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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS AGROVETERINÁRIAS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA FLORESTAL APOSTILA DIDÁTICA ARBORIZAÇÃO URBANA Dr.ª Maria Raquel Kanieski 1ª Edição 2018 Kanieski (2018) 1 Arborização Urbana – Apostila didática Apresentação Esta apostila é direcionada prioritariamente como material didático para os alunos de Graduação em Engenharia Florestal. Dr.ª Maria Raquel Kanieski – Professora do Departamento de Engenharia Florestal e do Programa de Pós-graduação em Engenharia Florestal da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Graduada em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (2008), com mestrado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (2010) e Doutorado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (2013). Atua principalmente nas áreas de Restauração Florestal, Silvicultura Urbana, Sistemas Agroflorestais e Avaliação de Impactos Ambientais. Kanieski (2018) 2 Arborização Urbana Kanieski (2018) 3 Arborização Urbana Índice 1 Introdução ............................................................................................................... 5 2 Benefícios da Arborização Urbana .................................................................... 7 3 Fatores Negativos para o Desenvolvimento das Árvores no Ambiente Urbano ..................................................................................................................... 12 4 Classificação da Vegetação Urbana ................................................................... 13 5 Legislação para Arborização Urbana ................................................................ 17 6 Planejamento Global da Arborização Urbana ................................................ 26 7 Planejamento Local da Arborização Urbana .................................................. 40 8 Avaliação de Árvores Urbanas ........................................................................... 47 9 Espécies Arbóreas para Arborização Urbana ................................................. 52 10 Cuidados na Implantação da Arborização ....................................................... 67 11 Princípios da Poda ................................................................................................ 75 12 Instrução para Poda de Árvores com base na NBR16246-1 – Florestas urbanas - Manejo de árvores, arbustos e outras plantas lenhosas ............ 80 13 Projeto de Arborização ........................................................................................ 87 14 Gerenciamento da Arborização Urbana .......................................................... 88 15 Considerações Finais ............................................................................................ 91 Referências .......................................................................................................................... 93 ANEXO A – Planilha de campo para avaliação de árvores urbanas ..................... 97 Kanieski (2018) 4 Arborização Urbana Kanieski (2018) 5 Arborização Urbana 1 Introdução A fixação de residência no meio urbano pelo meio rural ainda vem aumentando, sendo que dois terços da população já estão vivendo nas cidades. Esse ambiente urbano mostra-se muitas vezes hostil em termo de paisagem para a maioria da população, com um contraste muito grande com ambiente rural (PAIVA e GONÇALVES, 2002). As cidades foram crescendo, na maioria das vezes de forma muito rápida e desordenada, sem um planejamento adequado de ocupação, provocando vários problemas que interferem fortemente na qualidade de vida do homem que vive na cidade (PIVETTA e SILVA FILHO, 2002). O surgimento da luz elétrica e a expansão da oferta dos serviços de abastecimento de água, coleta de esgoto e telecomunicações trouxeram para as cidades um complexo sistema de cabos, galerias e dutos que tomam conta do ar e do subsolo. A rede aérea de energia passou a interferir de forma decisiva no plano de arborização da cidade (MILANO e DALCIN, 2000). Na sequência, com o advento da era “desenvolvimentista” e da explosão imobiliária na década de 60 houve a perda dos jardins privados e a impermeabilização do solo e o patrimônio das áreas verdes das cidades ficaram cada vez mais restritos à arborização de ruas, praças, parques e maciços florestais (MILANO e DALCIN, 2000). A escassez de áreas verdes associada à instabilidade climática e à poluição, afeta não somente os recursos naturais, mas as pessoas, provocando distúrbios biológicos e até mesmo psicológicos (PANASOLO, PETERS e NUNES, 2016). A vegetação, pelos vários benefícios que pode proporcionar ao meio urbano, tem um papel muito importante no restabelecimento da relação entre o homem e o meio natural (PIVETTA e SILVA FILHO, 2002). Dentro dessa caracterização é que surge a necessidade de se criar cada vez mais áreas verdes dentro das cidades, para uma melhoria do conforto e qualidade de vida da população. Arborização urbana ou silvicultura urbana é a arte ou ciência que estuda a implantação de espécies arbóreas nos meios urbanos e seus benefícios. Os objetivos da silvicultura urbana são o cultivo e o manejo de árvores para a contribuição atual e potencial ao bem-estar fisiológico, social e econômico da sociedade urbana (COUTO, 1994). Kanieski (2018) 6 Arborização Urbana As florestas urbanas são as formações florestais advindas da arborização urbana, podendo também ser definidas como a soma de toda a vegetação lenhosa que circunda e envolve os aglomerados urbanos desde pequenas comunidades rurais até grandes regiões metropolitanas (MILLER, 1997) ou como os ecossistemas compostos pela interação entre sistemas naturais e sistemas antropogênicos (NOWAK et al., 2001). Esta apostila didática serve prioritariamente como base para a disciplina de Arborização Urbana, fornecendo informações desde os benefícios, problemas, planejamento e gerenciamento da arborização urbana, construída a partir de compilação de material bibliográfico e experiência profissional e acadêmica da autora. Kanieski (2018) 7 Arborização Urbana 2 Benefícios da Arborização Urbana A vegetação urbana desempenha funções muito importantes nas cidades. As árvores, por suas características naturais, proporcionam muitas vantagens ao homem que vive na cidade, sob vários aspectos: 2.1 Importância Ecológica Nas cidades, dificilmente pode-se chegar às condições de um ecossistema natural, mas a arborização urbana pode melhorar: Microclima: As árvores podem ocasionar a diminuição da temperatura ambiente devido ao aumento do sombreamento. Árvores de copa rala interceptam de 60 a 80% da radiação solar, enquanto que árvores de copa mais espessa e densa interceptam até 98% da radiação solar direta (HEISLER, 1974). Além disso, as superfícies orgânicas irradiam menos calor que as superfícies inorgânicas. As cidades no verão chegam a ter temperaturas de até 5oC maiores que às do campo. Também há uma diferenciação em relação aos elementos que constituem a paisagem urbana, assim grama, asfalto, cimento, entre outros, apresentam diferentes temperaturas conforme estejam expostos ao sol ou à sombra (Figura 1) (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Figura 1. Diferentes temperaturas conforme a exposição Fonte: Paiva e Gonçalves (2002) Kanieski (2018) 8 Arborização Urbana Com a presença de árvores,ocorre também o aumento da evapotranspiração (a evapotranspiração torna o ar mais úmido, resfriando o ambiente), sendo que uma árvore isolada pode transpirar 400 litros de água por dia, quando suprida com água suficiente no solo (PAIVA e GONÇALVES, 2002). De acordo com Oke (1973), um índice de cobertura vegetal de 30% é o recomendável para proporcionar um adequado balanço térmico em áreas urbanas, sendo que áreas com índice de arborização inferior a 5%, determinam características próximas de um deserto. Uma boa distribuição das áreas verdes nas cidades pode contribuir bastante também com a melhor circulação do ar. Há um movimento natural do ar das áreas marginais (normalmente com vegetação) para as zonas centrais das cidades. O conhecimento das direções predominantes do vento pode induzir a que se arranjem as áreas verdes radialmente em relação ao centro da cidade, favorecendo a criação de uma corrente de ar limpo e frio (Figura 2). Figura 2. Exemplo de planejamento urbano favorecendo a circulação de ar Fonte: Paiva e Gonçalves (2002) A mudança no microclima está mais relacionada com a proporção de área construída para área vegetada do que com a vegetação em si, principalmente em relação à temperatura, ou seja, importa mais a densidade, do que o vegetal isolado (PAIVA E GONÇALVES, 2002). Kanieski (2018) 9 Arborização Urbana Efeitos na poluição A presença de árvores no ambiente urbano auxilia na diminuição da poluição visual, pela melhora na estética das cidades; diminuição da poluição sonora, pois as folhas retêm parte do som, impedindo que este se propague por meio da reflexão nas paredes dos prédios e casas e diminuição da poluição hídrica, pois a água absorvida pelos solos é filtrada por este (PAIVA e GONÇALVES, 2002). As árvores também auxiliam na diminuição da poluição do ar por meio da absorção de parte do CO2 emitido na atmosfera, pela fotossíntese. No entanto, as áreas verdes das cidades não podem absorver tanto CO2 depositado na atmosfera pelas pessoas e automóveis: 1.200 m2 de bosque só podem absorver o CO2 da produção de quatro pessoas. A maior importância das áreas verdes no controle da poluição está na retenção de partículas de poeiras e de gases tóxicos, sendo retém até 80% das partículas inaláveis emitidas por motores a diesel, além da liberação de oxigênio no ar (que também não é relevante, visto que 88% do O2 produzido no planeta provêm do mar) (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Segundo Bernatzky (1980), os parques podem reter até 85% das partículas em suspensão, enquanto que ruas bem arborizadas retêm até 70% da poeira. Uma barreira de 30 m de espessura de árvores colocada entre uma área industrial e uma área residencial promove interceptação total das poeiras e redução dos poluentes gasosos, sendo que, uma única linha de árvores pode reduzir em 25% a concentração de materiais particulados (SATTLER, 1992). Há também ação purificadora do ar por depuração bacteriana e outros microorganismos. Lapoix (1979) quantificou a presença de 50 germes/m3 de ar na Floresta de Fontainnebleau (França) e 4.000.000 germes/m3 de ar em uma loja parisiense. Solos A existência de cobertura vegetal aumenta a permeabilidade do solo, pois as raízes permitem melhora na estrutura dos solos, as copas das árvores permitem que a água caia devagar neste, facilitando a sua absorção e a vegetação (juntamente com a Kanieski (2018) 10 Arborização Urbana matéria orgânica) elevam a porosidade do solo, aumentando também sua capacidade de absorver água (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Com o aumento da permeabilidade também há uma redução da erosão do solo e a menor temperatura do solo ocasionada pelo sombreamento da copa das árvores e serapilheira ocasiona aumento da sobrevivência dos microorganismos no solo, auxiliando na decomposição da matéria orgânica e melhora da estrutura destes (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Biodiversidade Com a inserção de árvores no ambiente urbano há o aumento da biodiversidade vegetal, principalmente quando são utilizadas diferentes espécies vegetais e, consequentemente, aumento da biodiversidade animal, principalmente da avifauna, que utiliza das árvores como hábitat, poleiros naturais e alimento (principalmente árvores frutíferas) (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Regulação hídrica As árvores auxiliam no controle do ciclo hidrológico (Figura 3), pois permitem maior infiltração de água no solo, o que acaba por diminuir o risco de erosão, devido ao escoamento superficial da água e os riscos de enchente (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Figura 3. Ciclos hidrológicos conforme diferentes tipos de ocupação do solo Fonte: Adaptado de Paiva e Gonçalves (2002) Kanieski (2018) 11 Arborização Urbana 2.2 Importância Econômica e Social As árvores urbanas podem trazer inúmeras vantagens econômicas, diretas ou indiretas, dependendo o tipo de uso e que espécies serão usadas na arborização das cidades e social: - a madeira de poda pode ser usada como lenha ou para outros fins econômicos, como para artesanato e mobiliário rústico; - os frutos produzidos nos quintais e pomares municipais ou comunitários podem ser comercializados ou usados em escolas e organizações sociais; - a arborização pode ser um atrativo turístico (embelezamento da cidade, parques urbanos) como em inúmeras cidades no Brasil e no mundo; - pode ser movimentado o mercado de crédito de carbono (absorção e fixação de CO2 atmosférico); - geração de renda para as pessoas (empregos diretos e indiretos), para as empresas (serviços e produtos) e para o Estado (arrecadação de taxas e impostos); - redução dos gastos em desastres naturais, como por exemplo enchentes, que ocorrem devido ao escoamento superficial da água, que poderia ser mais bem absorvida nos locais arborizados; - as árvores produzem efeitos físicos e psicológicos nas pessoas, que possuem ação sobre a melhoria da saúde humana por meio do maior convívio com a natureza, que auxilia na diminuição do estresse e bem-estar psicológico. Kanieski (2018) 12 Arborização Urbana 3 Fatores negativos para o desenvolvimento das árvores no ambiente urbano Segundo Paiva e Gonçalves (2002) vários fatores impedem o desenvolvimento normal de uma árvore na área urbana, por exemplo: - compactação do solo, necessária para a pavimentação ou fundação de prédios, porém, prejudicial ao desenvolvimento das plantas; - depósitos de resíduos de construção e entulhos no subsolo; - pavimentação impedindo a penetração do ar e das águas de chuvas no solo; - poluição do ar, com suspensão de resíduos industriais, fumaça dos escapamentos de veículos automotores e de chaminés industriais, impedindo a folha de exercer livremente suas funções, uma vez que a poeira e as gotículas de óleo existentes no ar se acumulam sobre a superfície das folhas, obstruindo total ou parcialmente os estômatos, dificultando a respiração e as fotossíntese; - podas drásticas, que ocasionam mais transtornos que benefícios às árvores e ao ambiente; - vandalismo e falta de cuidados com as árvores, como marcas frequentes de roçadeira, por exemplo. Todos esses fatores fazem com que o desenvolvimento das árvores fique dificultado no ambiente urbano e em virtude desses motivos é que muitas árvores apresentam problemas de desenvolvimento e constituição frágil, acarretando riscos às pessoas e a bens públicos e privados. Por isso é necessário na implantação de árvores no ambiente urbano, fornecer as melhores condições para o pleno desenvolvimento destas, como berços grandes e profundos, sem compactação, uso de substrato adequado, área de crescimento grande, manejo adequado, principalmente em relação à podas, entre outros fatores. Kanieski (2018) 13 Arborização Urbana 4 Classificação da Vegetação Urbana A vegetação urbanaé representada por conjuntos arbóreos de diferentes origens e que desempenham diferentes papéis (MELLO FILHO, 1985). As florestas urbanas podem ser definidas como a soma de toda a vegetação lenhosa que circunda e envolve os aglomerados urbanos desde pequenas comunidades rurais até grandes regiões metropolitanas (MILLER, 1997). Existem nas cidades inúmeras áreas potenciais para a arborização que, em conjunto, somam a área verde urbana. 4.1 Arborização de parques e jardins Os parques, normalmente são representados por grandes áreas abundantemente arborizadas (Figura 4) e os jardins, ou mesmo as praças, são espaços destinados ao convívio social (GONÇALVES, 2009). Figura 4. Albert Park em Melbourne, Austrália Foto: Maria Raquel Kanieski (2014) Nestes locais pode-se utilizar árvores de todos os portes, pois normalmente não há tantos empecilhos físicos para o desenvolvimento destas. Essas são ótimas áreas para arborização, pois possibilita uma maior densidade de árvores, o que acarreta em maiores benefícios ecológicos também. Kanieski (2018) 14 Arborização Urbana 4.2 Arborização de áreas privadas Corresponde à arborização dos jardins particulares como quintais, jardins de hospitais, clubes, indústrias, entre outros (GONÇALVES, 2009). Com o crescimento cada vez maior das cidades, esses espaços ficaram cada vez mais restritos, porém tem- se buscado fortemente soluções para a criação de áreas verdes mesmo em espaços bastante pequenos e limitados (Figura 5). Figura 5. Jardim em varandas do prédio da empresa Google em Nova Iorque, Estados Unidos. Foto: Maria Raquel Kanieski (2016) 4.3 Arborização nativa residual São espaços da natureza que se protegeram da ocupação e que por suas características florísticas, faunísticas, hídricas, influenciaram no microclima e são essenciais ao complexo urbano (GONÇALVES, 2009). Normalmente essas áreas não foram exploradas pela dificuldade de acesso ou então foram mantidas preservadas por restrição da legislação, por serem Áreas de Preservação Permanente (APPs) ou áreas protegidas (Figura 6). Kanieski (2018) 15 Arborização Urbana Figura 6. Parque Estadual da Cantareira em São Paulo, SP Foto: www.areasverdesdascidades.com.br 4.4 Arborização de ruas e avenidas Componente muito importante da arborização urbana (Figura 7), porém, pouco reconhecido, do ponto de vista técnico e administrativo, devendo ser encarado como um dos componentes do plano de desenvolvimento e expansão dos municípios (GONÇALVES, 2009). Figura 7. Arborização na cidade de Mendoza, Argentina (Mendoza está em uma região árida, mas a presença de árvores de grande porte é possível pelo desvio da água derretida na Cordilheira dos Andes, o que auxilia na amenização climática na cidade) Foto: Maria Raquel Kanieski (2012) Kanieski (2018) 16 Arborização Urbana Embora as árvores de ruas e avenidas não se apresentam em grandes maciços, essas podem contribuir fortemente para a área verde urbana total. Nesses locais normalmente há inúmeros impedimentos para o desenvolvimento de árvores, como espaço pequeno, solo compactado, presença de redes de energia, construções, entre outros, o que demanda um forte planejamento para que não haja problemas futuros com as árvores. Kanieski (2018) 17 Arborização Urbana 5 Legislação para Arborização Urbana Bens públicos como postes, orelhões, etc., quando danificados, devem ser ressarcidos pelo cidadão. Uma das funções da legislação é valorizar também o elemento árvore. A legislação sobre a arborização é importante para estabelecer normas, sem as quais o Poder Administrativo não pode administrar os bens e os serviços sob sua responsabilidade (PAIVA E GONÇALVES, 2002). Problemas como escolha inadequada de espécies, podas malconduzidas, espaçamentos errados, entre outros fatores, podem ser minimizados por meio de uma normatização sobre Arborização Urbana, que deve ser feita de acordo com as especificidades de cada município. A seguir serão trazidos alguns pontos de legislações federais e municipais que tratam sobre Arborização Urbana e que também podem servir como base para o desenvolvimento de legislação regional. 5.1 Legislação Superior Para se propor uma lei municipal, é necessário conhecer as leis superiores federal e estadual, pois a lei municipal não pode ser menos restritiva que a superior e não pode haver duplicidade nem contrariedade, caso haja, a lei superior prevalece sobre a menor. Normalmente as leis superiores são mais genéricas, ficando a cargo do município complementar as leis, enfocando seus aspectos particulares (PAIVA E GONÇALVES, 2002). 5.1.1 Constituição Federal de 1988 O artigo 225 da Constituição Federal trata que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Dessa forma, segundo o inciso VII no mesmo artigo, incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na Kanieski (2018) 18 Arborização Urbana forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (BRASIL, 1988). Assim, cabe ao poder público, por meio da aplicação de legislação e de sanções cabíveis, a proteção do meio ambiente e o fornecimento de meio de qualidade para a população, o que inclui as árvores presentes no ambiente urbano. 5.1.2 Lei de Proteção da Vegetação Nativa - Lei 12651/2012 A atual lei de proteção da vegetação nativa, que substitui o Código Florestal coloca no inciso II do artigo 70 que “o poder público poderá declarar qualquer árvore imune de corte, por motivo de sua localização, raridade, beleza ou condição de porta- sementes” (BRASIL, 2012). Dessa forma qualquer árvore, incluindo os indivíduos presentes no ambiente urbano, podem ser, desde que tecnicamente justificados, declarados imunes ao corte. A mesma legislação também aborda sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs) que, em áreas urbanas, deve seguir o estabelecido no plano diretor do município, que pode ser diferente do exigido na Lei de proteção da vegetação nativa. 5.1.3 Lei de proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica - Lei 11.428/2006 Essa lei dispõe sobre a vedação de corte e exploração da Mata Atlântica, atingindo diretamente os municípios localizados sob o domínio desse bioma. Um dos pontos mais fortes da legislação é a proibição do corte de espécies ameaçadas em extinção do Bioma Atlântica, como a espécie Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze (salvo em casos de utilidade pública ou risco ao patrimônio e à vida) (BRASIL, 2006). 5.1.4 Lei do parcelamento do solo urbano – Lei No 6.766, de 19 de dezembro de 1979 O espaço destinado às áreas verdes, lazer e recreação é, pela lei de parcelamento do solo, em torno de 10 a 15% da área de arruamento para áreas verdes e em torno de 5% da área total para as zonas institucionais, que englobam o lazer e a recreação. Esta maleabilidade na determinação das áreas em termos percentuais faz com que o loteador http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.766-1979?OpenDocument Kanieski (2018) 19 Arborização Urbana parcele o solo do modo que quiser (este aproveita a área da melhor forma em termos de venda dos lotes), pois não existem padrões rigorosos que indiquem como distribuí-los (PAIVA e GONÇALVES, 2002). São deixados para o lazer, portanto, os “bicos” de quadra (ou de quarteirão), de conformação irregular, que não comportam construções, e fundos de vales; assim, várias pequenas áreas somadas atendem à lei, mas é uma distribuiçãoaleatória, no sentido de concentração ou dispersão na malha urbana. Essas pequenas áreas limitam o administrador municipal no desenho e na função de implantação das áreas verdes, atrapalhando a concepção estética e funcional do local (PAIVA e GONÇALVES, 2002). A administração pública, por outro lado, aceita bem a divisão do loteador, pois esta se baseia em dois aspectos: - da arrecadação de impostos (IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano), que constituí uma fonte de recursos para o município executar suas obras políticas e sociais, então é de interesse da prefeitura o maior aproveitamento possível da área loteada para construção; - da manutenção das áreas verdes que, além de não gerarem recursos tributários para o município, passam a ser de responsabilidade da administração os custos de manutenção. A aleatoriedade na distribuição, devido ao aproveitamento desses “bicos” de quadra (ou quarteirão) também é um problema, pois não são determinados por sua necessidade real, podendo existir alguns bairros com muitas áreas verdes e outros sem (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Outra questão é que, em muitas cidades grandes ou em expansão, observa-se a concentração dessas áreas verdes no centro comercial, enquanto que os bairros periféricos, principalmente os mais pobres (Ex: Belo Horizonte, MG), são deficientes em áreas verdes, devido ao interesse político da administração municipal em fazer “aparecer” sua obra ou gerar dividendos políticos. A distribuição inadequada ou a inexistência das áreas verdes pode ser considerado um problema não só ambiental, mas também social, quando priva a população nas opções de lazer, recreação e na melhoria do microclima (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Kanieski (2018) 20 Arborização Urbana 5.1.5 Lei dos crimes ambientais - Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O artigo que trata mais especificamente das árvores urbanas é o artigo 49, em que: “destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia”, recorre à pena (detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente, no caso de crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa) (BRASIL, 1998). Nesse artigo, estão abrangidas como crime ambiental podas mal executadas e podas drásticas (Figura 8), que se enquadram em “danificar, lesar ou maltratar”. Figura 8. Poda drástica realizada em árvores na região central da cidade de Lages, SC Foto: www.clmais.com.br 5.2 Legislação Municipal Para se formular as leis de um município, deve-se levar em consideração as características e peculariedades de cada região. Seguem alguns exemplos de leis municipais: Kanieski (2018) 21 Arborização Urbana 5.2.1 Lei 6038 de 1991 do município de Belo Horizonte, MG Essa lei municipal dispõe sobre a arborização pública nos projetos particulares com responsabilidade do empreendedor. Pela legislação, a responsabilidade de plantar na sua calçada é do empreendedor, ou seja, o empreendedor só consegue autorização para construir seu imóvel se plantar e cuidar da arborização em frente ao seu imóvel, com espécies indicadas pela prefeitura (PAIVA e GONÇALVES, 2002). 5.2.2 Lei Complementar 747 de 2010 de Blumenau, SC Dispõe sobre o Código do Meio Ambiente do município de Blumenau, SC, e estabelece a Arborização Urbana como um de seus instrumentos, no qual propõe a elaboração de um plano de arborização municipal (BLUMENAU, 2010). Caberá ao órgão ambiental municipal a elaboração do Plano de Arborização Urbana, que contará com as definições, diretrizes, os instrumentos de produção de mudas e plantio, as podas e o monitoramento fitossanitário, os transplantes e o plantio em áreas privadas (BLUMENAU, 2010). A implementação do Plano de Arborização Urbana, ficará a cargo do órgão ambiental municipal, nas questões relativas à elaboração, análise e implantação de projetos e manejo da arborização urbana. Caberá ao órgão ambiental municipal estabelecer planos sistemáticos de rearborização, realizando a revisão e monitoramento periódicos, visando à reposição de mudas (BLUMENAU, 2010). 5.3 Leis municipais de Lages referentes à arborização urbana 5.3.1 Lei Complementar Nº 218, de 02 de junho de 2004 Dispõe sobre o Código do Meio Ambiente de Lages, SC, em que a Arborização Urbana é tratada no Capítulo XIX da legislação (LAGES, 2004). Seguem abaixo os pontos principais tratados no capítulo: Art. 85 - A fiscalização da arborização urbana será exercida pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente (SEMMAS). Kanieski (2018) 22 Arborização Urbana Art. 86 - A autorização de corte de árvore no perímetro urbano só poderá ser feita com autorização da SEMMAS, a qual regulamentará o seu procedimento. Art. 87 - É expressamente proibido ao particular podar, cortar, derrubar ou sacrificar árvores de arborização pública, sendo estes serviços de atribuição específica do Poder Público Municipal. § 2º - Qualquer árvore ou planta poderá ser considerada imune de corte por motivo de originalidade, idade, localização, beleza, interesse histórico ou condição de porta-sementes, mesmo estando em terreno particular. Art. 88 - Não será permitida a utilização das árvores de arborização pública para colocar cartazes ou anúncios, fixar cabos e fios, nem para suporte ou apoio e instalações de qualquer natureza ou finalidade. § 1º - A proibição contida neste Artigo não se aplica nos casos de instalação de iluminação decorativa de natal, promovida pelo Poder Público Municipal ou por ele autorizada. O Capítulo XXII da mesma legislação trata dos incentivos fiscais e financeiros, em que: Art. 101 - Os imóveis particulares que contenham árvores ou associações vegetais relevantes, declaradas imunes ao corte a título de estímulo à preservação, poderão receber benefícios fiscais, mediante a redução de até 50% do valor do imposto imobiliário. Parágrafo Único - O proprietário do imóvel a que se refere o "caput" deste artigo, deverá firmar perante a SEMMAS, termo de compromisso de preservação, o qual será averbado na matrícula do imóvel no registro imobiliário competente, sendo vedada sua alteração nos casos de transmissão do imóvel. Art. 102 - Os proprietários de terrenos com área de preservação permanente e áreas com arborização sem fins comerciais, receberão a título de estímulo à preservação, isenção do imposto imobiliário ou redução proporcional ao índice de área verde existente no imóvel, conforme a seguinte tabela: Kanieski (2018) 23 Arborização Urbana Cobertura Florestada (%)..........Isenção ou Redução de IPTU (%): Acima de 80..................................................100 De 50 a 80....................................................80 De 30 a 49....................................................50 5.3.2 Lei Complementar Nº 118, de 18 de novembro de 1999 Essa lei protege e conserva a vegetação de porte arbóreo no perímetro urbano de Lages, SC (LAGES, 1999). Seguem alguns pontos importantes: Art. 2º - O corte ou derrubada de vegetação de porte arbóreo no perímetro urbano se subordina às exigências e providências que se seguem: I - Requerimento de autorização pelo proprietário, ou seu procurador, para o corte, junto a SEMMAS. II - A autorização para corte somente será procedida mediante prévia vistoria "in loco" pelo fiscal autorizado pela SEMMAS, tendo validade somente por escrito. Art. 3º - A execução, orientação e fiscalização da poda na arborização das vias e logradouros públicos, fica sob responsabilidade da SEMMAS Art. 4º - Em se tratando de árvores situadas em terreno a edificar, cujo abate se torne indispensável, o proprietário ouque de direito dará cumprimento aos preceitos do artigo anterior, juntando a autorização para corte o pedido de alvará de construção, e planta baixa da obra. Art. 5º - Seja qual for a justificativa, deverá a árvore abatida ser substituída pela aquisição do requerente, de duas outras a critério da SEMMAS ou por esta recomendada em espécie e local de plantio. Art. 6º - O corte da arborização do perímetro urbano somente será autorizado quando comprovado perigo eminente, dano causado ou que poderá a vir ocorrer no imóvel como rachaduras em muros, calçadas e paredes com perigo aos moradores ou ainda para a realização de obras de infraestrutura urbana que não possuam alternativas de construção, problemas com a fiação elétrica, ou galhos projetados com risco de queda, sendo esta avaliação feita por um técnico ou fiscal da SEMMAS da Prefeitura do Município de Lages. Kanieski (2018) 24 Arborização Urbana Art. 7º - Incluem-se nas prescrições da presente Lei a queima proposital de vegetação de porte arbóreo e a morte provocada da espécie. Art. 8º - Nos terrenos baldios sujeitos a limpeza ou saneamento, é vedado o abate de vegetação de porte arbóreo ou de mudas de árvores que pela sua natureza possam adquirir tal porte, sendo avaliada por um técnico da SEMMAS a sua abrangência e necessidade de corte. Art. 9º - A Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Serviços não é responsável pelo corte e nem pela retirada da(s) árvore(s) derrubada(s), sendo esta responsável somente pela fiscalização, liberação de autorizações e apuração de denúncias do corte irregular das mesmas. Art. 10 - São considerados agravantes o corte de espécies como a Araucaria angustifolia e nativas da região. Art. 11 - O responsável pelo corte ou derrubada não autorizada da(s) árvore(s), verificado na área urbana do município ficará sujeito ao pagamento de 50% da UFML a 10 UFML, por árvore derrubada (valor da UFML de Lages para 2017 é de R$313,00). Na reincidência, além da multa em dobro será promovida perante a justiça ação penal correspondente. Art. 12 - Casos em que o proprietário se negue a cortar a vegetação de porte arbóreo que esteja causando dano ou perigo eminente atestado pela SEMMAS, deverão ser encaminhados aos procedimentos legais da justiça comum pelo requerente. 5.3.3 Lei nº4030, de 06 de maio de 2014 Essa lei trata sobre o programa de adoção de logradouros e praças públicas e áreas verdes em que os principais pontos serão abordados a seguir: Art. 2º - Podem participar do Programa quaisquer entidades da sociedade civil, associações de moradores, Organizações não-governamentais, sindicatos e pessoas jurídicas legalmente constituídas e cadastradas no Município de Lages. Art. 3º - Para a participação no Programa será necessário à assinatura de Termo de Parceria entre a entidade que vai assumir a adoção e o Poder Público Municipal. Art. 13 - Caberá à entidade ou pessoa jurídica adotante: Kanieski (2018) 25 Arborização Urbana I - Executar os serviços de recuperação do patrimônio adotado, segundo projeto apresentado e diretrizes estabelecidas pelo Poder Executivo, com verba pessoal e material próprio; II - Responsabilizar-se por perdas e danos que eventualmente venham causar durante a execução dos serviços, ainda que decorrentes de imprudência, negligência ou imperícia de seus administradores ou empregados; III - Conservar e manter passeios internos ou cercas de proteção dos jardins, equipamentos de lazer e descanso, lixeiras, além de monumentos públicos quando existentes na área adotada; IV - Conservar e manter árvores, gramados, arbustos e plantas ornamentais; V - Responsabilizar-se pela decoração em datas comemorativas, exceto quando o espaço for contemplado por projeto municipal específico; VI - pela preservação e manutenção, conforme estabelecidos no convênio e no projeto apresentado. Art. 14 - As entidades e pessoas jurídicas, que vieram a participar do Programa, deverão zelar pela manutenção, conservação, recuperação e iluminação da área que adotar, bem como a elaboração e execução dos trabalhos de arborização, com a adoção de sementes e mudas de árvores. Art. 15 - A entidade ou pessoa jurídica adotante ficará autorizada, após a assinatura do convênio, a fixar, na área adotada, uma ou mais placas padronizadas alusivas ao processo de colaboração com o Poder Executivo Municipal, bem como o objetivo da adoção. Como visto, existem várias leis em Lages que abordam a Arborização Urbana, porém, mesmo assim, é frequente a ocorrência de vários problemas, principalmente relacionado ao manejo de podas das árvores urbanas. Outros pontos também são pouco divulgados, como os incentivos financeiros para quem tem área de vegetação nativa em sua propriedade. A evolução nas legislações municipais devem seguir no sentido de uma padronização para implantação, com critérios específicos e adequados para cada localidade e, principalmente, evoluir no sentido de valorização para quem possui árvores em sua propriedade, como os incentivos financeiros. Kanieski (2018) 26 Arborização Urbana 6 Planejamento Global da Arborização Urbana Grande parte das iniciativas de arborização no Brasil seguiu o modelo instituído em Paris pelo Barão Haussmann, por meio do enfileiramento de árvores nas avenidas e bulevares e pela criação de pequenas praças (Figura 9) (GONÇALVES e PAIVA, 2013). Nessa ideia, embora seja importante para o conjunto de área verde de uma cidade, a árvore é vista mais como um elemento estético, não sendo percebida de forma coletiva. Figura 9. A: Vista aérea do Arco do Triunfo e arredores. B: Avenida Champs Elyseès (eixo monumental) Fotos: arquiteturaturmaa08.files.wordpress.com Hoje ao escolher uma árvore para compor a paisagem urbana, além da sua forma e colorido das flores ela possui vários papéis ecológicos a serem desempenhados: amenização climática, proteção de solos, contenção de enchentes, efeitos na poluição, além de papéis sociais e econômicos (GONÇALVES e PAIVA, 2013). Para planejar as florestas ou a arborização de uma cidade deve-se considerar que esse planejamento será realizado em duas etapas: um planejamento global e um planejamento local. No planejamento global preocupa-se com a cidade como um todo e distribui-se a vegetação em termos de "massa verde" sem preocupar com espécies. No planejamento local é que se escolhem espécies adequadas para cada situação (ruas, calçadas, lotes, etc.) (PAIVA e GONÇALVES, 2002). A B Kanieski (2018) 27 Arborização Urbana No planejamento global elabora-se um plano geral da arborização, chamado Plano Diretor, que define as linhas mestras e as diretrizes da arborização como um todo. Se for para uma cidade, deve incluir o Código de Arborização, as normas e os decretos. Para pôr em prática o Plano Diretor de Arborização, elaborado na etapa do planejamento global, é necessário elaborar projetos de arborização para as diversas ruas, bairros ou região (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Segundo Paiva e Gonçalves (2002), o planejamento da arborização de uma cidade deve considerar: aspectos culturais e históricos da população local; necessidade e anseios da população aliados a uma análise das atividades desenvolvidas (indústria, comércio, habitação); infraestrutura (rede elétrica, de água, esgoto, etc.); espaço físico disponível; vegetação local. Com essas informações analisadas, será feito um plano geral, que irá determinar: locais a serem arborizados; espaçamentos a serem obedecidos; espécies de árvores a serem plantadas (planejamento local). 6.1 A cidade como um todo É fundamental entender que a cidade é um todo que faz parte de um todo ainda maior, assim como a rua é um todo que faz parte da cidade. Essa visão global da cidade é importante para que, ao planejar suas partes, essas possam funcionar isoladamente,mas sempre guardando e respeitando as relações entre si e que a cidade possua identidade paisagística em todos os sentidos, segundo o que se entende por paisagem (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Visualmente, uma das maneiras de entender esse todo e as relações é pelo estudo da planta baixa da cidade ou de fotografias aéreas. Ou seja, é fundamental que se enxergue a cidade de cima, em uma escala tal que a percepção seja voltada para os espaços abertos, os construídos e os ocupados pela vegetação, sem os detalhamentos específicos. Outras informações são importantes, como por exemplo a distribuição da Kanieski (2018) 28 Arborização Urbana vegetação, distribuição do relevo, distribuição da água, da renda, entre outros (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Para essa visão global da cidade deve-se começar por detectar informações regionais que colocam a cidade como parte de um todo maior. Assim por exemplo, as suas coordenadas geográficas, classificação climática, localização na bacia hidrográfica, formação geológica, relevo, exposição solar e eólica. O que se recomenda é o estudo da situação da cidade no contexto regional e o estudo das partes da cidade no contexto urbano (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Mas o que se quer dizer, realmente, com planejamento global? Como se poderia planejar globalmente a cidade, sem preocupação com locais específicos como ruas e praças? Apenas para exemplificar, imagine a cidade hipotética ilustrada na Figura 10. Figura 10. A: Cidade no contexto regional. B: Cidade no contexto urbano Fonte: Adaptado de Paiva e Gonçalves (2002) Uma das atitudes globais de planejamento que poderia estar sendo proposta, nesse caso, é o plantio de árvores com cores de flores ou texturas diferenciadas nas ruas que levam ao centro da cidade ou que se afastam deste, dando saída para cidades assinaladas. Assim, a saída para o Rio de Janeiro poderia ser arborizada com árvores de flores amarelas, a saída para São Paulo com flores vermelhas e a saída para Belo Horizonte com flores azuis. Repare que ainda não se identificam as espécies a serem plantadas, as quais seriam objeto de um planejamento local (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Kanieski (2018) 29 Arborização Urbana Outro exemplo pode ser dado quando se observa que a direção do vento predominante passa pela área industrial, soprando em direção ao centro de uma cidade. Um maciço florestal com árvores altas, estrategicamente plantadas pode representar uma proteção considerável, se colocado a meio caminho entre um sítio e outro. Novamente pode-se reparar que informações como espécie, espaçamento e formação não estão sendo ainda cogitadas (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Um terceiro exemplo de planejamento global pode ser citado, imaginando-se que o crescimento da cidade esteja voltado para a direção de outra cidade já existente, a pouca distância da cidade em questão. Nesse caso, o planejamento de um maciço florestal entre as cidades pode conservar a paisagem das cidades, compondo uma paisagem mais agradável que a formação de um longo corredor urbano (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Vê-se assim que o planejador deverá estar atento tanto aos aspectos de qualidade de vida urbana, tanto no que se refere à estética quanto aos aspectos psicológicos e ambientais. Socialmente falando, o planejamento global será responsável, também, por uma distribuição equitativa do verde urbano, tanto em termos ecológicos e visuais como em termos de lazer, estabelecendo, inclusive, uma conexão entre as áreas vegetadas, formando o que chamados de "sistema de áreas verdes" (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Como pode ser observado, as informações importantes para o planejador trabalhar globalmente são muitas e variadas e difíceis de serem abordadas conjuntamente. Assim, pelo menos para entendimento, talvez seja necessário o conhecimento parcial dessas informações ou a elaboração de um zoneamento na cidade (PAIVA e GONÇALVES, 2002). 6.2 A cidade em partes Antes de partir para o planejamento propriamente dito, o planejador deve obter o maior número de informações possíveis. Uma ferramenta importantíssima para o planejamento é o conjunto de leis municipais: lei orgânica, lei de uso e ocupação do solo, código florestal, plano diretor, etc (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Kanieski (2018) 30 Arborização Urbana O zoneamento da cidade se faz buscando-se regiões homogêneas para o planejamento. No caso da arborização urbana, o que se recomenda é que as informações básicas sejam espacializadas em mapas denominados temáticos. Esses mapas são chamados temáticos porque cada informação é colocada em apenas um mapa e o estudo dos diversos mapas temáticos é que fará o planejamento segundo o objetivo desejado. O zoneamento então será feito, cruzando-se as informações temáticas. Os principais temas utilizados como base para o planejamento na arborização urbana são: relevo, hidrologia, clima, uso do solo, sistema viário e áreas verdes (PAIVA e GONÇALVES, 2002). De posse dessa rede de informações, como o planejador as utilizará para estabelecer as florestas urbanas? Detectada a necessidade de uma determinada floresta ou de uma determinada árvore em um local, ele fará o cruzamento das informações daquele local específico e indicará a espécie ou as espécies ou o tipo de floresta mais adequado para aquele lugar (PAIVA e GONÇALVES, 2002). 6.3 Etapas do planejamento global Segundo Paiva e Gonçalves (2002), o planejamento global pode ser visualizado em três etapas principais: detectar os problemas urbanísticos enfrentados; identificar as possibilidades para implantação de florestas; propor soluções dentro das possibilidades identificadas. 6.3.1 Detectando problemas Não existem cidades sem problemas e, embora alguns problemas sejam específicos de cada cidade, muitos são encontrados em qualquer cidade, independente do seu tamanho ou da sua condição. Assim, o primeiro passo para o planejador será identificar os problemas da sua cidade e determinar quais poderão ser solucionados com o uso de cobertura vegetal (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Seguem alguns dos problemas comuns a muitas cidades com base em Paiva e Gonçalves (2002): Kanieski (2018) 31 Arborização Urbana 6.3.1.1 Demanda de produtos As prefeituras estão sempre necessitando de materiais de construção como tijolos, pedras, madeira; frutas e verduras para merenda escolar; lenha, etc. O fornecimento desse material pode ser resolvido com o plantio de florestas sociais, mesmo dentro do perímetro urbano, com espécies produtivas de rápido crescimento, como o eucalipto. O fornecimento de gêneros alimentícios como frutas e verduras pode ser conseguido por meio do cultivo de hortas e pomares comunitários (Figura 11) ou com incentivo de florestas urbanas nos quintais. Além disso, a árvore plantada dentro do perímetro urbano com finalidades de produção de madeira pode servir como moeda de troca para os produtos não-madeireiros, como pedras e tijolos. Figura 11. Praça com horta comunitária no bairro Petrópolis em Lages, SC Foto: Brenda Ferreira Alves (2017) Kanieski (2018) 32 Arborização Urbana 6.3.1.2 Invasões Esse é um dos grandes problemas enfrentados pela administração pública de praticamente todas as cidades. A ocupação de áreas públicas com florestas provisórias (como com eucalipto ou pinus por exemplo), poderá evitar uma invasão, uma vez que a floresta já estará ocupando espaço (Figura 12). Figura 12. Plantio de pinus em área urbana, no Morro da Cruz em Lages, SC Foto: www.clicrbs.com.br 6.3.1.3 Áreas de risco Áreas de risco são áreas com vocação estritamente para vegetação. As áreas de risco mais comumente encontradas no tecido urbano são as declividades acima de 45º e áreas no entorno de rios e nascentes, as áreas de solos friáveis e escorregadios e as áreas sujeitas a inundaçõesfrequentes (Figura 13). Essas áreas são normalmente deixadas nos loteamentos como áreas a serem preservadas, mas a falta de ocupação acaba por disponibiliza-las às invasões. Kanieski (2018) 33 Arborização Urbana Figura 13. Inundação ocasionada por cheias no Rio Carahá em Lages, SC, onde é possível perceber que não há área de preservação permanente disponível Foto: www.portal.revistavisao.com.br A Lei de Proteção da Vegetação Nativa prescreve vegetação às margens de cursos d'água, lagoas e lagos como forma de preservar a água em termos de quantidade e qualidade, além das áreas com declividade acima de 45º. A lei de uso e ocupação do solo urbano identifica essas áreas como não edificáveis. Entretanto é muito comum ocupações indevidas com construções civis que adentram o corpo d'água e outras áreas de preservação. As áreas que circundam os cursos d'água são áreas de vocação florestal onde devem ser plantadas as chamadas matas ciliares que podem ser utilizadas como parques, os chamados parques lineares urbanos. Nesse caso essas áreas devem ser ocupadas com espécies nativas ou frutíferas. Dependendo da situação, são áreas que podem ser ocupadas por pomares comunitários ou municipais, permitindo que frutos, folhas e galhos sejam colhidos, mas que a árvore permaneça cumprindo a função de proteção do solo. 6.3.1.4 Ilhas de calor Mais comum nas grandes cidades e nas metrópoles, as ilhas de calor têm sido uma preocupação constante. Produto de uma ocupação desordenada por meio da substituição excessiva do verde pela construção, da impermeabilização dos solos e da Kanieski (2018) 34 Arborização Urbana densidade de trânsito de automóveis, as ilhas de calor chegam a aumentar em até 10% as temperaturas originais. A identificação dessas áreas pode direcionar e priorizar o plantio de árvores e florestas urbanas, na tentativa de amenizar temperaturas muito altas. Logicamente que, nesses locais, pelo próprio adiantamento da ocupação por construções, será difícil encontrar locais disponíveis para uma floresta urbana. Assim, todo pedaço de terra disponível deve ser aproveitado. Ex: quintais, coberturas de prédio e marquises. 6.3.1.5 Falta de ventilação Ruas estreitas e mal traçadas, blocos de construções mal posicionados, inversões térmicas podem causar diferenciais de ventilação e mal odores nas cidades. Uma adequada distribuição de áreas verdes nas cidades pode contribuir fortemente para a melhor circulação do ar. Nesses casos, o estudo da direção e velocidade dos ventos é fundamental para um bom projeto, arranjando as áreas verdes radialmente em direção ao centro da cidade, favorecendo uma corrente de ar limpo e frio dos arredores para as partes mais quentes e poluídas da cidade. 6.3.2 Identificando possibilidades Uma vez detectados os vários problemas que a cidade possui e imaginando que eles possam ser resolvidos ou, pelo menos mitigados com o plantio de árvores, seguem algumas possibilidades para plantio de árvores ou florestas com essa finalidade com base em Paiva e Gonçalves (2002): 6.3.2.1 Vazios urbanos A primeira possibilidade para a alocação de florestas urbanas está nos vazios urbanos. Em uma análise de planta de qualquer cidade, mesmo nas aparentemente mais adensadas, vê-se que os vazios são muitos e cheios de possibilidades. Pode-se dividir em dois tipos: provisórios e permanentes. Kanieski (2018) 35 Arborização Urbana Os provisórios são vazios em que há a possibilidade de que venham a ser ocupados com construções. Nestes, recomenda-se o uso de florestas produtivas, de rápido crescimento, cultivadas para o corte tão logo a área seja requerida. Os permanentes são os espaços que jamais poderão ser ocupados por construções e, nesse caso, florestas de espécies nativas poderiam ser implantadas. É importante salientar também que esses vazios podem pertencer ao domínio público ou privado. No caso de áreas públicas, a administração municipal detém o poder de usa-las sem problemas. O fato de serem privadas não elimina a possibilidade de uso que pode ser viabilizado com um simples contrato de comodato. O uso dos espaços vazios, além de propiciar a produção e evitar a invasão, impede o uso desses espaços para descarte de resíduos. 6.3.2.2 Calçadas e canteiros centrais Esse é o caso do conceito tradicional de arborização urbana. Ao longo de calçadas, canteiros centrais de avenidas e estacionamentos, o uso de árvores já é consagrado tanto pelo seu valor estético quanto por suas funções ecológicas, principalmente pela interceptação dos raios solares, causando a sombra e redução de temperatura (Figura 14). Figura 14. Rua arborizada com jacarandás em Pretória, na África do Sul Foto: www.thephotoforum.com Kanieski (2018) 36 Arborização Urbana Para esses casos o planejador deverá ficar atento para o espaço tridimensional disponível, para escolher as espécies adequadas. Esse espaço é definido principalmente pela largura da calçada, largura da rua e da presença, tipo e altura de fiações e marquises. Embora essa linha de árvores não tenha o mesmo efeito que um maciço de árvores em área, ela se apresenta importante pelas suas possibilidades estéticas e na referência urbana. Assim, o mapeamento urbano poderá dispor essas árvores para atender as necessidades estéticas e ambientais, estabelecendo ligações entre diferentes setores, bairros e áreas verdes da cidade. 6.3.2.3 Margens de rios e fundos de vale Esses espaços são proibidos para a construção civil, no entanto, para o paisagismo são excelentes. Normalmente, com excelente umidade, propiciam a instalação de viveiros, hortas e pomares. Do ponto de vista de florestas urbanas, são áreas excelentes para os chamados parques lineares (Figura 15). Nesses terrenos a floresta tem a função de lazer e recreação, além da proteção e preservação da água e das margens. Figura 15. Parque Madrid-Rio em Madrid, Espanha. Uma marginal foi fechada permanentemente e parte da orla do Rio Manzanares foi revitalizada para a construção do parque linear Foto: www.thecityfixbrasil.com Kanieski (2018) 37 Arborização Urbana 6.3.2.4 Áreas institucionais ociosas Normalmente o poder público tem mais áreas do que a receita do município permite ocupar. Isso acarreta um número considerável de áreas que ficam aguardando construções. São espaços destinados a hospitais, creches, praças, parques, etc. Às vezes são áreas pequenas, mas encontram-se áreas consideráveis, completamente ociosas, servindo de descarte para resíduos e sujeitas a uma invasão ou ocupação indevida. Esses espaços devem ser ocupados para evitar que sejam invadidos e para que possam produzir algo. Florestas são uma ocupação natural e relativamente barata. Como a utilização desse espaço é provisória, recomenda-se floresta produtiva de rápido crescimento, que possa ser cortada a qualquer momento ou, então, o cultivo de plantas de ciclo curto, como milho, feijão e hortaliças, que possam abastecer as escolas públicas. 6.3.2.5 Quintais Os quintais são outro tipo de área plenamente possível de ocupação pelas florestas urbanas como, aliás, é tradição cultural. Entretanto é comum ver quintais consideráveis de tamanho completamente desprovidos de árvores e a detecção dessas áreas pode gerar uma política para a sua ocupação. Como os quintais são áreas particulares, a estratégia do poder público tem de passar por um convencimento do proprietário. Para convencer o proprietário a plantar, a melhor maneira é mostrar que ele pode ter lucros com a ocupação do quintal e, nesse caso, o uso de frutíferas se torna promissor. Uma política eficaz para esse plantio é o fomento e a compra do produto por meio de um sistema cooperativo. Toda a produção pode ter como destino o próprio serviço público, principalmente as escolas. Uma forma de incentivaro plantio de árvores em quintais é a partir dos incentivos financeiros que podem ser trabalhados em legislações municipais específicas. 6.3.2.6 Praças e parques Como as calçadas e canteiros centrais de avenidas, as praças e parques constituem locais naturais da modalidade arborização urbana, com a diferença que, Kanieski (2018) 38 Arborização Urbana neste caso, as árvores têm a possibilidade de agrupamento. Também diferencia-se a função social com possibilidades de lazer, o que é restrito na arborização de vias (Figura 16). Figura 16. Central Park em Nova Iorque, Estados Unidos Foto: Maria Raquel Kanieski (2016) Ainda que restritas em tamanho, as praças são locais nos quais se podem cultivar árvores de porte mais elevado, tanto vertical como horizontalmente, o que muitas vezes não é possível na arborização de ruas, devido ao pouco espaço tridimensional. Uma restrição para esses espaços é quanto ao uso de frutíferas para o consumo humano, o que pode incentivar uma depredação. 6.3.3 Propondo soluções Cada caso é um caso, cada cidade é uma cidade, por isso, não se pretende dar receita de planejamento de arborização, mas propor uma metodologia de trabalho que permita um planejamento para ocupação da cidade com florestas nos locais possíveis e que solucionem alguns problemas municipais, além das funções normais de qualidade de vida já conhecidas e exercidas pelas árvores urbanas (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Detectar problemas é o primeiro passo, identificar possibilidades é o segundo. Com base nos estudos realizados, o planejador poderá propor soluções que possam ser Kanieski (2018) 39 Arborização Urbana implementadas com o uso da floresta ou da arborização. Em alguns casos o simples plantio das árvores ou das florestas é suficiente para solucionar problemas. Em outros casos, a árvore é um complemento a um serviço de engenharia, como é o caso das áreas de risco (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Como se pode ver, o planejamento da arborização urbana é multidisciplinar e plantar árvores é apenas um passo de todo o processo. O Importante não é propor apenas o plantio de árvores na malha urbana, mas uma política de arborização onde essa atividade guarda estreitas ligações com outros setores e que a cidade tem que ser enxergada como um todo, tanto física quanto administrativamente (PAIVA e GONÇALVES, 2002). Kanieski (2018) 40 Arborização Urbana 7 Planejamento Local da Arborização Urbana 7.1 Principais problemas encontrados na Arborização Urbana Vários problemas podem ocorrer devido ao plantio de espécies vegetais em locais inapropriados, o que pode resultar em custos adicionais e transtornos desnecessários. Os principais problemas encontrados referem-se à competição da arborização com as redes de energia, iluminação, placas de sinalização, fachadas, calçadas, passeios e vias públicas e instalações hidráulicas e telefônicas e que afetam o cotidiano da população (Figura 17). Figura 17. Conflitos de árvores com elementos urbanos em Santa Maria, RS. A: conflito com rede de energia e iluminação pública; B: conflito com fachada; C: levantamento de calçadas devido à área livre para o crescimento das raízes ser inexistente; D: conflito com placas de sinalização. Fotos: Maria Raquel Kanieski (2007) Kanieski (2018) 41 Arborização Urbana Normalmente esses problemas estão relacionados à escolha inadequada de espécies, referentes às características de porte, tamanho de copa, tipos de frutos e flores e toxicidade. Outro problema muito frequente refere-se ao uso de espécies exóticas na arborização. Estas espécies, além de não se comportarem do mesmo modo como nos seus ambientes de origem, podem causar diversos danos ao meio-ambiente, como a perda da biodiversidade local, modificações dos ciclos e características naturais dos ecossistemas atingidos e a alteração fisionômica da paisagem natural. Outro ponto bastante preocupante refere-se à baixa riqueza de espécies utilizadas. Árvores da mesma espécie plantadas próximas umas das outras, se contaminada, pode propagar este fitopatógeno para outras árvores da mesma espécie também. Além disso, a diversidade de espécies é importante para melhorar os efeitos estéticos da arborização e manter a biodiversidade. Para que esses problemas possam ser evitados e a arborização possa cumprir suas funções, é fundamental que um bom planejamento e práticas de manejo adequadas sejam realizados. 7.2 Planejamento da arborização de ruas (calçadas e canteiros centrais) Para o planejamento da arborização de ruas, deverá ser feita a observação do espaço tridimensional disponível, para a escolha da melhor espécie, que é definida pela largura da calçada, largura da rua, da presença, tipo e altura de fiações e de marquises. É importante que sejam definidos, de acordo com as características de cada município, diretrizes para arborização urbana. Seguem algumas orientações que devem ser levadas em consideração para a arborização em vias públicas com base bibliografia e na normatização de outros municípios (GONÇALVES, 2009; PIVETTA e SILVA FILHO, 2002; RGE, 2000; SÃO PAULO, 2005): não se recomenda arborizar as calçadas (com menos de 1,5m de largura) e ruas estreitas (com menos de 7m de largura) – nesses casos, se houver espaço entre a construção e a calçada, plantar dentro do lote árvore de pequeno porte, com autorização do proprietário (Figura 18); Kanieski (2018) 42 Arborização Urbana Figura 18. Representação de possibilidade de plantio em ruas e calçadas estreitas Fonte: Adaptado de RGE (2000) em canteiros centrais menores que 1,5m, recomenda-se apenas o plantio de palmeiras ou arbustos; deve-se respeitar um afastamento mínimo de 0,5m do meio-fio e um espaço mínimo de 1,2m para a circulação de pedestres (Figura 19); Figura 19. Representação do afastamento mínimo de canteiro e espaço mínimo para a circulação de pedestres Fonte: Adaptado de São Paulo (2005) em passeios com largura igual ou superior a 1,50m e inferior a 2,00m, recomenda-se apenas o plantio de árvores com até 5m de altura; em passeios com largura maior que 2,0m e menor ou igual a 2,4m recomenda-se o plantio de árvores com até 8m de altura (Figura 20); Kanieski (2018) 43 Arborização Urbana Figura 20. Representação da relação entre largura da calçada e porte de árvore indicado Fonte: São Paulo (2005) em passeios com largura maior que 2,4m e menor ou igual a 3,0m recomenda-se o plantio de árvores com até 12m de altura; em passeios com largura maior que 3,0m recomenda-se o plantio de árvores de qualquer porte, inclusive com altura maior que 12m (Figura 21); Figura 21. Representação da relação entre largura da calçada e porte de árvore indicado Fonte: São Paulo (2005) Kanieski (2018) 44 Arborização Urbana as árvores devem ser plantadas a uma distância mínima de 3 a 5m de postes (dependendo o porte da árvore), 3m placas de sinalização, 5m de esquinas, 2 a 3 m de construções (dependendo o porte da árvore), locais de entrada e saída de veículos deve ser de 2m; 5 a 12 metros de outras árvores (dependendo do porte e diâmetro de copa); 1 a 2m de locais onde a fiação é subterrânea ou onde há rede de esgoto e água; é importante que a altura da primeira bifurcação da árvore não seja inferior a 1,80m, para que não atrapalhe a circulação de pedestres e a visibilidade; em volta das árvores plantadas deverá ser adotada uma área permeável, seja na forma de canteiro, faixa ou piso drenante, que permita a infiltração de água e a aeração do solo. As dimensões recomendadas para essas áreas não impermeabilizadas, sempre que as características dos passeios ou canteiros centrais o permitirem, deverão ser de 2,0m² para árvores de copa pequena (diâmetro em torno de 4,0m) e de 3,0m²para árvores de copa grande (diâmetro em torno de 8,0m) (Figura 22). Figura 22. Representação área adequada para crescimento das árvores segundo o tamanho de copa Fonte: São Paulo (2005) A presença de fiação aérea é um dos fatores mais importantes no planejamento da arborização das ruas. A fiação aérea pode ser composta pela rede elétrica primária, Kanieski (2018) 45 Arborização Urbana de alta tensão (13.000 e 22.000v); rede elétrica secundária, de baixa tensão (110v e 220v) e rede telefônica aérea e TV a cabo (Figura 23) ou a fiação compacta. Figura 23. Esquema de distribuição de fiação aérea Fonte: Adaptado de Pivetta e Silva Filho (2002) A arborização deve ser feita preferencialmente no lado oposto à fiação e, no lado da fiação, recomendam-se apenas árvores de no máximo 5m de altura na idade adulta) (Figura 24), sendo que a copa deve estar distante pelo menos 1m de redes de baixa tensão e dois metros de redes de alta tensão. Nunca se deve plantar palmeiras sob fiação cuja altura da espécie adulta seja superior ao da fiação, pois estas não podem ser podadas no meristema apical. Figura 24. Representação de árvore de pequeno porte sob fiação elétrica Fonte: São Paulo (2005) Kanieski (2018) 46 Arborização Urbana 7.3 Arborização de praças e parques Em praças e parques as árvores têm possibilidade de serem plantadas em agrupamentos. É certo que aglomerados de árvores apresentam melhores benefícios ambientais do que árvores cultivadas isoladamente ou enfileiradas. Podem também ser plantadas árvores de maior porte, pois o espaço tridimensional é maior que o de ruas. Outra diferença para as ruas é que esses locais podem ser usados para lazer (Figura 25) (PAIVA E GONÇALVES, 2002). Figura 25. Parque Jonas Ramos (tanque) em Lages, SC. Foto: www.cl.clmais.com.br Kanieski (2018) 47 Arborização Urbana 8 Avaliação de árvores urbanas A avaliação de árvores urbanas pode ser feita de forma isolada, para indivíduos com conflitos com elementos urbanos e/ou fornecendo algum tipo de risco, ou então para toda a arborização de uma região, para fins de planejamento ou reordenamento. Para um bom planejamento da arborização é necessário o conhecimento detalhado da área, permitindo conhecer a condição da arborização em termos de adaptabilidade e problemas relacionados à espécie e às condições de plantio para que alguma providência técnica seja tomada. 8.1 Inventário da arborização existente A análise da arborização é realizada por meio de um inventário. Pode ser total, em cidades de pequeno a médio porte, ou parcial, por meio de amostragens, em cidades de grande porte (PIVETTA e SILVA FILHO, 2002). Os inventários permitem identificar, qualificar e quantificar as espécies existentes na arborização, podendo-se conhecer e avaliar: Localização e identificação; Porte da árvore; Posição de plantio; Rede elétrica; Aspectos fenológicos; Necessidade de manejo; Qualidade, entre outros fatores. Normalmente são utilizadas fichas de avaliação de cada indivíduo da arborização, que ajudam no recolhimento de dados para a tomada de decisão (exemplo de uma ficha de avaliação no Anexo A). Obtidos os resultados, torna-se possível um replanejamento que efetivamente dê diretrizes ou ordene a implantação e manejo da arborização da cidade em estudo. Para a avaliação de árvores em determinada região ou cidade existem vários índices que auxiliam na tomada decisão, os quais seguem abaixo: Kanieski (2018) 48 Arborização Urbana 8.1.1 Área verde (AV) É interessante o cálculo da área verde das árvores de vias públicas (área ocupada pela copa). O cálculo da área verde total, média e per capita disponível, é realizado com base nas áreas verdes individuais produzidas pelas espécies de árvores cadastradas na região de estudo (SAMPAIO e DE ANGELIS, 2008). A área verde individual é calculada a partir do raio médio de cada árvore (Equação 1): r = ¼ (Long + Rr + Rc) (Equação 1) Em que: r: raio médio (m) Long: diâmetro longitudinal – paralelo à calçada (m); Rr: raio em direção à rua – transversal à calçada (m); Rc: raio em direção ao muro ou construção – transversal à calçada (m). A área verde (AV) para cada árvore é calculada segundo a equação 2 e para se obter a área verde total deve ser feita uma somatória da área estimada de cada copa de cada árvore cadastrada (SAMPAIO e DE ANGELIS, 2008). AV= π. r² (Equação 2) Em que: AV: área verde da árvore (m²) r: raio médio (m) 8.1.2 Índice de Cobertura Vegetal (ICV) A partir do somatório da área verde de determinada região é possível então calcular o índice de cobertura vegetal (ICV) (Equação 3) que, conforme Harder et al. (2006), fornece a área de cobertura vegetal por habitantes da cidade. ICV= ƩAV/nº habitantes da área (Equação 3) Kanieski (2018) 49 Arborização Urbana Em que: ICV: índice de cobertura vegetal (m²/habitante) AV: área verde da árvore (m²) Segundo Sampaio e De Angelis (2008) não existe uma padronização nacional para o cálculo deste índice, o que dificulta qualquer comparação com outros municípios, porém existem algumas referências, como da Associação Nacional de Recreação dos Estados Unidos no Congresso Internacional de Recreação, realizado em 1956 na Filadélfia, que recomendou um índice de 28 a 40 m² de área verde por habitante. Cavalheiro (1982) indicou que as cidades alemãs, em termos de cobertura verde total, atingissem um índice médio de 33,5 m² de área verde por habitante. Cavalheiro e Nucci (1998) discutiram a existência do índice de 12 m² de área verde/habitante considerado ideal. A Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) propôs como índice mínimo para áreas verdes públicas destinadas à recreação o valor de 15 m²/habitante (SBAU, 1996). 8.1.3 Índice de Cobertura Arbórea (ICA) O ICA fornece o percentual de cobertura da copa das árvores na arborização das ruas, ou seja, a porcentagem de área de calçada coberta pela copa das árvores (ANGELO, 2017; ARRUDA, et al., 2013). O índice de cobertura arbórea pode ser calculado pela Equação 4: ICA= (ƩAV/ƩAR) x 100 (Equação 4) Em que: ICA= Índice de Cobertura Arbórea (%); AV= área verde (m²); AR = área da calçada (m²). De acordo com Simões et al. (2014), em zonas centrais, onde a atividade comercial é predominante, o ICA deve ser de no mínimo 30%, já em zonas residenciais, o ICA mínimo deve ser de 50% de cobertura arbórea. Kanieski (2018) 50 Arborização Urbana 8.1.4 Índice de Árvores por Quilômetro de Calçada Arborizada (IAQC) O índice de árvore por quilômetro de via existente ou índice de árvores por quilômetro de calçada arborizada determina o número de árvores por quilômetro linear de ruas, permitindo observar o espaçamento entre plantas, sendo um parâmetro que pode indicar a necessidade de novos plantios (para espaçamentos muito distantes) ou mesmo a retirada de árvores caso o espaçamento esteja muito adensado (ANGELO, 2017; SILVA FILHO; BORTOLETO, 2005). De acordo com São Paulo (2005), o ideal é que as árvores estejam espaçadas de 5 a 12 metros uma das outras (dependendo do porte e diâmetro de copa). Esse índice é calculado pela equação 6. IAQC= Narv/TkmCA (Equação 6) Em que: IAQC= Índice de Árvores por Quilômetro de Calçada Arborizada (árv/km); Narv= número de árvores na amostra; TKmCA= total de quilômetros de calçadas arborizadas na amostra (km). 8.1.6 Índice de Odum (d1) Esse índice é um índice que avalia a diversidade de espécies, sendo bastante utilizado na avaliação de arborização urbana (ANGELO, 2017) (Equação7). Quanto maior o valor do índice maior a diversidade (SCHAAF et al., 2006; RODE et al., 2009). Segundo Milano (1984), cada espécie não deve ultrapassar 15% do total de indivíduos da população arbórea, com o intuito de minimizar riscos de pragas e doenças, além de intempéries às quais as espécies possam ser submetidas. d1= S/ln(N) (Equação 7) Em que: d1= Índice de Odum; S= número total de espécies; Kanieski (2018) 51 Arborização Urbana N= número total de indivíduos avaliados; ln= logaritmo neperiano. 8.1.7 Número de árvores potenciais (Npot) O número de árvores potenciais (Npot) é obtido pela subtração de 133 (número de árvores em 1 km, nos dois lados da via, espaçadas em 15 m, com espécies não ultrapassando 10% de exemplares) e o número de indivíduos presentes na área inventariada (ANGELO, 2017, SILVA FILHO; BORTOLETO, 2005; BIZ et al., 2015). É calculado pela seguinte equação: Npot= 133 - Nexist (Equação 8) Em que: Npot = o número de árvores potenciais; Nexist = Número de árvores existentes. 8.1.8 Índice de diversidade futura de Odum (Dfut) O Dfut é um indicador de diversidade futura, após a adição de novas espécies (ANGELO, 2017; SILVA FILHO; BORTOLETO, 2005) e pode ser calculado pela equação 9. Dfut= [(d1 + S)-1]/ln(Npot + Nexist) (Equação 9) Em que: Dfut = Índice de diversidade futura de Odum; d1 = Índice de diversidade de Odum; S= Número de espécies; Npot= Número de árvores potenciais; Nexist= Número de árvores existentes. Kanieski (2018) 52 Arborização Urbana 9 Espécies Arbóreas para Arborização Urbana As espécies utilizadas na arborização de ruas devem ser muito bem selecionadas, devido às condições adversas a que são submetidas. Em condições de mata natural, fatores como porte, tipo e diâmetro de copa, hábito de crescimento das raízes e altura da primeira bifurcação se comportam diferentemente em comparação ao meio urbano (GONÇALVES, 2009). Na seleção de espécies deve-se considerar também fatores como adaptabilidade, sobrevivência e desenvolvimento no local do plantio. Apesar de ser importante uma maior diversidade de espécies na área verde total de uma localidade, é importante a escolha de uma só espécie para cada rua, ou para cada lado da rua, ou para certo número de quarteirões (Figura 26). Isso facilita o acompanhamento do seu desenvolvimento e as podas de formação e contenção, quando necessárias (GONÇALVES, 2009). Figura 26. Uniformidade na distribuição de espécies na arborização urbana de Não- me-toque, RS, com apenas uma espécie em cada lado da rua Foto: www.naometoquers.com.br 9.1 Aspectos a serem observados na escolha de espécies para a arborização urbana A seguir seguem diferentes aspectos a serem observados para a escolha de espécies para a arborização urbana, baseado em Gonçalves (2009): Kanieski (2018) 53 Arborização Urbana 9.1.1 Desenvolvimento Para a arborização urbana é aconselhável a escolha de plantas de crescimento lento, uma vez que, normalmente, estas apresentam boa formação de copa e suas raízes são profundas. As árvores de crescimento rápido, normalmente, apresentam constituição frágil e com má formação anatômica, quebrando facilmente com a ação do vento. O plantio de espécies de crescimento lento, muitas vezes, conduz à ilusão de que seu desenvolvimento vai demorar muito e que estas serão mais facilmente danificadas pela população. No entanto, com a escolha de mudas adequadas para o plantio, corrige- se esse problema (são consideradas mudas adequadas aquelas que possuem altura mínima de 2,20m e diâmetro superior a 2cm). É importante salientar também que o atendimento das exigências específicas, como clima, solo e umidade, pode ser fator decisivo no sucesso da arborização urbana. Comumente, espécies de sombra, plantadas a pleno sol, ou espécies que requerem pouca umidade, plantadas em lugares encharcados, por exemplo, são vistas como responsáveis por planos de arborização fracassados. Assim, um levantamento prévio de todas as exigências de desenvolvimento da espécie deve ser feito e atendido, na medida do possível, se se quer alcançar êxito na arborização da cidade. 9.1.2 Copa Existe, para cada tipo de clima, um tipo de copa adequado. De modo geral, em locais de clima tropical, recomendam-se copas que deem boa sombra, mas que não dificultem o arejamento do local, com preferência para espécies de folhagem perene. Para local de clima frio, as espécies de copa rala, que perdem ou não suas folhas, são as mais indicadas. Outro aspecto a ser observado quanto à dimensão das copas é o fato de estas ofuscarem ou ocultarem prédios ou fachadas que apresentem valor artístico ou cultural. Podem ser usadas plantas para ocultar fachadas indesejáveis, mas nunca aquelas que Kanieski (2018) 54 Arborização Urbana apresentam valor ornamental ou paisagístico. Além disso, a má escolha e a colocação podem influir, prejudicando a iluminação artificial das ruas. Assim, o formato da copa deve se adequar, inclusive, ao tipo de iluminação do local. Devem-se conhecer as características das espécies quando adultas, para que possamos planejar, adequadamente, a sua colocação em local público, uma vez que, depois de plantadas, torna-se difícil e até mesmo problemática a sua remoção. Para fins práticos, é importante conhecer o desenvolvimento da copa, para adequá-la ao espaço aéreo disponível. Portanto, é importante conhecer o diâmetro longitudinal, o raio transversal em direção à rua e o raio transversal em direção à construção (Figura 27), pois, se incompatíveis, essas medidas podem trazer transtornos para o trânsito e para os moradores. Figura 27. Medidas importantes em relação ao tamanho da copa Fonte: Gonçalves (2009) 9.1.3 Porte Em canteiros centrais de avenidas, em calçadas largas e em ruas largas, pode-se optar pelo uso de árvores de porte grande (Figura 28) ou médio. No entanto, em calçadas estreitas, deve-se optar por espécies de pequeno ou médio porte. Kanieski (2018) 55 Arborização Urbana Figura 28. Flamboyants ao longo de uma avenida larga Foto: www.yudamazonia.blogspot.com Sob fiação, a escolha deve recair sobre espécies de pequeno porte, de modo a não provocar problemas na rede elétrica. Se esses cuidados não forem tomados, em pouco tempo haverá a necessidade de podas, que ocasionam prejuízos, deformam e tiram a beleza natural das árvores (Figura 29). Figura 29. Poda drástica realizada em árvore sob fiação elétrica em Ribeirão Preto, SP (a poda drástica é considerada crime de acordo com a lei de crimes ambientais e poderia ter sido evitada se fosse feita uma escolha adequada de espécies para o local) Foto: Carlos Natal (2014) De modo geral, o porte inadequado das árvores na arborização urbana conflita com as redes de energia elétrica, prejudicando também as fachadas dos prédios, as Kanieski (2018) 56 Arborização Urbana placas de sinalização e o deslocamento dos veículos. A escolha adequada da espécie, em função do espaço aéreo disponível para o seu desenvolvimento pleno, elimina a necessidade de poda. Observadas as condições de plantio quanto ao espaço aéreo e porte adequado, alguma poda pode ser exigida, mas essa será restrita simplesmente a aspectos de limpeza e aeração para a saúde da árvore, e nunca à mudança na sua conformação natural. 9.1.4 Folhas Em muitos casos, a folhagem das árvores constitui-se o atrativo principal, quer seja pela ausência de flores vistosas, quer seja pelo maior período de folhagem, comparado com ao de floração, quer seja pela beleza natural da folhagem (Figura 30). Figura 30. Folhagem característica da espécie Acer palmatum Foto: www.australianseed.com Em termos práticos,
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