofrer perturbações e não teria completo discernimento sobre o ato que praticasse. Mas o mesmo autor explica que não se pode esperar que toda mulher corra o risco de passar por isso, não é algo que sempre aconteça. É preciso buscar comprovar, mediante exames psíquicos, se realmente aconteceram perturbações em razão do estado puerperal. Tal condição é muito questionada pelos médicos, pois não haveria elemento psicofísico seguro a garantir um diagnóstico. E o que são docimácias? São exames técnicos que buscam comprovar se a criança respirou fora do útero da mãe. Caso seja comprovado o que chamamos de respiração autônoma, significa que a criança nasceu com vida e só após houve a morte. Caso o teste seja negativo, comprova-se que a criança teve morte intrauterina, logo não nasceu com vida. Existem vários tipos de docimácias, mas a mais conhecida e realizada nos IMLs é a Docimásia Hidrostática Pulmonar de Galeno: mais prática e mais usada – O pul- mão que não respirou é mais pesado que água, e afunda. Com a respiração, há expan-são alveolar, diminuindo a densidade, flutuando na água. É realizado em fases. Só tem 29 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense valor até 24 horas após a morte, pois os gases da putrefação podem dar resultado falso (BITTAR, 2018). Com isso, concluímos nossa Unidade, na qual você estudou sobre as questões relacionadas à morte, como os direitos sobre o cadáver, os destinos do cadáver, a doação de órgãos e fenômenos cadavéricos. Estudamos, ainda, tópicos em sexologia forense, aprendendo sobre as perícias nos crimes sexuais, os transtornos da sexua- lidade e quando eles têm interesse penal, além das perícias relacionadas ao aborto e infanticídio. 30 31 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Site Malthus Atlas fotográfico on line e gratuito de Medicina Legal do Prof. Malthus Galvão. https://bit.ly/32y4fKF Livro Medicina legal FRANÇA, G. V. de. Medicina legal. 11.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. (e-book) Leitura Revista Criminalística e Medicina Legal Leia artigos atualizados, com acesso gratuito, sobre perícias e pesquisas na área. https://bit.ly/3iBKNCd Brazilian Journal of Forensic Anthropology & Legal Medicine Leia artigos atualizados, com acesso gratuito, sobre Medicina Legal e Antropologia Forense e pesquisas na área. https://bit.ly/32y5UzQ Procedimento Operacional Padrão da Perícia Criminal https://bit.ly/2Rwuzi3 Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 https://bit.ly/2FFkk8n 31 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Referências BENFICA, F. S. VAZ, M. Medicina legal. 4.ed.rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2019. BITTAR, N. Medicina legal e noções de criminalística. 7.ed. Salvador: JusPodivm, 2018. BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. CARDOSO, L. M. Medicina legal para o acadêmico de direito. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2016. COUTO, R. C. Perícias em Medicina Legal e Odontologia Legal. Rio de Janeiro: Medbook, 2011. CROCE, D. Manual de medicina legal. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. (e-book) DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina legal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. EISELE, R. L.; CAMPOS, M. de L. B. Manual de medicina forense & odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2016. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. [S.L,]: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Dis- ponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf>. Acesso em: 13/08/2020. FRANÇA, G. V. de. Medicina legal. 10.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. (e-book) ________. Medicina legal. 11.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. (e-book) HERCULES, H. de C. Medicina legal: texto e atlas. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MIZIARA, I. D. Manual Prático de Medicina Legal. São Paulo: Atheneu, 2014. PRESTES JUNIOR, L. C. L.; ANCILLOTTI, R. V. 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