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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Direito Pós-Doutorado em Direito Processual Daniel Brantes Ferreira A arbitragem e o precedente arbitral e judicial – uma análise histórica e comparativa entre Brasil e EUA Rio de Janeiro 2018 Daniel Brantes Ferreira A arbitragem e o precedente arbitral e judicial – uma análise histórica e comparativa entre Brasil e EUA Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação stricto sensu em Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de Pós-Doutor em Direito Processual. Orientador: Professor. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho Rio de Janeiro 2018 Daniel Brantes Ferreira A arbitragem e o precedente arbitral e judicial – uma análise histórica e comparativa entre Brasil e EUA Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de Pós-Doutor em Direito Processual. DEDICATÓRIA Para meu filho Jorge Victor AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, especialmente minha esposa, Deborah, pelo apoio incondicional em todos os momentos da minha vida. A minha amiga-irmã Bianca Farias pela amizade e apoio de sempre. Ao CBMA (Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem) na pessoa de seu Presidente, Dr. Gustavo Schmidt pela inspiração temática para a pesquisa e pela oportunidade de contribuir com o Centro. Ao meu orientador, Professor Dr. Humberto Dalla, expoente doutrinário na área. . RESUMO FERREIRA, Daniel Brantes. A arbitragem e o precedente arbitral e judicial: Uma análise comparativa entre Brasil e EUA. 37 f. Tese (Pós-Doutorado em Direito Processual) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 2018. Nesta tese de pós-doutorado abordaremos o tema do precedente judicial e arbitral e sua aplicação na arbitragem no Brasil e nos EUA. Em um primeiro momento faremos uma abordagem histórica da arbitragem. Após, estabeleceremos o conceito de precedente e analisaremos sua aplicação nos sistemas jurídicos brasileiro (com a promulgação do Novo CPC) e americano (stare decisis). Em um terceiro momento analisaremos o precedente arbitral e judicial e sua aplicação pelos árbitros nos dois países e no âmbito internacional para, na conclusão, sugerirmos como os árbitros devem observar a regra do precedente. Palavras-chave: Arbitragem; Precedentes; EUA; Brasil; Stare Decisis; Novo CPC; ABSTRACT FERREIRA, Daniel Brantes. Arbitration and its use of precedent: A comparative study between Brazil and United States of America. 37 f. Post-Doctoral Dissertation (Post- Ph.D. in Civil Procedure) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 2018. In this post-doctoral dissertation will be analyzed the judicial and arbitral precedent and its application by the Brazilian and American arbitrators. We will begin establishing the historical origins of arbitration and its evolution in the U.S. and Brazil. Moreover, in the second chapter, we will make a comparison on how the American (stare decisis) and Brazilian (after the new civil procedure code) judicial systems apply the precedents. In the third chapter we will analyze the arbitral and judicial precedent and its application by the arbitrators of both countries and in international arbitration, therefore, we will be able to suggest the best way an arbitrator should observe and apply the precedential rule. Key-Words – Arbitration; Precedents; USA; Brazil; Stare Decisis; New Civil Procedure Code. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1 1 ARBITRAGEM E SEU HISTÓRICO ............................................................... 2 1.1 Nos EUA ........................................................................................................ 5 1.2 No Brasil ........................................................................................................ 7 2. O PRECEDENTE ....................................................................................................................... 9 2.1 Conceito de precedente .............................................................................. 11 2.2 O precedente nos EUA e o stare decisis .................................................... 11 2.3 O precedente no Brasil e o novo CPC ....................................................... .17 3. ARBITRAGEM E O PRECEDENTE 22 3.1 Nos EUA 22 3.2 No Brasil 29 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 35 1 Introdução A presente tese tem por objetivo principal analisar a aplicação dos precedentes arbitrais e dos precedentes judiciais pelos árbitros no sistema norte-americano e no sistema brasileiro. Sendo assim, o recorte metodológico será essencialmente temático e geográfico, ou seja, focado no conceito de precedente nos dois sistemas jurídicos (EUA e Brasil) com a análise posterior de sua aplicação pelo árbitro. Utilizaremos essencialmente fontes primárias de consulta com prioridade para citação de artigos científicos de revistas indexadas e com fator de impacto de relevância. Iniciaremos o trabalho contextualizando historicamente a arbitragem para compreendermos a importância desta forma alternativa de solução de conflitos para a humanidade e especificamente para os dois países sob análise. No segundo capítulo abordaremos a definição de precedente e sua utilização nos sistemas brasileiro (nos termos do Novo CPC) e americano (stare decisis) para assim estabelecermos um termo de comparação na aplicação dos precedentes entre as duas nações. No terceiro capítulo trataremos especificamente do precedente e da arbitragem. Investigaremos se os árbitros de fato aplicam os precedentes judiciais e se estão vinculados a estes, se estes criam e aplicam precedentes arbitrais e analizaremos as nuances do processo arbitral em comparação com o processo judicial. Em suma, a tese possui caráter prescritivo e descritivo e objetivo específico com abordagem vertical sem a preocupação de esgotar o tema em seu aspecto horizontal. Descreveremos o funcionamento da aplicação do precedente judicial e arbitral nos dois países, demonstraremos como os dois sistemas jurídicos tem se aproximado no tema (principalmente após o Novo CPC) e prescreveremos como consideramos que o árbitro deve proceder em seu julgamento. Para melhor elucidar a questão analisaremos também, nos dois países e em breves linhas, os diferentes tipos de arbitragem (desportiva, trabalhista, de investimento, comercial internacional) para atingirmos as devidas conclusões sobre o tema. 2 1. A Arbitragem e seu histórico 1.1. Registros históricos A verdadeira origem da arbitragem e das soluções alternativas de conflitos está perdida na história. Não se pode precisar em que lugar e em que momento o homem decidiu submeter a seu superior ou a um de seus amigos o poder decisório em uma disputa com uma outra parte ao invés de recorrer a violência, a auto-resolução do conflito ou até mesmo ao sistema público disponívelno determinado momento histórico. A história da arbitragem (julgamento por equidade em sua origem), ao contrário da história do julgamento de direito, não se desenvolveu a partir da evolução de princípios e doutrina que, com sua utilização, obtiveram validade e forças generalizadas. A arbitragem em si preexiste aos sistemas jurídicos e não desenvolveu nenhum código a ser seguido. Com poucas exceções trata-se de uma decisão livre tomada pelo árbitro e decidida de acordo com normas éticas ou econômica de algum grupo em particular. O julgado anterior não vincula o julgado posterior uma vez que as decisões podem não ser baseadas na lei e na doutrina. Para Earl Wolaver a origem da arbitragem pode ser encontrada nas religiões, na Grécia Antiga e na Roma antiga. Aristóteles, por exemplo, na Retórica preconiza sempre o uso mais agradável possível das palavras visando sempre a concordância do oponente e a conciliação, vejamos: As formas das palavras também podem ser defeituosas se estas não expressam um som agradável1. Também há, entre os gregos, a narrativa da existência de uma corte de conciliação. Era comum entre os Romanos a solução dos conflitos pela arbitragem. Segundo Wolaver a utilização de um tribunal privado é mais antiga do que as próprias cortes estatais e a introdução da arbitragem seria contemporânea a fundação do próprio direito. Nas sociedades mais antigas as disputas eram julgadas pelos patriarcas o que teria originado os tribunais patriarcais que na sua figura hodierna tornaram-se as câmaras arbitrais2. De acordo com Frank Elkouri3 um dos árbitros mais antigos foi o bíblico Salomão. Para o autor, Salomão não era apenas um árbitro, mas este também seguia procedimentos similares aos utilizados pelos árbitros nos dias atuais. Um registro de uma arbitragem realizada por Salomão pode ser encontrado no Velho Testamento no Primeiro livro de Reis, capítulo 3, versículos 16-284. 1 ARISTOTLE. The “art” of rhetoric. New York: G.P. Putnam’s Sons, 1976, p. 357 2 WOLAVER. Earl S. The historical background of commercial arbitration. University of Pennsylvania Law Review, vol. 83, 1934, p. 132. 3 ELKOURI, Frank et al.. How arbitration works. New York: BNA Books, 5ª Edição, 1997. 4 16 Certo dia duas prostitutas compareceram diante do rei. 17 Uma delas disse: "Ah meu senhor! Esta mulher mora comigo na mesma casa. Eu dei à luz um filho e ela estava comigo na casa. 18 Três dias depois de nascer o meu filho, esta mulher também deu à luz um filho. Estávamos sozinhas; não havia 3 Também há registro da arbitragem na mitologia grega no julgamento realizado por Páris, o pastor-príncipe. No alto do Monte Ida na Grécia, o pastor da realeza, Páris, recebeu a incumbência de Zeus para arbitrar sobre a beleza de Hera, Atena e Afrodite. O conto narra que Zeus deu um banquete em comemoração ao casamento de Peleu e Tétis (pais de Aquiles). No entanto, Eris, deusa da discórdia não foi convidada, pois ela tornaria a festa desagradável para todos. Irritada com essa afronta, Eris chegou à festa com uma maçã de ouro do Jardim das Hespérides, que ela lançou na mesa, sobre o qual estava escrito para a mais bela. As três deusas reinvidicaram a maçã. As três candidatas se banharam na primavera de Ida, e em seguida, foram ver Páris sobre o monte Ida. Enquanto Páris inspecionados elas, cada uma usa seus poderes para suborná-lo; Hera ofereceu-se para fazê-lo rei da Europa e da Ásia, Atena ofereceu a mulher mais bonita do mundo, Helena de Esparta que era esposa do rei grego Menelau. Páris aceitou o presente de Afrodite e lhe concedeu a maçã de ouro recebendo, assim, Helena em troca. Esse conto e a tentativa dos gregos para recuperar Helena de Páris são a base mitológica para a Guerra de Tróia5. Na antiguidade grandes disputas políticas foram solucionadas com o uso da arbitragem. Em controvérsia entre a cidade de Atenas e a cidade de Mégara pela posse da ilha de Salamina no ano de 600 a.C. cinco espartanos foram eleitos como árbitros e solucionaram a disputa concedendo a posse da ilha a Atenas. Outra disputa entre Corinto e Corcyra no ano de 480 a.C. pela posse da ilha de Lêucade também foi solucionada por Temístocles funcionando como árbitro6. Uma fronteira entre os genoveses e os viturianos (vila italiana) foi definida por arbitragem no ano de 117 a.C.. Tal decisão foi gravada em placa de bronze encontrada perto de Genova entre os anos em 1506 e 1507. Os viturianos provocaram o Senado Romano para a solução da questão territorial que, por sua vez, enviou dois filhos de Quintus Minucius Rufus, cujo ancestral havia conquistado a região da Ligúria em 197 mais ninguém na casa. 19 "Certa noite esta mulher se deitou sobre o seu filho, e ele morreu. 20 Então ela se levantou no meio da noite e pegou o meu filho enquanto eu, tua serva, dormia, e o pôs ao seu lado. E pôs o filho dela, morto, ao meu lado. 21 Ao levantar-me de madrugada para amamentar o meu filho, ele estava morto. Mas, quando olhei bem para ele de manhã, vi que não era o filho que eu dera à luz". 22 A outra mulher disse: "Não! O que está vivo é meu filho; o morto é seu". Mas a primeira insistia: "Não! O morto é seu; o vivo é meu". Assim elas discutiram diante do rei. 23 O rei disse: "Esta afirma: 'Meu filho está vivo, e o seu filho está morto', enquanto aquela diz: 'Não! Seu filho está morto, e o meu está vivo' ". 24 Então o rei ordenou: "Tragam-me uma espada". Trouxeram-lhe. 25 Ele ordenou: "Cortem a criança viva ao meio e deem metade a uma e metade à outra". 26 A mãe do filho que estava vivo, movida pela compaixão materna, clamou: "Por favor, meu senhor, dê a criança viva a ela! Não a mate!" A outra, porém, disse: "Não será nem minha nem sua. Cortem-na ao meio!" 27 Então o rei deu o seu veredicto: "Não matem a criança! Deem-na à primeira mulher. Ela é a mãe". 28 Quando todo o Israel ouviu o veredicto do rei, passou a respeitá-lo profundamente, pois viu que a sabedoria de Deus estava nele para fazer justiça Conteúdo retirado do sítio https://www.bibliaon.com/1_reis_3/. Acesso realizado em 11 de fevereiro de 2018. 5 EMERSON, Frank. History of arbitration practice and law. Cleveland State Law Review, vol. 19, 1970, p. 156. 6 Id. Ibid. p. 156. https://www.bibliaon.com/1_reis_3/ 4 a.C. e cujos descendentes haviam herdado o domínio sobre os habitantes da região e, portanto, possuíam legitimidade para funcionarem como árbitros e solucionarem a questão. Sendo assim, demarcaram as terras Viturianas tanto em propriedades privadas quanto públicas e estabeleceram o pagamento de tributos para os genoveses pela utilização das terras públicas e as regras para o pastoreio7 A arbitragem comercial também era conhecida nas caravanas do deserto na época de Marco Polo (séc. XIII) e era prática comum entre comerciantes Fenícios e Gregos. No período homérico (1150 a.C. a 800 a.C.) chefes e anciões ocupavam cadeiras em assembleias para solucionar disputas entre pessoas que escolhessem visitá-los. Em meados do século VI a.C. Peisistratus, tirano ateniense, nomeou juízes que deveriam peregrinar pelas vilas. Se os cidadãos não atingissem um acordo amigável tais juízes, por arbitragem, prolatariam suas decisões. Llinos Smith aponta o uso corriqueiro da arbitragem na Grã-Bretanha medieval8. Afirma que no reino da Rainha Elizabeth (1533-1603 – seu reinado iniciou-se em 1558) a arbitragem já era prática comum na sociedade galesa. No entanto, seu escrito possui enfoque nos antecedentes medievais do método alternativo de solução de conflitos. O autor logrou êxito em encontrar convenções arbitrais do período medieval em latim, inglês e até mesmo em galês. Possuíam composição incrivelmente uniforme e eram extremamente similares com as convenções arbitrais realizadas na Inglaterra. O autor sob comento menciona registros históricos desde 1274 (em sua maioria obtidos em arquivos eclesiásticos) e afirma que o País de Gales, desdeo medievo, considerava extremamente importante os métodos de soluções alternativas de conflito9. A lei da época do País de Gales dava especial ênfase a conciliação e a arbitragem. Vale mencionar também que os comerciantes dos séculos XVII e XVIII preferiam ser julgados pela lei dos comerciantes ao invés de se submeterem ao alvitre das cortes estatais que consideravam muito complexa, muito demorada, extremamente formal e principalmente, com suas decisões baseadas em leis locais. Os comerciantes conheciam e confiavam na lei e na regra do mercado, ou seja, as regras que praticavam no dia a dia. Tratava-se de uma regra gerada pelas próprias transações comerciais. Uma das grandes razões que faz com que comerciantes prefiram até hoje a arbitragem é o fato destes, por vezes, preferirem preservar as suas relações comerciais em detrimento de seus direitos10. 7 JOHNSON, Allan C. et. al.. Ancient Roman Statutes. New Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd, 2003, p. 46. 8 SMITH, Llinos Beverly. Disputes and Settlements in Medieval Wales: The Role of Arbitration. The English Historical Review, vol. 106, nº 421, 1991, pp. 835-860. 9 Id. Ibid. p. 839. 10 WOLAVER. Earl S. Op. Cit. p. 145. 5 1.2. Nos EUA No período colonial americano a arbitragem era muito pouco utilizada, apenas por algumas organizações comerciais, para solucionar disputas de direitos coloniais e estabelecimento de fronteiras e na cobrança de dívidas. A arbitragem não era corriqueira na vida social e no desenvolvimento econômico do país bem como não era uma instituição reconhecida. Em contrapartida a máquina judicial crescia no país. As disputas eram, em regra, solucionadas através do litígio ou do uso da força. Para Frank Emerson a arbitragem não era atrativa uma vez que o comércio obtinha altas margens de lucro e tal margem permitia desperdício considerável, ou seja, não havia urgência na solução dos conflitos. Já nas relações industriais ainda não havia paridade de poder entre empregadores e empregados o que, por sua vez, não encorajava a arbitragem11. Questões industriais também foram objeto de arbitragem principalmente as questões sobre a relação mestre e servo, os termos do contrato de trabalho, as condições de trabalho e os salários. Uma das primeiras disputas submetida ao American Arbitration Tribunal, organizado em 1786 pela Câmara de Comércio de Nova Iorque, envolvia o salário dos marinheiros. Apesar da arbitragem ter sido adotada por algumas câmaras comerciais tais como as de New York em 1768, New Haven em 1794 e Philadelphia em 1801, o instituto não obteve aceitação generalizada em outras câmaras. Outra dificuldade para seu uso era o fato do público não ter ciência de suas vantagens sobre o litígio judicial e não ter conhecimento sobre o procedimento arbitral. De acordo com Emerson entre milhares de associações comerciais apenas um número pequeno conhecia ou efetivamente utilizava a arbitragem. As principais características da sociedade colonial americana com relação as disputas eram a indiferença com relação ao custo, a aceitação ao alto número de litígios e quase que uma total desorganização que possibilitasse o fácil acesso do cidadão comum a arbitragem12. A educação formal do uso da arbitragem também era inexistente. Simplesmente não havia nenhuma fonte de estudo disponível bem como não havia acadêmico preparado e treinado para lecionar a disciplina. Em suma, o americano não tinha consciência do exercício de seu direito natural de auto-regulação de suas disputas, um direito que este renegava ao privilegiar o rígido processo judicial. Também faltava consciência do poder latente que a arbitragem possuía nas questões internacionais como a paz e a segurança através do comércio internacional. Uma nova era para a arbitragem surgiu somente em 1920. O incentivo veio com a Primeira Grande Guerra e com a tentativa de evitar guerras futuras e a resolução e o 11 EMERSON, Frank. Op. Cit. p. 158. 12 Id. Ibid. p. 159. 6 controle das disputas através da arbitragem poderia cumprir tal objetivo. Houve então modernização da legislação sobre o tema, planejamento sistemático, maior organização e, principalmente, o incentivo a cultura arbitral13. Neste ano foi promulgada a primeira lei de arbitragem nos EUA no estado de New York. Tal lei possuía características incomuns tais como a de permitir as partes o controle de futuras disputas bem como a resolução das disputas atuais. Nestes termos os acordos e contratos com a cláusula compromissória tornaram-se legais e irrevogáveis. Antes desta lei apenas disputas existentes gozavam de tal proteção legal. Além disso, a lei trazia o auxílio das cortes judiciais para as partes uma vez que estas poderiam utilizar o judiciário para fazer valer os acordos e as convenções arbitrais14. Em 1922 surgia, devido a promulgação da lei de NY, a Arbitration Society of America com a estrutura e organização necessárias para a condução dos processos arbitrais. A sociedade teve apenas quatro anos de existência, mas tornou os procedimentos arbitrais acessíveis para o povo e conhecidos e utilizados no meio jurídico. A Arbitration Society of America inclusive conseguiu influenciar o Congresso Americano para que ocorresse a promulgação da Lei de Arbitragem (Federal Arbitration Act15) de 1925 aplicável ao comércio interestadual e às transações de comércio com o exterior. Em 1925 foi fundada pela Câmara de Comércio de Nova Iorque (Chamber of Commerce of the State of New York) a Arbitration Foundation e em 1926 a mesma se extinguiu juntamente com a Arbitration Society of America devido a fundação da American Arbitration Association16. A partir deste momento a arbitragem era plenamente aceita e adotada pela sociedade, juristas e tribunais. Os estados americanos começaram a promulgar leis mais bem elaboradas sobre o tema e artigos acadêmicos surgiam em quantidade. Em 10 de junho de 1958 com a arbitragem atinge o ápice do seu reconhecimento internacionalmente com a assinatura por vinte e seis Estados-nação dos quarenta e cinco membros das Nações Unidas da Convenção de Nova Iorque ou a Convenção para o Reconhecimento e Execução das Convenções Arbitrais Estrangeiras (Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards). A convenção sobrepôs dois tratados multilaterais adotados pela Liga das Nações, o protocolo de Genebra sobre Cláusulas Arbitrais de 1923 e a Convenção de Genebra sobre a Execução de Convenções Arbitrais Estrangeiras de 1927. Os EUA ratificaram a New York Convention 13 Id. Ibid. p. 160. 14 Id. Ibid. p. 161. 15 A lei foi considerada constitucional pela U.S. Supreme Court em 1984 no caso SOUTHLAND CORP. v. KEATING. Sobre o tema vide DUNHAM, Kenneth F.. Southland Corp. v. Keating Revisited: Twenty-Five Years on Which Direction?. Charleston Law Review, vol. 4, 2009, pp. 331-368 16 Id. Ibid. p. 163. 7 em 197017. 1.3. No Brasil A utilização da arbitragem no Brasil é de origem portuguesa. O sistema jurídico medieval português reconhecia a arbitragem como forma alternativa de solução de conflitos e encontrava previsão nas Ordenações Affonsinas, pelas Ordenações Manuelinas e Ordenações Filipinas (esta última foi o principal diploma legal relativo de direito comercial no Brasil até a promulgação do Código Comercial de 1850)18. A Constituição de 1824 trouxe em seu bojo autorização expressa para adoção da arbitragem em seu art. 160, vejamos: Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes. O instituto não foi previsto na Constituição de 1895 voltando a lume em 1934 que dava competência à União para legislar sobre arbitragem comercial em seu art. 5, XIX, alínea C. Também não houve previsão nas Constituições de 1937, 1946 e 1967. O instituto voltouapenas a ter previsão constitucional em nossa atual Carta Magna de 1988. A CF de 1988 já homenageia o instituto em seu preâmbulo ao tratar expressamente da solução pacífica das controvérsias, ou seja, torna a solução pacífica das controvérsias princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Na legislação esparsa a arbitragem encontrou previsão no Código Comercial de 1850 que, de acordo com Joaquim Muniz, previa arbitragem compulsória para dirimir determinadas disputas, tais como aquelas entre sócios de sociedades comerciais. O procedimento tanto para arbitragens compulsórias quanto para voluntárias era regido pelo Regulamento 737/185019. A lei 1.350 de 1866 revogou as regras sobre arbitragem compulsória e, conjuntamente com o Decreto 3.900 de 1867, implementou nova regulamentação sobre arbitragem voluntária introduzindo a obrigatoriedade do compromisso arbitral. Os códigos de processo civil de 1939 (art. 1.031 e seguintes) e 1973 (art. 86, 267, VII; 301, IX e 520, VI) também regeram o procedimento arbitral. A lei de arbitragem foi sancionada pelo presidente em 23 de setembro de 1996 como a lei 9.307/1996 e deu novo impulso a arbitragem no Brasil com o surgimento das principais câmaras arbitrais. A lei sofreu importante alteração em 2015 através da 17 TROOBOFF, Peter et. al. Foreign Arbitral Awards and the 1958 New York Convention. Virginia Journal of International Law, vol. 17, 1977, pp. 469-482. 18 MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso Básico de Direito Arbitral: Teoria e Prática. Curitiba: Juruá Editora, 4ª Ed., 2017, p. 29. Ordenações Affonsinas – livro 3º, título 118; Ordenações Manuelinas – título 81; Ordenações Filipinas – título 18. 19 Id. Ibid. p. 29. 8 promulgação da lei 13.129 que ampliou o âmbito de aplicação da arbitragem trazendo a possibilidade expressa da utilização da arbitragem pela administração pública direta e indireta com a inclusão do § 1 no art. 1º da lei 9.307/1996 que segue: A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Tal previsão foi bem recebida pela administração pública e já começam a surgir as primeiras leis e os primeiros decretos regulamentadores nos estados e municípios tais como a lei 19.477 de 2011 do estado de Minas Gerais (que dispões sobre o juízo arbitral nas causas onde o estado figura como parte), o Decreto nº 8.465, de 8 de Junho de 2015 que regulamentou a arbitragem no setor portuário e o decreto nº 46.245 de 19 de fevereiro de 2018 que regulamentou a arbitragem para dirimir os conflitos que envolvam o estado do Rio de Janeiro. O Código de Processo Civil de 2015 também traz previsão expressa da arbitragem em seus artigos 3º e 42. Em suma, a arbitragem hoje tem espaço extremamente relevante no Brasil, nos EUA e no mundo nas soluções de conflito. A confidencialidade e a facilidade da execução da sentença arbitral em países estrangeiros tendo em vista a Convenção de NY de 1958 são dois dos principais atrativos do modelo. Por isso, cada vez mais o tema é discutido no meio acadêmico e por especialistas. Questão que ganhou grande relevância é o fato do árbitro ter de levar em consideração ou não os precedentes judiciais e arbitrais em seus julgados. No Brasil o tema ganhou especial relevância com o advento do Novo CPC e o art. 489, §1º, VI, segundo o qual não se considera fundamentada a qualquer decisão judicial, inclusive interlocutória, que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. A lei de arbitragem (lei 9.307/96), por sua vez, no art. 32, III, prevê hipótese de nulidade da sentença arbitral se não houver a devida fundamentação. Este será o objeto central de discussão do trabalho. 9 2. O Precedente 2.1. Conceito de Precedente Precedente nos termos do dicionário de Oxford significa um evento ou ação anterior que é tomado como exemplo ou paradigma a ser considerado em circunstâncias similares posteriores. Para o Direito trata-se de um caso ou decisão que deverá ou não ser seguida em casos similares subsequentes20. Para o dicionário de Cambridge precedente seria uma decisão sobre um caso específico que torna provável que outros casos similares sejam decididos da mesma maneira21. De acordo com Bryan A. Garner que traz a definição de precedente no Black’s Law Dictionary o precedente é definido como um caso decidido que provê a base para determinar casos posteriores que envolvem os mesmos fatos ou questões22 De acordo com John Salmond em sua obra Jurisprudence23 um precedente é uma decisão judicial que contém em si um princípio. O princípio subjacente que compõe seu elemento de autoridade é o que denominamos de ratio decidendi. A decisão concreta vincula as duas partes entre si, mas é a ratio decidendi abstrata que, por si só, possui força de lei para o mundo em geral. John Chipman Gray assevera que para que uma decisão seja considerada um precedente judicial dois fatores devem ocorrer: deve ser a opinião dada por um magistrado e essa opinião deve ser essencial para a decisão do caso. Ou seja, não pode ser obiter dictum, trecho da decisão que não serve como ratio decidendi de decisões subsequentes, ou seja, não serve como regra ou guia de conduta para o magistrado24. Earl Maltz divide o escopo do precedente em três: doutrina geral, doutrina específica e racional25. Para autor, ao determinarmos o escopo de um precedente o primeiro passo é identificarmos os princípios que podem ser definidos como doutrina geral. Tratam-se de premissas gerais utilizadas para o funcionamento das cortes. Os estatutos e as constituições são bons exemplos de doutrina geral que podem vir a limitar o efeito dos precedentes. A doutrina específica consiste na regra ou regras de direito que a corte escreve como guia para o caso ao qual está julgando. Envolve dois componentes: o primeiro seria o componente de amplitude (breadth), ou seja, uma descrição de classes de casos que serão governados pela regra pronunciada. O segundo seria um 20 Conteúdo retirado de https://en.oxforddictionaries.com/definition/precedent. Acesso realizado em 21.de fevereiro de 2018. Tradução nossa. 21 Conteúdo retirado de https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/precedent. Acesso realizado em 21 de fevereiro de 2018. Tradução nossa. 22 GARNER, Bryan A. Black’s Law Dictionary. Minnesota: Third pocket edition, 2006, p. 553. Tradução nossa. 23 SALMOND, John. Jurisprudence. London: Stevens and Haynes, 4th Ed., 1913, p. 172. Tradução nossa. 24 GRAY, John C.. The nature and sources of law, New York: Elibron Classics, 2005, p. 261. Tradução nossa. 25 MALTZ, Earl. The Nature of Precedent. North Carolina Law Review, vol. 66, 1988, pp. 372-383. https://en.oxforddictionaries.com/definition/precedent https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/precedent 10 componente de conteúdo (content), ou seja, a natureza do padrão legal em si. O estabelecimento da amplitude e do conteúdo (grau em que a decisão controlará os resultados de decisões posteriores) define a força do precedente. Por exemplo, padrões concretos estabelecidos no precedente deixam pouco espaço para inovação de magistrados em casos futuros. A doutrina em si torna-se a força dominante no processo decisório. O racional em um caso é a razão dada pela corte para adotar a doutrina específica que guiará a decisão em um caso. Maltz afirma que há uma hierarquia entre os fatores que determinam o escopo de um precedente e que devem ser considerados pelos magistrados. A doutrina geral deve prevalecer sobre a doutrina específica e o racional assume papel relevante somente quando o impacto dos outros fatores não está claro. Porém, a corte nestes casos irá desconsiderar o precedente fraco e a discussão sobreseu escopo torna-se irrelevante26. Para Ronaldo Cramer o conceito de precedente possui dois sentidos: sentido próprio como decisão judicial que fixou a tese jurídica (norma jurídica) e sentido impróprio constituindo a própria norma jurídica criada pela decisão judicial27 Para Arthur von Mehren e Peter Murray28 os precedentes criam dois efeitos. Em primeiro lugar colocam um ponto final na disputa entre duas partes. Em segundo lugar tem o efeito de criação de um princípio jurídico que servirá de base para decisão de casos posteriores onde questões similares ou análogas surgirem. Tal efeito é conhecido como a regra do precedente (rule of precedent) ou stare decisis, o qual as cortes inferiores bem como as cortes que prolataram a decisão deverão obedecer tais princípios jurídicos. Esse segundo componente do princípio do stare decisis não possui o mesmo patamar de obediência das cortes nos sistemas de Civil Law e International Law. Na common law casos similares devem ser decididos de acordo com os princípios gerados pelos casos anteriores para que assim, os resultados sejam similares. Michael Sinclair, por sua vez, traz o conceito de super-precedente em seu escrito 26 Id. Ibid. p. 383. 27 Vide CRAMER, Ronaldo. Precedentes Judiciais: Teoria e Dinâmica. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016, pp. 77-78. Em sentido próprio, precedente é a decisão judicial que fixou a tese jurídica (norma jurídica) que deverá ser seguida pelas demais decisões em casos idênticos. Chama-se esse sentido de próprio, porque é o mais usado, é intuitivo e aparece em todos os sistemas processuais, independentemente de pertencerem ao Civil Law ou ao Common Law. Em sentido impróprio, precedente constitui a própria norma jurídica criada pela decisão judicial, ou seja, a tese jurídica que servirá de parâmetro decisório para casos idênticos. A norma jurídica criada pelo precedente (ou norma do precedente) constitui a ratio decidendi (ou razões essenciais para a decisão), que não se confunde com a fundamentação do julgado, mas nela se encontra. Denomina-se esse sentido de impróprio, porque simplesmente é menos utilizado. Assim, precedente é tanto o julgado que gerou a norma a ser seguida, quanto a própria norma que foi criada. 28 VON MEHREN, Arthur et al.. Law in the United States. New York: Cambridge University Press, 2007, p. 9. 11 Precedent, Super-Precedent29. Super-precedente ou super-stare decisis foi um conceito cunhado em 1976 por Richard Posner e William Landes que afirmam que tal precedente seria tão efetivo na definição dos requisitos da lei que basta para a prevenção do surgimento de litígios3031. Sinclair utiliza dois casos conhecidos como exemplos de super-precedente na jurisprudência norte-americana são estes: Marbury v. Madison32 e Eerie Railroad v. Tompkins3334. Ressalta, assim como Landes e Posner em 1976, que são casos raros. 2.2. O precedente nos EUA e o stare decisis Nas palavras de Michael Sinclair no Direito tal como em muitos aspectos da vida existe normalmente uma tensão entre a sabedoria do passado e a racionalidade do presente35. A racionalidade do presente repousa na tentativa de adequar o direito às necessidades atuais da sociedade. As decisões judiciais devem ser, portanto, normativamente adaptáveis e devem acompanhar a evolução social. Para o autor o stare decisis36, ou seja, a doutrina do precedente tem a função de mediadora desta tensão entre passado e presente. William O. Douglas afirma que o stare decisis é necessário, pois provê 29 SINCLAIR, Michael. Precedent, Super-Precedent. George Mason Law Review, Vol. 14, 2007, pp. 363- 411. 30 LANDES, William M. et. al. Legal Precedent: A Theoretical and Empirical Analysis. Journal of Law and Economics, vol. 19, nº 2, 1976, pp. 249-307. 31 Vide LANDES, William M. et. al. Legal Precedent: A Theoretical and Empirical Analysis. Journal of Law and Economics, vol. 19, nº 2, 1976, p. 251. Tradução nossa. (...) precedente que é tão efetivo na definição dos requisitos da lei que previne o surgimento de disputas judiciais em primeiro lugar ou, caso estas surjam, induz estas a serem solucionadas sem litígios. No limite, tal super-precedente provavelmente nunca será citado em uma opinião de uma corte de apelação, no entanto, terá um significado de precedência mais relevante do que a maioria dos casos citados. Porém, tais casos são provavelmente raros. Se um caso é extremamente específico dificilmente se qualificará como super-precedente; por definição controlará apenas àqueles casos pouco frequentes que apresentarem fatos virtualmente idênticos àqueles do caso original. Se a decisão é altamente generalista e, portanto, mais provável de ser um precedente importante, dificilmente decidirá – de forma tão clara que impessa o surgimento de disputas e litígios – a forma específica das questões apresentadas em casos subsequentes. 32 O controle de constitucionalidade foi estabelecido pela Suprema Corte Norte-Americana e pela primeira vez uma lei do Congresso foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte. Era estabelecida então, em 1803, a doutrina do judicial review. 33 Em 1838 Tompkins ingressou com ação na corte federal de New York em face da Ferrovia Erie por ter sofrido danos físicos ao ser atingido por uma porta de um dos vagões quando andava pela ferrovia da Pennsylvania. Pelos precedentes da Pennsylvania, onde o acidente ocorreu, a ferrovia não devia nada a Tompkins. Não havia lei promulgada sobre o tema. Nas cortes federais a ferrovia deveria ter o dever de cuidado. Portanto, a corte federal concedeu indenização por danos patrimoniais em primeira e segunda instância a Tompkins. Em 1842, a Suprema Corte decidiu que as cortes federais devem apenas levar em consideração a legislação dos estados e, portanto, são livres para ignorar os precedentes das cortes estaduais e para desconsiderar e substituir seus próprios precedentes. Conteúdo retirado do sítio https://www.oyez.org/cases/1900-1940/304us64. Acesso realizado em 22 de fevereiro de 2018. 34 SINCLAIR, Michael. Op. Cit. p. 364. Tradução nossa. 35 Id. Ibid. p. 366. 36 Stare decisis significa literalmente a manutenção e defesa do que já foi decidido. Vide KAUFMANN- KOHLER, Gabrielle. Arbitral Precedent: Dream, Necessity or Excuse? Arbitration International, vol. 23, nº 3, 2007, p. 358. https://www.oyez.org/cases/1900-1940/304us64 12 uniformidade e continuidade para a aplicação do direito. Segundo o autor não haveria isonomia se uma regra fosse aplicada na manhã e não fosse aplicada no período da tarde37. Para o autor, em seu escrito de 1949, stare decisis provê segurança para que os homens consigam negociar e tocar seus negócios com confiança. O stare decisis retira o elemento subjetivo do capricho na aplicação do direito e traz estabilidade para a sociedade. Trata-se de um laço estreito que o futuro possui com o passado. As decisões judiciais nos EUA possuem, no entanto, graus distintos de força como precedente a depender se estas são interpretações da Constituição, leis, ou de outras decisões judiciais (common law). Tal distinção é determinada pelo controle de danos. 1. Decisão constitucional: Como esta decisão somente pode ser modificada através de emenda constitucional, um procedimento tão difícil de ser atingido que se torna praticamente ineficaz, a Corte deve corrigir imediatamente uma interpretação que se provou equivocada. 2. Decisões sobre leis: As decisões sobre a lei infraconstitucional devem ser vistas sob o olhar de uma doutrina dos precedentes mais rigorosa uma vez que a correção de uma lei pelo legislativo é algo simples e imediato de ser realizado. Se o Poder Legislativo não concordar com a interpretação judicial de uma lei este pode simplesmente revisar a lei. Ou seja, o precedente, em regra, não perdurará por muito tempo. 3. Força dos precedentes com relação a outras decisões judiciais: A aderência ao precedente deverá ser determinadapela natureza do comportamento em questão. Ou seja, quando a decisão anterior tiver o objetivo de guiar a sociedade tal decisão deve possuir grande força como procedente. Em contrapartida, quando ninguém busca ou observa a autoridade judicial antes de praticar determinado ato o precedente torna-se fraco e, assim, a adaptação da decisão aos padrões culturais daquele momento torna- se uma tendência38. O stare decisis está em constante conflito com o originalismo como ratio decidendi dos casos de cunho constitucional pelos ministros da Suprema Corte Americana. O originalismo trata-se da interpretação do texto constitucional de acordo com o entendimento dos framers, pais fundadores, ou seja, o constituinte originário que elaborou a constituição daquele país em 1787. O originalismo possui, em teoria, superioridade hermenêutica sobre o stare decisis, ou seja, sobre a solução dos casos de acordo com os julgamentos anteriores das cortes que enfrentaram questão similar (precedentes). De acordo com Glenn Phelps e John Gates39 que realizaram um estudo de análise parágrafo por parágrafo de decisões de um período de dez anos dos Ministros William Rehnquist e William J. Brennan mais de 80% (oitenta por cento) de suas 37 DOUGLAS, William O. Stare Decisis. Columbia Law Review, vol. 49, nº, 1949, p. 736. 38 SINCLAIR, Michael. Op. Cit. p. 368-369. 39 PHELPS, Glenn A.. et. al. The myth of jurisprudence: Interpretative Theory in the Constitutional Opinions of Justices Rehnquist and Brennan. Santa Clara Law Review, vol. 31, nº 3, 1990, p. 589. 13 decisões, ou seja, da U.S. Supreme Court, eram fundamentadas em precedentes. Isso nas decisões majoritárias, ou seja, onde seus votos compõem o entendimento final da corte. Thomas Merrill acrescenta que nenhum ministro da Suprema Corte americana desde John Marshall, que foi ministro de 1801 a 1835 tendo sido o quarto presidente da corte, logrou êxito em redigir opiniões sobre direito constitucional sem dar peso substancial ao precedente40. Merril argumenta que o principal benefício trazido pelo stare decisis é controlar e limitar a interpretação do judiciário que, em regra, não pode simplesmente ignorar os precedentes da corte41. Ou seja, em última análise, o stare decisis gera segurança jurídica e um certo grau de previsibilidade das decisões. Toni Fine argumenta42 que há uma série de características na common law americana que embasam a aplicação do precedente na ratio decidendi dos casos. Segundo a autora os argumentos mais contundentes seriam: (a) equidade, previsibilidade e a integridade do sistema judicial; (b) eficiência para as partes e para o sistema judicial; (c) decisões judiciais bem fundamentadas. Com relação a equidade, previsibilidade e integridade do sistema judicial (a) a autora aponta que na ausência de um guia legislativo seguir princípios estabelecidos em casos similares anteriores gera maior previsibilidade de resultados e torna as decisões mais justas uma vez que os magistrados não racionalizam suas decisões baseados em suas idiossincrasias ou em fatores irrelevantes. Isto, portanto, resulta no desenvolvimento de um conjunto de princípios estável e consistente. A fidelidade ao precedente, ou seja, a prática da política do stare decisis, seria vital para o exercício da função jurisdicional e contribui para a integridade do processo judicial. Toni argumenta que a eficiência judicial (b) significa, para o stare decisis, que as cortes não precisam considerar qualquer princípio com o qual se deparem, mas, simplesmente, que podem consultar os casos anteriormente decididos que envolvam a mesma questão jurídica para utilizarem como guia. A importância deste fator é que as partes se sentem desencorajadas de judicializar uma questão que não possui fundamento nos precedentes, principalmente nos entendimentos bem sedimentados. Portanto, o stare decisis reduz o número de casos judicializados e, portanto, aumenta a eficiência do judiciário. Devido ao stare decisis as decisões judiciais também se tornam bem fundamentas (c). O fato dos magistrados terem conhecimento de que suas decisões serão consultadas futuramente por outras cortes faz com que estes as fundamentem 40 MERRILL, Thomas W. Originalism, Stare Decisis and the Promotion of Judicial Restraint. Constitutional Commentary, vol. 22, nº 2, 2005, p. 272. 41 Id. Ibid. p. 273-274. 42 FINE, Toni Jaeger. Stare Decisis and the binding nature of precedent in the United States of America, in MOURA, Solange Ferreira de. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Coletânea de artigos científicos: celebração ao XIV Intercâmbio dos cursos de Direito da Estácio, Santa Cruz do Sul: Essere nel mondo, 2014, p. 152. 14 com maior zelo. Afinal, as decisões judiciais prolatadas hoje serão os precedentes de amanhã43. Earl Maltz, assim como Toni Fine, também aponta as justificativas mais utilizadas para a defesa do stare decisis: (a) certeza das decisões futuras e dependência nos precedentes; (b) isonomia das decisões; (c) eficiência; (d) a preponderância da justiça e o afastamento da arbitrariedade nas decisões44. Segundo o autor o principal argumento para justificar o stare decisis é a necessidade de certeza na aplicação do direito (a). Ao planejarem suas vidas e seus negócios os cidadãos devem ser capazes de prever as consequências jurídicas de suas ações. Tal previsibilidade só ocorrerá se os magistrados seguirem os precedentes ao elaborarem suas decisões. Segundo o autor, quando uma corte não segue os precedentes com relação a um determinado princípio isto deve ser feito de forma extremamente bem fundamentada uma vez que está frustrando uma expectativa justificada de uma das partes (justificada pois, a parte comportou-se de determinada maneira baseando-se em precedentes que não foram aplicados). Frustrar tal expectativa das partes também gera custo social, no entanto, segundo Maltz, a corte pode reduzir o custo social de não seguir um precedente ao modular temporalmente a decisão, ou seja, aplicá-la com efeito apenas prospectivo. Assim, somente a parte daquele caso fica com a expectativa justificada prejudicada e os valores de certeza e dependência com relação aos precedentes não são afetados de forma significativa. A proposta do stare decisis não seria de manter um precedente considerado injusto intacto, mas sim de tornar a aplicação da nova regra, do novo precedente, prospectiva. Ou seja, tal certeza pode ser mitigada e não pode ser considerada absoluta45. Nos termos postos por Charles Cole46 o uso do precedente vinculante47 nos EUA tanto nas cortes estaduais quanto federais provê a base para os estudantes de direito, advogados, professores de direito, magistrados e legisladores para que consigam prever como uma corte deve decidir em um caso que está sujeito a um precedente estabelecido. O stare decisis gera uma capacidade de previsibilidade (forecasting) das decisões pelos operadores do direito. 43 Id. Ibid. p. 152. 44 MALTZ, Earl. Op. Cit. 1988, pp. 368-372. 45 Id. Ibid. pp. 368-369. 46 COLE, Charles. The reality of binding precedent in America. Revista Nomos, vol. 24, p. 154, 2005. 47 Existe uma distinção entre o precedente vinculante e o precedente meramente persuasivo. Os precedentes vinculantes também denominados de mandatórios ou com autoridade controladora tratam-se de precedentes aos quais a corte deverá seguir obrigatoriamente (Ex: as decisões das cortes de apelação serão vinculantes apenas para esta mesma corte e para as cortes distritais localizadas dentro daquele circuito – existem 94 distritos judiciais federais que estão divididos geograficamente em 12 circuitos, ou seja, em 12 cortes de apelação). Já o precedente persuasivo é um precedente que a corte poderá considerar ou não uma vez que não há um precedente para o caso promulgado pela autoridade controladora. Seguir ou não um precedente persuasivo é ato discricionário dacorte. O que define se um precedente é persuasivo ou mandatório é a relação entre a corte ou cortes que o promulgaram a decisão e a corte que está julgando, naquele momento, caso similar. FINE, Toni Jaeger. Op. Cit. p. 154. 15 A isonomia das decisões (b) também é, segundo o autor, um fundamento de defesa comum do stare decisis uma vez que, assim, haveria garantia de tratamento isonômico para litigantes em situação equivalente à dos precedentes. No entanto, Maltz ressalta um problema que deve ser levado em consideração qual seja a definição dos tipos de isonomia que são relevantes para o sistema de precedentes. Para ele, desde que a decisão que estabelece uma nova regra não seja aplicada de forma retroativa, ou seja, apenas de forma prospectiva a isonomia que se deseja no sistema de precedentes seria preservada. A eficiência judicial (c) seria também um fundamento bastante utilizado para a defesa do stare decisis. No entanto, para Maltz o stare decisis não envolve apenas a aplicação pelos magistrados dos precedentes, mas também envolve a análise de não aplicação ou de supressão de determinado precedente, argumento comum utilizado pelos advogados daquele país. Portanto, o argumento da eficiência considerado isoladamente não seria o suficiente para justificar a preponderância do stare decisis uma vez que este traz a proposição de que seria melhor decidir de forma rápida e eficiente do que decidir corretamente. Ou seja, apesar da promoção da eficiência judicial ser uma das vantagens do sistema de precedentes, este fator não pode ser considerado isoladamente. Para o autor a doutrina do stare decisis reforça o argumento de que as regras não podem ser a mera opinião de um pequeno grupo de pessoas que ocupa temporáriamente um gabinete48, devido a isto, o sistema de precedentes favorece a justiça e evita o arbítrio das decisões (d). Em primeiro lugar porque o sistema promove a certeza e a imparcialidade ao prover uma fonte neutra de autoridade para as quais os magistrados podem recorrer para justificar suas decisões. Em segundo lugar, a influência dos precedentes funciona para limitar o impacto real que cada magistrado possui na formatação da lei e do sistema jurídico. A sociedade espera que os magistrados sejam pesquisadores de regras e não elaboradores das mesmas. Como membros da sociedade, os magistrados americanos, em regra, internalizaram tal visão uma vez que também tiveram treinamento na advocacia e foram advogados o que reforça esta percepção deste papel da magistratura. Assim, uma vez que os juízes acreditam que as novas regras devem ser elaboradas apenas em referência aos princípios imparciais gerados pelos precedentes tais princípios passam a ter forte influência no processo decisório. Maltz aponta que o padrão geral da aplicação dos precedentes é de que as decisões atuais refletem um blend dos valores tanto dos magistrados do passado quanto dos magistrados do presente o que, por sua vez, deixa espaço para a continuidade das regras estabelecidas e ao mesmo tempo para a mudança se necessário49. 48 Id. Ibid. p. 371. 49 Id. Ibid. p. 372. 16 Segundo Toni Fine o stare decisis representa três princípios: 1. as cortes devem seguir decisões anteriores; 2. As cortes geralmente seguem seus precedentes apesar de poderem aplicar o overruling e overriding; 3. Na ausência de precedente a corte pode consultar outra autoridade judicial não-vinculante, o precedente persuasivo50. Toni Fine acrescenta que a prática do stare decisis é mais arte do que ciência uma vez que a aplicação da mesma em um caso particular dependerá de uma série de considerações. Ou seja, antes de considerarmos um precedente vinculante devemos verificar a similaridade da questão jurídica apresentada, a relação entre a corte que decidiu o caso anterior com a corte que agora enfrenta o caso e o que qual seria de fato o trecho vinculante da decisão anterior, a ratio decidendi51. Em suma, a aplicação do princípio do stare decisis não retira a discricionariedade do processo decisório do magistrado. Trata-se de um princípio flexível que, no entanto, gera um grau de previsibilidade (forecasting) razoável para a sociedade. No entanto, como vimos, trata-se de uma doutrina imprecisa. Imprecisa principalmente porque o escopo dos precedentes, por vezes, não é bem definido, portanto, restringir a aplicação daquele precedente ou aplicá-lo de forma extensiva gera distorções. Thomas Jefferson escreveu uma carta em 1816 para Samuel Kercheval (advogado e escritor do estado de Virginia) que exemplifica bem como deve ser aplicado o stare decisis fazendo uma crítica a interpretação originalista da Constituição Federal afirmando que quarenta anos de experiência de governo deveriam ser levados em consideração na interpretação e atualização jurisprudencial do texto Constitucional pela Suprema Corte daquele país52. 50 Vide FINE, Toni Jaeger. Op. Cit. p. 153. Tradução nossa. Na minha visão, stare decisis representa três princípios distintos e interrelacionados os quais nos conduzem ao questionamento de até que ponto as cortes devem seguir os princípios de direito estabelecidos pelas opiniões judiciais anteriores. Em primeiro lugar, os princípios do stare decisis ditam que as cortes, às vezes, vinculem-se, ou que devem seguir, decisões prolatadas em casos anteriores. Em segundo lugar, as cortes geralmente seguem seus próprios precedentes apesar de haver mecanismos que as possibilita não o fazerem. Em terceiro lugar, os princípios do stare decisis geralmente ditam que na ausência de uma autoridade obrigatória de ser seguida a corte pode consultar outra autoridade judicial não-vinculante. 51 Vide FINE, Toni Jaeger. Op. Cit. p. 154. Tradução nossa. 1. A similaridade com a questão jurídica apresentada; 2. A relação entre a corte que decidiu o caso anterior e a corte que agora julga questão similar; 3. O escopo da fundamentação do precedente que inclui duas perguntas: (a) a similaridade dos fatos apresentados; e (b) Se o princípio jurídico pelo qual o caso anterior é citado como precedente era obiter dictum em oposição a parte substancial da fundamentação da corte. 52 Vide DOUGLAS, William O. Op. Cit. pp. 754-755. Alguns homens olham as constituições com reverência sagrada e as consideram como a arca da aliança, demasiadamente sagrada para ser tocada. Descrevem os homens da era anterior como se tivessem sabedoria sobre-humana e supõem que o que estes realizaram está além das emendas. Eu conheci tal era bem; Eu pertenci a tal era e trabalhei nela. Ela fez jus a seu país. Era bem parecida como o presente, porém sem a experiência do presente; e quarenta anos de experiência no governo vale um século de leitura de livros; isto eles mesmos diriam se se levantassem dos mortos. 17 2.3. O precedente no Brasil e o Novo CPC No Brasil a discussão sobre o precedente e o respeito aos mesmos pelas cortes pátrias ganhou especial relevância com o advento do Novo CPC e o art. 489, §1º, VI, segundo o qual não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, inclusive interlocutória, que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Como vimos no ponto anterior o precedente para o sistema norte-americano e para o magistrado é preponderante e de grande relevância para o julgamento do caso concreto. No Brasil, onde prepondera o sistema da civil law, a ênfase está na lei e não na jurisprudência anterior. No entanto, os sistemas jurídicos americano (common law) e brasileiro (civil law) estão em constante aproximação. Leis escritas começaram a ser promulgadas com maior frequência pela common law e o precedente ganha cada vez mais importância na civil law. Ocorre a chamada interferência horizontal entre os sistemas, ou seja, a imitação de um sistema oumodelo por parte de outros sistemas mesmo que suas origens históricas e linhas evolutivas sejam distintas. No entanto, segundo Alexandre Freitas Câmara não há que se falar na adoção de um sistema misto, principalmente no caso brasileiro53. O argumento supra é ratificado ao observarmos o art. 927 do Novo CPC que trata especificamente dos precedentes vinculantes, que devem necessariamente ser observados pelas cortes. São estes: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Nos estes foram postos no patamar de precedentes vinculantes. O próprio código traz a importância e a razão para que os tribunais sigam o precedente em nosso país no art. 926 do Novo CPC ao enunciar: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Uma das teorias mais conhecidas sobre o impacto do precedente é a teoria de Ronald Dworkin sobre o romance em cadeia. O magistrado, para o autor, antes de decidir deve se debruçar sobre todas as decisões sobre casos similares do passado para, somente após, prolatar sua decisão. Ou seja, deve considerar sua decisão como um 53 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os Padrões Decisórios a Sério: Formação e Aplicação de Precedentes e Enunciados de Súmula. São Paulo: Editora Atlas, p. 59. 18 novo capítulo de um romance, que somente fará sentido se guardar coerência com os capítulos anteriores54. Em suma, trata-se da concepção de direito como integridade expressa no art. 926 do Novo CPC quando este aborda a uniformização de jurisprudência como íntegra e coerente55.Sem sombras de dúvida a doutrina do precedente no Brasil sofreu influência direta da doutrina norte-americana. Para Daniel Mitidiero o art. 926 do Novo CPC institui claramente o que a doutrina denomina de stare decisis horizontal, ou seja, o legislador estabeleceu neste dispositivo legal que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça respeitem os próprios precedente além de estabelecer que os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça respeitem sua própria jurisprudência formada através dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de compentência. segundo o autor56. A citação acima trata da classificação do precedente quanto à sua origem. É vertical quando teve origem nos tribunais superiores e horizontal quando possui origem no próprio tribunal. O Novo CPC, no entanto, também prevê a possibilidade de o magistrado não seguir o precedente a partir das técnicas do overruling (precedente substituído por outro) e overriding (reforma parcial do precedente) nos termos do art. 927 § 2º, 3º e 4º. Para Eduardo Cambi o Novo CPC reforça a ideia de Dworkin de direito como integridade ao se preocupar com a racionalização e coerência da prestação jurisdicional57. 54 Vide DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 238. Ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então. 55 Vide DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 286. O direito como integridade (...) pede ao juiz que se considere como um autor na cadeia do direito consuetudinário. Ele sabe que outros juízes decidiram casos que, apesar de não exatamente iguais ao seu, tratam de problemas afins; deve considerar as decisões deles como parte de uma longa história que ele tem de interpretar e continuar, de acordo com suas opiniões sobre o melhor andamento a ser dado à história em questão. (Sem dúvida, para ele a melhor história será a melhor do ponto de vista da moral política, e não da estética.) (...) O veredito do juiz – suas conclusões pós-interpretativas – deve ser extraído de uma interpretação que ao mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique, até onde isso seja possível. 56 Vide MITIDIERO, Daniel. Precedentes, Jurisprudência e Súmulas no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista dos Tribunais, vol. 245, 2015, p. 336. Ao dizer expressamente que há dever de outorgar unidade ao direito e de fazê-lo seguro – o que implica torná-lo cognoscível, estável e confiável – o legislador obviamente determinou ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça respeito aos próprios precedentes, além de ter determinado aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça respeito à própria jurisprudência formada a partir dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência Isso porque a primeira condição para que exista um sistema de precedentes e de compatibilização vertical das decisões judiciais é o respeito por parte das Cortes Supremas aos seus próprios precedentes. Do ponto de vista da administração da Justiça Civil, não é possível respeitar quem não se respeita. 57 Vide CAMBI, Eduardo. Precedentes e dever de motivação das decisões judiciais no novo Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais, vol. 241, 2015, p. 426. O Novo CPC está preocupado com a 19 Para Dworkin o precedente deve limitar a discricionariedade dos magistrados na análise de casos subsequentes e o precedente, por vezes, pode esbarrar na necessidade do julgador de prolatar a decisão que julga mais correta naquele momento58. Em suma, a metáfora do romance em cadeia (chain novel) de Dworkin possui implicações concretas no mundo real. A principal pergunta que se deve fazer ao observarmos o art. 489, §1º, VI do Novo CPC é: o que seria a fundamentação da decisão judicial com base nos precedentes? O magistrado, a nosso ver, deverá sempre justificar o uso de um precedente e o não uso de outro (realizar o distinguishing). O precedente, com o advento do Novo CPC, torna-se uma regra do qual a fundamentação nos precedentes torna-se um princípio. Os precedentes de casos similares são regras as quais os magistrados deverão seguir e caso não considerem pertinentes deverão aplicar o distinguishing (overruling e overriding) enunciados pelo próprio código no art. 927 § 2º, 3º e 4º. Por obviedade, ao não seguir um precedente, assim como no direito americano, o magistrado terá um ônus argumentativo maior uma vez que estará rompendo com o romance em cadeia. Humberto Dalla considera, com relação aos mecanismos processuais destinados à formação dos precedentes trazidos pelo Novo CPC, que tal previsão não se restringe ao artigo 927. Para o autor, há um rol de dispositivos que formam um multiverso de precedentes. Ou seja, vários universos que seriam aplicados a determinadas situações do processo sendo as hipóteses alargadas ou encurtadas com as peculiaridades de cada caso. Tal multiverso seria composto pelos seguintes dispositivos do código: 927; 311, II; 496 § 4º; 521, IV. Em suma, o microssistema de formação de precedentes no Novo CPC seria composto pelas normas gerais dos artigos 926 a 928 e pelas disposições esparsas supramencionadas59. Portanto, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que com o advento do Novo CPC, o direito processual brasileiro se aproximou muito do stare decisis americano. Felizmente, com os sistemas informatizados, o constante estabelecimento de súmulas e a disseminação da cultura dos precedentes por advogados, acadêmicos e magistrados racionalização da prestação jurisdicional, apostandona criação de um sistema de precedentes, aliado à estabilização da jurisprudência e do respeito estrito ao dever constitucional de motivação das decisões judiciais (...) A aprovação da nova legislação processual representa uma virada paradigmática em prol do aperfeiçoamento da integridade decisória, que exigirá, para além da compreensão dos comandos legais, a disposição de enfrentar práticas jurisdicionais marcadas por pseudofundamentações, as quais revelam o arbítrio estatal e negam a dimensão civilizatória do processo civil. 58 LINDQUIST, Stefanie A. et al. Testing Dworking’s Chain Novel Theory: Studying the Path of Precedent. New York University Law Review, Vol. 80, 2005, p. 1168. 59 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e Pacificação: limites e possibilidades do uso dos meios consensuais de resolução de conflitos na tutela dos direitos transindividuais e pluri-individuais. Curitiba: Editora CRV, 2017, pp. 208-209. 20 fará com que o instituto seja cada vez mais observado e com que o art. 489, §1º, VI ganhe cada vez mais eficácia. Neste momento, utilizando o termo aplicado por Robert Alexy para a distinção entre princípios e regras, os precedentes, no direito brasileiro são mandados de otimização60, ou seja, estão mais para princípios do que regras, pois o magistrado deve aplicá-los e seguí-los com a maior intensidade possível. No entanto, os advogados, que sempre citaram os precedentes favoráveis a seus clientes e sem ter a certeza de que seriam seguidos pelo julgador, ainda observam o instituto com incredulidade. Caberá à jurisprudência provar o contrário. No entanto, faz-se necessário trazer outro questionamento com relação ao precedente e ao Novo CPC: que precedentes devem ser considerados como capítulos anteriores desse romance? E quando não conseguirmos estabelecer uma sequência necessária de precedentes que sejam fortes o suficiente para o estabelecimento de uma ratio decidendi robusta? Guilherme Marinoni discute a questão ao abordar o incidente de resolução de demanda repetitiva. Afirma que tal incidente possui o condão de regular casos relacionados a litígio específico. Já o sistema de precedente possui o objetivo de conceder força normativa a ratio decidendi das Cortes Superiores. Ou seja, os precedentes formados em recursos extraordinários e especial repetitivos constituem rationes decidendi elaboradas pelas Cortes Supremas. O incidente de resolução de demanda repetitiva, por sua vez, apenas resolve casos idênticos oriundos de recursos em massa e não deve ser visto como precedente que atribui sentido e racionalidade ao direito, ou seja, sequência racional ao romance em cadeia61. Humberto Theodoro Jr. afirma que o que concede o caráter vinculante aos precedentes de julgados em recurso extraordinário repetitivo não seria o caráter repetitivo e sim a função institucional do STF de guardião da Constituição que, devido ao art. 102, III, julga as causas que em decisão de última ou única instância tenham contrariado dispositivo constitucional e dá sentido às normas constitutioncias em caráter final. Portanto, em prol da segurança jurídica e por ser a única corte essencialmente constitucional que ocorreria a erupção da força vinculante62. Em suma, os precedentes e sua aplicação neste momento ainda podem ser considerados mandados de otimização muito também pelas incertezas interpretativas 60 Vide ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 1997, p. 162. Tradução nossa. (...) o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são mandados de otimização enquanto que as regras têm o caráter de mandados definitivos. E como mandados de otimização os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas. Isto significa que podem ser satisfeitos em diferentes graus e que a medida da sua satisfação depende não apenas das possibilidades fáticas mas também das jurídicas, que estão determinadas não apenas por regras, mas também por princípios opostos. 61 MARINONI, Luiz Guilherme. O problema do incidente de resolução de demandas repetitivas e dos recursos extraordinário e especial repetitivo. Revista de Processo, vol. 249, 2015, p. 413. 62 THEORODO Jr. Humberto. Jurisprudência e precedentes vinculantes no novo Código de Processo Civil – Demandas repetitivas. Revista de Processo, vo. 255, 2016, p. 370. 21 trazidas pelo novo ordenamento processual que traz em seu bojo muitas lacunas. Antes de tudo padrões para a definição de precedente vinculante devem ser estabelecidos. Como vimos, o incidente de resolução de demanda repetitiva, na opinião de Marinoni somente decidi demandas idênticas, porém não cria precedente vinculante. Acreditamos que, sob o pálio do Novo CPC, que tais padrões serão criados pela própria jurisprudência e que com a demonstração de coerência e integridade do direito cada vez maior por parte dos tribunais acreditamos que os precedentes se aproximarão da concepção de Alexy de regras como mandados definitivos. Outra questão que enfrentaremos no próximo capítulo é a observância do precedente judicial pelo árbitro e se este possuiria legitimidade para a criação de precedentes arbitrais vinculantes. 22 3. Arbitragem e o precedente 3.1. Nos EUA Seria a arbitragem um julgamento realizado meramente por equidade? Ou seja, o árbitro buscaria apenas a melhor solução para o caso utilizando seu sentimento de justiça e decidindo a partir deste? Por obviedade, como vimos, no primeiro capítulo deste trabalho, ao analisarmos o histórico da arbitragem concluímos que esta preexiste aos sistemas jurídicos e, devido a isto, os julgamentos eram realizados através da história por equidade. Seria a arbitragem um julgamento que desconsidera a lei e, portanto, o precedente, objeto deste trabalho? Heinrich Kronstein em seu escrito de 1944 intitulado Business Arbitration: Instrument of Private Government faz uma comparação entre arbitragem e equidade afirmando que os dois institutos influenciaram enormemente os sistemas jurídicos e, no entanto, possuem grande distanciamento63. Para Kronstein, nos EUA de 1944, a arbitragem era instrumento de cartelização e de associações de comércio que buscavam monopólio e, portanto, seria incompatível com os conceitos gerais do direito positivo e com a Constituição americana. Para o autor as deficiências do processo judicial contribuíram para o sucesso do desenvolvimento da arbitragem e de seus julgados realizados fora da moldura legal64. O autor crê que se as cortes judiciais abdicarem de seus poderes em favor de tribunais privados que servem, segundo ele, interesses privados não seria possível a manutenção de nenhuma política ou ordem legalmente estabelecida tal como uma ordem de livre-concorrência protegida por uma legislação antitrust65. Esta corrente defende que o julgamento realizado na arbitragem seria um julgamento sem lei (lawless), no entanto, na realidade, existem vários sentidos para o significado de sem lei. Christopher Drahozal estabelece três significados para o termo lawless (sem lei) na arbitragem: 1. Os árbitros não seriam obrigados a seguir a lei; 2. As partes optam pela arbitragem justamente para evitar a aplicação de determinadas 63 Vide KRONSTEIN, Heinrich. Business Arbitration, Instrument of Private Government. The Yale Law Journal, vol. 54, nº 1, 1944, p. 66. Tradução nossa. Nenhuma teoria que defende a arbitragem organizada consegue esconder a ausência de lei desta forma de governo privado. Equidade, por outro lado, originalmente inspirada pela igreja, fortaleceu o processo judicial aproximando-o às demandas da justiça natural. O direito e a equidade juntos, sob o controle de pessoas dedicadas a servir o estado, tornaram-se elementos de coordenação social; arbitragem organizada, não servindo a ‘justiça social’, tornou-seum elemento de dissolução. Defensores da arbitragem argumentam, no entanto, que a justiça social pode ser atendida através de grupos organizados e tribunais citando como exemplos os tribunais das cidades e feudais da Idade Média. Porem, tal defesa aparenta ignorar o fato de que na hierarquia medieval das organizações o dever e a obrigação tinham papel predominante, as camadas menos favorecidas da sociedade aderiam as camadas mais favorecidas e ambas dedicavam obediência suprema ao soberano. Em contrapartida, os expoentes da arbitragem moderna estão atrelados apenas aos interesses comuns do comércio e se suas políticas forem consistentes com os ideias sociais e políticos de uma nação será mais provavelmente o resultado de um acidente do que de seu design. 64 Id. Ibid. p. 69. 65 KRONSTEIN, Heinrich. Arbitration is Power. New York University Law Review, vol. 38, 1963, pp. 699- 700. 23 normas desfavoráveis a seus interesses (auto-desregulação); 3. A arbitragem impede a criação de precedentes pelas cortes66. Em pesquisa realizada por Dean Thompson e publicada em 1994 relacionada sobre a arbitragem nos contratos da construção civil o autor realizou questionário bem interessante cujos os respondentes eram os próprios árbitros. Dois questionamentos feitos aos árbitros merecem nossa atenção: 1. Você sempre segue a lei ao elaborar a convenção arbitral?67 2. Você considera que as sentenças arbitrais devem possuir impacto de precedente em arbitragens futuras similares? Para a primeira pergunta 72% (149) responderam que sim, seguem a lei ao elaborarem as convenções arbitrais; 20% (42) responderam que não e 8% (16) não responderam. Para a segunda pergunta 14% (30) respoderam que sim, que as decisões arbitrais devem ser consideradas precedentes para casos similares futuros, 80% (166) responderam que não e 5% (11) não responderam68. Christopher Drahozal não logra êxito em confirmar a tese de que a arbitragem seria uma forma de auto-desregulação (self-deregulation), ou seja, uma forma de solução de conflitos escolhida pelas partes justamente devido ao fato dos árbitros poderem/ignorarem os precedentes judiciais69. Em suma, não podemos comprovar o fato de que as partes optam pela arbitragem por acreditarem que a decisão arbitragem será mais por equidade e menos 66 Vide DRAHOZAL, Christopher R. Is Arbitration Lawless. Loyola of Los Angeles Law Review, vol. 40, 2006, pp. 189-190. O significado mais comum é simplesmente o fato dos árbitros não serem obrigados a seguirem a lei ao elaborarem as convenções arbitrais. As Cortes judiciais afirmam regularmente que os árbitros precisam seguir a lei e os especialistas descrevem o processo arbitral (ao menos nos EUA) como um processo que envolve decisões baseadas na equidade e não na obrigação legal. Um segundo significado é relativo às partes que incluem a cláusula compromissória em seus contratos com consumidores e empregados para evitar a aplicação das leis que protegem os mesmos. Uma vez que os árbitros não precisam seguir a lei, as empresas conseguem evitar a aplicação das leis protetoras de consumidores e trabalhadores (é a auto-desregulação) tendo as disputas solucionadas pela arbitragem ao invés do judiciário. Um terceiro significado é o de que a arbitragem impede a criação de lei, ou seja, precedentes, pelas cortes. Quando as disputas são arbitradas e não litigadas o resultado poderá ser incoerente e será confidencial ao contrário das opiniões públicas das Cortes judiciais que se tornam precedentes 67 THOMSON, Dean B. Arbitration Theory and Practice: A Survey of AAA Construction Arbitrators. Hofstra Law Review, vol. 23, nº 1, 1994, p. 154. 68 Id. Ibid. p. 170. 69 Vide DRAHOZAL, Christopher R. Op. Cit. pp. 204-205. A evidência de que as empresas utilizam a arbitragem para evitarem a aplicação de regras mandatórias não é robusta. Em uma pesquisa de 1997 do conselho geral ou dos diretores jurídicos das empresas da Fortune 1000, 36.9% dos respondentes concordaram que suas empresas utilizavam a arbitragem porque esta evitava/anulava os precedentes judiciais. Ao passo que 48.6% dos respondentes citaram o fato de que a arbitragem não estaria confinada às regras legais como barreira para seu uso. A maior parte dos executivos das empresas de construção civil responderam uma pesquisa realizada por Murray S. Levin e Doug Joyce afirmando acreditar que os árbitros favoreciam soluções por equidade em contraposição às decisões baseadas na lei. Apenas 7% discordavam com a afirmação de que os árbitros estão mais preocupados em atingirem resultados por equidade do que em aderência estrita à lei, enquanto apenas 17% concordou que o fato dos árbitros não aderirem de forma estrita à lei afeta negativamente a justiça da decisão arbitral. Em comparação, em uma pesquisa com advogados transacionais realizada por Celeste Hammons, quase 70% dos respondentes possuíam a expectativa que o árbitro fosse aplicar a lei na disputa. Os estudos encontram-se misturados, porém, demonstram uma percepção de algumas partes de que a arbitragem nem sempre segue a lei. No entanto, o que quer que seja que os estudos sugerem sobre a percepção das partes estes, por fim, nos dão pouca evidência da frequencia em que as partes procuram a arbitragem por estes motivos. 24 seguidora das regras e precedentes estabelecidos pelas cortes. No entanto, é um fator que não deve ser ignorado. Drahozal conclui, nesse sentido, que a atitute dos árbitros ao seguirem ou não a lei não difere da postura dos magistrados que ao aplicarem o stare decisis praticam com frequencia o overruling e o overriding quando falamos de precedentes. Para Mark Weidemaier a comparação entre o árbitro e o magistrado é tarefa difícil de ser realizada. No entanto, em sua pesquisa, Weidemaier atingiu a conclusão de que os magistrados citam um número maior de precedentes e precedentes mais específicos do que os árbitros. As citações de precedentes dos magistrados também tendem a possuir uma variedade maior70. O autor assevera em seu escrito que existe um problema fundamental na comparação entre os árbitros e os magistrados: o procedimento é distinto, portanto, qualquer tentativa de comparação torna-se eivada de imperfeições. Muitos dos procedimentos que ocorrem no processo convencional não ocorrem na arbitragem tanto no Brasil como nos EUA. Mesmo que os magistrados e os árbitros julguem casos similares é difícil considerar que foi realizado o mesmo tipo de trabalho na sentença arbitral e na sentença judicial71. No entanto, cabe mencionar que autor denomina o árbitro de judge-lite, ou seja, um juiz que considera sim o precedente judicial em alguma medida, porém em medida menor que o magistrado. Weidemaier prega um diálogo maior entre árbitros e o judiciário. Por definição as sentenças arbitrais são produto de um mercado de serviços para a solução de disputas. Portanto, torna-se razoável supor que os árbitros bem-sucedidos solucionaram as questões legais de maneira que os atores do mercado consideram satisfatória72. Sendo assim, suas decisões podem sim influenciar de maneira positiva as decisões judiciais em certo caso e, poderiam servir como precedentes (se não fossem confidenciais). Até porque, como ressalta, o autor, judging-lite, ou seja, arbitrar, também é uma forma de produção de decisões e precedentes. Em regra, os autores tendem a tratar o tema do uso dos precedentes na arbitragem abordando diferentes áreas: (1) arbitragem comercial internacional; (2) arbitragem desportiva; (3) arbitragem trabalhista; (4) arbitragem de investimentos internacionais; entre outras... Gabrielle Kaufmann-Kohler trata de distinções entre três campos da arbitragem: a arbitragem comercial internacional; a arbitragem desportiva; e a arbitragem de investimentos internacionais. Na arbitragem comercial internacional, baseando-se em pesquisas empíricas, tanto na Vienna Sales Convention (CISG) quanto na International
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