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Livro Método e Interpretação Bíblica

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Ricardo Souza

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Prévia do material em texto

MÉTODOS E 
INTERPRETAÇÃO 
BÍBLICA
Professor Dr. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
GRADUAÇÃO
Unicesumar
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a 
Distância; ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. 
 
 Métodos e Interpretação Bíblica. Júlio Paulo Tavares Zabatiero. 
 Maringá-Pr.: UniCesumar, 2016. Reimpresso em 2020.
 278 p.
“Graduação - EaD”.
 
 1. Métodos. 2. Interpretação. 3. Bíblica. 4. EaD. I. Título.
ISBN 978-85-459-0435-9
CDD - 22 ed. 220
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário 
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Impresso por:
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Diretoria Executiva
Chrystiano Minco�
James Prestes
Tiago Stachon 
Diretoria de Graduação
Kátia Coelho
Diretoria de Pós-graduação 
Bruno do Val Jorge
Diretoria de Permanência 
Leonardo Spaine
Diretoria de Design Educacional
Débora Leite
Head de Curadoria e Inovação
Tania Cristiane Yoshie Fukushima
Gerência de Processos Acadêmicos
Taessa Penha Shiraishi Vieira
Gerência de Curadoria
Carolina Abdalla Normann de Freitas
Gerência de de Contratos e Operações
Jislaine Cristina da Silva
Gerência de Produção de Conteúdo
Diogo Ribeiro Garcia
Gerência de Projetos Especiais
Daniel Fuverki Hey
Supervisora de Projetos Especiais
Yasminn Talyta Tavares Zagonel
Coordenador de Conteúdo
Roney de Carvalho
Designer Educacional
Yasminn Talyta Tavares Zagonel
Projeto Gráfico
Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
Arte Capa
Arthur Cantareli Silva
Ilustração Capa
Bruno Pardinho
Editoração
Fernando Henrique Mendes
Qualidade Textual
Daniela Ferreira dos Santos
Yara Martins Dias
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos 
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade, 
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos 
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e 
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos 
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: 
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, 
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos 
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e 
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros 
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por 
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma 
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos 
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos 
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades 
de todos. Para continuar relevante, a instituição 
de educação precisa ter pelo menos três virtudes: 
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de 
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam 
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é 
promover a educação de qualidade nas diferentes 
áreas do conhecimento, formando profissionais 
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento 
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está 
iniciando um processo de transformação, pois quando 
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou 
profissional, nos transformamos e, consequentemente, 
transformamos também a sociedade na qual estamos 
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de 
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com 
os desafios que surgem no mundo contemporâneo. 
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de 
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo 
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens 
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica 
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando 
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em 
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado 
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal 
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o 
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento 
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas 
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos 
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. 
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu 
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns 
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe 
de professores e tutores que se encontra disponível para 
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de 
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
A
U
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Professor Dr. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
Doutorado em Teologia pela Escola Superior de Teologia (2000). Mestrado 
em Teologia pela mesma instituição (1995). Graduação em Teologia pela 
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (1980). Atualmente é professor 
da Faculdade Teológica Sul Americana e coordena o Instituto de Teologia 
Humanidades e Artes do Vale do Paraíba (ITHAVALE). Suas experiências são na 
área de Teologia e Ciências da Religião, atuando principalmente nos temas: 
Exegese Bíblica, Judaísmo Antigo, Análise do Discurso, Teologia Pública e 
Sociologia da Religião.
Link: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id= 
K4777582U6
SEJA BEM-VINDO(A)!
Olá, aluno(a)! Seja bem-vindo(a) a mais uma disciplina de nosso curso de Bacharelado 
em Teologia! É uma bênção poder contar com sua participação e sua companhia conos-
co no Unicesumar. Nossa expectativa é que o curso seja uma bênção e que lhe propicie 
momentos de edificação e companheirismo no aprendizado da Teologia.
Esta disciplina tem como título: MÉTODOS E INTERPRETAÇÃO BÍBLICA. Como o título 
indica, é uma disciplina que ensinará como fazer algo. Ou seja, ensinará você a interpre-
tar a Bíblia de um modo mais aprofundado, disciplinado e, teoricamente, consistente.
Em certo sentido, você já sabe interpretar a Bíblia. De fato, mesmo sem conhecimento 
teológico, toda pessoa é capaz de ler e entender razoavelmente bem uma boa parte dos 
textos bíblicos. Entretanto, a interpretação de textos antigos como os da Bíblia deman-
da mais do que o conhecimento e a capacidade adquiridos na vida cotidiana.
Você já sabe, por exemplo, que os livros da Bíblia foram escritos em três idiomas: hebrai-
co (quase todo o Antigo Testamento), aramaico (poucas partes do Antigo Testamento) e 
grego (Novo Testamento). Também já sabe que foram escritos em lugares e épocas bem 
diferentes dos nossos: no Antigo Oriente Próximo, a partir do século XII a.C., o Antigo 
Testamento foi escrito. Já o Novo Testamento foi escrito ao longo das duas margens do 
Mar Mediterrâneo, ou seja, na região do Oriente, mas também no que hoje conhecemos 
como o sul da Europa (na região da Itália e Grécia, principalmente).
Essas distâncias geográficas, cronológicas e culturais tornam a interpretação da Bíblia 
um desafio. O desafio de conhecermos e compreendermos modos de viver e de explicar 
a vida bem distintos dos nossos. E, em especial, modos de crer em Deus e viver a fé que 
não são idênticos aos nossos.
Além dessas razões, a interpretação da Bíblia é desafiadora porque cremos que nela está 
a Palavra de Deus para nós. Lemos a Bíblia para conhecer melhor a Deus e para viver 
mais de acordo com o Seu desejo e plano para a Sua criação. Por isso, nossa leitura de-
manda excelência.Não podemos “ler de qualquer jeito”. Precisamos ler com dedicação, 
cuidado, afinco, perseverança e qualidade.
Por isso, precisamos aprender métodos que são modelos de como fazer algo. Ler é algo 
que pode ser feito de diferentes maneiras. Algumas melhores, outras nem tanto. Mas 
não há uma única maneira de ler adequadamente um texto. Assim, você aprenderá 
diferentes métodos. Entretanto, precisamos escolher um método para aprender com 
mais profundidade e para poder aplicar com mais constância. Nesta disciplina, você en-
contrará as duas coisas: métodos para poder escolher e um método para aprofundar e 
começar a usar.
Métodos não são inventados a partir do nada. Por isso, começaremos a disciplina com 
uma descrição de aspectos cruciais da história da interpretação da Bíblia, começando 
com a própria Bíblia. É verdade, pois dentro dela mesmo encontramos formas de in-
terpretar textos bíblicos que podem nos ajudar a entender o que é ler com proveito. 
Veremos como a Bíblia foi interpretada ao longo da história das Igrejas Cristãs, antes, 
durante e depois da Reforma. 
APRESENTAÇÃO
MÉTODOS E INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
Estudaremos com mais detalhes o que eu chamo de paradigma histórico da in-
terpretação da Bíblia. Até meados do século passado, era o modo mais comum e 
conhecido de interpretação da Bíblia. O que poucos sabem, porém, é que, nas ori-
gens dos métodos históricos de interpretação da Bíblia, encontramos os escritos de 
um filósofo, Espinosa, que não era um cristão atuante, mas uma pessoa que buscou 
seriamente compreender o mundo. Em um de seus livros, dedicou um capítulo ao 
tema de como interpretar a Bíblia. Com base nesse capítulo, começou a se desen-
volver o paradigma histórico.
Depois, estudaremos uma forma de renovação do paradigma histórico, desenvolvi-
da no Brasil e América Latina, nas décadas de 1970 em diante. O que eu chamo de 
hermenêuticas sóciocontextuais. Estudaremos dois métodos distintos: o da her-
menêutica contextual e da leitura popular da Bíblia.
Finalizaremos nossa disciplina com o estudo do método sêmio-discursivo, desen-
volvido a partir dos anos 1990, e que engloba tanto o paradigma histórico quanto a 
sua renovação sóciocontextual.
O conteúdo desta disciplina faz parte de minha vida acadêmica desde o seu início. 
Sempre me preocupei com a leitura da Bíblia: os métodos, os objetivos, as atitudes, 
as finalidades com que lemos a Bíblia. Por isso, também escrevi alguns livros que 
estão na base do que você estudará aqui. Ler a Bíblia com qualidade e paixão! São 
essas as atitudes indispensáveis para aprender a ler a Escritura com eficiência. Es-
pero que você também as desenvolva. Mais do que métodos, são as atitudes que 
contam. Os métodos são ferramentas, não são a leitura em si.
Tenha um ótimo proveito deste estudo. Paz e bênção!
Prof. Júlio Paulo.
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
09
UNIDADE I
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
15 Introdução
16 A Interpretação da Bíblia: Definindo Hermenêutica e Exegese 
24 Interpretação de Textos Bíblicos na Própria Bíblia 
29 História da Interpretação da Bíblia: A Hermenêutica na Igreja Antes da 
Reforma
34 História da Interpretação da Bíblia: A Hermenêutica no Período da 
Reforma
44 História da Interpretação da Bíblia: Uma Visão Panorâmica da 
Hermenêutica Evangélica Atual (1)
49 História da Interpretação da Bíblia: Uma Visão Panorâmica da 
Hermenêutica Evangélica Atual (2)
57 Considerações Finais 
65 Gabarito 
UNIDADE II
A INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DA ESCRITURA
69 Introdução
70 A Hermenêutica de Espinosa e o Surgimento da Exegese Histórica (1) 
79 A Hermenêutica de Espinosa e o Surgimento da Exegese Histórica (2) 
89 A Exegese Histórico-Gramatical 
93 A Exegese Histórico-Crítica 
SUMÁRIO
10
95 A Exegese Histórica: Uma Visão Crítico-Valorativa 
104 Considerações Finais 
111 Gabarito 
UNIDADE III
A INTERPRETAÇÃO SÓCIO-CONTEXTUAL DA ESCRITURA
115 Introdução
116 A Hermenêutica Contextual 
125 A Leitura Popular da Bíblia 
138 Exemplo de Exegese Popular Sociológica 
143 Exemplo de Exegese Popular Sociológica (2) 
149 Exemplo de Exegese Contextual 
158 Considerações Finais 
165 Gabarito 
UNIDADE IV
A INTERPRETAÇÃO DISCURSIVA DA ESCRITURA
169 Introdução
170 Fundamento Teórico 
178 O Método em Ação – Fases Preliminar e Preparatória 
187 O Método Em Ação – Fase Final – I Ciclo: Dimensão Espaço-Temporal da 
Ação
SUMÁRIO
11
194 O Método em Ação – Fase Final - II Ciclo: Dimensão Teológica da Ação (1) 
202 O Método em Ação – Fase Final - II Ciclo: Dimensão Teológica da Ação (2)
217 Considerações Finais 
222 Gabarito 
UNIDADE V
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
225 Introdução 
226 O Método Em Ação – Fase Final - III Ciclo: A Dimensão Sóciocultural da Ação 
– Caminho da Narratividade
234 O Método em Ação – Fase Final - III Ciclo: A Dimensão Sóciocultural da Ação 
– Caminho da Interdiscursividade
239 O Método em Ação – Fase Final - IV Ciclo: A Dimensão Psicosocial da Ação 
249 O Método em Ação – Fase Final - V Ciclo: A Dimensão 
262 Exemplo de Exegese Sêmio-Discursiva 
271 Considerações Finais 
279 Gabarito 
280 CONCLUSÃO 
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A
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E I
Professor Dr. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA 
DA INTERPRETAÇÃO DA 
ESCRITURA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Explicar o que é interpretação bíblica, a partir dos conceitos de 
exegese e hermenêutica.
 ■ Descrever as principais características da interpretação bíblica na 
Escritura.
 ■ Descrever as principais características da interpretação bíblica nos 
Pais da Igreja e na Idade Média.
 ■ Descrever as principais características da interpretação bíblica dos 
reformadores.
 ■ Descrever as principais características da interpretação bíblica 
evangélica atual.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ A interpretação da Bíblia: definindo hermenêutica e exegese
 ■ Interpretação de textos bíblicos na própria Bíblia
 ■ História da Interpretação da Bíblia: a hermenêutica na Igreja antes da 
Reforma
 ■ História da Interpretação da Bíblia: a hermenêutica no período da 
Reforma
 ■ História da Interpretação da Bíblia: uma visão panorâmica da 
hermenêutica evangélica atual (1)
 ■ História da Interpretação da Bíblia: uma visão panorâmica da 
hermenêutica evangélica atual (2)
Introdução
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INTRODUÇÃO
Olá, aluno(a)! É um prazer estar com você estudando o importante tema da inter-
pretação bíblica. Nesta primeira unidade, estudaremos os principais conceitos 
utilizados na disciplina acadêmica da Hermenêutica e Exegese. Termos como 
hermenêutica, exegese, leitura, análise do discurso, releitura etc. Para dominar 
bem uma disciplina e saber usar os métodos que ela desenvolve, você precisa 
conhecer e dominar os conceitos (termos técnicos) da disciplina.
Além disso, você aprenderá como a interpretação da Bíblia começou a 
acontecer na própria Bíblia. Verá como autores do Antigo e Novo Testamento 
interpretavam os seus textos. É verdade! A interpretação da Bíblia começa na 
própria Bíblia e aprenderemos os princípios usados pelos autores bíblicos na 
interpretação em sua época.
Depois, veremos os princípios de interpretação utilizados pelos Pais da Igreja 
(teólogos, pastores e bispos que, nos séculos II-V d. C., desempenharam um 
papel importante na formulação da doutrina cristã eclesiástica).
A seguir, estudaremos a interpretação medieval da Escritura. Neste período 
(sécs. VI-XV d. C.), a Igreja Católica Apostólica Romana era a única institui-
ção eclesiástica cristã existente. Nesse tempo, desenvolveu-se a interpretação 
chamada sensus plenior, uma atualização da hermenêutica dos Pais da Igreja. É 
uma metodologia importante e deve ainda ser levada em conta nos nossos dias.
Finalizaremos nosso livro com a reflexão sobre a interpretação da Bíblianos 
meios evangélicos brasileiros da atualidade. Dei um salto histórico para a nossa 
época porque, com muita probabilidade, você aprendeu a interpretar a Bíblia den-
tro dos parâmetros do mundo cristão atual. Assim, é importante que você possa 
olhar criticamente para a sua prática, e é importante notar como a interpretação 
da Bíblia se dá fora da Academia. Muito bem! O terreno é longo, mas proveitoso. 
Mãos à obra e que Deus lhe abençoe!
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IU N I D A D E16
A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA: 
DEFININDO HERMENÊUTICA E EXEGESE
Aluno(a), talvez você tenha estranhado o título deste tópico: “o estudo da her-
menêutica”. Que palavra é essa? Bem, hermenêutica é uma palavra importada da 
língua grega. No grego da época do Novo Testamento, usava-se o verbo herme-
neuo – com o significado de “traduzir”, “interpretar’. O substantivo hermeneutes 
significava “tradutor”, “intérprete”. Havia até um deus na religião grega, de nome 
Hermes, cuja tarefa primária era traduzir a fala dos deuses para os seres humanos. 
Então, a palavra hermenêutica, em nossa língua, é usada para se referir à “interpre-
tação” (o ato de interpretar) e também para se referir à ciência da interpretação, 
a Hermenêutica. Agora, você já conhece o primeiro termo técnico indispensável 
para estudar esta disciplina e ler a bibliografia sobre o assunto da interpretação 
da Bíblia. Há, porém, mais um termo técnico que você precisa aprender antes de 
continuar o estudo: exegese. Também é uma palavra importada da língua grega. 
No grego do período do Novo Testamento, usava-se o verbo exegeomai que 
poderia significar: explicar, relatar, contar, ou interpretar. Em João 1,18, lemos: 
“Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem 
o revelou” – o verbo “revelou” traduz o verbo exegeomai, que poderia também 
ser traduzido como explicou ou anunciou. Literalmente, o verbo grego signi-
fica: “conduzir para fora”, mas ele nunca é usado no Novo Testamento com esse 
sentido. Em português, quase não usamos a forma verbal “exegetar” – embora 
seja correta, não é de uso comum. Usamos, sim, o substantivo exegese, com o 
sentido técnico de “análise interpretativa” ou “interpretação” de textos bíblicos.
A Interpretação da Bíblia: Definindo Hermenêutica e Exegese 
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Há diferença de sentidos entre hermenêutica e exegese? Sim e não! (Vá se 
acostumando com esse tipo de resposta, pois, na linguagem técnica das ciên-
cias, os termos recebem diferentes sentidos conforme os autores e autoras que 
os utilizam). Não há diferença se usamos os dois termos apenas para signifi-
car “interpretação”. Entretanto, há usos desses termos na Teologia que mostram 
diferenças marcantes: (1) às vezes, exegese é o termo usado para o método de 
interpretação, enquanto hermenêutica se refere à teoria da interpretação; (2) às 
vezes, hermenêutica é usado nos dois sentidos de método e teoria, então, fica, 
de novo, sinônimo de exegese; (3) às vezes, hermenêutica é usada no sentido de 
“aplicação” ou “atualização” do sentido do texto bíblico para o tempo do intér-
prete; então, nesse caso, exegese se refere à interpretação do sentido do texto 
bíblico no contexto em que foi escrito.
É isso? Bem, ainda falta algo mais. Usamos também outros termos para falar 
da interpretação da Bíblia nos cursos de Teologia. Leitura e releitura também são 
termos usados. Normalmente, leitura é sinônimo de exegese (interpretação do 
texto em seu contexto) e releitura é sinônimo de hermenêutica (atualização do 
sentido do texto). Por fim, também se usa o termo análise do discurso e/ou aná-
lise semiótica do discurso. Esses dois nomes não são tão comuns no campo da 
Teologia. Ambos veem de estudos da Linguística e Literatura na França (prin-
cipalmente). São nomes de duas disciplinas científicas derivadas da Linguística 
que têm algo em comum, mas também diferenças de sentido e prática. De qual-
quer modo, para nosso uso no momento, basta saber que são diferentes técnicas 
de interpretação de texto, baseadas na Linguística.
Em que essas técnicas se diferenciam da Hermenêutica? Principalmente 
porque a Hermenêutica é uma disciplina acadêmica ligada à Filosofia e não à 
Linguística. Ademais, enquanto a hermenêutica se preocupa principalmente com 
a interpretação do sentido, as Análises do Discurso se preocupam primariamente 
com o processo de produção do sentido dentro da sociedade, especialmente em 
relação à política e à cultura.
Como introdução, já basta! Você terá chance de voltar a esses termos téc-
nicos ao longo da disciplina. Vamos, então, estudar por que precisamos de 
Hermenêutica (ou de métodos de interpretação).
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IU N I D A D E18
O estudo da Hermenêutica
Quando examinamos a interpretação da Bíblia que se faz em igrejas cristãs, vemos 
que são muito diversificadas as interpretações que pregadoras e pregadores dão 
aos mesmos textos bíblicos. Um texto como Isaías 53, por exemplo, pode servir 
para defender a ausência de doenças, pois Cristo “carregou sobre si nossas enfer-
midades”; para afirmar a necessidade de fé em Cristo, “mas ele foi traspassado 
pelas nossas transgressões”; para defender a prosperidade, “pois eu lhe darei mui-
tos como a sua parte e com os poderosos repartirá ele o despojo”; para defender a 
humildade e a obediência a Deus, “ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu 
a boca”; e eu poderia continuar a alistar mais e mais exemplos. A situação não 
é tão diferente nos meios acadêmicos, em que mais e mais comentários a cada 
livro da Bíblia são publicados, com novas propostas de leitura, novas soluções 
para antigos problemas exegéticos, novas interpretações para textos familiares. 
Nas igrejas e nas academias teológicas, a novidade também é moeda corrente.
Por que precisamos de uma hermenêutica?
Tanta novidade assim também é expressão de perplexidade. Sinal de que não se 
sabe muito bem o que fazer, de que hábitos antigos já não têm mais tanto valor 
quanto antes imaginávamos que tivessem. Tempos pós-modernos diriam algu-
mas pessoas! Tempos de relativismo, de pluralismo, de contextualismo, de tantos 
ismos que a gente pode escolher o nosso próprio ismo nas prateleiras dos super-
mercados culturais. Mas há mais do que esse tipo de ismos. Há também a busca 
de certezas, de estabilidades, de verdades em que ainda valha a pena acreditar. Os 
limites dos hábitos anteriores não devem nos impedir de reconhecer seus valores 
e de buscar, a partir deles, aperfeiçoamento, melhora de qualidade, novos hábitos 
mais eficazes, mais criativos, mais realizadores. Por isso, precisamos estudar her-
menêutica em um curso de Teologia. Não para inventar tudo de novo, mas para 
contribuir para o avanço de nossas habilidades interpretativas. Não para fechar 
a questão, mas para apresentar novas perguntas e possibilidades. Por que a Bíblia 
é importante? Por que os tempos em que vivemos são complexos? Precisamos 
fazer melhor algumas das coisas que fazíamos antes. Ler a Bíblia é uma dessas 
A Interpretação da Bíblia: Definindo Hermenêutica e Exegese 
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práticas que valem a pena ser mantidas. Precisamos continuar lendo a Bíblia, 
mas lendo melhor, mais criativamente, mais fielmente. Por quê?
Por que a Bíblia é um livro diferente?
De fato, como sabemos, a Bíblia não é um livro, mas uma pequena biblioteca de 
sessenta e seis livros (no cânon adotado por protestantes), ou setenta e três (no 
cânon adotado por católico-romanos). Uma biblioteca de duas religiões: judaica e 
cristã. Uma bibliotecade dois mundos culturais: oriental e ocidental. Uma biblio-
teca de livros provenientes de lugares e épocas diferentes. Uma biblioteca de livros 
escritos em três idiomas distintos (hebraico, aramaico e grego) e traduzida para 
inúmeros outros idiomas. Uma biblioteca sem as primeiras edições de seus livros – 
não temos nenhum manuscrito original dos livros da Bíblia, apenas cópias antigas 
também manuscritas, que serviram de base para as edições impressas dos textos 
nas línguas originais e nas traduções. (As edições impressas da Bíblia são muito 
recentes, durante muitos séculos os livros da Bíblia eram manuscritos, copiados 
geração após geração, circulando em vários lugares e sofrendo pequenas alterações 
no processo de cópia). Uma biblioteca de livros com os mais variados gêneros lite-
rários e temas: narrativas, leis, cartas, interpretações da história do povo de Deus, 
profecias, exortações, canções litúrgicas e canções de amor.
Outra peculiaridade dos livros da Bíblia, em relação as nossas práticas de 
escrever livros, é que boa parte deles não foi escrita pela mesma pessoa, nem em 
um curto período de tempo. Para sermos exatos, nem deveríamos chamar os livros 
da Bíblia de “livros”, pois isso já nos faz pensar em um tipo muito específico de 
obra. Veja o “livro” dos Salmos, por exemplo, não é um livro, mas uma coletâ-
nea de orações, de poemas e de hinos litúrgicos, escritos por pessoas diferentes, 
em épocas e lugares diferentes, e usados em diversas liturgias e festividades cúlti-
cas ao longo da história de Israel. Os doze “livros” dos profetas menores, por sua 
vez, eram considerados um único “livro” nos tempos bíblicos após sua escrita – 
porque eles ocupavam um “rolo” de pergaminho – um dos materiais de escrita 
utilizados. A chamada “literatura paulina” se compõe exclusivamente de cartas, 
assim como as “obras” de Pedro e Judas, e há um livro do Novo Testamento que 
não é nem livro, nem carta, nem sermão – Hebreus!
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Essas características da biblioteca que chamamos de Palavra de Deus exi-
gem, consequentemente, um trabalho interpretativo disciplinado. Mesmo se 
o objetivo da leitura for devocional, não podemos abrir mão de interpretar o 
texto a partir de suas próprias características literárias e linguísticas, nem pode-
mos deixar de ler o texto à luz do seu próprio contexto. Uma leitura devocional 
não terá as mesmas características de uma leitura acadêmica, mas os princípios 
básicos, derivados da natureza sociocultural da Bíblia, não podem deixar de ser 
aplicados. A diversidade literária, social, cultural e religiosa da Bíblia gerou, 
em meios acadêmicos, amplas e detalhadas pesquisas e constituiu todo um 
campo de estudos que é composto por várias disciplinas acadêmicas: geografia e 
arqueologia bíblicas, introdução aos escritos bíblicos, história dos tempos bíbli-
cos, estudo dos idiomas bíblicos, teologia bíblica, exegese e hermenêutica bíblica. 
As riquezas da pesquisa acadêmica da Bíblia não podem ser desperdiçadas, 
mesmo quando não seguimos os seus métodos, não concordamos com seus 
resultados, ou simplesmente quando nossos interesses na leitura da Bíblia são 
distintos dos interesses acadêmicos.
Graças a esse imenso esforço de muitas pessoas ao longo dos últimos três 
séculos, temos hoje a nossa disposição uma vasta bibliografia especializada em 
diversas áreas do estudo da Bíblia. Gramáticas e livros-texto para aprendizado das 
línguas bíblicas, léxicos e dicionários teológicos de grego, hebraico e aramaico; 
séries de comentários exegéticos, literários, sociológicos, homiléticos, feministas 
etc.; compêndios de arqueologia bíblica, história de Israel, história do período do 
Novo Testamento; introduções ao Antigo e Novo Testamentos; manuais sobre 
formas literárias da Bíblia; manuais de crítica textual, de metodologia exegé-
tica e muito mais. Graças a essa bibliografia, nosso trabalho de interpretação 
fica bastante facilitado, pois muitas questões já foram resolvidas por estudiosos. 
Ao mesmo tempo, porém, precisamos tomar cuidado com a maneira mediante 
que usamos essa bibliografia. Ela não pode substituir o nosso trabalho de aná-
lise cuidadosa e interpretação do texto bíblico, deve servir como auxiliar e não 
como guia da nossa interpretação.
Para muitas pessoas, a Bíblia é apenas mais uma coleção de livros. Mas, 
para muitas outras, gente como nós que estuda Teologia, é muito mais do que 
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uma coleção de livros. É Palavra de Deus. Como Palavra de Deus, encanta-nos 
(quantos textos da Bíblia marcaram nossa vida por sua beleza e riqueza), às vezes 
nos chateia (experimente ler aqueles vários capítulos de genealogias, de descri-
ções de rituais sacrificiais) e nos faz trabalhar duro para entendê-la (afinal de 
contas, quem são as bestas do Apocalipse? O que era o tal batismo pelos mor-
tos que os cristãos coríntios praticavam? Quem eram os filhos de Deus que se 
casaram com as filhas dos homens?). Como palavra de Deus, desafia-nos, exor-
ta-nos, ensina-nos, corrige-nos, conforta-nos, transforma-nos, alimenta nossa 
fé, capacita-nos para fazer a vontade de Deus, sermos felizes, praticarmos a mis-
são e os seus ministérios.
Por que o caminho aqui proposto é diferente?
Resumindo e simplificando quase ao extremo, as práticas de exegese da Bíblia 
mais comuns nos últimos duzentos anos são: (1) leituras devocionais dos mais 
variados tipos, nas quais se busca, de forma intuitiva e sem muito trabalho com 
o texto, ouvir o que Deus tem a nos dizer hoje; (2) leituras homiléticas dos mais 
variados tipos, nas quais o texto é estudado em função do que se busca: o melhor 
sermão para a comunidade; (3) leituras técnicas ou acadêmicas, principalmente 
as históricas (exegese histórico-crítica e exegese histórico-gramatical), que são as 
mais antigas e ainda mais comumente praticadas no ambiente acadêmico, mas 
também as sociológicas, as antropológicas, as feministas, as de raça e as diaco-
nais. O que todas essas formas diferentes têm em comum? De uma forma ou de 
outra, todas buscam o sentido do texto. Nos manuais técnicos de exegese, quase 
sempre se define a tarefa da interpretação como “entender o sentido original 
do texto, conforme a intenção do autor, e a compreensão dos seus primeiros lei-
tores” - esse é o primeiro passo, a partir do qual se pergunta pelo “sentido do 
texto para nós hoje”. O que varia nos manuais é principalmente a ordem dessas 
duas tarefas. Tradicionalmente, a ordem é a que eu descrevi acima – a exegese 
tem prioridade sobre a hermenêutica. Mais recentemente, essa ordem tem sido 
invertida – a hermenêutica tem prioridade sobre a exegese.
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Em que sentidos a teoria interpretativa que estudaremos nesta disciplina ofe-
rece um caminho diferente?
Em primeiro lugar, o método aqui proposto pode ser usado igualmente 
para leituras devocionais, homiléticas e técnicas, conforme o interesse de quem 
está estudando a Bíblia, que selecionará, então, partes do método que lhe sejam 
mais úteis.
Em segundo lugar, porque não se prende à ordem do hábito acadêmico de 
interpretação bíblica – você pode começar com a exegese ou com a hermenêutica. 
Tanto faz, pois, de fato, sempre que lemos fazemos as duas coisas simultanea-
mente. Só as distinguimos por razões metodológicas e didáticas. Por isso, nesta 
disciplina, usaremos indistintamente os termos exegese, interpretação, leitura 
e hermenêutica. São termos que, na história, receberam sentidos diferentes e 
definiram propostas distintas de leitura, mas precisam ser revistos e reconheci-dos como sinônimos.
Em terceiro lugar, porque a tarefa fundamental da exegese não é vista como 
a compreensão do sentido do texto, mas dos sentidos da ação no texto e a partir 
do texto. Essa mudança representa uma tentativa de ir além dos limites da inter-
pretação moderna da Bíblia, limites impostos pelas discussões e conflitos entre fé 
e razão, ciência e revelação, objetividade e subjetividade, deísmo e teísmo; e, mais 
importante, pela prioridade do sujeito individual, masculino, branco, racional e 
norte-atlântico, e pela prioridade da teoria sobre a prática. A leitura da Bíblia é 
Há uma importante diferença entre os objetivos de interpretação da Bíblia 
na “igreja” e na “academia”. Normalmente, na Igreja, se lê a Bíblia para pregar, 
formar doutrina, ensinar a viver a fé cristã nos dias “de hoje”. Na academia, 
dá-se mais ênfase ao conhecimento da época do texto bíblico, dos proble-
mas que o texto tentava resolver, e das formas literárias, retóricas e discursi-
vas usadas na escrita dos textos bíblicos. Por isso, às vezes, se tem a impres-
são de que a leitura acadêmica é “teórica” e “seca”, mas não se trata disso, e, 
sim, de diferença de ênfase. Pode-se usar os métodos acadêmicos para, com 
proveito, atualizar o sentido da Bíblia para a prática cristã.
Fonte: o autor.
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tarefa de comunidades cristãs, eclesiais, missionárias, acadêmicas e familiares. A 
leitura da Bíblia é parte integrante da espiritualidade cristã e da ação ministerial 
e missionária. Isso exige uma mudança do centro da tarefa: por isso, o sentido 
da ação vem ocupar o lugar do sentido do texto enquanto tal.
Em quarto lugar, porque integra as três grandes tendências da leitura: a base-
ada na intenção do autor ou autora, a baseada na intenção da obra e a baseada na 
intenção da leitora ou do leitor. O eixo central é a obra, o texto enquanto expres-
são de um conteúdo que é simultaneamente pessoal e social, pelo que a autoria é 
importante, mas não determinante do sentido. Como consequência, a pergunta 
textual mais importante não é “o que o autor/texto quer dizer?”, mas “que possi-
bilidades de sentido o texto coloca à disposição de quem o lê?”.
Em quinto lugar, porque a mudança da tarefa exige mudança da teoria e do 
método interpretativos. Precisamos de uma teoria da ação que seja, também, 
uma teoria do sentido. Precisamos de um método que priorize a ação, mas simul-
taneamente seja apropriado para o trabalho com textos, pois nos textos que se 
testemunha da ação – de Deus e de sua criação.
Em sexto lugar, porque a mudança da tarefa exige mudança de objetivos 
da interpretação da Bíblia. Neste curso, o objetivo fundamental da leitura da 
Bíblia é a práxis cristã. Lemos a Bíblia para responder à ação de Deus por meio 
da nossa ação, como membros do povo de Deus, visando ao crescimento espiri-
tual, à edificação da Igreja, à realização da missão, à transformação das pessoas, 
grupos sociais e da própria sociedade. Enfim, visando à expansão do Reino de 
Deus que, como Pai, Filho e Espírito Santo é glorificado quando sua vontade é 
realizada na terra e seu propósito se concretiza em nossas vidas.
Antes de aprendermos o método de análise semiótica de textos bíblicos, 
estudaremos os principais métodos de exegese usados na Teologia e nas Igrejas. 
Construiremos um caminho histórico que nos levará à hermenêutica sêmio-dis-
cursiva (semiótico-discursiva), que entendo ser o método mais completo, por 
ora, para estudarmos a Bíblia com proveito. São diversas as disciplinas de um 
curso de Teologia, mas todas formam um grande caminho para que possamos 
aprender a interpretar melhor o texto bíblico, a fim de viver mais intensamente 
a fé e a missão cristãs. Caminho que passa por muitas estações, mas que se com-
põe de um único grande eixo: ler, ler, ler, ler... a Palavra de Deus.
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INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS 
BÍBLICOS NA PRÓPRIA BÍBLIA
A interpretação da Bíblia já começou a existir dentro da própria Bíblia. Os auto-
res e autoras de livros bíblicos também eram leitores (ou exegetas) da Bíblia 
(mesmo ainda não completa canonicamente) e nos deixaram alguns exemplos 
de como liam a Bíblia. Nosso objetivo nesta lição é analisar aspectos importan-
tes da interpretação (hermenêutica) dentro da Escritura.
Aspectos da hermenêutica no Antigo Testamento
Este breve exemplo a seguir, oferece-nos três princípios hermenêuticos no Antigo 
Testamento: (1) um texto sempre é interpretado a partir do contexto de quem 
o interpreta; (2) a interpretação de um texto envolve vários textos com paren-
tesco discursivo (temático); e (3) a interpretação nunca é repetição do sentido 
do texto interpretado, podendo ser uma ampliação, uma reformulação, uma cor-
reção, ou uma nova aplicação.
Um exemplo baseado no conteúdo do texto
Aluno(a), leia com bastante atenção estes três textos bíblicos, de preferência, 
várias vezes:
YHWH, YHWH, Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera, 
rico em graça e fidelidade; que guarda sua graça a milhares, tolera a 
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falta, a transgressão e o pecado, mas a ninguém deixa impune e castiga 
a falta dos pais nos filhos, e os filhos dos seus filhos, até a terceira e a 
quarta geração. (BÍBLIA, Êx 34,6-7).
Saberás, portanto, que YHWH teu Deus é o único Deus, o Deus fiel, 
que mantém a aliança e o amor por mil gerações, em favor daqueles que 
o amam e observam os seus mandamentos; mas é também o que retri-
bui pessoalmente aos que o odeiam; faz com que pereça sem demora o 
que o odeia, retribuindo-lhe pessoalmente. (BÍBLIA, Dt 7,9-10).
“Tu YHWH, Deus de piedade e compaixão, lento para a cólera, cheio de amor 
e fidelidade, volta-te para mim, tem piedade de mim” (BÍBLIA, Sl 86,15-16).
Os trechos descritos estão em ordem cronológica: o mais antigo é o do livro 
do Êxodo, depois o do Deuteronômio e, por fim, o do Salmo 86. Repare como 
o texto de Êxodo é interpretado e reformulado:
1. O texto Deuteronômico interpreta o do Êxodo a partir da nova situação 
urbana em que o Deuteronômio está sendo escrito: (a) desaparece a expressão “a 
falta dos pais nos filhos, e os filhos dos seus filhos, até a terceira e a quarta geração”, 
que é substituída pelas expressões “o que retribui pessoalmente aos que o odeiam 
[...] retribuindo-lhe pessoalmente”. O Deuteronômio interpreta o texto do Êxodo e 
já lhe dá um novo sentido (ou um sentido renovado). O texto do Êxodo fazia bas-
tante sentido em uma comunidade agrária, pouco urbanizada, em que os filhos 
e netos viviam na propriedade do pai (e do avô) e sofriam os efeitos dos proble-
mas do pai (ou do avô) – quando a colheita ia mal, todos sofriam. Já o texto do 
Deuteronômio é escrito em um ambiente urbanizado, onde pais e filhos e netos 
vivem em casas separadas, têm (podem ter) diferentes profissões e suas vidas não 
estão ligadas de forma tão intensa quanto no sítio; (2) pela mesma razão, o termo 
“milhares” de Êxodo é substituído por “mil gerações” e recebe o acréscimo de “em 
favor daqueles que O amam e observam os seus mandamentos”; (3) O texto do 
Deuteronômio é da mesma época (ou talvez um pouco anterior) aos de Ezequiel 18 
e Jeremias 31, textos que também indicam uma mudança de mentalidade em Judá: 
Nesses dias já não se dirá: Os pais comeram uvas verdes e os dentes 
dos filhos se embotaram. Mas cada um morrerá por sua própria falta. 
Todo homem que tenha comido uvas verdes terá os dentes embotados 
(BÍBLIA, Jr 31,29-30). 
A palavra de YHWH me foi dirigida nestes termos:Que vem a ser este provérbio 
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que vós usais na terra de Israel: 
Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados’? 
Por minha vida, oráculo de YHWH, não repetireis jamais este provérbio 
em Israel. Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai, como a do 
filho. Pois bem, aquele que pecar, esse morrerá (BÍBLIA, Ez 18,1-4); 
e (4) o Deuteronômio insere sua própria visão da aliança na interpretação 
de Êxodo: YHWH é descrito como “teu Deus”, “o único Deus”.
2. Já o Salmo 86 cita apenas a primeira parte do texto do Êxodo, deixando de fora 
toda a seção sobre a punição. Por quê? Porque o Salmo 86 é uma oração individual 
de súplica, de modo que o contexto litúrgico da interpretação autoriza o intérprete 
a se apropriar de apenas parte do texto interpretado, a fim de destacar a mensagem 
que deseja comunicar aos seus ouvintes. A interpretação que o Salmo 86 faz do texto 
do Êxodo é exemplo de uma “nova aplicação” do texto em um novo contexto. Não 
se trata de negar os aspectos do texto que não foram citados, nem de ressignificar o 
texto (como no caso do Deuteronômio), mas, sim, de se apropriar do texto em uma 
situação distinta da situação em que o texto interpretado foi elaborado.
Um exemplo baseado na forma do texto
Vejamos outro exemplo, dessa vez, destacando um aspecto mais técnico da inter-
pretação, o recurso à intertextualidade:
Em Dt 12,13-19, há dois exemplos de citação de Êx 20,24, o primeiro no 
verso 14 e o segundo no 15:
(a) Em Dt 12:14 que faz referência ao santuário único e às instruções acerca 
do que fazer no santuário citam Êx 20,24, mas de forma quiástica, ou seja, inver-
tida. A lei do altar em Êx 20,24 tem dois componentes principais:
A Sacrificarás sobre ele tuas ofertas queimadas. 
B em todo lugar onde... 
Dt 12,14 toma esses dois elementos em ordem quiástica, invertida, fazendo 
com que o foco da lei recaia sobre o lugar do sacrifício e não sobre o ato do sacri-
fício (como em Êxodo):
B1 no lugar que Javé tiver escolhido.
A1 lá oferecerás tuas ofertas queimadas. 
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(b) Em Dt 12,15, o texto de Êx 20,24 é ressignificado, de modo a permitir o 
abate de animais nas cidades, longe do altar (o que era exigido no texto do Êxodo):
A sacrificarás sobre o altar tuas ofertas queimadas.
B em todo lugar onde Eu proclamar meu nome Eu virei a ti e te abençoarei. 
O texto do Êxodo é citado invertidamente e ressignificado em Dt 12,15:
A1 conforme o desejo de teu coração poderás abater e comer carne. 
B1 conforme a bênção de Javé teu Deus em cada um de teus portões. 
Aspectos da hermenêutica em o Novo Testamento
Aconteceu, naqueles dias, que Jesus veio de Nazaré da Galiléia e foi ba-
tizado por João no rio Jordão. E, logo ao subir da água, ele viu os céus se 
rasgando e o Espírito, como uma pomba, descer até ele, e uma voz veio dos 
céus: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”. (BÍBLIA, Mc 1, 9-11).
Repare no conteúdo da voz que veio dos céus: as sentenças Tu és o meu filho amado, 
em ti me comprazo vêm do Antigo Testamento e são retiradas de três textos dis-
tintos: Gn 22,2 “Deus disse: ‘Toma teu filho, teu único, a quem amas, Isaque, e 
vai à terra de Moriá, e lá o oferecerás em holocausto sobre uma montanha que 
eu te indicarei” (BÍBLIA, Gn 22,12-16); Sl 2,7 “Publicarei o decreto de YHWH: 
Ele me disse: ‘Tu és meu filho, eu hoje te gerei’.” e Is 42,1 “Eis o meu servo que eu 
sustento, o meu eleito, em quem me comprazo. Pus sobre ele o meu Espírito, ele 
trará o direito às nações”. O Evangelho de Marcos usa diferenciadamente os três 
textos vétero-testamentários: no caso de Gn 22, temos uma alusão, pois não há 
uma cópia literal do texto de Gênesis: “filho amado” (de Marcos) equivale - “a 
quem amas” (de Gênesis). Nos casos do Sl 2,7 e de Is 42,1, é usada a estratégia 
da citação, pois parte do texto vétero-testamentário é literalmente copiada: “Tu 
és meu filho” (no caso do Salmo); “me comprazo” (no caso de Isaías).
Por que Marcos junta três textos aparentemente tão diferentes para falar de 
Jesus? Ou, em outras palavras, que princípios hermenêuticos Marcos usou ao 
construir o seu texto? Dois dos princípios nós já conhecemos – Marcos interpreta 
os textos do Antigo Testamento à luz de seu próprio contexto como intérprete. 
Marcos já conhece a vida de Jesus e essa vida de Jesus se torna a chave para inter-
pretar os textos do Antigo Testamento – o princípio hermenêutico (1) acima. 
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Marcos não escolhe os textos do Antigo Testamento de qualquer jeito. É a cris-
tologia que serve de base para a escolha: o texto de Gênesis é aludido porque 
Jesus era anunciado como o novo Isaque – mas um Isaque diferente, que mor-
reu sacrificialmente. O Salmo é citado porque a igreja cristã acreditava que Jesus 
era o pregador do reino de Deus, o rei assentado à direita do trono de Deus Pai. 
Isaías é citado porque Jesus era anunciado como o Servo de Deus que morre e 
ressuscita em benefício do Seu povo – o princípio (2) acima.
O terceiro princípio que vimos no exemplo do Antigo Testamento é usado de 
forma peculiar por Marcos. Ele, de fato, corrige o sentido dos textos vétero-testa-
mentários, mas não os textos em si, e sim a interpretação que rabinos judeus faziam 
desses textos, afirmando que a interpretação cristã era a mais correta. Isso nos mostra 
um quarto princípio hermenêutico: (4) o da conflitividade da interpretação – textos 
sagrados recebem interpretações conflitantes nas diferentes comunidades de segui-
dores desses textos. Um novo princípio, por fim, também é perceptível: (5) Marcos 
usa uma técnica comum entre os intérpretes judeus: a associação de textos das dife-
rentes seções do cânon hebraico mediada pelo uso de palavras-chave ou temas-chave.
No pano de fundo dessa técnica, está o texto bíblico de Dt 17,6: “Pela boca de 
duas ou de três testemunhas, será morto o que houver de morrer; pela boca duma 
só testemunha não morrerá”. Esse texto é interpretado a partir de outro princípio 
hermenêutico: (6) se um texto vale para uma situação material, também há de valer 
para uma situação espiritual. As três seções do cânon hebraico são as três testemu-
nhas que confirmam a validade do texto de Marcos! (Note como esse princípio está 
presente também na pregação de Paulo, [BÍBLIA, 1 Co 9,8-14 e BÍBLIA, 1 Tm 5,17-
18] que interpreta o texto “não amordaçarás o boi que debulha” como um texto que 
valida o pagamento de remuneração aos pregadores da palavra).
Escreva, em sequência, todos os princípios hermenêuticos estudados ante-
riormente. Reflita sobre a importância deles para entender a Bíblia e sobre 
como você pode usá-los em seu estudo bíblico (o autor).
História da Interpretação da Bíblia: A Hermenêutica na Igreja Antes da Reforma
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HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA: A 
HERMENÊUTICA NA IGREJA ANTES DA REFORMA
Na seção anterior, examinamos brevemente os modos e princípios de inter-
pretação de textos bíblicos na própria Bíblia. Notamos como a preocupação 
fundamental da interpretação era a compreensão da palavra e da vontade de 
Deus para a época do intérprete (aquilo que alguns chamam hoje em dia de apli-
cação). Notamos também alguns dos princípios hermenêuticos utilizados para 
que essa compreensão não fosse arbitrária (ou seja, de acordo com a vontade 
do intérprete), mas pudesse ser validada pela comunidade judaica ou cristã na 
época da interpretação. Aprendemos, enfim, que,na Bíblia, a interpretação de 
textos bíblicos nunca se resumia a uma repetição do texto, mas sempre envolvia 
uma ampliação ou mesmo uma reinvenção do texto interpretado.
Nosso foco recairá agora sobre a interpretação da Bíblia na história das 
Igrejas Cristãs antes da Reforma. É importante prestarmos atenção a esse tema, 
pois um hábito ruim de estudo teológico se desenvolveu em escolas protestan-
tes. Esse hábito foi o do esquecimento da riqueza da fé e do trabalho cristão no 
período anterior à Reforma. Juntamente com esse esquecimento, muita vez se 
afirmou que toda a história entre o Novo Testamento e a Reforma foi uma histó-
ria de corrupção e banalização da fé cristã. Não é possível, neste pequeno texto, 
corrigir tais injustiças, por isso, nosso foco recairá sobre os aspectos principais 
da hermenêutica pré-Reforma, com destaque para a sua importante contribui-
ção para a nossa própria tarefa de interpretação da Bíblia.
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A hermenêutica no período dos Pais da Igreja 
Há diversos modos de estruturar e apresentar o trabalho hermenêutico no período 
da Patrística que é o nome que se dá ao estudo dos textos e obras dos chamados 
Pais da Igreja, líderes e teólogos. Eles foram responsáveis pelo desenvolvimento da 
estrutura e do pensamento do Cristianismo nos primeiros séculos da história da 
Igreja. Uma das maneiras de organizar cronologicamente esse período é a seguinte:
 ■ Período ante-niceno: corresponde ao período anterior ao Concílio 
Ecumênico de Niceia (324 d. C). Geralmente compreende os escritos 
surgidos entre o século I e início do IV século.
 ■ Período niceno: corresponde ao período entre os anos anteriores até 
alguns imediatamente posteriores ao Concílio Ecumênico de Niceia (324 
d. C). Geralmente compreende os escritos surgidos entre o início do IV 
século até o final deste.
 ■ Período pós-niceno: corresponde ao período compreendido entre os 
séculos V e VII (ou VIII).
Tal cronologia aponta para um fator importante no estudo da Patrística – o forte 
vínculo entre o trabalho dos Pais e a formação do Dogma, da Doutrina oficial da 
Igreja Cristã (então, havia apenas a Igreja Católica). Além da ênfase na formação 
doutrinária, o trabalho dos Pais da Igreja também teve um forte tom evange-
lístico e apologético (diálogo e debate com religiões e filosofias concorrentes). 
Dessa forma, a hermenêutica dos Pais da Igreja deve ser entendida à luz dessa 
tarefa dual: formar doutrina e comunicar o Evangelho fora da Igreja.
Conforme Allen Brent, em artigo no Dictionary of biblical criticism and inter-
pretation, há pelo menos três modos de interpretação bíblica entre os Pais da 
Igreja, os quais podem ser assim descritos:
(1) Os contextos históricos e narrativas do Antigo e do Novo Testamentos 
eram literalmente verdadeiros e os eventos, pessoas e palavras descritos pos-
sibilitavam a seleção de princípios gerais e de modelos de ação para o bem ou 
para o mal [...].
(2) [...] os contextos históricos e as narrativas eram verdadeiros, mas os even-
tos e pessoas descritos eram misteriosos. Eventos e pessoas não eram exatamente 
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o que pareciam: por trás do sentido literal desenvolvia-se uma história eterna, 
na qual o tipo dava lugar ao antítipo, e o presente seria cumprido no futuro [...].
(3) Os textos bíblicos serão mal-entendidos se acreditarmos que são literais 
e históricos, ou que são produtos exortativos, poéticos e proféticos endereça-
dos a uma situação histórica específica: ao contrário, são alegorias nas quais 
cada pessoa e evento da estória é um código para o drama eterno da salvação. 
A redenção é alcançada por quem consegue captar o sentido verdadeiro da ale-
goria ou história redentiva.
O elemento comum a esses três modos hermenêuticos era o da prioridade da dou-
trina para a validação da interpretação da Bíblia. A maioria dos textos bíblicos era 
interpretada segundo o sentido mais claro do texto (chamado erroneamente de 
literal), mas, quando os textos apresentavam dificuldades hermenêuticas, deve-
riam ser lidos à luz da doutrina cristã. Nesse sentido, a hermenêutica patrística 
não se diferenciava, em termos formais, das hermenêuticas presentes na Bíblia. 
Os Pais não se preocupavam em descrever o que o texto bíblico quis dizer no 
passado, mas o que o texto bíblico diz no presente (do intérprete).
As diferenças estavam no grau de ampliação ou reinvenção do texto inter-
pretado. No primeiro modo (literal), a ampliação se dava do ponto de vista da 
vida cristã ou espiritualidade, e normalmente se usavam recursos tipológicos 
para tornar textos do Antigo Testamento relevantes para a prática cristã e para a 
evangelização ou apologética (por exemplo, Moisés podia ser descrito como um 
grande filósofo, cujas ideias já prenunciavam as descobertas filosóficas e eram 
“Tipo” é uma pessoa ou instituição do Antigo Testamento que apontava para 
outra pessoa ou instituição (o antítipo) do Novo Testamento. Por exemplo: 
Moisés e Davi eram tipos de Cristo. O sacrifício pascal era tipo da redenção 
na Cruz.
Fonte: o autor.
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até mesmo superiores a elas). No segundo modo, o uso da tipologia era bem mais 
intenso, de modo que o Antigo Testamento era interpretado à luz dos ensinos 
do Novo, e esse à luz das doutrinas da Igreja (por exemplo, após a definição da 
doutrina da Trindade, mesmo textos bíblicos que não se referiam à Trindade pas-
savam a ser interpretados à luz dessa doutrina, tais como o plural em Gn 1,26, 
ou as menções ao Anjo do Senhor no Pentateuco, que era visto como o próprio 
Jesus etc.). No terceiro modo, o alegórico, o grau de reinvenção do texto era ainda 
maior, de modo que o recurso tipológico era estendido aos próprios detalhes do 
texto (por exemplo, uma interpretação excessivamente alegórica procurava nas 
parábolas um significado específico para cada detalhe: o assaltado na parábola 
do Samaritano era o incrédulo, a estalagem a igreja, o samaritano Jesus etc.).
Aos princípios hermenêuticos presentes na própria Bíblia, acrescentou-se 
um princípio determinante: a interpretação do texto deve corresponder ao con-
junto da doutrina cristã. Até hoje a interpretação da Bíblia nas Igrejas segue esse 
princípio patrístico – o sentido dos textos bíblicos sempre valida as doutrinas de 
cada denominação cristã e invalida as doutrinas concorrentes. 
Hermenêutica Medieval
No período medieval, poucas foram as inovações na hermenêutica. Em geral, 
seguiam-se os princípios da Patrística, mas foi feita uma formalização desses 
princípios por meio da definição de uma quádrupla descrição do sentido dos 
textos bíblicos. Afirmava-se, em geral, que o texto bíblico deve ser lido à luz de 
quatro dimensões de sentido: literal ou histórico, alegórico ou tipológico (com 
ênfase na cristologia), moral ou tropológico e anagógico ou místico (distinção 
que é atribuída a João Cassiano, autor do V século da era cristã).
Littera gesta docet
Quid credas allegoria
Moralis quid agas
Quo tendas anagogia
O sentido literal ensina os fatos
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O alegórico, o que crer
O moral, o que fazer
O anagógico, a direção a seguir
(Poema de Nicolau de Lira, século XIII d. C.).
O sentido literal servia de base para os demais, especialmente para o alegórico, 
de modo que esse não se tornasse excessivamente subjetivo. Osentido anagó-
gico, que correspondia grosso modo à doutrina cristã, servia de critério para os 
demais na medida em que nenhuma interpretação da Bíblia poderia contradi-
zer o ensino da Igreja.
A interpretação da Bíblia não era a principal tarefa dos cristãos nem dos 
sacerdotes ou líderes cristãos. Essa era, sim, a comunicação da doutrina cristã 
aos membros da Igreja e aos pagãos no território da Igreja. Na pregação, por 
exemplo, a ênfase recaía sobre os deveres morais dos ouvintes (sentido tropo-
lógico), ou sobre os exemplos bíblicos a serem seguidos (sentido alegórico), ou 
sobre a fidelidade à doutrina da Igreja (sentido anagógico). No estudo da Bíblia, 
em geral, havia significativas diferenças entre os intérpretes no tocante ao peso 
que cada sentido do texto deveria ter na interpretação. Se por um lado é verdade 
que muitos exageraram na alegorização e na vinculação do texto à doutrina da 
Igreja, não foram poucos os intérpretes da Escritura que davam peso significa-
tivo ao sentido literal ou histórico do texto bíblico, que servia como controle 
para as suas ampliações e/ou reinvenções.
Infelizmente, nosso tempo não permite um aprofundamento desse tema tão 
rico e significativo. Fica assim o desafio para o estudo de obras que permitam 
tal aprofundamento. Cabe ressaltar, porém, que não podemos desconsiderar o 
período pré-Reforma, nem descrevê-lo como um tempo de corrupção moral e 
doutrinária, ou como um tempo de distanciamento dos ensinamentos bíblicos. 
Certamente, houve excessos, exageros e erros na vida cristã, na organização ecle-
siástica e na interpretação da Bíblia. Tais excessos, porém, não podem ocultar a 
riqueza da vida cristã e da hermenêutica nos séculos entre o Novo Testamento 
e a Reforma Protestante.
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HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA: A 
HERMENÊUTICA NO PERÍODO DA REFORMA
Para a maioria dos protestantes, as práticas hermenêutico-exegéticas dos 
Reformadores se revestem de uma validade peculiar. Elas são vistas como a 
superação dos grandes erros da interpretação bíblica na Igreja antes da Reforma, 
de modo que se tornam como que um princípio de fé e não apenas uma forma 
historicamente condicionada de realizar a interpretação da Bíblia. 
Hermenêutica na Reforma
Em grande medida, a validade que se dá aos reformadores é fruto do sincretismo 
entre a mentalidade protestante e a metanarrativa moderna. Enquanto a protestante 
classifica o passado eclesiástico como de deturpação do ideal bíblico, a moderni-
dade classifica o mundo pré-moderno como pré-racional ou mesmo irracional, 
dogmático. Se queremos, porém, entender a hermenêutica dos reformadores de 
modo adequado, precisamos abrir mão dessa visão avaliativa. Precisamos des-
crever a hermenêutica nos tempos da Reforma como mais um passo na história 
da interpretação bíblico, sem lhe atribuir valor especial – seja para a metodolo-
gia, seja do ponto de vista da fé.
Com isso em mente, apresento alguns aspectos fundamentais da hermenêu-
tica na Reforma, com destaque para o seu aspecto crítico que, em certa medida, 
é precursor do paradigma moderno-iluminista de exegese.
@shutterstock
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Uma nova atitude perante a Escritura
Um dos princípios fundamentais da Reforma Protestante foi o da Sola Scriptura 
(expressão latina que significa: Somente a Escritura). Esse princípio tinha uma 
dupla função: (a) polêmica, na medida em que contradizia a doutrina católico-
-romana da continuidade da revelação divina na tradição eclesiástica e, com isso, 
contradizia a legitimidade das doutrinas que os reformadores consideravam não 
bíblicas; e (b) positiva, na medida em que fazia com que a Escritura voltasse a 
ocupar lugar de destaque na vida da Igreja e na vida cristã.
Para os Reformadores, a doutrina oficial da Igreja Católica havia se desviado 
do rumo correto, afastando-se das Escrituras e se tornando fortemente mar-
cada pela presença de ideias meramente humanas. Parte da responsabilidade 
por esse desvio estava no modo medieval de ler as Escrituras. Por um lado, os 
Reformadores criticavam o costume medieval de ler trechos isolados da Escritura, 
bem como o uso de traduções sem consulta aos textos originais. À época, a tradu-
ção oficial era a Vulgata (tradução para o latim), a qual, segundo especialistas de 
línguas bíblicas de então (tanto nas igrejas quanto fora delas), não representava 
a melhor tradução possível. Para as igrejas nascentes, a Vulgata estava profun-
damente marcada pela tradição eclesiástica e não oferecia um caminho seguro 
para o conhecimento da Palavra de Deus.
Por outro lado, criticavam o uso exagerado das alegorizações e da vinculação 
do texto bíblico ao controle do dogma oficial. Embora não negassem plena-
mente o valor da interpretação medieval, com sua teoria dos quatro sentidos, 
os Reformadores consideravam perigoso o método enquanto praticado, pois 
ficava muito exposto à subjetividade dos intérpretes, sem controles adequados 
para a interpretação do texto. A teoria dos quatro sentidos permitia que a deci-
são do intérprete estivesse acima da direção oferecida pelo próprio texto bíblico, 
tornando, assim, a Escritura sujeita ao arbítrio do indivíduo e da direção ecle-
siástica. O princípio da sola Scriptura não poderia ser eficaz sob tais condições, 
de modo que o método medieval foi abandonado.
Um segundo princípio fundamental da hermenêutica dos Reformadores foi 
a afirmação da perspicuidade (clareza) das Escrituras. Esse segundo princípio 
completava o primeiro, na medida em que afirmava que qualquer cristão seria 
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capaz de compreender a Bíblia. Como o primeiro princípio já exposto, esse tam-
bém tinha uma dupla função – polêmica e positiva.
Para apreciar o que está genuinamente em jogo na ênfase de Lutero e Cal-
vino sobre a claritas scripturae precisamos examinar com cuidado como 
ela emergiu em vários contextos polêmicos, e também sua formulação 
no contexto das questões acerca do estatuto do conhecimento humano. 
Em relação à afirmação que notamos, por exemplo, em Clemente de Ale-
xandria e outros, que o sentido da escritura é, em princípio, enigmático 
e polivalente, a perspicuidade da escritura emerge como um princípio 
hermenêutico. Em relação à afirmação de que a escritura só pode ser in-
terpretada à luz do magisterium da Igreja, ele se torna um princípio cris-
tológico, eclesiológico e crítico. Em relação à afirmação de que nenhum 
conhecimento pode ser suficientemente certo para permitir que juízos 
teológicos resultem em ação radical, a perspicuidade da escritura se torna 
um princípio epistemológico. (THISELTON, 1992, p. 180).
Como um princípio hermenêutico, a perspicuidade da escritura afirma que tudo 
o que é necessário e possível conhecer sobre a Escritura está no sentido natural 
do texto, ou seja, no sentido que pode ser apreendido na que se chamava, então, 
de sentido literal (o primeiro dos quatro sentidos da tradição medieval). Como 
um princípio crítico, a noção de perspicuidade da Escritura apontava para o fato 
de que Jesus Cristo é a própria chave hermenêutica da Bíblia – toda a Bíblia dá 
testemunho de Cristo e esse testemunho é claro, compreensível e serve como 
fundamento da igreja. Como princípio epistemológico (relativo às condições do 
conhecimento), a perspicuidade implica em que qualquer pessoa que conhecer 
a linguagem (não a língua original) e o contexto (contexto textual, não o histó-
rico) dos textos bíblicos será capaz de entendê-los.
O aspecto epistemológico do princípio da perspicuidade nos encaminhapara 
a terceira grande mudança de atitude dos Reformadores em relação à interpre-
tação da Bíblia. Esse terceiro princípio afirma que a Bíblia é a melhor intérprete 
de si mesma. Completamos, assim, a grande transformação no modo de ver e ler 
a Bíblia promovida pelos Reformadores. Por um lado, esse princípio polemiza 
com a necessidade da autoridade eclesiástica para interpretar adequadamente 
a Bíblia. Por outro lado, o princípio afirma que não se deve interpretar textos 
bíblicos isoladamente, mas sempre a partir do conjunto da própria Escritura. 
A melhor formação para a interpretação bíblica é o estudo constante de toda a 
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Escritura, pois ela oferece aos leitores e leitoras as orientações necessárias para 
sua própria compreensão.
Uma nova metodologia de interpretação
A partir da nova atitude perante a Bíblia, os Reformadores passaram a usar uma 
nova metodologia para a interpretação da Palavra de Deus. Eles não escreveram 
manuais de interpretação bíblica, mas, em seus sermões, comentários bíblicos e 
obras de teologia, encontramos os princípios metodológicos por eles utilizados. 
Em primeiro lugar, embora fossem críticos dos modos anteriores de interpreta-
ção da Bíblia na Igreja, eles não deixaram de utilizar a bibliografia já existente, 
especialmente os escritos dos Pais da Igreja. Não se tratava, então, de “começar 
do zero”, mas, sim, de permitir que a Escritura fosse reencontrada em sua clareza 
e autoridade e de permitir que a Escritura funcionasse como princípio crítico 
para a leitura das obras de teologia e interpretação bíblica ao longo da história 
do Cristianismo.
Em segundo lugar, os Reformadores tiraram proveito dos conhecimentos 
produzidos fora do ambiente eclesiástico – filosofia, direito, as ciências de sua 
época – a fim de desenvolver suas próprias metodologias de interpretação da 
Escritura. Ou seja, para eles, a metodologia não era uma questão de “doutrina”, 
mas, sim, de eficiência e utilidade. O alvo final era a compreensão da Bíblia e a 
prática da vontade de Deus, o método era uma ferramenta em busca desse alvo. 
Para alcançar o alvo, foram capazes de usar crítica e sabiamente conhecimen-
tos hermenêuticos e filosóficos do mundo exterior à Igreja, pois acreditavam 
que toda verdade provinha de Deus – por mais maculado que estivesse o ser 
humano pelo pecado.
Em terceiro lugar, não encontramos uma única metodologia nos escritos dos 
Reformadores – nem mesmo nos escritos de um mesmo reformador (ao longo 
de sua vida, eles mudavam modos de trabalhar). Por exemplo: (a) Calvino admi-
rava a obra de Martin Bucer e de Melanchton, mas criticou o trabalho de ambos 
como comentaristas de Romanos: a Bucer pela grande extensão de seu comen-
tário e pela excessiva sofisticação do mesmo em certos pontos, a Melanchton 
pelas omissões que, segundo Calvino, podiam ser encontradas em seu escrito; 
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(b) Zwínglio deu muito mais valor ao modo alegórico de interpretação do que 
outros reformadores.
Feitas as considerações já descritas, passo a descrever com brevidade as 
principais características hermenêuticas encontradas em obras dos principais 
líderes da Reforma.
1. Valorização do texto enquanto fonte e critério da sua própria interpretação. 
Seguindo a tradição humanística e renascentista de sua época, os Reformadores 
insistiam no uso das línguas originais no estudo da Bíblia (lembremos que não 
havia traduções suficientemente confiáveis em seu tempo), a fim de apreciar com 
maior qualidade e precisão a estrutura, o vocabulário, o estilo e o modo de fun-
cionamento do texto bíblico.
2. Identificação do sentido do texto com a intenção do autor do texto, embora 
tal princípio fosse entendido primariamente como a percepção da intenção 
explícita do autor no próprio texto – não se tratava de uma busca psicológica da 
intenção do autor independentemente do texto bíblico.
3. Atenção aos detalhes do texto juntamente com a utilização de outros 
textos bíblicos como auxiliares indispensáveis na compreensão de cada texto 
estudado, especialmente em dois sentidos: (a) para situar o texto estudado em 
seu contexto histórico; e (b) para permitir que o conjunto da Escritura funcio-
nasse como chave hermenêutica da leitura de textos particulares.
4. A finalidade da interpretação era a edificação da pessoa e da Igreja, de 
modo que não distinguiam entre uma leitura “histórica” e outra leitura “aplica-
tiva”. Todo texto era lido sempre em função do significado que ofereceria para a 
vida da Igreja e das pessoas na época da leitura.
Uma nova epistemologia para a interpretação da Bíblia
Michel Foucault concentrou boa parte de seus esforços na análise crítica dos 
modelos epistemológicos da Modernidade, especialmente com relação às ciên-
cias humanas e às ciências psíquicas. Em seus escritos maiores, praticamente 
não deu atenção à questão da hermenêutica bíblica. Entretanto, em um artigo 
fundamental sobre a epistemologia crítica da modernidade, o tema da leitura 
da Bíblia ocupa papel central. Foucault descreve a leitura da Bíblia na Reforma 
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a partir da sua discussão do conceito de crítica do poder, e nos ajuda a perce-
ber aspectos normalmente não destacados na descrição da hermenêutica dos 
Reformadores. 
Segundo Foucault, “a pastoral cristã, ou a igreja cristã ao realizar uma 
atividade precisamente e especificamente pastoral, desenvolveu a ideia 
– singular e estranha à cultura antiga – que cada indivíduo, qualquer 
que seja sua idade, seu status, do início ao fim de sua vida e nos deta-
lhes de suas ações, deve ser governado e deve se deixar governar, isto 
é, se deixar dirigir para a sua salvação, por alguém ao qual se liga por 
um relacionamento global e ao mesmo tempo meticuloso, detalhado, 
de obediência. E esta operação de direção para a salvação por meio 
de um relacionamento de obediência a alguém, deve se fazer em uma 
tripla relação com a verdade: verdade entendida como dogma; verdade, 
também, na medida em que esta direção implica um certo modo de 
co nhecimento dos indivíduos, particular e individualizante; e, enfim, 
na medida em que esta direção se dispõe como uma técnica reflexiva, 
comportando regras gerais, conhecimen tos particulares, preceitos, mé-
todos de exame, confissões, entrevistas etc.”. (FOUCAULT, p. 170ss).
Essa “direção de consciência”, essa “arte de governar”, sofreu uma “verda-
deira ex plosão” a partir do século XV, “explosão entendida em dois sentidos. 
Deslocamento, pri meiro, em relação ao seu lar religioso e, em segundo lugar, 
multiplicação desta arte de governar em domínios variados. [...] Como governar 
uma das questões fundamentais que se passa do século XV ao XVI. 
Questão fundamental que é respondida com a multi plicação das artes 
de governar – arte pedagógica, arte econômica, arte política, se vocês 
Epistemologia é um termo técnico da filosofia, que significa “teoria do co-
nhecimento”. Vem de duas palavras gregas: episteme = conhecimento e lo-
gos = palavra, doutrina. Falar em epistemologia é falar sobre o modo como 
nós produzimos conhecimento válido.
Fonte: o autor.
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quiserem – e de todas as instituições de governo, no sentido amplo que 
tinha a palavra governo àquela época. (FOUCAULT, 2000, p. 171).
Ou, colocado de outra forma, a essa explosão da governamentalizaçãocorres-
pon de uma questão: “como não ser governado? [... ou] como não ser governado 
desse modo, em nome desses princípios, em vista de tais objetivos e por meio 
de tais procedi mentos, não desse modo, não para isto, não por estas pessoas” 
(FOUCAULT, 2000, p. 171).
A atitude crítica, pensa Foucault (2000, p. 171ss), cresce lado a lado dessa 
explosão da governamentalização: 
[...] em face, e como contraparte, ou melhor, como parceira e adversária 
das artes de governar, como maneira de desconfiar delas, de recusá-las, 
de limitá-las, de lhes encontrar uma justa medida, de transformá-las, 
de procurar escapar a estas artes de governar, ou, em todo caso, de des-
locá-las a título de reticência essencial, mas também, e, por isso mes-
mo, como linha de desenvolvimento das artes de governar, teria nasci-
do na Europa, naquele momento, uma espécie de forma cultural geral, 
ao mesmo tempo atitude moral e política, maneira de pensar etc., que 
pode ser chamada como arte de não ser governado ou arte de não ser 
governado dessa forma e a esse preço. Proporia, portanto, como uma 
primei ra definição da crítica, esta caracterização geral: a arte de não ser 
de tal forma governa do.
Os pontos históricos de ancoragem da atitude crítica, segundo Foucault (2000, 
p. 172), teriam sido a Bíblia, o direito e a ciência: 
[...] em uma época na qual o governo dos homens era es sencialmente 
uma arte espiritual, ou uma prática essencialmente religiosa ligada à 
autori dade de uma Igreja, ao magistério de uma Escritura, não querer 
ser governado de tal modo seria essencialmente buscar nas Escrituras 
uma relação outra, que a ligada ao fun cionamento do ensinamento de 
Deus [...] uma certa maneira de refutar, recusar, limitar (di gam como 
vocês quiserem) o magistério eclesiástico, seria um retorno às Escri-
turas, se ria a questão do que é autêntico nas Escrituras, do que está 
efetivamente escrito nas Es crituras, a questão de que espécie de ver-
dade dizem as Escrituras, como ter acesso a esta verdade da Escritura 
na Escritura e a despeito, talvez, do escrito, e até chegarmos à questão 
finalmente muito simples: as Escrituras são verdadeiras? Diremos que 
a críti ca é historicamente bíblica.
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E, especialmente no caso da crítica em busca da verdade bíblica, a Reforma de-
sempenha um papel crucial, reconhecido pelo próprio Foucault (1995, p. 236): 
Eu suponho que não é a primeira vez que a nossa sociedade se con-
frontou com este tipo de luta. Todos aqueles movimentos dos séculos 
XV e XVI, e que tiveram a Reforma como expressão e resultado máxi-
mos, poderiam ser analisados como uma grande crise da experiência 
ocidental da subjetividade, e como uma revolta contra o tipo de poder 
religioso e moral que deu forma, na Idade Média, a esta subjetividade. 
A necessidade de ter uma participação direta na vida espiritual, no tra-
balho de salvação, na verdade que repousa nas Escrituras – tudo isso foi 
uma luta por uma nova subjetividade.
Do ponto de vista histórico, a Reforma Protestante é o clímax de uma série 
de movimentos de oposição à maneira pela qual os interesses da instituição 
eclesiástica foram se sobrepondo ao ideal neotestamentário da vida cristã. Em 
particular, a centralização da autoridade e do governo na instituição papal gerou 
reações significativas que, aliadas ao movimento mais amplo de autonomia das 
nações europeias, desembocaram na Reforma. Se a crítica é um não querer ser 
governado desta maneira, então, pode-se dizer que a crítica faz parte da identi-
dade do Protestantismo. Na linguagem de Foucault, o Protestantismo encarna 
uma atitude crítica cristã à forma de institucionalização e governo desenvolvi-
dos pela Cristandade.
Paul Tillich apresenta uma interpretação semelhante para o Protestan-
tismo, caracterizando a identidade protestante como a concretização 
do que ele chamou, em diferentes escritos, de o princípio protestan-
te. “O princípio protestante pode aparecer de diversas formas. A mais 
simples é esta: ‘os meios pelos quais o sagrado aparece não podem ser 
identificados com o sagrado’. Esta formulação negaria quaisquer rei-
vindicações de identidade com o divino feitas por qualquer religião, 
credo religioso, doutrina ou rito, bem como por qualquer movimento 
histórico ou político ou por destacadas personalidades religiosas. Com 
a mesma intenção Tillich formularia às vezes o princípio protestante 
como ‘... a luta de Deus dentro da religião contra a religião’ (UMESP, 
on-line)1.
Devemos levar em consideração, também, que a crítica protestante não se fun-
damentava exclusivamente na Escritura, mas tinha também sua parcela de apoio 
no pensamento secular. 
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Tillich reconhece que “em toda forma protestante, o elemento religioso 
deve ser vinculado a um elemento secular e questionado por ele. [...] O 
secularismo é exatamente o corretivo do qual o protestantismo precisa 
contra a tentação de toda esfera religiosa e de todo sistema eclesiástico, 
de querer identificar-se ao incondicionado ao qual remetem.” (TILLI-
CH, 1995, p. 258). 
Por mais paradoxal que pareça, o retorno à Escritura como única fonte de auto-
ridade para a fé cristã, presente na Reforma Protestante, exige também uma 
nova valorização do pensamento secular. Em outras palavras, o princípio da 
Sola Scriptura somente se sustenta em um ambiente intelectual que desconfie 
do dualismo entre espiritual e material, revelado e racional, religioso e político.
A arte de não querer ser governado, portanto, constitui parte essencial da 
identidade do Protestantismo. Entretanto, a atitude crítica encontra dentro do 
próprio Protestantismo uma forte tensão dialética: não queremos ser governa-
dos por seres humanos pecadores e suas instituições corruptas, mas queremos 
ser governados por Deus e sua pura e santa Palavra. A aliança entre o espiritual 
e o secular que se constitui como elemento integrante da identidade Protestante 
não tem pontos fortes de sustentação. E a própria luta pela autoridade única da 
Escritura contra a autoridade da instituição eclesiástica acaba se voltando con-
tra o Protestantismo. A crítica, como bem percebeu Foucault, é historicamente 
bíblica, na medida em que se insurge contra os dogmas e outras técnicas do poder 
pastoral da Cristandade. Entretanto, a partir do momento em que se volta para 
a própria Escritura, lança desconfiança contra a autoridade única dela.
Desde suas origens, até nossos dias, o Protestantismo tem de lidar com essa 
tensão entre a submissão ao governo divino e a atitude crítica contra os governos 
humanos. Como distinguir entre ambos? Como saber qual governo é humano 
e qual é divino? A Reforma apostou no princípio da Sola Scriptura como a res-
posta a essas perguntas. Em pouco tempo, porém, percebeu a fragilidade da 
Escritura para atender a esse fim e foi lhe acrescendo elementos de suporte e força. 
Primeiramente, foram as sistematizações da pluralidade teológica da Bíblia em 
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tratados teológicos, dos quais as Institutas da Religião Cristã, de João Calvino, são 
um dos mais brilhantes exemplos. Posteriormente, dados os conflitos interpreta-
tivos entre as diferentes sistematizações produzidas nas diferentes denominações 
protestantes, apostaram nas Confissões de Fé, como meios de garantir que a 
interpretação da Bíblia fosse relativamente uniforme dentro da denominação.
Essas duas respostas, porém, trouxeram em si mesmas o germe de sua fra-
queza. TeologiasSistemáticas e Confissões de Fé são obras humanas são expressões 
da autoridade institucional de pessoas ou de denominações. Como poderiam 
elas, então se sobreporem às Escrituras como fundamento da crítica? A resposta 
seguinte foi a diversificada tentativa de fazer um casamento entre a doutrina e a 
experiência de fé: conversão, santidade, batismo no Espírito Santo, compromisso 
com o Reino de Deus foram os conceitos que cristalizaram diferentes experiên-
cias de vivência da fé cristã no Protestantismo que vieram se juntar à doutrina 
para dar ao princípio da Sola Scriptura força prática como fundamento da atitude 
crítica no Protestantismo. Doutrina, Confissão de Fé, Experiência redundaram, 
porém, em uma elevada fragmentação denominacional dentro do Protestantismo, 
da qual somos participantes até hoje.
A atitude crítica foi indispensável ao surgimento e desenvolvimento do 
Protestantismo. Foi indispensável para a libertação da fé cristã das cadeias dog-
máticas da Cristandade medieval. Foi necessária para que a autoridade divina 
deixasse de ser identificada com a autoridade institucional humana. Entretanto, 
a atitude crítica cobra um elevado preço: gera incessantemente crises – juízos, 
separações, divisões, dissensões – alguns desses juízos são considerados finais, 
definitivos. A força da hermenêutica do Protestantismo é, simultaneamente, sua 
fraqueza. Não é à toa que a rejeição da atitude crítica venha a ocupar, desde cedo, 
um lugar importante na vida das denominações protestantes. Não é fácil convi-
ver com a tensão entre a submissão à vontade de Deus e a permanente atitude 
crítica de não querer ser governado desta maneira.
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
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IU N I D A D E44
HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA: 
UMA VISÃO PANORÂMICA DA HERMENÊUTICA 
EVANGÉLICA ATUAL (1)
Na sequência, apresentamos as principais formas de 
interpretação da Bíblia presentes no meio evangé-
lico atualmente. Não são todas as formas, mas as 
principais, às quais temos acesso mediante biblio-
grafia técnica ou popular.
Hermenêuticas não acadêmicas: Leitu-
ra fundamentalista da Bíblia
Por fundamentalista, entendo o tipo de leitura que 
identifica a palavra escrita com a Palavra divina, negando, 
assim, a sua historicidade e consequente pluralidade, reivindicando, dessa forma, 
para os textos bíblicos, o caráter de autoridade final da Escritura, graças à sua 
inerrância e expressão da verdade divina absoluta (fora de contexto). O objetivo 
da leitura da Bíblia, no fundamentalismo, é a escuta direta da Palavra de Deus 
que confirmará, ao final, as verdades doutrinárias e morais componentes do ide-
ário fundamentalista. Em uma análise anterior, publicada no Boletim Teológico 
da FTL-Brasil, n. 29, de 1996, destaquei como características da hermenêutica 
fundamentalista, o doutrinismo, o moralismo, o espiritualismo e o individualismo.
Doutrinismo, na medida em que é uma leitura que se faz a partir de um con-
junto de doutrinas (dogmas) já reconhecidos como verdadeiro e que sempre o 
confirma, estabelecendo, dessa maneira, a divisão entre verdadeiros e falsos cris-
tãos. Moralismo, na medida em que é uma leitura que parte de e reforça o ideário 
moral da classe média interiorana dos Estados Unidos da América, confundin-
do-o com a própria ética cristã. Espiritualismo, na medida em que os textos são 
vistos como inspirados diretamente pelo Espírito Santo e, por isso, inerrantes e 
não presos ao contexto histórico, mas presos à vontade de Deus que permanece 
a mesma até hoje, e que deve ser reconhecida na leitura – mesmo que esta seja 
plenamente alegórica. Individualismo, enfim, porque apesar de afirmar que o 
História da Interpretação da Bíblia: Uma Visão Panorâmica da Hermenêutica Evangélica Atual (1)
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sentido do texto depende da intenção do autor, em última análise é a intenção 
do(a) leitor(a) que prevalece na interpretação, na sua busca de encontrar o sen-
tido da Palavra de Deus para mim.
Embora não tão corrente nas últimas décadas, as leituras fundamentalistas 
ainda têm seu lugar no mundo evangélico. Por exemplo, um pequeno excerto 
de artigo contrário à teoria da evolução:
Até mesmo na escola, temos de aceitar essa ideia oficial, sem poder 
questionar. É uma heresia consagrada e respeitada. Lembro-me de que 
quando estudei pela primeira vez essa questão, fiquei chocado com o 
fato de que meu livro escolar afirmasse com muita autoridade que o 
homem veio do macaco. Li sem acreditar que eu teria de me submeter 
a esse tipo de ensino sem fundamento real. Levei minha Bíblia à sala 
de aula e quando o professor mencionou que o homem veio do ma-
caco, pedi-lhe educadamente permissão para dar minha opinião. Li o 
primeiro capítulo inteiro do livro de Gênesis. A classe inteira escutou. 
Mas o professor de ciência, com sua posição de autoridade e vantagem, 
logo explicou que ninguém podia provar “a teoria de que Deus criou o 
mundo e o ser humano”. É assombroso o fato de que podemos reconhe-
cer como perigoso um espírita ensinando suas ideias a nossos filhos, 
mas não conseguimos perceber o perigo de um professor que joga ao 
chão, diante de alunos inocentes, o valor de verdades tão importantes 
para nossa existência. A autoridade da Palavra de Deus é tratada, até 
mesmo diante de crianças cristãs, como se não fosse válida no mundo 
real. É como se as verdades bíblicas devessem permanecer confinadas 
nas igrejas e na privacidade dos lares cristãos. (SEVERO, on-line)2.
Hermenêuticas não-acadêmicas: Leitura conservadora da Bíblia
A leitura conservadora é a forma hermenêutica predominante no mundo evan-
gélico. Quase idêntica à fundamentalista, distingue-se dela por não afirmar 
peremptoriamente a inerrância, mas a infalibilidade das Escrituras em questões 
de doutrina e fé. Reconhece a historicidade dos escritos bíblicos, mas realiza 
uma espécie de suspensão dessa historicidade quando o texto trata de temas dou-
trinários reconhecidos e aceitos de antemão como verdades da fé cristã. Uma 
leitura conservadora poderia, por exemplo, aceitar a verdade limitada da teoria 
da evolução e faria, então, um grande esforço para fazer conciliar as “verdades” 
da Bíblia com as “verdades” da ciência.
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Um exemplo de leitura conservadora pode ser encontrado neste pequeno 
excerto:
A ocasião pelo qual Judas escreveu esta epístola, era as constantes he-
resias que estavam infiltrando na igreja por meio dos falsos mestres, 
heresia como o gnosticismo (Era um sistema que pretendia oferecer 
salvação, e que só poderia alcançar pela renúncia ao mundo material 
e pela busca do mundo invisível. Deste argumento surgiram duas con-
clusões éticas contraditórias: a) a do ascetismo, que sustentava que o 
corpo sendo material, era mau e deveria ser mantido sob estrito domí-
nio; b) se o corpo existe só temporariamente os seus atos não tinham 
importância para a salvação final do espírito, que haveria de sobrevi-
ver sozinho, e que estavam tão cheios do Espírito que não tinha lu-
gar para lei (moral), e que a salvação da alma é o que importa, então 
o que o homem fizer do corpo não vinha ao caso). – estes conceitos 
gnósticos vem da consciência platônica e Armínio bebeu muito desta 
água). Gnosticismo que estava tomando conta da igreja. E Judas queria 
combater esses falsos ensinos dos falsos crentes, que é bem evidente 
na sua epistola. E quanto ao propósito está bem explícito por meio da 
preocupação de Judas, quando ele incita os cristãos encorajando-os em 
perseverarem na fé e na sã doutrina que Cristo tinha deixado por meio 
dos apóstolos, e com isto para combater estes falsos ensinamentos que 
estava confundindoa mente da igreja de Cristo, fez uso de literatura 
de peso da tradição judaica, Judas por meio de sua preocupação, nos 
deixa um alerta para nós hoje, em nos dispormos em defender as boas 
novas, que é o ensinamento de Jesus, pois fazendo isto estamos preser-
vando a igreja contra heresias que sempre tentaram e tentam assolar a 
igreja e corromper os bons costumes cristãos e a sã doutrina de Cristo. 
(SEVERO, on-line)2.
Nota-se a preocupação do autor em descrever o contexto histórico da perícope sob 
análise (BÍBLIA, Jd 1,17-23, no caso), antes de passar à aplicação do texto para a 
época da leitura “deixa um alerta para nós”, de forma bastante direta, reduzindo, 
assim, o alcance da percepção da historicidade do texto bíblico e valorizando as 
verdades doutrinárias e morais consensuais no chamado “mundo evangélico”.
Hermenêuticas não acadêmicas: Leitura devocional da Bíblia
Por leitura devocional, não indico uma atitude hermenêutica distinta das atitudes 
fundamentalista e conservador, mas um propósito distinto de leitura da Bíblia. A 
leitura é devocional quando o seu objetivo é encontrar respostas de Deus para os 
História da Interpretação da Bíblia: Uma Visão Panorâmica da Hermenêutica Evangélica Atual (1)
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problemas da vida diária da pessoa. Na leitura devocional, a Bíblia é lida como 
se fosse o jornal do dia, trazendo a mensagem direta de Deus para quem a lê. O 
resultado final da leitura sempre dependerá do discurso doutrinário específico 
ao qual pertence a pessoa que lê. Se pentecostal, por exemplo, a resposta divina 
terá um tom pentecostal, se conservadora, um tom conservador, se progressista, 
um tom progressista, e assim por diante.
Como exemplo, trecho de uma meditação pastoral baseada em Mt 6,25-34, 
cujo tema devocional era o stress:
Jesus nos lembra alguma coisa importante, que pertence à doutrina da 
providência:
1º) Devemos ter consciência da nossa limitação. Por mais que fizermos, 
não poderemos fazer tudo, porque somos limitados.
2º) Precisamos crer mais em Deus, em que Ele é realmente o Deus do 
Sl 121, que “não dormita, nem dorme”. Ele está ativo, sempre para o 
nosso bem.
3º) Precisamos confiar mais. Confiar significa entregar, como bem co-
loca o Sl 37,5 “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nEle, e o mais 
Ele fará”, deixando a Deus resolver os problemas que nos fogem às pos-
sibilidades.
É preciso, pois, lutar contra o stress, de modo a evitar as suas terrí-
veis conseqüências. A doutrina da providência é um excelente antídoto 
contra ele. Use-a e relaxe! (RÉDUA, on-line)3. 
Hermenêuticas não acadêmicas: Leitura “neo-pentecostal” da 
Bíblia
Por que incluir a hermenêutica “neo-pentecostal” no mundo evangélico? Apesar 
de reconhecer que são dois mundos diversos, é necessário constatar que a leitura 
neo-pentecostal, graças ao uso intenso de meios de comunicação de massa, tem 
encontrado lugar dentro do chamado mundo evangélico. Ocupa já um espaço sig-
nificativo nesse mundo, ainda que seja alvo de intensa polemização e apologética 
por parte das lideranças evangelicais em geral. Aproveito, aqui, parte da análise 
que um colega, então mestrando, fez da leitura neo-pentecostal – destacando 
um aspecto que lhe é distintivo, em comparação com as leituras evangelicais:
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
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Quarto, a leitura predominantemente coletiva, ou, para utilizarmos 
uma terminologia de Chartier, constituem-se ali, comunidades de leito-
res. No culto, não obstante o líder conduzi-la, a leitura é predominante-
mente coletiva ou participacional. Um exemplo disto ocorre por meio 
das encenações que são feitas a partir do texto bíblico. No mês de maio 
de 1999, por exemplo, a Igreja da Graça de Deus, em Londrina, realizou 
a campanha sobre a “Ressurreição de Lázaro”, uma alusão ao persona-
gem bíblico que teria sido ressuscitado por Jesus, conforme relato feito 
pelo evangelho de João, capítulo 11. Assim, os pastores e obreiros au-
xiliares construíram no interior do templo uma pequena tenda escura, 
dentro da qual os fiéis deveriam passar como em um gesto de encena-
ção, enquanto os pastores liam o referido texto bíblico, ordenando que 
os crentes saíssem das “trevas” da doença, da miséria, do fracasso etc., 
para a “luz” da cura, da prosperidade e da vitória. A leitura bíblica leva 
os fiéis a assumirem, portanto, o lugar ou os papéis das personagens 
bíblicas, mantendo uma “apreensão” interativa ou participacional do 
sentido do texto. (PROENÇA, s/p, 2003).
Normalmente, o resultado da leitura neo-pentecostal da Bíblia é a confirmação 
da chamada “teologia da prosperidade”, o que mostra sua similaridade às leituras 
fundamentalista e conservadora no tocante ao predomínio do discurso contem-
porâneo sobre os discursos da época do texto bíblico.
Em síntese, poder-se-ia dizer que as hermenêuticas não acadêmicas no 
mundo evangélico se caracterizam por: (a) identificar o sentido do texto bíblico 
com as doutrinas e normas morais do discurso eclesiástico contemporâneo; 
(b) tornar a Bíblia relevante para a vida cotidiana, mediante a busca dos reca-
dos de Deus para leitor e leitora, mediante um procedimento quase que mágico 
de interpretação; (c) polêmica contra discursos concorrentes, qualificando-os 
sempre como “não fiéis” à Escritura; (d) baixa consideração por técnicas disci-
plinadas de interpretação de textos, fazendo da leitura bíblica um interessante 
e por vezes imprevisível jogo de “troca de representações”, fruto da sincretiza-
ção entre os discursos contemporâneos e os bíblicos, cujo eixo de significação 
é dado pela própria pessoa que lê. Nesse caso, aplica-se a seguinte descrição de 
Chartier (1990, p. 123): “a leitura é prática criadora, atividade produtora de sen-
tidos singulares, de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos 
autores de textos ou fazedores de livros”.
 
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HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA: 
UMA VISÃO PANORÂMICA DA HERMENÊUTICA 
EVANGÉLICA ATUAL (2)
Predomina nos círculos fundamentalistas e conservadores da academia evan-
gélico a hermenêutica histórico-gramatical. A leitura histórico-gramatical se 
constituiu a partir da polêmica contra a leitura histórico-crítica que, diz-se, 
nega o caráter inspirado da Escritura, por ter se rendido à visão racionalista de 
mundo, negando os milagres de Deus na criação e na história. 
Hermenêuticas acadêmicas: Leitura histórico-gramatical
A leitura histórico-gramatical guarda muito das características das leituras fun-
damentalista e conservadora não acadêmicas (especialmente as dimensões 
doutrinista e moralista), a distinção, aqui, é o cuidado para com uma leitura 
metodologicamente disciplinada do texto bíblico. Os exemplos mais típicos desse 
tipo de leitura, na América Latina, são a série de comentários bíblicos publicada 
(não mais?) pela Editora Missão e Movimento Encontrão, então coordenada por 
E. R. Mueller; a tradução de comentários evangelicais do Primeiro Mundo nas 
séries Cultura Bíblica (Vida Nova e Mundo Cristão, predominando autores/as 
de língua inglesa) e Esperança (Editora Evangélica Esperança, predominando 
autores de língua alemã), entre outros; e por manuais de Hermenêutica Bíblica 
que são, de fato, manuais metodológicos e não propriamente hermenêuticos, 
como o de Martinez, da CLIE, por exemplo, ou o de Gordon Fee e D. Stuart, 
publicado por E. Vida Nova.
Típico dessa abordagem é a crença em que o sentido do texto é determi-
nado pela “intenção” do autor e pela “recepção dos seus primeiros leitores”. Dessa 
forma,cada texto tem somente um sentido verdadeiro, que pode ser descoberto 
Qual é o valor da leitura acadêmica da Bíblia para sua vida e ministério? 
(o autor)
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
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IU N I D A D E50
mediante o estudo cuidadoso do contexto histórico da época de sua escrita e da 
configuração gramatical-linguística do texto. Tendo em vista, entretanto, que o 
tom teológico e apologético da leitura predomina, a análise do contexto histó-
rico já de antemão se coloca a serviço da confirmação das verdades bíblicas já 
conhecidas, e entregues de uma vez para sempre aos santos. Nesse campo da 
leitura, ocorre um amplo diálogo com a exegese histórico-crítica, havendo cita-
ção de obras clássicas e de autores consagrados dessa corrente, filtradas, sempre, 
pelo viés doutrinário do intérprete evangélico.
Outra característica dessa abordagem é a crença na unidade teológica da 
Escritura, mediante a qual os sentidos históricos dos textos vão sendo nivelados e 
harmonizados a partir do conjunto de doutrinas reconhecidas como verdadeiras, 
e que encontram nos escritos paulinos, principalmente, a sua fonte primordial. 
Graças a essa compreensão da unidade teológica da Escritura, a leitura históri-
co-gramatical consegue formular argumentação ampla o bastante para, dentro 
do âmbito do fundamentalismo e do conservadorismo, se contrapor às teses crí-
ticas, como e.g., a divisão de fontes e tradições do Pentateuco e outros escritos 
bíblicos. Diferenças textuais que, na leitura crítica, indicariam época e autoria 
distintas, por exemplo, na leitura histórico-gramatical indicam apenas obje-
tivos revelatórios distintos. Assim, os dois relatos da criação em Gênesis, por 
exemplo, não proviriam de épocas distintas, mas, ambos escritos por Moisés, 
destacariam, cada um, aspectos diferentes da revelação de Deus para a humani-
dade, um complementando o outro. (Consulte, por exemplo, o comentário de 
D. Kidner, Gênesis: introdução e comentário, da série Cultura Bíblica, Ed. Vida 
Nova e Mundo Cristão).
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Hermenêuticas acadêmicas: Hermenêutica contextual
A hermenêutica contextual é uma vertente da histórico-gramatical, que se dis-
tingue pelo maior cuidado na análise dos contextos do texto bíblico e da época 
da leitura, bem como pela intenção missionária mais típica – o texto traz a pala-
vra de Deus que ensina à Igreja como realizar a sua missão. Na definição de René 
Padilla, “o desafio da hermenêutica é transportar a mensagem do seu contexto 
original ao contexto dos leitores contemporâneos a fim de produzir nestes o 
mesmo impacto que produziu nos ouvintes ou leitores originais” (apud STAM, 
2004, p. 92).
Segundo as palavras de Stam (2004, p. 93):
de um lado, o exegeta procura entender a mensagem bíblica dentro 
da maior fidelidade ao contexto histórico original. Essa tarefa costuma 
chamar-se exegese gramático-histórica. De outro lado, como discípulo 
do Senhor, o exegeta é chamado a obedecer e proclamar o Evangelho 
aqui e agora. Cabe-lhe a tarefa complexa de entender a fundo nosso 
próprio contexto em todas as suas dimensões e de captar a relação di-
nâmica entre a mensagem bíblica e a Palavra de Deus para nossa situ-
ação contemporânea. Se não perceber esta mensagem atual, não terá 
escutado realmente a Palavra. Uma interpretação descontextualizada, 
seja do contexto histórico do passado ou do contexto (também histó-
rico) do presente, será inevitavelmente uma interpretação infiel, anti-
bíblica. As próprias Escrituras e o próprio evangelho nos impõem esta 
tarefa de dupla contextualização. 
Note-se: (a) a ênfase na fidelidade à Bíblia, que se caracteriza pela escuta atenta 
da Palavra de Deus, que deve ser praticada hoje, tanto na vida pessoal como na 
missão eclesial; (b) a presença de aspectos da hermenêutica gadameriana, espe-
cialmente uma versão própria da fusão de horizontes; e (c) a distinção entre Bíblia 
e Palavra de Deus, Bíblia e Evangelho, distinção sútil, é fato, mas que diferencia 
essa abordagem da leitura fundamentalista e das formas mais conservadoras de 
interpretação do texto.
O principal fruto da hermenêutica contextual tem sido a teoria e a prática 
da chamada missão integral, um dos distintivos do evangelicalismo progres-
sista latino-americano. Entendendo que o Evangelho do Reino de Deus produz 
mudanças em todas as dimensões da vida humana, a leitura contextual da Bíblia 
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
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tem alimentado a formação e o desenvolvimento de uma compreensão da missão 
da Igreja semelhante à desenvolvida pela Teologia da Libertação. Distingue-se 
da Teologia da Libertação (TdL) por: (a) manutenção do ideário doutrinário 
evangélico conservador, conforme brevemente descrito no Pacto de Lausanne, 
(b) rejeição do instrumental marxista de interpretação da realidade, optando 
por uma visão mais conservadora de transformação social, de centro-esquerda 
moderada; (c) ter como eixo práxico o Reino de Deus, entendido como a ação 
soberana de Deus na história, e não a opção preferencial pelo pobre; e (d) maior 
ênfase na dimensão emocional, subjetiva, da ação transformadora de Deus na 
história, começando com a conversão pessoal e individual a Jesus Cristo como 
único Senhor e salvador e se manifestando em uma vida de santidade e piedade 
– mais à moda do pietismo protestante, regado pelo avivalismo anglo-americano.
Se, por um lado, a veia apologética do evangelicalismo se manifesta na polê-
mica contra a TdL, por outro, ela também se aguça contra o fundamentalismo 
e o conservadorismo:
Também é docética qualquer exegese bíblica que reduza a redenção 
de Cristo unicamente aos efeitos interiores (a nível pessoal e eclesiás-
tico) da obra salvadora de Jesus Cristo, deixando completamente de 
lado suas implicações sociais e cósmicas. Esta é a heresia de muitas 
de nossas interpretações conservadoras. Se a história da salvação está 
arraigada no tempo e no espaço, não pode deixar de relacionar-se com 
todas as dimensões desse tempo e espaço. Afirmar o contrário equivale 
a assegurar que o senhorio de Cristo é parcial (COOK, 1988, p. 65). 
A partir dessa compreensão da integralidade do Evangelho, a hermenêutica con-
textual abre espaço para diferentes perspectivas de interpretação da Bíblia, como 
gênero, raça, política, sócio-crítica etc. Deve-se notar um dado típico do evan-
gélicoismo, que é a noção de aceitar a palavra do Evangelho, bem como a não 
utilização do termo pobre, mas, ao invés, necessitados. Vamos aos exemplos.
Hermenêuticas acadêmicas: Leitura de gênero
O nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus inauguram a era 
do Reino de Deus e a restauração de todos os relacionamentos rompi-
dos. As atitudes de Jesus para com a mulher restauram a dignidade da 
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mesma. Destoando da teologia da época, Jesus cura mulheres, convive 
com mulheres (inclusive com prostitutas), aceita mulheres como dis-
cípulas, discute teologia com mulheres e se revela ressurreto primei-
ramente a uma mulher. Dentro dessa perspectiva, a igreja de Jesus é 
chamada, em profundo arrependimento, a reformular sua teologia, 
suas estruturas e seus relacionamentos internos, a abrir espaços para 
homens e mulheres exercerem os seus dons, talentos e vocações espe-
cíficas, sem restrições ou discriminações. Para isto, torna-se necessário 
o desenvolvimento de uma hermenêuticacomunitária, onde homens e 
mulheres, juntos, estudem profundamente o tema, estendendo-se esta 
discussão às igrejas e comunidades evangélicas. (FTL BRASIL, 1992, 
p. 60).
Nota-se as características do pensamento evangélico: (a) basear-se no exemplo de 
Jesus e na concepção de Reino de Deus, como modelos para a igreja; (b) convocar 
ao arrependimento e à mudança de vida; (c) propor uma hermenêutica comu-
nitária, ao invés de, especificamente, uma hermenêutica feminista ou feminina.
Hermenêuticas acadêmicas: Leitura econômica
Em Cristo, o projeto de Deus é reconciliar consigo mesmo toda a 
criação, começando com o ser humano. Assim os cristãos em respon-
sabilidade de participar nesta obra, buscando restaurar as relações 
destruídas: Deus-Homem, Homem-Mulher, Deus-natureza, Homem-
Natureza. Qualquer sistema político ou econômico que não facilite a 
tarefa da reconciliação vai contra a vontade de Deus para a criação (BÍ-
BLIA, Ef 1,10; 2 e BÍBLIA, Co 5,18-21). Deve-se observar que o homem 
foi criado em dois gêneros: macho e fêmea. Ambos foram encarregados 
da mordomia da criação, uma tarefa evidentemente econômica. Tanto 
a mulher como o homem devem assumir a responsabilidade de deter-
minar o que produzir, como fazê-lo e como usar os recursos da ter-
ra. Corresponde a ambos a responsabilidade de cuidar dos recursos 
e do meio ambiente, de cuidar para que toda família da terra tenha o 
que necessita para viver dignamente como seres criados à imagem de 
Deus. É pecado a cumplicidade que se tem prestado, e que se segue 
prestando, ao abuso de pessoas em nome da objetividade da ciência 
econômica e da maximização dos lucros que muitas vezes provêm de 
compras desnecessárias, sobretudo na compra e venda de armamentos 
às custas de programas de saúde, habitação e educação. É necessário o 
arrependimento segundo o tipo de participação de cada envolvido, não 
importando se ele vive no Primeiro ou no Terceiro Mundo. Somente 
em Jesus Cristo há perdão e renovação que nos livram para transformar 
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rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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a situação, e somente nele há autoridade e poder para atuar. (BÍBLIA, 
Am 5,7-15; 6,3-7; Cl1,12-20) (FTL BRASIL, 1990, p. 57).
Ressaltam as características da opção ideológica do evangelicalismo, da prima-
zia da teologia e da conversão frente às demais dimensões da ação em resposta 
à vontade de Deus, e o uso da Escritura com vistas à construção de uma nova 
visão da missão da igreja e da sociedade.
Em síntese, podemos considerar a hermenêutica contextual como a marca 
mais distintiva do evangelicalismo latino-americano. Suas características prin-
cipais são: (a) a primazia da opção teológica evangélica na prática da leitura 
bíblica, com destaque para sua atitude reverente perante a Bíblia e sua concepção 
de missão integral como resposta da Igreja ao Reino de Deus; (b) a primazia da 
metodologia histórico-gramatical, revisada a partir da nova noção de contexto, 
e pluralizada em função de distintos enfoques de leitura, como os de gênero, de 
raça, sociológico etc.; (c) a posição mediana e polêmica da hermenêutica evangé-
lica, vis-à-vis as hermenêuticas conservadora e da libertação na América Latina, 
tanto no tocante a conceitos teológicos, quanto às opções ideológicas; (d) a prima-
zia do viés missiológico na leitura do texto bíblico, superando os vieses teológico 
e devocional mais típicos das hermenêuticas conservadoras e fundamentalistas 
no mundo evangélico; e (e) a relativa ausência de teorização hermenêutica de 
cunho mais filosófico, predominando ainda a hermenêutica centrada na inten-
ção do autor e na recepção pelos primeiros leitores, temperada com aspectos da 
abordagem gadameriana à hermenêutica.
Novos experimentos de leitura da Bíblia
Como seria de se esperar, na virada do século, o mundo evangélico também teve 
de lidar com a fragmentação sócioideológica, a crise da racionalidade moderna, 
o pluralismo religioso e o consumismo neoliberal. Diante dos novos desafios da 
realidade contemporânea, as respostas evangélicas foram mais rápidas no campo 
da missiologia – o que é compreensível – com destaque para as novas ênfases da 
missão urbana e da espiritualidade “do coração” (em diálogo com as tradições 
monásticas mais antigas), juntamente com uma profusão quase caótica de estu-
dos sobre a liderança e a estruturação das igrejas. No campo da hermenêutica, 
História da Interpretação da Bíblia: Uma Visão Panorâmica da Hermenêutica Evangélica Atual (2)
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embora mais timidamente, algumas experiências estão sendo realizadas, que 
são dignas de nota, embora ainda não seja possível fazer uma descrição ampla 
e adequada delas, dado seu caráter ainda inicial.
Renovação da leitura devocional no âmbito acadêmico
Destaco como exemplos, em primeiro lugar, o enfoque mais polêmico de Carmona 
(2002), especialmente crítico à mentalidade neopentecostal presente entre seg-
mentos do Protestantismo:
outro tipo, também deficiente, que devemos considerar sob a pers-
pectiva do Reino, é o da experiência espiritual extraordinária. Nele, a 
espiritualidade é compreendida como a busca incessante de experiên-
cias desvinculadas tanto de um compromisso concreto com a causa de 
Cristo, quando dos comportamentos cotidianos. É uma mística sem 
ética; uma emoção sem missão; uma especulação sem projeção. [...] 
René Padilla afirmou, em sua exposição sobre o tema da espiritualida-
de, que ‘na perspectiva da espiritualidade cristã não há absolutamente 
nenhuma dimensão da vida humana, nem da criação, que esteja isen-
ta da redenção divina’. A espiritualidade cristã é integral porque nos 
chama a reconhecer e a viver o senhorio de Deus sobre toda a vida e 
sobre toda a sua criação, ao mesmo tempo que nos convoca para nos 
comprometermos com o seu Reino, na transformação de tudo o que 
foi criado, conforme ao sonho de redenção do Criador. (CARMONA, 
2002, p. 15;21). 
E, a seguir, a leitura mais meditativa e intersubjetiva de Ricardo Barbosa de Souza, 
sob a influência da mística de James Houston: o individualismo, associado com 
os outros fenômenos do mundo moderno, traz um dos maiores desafios à espi-
ritualidade cristã que jamais temos visto. É o desafio do encontro, da relação, da 
descoberta do outro não pelo que tem ou representa, mas por quem é. Penetrar 
nesse mistério que envolve nossas relações pessoais exigirá de nós uma postura 
crítica em relação ao que acontece ao nosso redor e em buscar os caminhos que 
nos integrem novamente em uma relação que seja afetiva, íntima, pessoal. 
DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA
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IU N I D A D E56
Experiências metodológicas e teóricas a partir do campo das 
ciências da linguagem
Em várias Faculdades de Teologia e Seminários do mundo evangélico, têm sido 
realizadas experiências de leitura bíblica inspiradas nas ciências da linguagem. 
Enio Caldeira Pinto (da Faculdade Teológica Sul Americana) e João Leonel (da 
Universidade Mackenzie) têm se dedicado à leitura da Bíblia a partir da teo-
ria da literatura, sendo que Enio pesquisa sobre a teoria literária crítica de W. 
Benjamin. Osvaldo Luiz Ribeiro, professor da Faculdade Unida de Vitória, tem 
iniciado estudos a partir da análise do discurso e da fenomenologia da religião 
aplicados à exegese do Antigo Testamento, em seu doutorado sob a orientação 
do prof. Haroldo Reimer. Eu mesmo tenho pesquisado e publicado estudos sob 
a ótica da semiótica greimasiana e das teorias linguísticas e filosóficas da ação. 
Entre pastoralistas, começam a surgir experimentos de leitura da Bíblia sob a 
inspiração da hermenêutica de Paul Ricouer (como as pesquisas de Abdruschin 
Schaeffer Rocha, por exemplo). Há que se aguardar osrumos que essa eferves-
cência tomará no mundo evangélico.
Procurei descrever as diferentes hermenêuticas presentes no mundo evan-
gélico, destacando tanto a diversidade desse mundo, quanto os pontos comuns 
que articulam a teia interpretativa evangélica na América Latina. Sem pretensão 
de exaustividade, nem de originalidade, procurei apresentar o mais amplamente 
possível o espectro das formas de leitura da Bíblia no mundo evangélico, atu-
almente tão plural quanto o campo religioso brasileiro em geral. Quero apenas 
ressaltar, ao concluir minha fala e abrir o tempo para nosso debate, que o foco 
missiológico é a característica distintiva do que de melhor o mundo evangélico 
tem a oferecer para a interpretação da Bíblia em nosso contexto.
Considerações Finais
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito bem, aluno(a)! Chegamos ao fim da nossa primeira unidade, e nela conhe-
cemos o sentido de termos técnicos como hermenêutica, exegese, análise do 
discurso, leitura, releitura, análise do discurso e análise semiótica. Vimos a 
importância da hermenêutica para o estudo aprofundado da Bíblia bem como 
os princípios e técnicas de interpretação usados na própria Bíblia e na história 
da Igreja Cristã até a Reforma. Tivemos uma visão panorâmica da interpretação 
da Bíblia no mundo evangélico brasileiro e latino-americano.
Aluno(a), com todos esses conceitos da interpretação bíblica estudados, fica 
uma pergunta: quais são os aspectos mais importantes que você deve continuar 
estudando e incorporar ao seu conhecimento permanente?
Interpretar a Bíblia demanda uma atitude de respeito, busca e seriedade. 
Exige que não só estejamos abertos a ouvir o que a Palavra de Deus tem a dizer, 
mas que também trabalhemos com afinco no exercício da leitura, usando méto-
dos adequados.
Não há um único método válido para a interpretação da Bíblia. Diferentes 
métodos oferecem diferentes valores e apresentam diferentes limites. Cabe a 
você continuar estudando e, à medida em que interpretar a Bíblia, escolher o(s) 
método(s) que julgar mais apropriado(s).
Na própria Bíblia e na história da Igreja, encontramos diferentes opções 
de como interpretar a Bíblia. Embora as teorias modernas costumeiramente se 
“esqueçam” dessas opções, vale a pena aprofundar o conhecimento das mesmas.
A experiência das igrejas e instituições de ensino evangélico mostra que há 
uma pluralidade de interesses e possibilidades na interpretação da Bíblia. Vale a 
pena deixar a criatividade do Espírito Santo nos guiar no estudo das Escrituras.
Espero que você esteja mais animado(a) para estudar com profundidade a 
Escritura, a fim de encontrar os “tesouros da sabedoria e do conhecimento” que 
ela pode oferecer.
58 
HERMENÊUTICA PENTECOSTAL: O LEGADO HERMENÊUTICO
Em síntese, a hermenêutica pentecostal brasileira vem, no decorrer dos anos, apre-
sentando uma proposta de interpretação bíblica que consiste na: 1) definição de her-
menêutica como ciência e arte da interpretação; 2) hermenêutica como instrumento 
necessário, capaz de suprir as lacunas existentes entre texto e leitor; 3) história da inter-
pretação como pêndulo entre os pólos de interpretação alegórica e interpretação literal; 
e, 4) uso de regras de interpretação.
Nota-se, no ambiente pentecostal, o exercício da - hermenêutica intuitiva, nas palavras 
de E. Mueller. A comunicação entre autor e leitor é algo direto, isto é, aquele fala lá e 
este entende aqui. Supõe-se que o leitor possa assimilar a mensagem de forma íntegra 
e completa. Gordon Fee e Douglas Stuart falam sobre como esta comunicação pode se 
tornar efetiva:
Para interpretar corretamente o - lá e então dos textos bíblicos, não somente se deve 
saber algumas regras gerais que se aplicam a todas as palavras da Bíblia, como também 
se deve aprender as regras especiais que se aplicam a cada uma das formas literárias 
(gêneros). E a maneira de Deus comunicar-nos Sua Palavra no - aqui e agora frequente-
mente diferirá de uma forma para outra.
Em suma, a proposta hermenêutica orientada pelo pentecostalismo considera que: Pri-
meiro, deve ser levada em conta a autocompreensão dos escritos bíblicos. Para o her-
meneuta pentecostal, a crítica bíblica, muitas vezes, tem falhado nisso e as Escrituras se 
apresentam como palavra de Deus revelada aos seres humanos. Até que haja provas 
em contrário, devem ser tratadas da forma como elas mesmas pedem para ser tratadas. 
Então, para o pentecostal, a Bíblia deve ser lida com isso em mente, e se presume, desde 
o início, autoridade para falar de todas as coisas ligadas à religião e ao fazer humanos, e 
especificamente, a relação do ser humano com Deus e vice-versa. Presume-se ser inspi-
rada por um Deus soberano, que tem seus próprios critérios e as suas próprias motiva-
ções, e que criou e governa o universo todo.
Segundo, tem-se a questão da - chave hermenêutica. Lêem a Bíblia a partir de deter-
minadas chaves, por exemplo, a convicção de que Deus fala pela Palavra e falará para o 
leitor hoje, orientando-o sobre como se deve viver dentro da sua vontade. Absolutizar 
uma chave hermenêutica determinada representa um reducionismo que deve ser evita-
do. Contudo, deve-se analisar as chaves com que se lê a Bíblia para não correr o risco de 
obrigá-la a dizer só o que se quer que ela diga. A perspectiva do Reino de Deus e do seu 
cumprimento é central para a autocompreensão bíblica, sendo uma chave para se ver 
os textos à luz do todo, e a relação entre os diversos textos. A consciência desse aspecto 
pode ajudar o leitor/intérprete no autoquestionamento e autocontrole, bem como ge-
rar criatividade e novas luzes à leitura bíblica.
Terceiro, a questão cultural. Tanto a mensagem bíblica como seus intérpretes têm o seu 
entorno cultural. A contextualização da mensagem é um desafio para a comunidade 
59 
local, uma vez que foi influenciada por missionários transculturais, que muitas vezes não 
se aperceberam do problema cultural, pregando uma mensagem travestida de sua pró-
pria cultura de origem, criando vários tipos de problemas na aceitação da mensagem 
bíblica pelo nativo. Por exemplo, na liturgia e nos usos e costumes.
Quarto, percebe-se com tudo isso, que se estabelece no processo de interpretação das 
Escrituras o que se chama de - círculo hermenêutico. Sobre isso Mueller pondera que 
o processo todo é compreendido como um intercâmbio em mão dupla entre os dois 
horizontes que dele participam, o bíblico e o contemporâneo. Diversos fatores entram 
no círculo de ambos os lados, mediados ainda pela história da interpretação, que se faz 
lembrar o esforço dos antigos e contemporâneos em estudar a Bíblia. Para Mueller, a 
absolutização de determinada abordagem só gera empobrecimento e afunilamento na 
percepção da riqueza dos textos bíblicos, e uma imposição externa que certamente lhe 
é opressiva. 
Quinto, enfatiza-se o papel do Espírito Santo no processo hermenêutico. Pode-se dizer 
que o Espírito atua como catalisador no processo de interpretação, um - facilitador no 
processo de fusão de horizontes. O Espírito é o elemento comum, tanto na Palavra como 
no intérprete, possibilitando comunicação em um nível único. Essa é a razão pela qual 
uma pessoa simples, mas com vivência espiritual, capta melhor o sentido de um texto 
bíblico do que um exegeta profissional não afeito às realidades do Espírito. O referencial 
da hermenêutica pentecostal é a mediação do Espírito Santo na fusão de horizontes. 
Para o hermeneuta pentecostal, é o Espírito aquele que perscruta todas as coisas, in-
clusive o autor, o responsável por conduzir a leitura do intérprete e atualizar, à luz do 
contexto, a mensagem da Escritura.
Sexto, na hermenêutica pentecostal nenhum método de estudo bíblico é sagrado, e a 
absolutização de qualquer deles é desvantajoso. Insiste-se, porém, em um método que 
tome a sério as questões levantadas aqui, que valorize tanto ohorizonte do texto como 
do intérprete, e que permita ao texto uma expressão pertinente e coerente dentro do 
contexto atual.
Mueller vê no método indutivo uma opção para uma hermenêutica contextual. Uma 
forma simples dele é a divisão em três partes: observação, interpretação e aplicação. Na 
observação, o leitor é monitorado pela pergunta: - O que diz o texto? Este é interrogado 
de todos os ângulos possíveis, visando-se a esclarecer seu significado básico. A interpre-
tação pergunta: - O que quer dizer o texto?, ou o que ele quis dizer para o seu próprio 
tempo. Procura-se aí o âmago da mensagem, - sentido origina, tentando compreender o 
que o autor queria comunicar aos seus ouvintes. O terceiro passo seria a aplicação, com 
a pergunta: - O que quer dizer o texto para hoje? Estão incluídas, aí, a meditação sobre 
a compreensão atual do assunto que o texto aborda, e quais são as diferenças entre a 
compreensão do assunto no horizonte bíblico e no do leitor atual.
E, sétimo, a hermenêutica pentecostal valoriza a interpretação comunitária e propõe 
que se leia a Bíblia à luz da tradição cristã: Urge que se aprenda a ler novamente a Bíblia 
60 
como comunidade cristã, comunidade do Reino. A Palavra de Deus surgiu no seio do seu 
povo, e a sua história muitas vezes se funde com a experiência da sua apreensão por par-
te desse mesmo povo. Isso significa, por um lado, que devemos ler a Bíblia com os olhos 
voltados para a história do povo que a tem lido por todos esses séculos, apropriando-se 
dessa herança e entrando em diálogo com aqueles que hoje estão fazendo o mesmo.
Para o pentecostal, a leitura da Palavra deve ser sempre experiência individual e comu-
nitária. A leitura, que valoriza a alegoria, os tipos e imagens, pode ser checada e enrique-
cida pelo diálogo fraterno, mediado pelo pastor, e pela busca comum da iluminação e 
da sabedoria do Espírito de Deus, pela disposição comum de deixar a Palavra renovar a 
vida do leitor e da comunidade.
Fonte: Cunha (2011).
61 
1. O termo hermenêutica e o termo exegese são usados, às vezes, como sinônimos 
e, às vezes, com significados diferentes.
( ) FALSO ( ) VERDADEIRO
 
2. Um dos princípios hermenêuticos no Antigo Testamento é o seguinte: “[...] a in-
terpretação nunca é repetição do sentido do texto interpretado, podendo ser 
uma ampliação, uma reformulação, uma correção, ou uma nova aplicação.”
( ) FALSO ( ) VERDADEIRO
 
3. Complete a seguinte sentença de Foucault sobre a crítica: “A arte de não ser de 
tal modo [...]”.
(a) estudado.
(b) governado.
(c) interpretado.
(d) oprimido.
(e) Nenhuma das anteriores.
 
4. Assinale duas características da hermenêutica fundamentalista:
(a) Doutrinismo.
(b) Racionalismo.
(c) Panteísmo.
(d) Moralismo.
(e) Iluminismo.
 
5. “A hermenêutica __________ é uma vertente da histórico-gramatical, que se dis-
tingue pelo maior cuidado na análise dos contextos do texto bíblico e da época 
da leitura, bem como pela intenção missionária mais típica – o texto traz a pala-
vra de Deus que ensina à Igreja como realizar a sua missão”. A palavra que falta 
na sentença é:
(a) histórico-crítica.
(b) devocional.
(c) contextual.
(d) popular.
(e) pós-colonial.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Para uma Hermenêutica Bíblica
Júlio Paulo Tavares Zabatiero, José Adriano Filho e Sidney Sanches.
Editora: Fonte Editorial & Unida Editora
Sinopse: apresenta um panorama histórico da interpretação da 
Bíblia, desde os tempos da Escritura até a atualidade.
Página patrocinada por Edições Vida Nova. Oferece material sobre exegese e teologia, 
por autores brasileiros na maioria, originários dos círculos evangélicos conservadores.
Disponível em: <http://www.teologiabrasileira.com.br/>.
Sociedade dos Poetas Mortos
em 1959, na Welton Academy, uma tradicional escola preparatória, 
um ex-aluno (Robin Williams) se torna o novo professor de 
literatura, mas, logo, seus métodos de incentivar os alunos a 
pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção 
do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre 
a “Sociedade dos Poetas Mortos”.
REFERÊNCIAS
63
BÍBLIA. Português. Bíblia Missionária de Estudo. Tradução: Almeida Revista e Atu-
alizada. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do Brasil – SBB, 2014.
CARMONA, H. S. Hacia una espiritualidad evangélica comprometida. Buenos Ai-
res: Kairós, 2002.
CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel, 
1990.
COOK, G. A Bíblia, a História da salvação e a consumação do Reino. Boletim Teoló-
gico, n. 3. São Leopoldo: FTL-Brasil, 1988.
CUNHA, C. A. M. Hermenêutica pentecostal e hermenêutica da libertação: estu-
do sobre dois projetos de leitura bíblica no Brasil. 2011, 130 f. Dissertação (Mestrado 
em Teologia) - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (PAJE), Belo Horizonte.
FOUCAULT, M. O Sujeito e o Poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel Foucault, 
uma Trajetória Filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de 
Janeiro: Forense Universitária: 1995.
_____. O que é a crítica? (Crítica e Aufklärung). In: BIROLI, F. & ALVAREZ, M. C. (orgs.). 
Michel Foucault: Histórias e destinos de um pensamento, Cadernos da F.F.C. Marí-
lia: 2000, vol. 9, no. 1.
FTL BRASIL. Os cristãos frente à divida externa e à dependência econômica. Docu-
mento de Consulta. Boletim Teológico, n. 13. Sâo Leopoldo: FTL-Brasil, 1990.
_____. Masculino-feminino: em busca de saúde e obediência. Documento de con-
sulta. Boletim Teológico, n. 17. São Leopoldo: FTL-Brasil 1992.
PROENÇA, W. de L. A magia comunicacional da leitura no neopentecostalismo 
brasileiro. VIII Encontro Regional de História, ANPUH-PR, 2003.
STAM, J. A Bíblia, o leitor e seu contexto histórico. Boletim Teológico, n. 3, CD-ROM. 
Belo Horizonte: Visão Mundial, 2004, p. 92.
THISELTON, A. C. New Horizons in Hermeneutics. Grand Rapids: Zondervan, 1992.
TILLICH, P. Substance catholique et principe protestant. Paris/Genève: Cerf/Labor 
et Fides, 1995.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS ON-LINE
1 Em: <http://portal.metodista.br/Noticias/correlatio/num_01/a_dourl2.htm>. 
Acesso em: 20 jul. 2016.
2 Em: <http://ejesus.com.br/teoria-da-evolucao-uma-heresia-em-nome-da-cien-
cia/>. Acesso em: 20 jul. 2016.
3 Em: <http://ejesus.com.br/nao-andeis-ansiosos/>. Acesso em: 20 jul. 2016.
4 Em: <http://www.faculdadejesuita.edu.br/documentos/121213-oW89PUtnO-
5dBP.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016.
65
GABARITO
1. Verdadeiro.
2. Verdadeiro.
3. Opção correta é B.
4. As opções corretas são A e D.
5. Opção correta é C.
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Professor Dr. Júlio Paulo Tavares Mantovani Zabatiero
A INTERPRETAÇÃO 
HISTÓRICA DA ESCRITURA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Explicar os principais princípios da hermenêutica de Espinosa.
 ■ Descrever a exegese histórico-gramatical.
 ■ Descrever a exegese histórico-crítica.
 ■ Descrever as principais características da hermenêutica 
histórico-crítica.
 ■ Avaliar os limites e valores do paradigma histórico da hermenêutica 
bíblica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ A hermenêutica de Espinosa e o surgimento da exegese histórica (1)
 ■ A hermenêutica de Espinosa e o surgimento da exegese histórica (2)
 ■ A exegese histórico-gramatical
 ■ A exegese histórico-crítica
 ■ A exegese histórica: uma visão crítico-valorativa
Introdução
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INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), você chegou à segunda unidade! Muito bem. Você já viu que 
as coisas ficaram um pouco mais difíceis. Começaremos com Espinosa, que não 
é muito conhecido em meios teológicos, especialmente nos meios evangélicos. 
Entretanto, o paradigma histórico da interpretação da Bíblia, que se tornou o 
paradigma predominante no mundo ocidental (tanto no catolicismo como no 
protestantismo), só pode ser compreendido plenamente se entendermos bem a 
visão de Espinosa para a interpretação da Bíblia.Em seguida, passamos a descrever o paradigma histórico de interpretação 
da Escritura. Você aprendeu que nesse paradigma há dois métodos concorren-
tes e similares. Iniciamos com o método histórico-gramatical, o mais praticado 
em meios evangélicos - especialmente nos meios não acadêmicos. Depois, você 
aprenderá os aspectos básicos do método histórico-crítico, mas comumente pra-
ticado nos meios protestantes e ecumênicos, e que foi considerado o método 
mais importante para ler a Bíblia pela Igreja Católica no final do século passado.
Nesses dois métodos, o que há em comum é a busca pelo sentido original 
do texto, de acordo com a intenção do autor e a recepção do texto pelos primei-
ros leitores (ouvintes), o esforço por situar o texto bíblico em seu contexto de 
escrita e entender o máximo possível sobre esse contexto, e, ainda, trabalham 
a leitura a partir de conceitos da filologia e de uma teoria interpretativa base-
ada em Espinosa (ANO), mas desenvolvida na ciência da História. A diferença 
fundamental entre eles é a atitude em relação ao texto. No método histórico-
gramatical, a atitude é mais devocional. No histórico-crítico, a atitude é mais 
científica (daí o adjetivo crítico).
Finalizamos com uma breve avaliação do paradigma histórico. Ele continua 
importante em nossos dias e é muito útil para quem quer interpretar a Bíblia. 
Todavia, precisa ser ampliado e renovado, e, nas próximas unidades, estudare-
mos teorias e métodos que renovaram o paradigma histórico. 
Bons estudos!
A INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IIU N I D A D E70
A HERMENÊUTICA DE ESPINOSA E O SURGIMENTO 
DA EXEGESE HISTÓRICA (1)
Aluno(a), nosso foco recairá sobre o paradigma 
histórico da exegese (ou hermenêutica) 
bíblica. Esse paradigma possui duas gran-
des tendências no Protestantismo – a 
exegese histórico-crítica e a históri-
co-gramatical. Essas tendências são 
concorrentes, mas possuem várias 
características comuns que devem 
ser ressaltadas antes de descrever-
mos cada um deles separadamente: 
(a) ambas consideram a tarefa da inter-
pretação bíblica como predominantemente 
histórica e literária (gramatical ou linguística); (b) 
ambas consideram indispensável que o intérprete da Escritura siga princípios 
racionais de interpretação de textos; (c) ambas diferenciam a tarefa exegética da 
tarefa hermenêutica, sendo que a exegese é vista como o estudo do sentido do 
texto em seu próprio contexto, e a hermenêutica como a aplicação ou atualização 
do sentido do texto para a época da interpretação; e (d) ambas dão menor valor 
à teorização hermenêutica e mais valor à descrição e eficácia da metodologia.
Baruch (Benedito) Spinoza (Espinosa) é um personagem especial na tradi-
ção hermenêutica e exegética moderna. O espinosismo é considerado por muitos 
como uma tradição peculiar da filosofia moderna, enquanto outros classificam 
Espinosa como um dos grandes filósofos racionalistas. Em certo sentido, pode-
mos considerá-lo um dos precursores da exegese histórico-crítica. Entretanto, 
sua teoria da interpretação não se restringia à busca do sentido “original” do texto 
bíblico, mas incorporava também o que chamamos de releitura. Não precisamos 
estudar a filosofia de Espinosa para compreender sua proposta de interpreta-
ção da Bíblia. Assim, vamos direto ao que ele escreveu sobre como interpretar 
a Bíblia adequadamente.
Espinosa, de família de cristãos novos da Península Ibérica reconvertidos 
Paradigma: uma palavra que vem do grego e significa exemplo ou modelo. 
No uso técnico desta palavra nas ciências, ela se refere ao conjunto de con-
ceitos teóricos, métodos e práticas de pesquisa e avaliação do conhecimen-
to que se faz em uma determinada ciência. Então, paradigma histórico da 
exegese significa que estudaremos um modo de interpretação da Bíblia que 
se baseia, primariamente, na forma de interpretação de textos desenvolvida 
pela ciência da História. 
Fonte: o autor.
A Hermenêutica de Espinosa e o Surgimento da Exegese Histórica (1)
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ao Judaísmo, nasceu e morreu na Holanda (1632-1677). Defensor da democra-
cia, da liberdade e tolerância religiosa, foi expulso da sinagoga judaica e, tendo 
se “convertido” ao Cristianismo, também foi considerado herege por igrejas cris-
tãs e acabou tendo a publicação de seus escritos proibida pelo governo holandês 
(talvez o mais tolerante dos governos europeus da época). Essa proibição durou 
toda a sua vida, e ainda foi reforçada, em 1678, após sua morte. Sua obra Tratado 
Teológico-Político é um marco na discussão moderna sobre as relações entre filo-
sofia e teologia, bem como sobre as relações entre instituição religiosa e Estado. 
Como o título assevera, é um livro híbrido de teologia e filosofia política, que 
expressou ideias inovadoras em ambos os campos – o que não nos deixa ficar 
surpresos com a ampla condenação recebida. Mesmo sendo a Holanda um país 
bastante tolerante em termos da liberdade de expressão – para aquela época – as 
ideias de Espinosa despertaram medos profundos por seu caráter democrático 
de vanguarda.
Neste estudo, não temos condições de analisar as várias facetas do pensamento de 
Espinosa, nem mesmo de analisar o Tratado Teológico-Político em sua totalidade. 
Meu foco recairá exclusivamente sobre o capítulo VII do livro “Da Interpretação 
da Escritura”, em que Espinosa (2008) descreve o seu método de interpretação 
da Bíblia. Como o texto é bem menos conhecido do que deveria por estudio-
sos da Escritura, farei um grande número de citações para que o diálogo com 
Apesar de não estar ligado a nenhuma igreja, a teoria hermenêutica de Es-
pinosa foi muito influente no Cristianismo. Isto nos faz pensar sobre como 
é importante conhecer pensadores e pensadoras não cristãos, porque tam-
bém por meio delas Deus pode nos ensinar (o autor).
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o texto possa fluir mais explicitamente, sem que seja necessário, o tempo todo, 
saltar os olhos para o livro do autor. Uma exposição detalhada do pensamento 
do autor sobre a relação entre filosofia e religião, incluindo sua hermenêutica, é 
encontrada em Polka (2006) no livro “Between Philosophy and Religion” (quanto 
à hermenêutica, ver o volume I com o subtítulo “Hermeneutics and Ontology”.
O ponto de partida da interpretação da Escritura
Espinosa (2007) parte do princípio de que a Escritura é reconhecida como pala-
vra de Deus. Ele não questiona essa crença, embora lhe dê um sentido bastante 
diferente do que lhe era (e ainda é) atribuído pelas igrejas e comunidades cristãs. 
O autor dizia que, se a Bíblia é Palavra de Deus, então, ela deveria ser praticada, 
de outra forma, não se lhe poderia compreender. Vejamos suas próprias palavras:
Toda a gente diz que a Sagrada Escritura é a palavra de Deus que ensina 
aos homens a verdadeira beatitude ou caminho da salvação: na prática, 
porém, o que se verifica é completamente diferente. Não há, com efei-
to, nada com que o vulgo pareça estar menos preocupado do que em 
viver segundo os ensinamentos da Sagrada Escritura. [...] Porque, se os 
homens fossem sinceros quando falam da Escritura, teriam uma regra 
de vida completamente diferente: as suas mentes não andariam agita-
das com tanta discórdia, não se combateriam uns aos outros com tanto 
ódio, nem manifestariam um tão cego e temerário desejo de interpretar 
a Escritura e de inventar na religião coisas novas. [...] Todavia, a ambição 
e o crime foram tão longe que a religião acaba por consistir menos em 
obedecer aos ensinamentos do Espírito Santo que em defender huma-
nas fantasias, e por não se traduzir pela propagação da caridade, mas 
pela disseminação das discórdias e do ódio mais feroz entre os homens,A Hermenêutica de Espinosa e o Surgimento da Exegese Histórica (1)
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disfarçado embora de zelo divino e fervor ardente. (ESPINOSA1, 2007, 
p. 114-115).
Ora, se a Escritura é mapa para a vida salvífica, ela não pode deixar de ser lida a 
partir da prática de seus ensinamentos – que se sintetizam em uma única máxima 
ética: amar ao próximo como a si mesmo. Prática ética que deveria subordinar 
os aspectos doutrinários e rituais das Igrejas que, com sua pompa e circunstân-
cia, afastavam-se radicalmente dos caminhos do Messias Jesus. Para Espinosa 
(2007), a neutralidade futuramente exigida para uma interpretação científica da 
Bíblia não é desejada. A leitura da Bíblia possui um ponto de partida ético, com-
prometido com a prática dos ensinamentos morais da Escritura, sem o qual é 
impossível compreender verdadeiramente o texto bíblico, posto que a leitura será, 
então, afetada ou por paixões inadequadas, ou por superstições, ou por dogma-
tismos. Devemos lembrar que, para o filósofo, a separação entre ética e cognição 
não é aceitável, o que não só é perceptível na Ética, quanto na passagem a seguir.
Não só a falta de caridade é obstáculo à compreensão da Escritura. A falta 
de razão também o é. Para compreender a Escritura, segundo Espinosa (2007), 
é necessário não só fazer o que ela ensina, mas viver de acordo com a luz natu-
ral da razão com a qual Deus dotou toda a humanidade. Vejamos:
É ver como andam quase todos (o “vulgo”) fazendo passar por palavra 
de Deus as suas próprias invenções e não procuram outra coisa que 
não seja, a pretexto da religião, coagir os outros para que pensem como 
eles. [...] Boa parte, inclusive, dos teólogos [Ou seja, dos pregadores 
e mestres da Escritura nas Igrejas e nas Universidades da época] está 
preocupada é em saber como extorquir dos Livros Sagrados as suas 
próprias fantasias e arbitrariedades, corroborando-as com a autoridade 
divina. Nem há mesmo nada que eles façam com menos escrúpulos 
e com maior temeridade que a interpretação da Escritura, ou seja, da 
mente do Espírito Santo; e, se alguma coisa nessa tarefa os aflige, não 
é o receio de atribuir ao Espírito Santo algum erro e se afastarem do 
caminho da salvação, mas sim poderem ser apanhados em erro pelos 
outros e, desse modo, verem a sua própria autoridade calcada aos pés 
dos adversários e serem alvo de escárnio. [...] E como se esses males 
não bastassem, há ainda a superstição, que os ensina a desprezar a na-
tureza e a razão e a admirar e venerar apenas o que as contradiz, pelo 
1 Note-se que Espinosa escreve o TTP, em 1670, menos de trinta anos depois do fim da Guerra dos Trinta 
Anos.
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que não é de espantar se eles se empenham assim tanto, para melhor 
admirarem e venerarem a Escritura, em explicá-la de modo que pareça 
estar em perfeito contraste com a natureza e a razão (ESPINOSA, 2007, 
p. 114-115).
Movido, assim, pela incapacidade concreta do povo e as autoridades teológi-
cas compreenderem as Escrituras, Espinosa (2007) se dedica a construir um 
método que, segundo sua visão, permitiria chegar ao cerne da questão: enten-
der perfeitamente a Escritura, a mente de Deus. A falta de ética e a falta de razão, 
dois lados da mesma moeda, exigem que – para a mente moderna de Espinosa 
– um método perfeito seja constituído, um método capaz de superar os limites 
da leitura bíblica até então praticada que, ainda segundo o autor, estava subju-
gada aos dogmas eclesiásticos e seus interesses políticos correlatos, bem como 
à superstição popular:
os homens de fato são assim: aquilo que concebem pelo puro entendi-
mento defendem-no só pelo entendimento e pela razão; pelo contrário, 
aquilo que opinam por força das paixões é com essas que o defendem. 
Ora, para sair de tais confusões, libertarmos a mente dos preconceitos 
dos teólogos e não abraçarmos temerariamente invenções humanas 
como se fossem ensinamentos divinos, temos de abordar e discutir o 
verdadeiro método para interpretar a Escritura. Enquanto não o co-
nhecemos, nada poderemos saber ao certo sobre o que a Escritura, ou 
seja, o Espírito Santo, quer ensinar. (ESPINOSA, 2007, p. 115).
Aqui sobressai o caráter moderno do pensamento do autor – em profundo sin-
cretismo com uma descrição cristã da Escritura como mente do Espírito Santo: 
para compreender a palavra de Deus, é necessário um método adequado, verda-
deiro e insofismável. Não se trata, então de superar a impiedade e a superstição 
por uma vida cristã autêntica e por uma concordância com a racionalidade. É pre-
ciso mais: é necessário o verdadeiro método. Essa obsessão pelo método marcará 
a hermenêutica moderna até a primeira parte do século XX e a exegese acadê-
mica até hoje, sendo questionada aqui e acolá, até que Gadamer publique seu 
libelo por uma hermenêutica enquanto filosofia primeira, ironicamente intitu-
lado “Verdade e Método”.
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A racionalidade do método espinosiano de interpretação bíblica
“Muito resumidamente, o método de interpretar a Escritura não difere em 
nada do método de interpretar a natureza; concorda até inteiramente com ele” 
(ESPINOSA, 2007, p. 115). Assim inicia o autor sua exposição do método verda-
deiro para a interpretação da Bíblia. Não se trata de um método especial, criado 
exclusivamente para lidar com a Palavra de Deus, de modo que seria, então, pro-
priedade exclusiva de uns poucos iluminados. Ao contrário, é o mesmo método 
usado para interpretar a natureza, método que qualquer pessoa racional conse-
gue entender e praticar. Aqui, o autor revela seu papel de precursor da exegese 
científica. A subordinação da exegese à metodologia científica – que ocorre nas 
duas tendências do paradigma histórico – tornou-se um movimento padrão no 
paradigma moderno-iluminista e seu modelo histórico de exegese bíblico.
Em que consiste, então, o método espinosiano?
Na realidade, assim como o método para interpretar a natureza consis-
te essencialmente em descrever a história da mesma natureza e concluir 
daí, com base em dados certos, as definições das coisas naturais, também 
para interpretar a Escritura é necessário elaborar a sua história autêntica 
e, depois, com base em dados e princípios certos, deduzir daí como le-
gítima consequência o pensamento dos seus autores. Desse modo, quer 
dizer, se na interpretação da Escritura e na discussão do seu conteúdo 
não se admitirem outros princípios nem outros dados além dos que se 
podem extrair dela mesma e da sua história, estaremos procedendo sem 
perigo de errar e poderemos discutir com tanta segurança as coisas que 
ultrapassam a nossa compreensão como aquelas que conhecemos pela luz 
natural. No entanto, e para que fique claro que essa via é, não só a correta, 
mas também a única, além de estar em conformidade com o método de 
interpretação da natureza, é preciso notar que a Escritura trata frequen-
temente de coisas que não podem se deduzir dos princípios conhecidos 
pela luz natural. Com efeito, ela se compõe em boa parte de histórias e 
revelações; ora, as histórias contêm principalmente milagres, isto é (como 
mostramos no capítulo anterior), descrições de fatos insólitos da natureza 
adaptados às opiniões e à mentalidade dos historiadores que as escreve-
ram; as revelações, por seu turno, estão também adaptadas às opiniões 
dos profetas e ultrapassam realmente, como demonstramos no capítulo 
II, a compreensão humana Daí que o conhecimento de todas essas coisas, 
ou seja, de quase tudo o que vem na Escritura, deva investigar-se uni-
camente na própria Escritura, do mesmo modoque o conhecimento da 
natureza se investiga na própria natureza. (ESPINOSA, 2007, p. 115-116).
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 Por um lado, percebemos que Espinosa adota e adapta um dos princípios her-
menêuticos tradicionais nas Igrejas Cristãs, o de que a Escritura é sua própria 
intérprete. A razão para tal percepção, porém, não é baseada no conceito de reve-
lação, mas, sim, na analogia com o conceito de ciência da natureza – um método 
científico deve ser baseado no seu objeto, posto que desse deriva o conhecimento 
verdadeiro que se pode constituir. Vemos em operação aqui o realismo ontológico 
de Espinosa, temperado pelo seu realismo epistemológico, pois, após a descrição 
dos dados e princípios certos derivados do objeto, é preciso deduzir os conceitos 
científicos ou, no caso da interpretação bíblica, o pensamento dos seus autores.
Por outro lado, o que realmente interessa na Escritura é delimitado pela inser-
ção contextual da própria Escritura, de modo que cabe ao intérprete “moderno” 
julgar os pensamentos dos autores bíblicos a partir da luz natural da razão, a 
única luz que ilumina todo ser humano. Nesse ponto, o autor mostra seu caráter 
de precursor do método histórico-crítico, na medida em que cabe ao intérprete, 
em última análise, julgar a validade dos conteúdos bíblicos – posto que esses, 
embora palavra de Deus, são completamente humanos, ou seja, escritos por pes-
soas concretas em contextos concretos. Uma tensão se insere, portanto, embora 
os dados e princípios devam ser derivados exclusivamente da Escritura, eles pre-
cisam ser avaliados e julgados pelo intérprete, a partir, não da própria Escritura, 
mas da luz natural.
Destaque-se, ainda, a afirmação de que o método proposto é o único método 
verdadeiro e adequado para se chegar à legítima interpretação da Escritura. 
Essa confiança absoluta no método será retomada mais tarde pelo paradigma 
moderno-iluminista e estará presente nas duas metodologias antagônicas da 
Espinosa contrapõe “razão” à “fé”. Para ele, somente a razão é o caminho para 
o conhecimento. A fé seria o caminho para dar sentido à vida. Que você acha 
disso? (o autor).
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exegese histórico-crítica e da histórico-gramatical. Aqui é necessário discordar 
de Espinosa, ainda que reconhecendo a motivação para sua defesa excludente de 
um único método. Podemos afirmar uma pluralidade de métodos, mas a vali-
dade deles dependerá da atitude do intérprete, tanto em seu comprometimento 
com a ética, quanto em sua convicção da inexistência de um privilégio episte-
mológico da revelação na Escritura.
Voltemos ao texto, no qual o autor reafirma o princípio já exposto, mas, 
agora, a partir da presença de ensinamentos morais na Bíblia:
Quanto aos ensinamentos morais que também vem na Bíblia, embora, 
eles possam se demonstrar com base em noções comuns, não se pode, 
todavia, a partir dessas noções, demonstrar que ela os ensina, pois isso 
só poderá se afirmar com base na Escritura. Assim se quisermos provar 
sem preconceitos a divindade da Escritura, terá de se provar, com base 
exclusivamente nela, que estão lá contidos verdadeiros ensinamentos 
morais. De outra forma, não poderá se demonstrar a sua divindade, 
porquanto já explicamos que a certeza dos profetas se baseia principal-
mente no fato de eles terem o ânimo predisposto para a justiça e a bon-
dade. Nessa medida, para que possamos acreditar neles é preciso que 
esses fatos sejam evidentes também para nós. Dos milagres, contudo, 
não se pode deduzir a divindade de Deus, como já demonstramos, nem 
vale a pena acrescentar que eles podem também ser feitos por um fal-
so profeta. Por conseguinte, a divindade da Escritura deve se concluir 
unicamente do fato de ela ensinar a verdadeira virtude. Mas isso só 
pela Escritura se pode provar. E, se acaso não o pudesse, então, só por 
enorme preconceito se aceitaria a Escritura, e se afirmaria a sua divin-
dade. Todo o conhecimento sobre a Escritura deve, portanto, excluir-se 
unicamente da mesma (ESPINOSA, 2007, p. 116-117).
O caráter moderno da visão do autor se manifesta novamente aqui. A Escritura 
é divina, sim, mas sua divindade é devida, não aos milagres, mas à validade dos 
seus ensinos morais. Temos aqui as bases para a futura redução, por vários pen-
sadores, da religião à moralidade – redução que estará subjacente ao paradigma 
moderno-iluminista de interpretação bíblica: ler a Escritura se tratará de, por 
um lado, reescrever a sua história e, por outro, de recuperar a sua moralidade. 
Cabe, ainda, lembrar que a verdadeira virtude é definida pelo intérprete moderno 
da Escritura, pois só é possível validar a moralidade dos profetas na medida em 
que os fatos morais por eles apresentados sejam evidentes também para nós. A 
distinção entre conhecimentos religiosos e conhecimentos científicos encontra 
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uma de suas mais antigas formulações modernas aqui. Distinção não radical, 
mas distinção, uma expressão da noção mais abstrata da separação não antagô-
nica entre razão e fé.
O papel heurístico (descobridor, inquiridor) do intérprete é destacado na 
última explicação de Espinosa sobre o método, antes de apresentar os passos 
metódicos: 
[...] a Escritura não dá definições das coisas de que fala, da mesma 
forma que a natureza também não as dá. Por isso, tal como temos de 
concluir as definições das coisas naturais a partir das diversas ações da 
natureza, assim também é necessário extraí-las das diversas narrações 
que a Escritura apresenta de cada fato. Donde, a regra universal a seguir 
na sua interpretação é a de não lhe atribuir outros ensinamentos além 
dos que tenhamos claramente concluído pela sua história.” (ESPINO-
SA, 2007, p. 117). 
Na tensa relação entre sujeito conhecedor e objeto a ser conhecido, cabe ao sujeito 
se deixar guiar pelo objeto, mas, ao mesmo tempo, submeter tal direcionamento 
do objeto aos ditames da razão definidora – ou seja, às normas do pensamento 
abstrato, classificador e universal – que, a partir da multiplicidade de dados con-
textuais, constrói definições abstratas com validade universal.
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A HERMENÊUTICA DE ESPINOSA E O SURGIMENTO 
DA EXEGESE HISTÓRICA (2)
Damos continuidade ao estudo da herme-
nêutica de Espinosa, seguindo a numeração 
de seções iniciada na lição anterior.
 Os princípios metodológicos da 
hermenêutica espinosiana
Veja que são três os procedimentos meto-
dológicos descritos pelo autor no Tratado, 
os quais serão apropriados e ressignifica-
dos pelo paradigma moderno-iluminista, em operação que, todavia, fará uma 
redução historicista da metodologia do autor. Vejamos cada passo metodoló-
gico espinosiano.
A dimensão da linguagem
Deve incluir a natureza e as propriedades da língua em que foram es-
critos os livros da Escritura e em que os seus autores falavam habitual-
mente. Só assim se poderá, com efeito, examinar todos os sentidos que 
cada frase pode ter de acordo com o uso normal da língua. E, uma vez 
que todos os autores, tanto os do Antigo como os do Novo Testamento, 
foram hebreus, é evidente que a história da língua hebraica é necessária 
para se compreenderem, não só os livros do primeiro, que foram escri-
tos nessa língua, mas também os do segundo, os quais, embora tenham 
sido divulgados em outros idiomas, trazem, no entanto, hebraísmos. 
(ESPINOSA, 2007, p. 117).
Seguindo a visãorenascentista da recuperação dos clássicos, o autor destaca a 
importância fundamental de ler a Escritura nas línguas originais. Mas não destaca 
apenas a língua e, sim, a cultura do povo do qual vieram seus autores. O texto de 
Espinosa (2007) trai as marcas da visão ainda pré-linguística, baseada em estu-
dos filológicos, o que não anula os seus acertos, mas nos obriga a situar o texto 
do autor em seus limites contextuais. Com base nesse princípio, ele começou a 
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escrever uma gramática da língua hebraica, baseando-se em gramáticas ante-
riores, de hebraico e de latim, embora tenha subordinado a exposição da língua 
hebraica à estrutura da gramática do Latim.
Não é acidental que as gramáticas de hebraico, mesmo as contemporâneas, 
sigam basicamente a estrutura dos capítulos da gramática de Espinosa – elas ainda 
carregam as marcas da visão pré-linguística. Entretanto, devemos ressaltar que, 
para mérito do autor, a sua compreensão da língua hebraica não a identificava 
com a língua arquivada no texto bíblico. Diferentemente da tradição filológica 
dos estudos bíblicos da época, não se trata, para Espinosa, de estudar uma lín-
gua morta, mas de estudar o hebraico enquanto língua viva, “falada”, expressão 
da cultura e da mentalidade de um povo ao longo de sua história. 
Veja, por exemplo, a explicação sobre o formato de uma letra do alfabeto 
hebraico: “esta é a escrita siríaca, que Esdras preferiu à das letras do hebraico 
antigo, e que os fariseus supersticiosamente adotaram em seus escritos sagrados. 
Na realidade, os autores frequentemente usaram outras escritas” (ESPINOSA, 
2002, p. 589-590).
Notemos alguns elementos importantes na descrição de Espinosa: (a) não 
foca o estudo nas palavras, mas nas sentenças e destaca a sua polissemia (toda 
palavra e toda sentença tem uma pluralidade de sentidos possíveis): todos os sen-
tidos que cada frase pode ter; (b) subordina a semântica (sentido da palavra no 
sistema linguístico) à pragmática (uso da língua na conversação ou na comuni-
cação entre pessoas), pois os sentidos da frase devem ser consistentes com o uso 
normal da língua, ou seja, a língua falada (em que seus autores falavam habitu-
almente), da qual os textos são uma parte apenas; (c) a língua não é vista como 
autossuficiente, mas como parte da vida cultural, posto que os textos em grego 
do Novo Testamento devem ser lidos à luz da cultura hebraica de seus autores, 
textos que trazem, no entanto, hebraísmos. 
Em certo sentido, essa descrição é vanguardista, posto que, mais tarde, as 
práticas exegéticas históricas darão muito maior peso às palavras do que às sen-
tenças, e procurarão um sentido unívoco, ao invés de, a partir do uso pragmático 
da língua, reconhecer a sua polissemia. De nosso ponto de vista é fundamental 
destacar, então, que a proposta de Espinosa direciona o intérprete da Escritura 
ao estudo mais adequado possível do discurso, e não apenas da língua. Assim, 
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devemos ir além de Saussure e da primeira Linguística, avançando até os estu-
dos contemporâneos da linguagem enquanto ato semiótico e/ou comunicativo.
(B) A redução semântico-conceitual
Deve coligir as opiniões contidas em cada livro e reduzi-las aos pontos 
principais, de forma que se encontrem facilmente todas as que se re-
ferem ao mesmo assunto. Em seguida, deve registrar todas as que são 
ambíguas ou obscuras ou que parecem estar em contradição entre si. 
Considero, para esse efeito, que uma opinião é clara ou obscura con-
forme a facilidade ou dificuldade com que se tira o seu sentido pelo 
contexto e não conforme a facilidade ou dificuldade com que se apre-
ende a sua verdade pela razão. Trata-se aqui apenas do sentido e não 
da verdade dos textos. Assim, quando estamos investigando o sentido 
da Escritura, há que evitar a todo custo deixarmo-nos influenciar pelo 
nosso raciocínio (para não falar dos nossos preconceitos), porquanto 
ele assenta nos princípios do conhecimento natural. Para não confun-
dirmos o verdadeiro sentido com a verdade das coisas, deveremos exa-
miná-lo com base unicamente na norma linguística ou num raciocínio 
que tenha por único fundamento a Escritura. [...] De fato, não é lícito, 
como já mostramos, forçar o sentido da Escritura para o ajustar aos 
imperativos da nossa razão e as nossas opiniões preconcebidas: o co-
nhecimento dos livros da Bíblia tem de extrair-se todo ele unicamente 
dos livros da Bíblia. (ESPINOSA, 2007, p. 117-119).
O texto parece fundamentalista: o conhecimento dos livros da Bíblia tem de extrair-
-se todo ele unicamente dos livros da Bíblia sem ser forçado aos imperativos da 
nossa razão e as nossas opiniões preconcebidas. Apenas parece. Espinosa (2007) 
traça uma distinção sutil entre sentido e verdade. Entender um texto é questão 
de entender o seu sentido, não a sua verdade, posto que essa não é determinada 
pelo texto em si. Aqui, mais uma vez, o autor é precursor dos métodos históri-
cos: trata-se de entender o texto dentro do seu contexto, trata-se de distinguir 
entre a compreensão exegética e a validação racional dos textos – fatores pre-
sentes na exegese histórico-crítica. A compreensão do texto exige uma elevada 
dose de objetividade (diríamos), exige que o intérprete abra mão de seus pre-
conceitos, pressupostos e mesmo dos imperativos da razão – posto que o texto 
bíblico foi escrito em outro mundo, em outro tempo, e somente dentro dos limi-
tes desse tempo é que ele pode ser verdadeiramente entendido.
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Compreender o sentido do texto, porém, não é o mesmo que descobrir a 
verdade: trata-se aqui apenas do sentido e não da verdade dos textos, para não 
confundirmos o verdadeiro sentido com a verdade das coisas. A função da exegese 
será, então, deduzir, da pluralidade de textos bíblicos, as definições ou conceitos 
deles derivados, mediante redução conceitual classificadora. Espinosa vai além 
do que o método histórico proporá mais tarde, posto que não se trata de ape-
nas interpretar a perícope, mas de interpretar toda a Escritura e construir um 
aparato conceitual dela derivado – o que será descrito, bem mais tarde, como a 
tarefa da Teologia Bíblica.
Nos seus exemplos sobre como entender o texto sem submissão aos impe-
rativos da razão, o autor mostra claramente o que entende pela distinção entre 
sentido e verdade: 
[...] uma vez que Moisés ensina claramente que Deus é ciumento e em 
parte nenhuma ensina que ele está imune de paixões ou alterações de 
ânimo, temos forçosamente de concluir que Moisés acreditava nisso ou 
que, pelo menos, pretendia ensiná-lo, por muito que repugne à nossa 
razão (ESPINOSA, 2007, p. 119). 
Esta distinção, relativamente sutil, entre sentido e verdade será ressignificada no 
paradigma moderno-iluminista por meio da distinção entre exegese e aplicação 
(ou hermenêutica), mediante a qual se subdivide a tarefa interpretativa em dois 
momentos distintos: o primeiro, tarefa da exegese, é compreender o texto em 
seu contexto histórico; o segundo, tarefa da hermenêutica, é fazer aplicação do 
sentido do texto para o tempo do intérprete. O primeiro é objetivo, o segundo, 
demanda subjetividade. O reconhecimento da tensão entre sentido e validade do 
texto está presente nas diversas hermenêuticas contemporâneas, e é comumente 
referido com a expressão suspeita hermenêutica. Os paradigmas pós-iluministas 
também a reconhecem, mas a explicam e operacionalizam de modos distintos – 
não necessariamente como dois momentos distintos, mas como duas etapas de 
um mesmo processo interpretativo, que não secompleta enquanto não se veri-
fica a validade do texto interpretado.
Vejamos um exemplo da discussão recente sobre esse tópico, na qual o 
contexto do texto não é visto apenas como histórico, mas como racional ou 
comunicativo:
A Hermenêutica de Espinosa e o Surgimento da Exegese Histórica (2)
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O intérprete compreende então a significação de um texto na medida 
em que descobre porque o autor se sentiu no direito de apresentar de-
terminadas afirmações (como verdadeiras), reconhecer determinados 
valores e normas (como corretos), externar determinadas vivências 
(como sinceras). O intérprete tem de aclarar para si o contexto que tem 
de ter sido pressuposto pelo autor e pelo público contemporâneo como 
saber comum, para que naquela época não precisassem aparecer aque-
las dificuldades que hoje o texto nos apresenta, e para que pudessem 
aparecer entre os contemporâneos outras dificuldades, que para nós, 
inversamente, parecem triviais. Somente sobre este fundo de elementos 
cognitivos, morais e expressivos da provisão cultural do saber, a partir 
do qual o autor e seus contemporâneos construíram suas interpreta-
ções, pode se tornar manifesto o sentido do texto. Mas, por outro lado, 
o intérprete nascido mais tarde não pode identificar estes pressupos-
tos se ele não toma posição ao menos implicitamente com respeito às 
pretensões de validade vinculadas ao texto (HABERMAS, 1987, p. 89).
Para Espinosa (2007, p. 199-120),
por último, a história da Escritura deve descrever os pormenores de 
todos os livros dos profetas de que chegou notícia até nós, ou seja, a 
vida, os costumes, os estudos de cada um dos autores, quem era ele, 
em que ocasião, em que época, para quem e, finalmente, em que língua 
escrevia. Depois, as voltas que deu cada livro; como foi originalmente 
acolhido, em que mãos foi parar, quantas versões conheceu, a conselho 
de quem foi incluído entre os Livros Sagrados e, enfim, de que modo 
foram reunidos num único corpo todos os livros já universalmente re-
conhecidos como sagrados. [...] Tudo isso é absolutamente necessário 
saber, a fim de que não aceitemos, arrebatados por cegos impulsos, seja 
o que for que nos propõem, mas unicamente o que for certo e indubi-
tável. 
A exegese histórica avant-garde (vanguarda). Nesse trecho, o autor descreve o 
que ele nomeara várias vezes como a história da Escritura. Quatro dimensões 
da crítica bíblica estão aqui presentes: (a) a autoria; (b) o conteúdo; (c) o con-
texto da escrita e os primeiros leitores; (d) a recepção do livro até a formação do 
cânon. As metodologias do paradigma histórico serão desenvolvidas (embora 
não diretamente) a partir dessa sintética descrição: a antiga crítica literária ou 
documental, que visava constatar a autoria e o conteúdo; a crítica textual (deter-
mina o verdadeiro texto original, além de analisar as traduções); a crítica da 
forma, a história das tradições e a crítica da redação (pode-se incluir aqui a crí-
tica canônica, embora essa esteja em tensão com a perspectiva histórico-crítica 
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propriamente dita) que traçam o itinerário percorrido pelos livros até a sua forma 
canônica final. A função dessas descobertas é crítica: para que aceitemos apenas 
o que for certo e indubitável.
Se o autor terminasse aqui a descrição de seu método, poderíamos dizer 
que ele é um dos proponentes do paradigma histórico em sua tendência histó-
rico-crítica posterior. Entretanto, há um componente metodológico adicional 
que nos obriga a, por um lado, afirmar que Espinosa é apenas um precursor dos 
métodos históricos e, por outro, a reconhecer que ele ocupa um lugar peculiar 
na trajetória da construção da exegese bíblica na Modernidade. Passemos, então, 
ao quarto elemento do método espinosiano.
(C) A validação dos sentidos do texto
Obtida assim a história da Escritura e tomada a firme decisão de não 
admitir como doutrina dos profetas senão o que por essa mesma histó-
ria se conclui, ou seja, o que dela se deduz com a maior clareza, agora 
é altura de nos cingirmos à investigação do pensamento dos profetas 
e do Espírito Santo. Mas, para isso, é também necessário um método 
e uma ordem semelhante à que usamos na interpretação da natureza 
com base na sua história. [...] também na história da Escritura é pre-
ciso, antes de tudo, procurar aquilo que é mais universal e constitui a 
base e o fundamento de toda ela, aquilo, enfim, que todos os profetas 
recomendam como doutrina eterna e de maior utilidade para qualquer 
mortal. Por exemplo, que existe um só Deus que é onipotente e o único 
a quem se deve adorar, que olha por todos e ama sobretudo os que o 
adoram e amam o próximo como a si mesmo etc. Tais ensinamentos 
e outros do mesmo gênero estão de tal maneira claros e explícitos em 
toda a Escritura que não houve jamais quem duvidasse do seu sentido. 
Mas, quanto a saber o que é Deus, como vê ele todas as coisas e por elas 
providencia, a Escritura não ensina nada de concreto e a título de dou-
trina eterna, tal como de outros assuntos parecidos; pelo contrário, os 
próprios profetas, como já mostramos, não estão de acordo sobre tais 
questões, pelo que não existe nada que possa a seu respeito ser tido por 
doutrina do Espírito Santo, ainda que elas se resolvam muito bem pela 
luz natural. (ESPINOSA, 2007, p. 120-121).
A distinção entre sentido e verdade reaparece aqui e se torna a base para o passo 
final do método espinosiano: cuidar da investigação do pensamento dos profetas 
e do Espírito Santo. A concepção metafísica de Espinosa aparece aqui com todo 
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o brilho. Há uma verdade eterna e universal (útil para qualquer mortal). Essa 
verdade é o fundamento, a base para todas as demais verdades que, por sua vez, 
se verdade, são também eternas e universais, mas que devem ser deduzidas da 
mais universal. Tais verdades eternas e universais são em pequeno número e são 
conhecidas universalmente. 
Aqui, o autor dá novo sentido a um princípio caro aos reformadores: o princí-
pio da perspicuidade da Escritura: estão de tal maneira claros e explícitos em toda 
a Escritura que não houve jamais alguém que duvidasse do seu sentido. A clareza 
da Escritura não tem mais a função de se contrapor à hermenêutica medieval dos 
quatro sentidos, como no caso dos Reformadores. Tem, sim, a tarefa de se con-
trapor aos debates e divisões entre as diversas igrejas, subordinando a verdade 
da Escritura à razão, ou seja, demonstrar que a verdade da Escritura somente 
é verdadeira na medida em que claramente não nega a luz natural da razão. A 
universalidade é o remédio contra as interpretações dogmáticas da Escritura pre-
sentes nas Igrejas, tanto quanto contra as interpretações arbitrárias da Escritura 
feitas por leigos insensatos.
Simultaneamente, por meio desta descrição, Espinosa (2007, p. 122-123) 
formula o critério para a validação do ensino da Escritura e o reduz aos ensi-
nos morais ou práticos:
Até aqui, mostramos apenas como se devem analisar os textos da Escri-
tura respeitantes à vida prática e que são, por isso mesmo, mais fáceis 
de estudar; de fato, nunca houve realmente controvérsia a seu respeito 
entre os autores da Bíblia. Já os textos que são unicamente especulati-
vos não podem ser analisados com a mesma facilidade. Para estes, o 
caminho é mais estreito, pois em matérias especulativas (como já mos-
tramos) os profetas estavam em desacordo e as narrações eram em boa 
parte adaptadas aos preconceitos das respectivas épocas. Daí o não se 
poder deduzir o pensamento de um profeta a partir de passagensmais 
claras de um outro, a menos que conste com toda a evidência que eles 
foram da mesma opinião.
De um só golpe, Espinosa (2007) libera o intérprete da Escritura de dois proble-
mas: o da pluralidade de sentidos que os mesmos temas recebem na Escritura, 
subordinando-a à universalidade conceitual deduzida dos textos; e o problema 
da aparente irracionalidade de vários dos ensinamentos da Escritura, tais como os 
milagres e afirmações sobre espíritos agentes no mundo. A pluralidade teológica 
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é reconhecida, mas subordinada à sua validação mediante a universalidade con-
ceitual. A irracionalidade é afirmada, mas subordinada à verdade universal. 
Subjacente a esse tópico é o espinhoso problema das relações entre fé e razão. O 
autor distingue ambas, mas não as coloca em oposição mútua. 
Ao contrário, em sua metafísica, fé e razão são momentos complementa-
res da natureza humana. Ambas são universais, entretanto a razão é universal e 
natural, enquanto a fé é universal e histórica. Separadas, mas não antagônicas; 
complementares, mas hierarquicamente distintas. A razão possui o privilégio 
epistemológico que outrora era concedido à revelação - movimento tipicamente 
moderno no pensamento espinosiano.
Com esse movimento, o autor é também capaz de estabelecer o lugar da reli-
gião na vida pública e lidar com a questão da autoridade eclesiástica em matérias 
de verdade:
Ora, se todos possuem o pleno direito de pensar livremente, mesmo 
em matéria religiosa, não podendo sequer conceber-se alguém que re-
nuncie a esse direito, então, todos são igualmente possuidores do pleno 
direito e da plena autoridade de julgar em matéria religiosa e, conse-
quentemente, de a explicarem e interpretarem para si próprios. Com 
efeito, a única razão por que os magistrados têm autoridade soberana 
para interpretar as leis e a última palavra sobre assuntos de ordem pú-
blica é precisamente o tratar-se de direito público. Pela mesma razão, 
cabe a cada um a suprema autoridade de explicar a Religião e julgar em 
matéria religiosa, uma vez que isso pertence ao direito individual. [...] 
E também por aqui se pode ver que nosso método de interpretação da 
Escritura é o melhor. Se, de fato, cada um possui plena autoridade para 
interpretar a Escritura, então, a norma para essa interpretação só pode 
ser a luz natural comum a todos e não uma luz qualquer superior à na-
tureza, ou uma autoridade externa qualquer, além de que o método não 
deve ser tão difícil que só os filósofos muito argutos o possam seguir; 
deve é ser um método em consonância com a índole e a capacidade 
natural do comum dos homens, conforme demonstramos ser o caso do 
nosso. Vimos, com efeito, que as dificuldades com que presentemente 
ele se defronta não resultaram da sua natureza, mas da negligência dos 
homens. (ESPINOSA, 2007, p.137-138).
A interpretação da Escritura pertence à liberdade individual e não ao direito 
público, é matéria privada como diríamos hoje em dia. Como tal, ela não pode 
ser legislada, nem pelo Estado, nem pela Igreja (ou qualquer outra Instituição 
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religiosa). A interpretação da Escritura é uma atividade privada, humana, cujo 
modo de ser é inteiramente natural e racional. Natural, na medida em que a 
liberdade e a autoridade em termos de fé são direitos do indivíduo por sua pró-
pria natureza humana. Racional, na medida em que se dá mediante a luz natural 
comum a todas as pessoas, e não mediante uma luz especial (iluminação divina) 
restrita a poucas pessoas. Consequentemente, o método exegético deve ser o mais 
simples e claro possível, de modo que possa ser praticado por qualquer pessoa, 
não devendo ser reduzido ao domínio de especialistas. 
Nesse sentido, a leitura popular e a leitura contextual da Bíblia na América 
Latina recente resgatam um elemento que se perdeu ao longo da história da inter-
pretação moderna da Bíblia, especialmente na tradição histórico-crítica, que se 
tornou uma atividade exclusiva de especialistas (problema não tão presente na his-
tórico-gramatical). Por outro lado, a proposta de Espinosa, desvestida do caráter 
metafísico, encontra em teorias contemporâneas da leitura e na semiótica grei-
masiana, por exemplo, uma sucessora digna, posto que as tais se esforçam por 
construir metodologia compatível com os modos naturais de leitura que encon-
tramos nas práticas das pessoas comuns (não especialistas).
Quais são, entretanto, as dificuldades enfrentadas pelo método espinosiano?
(a) “[...] a primeira grande dificuldade desse método deriva do fato de ele exi-
gir um domínio total da língua hebraica” (ESPINOSA, 2007, p. 125). Dificuldade 
esta que é compreensível no contexto espinosiano, em que os conhecimentos 
linguísticos e as ferramentas linguísticas para interpretação das línguas origi-
nais da Bíblia estavam em estágios quase que pré-históricos se comparados com 
o estágio atual. Hoje em dia, não só a qualidade de traduções da Bíblia, como 
o volume de conhecimentos técnicos construídos pela pesquisa acadêmica, tal 
domínio total é relativamente secundário, na medida em que se pode ter acesso 
a conhecimentos que ajudam a superar a falta de tal domínio.
(b) Outra dificuldade “[...] provém do fato de ele exigir a história de todas as 
vicissitudes por que passaram os livros da Escritura, a maior parte das quais nos são 
desconhecidas” (ESPINOSA, 2007, p. 128). Semelhantemente, o estágio atual de 
conhecimentos sobre tal história nos permite agir com confiança, mesmo cientes 
das nossas limitações de conhecimento de vários detalhes importantes. Ademais, 
se abrimos mão do paradigma moderno-iluminista, tal desconhecimento não 
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tem tamanha importância, pois podemos desvincular a compreensão do texto da 
intenção do autor, o que não era concebível por Espinosa (2007, p. 129) : “[...] se 
ignoramos tudo isso, não podemos de maneira nenhuma saber qual foi ou qual 
poderia ser a intenção do autor”. Ora, em paradigmas pós-modernos e linguís-
ticos, a intenção do autor não é o guia infalível da interpretação e, mesmo que 
fosse, poderia ser reconstituída a partir do próprio texto, mesmo sem o conhe-
cimento amplo da sua história (autoria, local etc.).
(c) “Uma última dificuldade que apresenta a interpretação de certos livros 
da Escritura segundo esse método reside em não os possuirmos na língua em 
que originalmente foram escritos” (ESPINOSA, 2007, p. 130). Uma variante do 
problema da língua hebraica, mas dependente de hipóteses, tais como a de que 
Mateus e Hebreus foram escritos em hebraico (ESPINOSA, 2007) e de que não 
sabemos em que língua Jó teria sido escrito. Essa dificuldade há muito deixou 
de ser reconhecida como, de fato, empecilho ou obstáculo à compreensão exe-
gético-hermenêutica de livros bíblicos. 
[...] podem apenas impedir que compreendamos o pensamento dos 
profetas no que se refere a coisas ininteligíveis e que não sejam senão 
imagináveis, mas de forma alguma no que se refere a coisas que é pos-
sível compreender pelo entendimento e das quais podemos facilmente 
formar um conceito claro. (ESPINOSA, 2007, p. 130).
Volta à cena a clareza da Escritura, que, mesmo obstaculizada pelos problemas 
elencados pelo autor, não é eliminada pelos mesmos, permanecendo, assim, 
a confiança na luz natural da razão que o método espinosiano transforma em 
conhecimento operacional. Dessa forma, ele evita entrar em contradição com 
sua afirmação da facilidade universal da interpretação da Escritura, reduzindo as 
dificuldades a aspectos especializados, de modo que qualquer pessoaseria capaz 
de compreender o ensino eterno e universal da Escritura. Nesse caso, então, o 
problema fundamental é: como a pessoa comum faz uso dessa luz natural da 
razão, se está submetida ou às paixões e superstições da ignorância, ou à autori-
dade externa da Igreja ou do Estado? Esse tipo de problema persiste ainda hoje, 
embora não o formulemos da mesma maneira.
Há muito mais que se poderia discutir sobre a hermenêutica em Espinosa. Em 
uma disciplina introdutória, porém, não podemos ir além. Fica, aqui, para você, 
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o convite à ampliação dos estudos sobre o pensamento desse autor no âmbito 
da interpretação bíblica. Procure, em especial, notar como Espinosa praticou a 
crítica no sentido dado a ela por Foucault (1990): “a arte de não ser governado 
deste modo”. Assim, a interpretação da Bíblia, feita com o uso das ferramentas 
acadêmicas, pode ser uma fonte de libertação e amadurecimento na fé e na vida.
A EXEGESE HISTÓRICO-GRAMATICAL
Passamos por dois tópicos bem difíceis! Mas neles você tem material para muito 
tempo de estudo. Você pode usar esses conhecimentos ao longo de toda a sua 
vida. Agora, porém, vamos passar ao estudo do paradigma histórico, que é um 
fruto (não voluntário) da teoria de interpretação a Bíblia de Espinosa. Como 
disse no início da unidade, o paradigma histórico possui duas tendências: a his-
tórico-crítica e a histórico-gramatical. Vou começar com a histórico-gramatical 
que é a mais praticada nas Igrejas e instituições evangélicas.
A exegese histórico-gramatical se desenvolveu a partir da polêmica contra 
a exegese histórico-crítica. De acordo com os críticos da metodologia histórico-
critica, ela negaria o caráter inspirado da Escritura, por ter se rendido à visão 
racionalista de mundo, rejeitando os milagres de Deus na criação e na história. 
Embora, a polêmica exista, do ponto de vista do aprendizado da hermenêutica 
não devemos permitir que conceitos teológicos interfiram na definição meto-
dológica. A visão teológica do intérprete pertence às atitudes interpretativas e 
não aos métodos interpretativos. Assim, ao descrever o método histórico-gra-
matical, não o considero como um método teologicamente ortodoxo e, por isso, 
válido. Considero-o como um método entre tantos outros, cujo valor deve ser 
definido por critérios hermenêuticos e não teológicos.
Alguns autores costumam afirmar que o método histórico-gramatical nasceu 
com os Reformadores, entretanto não é possível validar tal afirmação. A herme-
nêutica dos reformadores está na raiz tanto da exegese histórico-crítica quanto da 
Note como os princípios da interpretação histórico-gramatical são seme-
lhantes aos princípios propostos por Espinosa. Que tal fazer uma lista com 
as semelhanças e as diferenças entre os dois métodos? (o autor).
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histórico-gramatical e não pode ser usada como uma forma de validar uma ou 
outra. Se estudarmos historicamente a origem dessa tendência, poderemos afir-
mar que o método histórico-gramatical começa a se desenvolver no século XVII, 
especialmente a partir do trabalho de Jean-Alphonse Turretin que escreveu um 
importante manual de hermenêutica, publicado em 1728 (De Sacrae Scripturae 
interpretandae methodo tractatus). Johann Ernesti, que escreveu outro impor-
tante manual de exegese, foi um seguidor de Turretin. De acordo com Sailhamer 
(1995), sete foram os princípios fundamentais da metodologia de Turretin (1728), 
os quais estão na base da exegese histórico-gramatical:
1. A Escritura deve ser interpretada mediante métodos apropriados 
para interpretar qualquer outro livro.
2. A Escritura deve ser interpretada de acordo com as regras gramati-
cais das línguas originais.
3. O texto da Escritura deve ser lido dentro de seu contexto.
4. O texto da Escritura deve ser interpretado à luz de seu “escopo”, isto 
é, de seu tema ou tópico central.
5. O intérprete da Escritura deve seguir a luz natural da razão.
6. Os autores bíblicos devem ser entendidos à luz de seu próprio pano 
de fundo histórico, e não de acordo com padrões modernos.
7. O Antigo Testamento deve ser comparado com outros textos antigos 
e não só com o Novo Testamento. (SAILHAMER,1995, p. 161.)
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Podemos perceber a influência dessa descrição metodológica em uma defini-
ção contemporânea da exegese histórico-gramatical. De acordo com Virkler 
(1997, p. 54),
mediante a história podemos ver o surgimento gradual dos pressupos-
tos e práticas hoje conhecidos como método de interpretação histó-
rico-gramatical. Esse método declara que o significado de um texto é 
aquele que o autor tinha em mente, e que a intenção do autor pode ser 
derivada com o máximo de exatidão observando-se os fatos da história 
e as regras de gramática aplicáveis ao texto sob estudo.
Típica dessa tendência histórica é a crença em que o sentido do texto é determi-
nado pela “intenção” do autor e pela “recepção dos seus primeiros leitores”. Dessa 
forma, cada texto tem somente um sentido verdadeiro, que pode ser descoberto 
mediante o estudo cuidadoso do contexto histórico da época de sua escrita e da 
configuração gramatical-linguística do texto. Essa busca é, de fato, importante, 
mas, na prática, é basicamente impossível. Por que? Porque todos nós lemos a 
partir de nosso próprio contexto, de nossas próprias crenças e saberes. Assim, 
o que sabemos e o que vivemos sempre interfere em nossa leitura, não importa 
qual seja o método utilizado. Portanto, tendo em vista, esse fato e o fato adicional 
de que os exegetas histórico-gramaticais normalmente subordinam a interpre-
tação bíblica à confissão de fé de sua Igreja, a análise do contexto histórico já de 
antemão se coloca a serviço da confirmação das verdades bíblicas já conhecidas, 
e “entregues de uma vez para sempre aos santos”.
Outra característica dessa abordagem é a crença na unidade teológica da 
Escritura, mediante a qual os sentidos históricos dos textos vão sendo nivelados e 
harmonizados a partir do conjunto de doutrinas reconhecidas como verdadeiras, 
e que encontram nos escritos paulinos, principalmente, a sua fonte primordial. 
Graças a esta compreensão da unidade teológica da Escritura, a exegese his-
tórico-gramatical consegue formular argumentação ampla o bastante para se 
contrapor às conclusões da pesquisa histórico-crítica, especialmente no tocante 
à autoria e ao modo de escrita dos textos bíblicos. Diferenças textuais que, na 
exegese crítica, indicariam época e autoria distintas, por exemplo, na exegese 
histórico-gramatical indicam apenas objetivos revelatórios distintos. Assim, os 
dois relatos da criação em Gênesis, por exemplo, não proviriam de épocas dis-
tintas (como afirma a exegese histórico-crítica), mas, ambos escritos por Moisés, 
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destacariam, cada um, aspectos diferentes da revelação de Deus para a humani-
dade, um complementando o outro. (Consulte-se, por exemplo, o comentário de 
D. Kidner, Gênesis: introdução e comentário, da série Cultura Bíblica, Ed. Vida 
Nova e Mundo Cristão, 2001).
Os princípios da exegese histórico-gramatical são importantes e valiosos. 
Entretanto, a sua insistência na busca do “sentido original” do texto é impossível 
de ser realizada. Podemos, sim, chegar perto dos sentidos que o texto apresen-
tava em seu próprio contexto, mas jamais teremos condições de dizer exatamente 
qual é o seu sentido “original”. Nessa insistência, o método gramaticalanda de 
mãos dadas com o histórico-crítico. Por isso, vamos agora estudar a segunda 
tendência do paradigma histórico.
 
 
 
 
 
 
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A EXEGESE HISTÓRICO-CRÍTICA
No ambiente mais comum das igrejas e seminários evangélicos, costuma-se ter 
uma grande desconfiança para com a exegese histórico-crítica. Em parte, essa 
desconfiança é merecida, entretanto, há muita coisa boa que se pode aprender 
com os críticos, e não precisamos descartar uma tendência tão importante como 
essa. Antes de avaliar, precisamos, porém, compreender, e esse é nosso objetivo 
agora: entender o que é a exegese histórico-crítica.
Descrição da exegese histórico-crítica
Na exegese histórico-crítica, a Bíblia é reconhecida como Palavra de Deus, mas 
isso não anula a sua condição humana e histórica, de modo que ela pode e deve 
ser estudada como qualquer outra obra intelectual humana. Ela enfatiza o caráter 
histórico da Escritura, não só como um contexto, mas, seguindo primariamente 
a historiografia do século XIX, como uma definição interpretativa: o texto é visto 
predominantemente como (a) documento histórico, pelo que deve ser subme-
tido à crítica historiográfica; e (b) como tendo uma história de elaboração, que 
deve ser reconstruída pelo exegeta a fim de que o texto possa ser compreendido.
Para a definição do texto enquanto documento histórico, faz-se o recurso 
à crítica – historiográfica e filosófica – de cunho iluminista, subordinando o 
texto bíblico e sua interpretação aos cânones da razão e da ciência histórica. 
Consequentemente, a historicidade dos eventos narrados no texto bíblico deve-
ria ser “cientificamente” comprovada – questionava-se, em especial, tudo o que 
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teria a ver com o “sobrenatural”, ou que entrasse em contradição com cânones 
da ciência. A historicidade do texto bíblico foi compreendida não só do ponto de 
vista de estar na história, mas também de ter uma história – de modo que expli-
car a história da produção do texto está na base da pesquisa histórico-crítica.
Uma das definições padrão da exegese histórico-crítica, a partir da exegese 
do Antigo Testamento é a de Odil Steck:
Exegese do Antigo Testamento é o esforço para determinar o sentido 
histórico, científico e documentável dos textos que foram transmitidos 
no Antigo Testamento. Exegese, portanto, enfrenta a tarefa de deter-
minar o sentido e a intenção de proposições no texto recebido. E o faz 
dentro da esfera histórica de origem do texto, e nas diferentes fases de 
seu desenvolvimento vétero-testamentário, de modo que, na atualida-
de, o texto manifeste seu caráter histórico. (STECK, 1995, p. 3).
Como você pode ver, nessa vertente, distingue-se radicalmente o procedimento 
exegético do hermenêutico (ou da releitura), sendo que esse se ocupa da atua-
lização ou aplicação do texto para a época do intérprete, enquanto a exegese se 
ocupa do sentido do texto para o leitor e seus primeiros ouvintes. O mais difun-
dido e completo manual de exegese histórico-crítica escrito por um brasileiro é 
o de Uwe Wegner, que assim define a metodologia histórico-crítica, destacando 
a sua função crítica contra o irracionalismo e o dogmatismo interpretativos:
O método histórico-crítico será o método priorizado no presente ma-
nual. É o método mais usado em análises diacrônicas da Bíblia. Deno-
mina-se de método ‘histórico-crítico’ pelas seguintes razões: a) É um 
método histórico, em primeiro lugar, porque lida com fontes históri-
cas que, no caso da Bíblia, datam de milênios anteriores a nossa era. 
Em segundo lugar, porque analisa estas mesmas fontes dentro de uma 
perspectiva de evolução histórica, procurando determinar os diversos 
estágios da sua formação e crescimento, até terem adquirido sua forma 
atual. E, em terceiro lugar, porque se interessa substancialmente pelas 
condições históricas que geraram essas fontes em seus diversos estágios 
evolutivos. b) É um método crítico no sentido de que necessita emitir 
uma série de juízos sobre as fontes que tem por objeto de estudo. A 
‘crítica’ usada neste método foi, em seus inícios, uma crítica dirigida 
contra a interpretação alegórica da Bíblia na Idade Média, em favor, 
sobretudo, de um aprofundamento do seu sentido literal. Os reforma-
dores adicionaram a essa crítica ainda uma outra, que visava relativi-
zar as interpretações bíblicas oferecidas pela tradição eclesiástica. Isto 
levou à convicção de que a Bíblia devia ser interpretada unicamente a 
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partir de si própria. [...] Na atualidade o método caracteriza-se, sobre-
tudo, por ser eminentemente racional e insistentemente questionador. 
(WEGNER, 1998, p. 17).
A distinção entre exegese e hermenêutica é fundamental para a perspectiva histó-
rico-crítica – ela serve como uma espécie de escudo contra uma possível recaída 
da exegese à submissão a dogmas eclesiásticos ou à subjetividade do intérprete.
A exegese não pode fazer afirmações compromissivas para grupos cris-
tãos, pois suas reconstruções históricas não podem ser, por si mesmas, 
compromissivas hoje. Isso também significa: o exegeta na qualidade de 
exegeta ainda não é líder da igreja. Somente quando se reconhecer que 
a exegese de modo nenhum pode substituir o serviço vital da aplicação, 
será evitada também a confusão, tantas vezes constatável, entre prédica 
e exegese. (BERGER, 1999, p. 96).
No próximo tópico desta unidade, farei uma avaliação do paradigma histórico. 
Antes disso, porém, você mesmo pode fazer um exercício interessante e impor-
tante para o seu aprendizado. Releia esta lição e a anterior. Compare os métodos 
gramatical e crítico. Faça uma lista de semelhanças e diferenças. Reflita sobre elas 
e procure formar sua própria opinião sobre o valor de cada uma dessas tendências. 
A EXEGESE HISTÓRICA: UMA VISÃO CRÍTICO-
VALORATIVA
Interpretar a Bíblia é tarefa fundamental do ministério cristão. Vale a pena se 
esforçar para aprender melhor como fazer a exegese das Escrituras Sagradas. O 
campo da pesquisa bíblica tem se modificado consideravelmente nas três últimas 
décadas. Não há mais a exclusividade dos modelos históricos regendo o conjunto 
das disciplinas que compõem a pesquisa bíblica. Uma pluralidade de métodos 
e teorias tem se apresentado entre nós, beirando ao ponto de uma quase frag-
mentação dos estudos. Fronteiras disciplinares e geográficas se diluem e novos 
paradigmas são afirmados. De todos os lados, o que vemos no campo da pes-
quisa bíblica pode ser descrito como um período de transição paradigmática. 
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Essa situação não é peculiar à pesquisa bíblica, mas se insere no quadro maior 
de revisão paradigmática nas ciências humanas, descrita como virada linguística, 
paradigma da complexidade, pós-modernidade etc. Nesta lição, procuro apresen-
tar uma versão da história da pesquisa bíblica moderna e oferecer uma avaliação 
do quadro atual de nosso campo de pesquisa, reconhecendo o caráter transitório 
e parcial de minhas afirmações e propostas. Como uma versão possível da histó-
ria da pesquisa, este material se constitui, então, como uma proposta de diálogo 
com vistas ao aperfeiçoamento de nosso trabalho como pesquisadores da Bíblia.
Acertando as contas com a Modernidade
As primeiras comunidades cristãs, seguindo o exemplo de Jesus, praticaram 
uma leitura bíblica que criticava a redução da Palavra de Deus aos dogmas do 
Judaísmo oficial da época. A Reforma Protestante retomouessa forma crítica de 
leitura da Bíblia, afirmando que o Cristianismo oficial (Igreja=Instituição) não 
poderia impor à Bíblia sua interpretação dogmática. A Igreja é quem deveria sub-
meter-se à palavra de Deus emanada da Escritura e lida por um sujeito racional 
livre (o apelo de Lutero à consciência, que ajuda a fundar o sujeito moderno).
Esse princípio crítico-emancipatório da Reforma foi uma das forças gerado-
ras da Modernidade, que o ampliou com sua defesa da autonomia do ser humano 
diante de toda e qualquer autoridade que não a razão somente. A modernidade 
desenvolveu o chamado paradigma do sujeito (ou da consciência): fundado 
na distinção entre sujeito (racional), que dirige toda atividade de pensamento, 
e objeto (realidade), que se submete à ação epistêmica do sujeito. Nesse para-
digma, por meio do método (razão instrumental), a objetividade da pesquisa é 
garantida, juntamente com sua cientificidade.
A exegese moderna desenvolveu-se dentro dos limites do paradigma do 
sujeito: um sujeito racional interpreta metodicamente o sentido do texto (objeto), 
que deve corresponder tanto à intenção do seu autor quanto à coisa de que se 
fala no texto (referente). A atividade interpretativa foi dividida em duas gran-
des “ciências”: a hermenêutica, tributária da filosofia, que formula os prin cípios 
gerais da interpretação e da atualização do sentido; e a exegese, tributária da his-
tória, que for mula os princípios metodológicos da descoberta do sentido do texto 
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em seu próprio contexto. A exegese moderna (como já vimos), concebida como 
ciência crítica de tipo histórico, gerou dois modelos concorren tes:
(1) O modelo histórico-gramatical, que subordinou a crítica racional à 
autoridade do texto bíblico, buscando ser fiel à dimensão religiosa da Reforma. 
Diluiu, assim, o aspecto crítico, aceitando apenas os conceitos que não entras-
sem em contradição com o texto bíblico. Nele, a historicidade do texto bíblico 
foi entendida como um a priori: por ser fruto da ação de Deus, o que o texto diz 
é historicamente verdadeiro, mas o próprio texto é visto como que “suspenso” 
do juízo histórico. As tensões do modelo existem até hoje, ao lidar com questões 
como datação e autoria de textos bíblicos e, especialmente, com temáticas do 
“sobrenatural”, podendo incorrer nos extremos do fideísmo (a fé explica tudo), 
ou do fundamentalismo (a doutrina é a verdade absoluta).
(2) O modelo histórico-crítico, que aplicou ao texto bíblico à crítica racional 
histórica, bus cando ser fiel à dimensão emancipatória da Reforma. Assim, a his-
toricidade dos eventos narrados no texto bíblico não foi considerada como um 
a priori, mas deveria ser comprovada – questionava-se, em especial, tudo o que 
teria a ver com o “sobrenatural”, ou que entrasse em contradição com cânones 
da ciência. A historicidade do texto bíblico foi assumida de forma crítica: por 
estar na história, o texto tem uma história, e explicar essa história do texto está 
na base da pesquisa histórico-crítica. Também esse modelo experimenta uma 
forte tensão até hoje, podendo incorrer nos extremos opostos do racionalismo 
(a razão explica tudo) ou do fideísmo (a fé explica tudo).
O paradigma do pensamento moderno (ou histórico), está em profunda 
crise já há algumas décadas. Diante dessa crise, a exegese históricocrítica tem 
realizado um interessante trabalho de auto-crítica: refletindo sobre as bases teó-
ricas de sua metodologia; incorporando metodologia, conceitos e perspectivas 
derivadas das ciências sociais e das teorias linguísticas e literárias; incorporando 
novas temáticas de pesquisa; e refletindo mais intensamente sobre o seu lugar 
público na contemporaneidade.
O modelo histórico-gramatical também teve de lidar com a crise paradig-
mática, e em sua autocrítica: reafirmou a vinculação do sentido à intenção do 
autor – ainda que do autor último: Deus; aceitou de forma menos traumática a 
historicidade da produção dos textos bíblicos; releu o gramatical como literário; 
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e revisou as suas bases teóricas a fim de escapar do fundamentalismo – distin-
guindo a validade do método da verdade confessional.
Além da crítica metodológica, a crise do paradigma moderno exigiu a crí-
tica ao sujeito do saber. A exegese não ficou de fora desse processo e passou a 
afirmar novos sujeitos da leitura bíblica – pobres, mulheres, negros, hispanos 
etc. Novos espaços de pesquisa fora da academia e da igreja-instituição (igreja 
engajada, luta política, movimentos sociais); novos interesses críticos (libertação, 
fim do sexismo, racismo; empoderamento psíquico etc.); novas metodologias de 
crítica; e nova perspectiva para a exegese, que não foca mais o então dos textos, 
mas sua significação para os leito res e leitoras atuais.
A leitura popular da Bíblia, na América Latina, por exemplo, propõe um 
novo sujeito de interpretação bíblica: não mais a academia, mas o povo opri-
mido. Devolver a Bíblia ao povo e reencontrar o papel libertador da Bíblia nas 
lutas do presente se tornaram as prioridades do estudo da Bíblia. O texto é fonte 
de motivação para a vida e não fonte de sentido para a doutrina. A apropriação 
acadêmica da leitura popular da Bíblia, na América Latina, deu à luz a leitura 
sociológica, gestada também em diálogo com a vertente sociológica do modelo 
histórico-crítico no hemisfério norte.
A leitura feminista da Escritura, nasce nos vários lugares sociais e culturais 
de luta das mu lheres pela dignidade, igualdade e justiça. Dirige sua crítica pri-
mariamente ao sexismo presente na sociedade e nos textos bíblicos. Propõe - nas 
palavras de Elizabeth S. Fiorenza – um paradigma “retórico-emancipatório” de 
interpretação bíblica, que entende a leitora da Bíblia como uma pessoa “pública”, 
“transformadora”, “ligada”, ou “integrada”, capaz de comunicar-se com diferen-
tes públicos e de buscar transformações pessoais, sociais e religiosas com vistas 
à justiça e ao bem-estar (FIORENZA, 2001, p. 44s.).
Os novos modelos de leitura bíblica, porém, mantiveram-se dentro dos limi-
tes do paradigma histórico em sua compreensão do sentido textual. Ou seja, não 
modificaram radicalmente a concepção sujeito-objeto, nem a dependência do sen-
tido para com a intenção autoral e a referencialidade extratextual. Nesse aspecto, 
pode-se que dizer que solucionaram apenas parcialmente a crise paradigmática 
da Modernidade. Em outras palavras: não conseguiram superar o abismo entre 
exegese e hermenêutica, entre sentido “original” e sentido “aplicado”.
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Além desses, os dois modelos históricos continuam sendo praticados em 
ambientes teológicos. Apesar das distinções radicais, ambos mantêm em comum: 
a concepção de sentido (S=i+r – Sentido é igual à intenção do autor e à resposta 
dos primeiros leitores) e texto (documento histórico); a tarefa de descobrir o 
sentido verdadeiro do texto em seu próprio contexto; a distinção entre exegese 
e hermenêutica, na qual esta depende daquela; a concepção de história, centrada 
na descrição dos fatos “como verdadeiramente ocorreram” e a filologia como 
guia para a análise semântica do texto.
Os novos modelos, ainda dentro do paradigma moderno, permanecem tri-
butários da exegese histórico-crítica: (a) partilham do mesmo espírito crítico 
do modelo histórico-crítico, centrado na razão instrumental, embora com um 
interesse emancipatório claramente acentuado em distinção ao interesse cientí-
fico do modelo histórico; (b) baseiam sua interpretação do texto em resultadosda exegese histórico-crítica. Diferem dos modelos históricos em: conceber a 
história (ciência) como crítica (não descrição) da história (factual), a partir dos 
novos sujeitos da leitura; subordinar a exegese à hermenêutica – a verdade bus-
cada não é a do sentido do texto então, mas a transformação social no presente.
Ao final dos anos 60 do século passado, a crítica do paradigma da consciência 
se expande ao ponto de fazer surgir um novo paradigma, o da ação intersubjetiva. 
Aplicado à pesquisa bíblica, o paradigma da intersubjetividade postula que: o sen-
tido não deve mais ser visto como correspondente à intenção do sujeito, nem ao 
referente do texto, mas como fruto da interação humana (ou seja, passamos da 
crítica do sujeito para a intersubjetividade crítica); a distinção entre hermenêu-
tica e exegese se dilui, já que não se trata mais de dois objetivos distintos: saber 
o que o texto significava e, depois, aplicá-lo à realidade atual; ler é fazer dialogar 
entre si os discursos do presente com os do passado; a historicidade passa a ser 
vista principalmente como parte da cadeia sem fim da produção de sentido na 
interação humana, e não apenas como uma cadeia objetiva de acontecimentos.
Superar o paradigma moderno significa livrar a pesquisa do binômio sujei-
to-objeto e integrá-la à concepção da construção do saber como um processo 
intersubjetivo. A produção dos sa beres será vista como fruto das ações e intera-
ções humanas em sociedade, sob o eixo da enunciação: agente (autor/a), “texto”, 
contexto, referente, leitor(a). A busca do sentido será vista como um diálogo 
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entre discursos mediado pelo intérprete. Ou seja, não se precisa de um “sentido 
original” fixo, mas de um diálogo entre o sentido do texto na sua época e o sen-
tido do texto “hoje”. Assim, esta nova proposta se insere no fluxo histórico aberto 
pelas leituras feminista, contextual e popular da Bíblia, encontrando nelas suas 
parceiras privilegiadas (não únicas) de diálogo.
O foco da exegese passa a recair sobre as múltiplas relações do processo de 
significação, não mais sobre o texto à luz da intenção e do referente. De acordo 
com Knierim (1990, p. 10s):
[...] a principal tarefa da exegese será portanto (a) interpretar este siste-
ma [o sentido] como um todo, e não apenas um ou outro de seus aspec-
tos. (b) Por mais difícil que possa ser, a exegese não deve simplesmente 
descrever o que o texto diz; deve também reconstruir as pressuposições 
sobre as quais ele se assenta. (c) Uma vez que o texto reclama para si a 
verdade, ela [a exegese] deve verificar e avaliar esta reivindicação, pre-
cisamente porque o texto, ao apresentar-se como verdade, pede esta 
verificação.
Um modelo de interpretação dentro do novo paradigma pode ser a leitura sêmio-dis-
cursiva greimasiana (que estudaremos nas próximas unidades). A teoria greimasiana, 
em sua forma mais recente, centrada na enunciação, trata o sentido como fruto da 
interação em um contexto discursivizado, e manifestado por textos; e (b) a interpre-
tação como um processo complexo que focaliza as relações entre texto, autor, leitor 
e contextos. O método de leitura é centrado no percurso gerativo do sentido e visa 
analisar o processo de produção, circulação e interpretação dos sentidos, não mais 
o resgate do sentido preso no texto. As perspectivas interna e externa da leitura se 
complementam, e a história “real” entra de novo no processo interpretativo, tanto 
em relação à época do texto, quanto à da leitora ou leitor do texto.
Na leitura crítico-discursiva, a atualização (hermenêutica) do texto não é 
vista como um passo posterior ao resgate do sentido original do texto (exegese), 
mas perpassa todo o processo interpretativo. Os outros modelos não são nega-
dos, na medida em que tratam adequadamente de outros aspectos da pesquisa 
(autoria, referente histórico, crítica do sujeito da leitura, formas de elaboração 
e estruturação dos textos), são, porém, relocalizados no conjunto da pesquisa. 
Permitam-me apresentar de forma muito sintética o campo da pesquisa bíblica 
à luz do paradigma crítico-discursivo:
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(1) As críticas genéticas da exegese histórica continuam indispensáveis 
para a explicação do processo de produção do texto ao longo da história e para 
a reconstrução das lutas discursivas e práticas em Judá e Israel (o que é indis-
pensável para o estudo das diversas correntes traditivas e processos redacionais 
envolvidos na produção de ideias e de textos). Mas não são necessárias para a 
compreensão do sentido do texto propriamente dito (seja em sua forma final, 
seja nas suas reconstruções hipotéticas), na medida em que o sentido não está 
mais determinado por sua relação, seja com a intenção do autor, seja com o refe-
rente extralinguístico.
A pesquisa especificamente histórica não estaria centrada nos fatos enco-
bertos pelas fontes, mas na história já interpretada por meio das fontes. Um 
enfoque mais global da história seria bem-vindo, rompendo com as fronteiras 
rígidas e desnecessárias entre história factual, história política, história da reli-
gião e história cultural. Anular-se-ia, assim, tanto o dualismo entre o “mínimo 
historicamente assegurado e o máximo querigmaticamente confessado”; como 
o abismo entre passado e presente: 
[...] a história emerge de tradições, nas quais os limites da relação do 
passado com o presente são ultrapassados: o passado torna-se cons-
ciente enquanto tal, adquire uma qualidade temporal em seu conteúdo 
experiencial, fornecendo, assim, com essa nova qualidade temporal, 
novos elementos de compreensão da dimensão temporal da vida hu-
mana prática. (RÜSEN, 2001, p. 83). 
(2) Uma das dificuldades da Teologia Bíblica recente é o seu status perante a 
religião de Israel. Albertz, por exemplo, afirma a história da religião como dis-
ciplina viável, no lugar da teologia bí blica. Schmidt escreve sua “Fé do Antigo 
Testamento” como um meio-termo entre teologia do AT e história da religião 
de Israel. Na leitura discursiva, a religião praticada é o significante da teologia, 
que é o significado da religião. Não há oposição, mas complementaridade – uma 
não existe sem a outra. Religião vivida é religião significada, ou, na linguagem 
de Foucault, uma prática discursiva. 
A Teologia Bíblica passa a priorizar os processos de construção de signifi-
cado da fé vivida e as formas como esses significados se relacionam entre si na 
Escritura. Knierim (1990) é um dos autores que já têm proposto, no âmbito do 
paradigma histórico-crítico, esse tipo de metodologia para a teologia bíblica. 
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Duas obras recentes, no campo da Teologia do Antigo Testamento, por exemplo, 
tentam lidar com as novas possibilidades pós paradigma do sujeito – as teolo-
gias de W. Brueggemann (publicada pela Academia Cristã) e E. Gerstenberger 
(publicada pela Editora Sinodal).
(3) A disciplina de Introdução à Bíblia teria como objeto os textos bíbli-
cos enquanto significantes, pesquisando, então: sua localização nas formações 
discursivas e ideológicas ao longo da história do povo de Deus (Antigo e Novo 
Testamentos) – que inclui as questões de autoria, datação, fontes, transmissão, 
redação e canonização; bem como relações interculturais; e sua configuração 
retórica – prosódia, estilística e argumentação (que inclui as questões literárias) e 
sua configuração intertextual e interdiscursiva (não restrita aos textos canônicos, 
nem aos textos do povo de Deus) – inclui as questões da história das tradições 
e dos processos de leitura intra-bíbli ca.
(4) Ageografia do mundo bíblico visará a compreensão da discursivização 
do espaço, ou seja, da atribuição sócio-cultural de sentidos ao território ocupado 
em sua seqüência temporal. Em outros termos: os significantes geográficos (ter-
ritório e clima – com seus derivados) serão estudados em sua relação com os 
significados geo-antropológicos dos quais são expressão – o trabalho de Alt pode 
ser visto como um precursor deste modelo. Milton Santos dedicou sua carreira 
acadêmica à construção de uma teoria geográfica do espaço, na qual discute a 
ontologia do espaço em relação com a ação humana em sua temporalidade, e a 
racionalidade do espaço e suas transformações, in cluindo as relações entre o glo-
bal e o local, que pode servir como referencial para a geografia bíblica.
(5) a arqueologia tratará os artefatos como diferentes significantes dos dis-
cursos histórico-culturais, sujeitos a regras de interpretação discursiva. Segundo 
Funari (1999, p. 161-176), 
a cultura material pode ser concebida como constituída por uma série 
de signos metacríticos, signos cujo sentido mantém-se radicalmente 
disperso por uma cadeia aberta de significantes-significados. O sentido 
do registro arqueológico, nesta perspectiva, não se reduz aos seus ele-
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mentos constitutivos mas o que se busca são as estruturas, e os princí-
pios que compõem essas estruturas, subjacentes à tangibilidade visível 
da cultura material. A análise visa, assim, descobrir o que está oculto 
nas presenças observáveis, levar em conta as ausências, as co-presenças 
e co-ausências, as semelhanças e diferenças que constituem o padrão 
da cultura material em um contexto espacial e temporal específico. 
(6) A área em que o novo paradigma provocaria uma transformação mais radi-
cal seria a do ensino das línguas bíblicas. No paradigma moderno, o ensino de 
línguas era identificado com o estudo da gramática, centrado na morfologia. A 
sintaxe e a semântica sempre vinham depois do estudo morfológico. No jargão 
da linguística, era um estudo da língua (sistema estático) e do significante (ou 
plano da manifestação) e não do discurso (língua em ação), do significado (ou 
plano do conteúdo). Servia bem ao modelo histórico, na medida em que forne-
cia boa base para a crítica textual e para a análise do conteúdo textual – centrada 
na semântica das palavras. No paradigma intersubjetivo, o eixo do processo é a 
enunciação. Passam a ser priorizados: 
(a) O mundo da vida (cultura) constituído de discursos – que estabelece os 
limites e possibilidades da significação e comunicação.
(b) A estruturação sintático-semântica do texto (pois não temos mais a fala 
das línguas antigas).
(c) Não a retórica estilística e argumentativa da língua em uso. 
Nesse caso, os dicionários teológicos e as “teologias bíblicas” seriam ferra-
mentas mais úteis do que as tradicionais gramáticas (que seriam usadas como 
obras de consulta e não como manuais). Os livros-texto de grego e hebraico pas-
sariam a seguir a lógica sequencial “cultura-discurso-gramática”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), procurei descrever os limites da interpretação bíblica 
moderna e afirmei a mudança do paradigma histórico para modelos novos de 
leitura. Há que se lembrar que, em ciências humanas, a mudança de paradigmas 
não significa que os anteriores não tenham mais qualquer validade. Os paradig-
mas anteriores devem ser incorporados pelo novo, que deve tirar proveito dos 
avanços que cada um deles possibilitou. Um novo paradigma não é um começar 
“do zero”, nem um reinventar da roda. Da mesma forma, um novo paradigma 
não se consolida mediante a intenção de alguns pesquisadores. Começa assim, 
mas precisará ser testado e aplicando amplamente, até que encontre, ou não, 
ampla aceitação.
Nesse sentido, penso que alguns rumos se impõem: em um período de transi-
ção paradigmática, estudo intenso e “certezas incertas” são companhias constantes 
– não é possível se fazer juízos de valor contundentes. Há que se abrir ao novo, 
sem perder a história da nossa disciplina – a crítica aos modelos anteriores não 
pode ser totalizante, mas destacar os limites e possibilidades dos mesmos. É 
necessário abrir-se ao diálogo sem perder a convicção previamente formulada, 
ambas atitudes indispensáveis para o avanço da ciência que quer estar ao ser-
viço de Deus e da sua criação. 
Cooperação, ao invés de concorrência, deveria ser a filosofia de trabalho, pois 
em um momento de transição como o nosso, não existem mais modelos únicos 
e fechados, mas diversas contribuições são necessárias para a consolidação do 
paradigma emergente. Como ciência a serviço, uma renovada paixão pela Palavra 
tornar-se-ia uma exigência ímpar – não como uma busca “moderna” da verdade, 
mas como um colocar-se à disposição da Palavra que liberta e transforma inte-
gralmente. Por fim, a pesquisa bíblica deveria ser vista como um momento da 
ação cristã emancipadora e amorosa hoje – e essa seria a sua principal prioridade.
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Trecho extraído de artigo escrito por pastor Batista e publicado em revista eletrônica 
organizada por teólogos católico-romanos. A hermenêutica de Hans-Georg Gadamer 
e a interpretação Bíblica: Uma possível contribuição escrito por Alonso Gonçalves.
O círculo hermenêutico de Hans-Georg Gadamer
Para Gadamer, a historicidade do compreender é construída da seguinte maneira: com-
preende-se o mundo por meio da interpretação, sem a qual é impossível fazer uma lei-
tura da realidade e da história. A história pertence à tradição, ou seja, somos seres que 
fomos influenciados por tradições do passado, e essas tradições já são consequências in-
terpretativas. Nesse caso, Gadamer entende que não atingimos a realidade por meio de 
um conhecimento de tipo imediato, como quer o empirismo, ou seja, toda constatação 
de alguma coisa pressupõe um sujeito, e todo sujeito pressupõe um contexto histórico. 
A interpretação só acontece porque há predisposições e preconceitos como elementos 
constitutivos do ato de interpretar. Diante disso, a hermenêutica se dá essencialmente 
na história que em seu movimento produz tradição que por sua vez influencia o inter-
pretante em suas predisposições e preconceitos para uma compreensão do mundo.
Sendo assim, a pré-compreensão é, por si, um pressuposto necessário para a compreen-
são que, concomitantemente com a tradição, dará sentido para o interpretante. Com es-
sas concepções, Gadamer trata a historicidade da compreensão como elemento herme-
nêutico. Isso se dá porque para Gadamer o ser humano pertence à história, e pertencer 
significa estar ligado a uma tradição histórica, a uma língua, a uma cultura, e todos esses 
elementos determinam a pré-compreensão do interpretante. O círculo hermenêutico se 
dá a partir do sujeito que experimenta o mundo sempre com algum sentido. Gadamer 
chama esse sentido de pré-compreensão ou predisposições, sendo esses elementos 
sempre presentes por meio da experiência do sujeito. Sendo assim, a “hermenêutica é 
essencialmente uma reflexão sobre a influência da história, ou seja, uma reflexão que 
tem como tarefa tematizar a realidade”.
O círculo hermenêutico de Gadamer parte do seguinte pressuposto: o sujeito interpre-
tante, que no decorrer de sua vida absorveu certo patrimônio cultural e esse patrimônio 
cultural, que foi sendo gestado no transcorrer da história, é que possibilita o elemento 
da pré-compreensão. É com essa pré-compreensão que o intérprete se coloca diante 
do texto e dele tira, em um primeiro momento, o seu significado. Esse processo pode 
ser revisto se não for encontrado no texto ou no seu contexto o sentido que o interpre-
tante está atribuindo ao texto, pois “quem procuracompreender está exposto aos erros 
derivados de pré-disposições que não encontram confirmação no objeto”. É nisso que 
se dá o processo hermenêutico, ou seja, quando um sentido não pode ser correspondi-
do, procura-se por outro e assim por diante, entendendo que a tarefa hermenêutica é 
infindável. 
Gadamer, como já foi possível perceber, irá dar um tratamento diferente ao conceito 
preconceito. Comumente entendido pejorativamente, Gadamer não trata o preconceito 
como sendo algo falso; antes disso, o preconceito é um conhecimento prévio podendo 
106 
ser verdadeiro ou falso, no sentido de verificabilidade. Outra concepção gadameriana, 
é de que o preconceito é impossível ser neutralizado, pois ele faz parte da historicidade 
do sujeito interpretante.
Preconceito em Gadamer é elevado a princípio hermenêutico por entender que o inter-
pretante não enfrenta o texto como sendo ele uma tabula rasa, pelo contrário, ele o en-
frenta cheio de expectativas e ideias. É no choque entre texto e interpretante que ocorre 
a hermenêutica, forçando o interpretante a dar conta de seus preconceitos e pré-juízos. 
A hermenêutica gadameriana e a interpretação bíblica
Não cabe aqui levantar as possíveis falhas no pensamento hermenêutico e filosófico 
de Gadamer. Aliás, é conhecida a troca de ideias e controvérsias entre ele e Habermas 
em torno da hermenêutica universal. Não apenas Habermas, mas Klaus Berger também 
emite sérias críticas ao pensamento hermenêutico de Gadamer. Aqui interessa algumas 
intuições da hermenêutica gadameriana como uma possível contribuição à interpreta-
ção bíblica, entendendo essa contribuição a partir da cultura latino-americana.
Passo a considerar alguns autores que, de alguma maneira, podem ser identificados 
com alguns elementos da hermenêutica gadameriana. Uma vez que alguns métodos 
hermenêuticos não são mais considerados hegemônicos, por exemplo, o estruturalis-
mo e o método histórico-crítico, embora ambos tenham contribuído e ainda continuam 
contribuindo para uma exegese bíblica contemporânea, está sendo feita outras leituras 
a partir de novos paradigmas.
Outras formas de interpretar a Bíblia têm aparecido no cenário acadêmico e eclesial e 
uma delas que anda ganhando espaço é a leitura semiótica da Bíblia. Isso está sendo 
possível porque velhos paradigmas estão sendo “abandonados”, enquanto novos estão 
tomando forma em ambientes acadêmicos e comunitários. A era das complexidades, 
ou seja, o envolvimento de diferentes áreas do conhecimento contribuindo para uma 
leitura que contemple a dinamicidade do ser humano, tem favorecido novos projetos e 
novas hermenêuticas, inclusive na área da exegese e hermenêutica bíblica.
No segmento da hermenêutica bíblica houve um borbulhar de novos interlocutores, ou 
seja, o surgimento de sujeitos históricos em diálogo com o texto bíblico tem produzido 
uma série de trabalhos acadêmicos e comunitários: a questão agrária; das mulheres; dos 
índios; dos pobres de maneira geral; dos negros. Todos esses sujeitos foram levados a 
sério na sua dignidade, colaborando para o surgimento de uma concepção hermenêu-
tica que interpreta a Bíblia a partir da historicidade e predisposições dessas pessoas. 
Com isso, houve uma importante mudança de paradigma na hermenêutica e na exe-
gese bíblica: não se foca mais o texto como detentor de valor em si mesmo, mas agora 
a perspectiva passa por sua significação para os leitores e leitoras da Bíblia a partir da 
historicidade dos sujeitos interpretantes.
Fonte: Gonçalves (2013).
107 
1. De acordo com Espinosa, impedem a boa interpretação da Bíblia a falta de cari-
dade e a falta de _______________:
a. espiritualidade.
b. doutrina.
c. bom senso.
d. razão.
e. iluminação.
 
2. A pesquisa exegética crítica tem como objetivo, segundo a frase de Espinosa: “A 
função destas descobertas é crítica: para que aceitemos apenas o que for certo 
e indubitável.”
( ) FALSO ( ) VERDADEIRO
3. Dois princípios hermenêuticos, de Turretin (1728), que estão na base da herme-
nêutica histórico-gramatical, são: “A Escritura deve ser interpretada de acordo 
com as regras gramaticais das línguas originais; 3. O texto da Escritura deve ser 
lido dentro de seu contexto”.
( ) FALSO ( ) VERDADEIRO
4. Na exegese histórico-crítica, o padrão filosófico da crítica deriva da filosofia:
a. Platônica.
b. Iluminista.
c. Aristotélica.
d. Empirista.
e. Pragmatista.
5. Os dois extremos em que pode incorrer a exegese no paradigma histórico são:
a. Racionalismo e fideísmo.
b. Doutrinismo e racionalismo.
c. Panteísmo e individualismo.
d. Positivismo e pragmatismo.
e. Nenhuma das anteriores.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Site do prof. Osvaldo de Oliveira, batista, atuando na Faculdade Unida de Vitória. 
Contém bom volume de material baseado na exegese histórico-crítica.
Disponível em: <http://ouviroevento.pro.br/>.
A Bíblia à luz da História. Guia de exegese histórico-crítica
Odette Mainville
Editora: Paulinas
Sinopse: descreve o paradigma histórico da exegese, 
com enfoque no método histórico-crítico. A autora avalia 
positivamente o método e oferece exemplos de sua utilização.
Nell
Uma jovem (Jodie Foster) é encontrada em uma casa na floresta, 
onde vivia com sua mãe Eremita, mas o médico (Liam Neeson) que 
a encontra após a morte da mãe constata que ela se expressa em 
um dialeto próprio, evidenciando que até aquele momento ela não 
havia tido contato com outras pessoas. Intrigado com a descoberta 
e ao mesmo tempo encantado com a inocência e a pureza da moça, 
ele tenta ajudá-la a se integrar na sociedade.
Comentário: o filme debate a questão do que nos torna humanos, 
nesse caso, a linguagem como capacidade de comunicação.
REFERÊNCIAS
109
BERGER, K. Hermenêutica do Novo Testamento. São Leopoldo: IEPG & Sinodal, 
1999.
BÍBLIA. Português. Bíblia Missionária de Estudo. Tradução: Almeida Revista e Atu-
alizada. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do Brasil – SBB, 2014.
ESPINOSA, B. de. “Hebrew Grammar”. In: ESPINOSA, B. de. Complete Works. India-
napolis: Hackett, 2002.
______.Tratado Teológico-Político. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
______. ______. Tradução de Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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noll: Orbis Books, 2001.
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(Conferência proferida em 27 de maio de 1978). v. 82, n. 2, p. 35 - 63, abr./jun. 1990 .
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Uma possível contribuição. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano 
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Lanham: Lexington Books, 2006.
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Brasília: Editora UnB, 2001.
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Paulo: Vida, 1997.
WEGNER, U. Exegese do Novo Testamento. Manual de metodologia. São Leopoldo 
& São Paulo: Sinodal & Paulus, 1998.
111
GABARITO
1. Opção correta é a D.
2. Verdadeiro.
3. Verdadeiro.
4. Opção correta é a B.
5. Opção correta é aA.
U
N
ID
A
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E III
Professor Dr. Júlio Paulo Tavares Mantovani Zabatiero
A INTERPRETAÇÃO 
SÓCIO-CONTEXTUAL DA 
ESCRITURA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Descrever as principais características da hermenêutica contextual.
 ■ Descrever as principais características da leitura popular da Bíblia.
 ■ Avaliar criticamente as hermenêuticas sociocontextuais.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ A hermenêutica contextual
 ■ A leitura popular da Bíblia
 ■ Exemplo de exegese popular sociológica
 ■ Exemplo de exegese popular sociológica (2)
 ■ Exemplo de exegese contextual
INTRODUÇÃO
Olá, aluno(a)! Chegamos à metade do estudo da nossa disciplina. Começamos 
hoje a terceira unidade, na qual nosso foco recairá sobre dois modelos de leitura 
bíblica que renovam o paradigma histórico e foram desenvolvidos na América 
Latina, especialmente no Brasil. 
O primeiro modelo é o da hermenêutica contextual que foi desenvolvida a 
partir da prática da missão integral em diversos países e igrejas de nosso conti-
nente. O texto inaugural dessa hermenêutica foi um artigo de C. René Padilla, 
publicado em 1980, o qual estudamos e avaliamos criticamente. 
O segundo modelo é o da leitura popular da Bíblia que foi desenvolvida a 
partir da prática das comunidades eclesiais de base e das pastorais ecumênicas na 
América Latina. Seus dois principais mentores acadêmicos foram o Frei Carlos 
Mesters e o Pastor Milton Schwantes. 
Nesses dois modelos, o fundamental é a interação entre o contexto bíblico e 
o contexto da interpretação. O propósito da leitura não é apenas compreender 
o sentido original do texto, mas, sim, o de perceber o sentido do texto em nosso 
contexto, como um meio para discernir a ação de Deus na realidade atual. Os 
dois modelos são, assim, predominantemente práticos e conduzem à ação pas-
toral e missionária dos crentes e das igrejas.
Na sequência, estudaremos exemplos dos dois modelos. Os dois primeiros 
exemplos foram extraídos de meu comentário ao livro de Miqueias, publicado 
originalmente pela Editora Vozes, numa série dedicada à leitura popular da 
Bíblia. Neles você verá como se conjugam a exegese acadêmica sociológica e a 
leitura popular da Bíblia.
O exemplo final é o de uma leitura baseada na hermenêutica contextual. É 
uma exegese do Salmo 97, de minha autoria.
Assim, você tem a conjugação de teoria e prática. Espero, dessa forma, que 
você não só aprenda os conceitos, mas veja como eles funcionam e se disponha 
a ser um intérprete ainda mais eficiente da Escritura.
Mãos à obra! Paz e bênção.
Introdução
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IIIU N I D A D E116
A HERMENÊUTICA CONTEXTUAL
A exegese histórica, como vimos, prestou e continua prestando serviço impor-
tante aos estudos da Bíblia. Entretanto, as novas exigências do contexto atual da 
leitura provocaram o desenvolvimento de formas renovadas do paradigma da 
exegese histórica. Um desses novos modos de fazer exegese se apropria do mate-
rial teórico das ciências sociais para buscar, na Bíblia, o sentido dos textos em 
relação à vida do povo em sociedade e cultura. Apresentarei, nesta lição, a cha-
mada hermenêutica contextual latino-americana, que se desenvolveu em nosso 
continente a partir dos anos 1980 e se utiliza primariamente de conceitos antro-
pológicos e sociológicos em sua interpretação da Bíblia. Você verá, também, que 
a hermenêutica contextual não faz distinção radical entre exegese e hermenêu-
tica (sentido e releitura). Aprenderá, também, que a hermenêutica contextual é 
uma forma de renovação da metodologia histórico-gramatical.
 A Hermenêutica Contextual Latino-americana 
A hermenêutica contextual é uma vertente renovadora da exegese histórico-gra-
matical, que se distingue por: (a) maior amplitude teórica na análise dos contextos 
do texto bíblico e da época da leitura; (b) intenção missionária que direciona a 
interpretação: o texto veicula a palavra de Deus que ensina à Igreja como reali-
zar a sua missão; e (c) reunificação da exegese e da hermenêutica em um único 
grande movimento interpretativo, superando a dicotomia exegese/hermenêu-
tica do paradigma moderno-iluminista. De acordo com Padilla (1984, p. 2): “[...] 
o desafio da hermenêutica é transportar a mensagem do seu contexto original 
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ao contexto dos leitores contemporâneos a fim de produzir nestes o mesmo 
impacto que produziu nos ouvintes ou leitores originais”. Ainda de acordo com 
Padilla (1984, p. 15):
[...] uma hermenêutica genuína envolve um diálogo entre o contexto 
histórico e as Escrituras, um diálogo no qual o intérprete se aproxima 
das Escrituras com uma perspectiva particular (sua visão de mundo) e 
se aproxima de sua situação com uma compreensão particular da Pala-
vra de Deus (teologia). 
Segundo as palavras de Stam (1984, p. 93): 
de um lado, o exegeta procura entender a mensagem bíblica dentro 
da maior fidelidade ao contexto histórico original. Essa tarefa costuma 
chamar-se exegese gramático-histórica. De outro lado, como discípulo 
do Senhor, o exegeta é chamado a obedecer e proclamar o Evangelho 
aqui e agora. Cabe-lhe a tarefa complexa de entender a fundo nosso 
próprio contexto em todas as suas dimensões e de captar a relação di-
nâmica entre a mensagem bíblica e a Palavra de Deus para nossa situ-
ação contemporânea. Se não perceber esta mensagem atual, não terá 
escutado realmente a Palavra. Uma interpretação descontextualizada, 
seja do contexto histórico do passado ou do contexto (também histó-
rico) do presente, será inevitavelmente uma interpretação infiel, anti-
bíblica. As próprias Escrituras e o próprio evangelho nos impõem esta 
tarefa de dupla contextualização.
Note-se: (a) a ênfase na fidelidade à Bíblia, que se caracteriza pela escuta atenta 
da Palavra de Deus, que deve ser praticada hoje, tanto na vida pessoal como 
na missão eclesial; (b) a presença de aspectos da teoria hermenêutica de Hans-
Georg Gadamer, especialmente uma versão própria da fusão de horizontes 
influenciada pela noção de círculo hermenêutico; e (c) a distinção entre Bíblia e 
Palavra de Deus, Bíblia e Evangelho, distinção sutil, é fato, mas que diferencia 
esta abordagem da leitura fundamentalista e das formas mais conservadoras de 
interpretação do texto.
Em que consiste, então, o contexto para a hermenêutica evangélica contextual? 
Temos, primeiro, o contexto linguístico, pois a teologia lida com pa-
lavras, faladas ou escritas, em uma determinada língua. Em segundo 
lugar, temos o contexto histórico, pois a teologia é realizada em deter-
minadas situações históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais. 
Em terceiro lugar, temos o contexto discursivo, pois a teologia reúne as 
A INTERPRETAÇÃO SÓCIO-CONTEXTUAL DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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ideias que a língua expressa em uma determinada situação histórica 
para falar sobre Deus às pessoas de determinada época que são capazes 
de ouvir e compreender o que ela diz. (SANCHES, 2010, p. 23.).
O principal fruto da hermenêutica contextual tem sido a teoria e a prática da 
chamada missão integral, um dos distintivos do movimento evangélico progres-
sista latino-americano. Entendendo que o Evangelho do Reino de Deus produz 
mudanças em todas as dimensões da vida humana, a leitura contextual da Bíblia 
tem alimentado a formação e o desenvolvimento de uma compreensão da missão 
da Igreja semelhante à desenvolvida pela Teologia da Libertação. Distingue-se 
da Teologia da Libertaçãopor: 
(a) Manutenção do ideário doutrinário conservador, conforme brevemente 
descrito no Pacto de Lausanne.
(b) Rejeição do instrumental marxista de interpretação da realidade, optando 
por uma visão mais conservadora de transformação social, de centro-esquerda 
moderada. 
(c) Ter como eixo prático o Reino de Deus, entendido como a ação soberana 
de Deus na história, e não a opção preferencial pelo pobre.
(d) Maior ênfase na dimensão emocional, subjetiva, da ação transforma-
dora de Deus na história, começando com a conversão pessoal e individual a 
Jesus Cristo como único Senhor e salvador e se manifestando em uma vida de 
santidade e piedade – mais à moda do pietismo protestante, regado pelo aviva-
lismo anglo-americano.
Se, por um lado, a herança apologética do protestantismo de missões 
se manifesta na polêmica contra a Teologia da Libertação, por outro, 
ela também se aguça contra o fundamentalismo e o conservadorismo: 
“Também é docética qualquer exegese bíblica que reduza a redenção 
de Cristo unicamente aos efeitos interiores (a nível pessoal e eclesiás-
tico) da obra salvadora de Jesus Cristo, deixando completamente de 
lado suas implicações sociais e cósmicas. Esta é a heresia de muitas 
de nossas interpretações conservadoras. Se a história da salvação está 
arraigada no tempo e no espaço, não pode deixar de relacionar-se com 
todas as dimensões desse tempo e espaço. Afirmar o contrário equivale 
a assegurar que o senhorio de Cristo é parcial”. (COOK, 1984, p. 65.).
Ou, retomando o texto de Stam (1984, p. 94),
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[...] outra razão da urgência desta tarefa de dupla contextualização é o 
fato de que o Evangelho chegou até nós carregado de ‘bagagem cultural’ 
estrangeira, quer dizer, a mensagem bíblica chegou até nós já ‘contex-
tualizada’, em um contexto que nem é o próprio contexto bíblico, nem 
tampouco nosso próprio contexto latino-americano, mas o contexto 
anglo-europeu e, principalmente, o norte-americano. A tarefa herme-
nêutica de confrontar o contexto bíblico diretamente em nosso con-
texto latino-americano implica, necessariamente, na tarefa de isolar os 
fatores teológica, cultural e socialmente alienantes do movimento mis-
sionário anglo-europeu, alheios tanto ao pensamento bíblico quanto à 
realidade latino-americana”.
Para finalizarmos esta seção, a síntese da hermenêutica contextual feita por 
Sanches (2009, p. 137) é bastante apta:
A hermenêutica contextual é utilizada pela Teologia da Missão Integral 
como princípio interpretativo que possibilita a dupla tarefa: perceber a 
palavra de Deus nas situações de vida do texto bíblico, ou seja, no contex-
to bíblico; perceber a realidade histórica e de vida atual, julgá-la à luz da 
palavra de Deus, compreendida contextualmente sob a ótica do Reino de 
Deus. É nesta dinâmica que se realiza o círculo hermenêutico, no ir e vir 
da Palavra, que na verdade não é simplesmente um dado histórico a ser 
atualizado, mas é a fala de Deus ao mundo em todos os tempos e lugares. 
Novos Rumos de uma Hermenêutica Contextual
Nesta seção, ocuparei-me de dois temas que possibilitam o aperfeiçoamento do 
projeto de uma hermenêutica contextual: o tema epistemológico, que é a pró-
pria noção de contexto, e o tema metodológico de como analisar o contexto a 
partir do texto.
Começo com a noção de contexto. Tradicionalmente, o contexto é pensado 
como o extratexto, como a realidade externa ao texto na qual o texto foi pro-
duzido. Essa é uma noção derivada do senso comum. É claro que existe uma 
realidade “fora” do texto – pessoas, países, casas, palácios etc. É claro que pode-
mos nos referir a essa realidade como o contexto de uma obra escrita. Entretanto, 
não podemos permanecer no nível do senso comum e seu realismo ingênuo. De 
fato, essa realidade extratextual só faz sentido e só contribui para a feitura do sen-
tido no texto na medida em que ela é compreendida semioticamente. 
O termo “semiótico” vem do grego semeia, sinal, ou signo, significado. Uma 
realidade semiótica é, portanto, uma realidade de significação, de significa-
do, ou seja, é um conteúdo que se manifesta em algum tipo de texto, escul-
tura, pintura etc.
Fonte: o autor.
A INTERPRETAÇÃO SÓCIO-CONTEXTUAL DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
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É nesse sentido que podemos entender a afirmação greimasiana, por exemplo, 
de que “fora do texto não há salvação” (parafraseando o famoso axioma teológico 
da patrística). É assim que devemos entender a afirmação de que não há nada 
fora do texto. Não se trata de uma ingênua transformação das coisas em palavras, 
mas de uma afirmação forte e retoricamente pesada de que o único acesso que 
temos ao ‘contexto’ é mediante a semiose – a produção de sentido. Para ser mais 
preciso, não há realidade extrassemiótica – o contexto é, ele mesmo, semiótico.
Retomando o argumento, o contexto não é uma realidade extrasemiótica, o contexto 
é semiótico. De fato, todas as coisas existentes existem também semioticamente. 
Por isso, na tradição greimasiana, pode-se falar, por exemplo da “semiótica do 
mundo natural” – na medida em que nosso acesso à “natureza” é semioticamente 
mediado: pela semiótica natural propriamente dita, pelos indícios de significação 
e sentido que a própria natureza nos oferece e pela semiótica discursiva – pelas 
descrições, explicações, articulações semânticas que nós damos ao mundo natural 
mediante nossas várias atividades de produção de sentido (entre elas, a “ciência”).
O contexto de um texto (bíblico, ou não) é, assim, uma realidade semiótica, e 
não uma realidade extralinguística ou extrasemiótica. Nosso acesso ao contexto é 
semioticamente mediado – e a própria descrição histórica do contexto não passa 
de uma reconstrução semiótica do mundo em que o texto foi elaborado. Essa 
reconstrução dialoga, é claro, com as diversas semióticas desse mundo: a natu-
ral (quando utilizamos fontes da “natureza”), a arquitetônica (quando utilizamos 
fontes arqueológicas “monumentais”), a discursiva (quando nos utilizamos de 
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fontes escritas da época) etc. Dessa forma, a reconstrução do contexto de um 
texto deve ser repensada como parte da interpretação do próprio texto, como 
uma pesquisa sobre o contexto no texto, sobre o contexto que “atravessa” o texto 
com sua frágil presença, por assim dizer, nas entrelinhas do texto. Podemos, aqui, 
inserir uma contribuição proveniente da Linguística Textual:
O contexto, da forma como é hoje entendido no interior da Linguís-
tica Textual abrange, portanto, não só o co-texto, como a situação de 
interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) 
e também o contexto sociocognitivo dos interlocutores que, na verda-
de, subsume os demais. Ele engloba todos os tipos de conhecimentos 
arquivados na memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobi-
lizados por ocasião do intercâmbio verbal (KOCH, 1997): o conheci-
mento linguístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, 
quer declarativo, quer episódico (frames, scripts), o conhecimento da 
situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhe-
cimento superestrutural (tipos textuais), o conhecimento estilístico 
(registros, variedades de língua e sua adequação às situações comuni-
cativas), o conhecimento sobre os variados gêneros adequados às di-
versas práticas sociais, bem como o conhecimento de outros textos que 
permeiam nossa cultura (intertextualidade). (KOCH, 2003, p. 24).
Assim repensando a noção de contexto, podemos perceber mais uma razão 
porque jamais duas interpretações de um texto serão idênticas – não só as habi-
lidades analíticasde texto diferem, mas também – e principalmente – o lugar 
das pessoas no contexto é sempre diferente: jamais duas pessoas veem e viven-
ciam seu contexto de forma idêntica. Assim também, na interpretação de um 
texto bíblico, jamais se poderá reconstruir o contexto do texto de forma idêntica 
– seja à vivência do contexto pelo autor ou autora do texto, seja à reconstrução 
do contexto por intérpretes do texto. 
Aliás, levando em conta essas diferenças inevitáveis, podemos também 
compreender o dito hermenêutico de que um intérprete chega a compreender 
o texto melhor do que seu autor ou autora. Poderíamos evitar mal-entendidos 
deixando de usar o advérbio “melhor” e usando o advérbio diferentemente, que 
englobaria a capacidade de intérpretes em captar sentidos que sequer teriam 
sido intencionados por autores.
Consequentemente, não basta estudar o contexto de um texto bíblico a par-
tir de sua reconstrução historiográfica, por mais ampla que seja, ou, em outras 
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Reprodução proibida. A
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palavras, pela pesquisa bibliográfica. Tal reconstrução é, sim, necessária e indis-
pensável. Não é, entretanto, suficiente. Precisamos, também, analisar o contexto 
a partir de uma reconstrução semiótica da época em que o livro foi escrito, pois 
essa reconstrução nos permitiria enxergar o contexto a partir da interpreta-
ção do próprio autor ou autora do texto, e estabelecer o diálogo necessário com 
nossa própria visão do contexto. Há três procedimentos complementares que a 
teoria sêmio-discursiva oferece para a análise do contexto de um livro ou texto 
a ser interpretado. O primeiro é a análise do gênero textual do livro, o segundo 
é a análise das relações interdiscursivas do e no livro e o terceiro é a análise do 
contrato de veridicção proposto pelo texto.
Mediante a análise do gênero, situamos o livro no conjunto das instituições 
e práticas sociais de sua época. Mediante a análise das relações interdiscursivas 
situamos o livro e suas perícopes nas relações contratuais e polêmicas de seu 
universo discursivo (ou conjunto das instituições e práticas sociais). Mediante a 
análise do contrato de veridicção do texto especificamos os resultados alcança-
dos mediante os dois procedimentos anteriores.
Não posso entrar em detalhes, aqui, sobre os procedimentos propriamente ditos, 
de modo que me restrinjo à definição teórica dos três processos de análise. Temos 
duas unidades desta disciplina que explicarão em detalhes a interpretação semi-
ótico-discursivo (ou sêmio-discursiva). Início com o conceito de gênero textual:
[...] os gêneros são tipos de texto que codificam os traços caracterís-
ticos e as estruturas dos eventos sociais, bem como os propósitos dos 
participantes discursivos envolvidos naqueles eventos. Assim, os gêne-
ros textuais (orais ou escritos) constituem um ‘inventário’ dos eventos 
sociais de determinada instituição, ao expressarem aspectos conven-
cionais daquelas práticas sociais, com diferentes graus de ritualização. 
(BALOCCO, 2005, p. 65).
Como a própria definição indica, a principal contribuição do estudo dos gêne-
ros textuais, para a exegese, está na compreensão da relação do texto com o seu 
contexto, conforme explicita Meurer (2002, p. 28): 
[...] descrever e explicar gêneros textuais relativamente às representações, 
relações sociais e identidades neles embutidas poderá servir para eviden-
ciar que, no discurso, e por meio dele, os indivíduos produzem, repro-
duzem, ou desafiam as estruturas e as práticas sociais onde se inserem.
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Em seguida, a contribuição das relações interdiscursivas. Também me restrinjo 
às definições básicas.
(a) Interdiscursividade é o termo que explica o uso que um texto faz de dis-
cursos, a ele anteriores, ou contemporâneos. Há duas maneiras de uso de outros 
discursos: a citação, quando um texto copia percurso(s) temático(s) de outro(s); 
e a alusão, quando um texto se apropria mais livremente de percurso(s) temá-
tico(s) de outro(s).
(b) Intertextualidade é o termo que explica o uso que um texto faz de 
outros, a ele anteriores, ou contemporâneos. Há três maneiras de uso de 
outros textos: a citação, quando um texto copia literalmente partes ou o todo 
de outro(s) texto(s); alusão, quando um texto se apropria não literalmente de 
partes ou do todo de outro(s); e estilização, quando um texto imita o estilo 
de outros. Tanto na interdiscursividade quanto na intertextualidade, o uso 
dos outros textos e/ou discursos pode ser de forma contratual (quando há 
um acordo de ideias ou práticas), ou polêmica (quando os outros textos e/ou 
discursos são usados sem concordância).
Nem sempre as relações interdiscursivas estão explicitadas no texto, de 
modo que o estudo dos ‘implícitos’ (pressupostos e subentendidos) é indis-
pensável para a análise. Quando as relações estão explicitadas, há várias 
maneiras de marcar no texto essas relações. Pode-se afirmar claramente 
que se está citando outro texto ou discurso; pode-se indicar essas relações 
mediante o uso de aspas, travessões ou outras formas de pontuação; pode-
-se usar de recursos estilísticos como a ironia e a paródia; pode-se usar a 
negação; pode-se usar glosas; podem-se usar também diferentes formas de 
inclusão de outras vozes: discurso direto (a fala da “voz” é citada), e discurso 
indireto (a fala da “voz” é marcada por um verbo de dizer e uma oração 
subordinada substantiva objetiva direta).
O terceiro procedimento é o da análise do contrato de veridicção, uma das 
noções fundamentais do conceito mais amplo de narratividade desenvolvido 
por Greimas e cooperadores:
A INTERPRETAÇÃO SÓCIO-CONTEXTUAL DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
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Parte-se de duas concepções complementares de narratividade: 
[...] narratividade como transformação de estados, de situações, ope-
radas pelo fazer transformador de um sujeito, que age no e sobre o 
mundo em busca de certos valores investidos nos objetos; narrativida-
de como sucessão de estabelecimentos e de rupturas de contratos entre 
um destinador e um destinatário, de que decorrem a comunicação e os 
conflitos entre os sujeitos e a circulação de objetos-valor. (BARROS, 
1988, p. 26).
 A chave aqui é a percepção dos objetos-valores do texto e o contrato de veridic-
ção (literalmente: falar verdadeiro) que está implícito na busca dos mesmos. O 
conceito de contrato de veridicção pode ser assim descrito:
No nível do discurso, o contrato fiduciário é um contrato de veridic-
ção, que determina o estatuto veridictório do discurso. A verdade ou 
a falsidade do discurso dependem do tipo de discurso, da cultura e da 
sociedade. [...] O contrato de veridicção determina as condições para 
o discurso ser considerado verdadeiro, falso, mentiroso ou secreto, ou 
seja, estabelece os parâmetros, a partir dos quais o enunciatário pode 
reconhecer as marcas da veridicção que, como um dispositivo veridic-
tório permeiam o discurso. A interpretação depende, assim, da aceita-
ção do contrato fiduciário e, sem dúvida, da persuasão do enunciador, 
para que o enunciatário encontre as marcas de veridicção do discurso 
e as compare com seus conhecimentos e convicções, decorrentes de 
outros contratos de veridicção, e creia, isto é, assuma as posições cog-
nitivas formuladas pelo enunciador. (BARROS, 1988, p. 93s).
Nesse sentido, reafirma-se a proposição teórica anteriormente apresentada de que 
o contexto não está fora do texto, mas presente no texto, e presente de diferen-
tes modos. Dessa forma, novos procedimentos teóricos e metodológicos podem 
fazer amadurecer mais um pouco a hermenêutica contextual no século XXI.
@lvdesign77
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Assim como a hermenêutica contextual foi uma forma de renovação da exegese 
histórico-gramatical, a leitura popular tem sido uma revisão da exegese históri-
co-crítica. Nasceu e se desenvolveu na América Latina, especialmente no Brasil, 
graças aos esforços pioneiros do Frei Carlos Mesters e do Pr. Milton Schwantes, 
juntamente com um grande número de estudiosos da Bíblia junto com o povo 
cristão que desenvolveu seu trabalho junto ao Centro Ecumênico de Estudos 
Bíblicos (CEBI) para a Pastoral Popular. A leitura popular é mais praticada no 
âmbito da Igreja Católica e no movimento ecumênico protestante e também 
católico. É importante conhecê-la e compará-la com a leitura contextual, tam-
bém latino-americana, mas praticada principalmente nos meios evangélicos.
O que é a leitura popular?
A “leitura popular da Bíblia” tem suas origens nos movimentos cristãos de base 
no Brasil e em outros países da América Latina, nos anos 1960-1970, em suas 
lutas por melhorias nas condições de vida de camponeses, estudantes e tra-
balhadores assalariados (especialmente operários), e deve assim ser ligada à 
Juventude Universitária Católica (JUC) & Juventude Operária Católica (JOC), 
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Pastorais Populares da Igreja Católica 
Apostólica Romana (ICAR). Nos anos 1970-1980, a hermenêutica popular desen-
volve uma vertente ecumênica que se incorpora à identidade da leitura bíblica.
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A característica fundamental da hermenêutica popular não é a metodolo-
gia adotada, mas o fato de que um novo sujeito emerge na leitura da Bíblia - “o 
pobre”, ou seja: por, cristãs e cristãos, ecumênicos, reunidos em comunidades 
eclesiais e organizados de diversas formas na sociedade civil, em busca da trans-
formação de suas próprias situações de vida e das estruturas político-econômicas 
da sociedade – no âmbito da adoração a Deus na espiritualidade comunitária.
O novo sujeito da leitura popular da Bíblia desenvolve uma nova espiritu-
alidade, a partir da qual se volta ao texto bíblico: a espiritualidade do serviço 
ao pobre, em Cristo, no cotidiano da ação política-pública. A leitura da Bíblia é 
feita a partir dessa espiritualidade e realimenta a experiência espiritual do sujeito 
leitor da Bíblia, animando-a e reanimando-a para a participação ativa na vida 
pública da Igreja e da Sociedade.
O novo sujeito da leitura popular procura a Bíblia para, a partir dela, enfren-
tar a vida com a força da fé e o poder do amor, construindo a utopia na esperança. 
Não se trata de “encontrar o sentido do texto”, mas a partir dos sentidos do texto, 
“encontrar o sentido da vida e da ação” como cristãs e cristãos no mundo con-
temporâneo que agem em busca de transformação social e política sob o signo 
do Reinado de Deus.
O novo sujeito da leitura popular da Bíblia provocou também uma revolução 
na Academia – exegetas especializados se converteram ao olhar do povo orga-
nizado e colocaram as ferramentas críticas a serviço da hermenêutica popular. 
Leitura acadêmica militante, ora feita nos lugares universitários, ora feita nos 
lugares políticos do cotidiano, a espiritualidade do povo contagiou as doutoras 
e doutores que se renderam ao fascínio do novo modo de ler a Bíblia.
A relação entre o novo sujeito popular da leitura bíblica e os leitores acadêmicos 
pode se ver na trajetória de uma ONG dedicada à formação de leitoras e leitores 
da Bíblia e à produção de material de consulta e apoio para a leitura popular: o 
Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos. Por meio do Centro de Estudos Bíblicos 
(CEBI), participantes do mundo acadêmico se engajaram nas lutas sociais e popu-
lares, aprendendo com o povo a ler a Bíblia a partir da vida e para a libertação.
Vejamos uma síntese da LP feita por Carlos Mesters e Francisco Orofino, em 
comunicação oral, por mim gravada e copiada, sem publicação. A apresentação foi 
feita em curso do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, em Curitiba, no ano de 1991.
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Dez Características da leitura popular
1. A Bíblia é reconhecida e acolhida pelo povo como Palavra de Deus. Esta fé 
já existia antes da chegada do que se convencionou chamar leitura popu-
lar. É nessa raiz antiga que se enxerta todo o nosso trabalho com a Bíblia 
junto do povo. Sem essa fé, todo o método teria de ser diferente. “Não 
és tu que sustentas a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (BÍBLIA, Rm 11,18).
2. Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria histó-
ria e tem nos olhos os problemas que vêm da realidade dura da sua vida. 
A Bíblia aparece como um espelho, “símbolo” (BÍBLIA, Hb 9,9; 11,19), 
daquilo que ele mesmo vive. Estabelece-se uma ligação profunda entre 
Bíblia e vida que, às vezes, pode dar a impressão de um concordismo 
superficial. Na realidade, é uma leitura de fé muito semelhante a que 
faziam as primeiras comunidades (BÍBLIA, At 1,16-20; 2,29-35; 4,24-
31) e os Santos Padres.
3. A partir desta ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a descoberta, a 
maior de todas: “Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele 
está também conosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta 
também o nosso clamor!” (BÍBLIA, Ex 2,24; 3,7). Nasce, assim, imper-
ceptivelmente, uma nova experiência de Deus e da vida que se torna o 
critério mais determinante da leitura popular e que menos aparece nas 
suas explicitações e interpretações, pois o olhar não se enxerga a si mesmo.
4. Antes deste contato mais vivido com a Palavra de Deus, a Bíblia ficava 
longe da vida do povo. Era o livro dos “padres”, dos “pastores”, do clero. 
Mas agora ela chegou perto! O que era misterioso e inacessível, começou a 
fazer parte da vida quotidiana de crianças, mulheres e homens empobre-
cidos. E, junto com a sua Palavra, o próprio Deus chegou perto! “Vocês 
que antes estavam longe foram trazidos para perto!” (BÍBLIA, Ef 2,13). 
Difícil para um de nós avaliar a experiência de novidade e de gratuidade 
que isto representa para as pessoas empobrecidas.
5. Assim, aos poucos, foi surgindo uma nova maneira de se olhar a Bíblia 
e a sua interpretação. Ela já não é vista como um livro estranho que per-
tence ao clero, mas sim como o nosso livro, “escrito para nós que tocamos 
o fim dos tempos” (BÍBLIA, 1Co 10,11). Às vezes, ela chega a ser o pri-
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meiro instrumento de uma análise mais crítica da realidade. Por exemplo, 
a respeito de uma empresa que oprime e explora o povo, o pessoal da 
comunidade dizia: “É o Golias que temos que enfrentar!”
6. Pouco a pouco, cresce a descoberta de que a Palavra de Deus não está 
só na Bíblia, mas também na vida, e de que o objetivo principal da lei-
tura da Bíblia não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida com 
a ajuda da Bíblia. A Bíblia ajuda a descobrir que a Palavra de Deus, antes 
de ser lida na Bíblia, já existia na vida. As comunidades descobrem que 
a sua caminhada é bíblica. “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu 
não o sabia” (BÍBLIA, Gn 28,16).
7. A Bíblia entra na vida do povo não pela porta da imposição autoritária, 
mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz pre-
sente não como um livro que impõe uma doutrina de cima para baixo, 
mas como uma Boa Nova que revela a presença libertadora de Deus na 
vida e na luta do povo. As pessoas que participam dos grupos bíblicos, 
elas mesmos se encarregam de divulgar esta Boa Notícia e atraem outras 
para participar.“Vinde ver um homem que me contou toda a minha 
vida!” (BÍBLIA, Jo 4,29).
8. Para que se produza esta ligação profunda entre Bíblia e vida, é importante:
a. Ter nos olhos as perguntas reais que vêm da realidade, e não perguntas artifi-
ciais que nada têm a ver com a vida do povo. Aqui, aparece como é importante 
o(a) intérprete ter convivência e experiência pastoral inserida no meio do povo.
b. Descobrir que se pisa o mesmo chão, ontem e hoje. Aqui, aparece a impor-
tância do uso da ciência e do bom senso, tanto na análise crítica da realidade 
de hoje como no estudo do texto e do seu contexto social.
c. Ter uma visão global da Bíblia que envolva os próprios leitores e leitoras, e 
que esteja ligada com a situação concreta das suas vidas hoje.
9. A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma atividade envolvente 
que compreende não só a contribuição intelectual do(a) exegeta, mas 
também todo o processo de participação da Comunidade: trabalho e 
estudo de grupo, leitura pessoal e comunitária, teatro, celebrações, ora-
ções, recreios, “enfim, tudo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, 
digno de honra, virtuoso, ou que louvor” (Fl 4,8 versão do autor). Aqui 
aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão das intuições 
que vão nascendo.
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10. Para uma boa interpretação, é muito importante o ambiente de fé e de fra-
ternidade, por meio de cantos, orações e celebrações. Sem este contexto 
do Espírito, não se chega a descobrir o sentido que o texto tem para nós 
hoje. Pois o sentido da Bíblia não é só uma ideia ou uma mensagem que 
se capta com a razão e se objetiva por meio de raciocínios; é também um 
sentir, um conforto que é sentido com o coração, “para que, pela perseve-
rança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos 
esperança” (BÍBLIA, Rm 15,4).
Na leitura popular, praticam-se pelo menos dois diferentes métodos, mas com 
a mesma finalidade:
(a) Leitura dos Quatro Lados
Um dos primeiros métodos desenvolvidos na comunhão entre acadêmicos e 
comunidades eclesiais foi a chamada “leitura dos quatro lados” que visava aju-
dar as pessoas a ter uma visão integral da sociedade produtora do texto bíblico: 
Econômico (a base), Social (a realidade), Político (as relações), Ideológico (as 
explicações da opressão). O método reflete uma visão marxista elementar da 
sociedade e seus conflitos, seguindo Marta Harnecker, e foi muito utilizado em 
ambientes não acadêmicos.
(b) Leitura do Conflito
Outro método desenvolvido na comunhão entre acadêmicos e comunidades ecle-
siais foi a chamada “leitura do conflito” que visava ajudar as pessoas a focar a leitura 
do texto bíblico nos conflitos explícitos ou implícitos no mesmo. As perguntas bási-
cas eram: qual é o conflito retratado no texto? de que lado do conflito está o texto? 
(destacando o aspecto crítico da leitura) e o olhar básico à sociedade destacava os 
conflitos rei-povo & campo-cidade mais ou menos típicos da Antiguidade Oriental.
Para os dois métodos brevemente já descritos, era usado o mesmo referen-
cial teórico, extraído da tradição marxista popularizada: o conceito de modo 
de produção (e seu companheiro, o de formação social). Na leitura do Antigo 
Testamento um elemento facilitador foi o fato de que praticamente em toda a 
história do antigo Israel apenas um modo de produção tenha sido predominante.
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No uso dos métodos, a questão do papel do texto nas lutas sociais de seu 
tempo era a fundamental – aplicava-se ao texto, assim, uma crítica ideológica, 
ou uma hermenêutica da suspeita, que buscava situar o texto nos confrontos 
sociopolíticos de sua época e definir a favor de que grupos sociais e políticos ele 
se colocava. O risco desse referencial é a reificação dos agentes sociais e a sim-
plificação do processo complexo que é a dinâmica das sociedades.
O que interessa, porém, primariamente, na leitura popular não e o método, 
mas a vida.
Uma revisão crítico-valorativa da leitura popular
Para maior compreensão da leitura popular, ofereço uma espécie de autorrevi-
são da trajetória da leitura bíblica que se pode encontrar nas páginas da revista 
Estudos Bíblicos. Revisão de práticas de leitura, mas também revisão de práticas 
políticas e práticas de espiritualidade, pois em nosso jeito de ler a Bíblia, exege-
se-hermenêutica, prática política e espiritualidade se misturam o tempo todo, 
de tal forma que há vezes em que não sabemos onde começa uma e termina a 
outra. Acredito que a mais importante contribuição das milhares de páginas 
já publicadas na revista Estudos Bíblicos e na Revista de Interpretação Bíblica 
Latino-americana esteja exatamente aqui: afirmar e reafirmar constantemente 
que leitura-política-espiritualidade não se separam. Lição de resistência: não mais 
aceitamos, como muitos de nossos antepassados nas igrejas, viver a fé cristã dentro 
das paredes do templo, com mãos macias e suaves de indiferença e comodismo.
Não pretendo que essa autorrevisão seja a descrição verdadeira e defini-
tiva das práticas plurais e enriquecedoras das centenas de artigos de Estudos 
Bíblicos. Nem sequer ofereço uma análise academicamente controlada e estru-
turada. É uma autorrevisão, um olhar pessoal, subjetivo, comprometido com a 
própria caminhada que examino. Não sou da primeira geração de biblistas popu-
lares latino-americanos, nem das gerações pioneiras da trajetória ecumênica. 
Cheguei depois e fui bem recebido. Pude aprender e experimentar aspectos da 
fé cristã que nem sequer podia imaginar. Deixaram-me, também, contribuir com 
a caminhada. Textos meus foram publicados, revelando um percurso pessoal de 
crescimento, questionamento, mas, acima de tudo, de um certo êxtase – de um 
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sair de mim mesmo e das fronteiras de minha experiência eclesiástica, na com-
panhia de homens e mulheres que me mostraram a face de Deus em diversos 
ângulos, perspectivas, sombras e luzes. Por tudo isso, essa revisão da caminhada 
é um olhar, ao mesmo, tempo respeitoso e crítico, agradecido e extasiado.
Marcos de uma caminhada
O primeiro marco dessa caminhada é o testemunho de uma dupla conversão. 
Conversão ao pobre como a pessoa a quem servimos por amor a Cristo, a pessoa 
em quem servimos Cristo. Pessoa real, concreta e próxima. Mas, também, emi-
nentemente, classe, desafio político, sujeito da história. Participantes de igrejas 
que pouco fizeram concretamente para enfrentar de modo adequado a injustiça, 
a opressão, a dominação sofridas por nosso continente, tivemos de nos converter 
ao pobre – pobre cuja presença nos chocava, nos indignava, fazia-nos enxergar 
o rosto sofrido de Cristo em faces suadas e cheias de rugas; não mais um rosto 
sereno em crucifixos, vitrais, murais, imagens e textos. Conversão na qual espi-
ritualidade e política se reencontraram, reataram o romance rompido e geraram 
filhas e filhos que vivenciam a fé cristã de modo engajado, militante e histórico. 
Comunidades eclesiais se deslocaram do altar e do púlpito, saíram do centro do 
cenário e se colocaram à esquerda, à margem, tornando-se parceiras e não mais 
senhoras da caminhada popular. Novos momentos foram vividos, em tantos 
novos movimentos que se fizeram a casa da fé, templos a céu aberto, em barra-
cas, margens de estrada, ruas, passeatas, associações e sindicatos.
Conversão à Bíblia enquanto Palavra de Deus no clamor dos pobres. Séculos 
de poeirenta exegese tiveram de ser limpados. Uma grande faxina se fez na casa 
da Palavra – por trás das palavras, uma flor sem defesa foi vislumbrada, a festa 
dopovo foi reencontrada, portas emperradas e empenadas se abriram reve-
lando aposentos convidativos, iluminados, cheios de vida, de uma vida que se 
perdera em meio às exigências acadêmicas, racionais, universitárias e clericais 
da ciência bíblica. 
Textos outrora esquecidos foram reencontrados, relidos, examinados desde 
quatro lados, seus conflitos revelados, os clamores antes silentes encontraram nova-
mente ouvidos atentos, de parceiras e parceiros oprimidos, mas conscientizados, 
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em novas saídas, peregrinações, êxodos do capital; cidades imponentes que impe-
diam a visão se tornaram transparentes e a vida do campesinato mais uma vez 
se encontrou e os sons da utopia ressoaram em celebrações democráticas, ecu-
mênicas, populares, militantes, reverentes em um grau até então desconhecido. 
Estranhas ideias, doutrinas, práticas se encontraram no texto outrora tão fami-
liar das Escrituras. Estranhos que nos conquistaram e vieram a fazer parte de 
nossa família, fizeram entre nós seu lar.
Aos poucos, ora silenciosamente, ora altissonante, com uma gentil violên-
cia, novo marco se impôs à caminhada. Palavras foram articuladas no feminino, 
denunciando a neutralidade enganosa do “o” inclusivo. “Elas estão chegando” 
cantou-se, então, chegando para ficar, chegando para mudar, chegando para 
mostrar a diversidade da face dos pobres. Classe, sim, mas não só classe. Gênero. 
Palavra estranha, que incomodava, que obrigava a pensar, a repensar, a sentir, a 
não mais ressentir. A conversão experimentada teve de se expandir. Uma nova 
conversão. O rosto macho da opressão ficou sem sua máscara. Belas, sim, mas 
muito mais do que belas. Feras, sim, mas muito menos do que feras. Elas mos-
traram outro jeito de ler, mais atento a coisas simples, cotidianas, corriqueiras. 
Elas mostraram outro jeito de escrever, mais afeito ao testemunho, à conversa, 
narrativas de luta, de transformação, de encanto ousaram ocupar espaços dan-
tes relegados à irracionalidade. 
Todo um novo jeito de olhar para a vida, para o mundo, para a gente. O que 
parecia grandioso se tornou pequenino. O que parecia imponente, revelou-se 
banal. Coisas outrora simples, cotidianas, corriqueiras se tornaram, em sua sim-
plicidade e cotidianidade, valores inegociáveis, utopias sedutoras. Um jeito que 
incomodava, incomoda e desestabiliza. O que se tornara tão familiar, revela-se 
estranho novamente.
“Porteira por onde passa um boi, passa uma boiada”. Porta que não mais se 
fecha. Elas entraram e deixaram, não sei se de propósito, ou sem-querer, a porteira 
aberta. Novas faces, novas cores vieram habitar entre nós. Índios, índias; negras 
e negros. Sons que estavam esquecidos nos distantes ecos da história acharam 
de novo o presente. E a Bíblia se fez multicor, multiforme, cada vez mais bela, 
cada vez mais plural. Latino-abya-américa-ayala-afro-ameríndia. 
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Novos cânticos, novos instrumentos, novos sons e tons deixaram a festa mais 
bonita, mais popular, mais ricamente – pobre – categoria que se expandiu, plurali-
zou, embelezou. Igreja é povo, plural, que se articula, que se confronta honestamente 
e se diz na pluralidade, mostra as feridas abertas, para poder reconciliar sem deixar 
de pagar as dívidas. Tudo fica ainda mais estranho. Tribos de Israel viram espe-
lho de tribos andinas, tupis, guaranis, astecas, maias etc. Cuxitas e eunucos etíopes 
saem das sombras e nos mostram suas faces luminosas cujo sorriso faz a leitura 
da Bíblia crescer na militância, ludicamente, reinventando a antiga lição de que é 
preciso endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura. Novo marco.
Enquanto isso acontecia por aqui, no outro lado do mundo um muro caía. 
Uma visão de mundo, outrora sedutora, mostrou uma face perversa – conhe-
cida, mas negligenciada em função de uma utopia maior, de sonhos urgentes. 
Um simples muro, mas quase o fim da história. Monumentos de lá caíram, movi-
mentos de cá ficaram esmagados. O Brasil melhorou, não há como negar, mas 
uma ambígua sensação tomou conta de muitos de nós. Será que o sonho foi tra-
ído? A radicalidade do discurso e das práticas dantes oposicionistas deu lugar 
à mesmice acomodada da situação? As porteiras abertas, escancaradas, torna-
ram perceptível uma imensa pluralidade. Plural, fragmentário até. Tantas lutas, 
tantas vozes, tantas microutopias. Certezas não tão antigas assim ficaram soltas 
no ar. Não mais singularidades. Agora tudo se tornou plural. Por um lado, uma 
certeza se impõe: “um outro mundo é possível”. Por outro, um novo vocabulário, 
uma nova hermenêutica parece fazer seu caminho em nossas terras e comuni-
dades. A leitura multiforme, multicolorida, faz-se intercultural. Novas redes se 
formam, os horizontes se ampliam. Afinal de contas, um outro mundo é possí-
vel – mais que possível, necessário, urgente, imperativo.
Novos Horizontes – Novas Questões
Um olhar assim retrospectivo pode se tornar em mero autoelogio. Não há que 
desmerecer as conquistas, os avanços, os aprendizados, a criatividade nos modos 
de ler e de viver a fé e a militância. Há, porém, que deixar fluir a veia crítica. 
Aliás, sem autocrítica, a militância se reduz a mera ignorância. Sem autocrí-
tica, o que se aprendeu acaba esclerosado, vira ortodoxia vazia. E mata. Mata os 
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sonhos, mata os companheiros e companheiras, mata a utopia. Mata a flor sem 
defesa. Permitam-me, peço, oferecer uma crítica, melhor, rezar uma confissão.
Aqui e acolá, ao lermos nossa revista, ao estudarmos a Bíblia em grupos, 
cursos, lutas, uma situação me chama a atenção. Mesmo diante de tanta criati-
vidade, tantas vozes, tantos aprendizados – vez por outra um samba monótono 
ecoa, um sambinha desafinado, ou, quem sabe, uma bossa-nova desafinada de 
alguém que, no final das contas, também tem coração. De vez em quando, ao 
bater os olhos nos textos, somos assaltados por uma imagem extremamente 
familiar. Parece que, meio que de repente, a pluralidade das leituras reduz a mul-
tiformidade das Escrituras a uma nota só. Em todo lugar da Bíblia se encontra, 
ou opressor versus oprimido, ou campo versus cidade, ou brancos versus negros 
e índios, ou homens versus mulheres. Vez por outra, de vez em quando, repito, 
mas nessas poucas vezes (ou seriam muitas e não conseguimos enxergar?), uma 
ortodoxia se insinua, deslizando, serpenteando entre as místicas, militantes e 
celebrativas leituras.
Então, o texto se torna familiar. Torna-se espelho. De tanto olharmos para 
o texto, acabamos nos encontrando nele o tempo todo. Olhamos para o texto, 
mas enxergamos a nós mesmos. É verdade que foi por causa dessa experiência 
de espiritualidade que o novo se instalou entre nós que lemos a Bíblia. Se não 
tivéssemos encontrado na Bíblia um espelho para nossas lutas, os clamores de 
hoje continuaram sem ouvidos para ouvir; as lutas de hoje continuaram sem pés 
para semear as boas novas; as belezas de hoje não supreenderiam olhos a contem-
plá-las. Mas o problema com o espelho é que ele mostra as coisas ao contrário. 
Revela, mas distorce. E, quando ficamos tanto tempo a encará-lo, adeus Branca 
de Neve, reaparece a rainha má. Quando o espelho nos encanta mais do que a 
pessoa que ele reflete, o coração se esfria novamente e os braços, outrora aber-
tos para receber pessoas diferentes, fecham-se em um abraço apertado – mas tão 
apertado que ninguém mais entra. Entrar não se entra mais, sair, infelizmente, 
sim. Abraço apertado demais acaba espirrando alguém – amassado, assustado e 
excluído. É assim que funcionam as ortodoxias, os fundamentalismos. Seduzem 
comimagens encantadoras. Atraem com carinho, amizade, amor até. Abraço 
apertado, aconchego, refúgio, segurança. Bonito, por fora.
Precisamos, então, olhar com mais cuidado para o espelho. Prestar atenção 
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nas imperfeições, nas rugas, nas espinhas e no cabelo desgrenhado. E reencon-
trar, na própria caminhada, redescobrir, na memória, a força para fazer o abraço 
encontrar o aperto certo, para continuar incluindo, transformando, celebrando. 
De tanto olhar e matutar, ouvir e falar, reencantei-me com uma coisa simples. 
O texto não é só espelho, é também janela. Não! Sempre foi uma janela. Janela 
para um mundo diferente, estranho e exótico. Tão exótico, estranho e diferente 
que acabamos nos acostumando com ele e ele se transfigurou em nosso próprio 
mundo. É verdade que as janelas podem virar espelhos. Só não podem deixar de 
ser janelas. Abertas para entrar a vida que está fora da casa. Aberta para a gente 
pular e brincar no quintal, na rua, cair na estrada, aventurar-se mundo afora.
Tantas coisas boas que aprendemos e fizemos. Não podemos esquecê-las. 
Uma coisa, também boa e útil, imagino, apresenta seu convite para nós. Quase 
uma intimação. Contra a tentação da mesmice, da familiaridade, o texto bíblico 
nos convida a nos reencantarmos com a sua estranheza. Foi ótimo nos acostu-
marmos com o texto, sentirmos-nos em casa com ele, fazer dele nosso espaço 
sagrado, nosso lugar de encontro, o ponto de chegada de nossa romaria. Agora 
me parece necessário olharmos novamente para o texto em toda a sua estranheza, 
em sua peculiaridade e em sua distância de nós. Não mais espelho. Janela, com 
vidros opacos, meio sujos, apenas entreaberta. Ora, afinal de contas, não é muito 
esquisito que filhos dos deuses desçam do céu à terra para fazer amor com as 
filhas dos homens? Terá sido uma resposta dos deuses machos ao movimento de 
libertação das deusas exploradas? Ou teria sido fruto de um movimento libertá-
rio das filhas dos homens, cansadas de sofrer sob o jugo patriarcal quiriárquico?
Não é etica e politicamente incorreto que Jesus, ao expulsar a legião de um 
rapaz gadareno (ou teria sido geraseno?), tenha enviado os espíritos impuros 
para a manada de porcos, obrigando-a a se atirar ao mar desesperadamente? Ou 
que coisa terrível o Apocalipse nos oferece, com suas pragas, cavaleiros, bestas e 
destruições? Quem não se incomoda ao ler que Davi era um homem “segundo 
o coração de Deus” nos Salmos e, ao voltar os olhos para os profetas anterio-
res, descobre que Davi era mulherengo, voyeur, assassino? Não é espantoso ler 
os Evangelhos e chegar à conclusão que Jesus jamais seria aceito como sacer-
dote de igrejas cristãs – afinal de contas, ele era encrenqueiro, rebelde, amigo 
de gente que não prestava e, além de tudo, milagreiro, sem curso de teologia, 
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sem eira nem beira. Que Deus é essa cujo primeiro milagre é transformar água 
em vinho? Ah! Se Jesus fosse evangélico! Teria transformado o vinho em água.
Dei exemplos muito óbvios, mas, de fato, a Bíblia toda é muito estranha. 
Justificação pela fé, em Paulo, não é justificação pela fé luterana. Soberania divina 
não é a dupla predestinação calvinista. A rocha deixada por Jesus não é a base 
da sucessão apostólica etc. Não. Conflito campo-cidade não está presente em 
toda a Bíblia. Os negros também eram minoria entre o chamado povo de Deus 
da Escritura. As mulheres eram oprimidas mais do que a gente gostaria. E, para 
espanto de quem ama a santidade, o pessoal que adorava a Deus também era 
craque no pecado. E as bem-aventuranças de Jesus em Mateus, então! Não é feliz 
quem milita, mas quem pacifica. Não é feliz quem consegue a terra, mas quem 
alcança o reino dos céus. Não é feliz quem consegue vida boa, mas quem é per-
seguido, zombado, ridicularizado. Será?
Escrevi esses dois últimos parágrafos para provocar. Para me provocar, desa-
fiar-me, chocar-me e me desestabilizar. Para que o texto mantenha seu poder, 
sua beleza, seu encanto, seu charme, sua ousadia, é preciso que nos entregue-
mos à sua estranheza, à sua peculiaridade, à sua diferença e à sua outridade. 
Dentre os vários modos de ler que descobrimos, uma atitude se faz necessá-
ria e urgente. Voltar os olhos para o texto enquanto texto. Não mais enquanto 
exemplo de luta, testemunho de fé e espelho de nossa caminhada. O texto, por 
si só, sem qualquer pretexto. Não. Não se apresse a gritar “fundamentalismo!”. 
Fundamentalistas amam o texto porque para eles o texto só é espelho. O texto 
sempre concorda com suas doutrinas, medos, inseguranças e violências. Se que-
remos ficar livres do fundamentalismo, precisamos voltar a deixar o texto ser 
texto e falar sua própria voz, gritar, clamar, berrar, ferir nossos ouvidos, cegar 
nossos olhos, manchar nossas mãos e criar calos em nossos pés.
Ao terminar essa autorrevisão, mais um testemunho e não mais do que um 
simples e teimoso testemunho. Descobri que história, sociologia, antropolo-
gia, gênero, cultura etc. são boas ferramentas. Indispensáveis. Mas descobri que 
elas também são perigosamente tendenciosas a transformar o texto em “espe-
lho, espelho meu”, e nos tentam a nos apaixonarmos mais por elas do que pelo 
texto que lemos, e pela pessoa divina que nos ama, salva e governa na fé, espi-
ritualidade e militância. Precisamos nos libertar do apego aos nossos queridos 
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e amados métodos. Como somos apenas gente, precisamos permitir que outras 
ferramentas encontrem lugar na obra de construir a casa de todas as pessoas. 
Quando fazemos a memória da caminhada, encantamos-nos com a liberdade 
que nos foi presenteada, para servir a Deus servindo às pessoas que sofrem qual-
quer e todo tipo de injustiça. Ao olharmos para o futuro, para o outro mundo 
possível, precisamos nos arriscar e nos libertar das ferramentas que nos auxi-
liaram tanto até hoje.
Que nossos métodos não se transformem nas panelas do Egito. Gente que 
põe a mão no arado, gente que se arrisca no deserto, não pode olhar prá trás, 
senão vira estátua de sal. Não. Não tenho nenhum segredo para contar. Não sei 
que métodos colocar no lugar. Estou tentando construir meu jeito de ler, que 
não é meu por invenção, mas por teimosa e obstinada vontade de aprender. Mas 
não creio em meus métodos. Só os reinvento. Nem estou dizendo que devería-
mos jogar fora as ferramentas amadas que nos ajudaram a construir a nossa casa. 
Só imagino que, se queremos um outro mundo possível, precisamos de novas 
ferramentas, de uma nova caixa de ferramentas, de um outro jeito de lutar, mili-
tar, amar e ler. O novo não nega o antigo. A novidade pode vir de onde menos 
esperamos, pois o Espírito é como vento que sopra onde e como quer. Mas se 
não estivermos abertos ao novo, o texto continuará tão familiar, que não mais 
conseguirá dizer nada para nós. Mais do que de novas ferramentas, nossos bra-
ços e pernas, pés e mãos, precisam de uma renovada paixão – pelo texto, sim, 
pelo texto mesmo, pelo texto enquanto texto. Paixão por essa simples e sedu-
tora flor sem beleza. Paixão que faz da gente uma gente nova que busca união, 
uma nova semente.
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EXEMPLO DE EXEGESE POPULAR SOCIOLÓGICA
Aluno(a), até agora vimos bastante “teoria”. Vale a 
pena, então, ver como funcionam os méto-
dos que estudamos. Tendo em vista que 
a leitura popular é fruto renovador da 
exegese histórico-crítica, ao estudar 
esse exemplo também veremosparte 
do funcionamento do método crítico.
Esse exemplo, é extraído de meu 
comentário ao livro de Miqueias, origi-
nalmente distribuído pela Editora Vozes 
e agora publicado pela Fonte Editorial. Foi 
escrito na perspectiva da exegese popular socioló-
gica (do conflito), seguindo o padrão básico da exegese histórico-crítica. Selecionei 
duas perícopes do livro de Miqueias para o nosso estudo.
Contra os tribunais corruptos (Mq 3,1-4)
1 Eu digo: Escutem bem, chefes de Jacó, governantes da casa de Israel! Por 
acaso, não é obrigação de vocês conhecer o direito? 2 Inimigos do bem e aman-
tes do mal; 3 vocês são gente que devora a carne do meu povo e o esfola; quebra 
seus ossos e os faz em pedaços, como carne na panela, como um cozido no cal-
deirão. A pele de vocês será esfolada, a sua carne de seus ossos, 4 então vocês 
gritarão a Javé, mas ele não responderá. Nesse tempo, ele esconderá a sua face, 
por causa da maldade que vocês praticaram (Versão do autor).
Vejamos a estrutura deste oráculo:
 Introdução: chamando a atenção dos denunciados (v. 1a).
 Denúncia: a corrupção dos tribunais e seus efeitos sobre o campesinato (v. 
1b-3).
 1. Tribunais corrompidos (v. 1b-2a).
 2. As vítimas da corrupção (v. 3).
 Ameaça: Javé não ouvirá o clamor dos corruptos (v. 2b., 4).
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 1. Sofrerão o castigo que infligiram ao “meu povo” (v. 2b).
 2. Clamarão, mas Javé não os ouvirá (v. 4).
A forma literária é a de um oráculo de juízo, com as seções de denúncia e ame-
aça claramente demarcadas. Chamam a atenção, nessa perícope, a mudança dos 
sujeitos gramaticais da segunda para a terceira pessoa (que é eliminada pela tra-
dução) e o arranjo poético bem acentuado das linhas que a compõem.
Há uma dificuldade textual de vulto na Bíblia Hebraica, que são os pronomes 
de terceira pessoa do plural em 2b, que não possuem um antecedente gramati-
cal (na tradução da Bíblia Pastoral isso não é percebido). Vários comentaristas, 
portanto, sugerem que se leia o v. 2b como parte da ameaça, e não como parte da 
denúncia. Essa alternativa oferece melhor sentido para o texto, e o erro de cópia 
que ela pressupõe poderia ter sido facilmente cometido por copistas, tendo em 
vista a repetição dos verbos na perícope. Prefiro seguir essa sugestão e já adap-
tei a tradução, acima, seguindo esta linha exegética.
Quanto à redação, o oráculo não apresenta sinais de ter sido adaptado por 
um processo de releitura. Cabe ressaltar que boa parte dos comentaristas vê o 
cap. 3 como uma unidade independente do cap. 2, pois consideram que não há 
continuidade temática entre eles. Nossa leitura, porém, deixa evidente a con-
tinuidade temática - independentemente da validade de todos os detalhes da 
reconstrução sociológica oferecida -, o cap. 3 tematiza as instituições sociais que 
legitimam o processo de acumulação de terras denunciado no cap. 2, a saber: 
“agentes recrutadores” do Estado, tribunais, profetas e sacerdócio.
Vejamos agora os denunciados (v. 1a).
Uma palavra introdutória sobre a expressão “Eu digo”. Essa expressão cum-
pre uma importante função retórica: serve para reforçar a identidade do profeta, 
e, nessa função, corresponde à expressão “eu, porém” no v. 8. Os denunciados 
nessa perícope deveriam cumprir a justiça, e não o faziam. Miqueias, no v. 8, se 
apresenta como “cheio de justiça”, por isso, deve ser ouvido com atenção.
A palavra de Miqueias dirige-se contra os “chefes de Jacó” e “governantes 
da casa de Israel” (BÍBLIA, Mq 3,9). Esses dois termos se referem às pessoas 
encarregadas da administração da justiça nos tribunais locais das cidades e do 
“recrutamento” militar (e também para a corveia) - conforme indicam: (BÍBLIA, 
Êx 18,25; Js 10,24; Jz 11,6.11: 2Cr 19,4-11; Dt 16,18-20; Is 1,23). Não sabemos ao 
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certo se, em todas as cidades de Judá, esses cargos eram preenchidos pelas mes-
mas pessoas, ou não. O fato de aparecerem em paralelismo e, nessa perícope, 
serem acusados apenas de distorcer o direito, dá a entender que são funções 
diferentes exercidas pelas mesmas pessoas. Esse, com certeza, seria o caso nas 
cidades fortificadas, nas quais a população era composta apenas de militares e 
pessoal ao seu serviço e que serviam de abrigo para as populações camponesas 
das vizinhanças, em caso de invasão estrangeira. Em cidades não militares, as 
pessoas mais influentes seriam as prováveis ocupantes desses cargos, exercendo 
as funções política e jurídica, às “portas” da cidade. Nesse caso, vários dos “acu-
muladores de terras” denunciados no cap. 2 poderiam ocupar tais funções. De 
qualquer forma, independentemente das possíveis diferenças regionais, essas 
pessoas - “chefes” e “governantes” - representavam o poder estatal, e possuíam 
a autoridade política e jurídica em suas regiões.
O texto passa à denúncia (v. 1b e 3).
A primeira parte da denúncia corresponde, propriamente falando à acusa-
ção de Miqueias contra os “chefes” e “governantes”. Acusação é iniciada com uma 
pergunta retórica: “não é a obrigação de vocês conhecer o direito?” A resposta, 
obviamente, deveria ser positiva. Dessa forma, o profeta indica que os denun-
ciados não estavam cumprindo corretamente o seu dever, nos julgamentos aos 
quais presidiam. A pergunta retórica tem o efeito de destacar a compreensão 
normal da função dos juízes em Judá e Israel. Eles eram os responsáveis pelo 
cumprimento do direito, ou seja, sua obrigação era efetuar julgamento justos e 
honestos nos tribunais às portas das cidades. O verbo conhecer, aqui, tem o sen-
tido de capacidade e habilidade no tratamento das questões judiciais - envolve o 
conhecimento do direito tradicional, oral ou codificado (por exemplo, o Código 
da Aliança), e a sabedoria para decidir uma questão judicial. “Direito”, traduz a 
palavra hebraica mishpat, que normalmente é traduzida por “justiça”, mas aqui, 
como em outros contextos (BÍBLIA, e.g., Dt 1,9-18; Êx 18,13-27) que se referem 
às sentenças pronunciadas nos julgamentos. Consequentemente, a denúncia de 
Miqueias aponta a corrupção do exercício da justiça nos tribunais, em função 
de interesses econômicos dos participantes dos julgamentos e, nos casos em que 
os juízes não eram diretamente envolvidos, envolvia a prática de aceitar suborno 
para favorecer os ricos. A mesma acusação é formulada por outros profetas do 
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VIII séc. a. C. (BÍBLIA, Is 1,17.21-23; 5,7.23; Am 5,12), o que indica a extensão 
desse tipo de violação da solidariedade social.
Em linguagem que lembra Am 5,15, mas com o sentido invertido, Miqueias 
caracteriza esses juízes como “inimigos (os que odeiam) do bem e amantes do 
mal”. Este par - bem e mal - é muito comum na literatura sapiencial (BÍBLIA, Pv 
1,22; 9,8; 12,1; 13,24; Sl 34,14; 37,27) e é usado pelos profetas do VIII século em 
referência à corrupção dos tribunais (BÍBLIA, cp. Is 1,17). No âmbito judicial, 
amar o mal e odiar o bem corresponde a emitir sentenças injustas, favorecendo 
os culpados e prejudicando os inocentes. No uso mais amplo, “bem” e “mal” 
são termos genéricos que se referem ao “certo/errado”; concretamente, indi-
cam, respectivamente, a justiça decorrente da obediência ao direito de Javé, e 
a injustiça decorrente da não obediência à vontade do Senhor. Em uma chave 
mais sociológica, o bem denota a vida digna e livre das famílias na terra dada 
por Javé, enquanto o mal corresponde ao rompimento da vida comunitária das 
aldeias e vilas camponesas. O “bem”, podemos então dizer, corresponde à tradi-
ção teológica rural, enquanto o “mal” remontaà ideologia estatal que legitimava 
a opressão do campesinato.
No v. 3, Miqueias muda o tom de sua linguagem. Sai do âmbito jurídico e 
utiliza metáforas extraídas da culinária e alimentação. Com essas metáforas, 
Miqueias descreve os efeitos da injustiça dos tribunais para a vida do campesi-
nato. O “meu povo”, apelando à justiça jurídica para se defender contra a opressão, 
nada encontra a não ser mais opressão. O tema, portanto, permanece sendo o 
da espoliação do campesinato, o roubo de suas terras, mas, aqui, encarado sob 
a perspectiva jurídica. Como resultado da corrupção dos tribunais, os campo-
neses são como que esfolados, cozidos e devorados por aqueles que deveriam 
defender o seu direito! O mesmo tipo de metáfora é encontrado em Sl 14,4; 27,2 
e Pv 30,11-14. Os exemplos no Salmo 14 e em Provérbios 30,11-14 são particu-
larmente instrutivos, pois denotam exatamente a inversão de valores que ocorre 
em uma sociedade, quando a vida humana fica subordinada aos interesses políti-
co-econômicos. Até hoje essas metáforas são utilizadas pelas pessoas duramente 
oprimidas, ou em grande sofrimento. A indignação cresce à medida em que se 
percebe que as pessoas investidas de autoridade para impedir a injustiça acabam 
participando do próprio crime que deveriam coibir.
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Passamos à ameaça (v. 2b e 4).
A sentença pronunciada possui um tom altamente teológico, mas reflete a 
expectativa costumeira da época, que o castigo corresponde ao mal cometido. 
Está implícito, na ameaça, o fato de que o “meu povo”, oprimido, clamaria a Javé 
e encontraria nele o refúgio e a libertação. Nesse dia, os amantes do mal é que se 
veriam em uma situação de “vítimas de canibalismo”, na qual teriam de gritar por 
socorro a Javé. Entretanto, não seriam atendidos por Javé. A época da execução 
da ameaça está indeterminada no texto. “Depois” (lit. “naquele tempo”) não dá 
nenhuma indicação segura do tempo do cumprimento da sentença, nesse sen-
tido, corresponde a 2,3b.4a. Alguns comentaristas entendem esta palavra como 
acréscimo dos redatores deuteronomistas, implicando que a ameaça se referia à 
destruição de Jerusalém. Não me parece necessário ir tão longe.
Embora, o verbo clamar seja usado também em ambiente jurídico, é muito 
mais comum no ambiente litúrgico. Aos juízes corruptos o profeta anuncia a sen-
tença de Javé: quando tiverem de lhe elevar o clamor, Ele não os ouvirá. Duas 
frases expressam a negativa de Javé aos denunciados: “não responderá” significa 
que Javé não intervirá a favor deles, para libertá-los do mal. “Esconderá a sua 
face” indica que Deus sequer estará disponível para ouvi-los em suas liturgias de 
lamento (BÍBLIA, Sl 13,2; 22,5; Am 5,21-24; Is 1,10-15). Por fim, a ameaça incor-
pora um elemento de denúncia “por causa da maldade que vocês praticaram”. 
Embora, aparente ser um anticlímax às metáforas anteriores, a frase é apropriada 
aqui, pois os denunciados se consideravam o povo de Javé, os herdeiros das suas 
promessas e os agraciados pela Sua poderosa mão (cf. 2,6). De fato, porém, nada 
mais eram do que praticantes do mal. No devido tempo, enxergariam claramente 
que eram “não-meu povo”, e que Javé não estava em seu “meio” (cf. 3,11).
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EXEMPLO DE EXEGESE POPULAR SOCIOLÓGICA (2)
Contra os profetas mercenários (Mq 3,5-8)
Assim diz Javé para os profetas que extraviam o meu povo, que anunciam a paz 
quando têm algo para mastigar, mas declaram guerra contra os que nada lhes 
põem na boca. 6 Por isso, vocês terão noite, no lugar de visões; escuridão, ao 
invés de respostas. O sol se esconderá sobre esses profetas, a luz do dia se apagará 
sobre eles. 7 Os videntes ficarão envergonhados, os adivinhos ficarão confusos. 
Todos cobrirão o rosto, porque Deus não responderá. 8 Eu, porém, estou cheio 
de força, do espírito de Javé, do direito e da fortaleza, para denunciar a Jacó o 
seu crime e a Israel o seu pecado (tradução do autor).
A forma literária é a mesma de 3,1-4, ou seja, um oráculo de juízo. Possui 
algumas peculiaridades, porém: os denunciados são apresentados na introdu-
ção, mas também na ameaça; a denúncia é proporcionalmente curta em relação 
à ameaça; e especial, porém, é a presença do verso 8, no qual Miqueias apresenta 
as suas credenciais como verdadeiro mensageiro de Javé, em contraste com os 
profetas, videntes e adivinhos que ele denuncia como mercenários. O arranjo 
estrutural possui uma organização semi-quiástica.
A estrutura é clara:
Introdução - Fórmula do Mensageiro (v. 5a).
Denúncia - Enganam o “meu povo” (v. 5b).
Ameaça - Não terão resposta de Javé (v. 6-7).
Autoapresentação - O verdadeiro mensageiro de Javé (v. 8).
A dificuldade na interpretação desse texto se mescla com a questão da reda-
ção. A maioria dos comentaristas considera que o termo “espírito de Javé” seja 
um acréscimo editorial. Segundo eles:
(1) Não fica bem teologicamente o Espírito de Javé estar em sinonímia com 
os efeitos de sua ação; (2) a inspiração do Espírito é um tema comum no exílio 
e depois, mas seu uso, aqui, seria único na profecia pré-exílica; (3) a métrica do 
verso está sobrecarregada. As objeções 1 e 2 se correspondem, eliminada uma, a 
outra não se mantém. Ora, Miqueias já falara do “espírito” inspirador dos profetas 
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(2,11), naquele caso, um espírito enganador. Ao se autoapresentar, falar de ser 
“cheio do Espírito de Javé” não precisa ser entendido no sentido teológico pos-
terior, mas simplesmente como uma forma “primitiva” de afirmar a veracidade 
de suas palavras. A questão da métrica é inconclusiva, em particular nas pala-
vras de Miqueias, que não obedecem a padrões evidentes. Consequentemente, 
corrigi a tradução da Pastoral, que para evitar a dificuldade leu “força do espírito 
de Javé” - uma proposta interessante, mas gramaticalmente inaceitável.
Já os denunciados (v. 5a.7a).
São usadas três palavras diferentes para se referir aos denunciados: profetas, 
adivinhos e videntes. Não devemos ver, nesse fato, uma classificação de diferen-
tes tipos de profetas. Em 2,6.11, outros termos foram usados para se referir à 
atividade profética. O que está em vista, com maior probabilidade, são as dife-
rentes formas pelas quais os profetas recebiam, de Deus, as suas “mensagens”. Se, 
porém, houver alguma diferenciação funcional, o termo “profetas” poderia se 
referir especificamente aos profetas ligados ao Templo de Jerusalém, e os demais 
termos se refeririam aos “profetas” espalhados pelas várias cidades de Judá, sem 
conexão direta com o Templo.
O que é importante para uma leitura sociológica, porém, é destacar a função 
desses profetas no contexto social da época. Eles eram os que “socializavam” a legi-
timação ideológica do projeto do Estado, ou seja, juntamente com o sacerdócio, 
preenchiam a função de “educadores” (alguns prefeririam o termo “doutrina-
dores”) do povo, transmitindo conforme os interesses do monarca as tradições 
teológicas do país. Assim sendo, cumpriam o importante papel de legitimado-
res do projeto estatal, e ajudavam o Estado a manter a “hegemonia” intelectual 
sobre a “sociedade civil”. Não podemos deixar de mencionar, também, seu papel 
mais restrito, em relação aos indivíduos que os consultavam. Faziam o papel de 
intercessores e de conselheiros, atendendo às consultas das pessoas, seja em situ-
ações problemáticas, seja em situações mais corriqueiras.
O conteúdo da denúncia está em 5b:
Duas acusações são feitas contra os profetas. (1) Eles “extraviam o meu povo”, 
ou seja, enganam os oprimidos que clamam a Javé. Com suas falsas profecias,desviam os oprimidos da verdade e os mantêm prisioneiros da exploração de que 
são vítimas. Isaías faz a mesma acusação contra os líderes políticos de Jerusalém 
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(BÍBLIA, Is 3,12; 9,15). É essa a forma mediante a qual Miqueias pode acusar 
os profetas de serem, em linguagem atual, “agentes ideológicos do Estado”. Em 
linguagem teológica, esses falsos profetas desviam o povo de Javé dos seus cami-
nhos, do Seu projeto, e, ao assim fazerem, negam a sua condição de “profetas” de 
Javé. (2) Eles são mercenários. Como, aparentemente, dependem do pagamento 
de suas profecias, pelos consultantes, para viver, acabaram por emitir suas pro-
fecias de acordo com o montante recebido. Miqueias usa interessantes metáforas 
aqui: quando esses profetas têm “o que mastigar com seus dentes”, e “com o que 
preencher suas bocas”, então anunciam “prosperidade” aos que os consultam. (A 
palavra hebraica, aqui, shalom, não significa paz, mas indica a harmonia social, 
a prosperidade de uma família, ou nação). 
Em outras palavras, de acordo com o valor do pagamento, tal será a prega-
ção do profeta. Se não há pagamento - e os oprimidos certamente não teriam 
condições de pagar os serviços desses profissionais da religião - então o profeta 
“prepara uma guerra santa” contra o consulente. Dentro do contexto da época, 
o que esses profetas faziam, então, era confirmar a riqueza dos ricos e a pobreza 
dos oprimidos. Justificavam a ganância e o desempenho econômicos dos explo-
radores, e jogavam culpa sobre os ombros dos explorados. Não é à toa que os 
acumuladores de terras e os líderes corruptos considerassem que Javé estava com 
eles! Quão difícil, portanto, para os oprimidos era suportar o peso da miséria, 
agravado pelo sentimento de terem sido abandonados por Javé! Precisavam, por-
tanto, de um autêntico porta-voz, de um verdadeiro mensageiro de Javé.
Passamos à ameaça (v. 6-7).
O fato da ameaça, aqui, ser bem mais longa do que a denúncia (o que é mais 
típico dos oráculos de Miqueias) pode indicar um ainda mais elevado tom de 
indignação da parte do profeta. Oito linhas são empregadas, cumulativamente, 
para indicar o castigo; quatro usando metáforas (v. 6) e quatro usando linguagem 
direta (v. 7). O que elas afirmam é que: esses falsos profetas não poderão mais 
exercer sua atividade, pois Javé não falará a eles, nem por meio deles. Também 
é interessante a mudança de pessoas gramaticais. As metáforas em 6a são dirigi-
das diretamente aos falsos profetas, enquanto as linhas de 6b-7 são endereçadas 
genericamente. No v. 6, as duas primeiras metáforas formam um belo par:
vocês terão noite, no lugar de visões;
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IIIU N I D A D E146
escuridão, ao invés de respostas.
Visões e respostas, provavelmente, referem-se ao modo pelo qual os profetas 
recebiam as suas mensagens. Assim, Miqueias afirma que eles não conseguirão 
mais receber nenhuma revelação, pelo contrário, assim como as suas respostas ao 
“meu povo” conduziam às trevas do desespero, os falsos profetas somente encon-
trariam escuridão e trevas como resposta às suas próprias consultas. Interessante 
paralelo encontra-se em Is 29,18.
Em 6b-7, se intensifica a ameaça, porém a audiência é mais ampla - dá-se a 
ideia de que aqui Miqueias se dirige às vítimas dos falsos profetas, conscienti-
zando-as do mal que sofreram da parte deles.
 O sol se esconderá sobre esses profetas,
 a luz do dia se apagará sobre eles.
 Os videntes ficarão envergonhados,
 os adivinhos ficarão confusos.
 Todos cobrirão o rosto,
 porque Deus não responderá.
A comparação do conhecimento e da sabedoria com a luz era muito comum no 
Antigo Oriente. Ao afirmar que os profetas perderão a luz e o sol, ou seja, fica-
rão entregues às trevas, corresponde à afirmação de que deixarão de receber 
mensagens da parte de Deus, tornar-se-ão ignorantes e incapazes de conhecer 
os caminhos da vida. Consequentemente, perderão o respeito e a influência que 
possuíam perante o povo (ficarão “envergonhados” e “confusos”). Desmascarados, 
já não mais serão capazes de enganar o “meu povo”, que poderá buscar uma vida 
melhor.
Todos cobrirão o rosto (lit. “cobrirão o bigode”) é tanto uma atitude expres-
siva do luto (BÍBLIA, Ez 24,17.22), como um requisito exigido dos leprosos 
(BÍBLIA, Lv 13,45s). É este o clímax da ameaça contra os falsos profetas: ficarão 
vivos, mas em espírito enlutado; permanecerão buscando a resposta de Deus, 
mas não mais a encontrarão. Terão a aparência da santidade, mas de fato serão 
reconhecidos como impuros e separados de Deus. Em relação ao Estado, o 
silêncio vergonhoso dos profetas pode indicar o fim de sua hegemonia sobre o 
povo. Sem sustentação ideológica, o monarca e seu projeto militarista ficariam 
nus perante o povo, que seria capaz de enfrentar os seus opressores em campo 
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aberto. Poderiam, então, fazer valer o seu direito tradicional e a sua memória 
teológica. Cabe, ainda, lembrar o papel dos profetas no serviço dos reis que se 
preparavam para a guerra (BÍBLIA, 1 Rs 22,4-8). Sem a palavra profética, o pro-
jeto guerreiro de Ezequias ficaria em má situação!
Em contraste com os falsos profetas por ele denunciados, Miqueias apre-
senta credenciais de um verdadeiro mensageiro de Javé. Quatro são os atributos 
do profeta verdadeiro:
 Cheio de
(a) força (coh)
 (b) espírito de Javé (ruach YHWH)
 (b’) direito (mishpat)
(a’) fortaleza (gevurah)
A escolha dos termos é muito bem feita e contrasta fortemente com o retrato 
patético dos falsos profetas pintado na ameaça. Simultaneamente, oferece uma 
crítica sutil ao projeto militarista do Estado, legitimado pelos falsos profetas. O 
arranjo estrutural nos permite interpretar o trecho como composto de dois para-
lelismos sinônimos entre os termos utilizados.
Se os falsos profetas são pessoas “vazias”, Miqueias está “cheio”, ou seja, está 
pronto a atuar como profeta, capacitado para agir, e não pode ser impedido. As 
virtudes que “enchem” o profeta são: 
(1) Força e fortaleza: são dois termos que denotam, respectivamente, força 
física e psíquica, e coragem (fortaleza), atributos indispensáveis da força militar. 
Isto apresenta um sutil contraste com o militarismo frágil e covarde defendido 
pelos falsos profetas. 
(2) Os dois termos centrais da frase formam o contraste entre Miqueias, os 
falsos profetas e os juízes corruptos. Dos falsos profetas, Miqueias falara como 
cheios por um espírito enganador. Ao se apresentar como “cheio do espírito de 
Javé”, Miqueias indica que fala a verdade, e é um verdadeiro mensageiro do Senhor. 
Cheio de “justiça”, Miqueias representa concretamente os valores que os juízes 
deveriam representar, mas não o fazem. A mensagem de Miqueias, portanto, se 
baseia na palavra de Javé e nas tradições teológicas do campesinato espoliado.
Consequentemente, Miqueias pode “denunciar a Jacó o seu crime e a Israel o 
seu pecado”. Crime e pecado são termos constantemente usados em paralelismo 
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no Antigo Testamento. Podemos entendê-los como crime, isto é, sua rebelião e 
apostasia (BÍBLIA, 1 Rs 12,19), a sua atitude de oposição à justiça; e seu pecado, 
a sua falha em atingir o alvo que lhe fora assignado (BÍBLIA, Jz 20,16). A monar-
quia judaíta, e os grupos sociais que a apoiavam estavam propondo um caminho 
de vida inadequado para Judá. Era um caminho de injustiça social e negação da 
vontade de Javé. Jáque os profetas, juízes e sacerdotes nada faziam para denun-
ciar esse rumo pecaminoso, Miqueias se apresenta como porta-voz de Javé - para 
trazer à luz do dia o que a ideologia monárquica mantinha oculto aos olhos do 
povo de Deus. Na carta aos Efésios, surge uma ideia similar: aos cristãos se exige 
que, ao invés de se encherem de vinho [como os falsos profetas], estejam sendo 
cheios do Espírito de Deus, a fim de viverem como Cristo viveu - com solida-
riedade e coragem para andar no projeto do Pai.
Um último comentário sobre este verso 8: a maioria dos comentaristas usa 
esse verso como critério para delimitar os oráculos que poderiam ter provindo 
de Miqueias. Consideram que o profeta morastita só teria emitido oráculos de 
juízo e condenação. Logo, todas as palavras de salvação ou ânimo, encontradas 
no livro, são atribuídas aos redatores do livro. Em especial, usam este verso, jun-
tamente com 3,12, para negar a possibilidade de Miqueias ter emitido qualquer 
palavra esperançosa com relação a Jerusalém (negando, totalmente, a possibili-
dade de o cap. 4 ter qualquer relação com Miqueias, ou com os seus discípulos). 
Não aceito esta limitação tão forte, uma vez que este verso não tem como objetivo 
fazer uma descrição abrangente da mensagem de Miqueias, mas, sim, estabele-
cer um contraste entre ele e os falsos profetas, entre a utopia “retribalizadora” do 
seu movimento e a ideologia monárquica militarista. Se Jerusalém poderia ter 
um papel nesse novo Judá, é uma questão que não pode ser decidida só por este 
verso e por 3,12. De qualquer forma, não acredito que a proposta do movimento 
camponês de resistência exigisse o fim do Estado monárquico e, consequente-
mente, a impossibilidade de Jerusalém exercer um papel significativo para Judá. 
As consequências dessa posição ficarão mais claras na análise que faço dos caps. 
4-5 do livro de Miqueias.
 
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EXEMPLO DE EXEGESE CONTEXTUAL
Agora, estudaremos um exemplo de hermenêutica 
contextual, extraído de um artigo escrito por mim 
e publicado em revistas acadêmicas. O tema é: Javé 
governa o mundo com justiça (Salmo 97). Note a 
presença de princípios da exegese histórico-grama-
tical nesse exemplo.
A época do Salmo 97
Não é muito fácil datar os salmos do Antigo Testamento. Como a maioria dos tex-
tos poéticos, são repletos de metáforas e símbolos, que poderiam ser usadas em 
diferentes épocas da história do povo de Deus. O Salmo 97, porém, utiliza uma 
linguagem que é típica de Isaías 40-55. O reinado de Javé com justiça e direito, a 
esperança das ilhas, a luz que irradia sobre os justos, a supremacia de Javé sobre 
os deuses que não passam de ídolos – estes todos são temas presentes no segun-
do-Isaías. Isso nos ajuda a datar com alguma precisão o Salmo 97: estamos no 
final da dominação de Judá pelos babilônios, perto de 550-540 a.C., ou no iní-
cio da dominação persa, na primeira metade do século V a.C.
É uma época terrível para os judeus: Jerusalém e o Templo de Javé haviam 
sido destruídos. O rei, a sua corte e o sacerdócio de Jerusalém haviam sido depor-
tados para a Babilônia, e quase metade da população de Judá havia sido morta 
durante a invasão de Judá e Jerusalém pelos babilônios. A população campo-
nesa, que restou da guerra, estava desorganizada, vivia em condições precárias, 
e sofria ainda o impacto das perdas financeiras, políticas, teológicas e, especial-
mente, a perda de parentes e amigos.
A fé e a esperança do povo de Deus estavam abaladas diante de tamanha 
destruição, diante do fim da independência de Judá e do governo da dinastia 
de Davi. É certo que vários profetas haviam anunciado o juízo de Javé sobre o 
reino de Judá, mas mesmo assim não era fácil aceitar que essa terrível situação 
era consequência da infidelidade a Javé, consequência da infidelidade do seu rei 
e do sacerdócio que deveria servir a Javé e ensinar a sua verdade ao povo. Outra 
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resposta circulava entre os sobreviventes e os exilados de Judá: naquele tempo 
se acreditava que quando um país conquistava outro, os seus deuses derrotavam 
os deuses do país vencido. Marduque teria, então, derrotado Javé e, assim como 
o Império babilônico subjugou Judá, Marduque teria subordinado Javé ao seu 
séquito de deuses inferiores. Muitos judeus ficaram, por isso, em dúvida quanto 
ao poder e a força de Javé.
Era necessário, então, reafirmar que Javé é o deus dos deuses e o senhor dos 
senhores (BÍBLIA, Dt 10,17). Era necessário, também, reacender a esperança 
na justiça das ações de Javé, e reconhecer que os que seguem a Javé precisam ter 
uma vida fiel à vontade de seu Deus. O Salmo 97 é um dos salmos que foram 
escritos nesse período para atender a esses propósitos: reafirmar a fé em Javé e 
animar a esperança do resto do povo de Judá. Ele faz parte de um pequeno con-
junto de salmos que tem como tema principal o reinado de Javé: os salmos 47, 
93, 96 a 99. Eles têm em comum a reafirmação da esperança e da fé do povo de 
Deus no poder de Javé. Ao declarar que Javé reina, o povo reconhece que a situ-
ação em que se encontra não é fruto da derrota de Javé pelos deuses babilônios, 
mas consequência da sua própria infidelidade ao Senhor de toda a terra. Em 
meio às incertezas do sofrimento, o Salmo 97 convida o pequeno povo de Deus 
a se alegrar, a louvar o nome santo de Javé. Convida o pequeno povo de Deus a 
se regozijar diante de Javé, juntamente com todos os povos, mesmo os mais dis-
tantes povos da terra. Para quem estava com a fé enfraquecida, a afirmação de 
que todo o mundo espera e se alegra porque Javé reina, é um bálsamo, um con-
vite à renovação das forças, da esperança e da fé, mesmo em meio a uma crise 
gigantesca. Assim também para nós, hoje, o Salmo 97 e um convite à esperança, 
uma reafirmação da fé em Javé somente.
Um hino à teofania de Javé
A linguagem do Salmo 97 é marcada por figuras, por metáforas que descrevem 
em termos de uma assustadora tempestade a manifestação de Javé para julgar a 
terra. Teofania quer dizer exatamente isto: a manifestação divina, o mostrar-se 
de Deus para a sua criação. Nos versos 2-6, encontramos a linguagem da teo-
fania: nuvens escuras, relâmpagos e trovões, o tremor da terra. Já encontramos 
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essa linguagem na descrição da revelação da vontade de Javé a Moisés (BÍBLIA, 
Êx 19,16-20), no hino que celebrou a vitória de Javé sobre as cidades cananéias, 
no período de Débora, juíza e profetisa em Israel (BÍBLIA, Jz 5,4-5), e também 
na descrição do julgamento de Javé contra os idólatras em seu próprio povo 
(BÍBLIA, Mq 1,2-4).
Para um povo enfraquecido na sua fé, a ousada descrição da manifestação 
grandiosa de Javé nessa teofania tem o efeito de uma poderosa injeção de ânimo 
e esperança. Os povos vizinhos de Judá e Israel também usavam linguagem seme-
lhante para falar do poder de seus deuses. Os cananeus afirmavam a realeza de 
El e de Baal. Os babilônios, que conquistaram Judá e destruíram Jerusalém, 
afirmavam que seu deus principal, Marduque era o deus dos deuses e poderoso 
guerreiro que destruía com fogo os seus inimigos.
A estrutura do Salmo é simples. No verso 1, temos o convite a todos os povos 
para se alegrarem diante do reinado de Javé; convite que é retomado no v. 12 que 
se dirige aos justos, ao próprio povo de Javé, convidando-os para o louvor ao seu 
Deus. Os versos 1 e 12 formam, assim, uma espécie de moldura para o grande 
quadro da teofania de Javé (v. 2-6) e seus efeitos sobre os inimigos de Deus (v. 
7) e sobre o próprio povo de Deus (v. 8-11). Podemos imaginaro povo de Javé 
cantando esse hino, seja nas ruínas de Jerusalém, seja nas ruínas das pequenas 
cidades de Judá que sobreviveram ao ataque dos babilônios. Que contraste! Um 
pequenino país e seu povo sofrido cantam a todos os pulmões que o seu deus é 
o Deus dos deuses, o juiz de toda a terra, o rei de todas as nações.
Javé reina!
1a. Javé reina:
1b. Exulte a terra,
1c. Regozijem-se as muitas ilhas.
O primeiro verso do Salmo é um convite à alegria universal, baseado na afirma-
ção de que Javé reina. Essa é uma afirmação de fé e esperança, pois quem estava 
cantando esse salmo não conseguia ver, na prática, o poder soberano de Javé. 
Um povo derrotado, desarticulado, desorganizado, empobrecido, sem rei, sem 
capital, sem templo. Como afirmar que Deus reina? Somente pela fé e pelo reco-
nhecimento de que a situação que o povo estava enfrentando era fruto da própria 
ação real de Javé. Os profetas já haviam declarado que o Senhor iria julgar Judá, 
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porque os reis e líderes políticos, os profetas e o sacerdócio estavam oprimindo 
o povo e negando a aliança com Javé (por exemplo, BÍBLIA, Mq 3,1-12). O povo 
sofrido podia, então, declarar sua fé na soberania de Javé porque sabia que sua 
situação não era definitiva. Era provisória, uma passagem necessária para uma 
vida melhor, a transição para um novo começo.
Por que o convite à terra toda e às ilhas? Para os judeus daquele tempo, as 
ilhas eram terras distantes, longínquas, às quais tinham pouco acesso, já que 
Judá não era uma país que praticava amplamente a navegação, diferentemente 
dos fenícios, famosos navegantes da antiguidade. Quando se queria, então, falar 
de lugares distantes, usava-se esta palavra: ilhas. O convite à alegria se dirige a 
todos os povos, mesmo os mais distantes. Vejam o que faz a fé: um povo peque-
nino, empobrecido, derrotado, ainda conseguia crer e enxergar a majestade de 
seu deus alcançando todos os povos da terra. Em um deus assim ,vale a pena crer, 
Ele é motivo de alegria, mesmo que suas ações sejam, às vezes, incompreensíveis.
A alegria e o regozijo são termos que ocorrem muitas vezes nos salmos, por-
que são as marcas do culto a Javé. Um deus bondoso, justo, libertador merece ser 
adorado com alegria, pois Ele é fonte de alegria e vida. Seguir a Javé não é um 
fardo, mas um prazer, adorá-Lo é festejar alegremente o seu reinado.
A majestade justa e gloriosa de Javé
2a. Nuvens escuras estão ao seu redor;
2b. A justiça e o direito são o fundamento do seu trono!
3a. O fogo avança à frente dele,
3b. Consumindo seus inimigos ao derredor.
4c. Seus relâmpagos iluminam o mundo;
4d. A terra os vê e treme.
5e. As montanhas derretem-se como cera na presença de Javé, na presença 
do Senhor de toda a terra.
6f. Os céus proclamam a sua justiça
6g. E todos os povos vêem a sua glória.
Repare no arranjo desta parte do Salmo: o verso 2 é uma espécie de introdu-
ção, fala de Deus assentado em seu trono. Os versos 3-6 formam uma unidade 
cujo tema é o movimento de Deus (a teofania). Deus sai do seu trono escuro e 
invisível e se manifesta visivelmente para toda a terra, com um poder irresistível.
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O trono é uma figura para a realeza, reis sentam-se em tronos. O trono de 
Javé está rodeado de nuvens escuras que o tornam invisível. Sabe-se que ele está 
lá, mas não se pode vê-lo, uma tempestade impede a visão, o céu encoberto faz 
o dia parecer noite sem estrelas e sem luar. Ser invisível é uma característica de 
Deus no Antigo Testamento. Deus é tão grandioso, tão santo e majestoso que o 
ser humano não pode vê-lo e permanecer vivo (BÍBLIA, Êx 33,18-23). Mesmo 
quando se manifesta e revela, Deus permanece oculto (BÍBLIA, Is 45,15). Para 
ver Deus, é preciso crer!
O trono de Javé tem a justiça e o direito como o seu fundamento. Ou seja, 
Deus reina com justiça e direito. Esse par de palavras é muito usado em todo o 
Antigo Testamento. Descreve a obrigação de juízes, nos tribunais, que devem jul-
gar honestamente, sem aceitar suborno, sem aceitar falsos testemunhos (BÍBLIA, 
Êx 22,6-9; Dt 16,18-20; Am 5,10-13.24). Descreve a obrigação dos reis: proteger 
o inocente, defender os pobres, libertar os oprimidos (BÍBLIA, Sl 72; Is 11,1-5). 
Acima de tudo, porém, descreve a ação de Javé (veja, também, BÍBLIA, Sl 85,11-
12; Is 32,17-18). Também os reis de outros povos do Antigo Oriente e seus deuses 
eram descritos como agentes da justiça e do direito.
Isso nos mostra que é preciso juntar discernimento à fé e à esperança. É 
fácil afirmar que se governa com justiça e direito, mas essa afirmação precisa 
ser examinada na prática. A ação de Javé se torna, portanto, o critério de jul-
gamento das ações humanas, das sociedades humanas. O que significa afirmar 
que Javé reina com justiça e direito? Significa afirmar que Ele liberta os pobres 
e oprimidos que clamam sob o peso da injustiça (BÍBLIA, Êx 3,6-10). Significa 
afirmar que Ele estabelece uma aliança com seu povo para lhe dar vida e vida 
digna e abundante (BÍBLIA, Dt 10,12ss). Significa que Javé defende as vítimas 
da injustiça e cria uma ordem social e cósmica justa, sem desigualdades, sem 
sofrimentos para os inocentes (BÍBLIA, Is 65,15-25). Por isso, pode-se cantar 
alegremente que Javé reina: Ele, de fato e de verdade, faz o que os reis humanos 
prometem: exerce justiça e direito, liberta o pobre, salva a pessoa aflita, inclui as 
pessoas excluídas, cria uma sociedade justa e íntegra.
De pouco adiantaria, porém, Javé ser justo e libertador, se não tivesse poder 
para realizar a sua vontade. Por isso, a descrição da teofania de Javé destaca o seu 
tremendo poder. Quando Javé passa, até a terra treme e os montes se derretem. 
A INTERPRETAÇÃO SÓCIO-CONTEXTUAL DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
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Imagine uma erupção vulcânica, com sua tempestade, chuva de pedras de fogo, 
terremoto e lava escorrendo e derretendo duto que está à sua frente. Assim se 
descreve a manifestação do poder soberano de Javé. Ele tem controle sobre a 
natureza e até as montanhas sólidas se derretem diante do seu poder. Um deus 
assim pode realizar direito e justiça, pode libertar os povos oprimidos, pode des-
truir os impérios poderosos. Na linguagem do segundo Isaías, “todas as nações 
são como nada diante dele, não passam de coisa vã e nada” (BÍBLIA, Is 40,17). 
Nenhum império dura para sempre (BÍBLIA, Dn 7), somente o reino de Javé 
dura para sempre (BÍBLIA, Êx 15,18).
Justiça e glória de Javé são reveladas na sua teofania. A glória de Javé é a 
libertação do pobre e o êxodo do escravo (BÍBLIA, Is 40,3-5). A glória de Javé é a 
salvação do pecador (BÍBLIA, Jo 17,2-4). Todos os povos verão o braço poderoso 
de Javé libertando aqueles que clamam sob o jugo da injustiça e manifestando, 
assim, o verdadeiro direito e a justiça do reino eterno (BÍBLIA, Is 52,10). Javé é o 
senhor de toda a terra, o criador é o dono de tudo e vela sobre a sua criação para 
a salvar em justiça e direito. Até hoje a criação geme, aguardando a sua salvação 
(BÍBLIA, Rm 8,18-25). Em meio ao sofrimento da perda, o povo de Javé pode 
celebrar a certeza do futuro glorioso. E, ao celebrar o futuro, pode se compro-
meter com o Deus da justiça e do direito, para viver com justiça aqui na terra, e 
espalhar o direito às nações, como verdadeiro servo de Javé (BÍBLIA, Is 42,1-4).
A vergonha dos idólatras
7a. Envergonham-se todos os adoradores de estátuas e os que se gloriam 
em ídolos.
7b. Diante de Javé se prostram todos os deuses!
Diante de um deus tão poderoso, os crentes em outros deuses nada podem 
fazer a não ser se envergonhar. Usando linguagem do Segundo Isaías (BÍBLIA, 
Is 43,8-13; 44,6-20), o Salmoafirma que somente Javé é deus e que, diante dele, 
todos os deuses se prostram, ou seja, são apenas ídolos. Essa linguagem parece 
tão antiecumênica para nós hoje! Entretanto, precisamos entender o salmo em 
seu contexto histórico. Os judeus estão cantando a Javé, cercados de pessoas que 
cantavam a outros deuses e que afirmavam que Javé havia sido derrotado pelos 
seus deuses. Afirmar que só Javé é deus era importante para a fé naquele tempo. 
Equivale a dizer que somente o deus que age com justiça e direito é realmente 
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Deus. Quem se apresenta como Deus, mas não pratica a justiça e o direito, como 
Javé, não passa de um ídolo sem poder e sem vida. Em linguagem política, não 
passa de fraude ideológica.
Por que se envergonham os adoradores de ídolos, de deuses em formas 
humanas e animais, com estátuas que os representem? Porque esses deuses fei-
tos por mãos humanas não podem se manifestar como Javé, não têm poder, não 
são gloriosos, não fazem a terra tremer, nem governam as estações e o clima. 
Os que modelam ídolos nada são, as suas obras preciosas não lhe tra-
zem nenhum proveito! Elas são as suas testemunhas, elas que nada 
vêem e nada sabem, para a sua própria vergonha. Quem fabrica um 
deus e funde um ídolo que de nada lhe pode valer? Certamente todos 
os seus devotos ficarão envergonhados, bem como seus artífices, que 
não passam de seres humanos. Reúnam-se todos eles e apresentem-se; 
todos se encherão de espanto e de vergonha. (BÍBLIA, Is 44,9-11). 
A estátua dos deuses opressores é muda e imóvel, nada faz, nada pode fazer. 
Adorá-la deve mesmo fazer a pessoa se envergonhar. Somente o Deus justo e 
libertador é digno de louvor e adoração.
A esperança e o compromisso do povo fiel
8a. Sião ouve e se regozija,
8b. As filhas de Judá se regozijam, por causa de tuas justas sentenças, ó Javé.
9c. Porque, tu, Javé, és o Altíssimo sobre toda a terra,
9d. Elevado sobremaneira, acima de todos os deuses.
10a. Javé ama os que odeiam o mal!
10b. Protege a vida dos seus fiéis
10c. E os livra das mãos dos que praticam a maldade.
11d. A luz germina para o justo;
11e. A alegria, para os retos de coração.
O hino faz agora a comunidade reunida desviar o olhar dos outros povos e dos 
idólatras e olhar para si mesma. Sião, a montanha de Deus, o local do Templo em 
ruínas, ouve o cântico alegre e se regozija junto com a alegria do povo esperan-
çoso. As filhas de Judá – as cidades do interior – também ouvem e se regozijam. 
O país todo se alegra junto com o resto do povo. A fé e a esperança têm uma face 
bem concreta: Javé irá restaurar a terra destruída, o país derrotado. Judá nas-
cerá de novo. A alegria não desconsidera a história. É “por causa de tuas justas 
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IIIU N I D A D E156
sentenças, ó Javé” que a nação e o povo se regozijam. Ao olhar para a destruição, 
o povo enxerga a sentença justa de Deus. O passado é uma lição prática sobre 
a justiça e o direito de Javé. O passado próximo é o da destruição, do juízo. O 
passado mais distante é o do êxodo, da libertação e da posse da terra. As justas 
sentenças de Javé são diferentes em diferentes momentos históricos. São justas 
porque se baseiam na aliança entre Javé e seu povo, porque se baseiam na fide-
lidade de Javé à sua própria palavra e ação.
A alegria também tem outro motivo: a esperança. Javé é visto como o 
Altíssimo, acima de todos os deuses, o mais forte, o mais sublime, o mais pode-
roso de todos os deuses. Isso é esperança! A realidade parecia desmentir essa 
confissão esperançosa de fé. Mas a esperança não se abate quando está colo-
cada no deus verdadeiro e justo. A história não nos deixa enganar. A memória 
da libertação e do juízo de Deus alimentam a esperança. Esperança que não é 
ilusão, mas certeza de que Javé é fiel e continuará a realizar a sua soberana von-
tade, acima de todos os deuses dos povos, que são ídolos. O Javé dos Sinais é o 
deus que vive no lugar mais alto de todos, o Altíssimo, o soberano invisível que 
age na história humana para libertar, para implantar, em aliança com seu povo, 
a justiça e o direito em todas as nações.
Os versos 8-9 declaram a esperança alegre do povo de Javé. Os versos 10-11 
afirmam o seu compromisso solene. Quem segue a Javé é protegido por Ele, é 
abençoado por Ele, recebe dEle a fonte de toda a felicidade. Quem segue a Javé, 
porém, odeia o mal, é fiel, justo e reto de coração. Odiar o mal é o lado negativo 
do amar o bem. Essa dupla faz parte das tradições da sabedoria e dos profetas 
de Judá: “Procurai o bem e não o mal para que possais viver, e, deste modo, Javé, 
Deus dos exércitos, estará convosco, como vós o dizeis. Odiai o mal e amai o 
bem, estabelecei o direito à porta” (BÍBLIA, Am 5,14-15a). “Ai dos que ao mal 
chamam bem e ao bem mal, dos que transformam as trevas em luz e a luz em 
trevas, dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo!” (BÍBLIA, Is 
5,20). “Evita o mal e pratica o bem, procura a paz e segue-a” (BÍBLIA, Sl 34,15). 
“Não sejas sábio aos teus olhos, teme a Javé e evita o mal” (Pv 3,7); “Sim, a jus-
tiça leva à vida, quem procura o mal morrerá” (BÍBLIA, Pv 11,19). Fazer o bem 
é fazer a vontade de Javé, é praticar justiça, é socorrer o necessitado, é ser fiel 
nos relacionamentos, é ser generoso, é construir a paz, a harmonia e a justiça 
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social. Quem odeia o mal e pratica o bem, é fiel. Deus é fiel e os seus seguido-
res e seguidoras são convidadas a serem fiéis também, pois “o justo viverá por 
sua fidelidade” (BÍBLIA, Hc 2,4). A fidelidade a Javé é a fidelidade à justiça e ao 
direito, e a fidelidade à aliança de Javé com seu povo. Ser fiel é praticar o bem, 
é andar com Javé (BÍBLIA, Mq 6,8). Pessoas justas e de coração reto são, por-
tanto, as pessoas que amam o bem e vivem em fidelidade a Javé e seu projeto de 
liberdade e justiça para todos. A proteção e a bênção de Deus não são presentes 
automáticos para qualquer um que ore. São dádivas de Javé para quem caminha 
com Ele em bondade, fidelidade, retidão e justiça. Só assim a alegria e o louvor 
não são formas de alienação e de falsa religiosidade. O culto verdadeiro a Javé 
começa na vida justa!
 A alegria duradoura do louvor a Javé
12a. Regozijai-vos, ó justos, em Javé;
12b. Celebrai o seu santo nome.
De forma semelhante ao começo, termina o Salmo 97, com um convite ao 
louvor e à alegria. Convite agora dirigido às pessoas justas, às pessoas que reco-
nhecem o santo nome de Javé e são fiéis a Ele, e somente a Ele. Se Deus é rei, seu 
povo pode se alegrar e celebrar. Se Deus é rei santo e justo, seu povo deve celebrar 
e se alegrar praticando a justiça e a santidade. Javé não aceita o culto das pessoas 
injustas e opressoras. Essa lição, aprendida duramente na derrota de Judá, pre-
cisa ser permanentemente lembrada pelo povo de Deus. A palavra profética não 
pode ser esquecida. Javé não aceita o culto injusto e opressor (BÍBLIA, Is 1,10-
20; Am 5,21-24). Javé reina em direito e justiça. Só pode ser adorado e celebrado 
por um povo que pratica, também, direito e justiça.
A INTERPRETAÇÃO SÓCIO-CONTEXTUAL DA ESCRITURA
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IIIU N I D A D E158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), chegamos ao fim da terceira unidade de nossa disciplina 
de Métodos de Interpretação da Bíblia. Você aprendeu uma parte importante da 
história da interpretação bíblica e viu como funcionam os métodos popular e con-
textual – que se apropriam dos métodos histórico-crítico e histórico-gramatical.
Como vimos anteriormente, nas ciênciashumanas, a mudança de paradigmas 
não significa o abandono dos paradigmas anteriores, mas a sua reformulação e 
renovação. Assim, podemos ver a leitura popular da Bíblia como uma forma de 
renovação da exegese histórico-crítica. A leitura popular se desenvolveu princi-
palmente nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica na América Latina. 
O seu surgimento se tornou possível, do ponto de vista institucional eclesiástico 
porque a Sagrada Congregação para a Interpretação da Bíblia, do Vaticano, ado-
tou o método histórico-crítico como o método apropriado para a interpretação 
bíblica. Com o surgimento dos movimentos e pastorais populares e da teolo-
gia da liebrtação, teve nascimento a leitura popular, praticada até nossos dias.
Semelhantemente, a hermenêutica contextual é uma renovação do método 
histórico-gramatical. Esse método é o mais comumente usado pelas igrejas 
evangélicas e pentecostais. Entretanto, possui os mesmos limites do paradigma 
histórico, de modo que era necessária uma renovação. Esta aconteceu a partir da 
renovação da missiologia e da práxis missionária das igrejas na América Latina. 
A partir da chamada missão integral, percebeu-se a necessidade de uma herme-
nêutica bíblica que nos ajudasse não só a entender a Bíblia, mas, principalmente, 
a ligar o contexto da Bíblia com o nosso contexto atual na prática missionária. 
Praticada até hoje nos meios evangélicos às vezes chamados de “progressistas” 
ou “evangelicais”, a hermenêutica contextual é um momento fundamental da 
exegese histórica.
Nas próximas duas unidades, você estudará o método sêmio-discursivo. 
159 
CARACTERIZAÇÃO DOS QUATROS LADOS
Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson resumem os quatros lados determinantes da 
vida como segue: 
“A leitura sociológica parte da base material da vida social: a produção e o trabalho. Aí se 
encontra o germe de vida ou de morte que irá aparecer no conjunto do tecido das relações 
sociais. E esta base das relações sociais mostra ainda que o eixo e o centro das relações so-
ciais e a busca da vida em todas as suas dimensões. A divisão do trabalho suscita e forma 
grupos sociais com sua consciência e com a sua prática específica a fim de assegurar os seus 
interesses e o seu projeto.
Aí está o fundamento das relações sociais e o eixo de sua organização. A defesa dos interes-
ses de cada grupo faz surgir o conflito no qual se insere a dimensão ética: os relacionamen-
tos dos grupos se faz na justiça ou na injustiça, na solidariedade ou na marginalização. A 
sociedade se integra ou desintegra, e o seu projeto em comum no qual todos têm a mesma 
participação. Aí se inserem, então, os valores da verdade, da justiça e dá solidariedade na 
igualdade e na participação de todos.
A dimensão política apresenta o poder como força que articula a organização social e sua 
estruturação na história. A política e o sistema jurídico manifestam a articulação das media-
ções necessárias para garantir a vida social do povo. A dimensão política leva a compreen-
der as categorias de raça, nação, estado e a originalidade do povo como o ser social que se 
constrói na liberdade, superando as dominações, na participação e na comunhão fraterna.
A ideologia é o ápice da codificação que se apresenta com justificativa e cimento para o 
conjunto das relações sociais. É a manifestada na mentalidade, nas estruturas mentais, na 
cultura, na filosofia e na prática religiosa. Reveste-se de uma força sagrada e natural pra 
justificar determinada organização social. Assim, se a ideologia é a expressão dos interesses 
mentirosos e injusto de um grupo social, ela é germe de morte e dominação para o conjunto 
da sociedade, a partir dos interesses e do poder de um determinado grupo. Mas, se veicula 
interesses legítimos e justos e apresenta verdades concretas, germes de justiça e solidarie-
dade, a ideologia pode ser vista como manifestação peculiar da verdade e da justiça que 
instauram uma crise no conjunto social e é apelo para o discernimento e para a mudança 
do conjunto das relações sociais que formam a vida do povo. A ideologia é um espírito que 
sustenta a reprodução ou a mudança da vida social. O discernimento da vida social está, 
pois, no discernimento do conteúdo e da finalidade das ideologias.”
Afinidades e diferenciações em relação ao método histórico-crítico
Para avaliar com melhor clareza o método sociológico naquilo que ele tem ou não de 
específico, decidimos compará-lo com o método histórico- crítico. Em um exercício de 
comparação, notamos com maior facilidade o que um método tem ou não tem de pró-
prio. Contudo, a realização dessa comparação não deixa de apresentar certo grau de 
relatividade, sobretudo, pelo fato do entendimento do método histórico-crítico e do 
160 
método sociológico não ser o mesmo nas pessoas e pesquisadoras(es) que trabalham 
com a Bíblia. Por exemplo, pode-se fazer uma referência aos três grandes princípios do 
método histórico-crítico que são: a correlação, a crítica (suspeita retórica ) e analogia. 
Ora, o princípio da analogia diz que “só pode valer como historicamente verdadeiro um 
acontecimento que tem analogia”. Mas pergunto: um tal princípio é aceito por todas(os)? 
Isso dificilmente ocorre. Daí realizarmos a comparação com o método histórico-crítico 
dentro de um certo grau de relatividade que é inevitável. Mesmo assim, acreditamos 
que o exercício tenha um bom sentido.
As afinidades
O método sociológico inegavelmente trabalha em regime de grande parceria com o 
método histórico-crítico. Passos importantes na interpretação de textos que o método 
histórico-crítico aprofunda, com a tradução das línguas originais, crítica textual, análi-
se das formas e da redação, história traditiva de certos conceitos, podem e devem ser-
vir de subsídios também para análises sociológicas. Mas o maior serviço que presta o 
método histórico-crítico para análise sociológica reside nos estudos aprofundados que 
realiza dentro as áreas do mundo contemporâneo do Antigo Testamento e do Novo Tes-
tamento. O método sociológico tem nesses estudos relacionados com a história social, 
a política e econômica do Israel bíblico e do mundo greco-romano um interesse todo 
especial. Esses estudos representam o berço sobre o qual o evangelho conheceu no 
Antigo Testamento, em Jesus e nos apóstolos, não podem ser solidamente apurado a 
não ser mediante uma comparação muito bem fundamentada com avanços e recuos já 
existentes e dados dentro da sociedade de sua época.
Apesar da parceria dos métodos em ralação ao interesse nos estudos do mundo con-
temporâneo bíblico, esses trabalhos realizados por pesquisadores do método históri-
co-crítico, pecam por certo grau de “puro historicismo”. É que estes trabalhos pouco ou 
quase nada esclarecem sobre a relevância das questões sociais ardorosas da atualidade. 
Inclusive em relação às sociedades da época bíblica tais estudos limitam-se muitas ve-
zes, mais à arrolagem “objetiva” dos fatos, sem tirar as necessárias consequências para 
uma avaliação correta do momento bíblico em análise. 
 Fonte: Wegner (1990, on-line)1.
161 
1. A hermenêutica contextual é uma variante e renovação da hermenêutica:
a) Histórico-crítica.
b) Histórico-gramatical.
c) Patrística.
d) Medieval.
e) Nenhuma das anteriores.
2. A hermenêutica contextual teve como seu principal fruto na América Latina a:
a) Teologia da libertação.
b) Teologia dispensacionalista.
c) Teologia ecumênica.
d) Teologia pastoral.
e) Teologia da missão integral.
3. O novo sujeito da leitura popular da Bíblia é:
a) Comunidades eclesiais.
b) Movimentos sem-terra.
c) Sindicatos patronais.
d) Partidos políticos.
e) Ordens religiosas.
4. A nova espiritualidade da leitura popular da Bíblia é uma espiritualidade de:
a) Meditação.
b) Contemplação.
c) Estudo.
d) Serviço.
e) Oração.
5. Uma revisão da prática da leitura popular teve como uma de suas conclusões a 
redescoberta da ________________ do texto em relação a nós leitores e leitoras:
a) distância.
b) familiaridade.
c) estranheza.
d) amizade.e) solidariedade.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Teologia da Missão Integral: história e método da Teologia Evangélica Latino-Americana
Regina Fernandes Sanches
Editora: Reflexão
Sinopse: não existe outra missão a ser realizada e desenvolvida na 
América Latina que não seja a integral. Na verdade, o termo integral 
é uma redundância. A missão de Deus (missio Dei) é integral, pois 
contempla o todo do ser humano e universo. Porém, faz-se necessário 
colocar esse integral porque existem teologias que dicotomizaram 
o Evangelho, que deu preferências a determinados textos bíblicos 
chamados de missionários, como a Grande Comissão de Mateus 28:18-
20 e Marcos 16:15. Nesse sentido, a Bíblia deixou de ser, ela toda, o texto 
missionário. Isso pode ser visto nas ênfases chamadas de “bases bíblicas 
para a missão”. Extraem-se “certos” versículos ou passagens para dar 
uma “base bíblica” para a realização da missão. Isso, ao meu ver, é um 
desvio do que vem a ser a missão (integral) de Deus. Não precisamos 
buscar “base bíblicas para a missão” porque a Bíblia é o produto da 
missão de Deus. Ela existe apenas por causa da missio Dei. Essa é uma 
das consequências de não ler a Palavra de Deus missiologicamente.
Escritores da Liberdade
Sinopse: Hilary Swank, duas vezes premiada com o Oscar, atua nessa 
instigante história, envolvendo adolescentes criados no meio de 
tiroteios e agressividade, e a professora que oferece o que eles mais 
precisam: uma voz própria. Quando vai parar em uma escola corrompida 
pela violência e tensão racial, a professora Erin Gruwell combate um 
sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça a diferença na 
vida dos estudantes. Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo 
as dos outros, uma turma de adolescentes supostamente indomáveis 
vai descobrir o poder da tolerância, recuperar suas vidas desfeitas e 
mudar seu mundo. Com eletrizantes performances de um elenco de 
astros, incluindo Scott Glenn (Dia de Treinamento), Imelda Staunton 
(Harry Potter e a Ordem da Fênix) e Patrick Dempsey (Greys Anatomy), 
ganhador do Globo de Ouro. Escritores da Liberdade é baseado no 
aclamado best-seller “O Diário dos Escritores da Liberdade”.
Comentário: a escrita como forma de construção da identidade 
pessoal e da visão de mundo.
Página de organização dedicada à leitura popular da Bíblia. O link é específico para 
artigos de reflexão bíblica, mas há muito mais material no site.
Disponível em: <http://www.cebi.org.br/noticias.php?secaoId=21>.
REFERÊNCIAS
163
BALOCCO, A. E. A perspectiva discursivo-semiótica de Gunther Kress: o gênero 
como um recurso representacional. In: MEURER, J. L.; BONINI, A. MOTTA-ROTH, D. 
(orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
BARROS, D. L. P. de. Teoria do Discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Atual 
Editora, 1988.
BÍBLIA. Português. Bíblia Missionária de Estudo. Tradução: Almeida Revista e Atu-
alizada. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do Brasil – SBB, 2014.
COOK, G. A Bíblia, a história da salvação e a consumação do Reino. Boletim Teológi-
co, n. 3. São Leopoldo: FTL-Brasil, 1984.
KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2003.
MEURER, J. L. Uma dimensão crítica do estudo de gêneros textuais. In MEURER, J. L.; 
MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o 
ensino da linguagem. Bauru: EDUSC, 2002.
PADILLA C. R. Hacia una Hermenéutica Contextual. In: Encuentro y Dialogo. 1984.
SANCHES, R. F. Teologia da Missão Integral. História e Método da Teologia Evangélica 
Latino-Americana. São Paulo: Reflexão, 2009.
______. A Teologia Evangélica Contextual. São Paulo: Reflexão, 2010.
STAM, J. A Bíblia, o leitor e o contexto histórico. Boletim Teológico, n. 3. São Leopol-
do: FTL-Brasil, 1984.
REFERÊNCIAS ON-LINE
1 Em: <http://www.est.edu.br/downloads/pdfs/bibliografias/mestrado_profissio-
nal/WEGNER_Uwe_A_leitura_Biblica_por_meio_do_metodo_sociologico.pdf>. 
Acesso em: 25 jul. 2016.
GABARITO
1. Opção correta é a B.
2. Opção correta é a E.
3. Opção correta é a A.
4. Opção correta é a D.
5. Opção correta é a C.
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E IV
Professor Dr. Júlio Paulo Tavares Mantovani Zabatiero
A INTERPRETAÇÃO 
DISCURSIVA DA ESCRITURA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Compreender os conceitos teóricos da Linguística da enunciação 
usados no método sêmio-discursivo.
 ■ Apresentar uma visão geral do método sêmio-discursivo.
 ■ Descrever as fases preliminar e preparatória do método 
sêmio-discursivo.
 ■ Descrever os procedimentos da análise da dimensão espaço temporal 
da ação.
 ■ Descrever os procedimentos da análise da dimensão teológica da ação.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ Fundamento Teórico
 ■ O Método em Ação – Fases Preliminar e Preparatória
 ■ O Método em Ação – Fase Final – I Ciclo: Dimensão Espaço-temporal 
da ação
 ■ O Método em Ação – Fase Final - II Ciclo: Dimensão Teológica da Ação (1)
 ■ O Método em Ação – Fase Final - II Ciclo: Dimensão Teológica da Ação (2)
INTRODUÇÃO
Olá, aluno(a)! Bem-vindo(a) à quarta unidade de nossa disciplina de Métodos de 
Interpretação Bíblica. Agora, estamos afunilando o nosso estudo e chegamos ao 
método que proponho a vocês como um dos mais complexos e práticos métodos 
para leitura da Bíblia. Complexo, porque possui diferentes fases e ciclos. Prático, 
porque se trata de um conjunto de perguntas adaptadas ao que o texto pode res-
ponder, seguindo a teoria da enunciação.
Você verá, na descrição geral do método, que ele tem três fases: preliminar, 
preparatória e final. Cada uma dessas fases alimenta a outra e retroalimenta a 
anterior. A fase final, por sua vez, é composta por cinco ciclos metodológicos, 
por meio dos quais você poderá analisar as dimensões integrais do sentido: a 
dimensão espaço-temporal (que inclui a ação dos sujeitos), a dimensão teológica 
(ou semântica), a dimensão socio-cultural e política, a dimensão psicossocial e 
a dimensão missional da leitura da Bíblia.
Como qualquer método, exige bastante trabalho para ser dominado e utili-
zado. Primeiro, você precisa conhecer bem os aspectos teóricos e de procedimento. 
Depois, você precisa usar o método muitas vezes, lendo e relendo textos bíbli-
cos. Finalmente, você será capaz de construir o seu próprio olhar metodológico 
para a leitura da Bíblia.
Cabe a você escolher que método usar. Cabe ao docente, porém, oferecer 
pelo menos um método em forma completa. Ao apresentar os métodos históri-
cos e os sociocontextuais, dei a você a possibilidade de escolha. Ao apresentar o 
método sêmio-discursivo, entreguei a você um método completo.
A escolha e a responsabilidade são suas. Ler a Bíblia é fascinante. Não importa 
tanto o método, importa, sim, que você se torne uma estudiosa ou estudioso da 
Escritura, com disciplina, fervor e perseverança.
Não escolha caminhos fáceis. Eles não levam a lugar nenhum. 
Paz e bênção!
Introdução
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A INTERPRETAÇÃO DISCURSIVA DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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FUNDAMENTO TEÓRICO
 Para iniciar nosso estudo, uma breve história das relações entre hermenêutica 
e linguística.
História da Hermenêutica e Linguística
Nas unidades anteriores, construímos uma visão panorâmica das teorias e práti-
cas hermenêuticas no Cristianismo até o presente. Vimos que não há uma única 
teoria hermenêutica, ou metodologia exegética, que possa ser escolhida como 
a hermenêutica que todos os cristãos devem adotar. Assim, nesta e na próxima 
unidade, discutiremos uma teoria hermenêutica baseada na linguística enun-
ciativa e na teoria semiótica, como uma opção importante entre outras teorias 
e metodologias legítimas na atualidade.
A opção por uma teoria hermenêutica baseada na linguística e na semióticatem a ver com os elementos presentes em praticamente todas as teorias hermenêu-
ticas que estudamos. Em primeiro lugar, o texto bíblico como fonte do significado. 
Independentemente da teoria e da metodologia, um aspecto comum ao trabalho 
interpretativo é a valorização do texto enquanto guia para a sua compreensão – 
e a constatação de que um texto possui diferentes níveis de significação. 
Outra característica comum aos vários modelos hermenêuticos discutidos 
é a vinculação do texto a um contexto. As teorias que estudamos, todas, de um 
modo ou de outro, tentam dar conta do fato de que todo texto tem autor e leito-
res. Estes, os leitores, também vivem em um determinado contexto – que pode 
ser o mesmo do autor, ou não. Por fim, em qualquer modelo hermenêutico o 
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resultado da leitura de um texto sempre será um novo texto, jamais uma repe-
tição do texto interpretado. Interpretar implica sempre em um ir além do texto 
– buscando ser fiel ao texto.
Na hermenêutica e exegese modernas foram mobilizadas diversas disciplinas 
científicas para constituir os métodos apropriados para a interpretação do texto 
bíblico. Essa mobilização acabou por provocar uma inflação metodológica, tor-
nando a interpretação bíblica uma tarefa cada vez mais reservada a especialistas. 
Ao vincularmos a hermenêutica bíblica à linguística da enunciação desejamos 
romper com esse círculo inflacionário e fazer com que a leitura da Bíblia volte 
ao campo da vida cotidiana.
Enunciação
Um conceito fundamental da linguística contemporânea que visa descrever 
como se produz e se interpreta o significado é o de enunciação. De acordo com 
Benveniste (1989, p.82, grifo meu),: “[...] a enunciação é este colocar em fun-
cionamento a língua por um ato individual de utilização.” Vejamos, a seguir, as 
principais contribuições desse conceito para a interpretação de textos bíblicos.
Em primeiro lugar, a definição destaca o fato de que o ato de enunciar (falar, 
escrever) vincula uma pessoa com um sistema já existente (a língua – idioma), 
que dele se apropria de modo individual, próprio. Em outras palavras, quando 
nós falamos ou escrevemos, não começamos do zero, mas, sim, de uma realidade 
já existente antes de nós – o nosso idioma. E a língua delimita, em vários aspec-
tos, o que podemos e o que não podemos enunciar (falar ou escrever). Assim, 
quando na teoria hermenêutica se fala da intenção do autor, devemos lembrar 
que essa intenção é delimitada pela língua, que estrutura a intenção e o resultado 
da intenção – a fala, ou o texto. Na prática, isso quer dizer que, mesmo que não 
saibamos nada sobre o autor ou autora de um texto bíblico, podemos analisar a 
sua intenção no próprio texto, pois a intenção está inscrita no texto.
Ademais, nessa concepção de enunciação, o autor de um texto não pode 
ser desvinculado dos leitores do texto: na perspectiva de Benveniste (1989, p.87 
grifos dele), refaz-se o conceito de subjetividade enquanto intersubjetividade: “o 
que em geral caracteriza a enunciação é a acentuação da relação discursiva com 
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o parceiro, seja este real ou imaginado, individual ou coletivo”. Em várias teo-
rias hermenêuticas, constatamos que a interpretação, levando em consideração 
o contexto, deveria dar conta da recepção do texto pelos seus primeiros leitores. 
Assim como no caso da intenção do autor, a recepção do leitor está embutida 
no texto, pois não se trata do leitor enquanto pessoa física simplesmente, mas 
do leitor enquanto pessoa (ou grupo de pessoas) imaginada pelo autor e inscrita 
no texto pelo próprio autor.
Uma primeira síntese: quando alguém se dispõe a comunicar algo (sentido) 
a outra pessoa, esse alguém (autor) se apropria de elementos da língua – dando-
lhes sentido e organização próprias – e os comunica ordenadamente (texto ou 
fala) a outrem (leitor) que o autor já previamente imagina quais sejam as suas 
características e como esse outrem receberá e reagirá à sua comunicação. Assim, 
o sentido, a intenção autoral e a recepção do primeiro leitor estão presentes no 
próprio texto, fazem parte integrante do texto e podem ser compreendidos e 
reconstruídos a partir do próprio texto.
Outro elemento indispensável das teorias hermenêuticas que vimos na dis-
ciplina anterior é o contexto. Embora haja diferenças no modo de descrever o 
contexto e de definir como usar o contexto na metodologia, as teorias herme-
nêuticas em geral concordam com o seguinte axioma: o sentido de um texto só 
pode ser compreendido em seu contexto. Na teoria enunciativa, não é diferente. 
Também nela o sentido do texto se relaciona com o contexto da época do texto. 
A diferença reside no modo de utilização do contexto na metodologia. Vejamos 
como um linguista definiu o contexto em perspectiva enunciativa:
Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos 
socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, 
este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao 
qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é 
função da pessoa desse interlocutor: variará se tratar de uma pessoa do 
mesmo grupo social ou não [...] Não pode haver interlocutor abstrato; 
não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido 
próprio nem no figurado. Se algumas vezes temos a pretensão de pen-
sar e de exprimir-nos urbi et orbi (em todo lugar), na realidade é claro 
que vemos ‘a cidade e o mundo’ por meio do prisma do meio social con-
creto que nos engloba. Na maior parte dos casos, é preciso supor, além 
disso, um certo horizonte social definido e estabelecido que determina 
a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um 
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horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa 
moral, do nosso direito. (BAKHTIN, 1995, p. 112, grifo meu).
Voltemos nossa atenção à questão do significado propriamente dito. O conceito 
de enunciação na teoria semiótica de Greimas aponta para o fato de que o sentido 
do texto é uma construção do autor, fundada em sua intencionalidade (inten-
ção), que é o seu modo peculiar de interpretar o mundo em que vive:
[...] o mecanismo da enunciação [...] corre o risco de perder o impul-
so se nele não se inscreve o essencial, aquilo que o faz vibrar, aqui-
lo que faz com que a enunciação seja um ato entre outros, a saber, a 
intencionalidade [...] que interpretamos como uma ‘visada do mundo’, 
como uma relação orientada, transitiva, graças à qual o sujeito constrói 
o mundo enquanto objeto ao mesmo tempo em que se constrói a si pró-
prio. (GREIMAS; COURTÉS, 1979, p. 147).
Note na definição de Greimas que está embutido na prática enunciativa o refe-
rente textual. Ou seja, quando alguém escreve um texto escreve um texto sobre 
algo – o referente do texto. Então, não se trata de separar, como em outras teo-
rias, o mundo interno do texto da realidade externa ao texto. A realidade externa 
ao texto, no ato da enunciação, é incorporada ao texto, a partir da visada (ponto 
de vista) do autor ou autora do mesmo. Trata-se, então, de enxergar o signifi-
cado como pertencente ao mundo textual, ao mundo criado pelo texto, que está 
em relação de causa-efeito com o mundo externo ao texto.
Podemos, enfim, juntar as noções enunciativas de contexto e mundo textual 
com vistas a perceber outra dimensão do ato enunciativo que pode ser operacio-
nalizada metodologicamente: o intertexto (ou interdiscurso). Ora, se o mundo 
textual é a realidade externa (contexto) conforme construída intencionalmente 
por um autor, oacesso mais direto ao contexto de um texto se encontra na relação 
entre textos da mesma época (ou anteriores à escrita do texto a ser interpretado). 
Intertexto (ou interdiscurso) é o nome que se dá a essa relação, e intertextu-
alidade é o conceito operacional para a análise do contexto de um texto. Por 
isso, na disciplina de Introdução ao Novo Testamento, estudamos os discursos 
(textos) da época neotestamentária – conhecer o contexto de um texto é, pri-
mariamente, conhecer os demais textos da época do texto interpretado (sejam 
escritos ao mesmo tempo, seja textos existentes na memória cultural, seja tex-
tos incorporados em práticas e instituições da sociedade).
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Vivemos, neste início do século XXI, um período de transição nas teorias 
e práticas hermenêuticas – especialmente no campo da interpretação bíblica. 
Estamos saindo de um período em que as ciências da história e da sociologia 
predominaram como referenciais teóricos para a exegese e estamos entrando em 
um período no qual as ciências da linguagem estão ocupando esse lugar de refe-
rencial teórico principal. A linguística da enunciação – e as teorias semióticas 
e discursivas a ela vinculadas de uma ou oura maneira – oferece uma interes-
sante possibilidade para a hermenêutica bíblica. Ela possibilita que continuemos 
no caminho traçado na história da interpretação bíblica que já tem dois milê-
nios pelo menos, ao mesmo tempo em que não precisamos ficar vinculados a 
uma única forma tradicional de ler a Bíblia. Praticar o novo, sem desconsiderar 
a tradição, é uma exigência de cada geração de intérpretes da Escritura. Essa é a 
aventura hermenêutica em que nos envolvemos neste curso de teologia.
Metodologia Sêmio-Discursiva
No início deste texto, estudamos o conceito de enunciação e vimos como esse 
conceito é útil para descrever o processo de interpretação de textos (bíblicos ou 
não) em sua complexidade. O conceito de enunciação, porém, não é suficiente 
para dar conta de todos os aspectos envolvidos na tarefa hermenêutica. Agora, 
apresento os passos metodológicos derivados da teoria linguística da enuncia-
ção, com vistas à compreensão de textos bíblicos.
Mais importante ainda do que entender textos, a tarefa da hermenêutica 
bíblica é de cunho espiritual. Estudamos a Bíblia porque: (1) queremos conhecer 
melhor a Deus; (b) queremos servir melhor a Deus; (c) queremos crescer espiri-
tualmente; (d) queremos discernir a vontade de Deus para a nossa vida e nosso 
ministério. Porque a Bíblia é a Palavra de Deus, nós levamos muito a sério o seu 
estudo. Não queremos ler na Bíblia a “nossa” teologia, precisamos encontrar na 
Bíblia, a instrução de Deus para nós.
A hermenêutica tem como objetivo primário e fundamental a compreen-
são dos textos bíblicos em seu contexto e a sua aplicação para o nosso contexto. 
Temos usado a palavra hermenêutica nesta disciplina como a teoria da inter-
pretação. Toda teoria precisa ser complementada por uma metodologia. Damos 
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à metodologia de interpretação da Bíblia o nome de exegese. A exegese sêmio-
-discursiva é uma metodologia derivada da teoria hermenêutica da enunciação, 
e nós a usaremos nesse curso de teologia porque tem muitos valores e permite 
compreender o texto de forma bastante abrangente – sendo guiada, para isso, 
pelo próprio texto. Mas, por mais importante que seja o método, ele não pode 
substituir o texto. Todo e qualquer método de interpretação bíblica deve per-
mitir que o texto aponte as pistas para a sua compreensão, de modo que o texto 
fale mais do que nós!
A partir da teoria enunciativa, nós percorreremos um caminho (sinônimo 
de método) com três fases: preliminar, preparatória e final, conforme descrito a 
seguir. Note bem: nós percorremos um caminho, ou seja, só se aprende a fazer 
exegese, fazendo! Só se chega ao fim do caminho, caminhando! O meu papel, 
como professor, é apontar o caminho, andar com você os primeiros passos, e 
apoiar você quando estiver caminhando sozinho(a). Não sou eu quem fará a exe-
gese do texto bíblico. Seremos você e eu.
A metodologia que utilizaremos está dividida em três fases, que vão se tor-
nando mais complexas e abrangentes. Cada fase tem seus objetivos e consiste em 
uma série de perguntas que fazemos ao texto, a fim de, aos poucos, construirmos 
a exegese do mesmo. A fase final é a mais importante e complexa e está estru-
tura em cinco ciclos, ou seja, você estudará o texto a partir de cinco diferentes 
pontos de vista, todos eles baseados na teoria sêmio-discursiva.
1 - Fase preliminar
Objetivo: familiarizar-se com o texto em seu contexto literário.
Como fazer: 
1. Ler o texto bíblico até ficar amplamente familiarizado com ele.
2. Anotar as suas primeiras impressões e dúvidas sobre o texto (revisá-las 
a cada ciclo da leitura).
3. Ler o livro, ou seção do livro, ao qual o texto pertence, notando suas prin-
cipais interrelações (vocabulário, pessoas, lugares e assuntos).
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4. Definir, provisoriamente, a época em que o texto foi escrito e conhecer 
o máximo que puder sobre ela.
2 - Fase preparatória
Objetivo: analisar o texto enquanto plano de expressão.
Como fazer:
1. Qual é o texto a ser interpretado (do ponto de vista da crítica textual e 
genética)? 
2. Como o texto está delimitado, segmentado e estruturado?
3. Que elementos do plano de expressão contribuem mais intensamente 
para a produção do sentido?
3 - Fase final
Objetivo: analisar o texto enquanto plano de conteúdo um método organi-
zado em ciclos permite o estudo do texto bíblico de diferentes pontos de vista, 
mas todos girando ao redor de um eixo: a ação!
Como Fazer:
1. Respondendo às perguntas de cada ciclo, que correspondem às diversas 
dimensões de significado de um texto, conforme apresentado a seguir.
I Ciclo: A dimensão espaço-temporal da ação
1. Quem age? Onde? Quando? Fazendo o quê? A quem?
2. Como são caracterizados agentes, pacientes, tempo e espaço no texto;
3. Como o texto organiza essas ações e relações no tempo e no espaço? 
O espaço e o tempo não são apenas realidades geográficas e cronológicas, também 
são realidades culturais e funcionam como estruturas básicas da ação humana.
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II Ciclo: A dimensão teológica da ação
Quais são as possibilidades de sentido teológico da ação e como elas estão organizadas: 
1. Intertextual e interdiscursivamente.
2. Estilística e argumentativamente.
3. Sintática e tematicamente.
A teologia de um texto está organizada em várias camadas distintas, e precisa-
mos analisá-las uma por uma, sem perder de vista a sua unidade. 
III Ciclo: A dimensão sócio-cultural da ação
Como o texto, em interação com seu mundo-da-vida, dá sentido à ação sob 
os pontos de vista da:
1. Sociedade.
2. Cultura.
3. Religião.
A sociedade, a cultura e a religião são realidades complexas, fruto da ação e da 
interação organizada e conflitiva de pessoas e instituições. 
IV Ciclo: A dimensão psico-social da ação
Como o texto, em interação com seu mundo-da-vida:
1. Descreve as relações passionais no texto.
2. Constitui a identidade dos agentes a partir de seus objetivos, motivos, 
competências e relações passionais?
As nossas emoções e a nossa identidade são construídas na relação com outras 
pessoas e expressas no texto de formas muito diversificadas.
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V Ciclo: A dimensão missional da ação
Que possibilidades de ação e sentido da ação o texto constitui no diálogo conosco 
e como podemos praticá-las e/ou re-escrevê-las em nossa própria realidade?
A releitura é, ao mesmo tempo, o ciclo final e o “ponto de partida” da exe-
gese, pois sempre que lemos um texto, lemos a partir de nossas preocupações, 
interesses e perguntas. Reler um texto bíblico é re-escrever o texto em nosso 
contexto e em nossas ações.
Muito bem! O método que usaremos está descrito. Para entender o método, 
porém, precisaremos colocá-lo em prática – e isso é o que faremos na próxima 
semana e nas disciplinas de Exegese do Novo Testamento. Espero que esta descri-
ção tenha servido para aguçar a sua curiosidade e motivá-la a interpretar textos 
bíblicos com mais disciplina, criatividade e discernimento.
O MÉTODO EM AÇÃO – FASES PRELIMINAR E 
PREPARATÓRIA
 Início a descrição do método 
com a descrição da Fase 
Preliminar.
Fase Preliminar
Como vimos anterior-
mente, o objetivo da Fase 
Preliminar é: “familiari-
zar-se com o texto em seu 
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contexto literário”. Para nos familiarizarmos com o texto em seu contexto lite-
rário (ou co-texto), precisamos:
1. Ler o texto bíblico até ficar amplamente familiarizado com ele.
2. Anotar as suas primeiras impressões e dúvidas sobre o texto (revisá-las 
a cada ciclo da leitura).
3. Ler o livro, ou seção do livro, ao qual o texto pertence, notando suas prin-
cipais inter-relações (vocabulário, pessoas, lugares e assuntos).
4. Definir, provisoriamente, a época em que o texto foi escrito e conhecer o 
máximo que puder sobre ela (você pode, nesse momento, usar a biblio-
grafia e concordar com uma das hipóteses de datação apresentada para 
o livro bíblico que você quer estudar).
O aprendizado dessa fase requer a criação de um duplo hábito:
1. Hábito de ler e reler constantemente a Bíblia, em atitude orante e medi-
tativa de escuta.
2. Hábito de ler e reler constantemente os contextos em que os textos da 
Bíblia foram escritos. 
Para o primeiro hábito, basta a própria Bíblia. Para o segundo, precisamos de 
bibliografia especializada e de conhecimentos sólidos a respeito da sociedade, 
história e cultura dos textos bíblicos. Ambos os hábitos, porém, demandam per-
severança – devem ser feitos durante toda a nossa vida – jamais podemos parar 
de ler e estudar o texto e os contextos da Bíblia. Em certo sentido, todas as dis-
ciplinas do curso de Teologia estão voltadas a construir este segundo hábito. Por 
isso, entenda este período de estudos como o início de uma longa e emocionante 
travessia: a jornada em busca de conhecimento sólido e pleno (BÍBLIA, Cl 2,1-3).
Não darei exemplo dessa fase, porque ela deve ser executada individual-
mente e não há necessidade de definir se as conclusões são certas ou erra-
das, porque todas serão revisadas durante o trabalho de interpretação do 
texto bíblico.
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Fase Preparatória 
Na fase preparatória, nosso objetivo é perceber como a organização (forma) 
linguística e literária do texto nos ajudam a compreendê-lo. Por que fazer uma 
distinção entre plano de expressão e plano de conteúdo? 
3. Porque um mesmo conteúdo pode ser transmitido por diferentes formas 
(conversa, fotos, filmes, quadrinhos, esculturas etc.).
4. Porque os conteúdos estão distribuídos de forma desigual e conflitiva 
entre os diferentes grupos de uma sociedade, que os usam para explicar 
a, e agir na realidade.
5. Porque as regras de funcionamento do plano de conteúdo são diferen-
tes das regras de funcionamento dos planos de expressão (textos, fotos, 
conversas, estátuas, filmes etc.).
Em nosso caso, que trabalhamos com textos, ocorre um fenômeno interessante: 
o plano da expressão quase que se confunde com o plano de conteúdo, isso 
porque nós usamos a linguagem para produzir sentido e comunicar, e a maté-
ria-prima dos textos é a linguagem. O mecanismo semiótico de construção de 
um texto é chamado de textualização, que é a seleção de vocábulos, estrutu-
ras gramaticais, formas literárias, que fazem com que cada texto seja um texto 
diferente dos demais. Para entender os sentidos de um texto, portanto, é pre-
ciso lidar tanto com a sua textualidade (termo técnico para designar as regras 
do texto enquanto plano de expressão), quanto com a sua discursividade (termo 
técnico para designar as regras do texto enquanto Plano de Conteúdo, ou, sim-
plesmente, discurso).
Para analisarmos o texto enquanto texto, ou seja, enquanto plano de expres-
são, respondemos às seguintes perguntas:
1. Como o texto está delimitado, segmentado e estruturado?
2. E que elementos do plano de expressão contribuem mais intensamente 
para a produção do sentido?
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Como fazer a Análise do Plano de Expressão:
1. Identificar as marcas linguísticas que permitem a delimitação e a seg-
mentação do texto.
2. Notar os elementos da textualidade que poderão contribuir para a aná-
lise do plano de conteúdo.
3. Elaborar uma síntese interpretativa.
 
Definições
Para delimitar uma perícope (parágrafo, ou trecho que serve de base para a pre-
gação), é necessário identificar as marcas linguísticas que indicam os limites de 
um texto e o dividem em perícopes: as mudanças relevantes nas pessoas, tempo, 
espaço e vocabulário (tema). Na prática, não basta apenas um tipo de mudança 
para se definir o início de uma nova perícope. Quanto maior for o número das 
marcas linguísticas, mais certeza teremos no tocante à delimitação realizada.
Um dos hábitos de leitura da Bíblia na Igreja e na Academia é o de selecionar 
pequenos trechos para a interpretação. Na linguagem não técnica, chama-
mos esses trechos de passagens, que usamos para meditar, para preparar 
estudos bíblicos, sermões, homilias etc. 
Na linguagem técnica, esses pequenos trechos são chamados de perícopes 
(literalmente, “cortado ao redor”), usadas para a organização dos comentá-
rios exegéticos, preparação de sermões, dissertações, teses etc. Uma períco-
pe é, assim, um pequeno trecho da Bíblia que é usado para o estudo e co-
municação da Bíblia. Em alguns casos, como no livro dos Salmos, vários dos 
salmos são, cada um deles, uma perícope. Em muitos casos, é difícil chegar a 
um acordo quanto à divisão de um livro da Bíblia em perícopes.
Fonte: o autor.
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A segmentação é um procedimento idêntico ao da delimitação, mas restrito aos 
limites da própria perícope. Com base nas mesmas marcas linguísticas, verifica-
mos em quantas partes se subdivide uma perícope. A única diferença é que não 
é necessário que ocorram tantas marcas como no caso da delimitação.
A estruturação é o procedimento de identificação dos tipos de arranjo, de 
ordem das partes em que se divide a perícope. Após, realizarmos a segmentação, 
procuramos descobrir as formas de encadeamento das partes da perícope. Nas 
Escrituras, vários tipos de estruturação são usados, desde o mais simples, que é 
o encadeamento linear das partes do texto (como encontramos em narrativas), 
até arranjos mais complexos, baseados nas diferentes formas de paralelismo usa-
das na escrita dos textos bíblicos.
Por fim, devemos analisar os principais elementos do plano de expressão que 
contribuem para a produção dos sentidos do plano de conteúdo (notamos ape-
nas, pois a sua análise será realizada no segundo ciclo). Alguns desseselementos 
são: a ordem das palavras, seja dentro dos diferentes segmentos da perícope, seja 
nas orações que compõem cada segmento (por exemplo: a) a ordem normal das 
palavras em uma oração, na língua portuguesa é: “sujeito – verbo – complemen-
tos do verbo”. Se essa ordem é mudada, alguma razão ligada ao conteúdo está 
na origem dessa mudança, e é preciso analisá-la; b. se a ordem temporal normal 
dos segmentos de uma narrativa [move-se do passado para o presente e para 
o futuro], por exemplo, é alterada, isto deve nos chamar a atenção para o que 
possa vir a significar). Em textos poéticos, principalmente (mas não exclusiva-
mente), elementos como a métrica das sentenças, o ritmo da entonação do texto 
são determinantes, e afetam o sentido do texto. Quando trabalhamos com tra-
duções, é praticamente impossível perceber este tipo de características, próprio 
dos idiomas originais dos textos (bíblicos ou não), a não ser que a tradução seja 
feita especificamente com o propósito de ressaltar esses aspectos.
Exemplo - Delimitação
9 Naqueles dias veio Jesus de Nazaré da Galiléia e por João foi batiza-
do no rio Jordão. 10 Logo ao sair da água, viu os céus rasgarem-se e o 
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Espírito descendo como pomba sobre ele. 11 Então foi ouvida uma voz 
dos céus: Tu és o meu filho amado, em ti me comprazo.
12 Imediatamente o Espírito impeliu Jesus para o deserto. 13 Durante 
quarenta dias, no deserto, ele foi tentado por Satanás. Vivia com as 
feras, e os anjos o serviam.
14 Depois que João fora entregue, Jesus veio para a Galiléia. Ele pro-
clamava o Evangelho de Deus, e dizia: 15 “Cumpriu-se o tempo, e o 
Reinado de Deus aproximou-se: convertei-vos e crede no Evangelho.” 
(BÍBLIA, Mc, capítulo 1, grifo meu).
Como sabemos onde começa e termina uma perícope? Uma forma de saber é 
simplesmente seguir a divisão da Bíblia em perícopes que encontramos nas tradu-
ções contemporâneas. Outra é seguir a divisão em perícopes de algum comentário 
bíblico. Podemos, porém, tentar descobrir por nós mesmos quais são as perícopes. 
Temos, então, de prestar atenção nas marcas linguísticas que nos orientam na deli-
mitação das perícopes (delimitar é estabelecer limites, definir começo e fim de uma 
perícope). Note, no trecho do Evangelho de Marcos, as palavras em itálico, negrito, 
versalete e sublinhadas. Elas funcionam como marcas linguísticas que podemos 
usar para delimitar as perícopes desse trecho da Bíblia. Por exemplo, os versos 9, 
12 e 14 começam com um advérbio que indica tempo – mudanças no tempo dos 
acontecimentos é um dos sinais de delimitação de perícopes. Nos mesmos versos, 
as palavras sublinhadas mostram que há, além das mudanças no tempo, mudan-
ças no espaço: Jordão (v. 9), deserto (v. 12) e Galileia (v. 14). Nos versos 9, 13 e 15 
os termos em versalete indicam mudança de personagens (João, Satanás e vos=ga-
lileus). Por fim, nos versos 9, 13 e 14, temos verbos em negrito, que nos mostram 
que há mudanças de assunto: batismo, tentação e proclamação. Essas são as prin-
cipais marcas linguísticas usadas para delimitar perícopes.
Exemplo – Delimitação, segmentação e estruturação
Atos 1,1 Fiz o primeiro relato, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus come-
çou a fazer e ensinar, 2até ao dia em que, depois de ter dado manda-
mento, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera, foi levado para 
cima. 3Aos quais também, apresentou-se vivo, depois de ter padecido, 
com muitas provas convincentes, sendo visto por eles durante quarenta 
dias, e falando das coisas concernentes ao reino de Deus. 4E, tendo se 
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reunido com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jeru-
salém, mas que esperassem a promessa do Pai, que de mim ouvistes. 
5Porque, na verdade, João batizou e, água, mas vós sereis batizados no 
Espírito Santo, não muito depois destes dias. 6Aqueles, pois, que se ha-
viam reunido perguntaram-lhe, dizendo: Senhor, é neste que restauras 
o reino a Israel? 7E respondeu-lhes: Não é de vós conhecer os tempos 
ou as eras que o Pai estabeleceu mediante sua própria autoridade. 8Po-
rém, recebereis a energia do Espírito Santo, assim que descer sobre vós; 
e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e 
Samaria, e até aos confins da terra. 9E, quando dizia isto, vendo-o eles, 
foi elevado, e uma nuvem o recebeu diante de seus olhos. 10E, estavam 
com os olhos fitos no céu, enquanto ele viajava, e eis que dois homens 
se aproximaram deles, vestidos de branco, 11os quais disseram: Homens 
galileus, o que vos fez ficar olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre 
vós foi recebido em cima no céu, virá da mesma maneira como para o 
céu o vistes subir. 12Então, voltaram para Jerusalém, do monte chamado 
das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à distância do percurso 
de um sábado. 13 E assim que chegaram, subiram ao cenáculo, onde 
estavam esperando, Pedro e Tiago, João e André, Filipe e Tomé, Barto-
lomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, irmão 
de Tiago, 14todos eles perseverando unanimemente em oração, com 
as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e os seus irmãos. 15Naqueles dias, 
levantou-se Pedro no meio dos irmãos (ora, compunha-se a assem-
bleia de umas cento e vinte pessoas) e disse: 16Irmãos, convinha que se 
cumprisse a Escritura que o Espírito Santo proferiu anteriormente por 
boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam 
Jesus, 17porque ele era contado entre nós e teve parte neste ministério. 
18(Ora, este homem adquiriu um campo com o preço da iniquidade; 
e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas entranhas se 
derramaram; 19e isto chegou ao conhecimento de todos os habitantes 
de Jerusalém, de maneira que em sua própria língua esse campo era 
chamado Aceldama, isto é, Campo de Sangue.) 20Porque está escrito no 
Livro dos Salmos: Fique deserta a sua morada; e não haja quem nela 
habite; e: Tome outro o seu encargo. 21É necessário, pois, que, dos ho-
mens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou 
entre nós, 22começando no batismo de João, até ao dia em que dentre 
nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da 
sua ressurreição. 23Então, propuseram dois: José, chamado Barsabás, 
cognominado Justo, e Matias. 24E, orando, disseram: Tu, Senhor, que 
conheces o coração de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido 
25para preencher a vaga neste ministério e apostolado, do qual Judas 
se transviou, indo para o seu próprio lugar. 26E os lançaram em sortes, 
vindo a sorte recair sobre Matias, sendo-lhe, então, votado lugar com 
os onze apóstolos. (BÍBLIA).
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Como já vimos, para delimitar uma perícope é necessário identificar as marcas 
linguísticas que indicam os limites de um texto e o separam dos trechos anterior 
e posterior: as mudanças relevantes nas pessoas, tempo, espaço e vocabulário, 
além de alteração no gênero textual. Na prática, não basta apenas um tipo de 
mudança para se definir o início de uma nova perícope. Quanto maior for o 
número das marcas linguísticas, mais certeza teremos no tocante à delimita-
ção realizada. No caso de Atos 1, o início da perícope é claramente demarcado 
linguisticamente no verso 1, mediante a distinção entre o relato atual e o “pri-
meiro”, uma clara referência a Lucas 1,1ss. O término da perícope é algo mais 
complicado, mas devemos notar a permanência das pessoas (apóstolos, v. 2) até 
o verso 14, com uma mudança significativa apenas no verso 15, quando Pedro, 
sozinho, levante-see toma a palavra, já com “cento e vinte pessoas” reunidas. 
Da mesma forma, no verso 15, encontramos uma alteração temporal, marcada 
pela expressão “e naqueles dias”, uma forma comum de transição cronológica 
em narrativas bíblicas. No caso das marcas “espaciais”, poder-se-ia invocar a 
“volta pra Jerusalém” (v. 12) como um indício de mudança de perícope, mas 
ela não é acompanhada de alterações em pessoa, temporalidade ou vocabulá-
rio, de modo que é melhor ver o trecho iniciado no v 12 como um segmento 
da perícope. Poder-se-ia, ainda, invocar a presença da introdução ao “livro” 
(v. 1-3) como uma perícope isolada, mas não há qualquer alteração significa-
tiva das marcas linguísticas entre ela e o relato em si, de modo que devemos 
considerar todo o trecho uma única perícope, na forma de um relato de diá-
logo entre o Jesus ressurreto e os apóstolos, introduzido pela fala de Lucas a 
Teófilo, e seguido pela ascensão de Jesus, aparição de dois varões vestidos de 
branco, e a volta dos apóstolos para o cenáculo em Jerusalém.
A segmentação é um procedimento idêntico ao da delimitação, mas restrito 
aos limites da própria perícope. Com base nas mesmas marcas linguísticas, veri-
ficamos em quantas partes se subdivide uma perícope. A diferença é que não é 
necessário que ocorram tantas marcas como no caso da delimitação. Ademais, 
na segmentação também prestamos atenção às marcas sintáticas e/ou estilísti-
cas que nos ajudam a identificar os segmentos da perícope. A estruturação é o 
procedimento de identificação dos tipos de arranjo, ou ordenação, das partes 
em que se divide a perícope (o encadeamento pode ser linear ou sequencial ou 
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IVU N I D A D E184
em paralelismo ou repetição – havendo diversas maneiras de realizar cada um 
desses tipos de encadeamento). Após realizarmos a segmentação, procuramos 
descobrir as formas de encadeamento das partes da perícope.
Os segmentos da perícope são bem demarcados:
1-3 Introdução ao livro, vinculando-o ao Evangelho de Lucas.
4-8 O diálogo entre Jesus e os apóstolos (sobre a promessa do Espírito).
9-11 O relato da ascensão e a aparição dos varões (marcado pela saída de 
Jesus e a chegada dos varões vestidos de branco).
12-14 Volta a Jerusalém para perseverar em oração (marcado pela conjun-
ção então).
 A estruturação da perícope é linear, narrando uma sequência de encontros 
e diálogos.
A Introdução (1-3).
B Diálogo de Jesus (4-8).
C Ascensão de Jesus e Diálogo dos Varões (9-11).
D Volta dos apóstolos a Jerusalém e oração (12-14).
Aprender a interpretar textos bíblicos exige exercício. Ou seja, você precisará 
fazer cada passo da exegese muitas vezes até se familiarizar com cada um desses 
passos. Minha sugestão é: exercite os passos para a delimitação e a segmentação 
no restante do capítulo 1 de Marcos e do capítulo 1 de Atos. Habitue-se a fazer 
isto cada vez que você for preparar um sermão, estudo bíblico ou, simplesmente, 
interpretar um texto para seu próprio uso. 
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O MÉTODO EM AÇÃO – FASE FINAL – I CICLO: 
DIMENSÃO ESPAÇO-TEMPORAL DA AÇÃO
Penso que a melhor maneira de definir o conteúdo de um texto é descrever esse 
conteúdo primariamente como os significados que são atribuídos à ação humana 
pelo texto. Analisar o plano de conteúdo de um texto visa compreender como 
esse texto interpretou e comunicou para seus leitores e leitoras o significado da 
ação humana em um dado tempo e espaço, em uma sociedade e cultura especí-
ficas. Repare que estamos falando no significado da ação e não no significado de 
palavras ou ideias. As ideias estão a serviço da ação humana, e não vice-versa. O 
que um texto comunica não são ideias desligadas da realidade, são ideias incor-
poradas na ação humana.
A interpretação dos significados de um texto é, como temos visto, um pro-
cesso complexo. Interpretar o texto significa examinar o texto sob diferentes 
pontos de vista, sendo dirigido pelo próprio texto nesse processo. É como se a 
gente estivesse analisando as diferentes camadas de uma cebola, ou de um deter-
minado solo em que queremos plantar ou construir algo.
Que é analisar a dimensão espaço-temporal da ação
Após as fases preliminar e preparatória, chegamos à fase final da interpreta-
ção. A fase final possui cinco ciclos, mas, nesta disciplina de Exegese do Novo 
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Testamento I, estudaremos apenas o Primeiro Ciclo. No primeiro ciclo, a nossa 
atenção recai sobre o aspecto mais elementar e básico da ação: pessoas agem, 
umas em relação as outras, em algum lugar e em alguma época. O sentido de 
nossas ações não depende só do que fazemos e com quem e para quem fazemos, 
mas também da maneira como ocupamos o espaço e usamos o tempo. Os tex-
tos têm uma capacidade muito grande de dar sentido às ações no tempo e no 
espaço, e precisamos aprender a entender e interpretar essa capacidade textual.
Começamos a interpretação do significado do texto com as pessoas agindo 
no tempo e espaço, porque, linguisticamente falando, o ato da enunciação (a 
ação de enunciar, dizer algo, de mobilizar a língua para comunicar algo a alguém) 
possui como característica básica o dar sentido às pessoas (actorialização), ao 
tempo (temporalização) e ao espaço (espacialização).
Nos modos mais habituais de interpretação bíblica, é relativamente comum 
não prestar atenção ao tempo e ao espaço enquanto elementos decisivos no pro-
cesso de significação dos textos. Note bem: estamos tratando dos significados 
que o texto atribui às pessoas, tempo e espaço nele mesmo (no próprio texto) 
– e não às pessoas, tempo e espaço fora do texto. Trata-se, então, de analisar-
mos as pessoas, tempo e espaço enquanto elementos significativos do próprio 
texto, enquanto efeitos de sentido produzidos pelo próprio ato de enunciar. Por 
isso, cabe aqui uma advertência: não confunda a análise enunciativa das pes-
soas, tempo e espaço com a análise contextual de autor, lugar e época de escrita 
do texto. O que analisamos são os sentidos que as pessoas, tempo e espaço rece-
bem no texto, e não os seus referentes históricos. Isso não quer dizer que um 
texto não lide com a “realidade” - simplesmente ressalta que, no texto, encon-
tramos a realidade sempre interpretada, significada e mediada pela linguagem.
Para fazermos a análise da dimensão espaço-temporal da ação, seguimos as 
seguintes perguntas:
1. Quem age? Onde? Quando? Fazendo o quê? A quem?
2. Como são caracterizados pessoa, tempo e espaço no texto?
3. Como o texto organiza essas ações e relações no tempo e no espaço?
http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-02.html
http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-02.html
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Como fazer a Análise do I Ciclo
 1. Alistar:
 ■ As pessoas (personagens) que agem ou recebem ação, suas ações e suas 
caracterizações.
 ■ Os indicadores de espaço e suas caracterizações.
 ■ Os indicadores de tempo e suas caracterizações.
2. Analisar a organização das ações das pessoas no tempo-espaço do texto.
3. Elaborar uma síntese.
Definições
Ação: atividade significativa de pessoas (humanas ou não), construída no e pelo 
texto. Os verbos são a classe gramatical usada para expressar a ação.
Caracterização: atribuição de qualidades, defeitos, características gerais ou 
específicas a pessoas, espaços e tempos. Adjetivos são a classe gramatical usada 
para expressar características.Além de adjetivos, a caracterização pode ser efe-
tuada também por meio de recursos sintáticos, como adjuntos e complementos 
nominais, orações subordinadas subjetivas e orações subordinadas adjetivas. As 
pessoas também podem ser caracterizadas por suas ações.
Pessoa: a ação é sempre realizada por alguém, que chamamos de pessoa (ou 
personagem). Pessoa é uma construção do enunciador e pode ser uma repre-
sentação mais próxima possível de pessoas reais, ou pode ser uma pessoa-tipo, 
construída a partir de pessoas reais, mas não equivalente a uma em particular. 
São vários os recursos possíveis para construir a pessoa no texto: as próprias 
ações que a pessoa realiza, os papéis sócio-culturais que desempenha, as carac-
terizações que recebe e os juízos que dela são feitos.
Espaço: quem age, sempre age em algum lugar. Nos textos, os espaços são 
locais significativos que delimitam e organizam a ação humana, sejam espaços 
reais ou imaginários. Como no caso das pessoas, os espaços podem ser típicos 
ou não e ajudam a construir os efeitos de sentido intencionados na enunciação. 
Os espaços se organizam ao redor de oposições do tipo aqui-lá, dentro-fora, 
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perto-longe, esquerda-direita etc., em função de um ponto a partir de que ele se 
organiza. Os espaços podem ser apresentados em relação a um momento externo 
ao texto (ou ao momento da fala), ou em relação a um momento interno ao 
texto, em relação ao que é narrado no próprio texto. A importância e os signifi-
cados do espaço variam de acordo com o texto e carecem de análise cuidadosa.
A construção do espaço se dá mediante a figurativização, ou seja, mediante 
a adjetivação concreta dos lugares – distância, proximidade, tamanho, nomes, 
características geográficas. A figurativização é um mecanismo linguístico de 
recobrir temas, de ocultá-los por meio das figuras. No caso do espaço, o que se 
busca na análise é sempre mais do que a sua geografia, mas a sua significação, 
quais os sentidos que o espaço adquire mediante a ação e a interação humana. 
Por exemplo, quando se diz “estou me sentindo em casa”, não nos referimos à 
casa enquanto lugar de moradia, mas à casa enquanto um espaço seguro, agra-
dável, familiar.
Tempo: quem age, sempre age no tempo. Duas são as dimensões do tempo 
que devem ser analisadas na interpretação de textos: a cronológica (que tem a ver 
com a sucessão de momentos do tempo), normalmente indicada pelos termos 
presente, passado e futuro; e a dimensão qualitativa (que tem a ver com o modo 
de descrição da ação no tempo, que na gramática e na semiótica se chama de 
aspecto ou modo de ação), normalmente indicada pelos termos completo (quando 
a ação é vista em sua totalidade, realizada) e incompleto (quando a ação é vista 
ainda em ocorrência, não-realizada). Além desses dois modos genéricos de des-
crever a ação no tempo, cada um deles pode ser ainda qualificado como incoativo 
(quando se descreve a ação em seu início), durativo (quando se descreve a ação 
em sua duração, em seu processo de acontecer), iterativo (quando se descreve 
a ação em sua iteratividade, sempre começando) e terminativo (quando se des-
creve a ação em seu término, final).
As formas linguísticas de marcar o tempo são os tempos verbais, os advérbios 
e as expressões adverbiais de tempo. Como no caso do espaço, os tempos podem 
ser ordenados em relação ao momento da fala, ou em relação a um marco tem-
poral dentro do texto. Esses tempos são ordenados como tempos concomitantes, 
anteriores e/ou posteriores seja ao momento da fala, seja ao marco temporal 
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presente no texto, mediante um arranjo de tempos verbais e/ou advérbios tem-
porais, que pode ser bastante complexo.
De forma simplificada, no caso do sistema verbal, temos na língua portu-
guesa: o uso do tempo presente do verbo para indicar predominantemente ação 
concomitante os tempos pretéritos do verbo para indicar predominantemente ação 
anterior e os tempos futuros do verbo para indicar predominantemente ação pos-
terior ao marco temporal (da fala, ou do texto). É possível, porém, usar um tempo 
verbal para expressar tempo cronológico não correspondente ao tempo verbal, 
por exemplo: (a) podemos usar o tempo verbal presente com sentido cronoló-
gico de passado (e.g.: era o tempo esperado: Jesus nasce, sonhos irão se realizar 
[…]”); ou (b) podemos usar o tempo verbal do pretérito perfeito para indicar 
tempo cronológico futuro e modo condicional de ação (e.g. Correu, caiu!) etc.
Se pensarmos no modo da ação, basicamente encontramos: (a) o modo 
incompleto da ação geralmente é designado pelos tempos verbais do presente, 
do pretérito imperfeito e do futuro, bem como pelo gerúndio e infinitivo; (b) o 
modo de ação completo geralmente é designado pelos tempos verbais do preté-
rito-perfeito e pretérito mais-que-perfeito e pelo particípio. Mas, assim como no 
caso do tempo cronológico, é possível usar os tempos verbais de formas diferen-
tes da comum. Além desses dados básicos, podemos notar, por exemplo, que o 
particípio e o gerúndio tendem a iludir a temporalidade cronológica, criando o 
efeito de sentido da permanência, durabilidade ou atemporalidade. O subjun-
tivo e o imperativo tendem a criar um efeito de expectativa, de ação ainda a ser 
realizada, de incompletude.
Exemplo:
Marcos 1
9. Naqueles dias veio Jesus de Nazaré da Galileia e por João foi batizado no 
rio Jordão. 10 Logo, ao sair da água, viu os céus se rasgarem e o Espírito descendo 
como pomba sobre ele. 11 Então, foi ouvida uma voz dos céus: Tu és o meu filho 
amado, em ti me comprazo (Tradução própria). 
Alistar ...
[Quem age, fazendo o quê, a quem, sendo caracterizado como]
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Jesus: veio de Nazaré (9) foi batizado por João, no rio Jordão (9) ao sair da 
água, viu os céus rasgarem-se (10) e o Espírito descendo sobre ele (10) foi carac-
terizado pela voz do céu como “meu filho amado, em ti me comprazo” (11)
João: batizou Jesus no Jordão (9)
Espírito: foi visto por Jesus descendo sobre ele, caracterizado como pomba (10)
pessoa indeterminada: as que ouviram a voz dos céus (no texto, “foi ouvida 
uma voz dos céus”) (11)
[... Onde]
Nazaré da Galileia (9); Rio Jordão (9 e 10 [da água]); céus (10 e 11)
[... Quando]
Naqueles dias (9); logo ao sair (10); então – pode ter o sentido de depois (11)
Verbos no pretérito perfeito: veio, foi batizado (9) viu (10) foi ouvida (11) – 
ação no passado, no modo completo e terminativo, ou seja, as ações são vistas 
como já realizadas e descritas a partir de seu término.
Verbos no infinitivo: sair (10), rasgarem-se (10) - indicam ações concomi-
tantes às ações dos verbos aos quais estão ligados: Jesus, “no mesmo momento” 
em que saiu da água, viu os céus se rasgarem.
Verbo no gerúndio: descendo (10) – também indica ação concomitante à do 
verbo da oração principal (viu), destacando o modo incompleto da ação, des-
crita em sua duratividade.
Verbo no presente: me comprazo (11) – indica ação incompleta e, nesse caso, 
a ação é vista em sua duratividade.
Obs.: (és) os verbos de ligação normalmente indicam estado.
Analisar
[... Como estão organizadas as ações e relações no tempo e no espaço]
As ações e relações estão organizadas no espaço predominantemente por 
meio de movimentos: (a) Jesus sai de Nazaré, da Galileia, e vai ao rio Jordão para 
ser batizado; (b) Jesus entra no rio para ser batizado e sai dele para ouvir a voz 
dos céus e receber o Espírito; (c) o Espírito e a voz descem do céu para a terra, 
tornando-se audíveis e visíveis. Além da ênfase no movimento,o texto ressalta 
o aspecto periférico do acontecimento – Galileia e Jordão não são lugares cen-
trais do ponto de vista político e religioso na época. Destaca-se a ausência do 
Templo, onde oficialmente deveriam ocorrer as experiências de Deus conforme 
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a doutrina do Judaísmo, substituído aqui pelo céu, lugar da morada de Deus, que 
expressa a sua liberdade em relação à estrutura política e ao Templo.
Quanto à organização temporal, a combinação dos verbos sugere a dinami-
cidade do evento que está sendo narrado – tudo acontece rápida e efetivamente, 
o tempo é um tempo de realização, de acontecimentos decisivos. Ao lado dessa 
característica de dinamicidade, o texto também sugere que o tempo cronoló-
gico é pouco relevante, pois simplesmente situa o acontecimento “naqueles dias” 
(marco temporal externo ao texto, em contraste com o restante do texto, no qual 
o marco temporal que organiza as ações é interno ao texto), estimulando quem o 
lê a prestar atenção ao acontecimento em si, e não à sua posição cronológica. O 
texto é formulado predominantemente na terceira pessoa, produzindo efeito de 
objetividade – quem lê pode “ver” a cena narrada. Somente a fala da voz do céu 
está na primeira pessoa e produz efeito de subjetividade, isto é, indica a proxi-
midade pessoal entre a voz e Jesus, sugerindo aos leitores que esse Jesus é digno 
de ser levado a sério.
Elaborar uma síntese
O texto situa o batismo e a vocação de Jesus em um espaço não oficial, um espaço 
que se pode entender como crítico em relação aos espaços oficiais da religião 
judaica na época. É o espaço de João, um profeta que criticava os dirigentes polí-
ticos e religiosos de seu tempo; é o espaço das pessoas impuras e pecadoras – seja 
a “Galileia dos gentios”, de onde vem Jesus (não se poderia imaginar o Messias 
vindo de um local impuro!), seja o local do batismo, frequentado por pessoas 
arrependidas, ou seja, pessoas que reconheciam seu pecado e também a incapa-
cidade da religião oficial lidar com esse pecado. Esse espaço periférico, marginal, 
crítico, é legitimado pela revelação divina, que se manifesta do céu, santificando 
o lugar impuro e não oficial. A temporalidade dinâmica, veloz, contrasta com os 
ritmos lentos e rotineiros dos rituais de investidura oficial (seja nas cortes, seja 
nos templos), que visa impressionar a audiência pela sua lenta duração e enfati-
zar, assim, a diferença entre a solenidade oficial e o tempo cotidiano.
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O MÉTODO EM AÇÃO – FASE FINAL - II CICLO: 
DIMENSÃO TEOLÓGICA DA AÇÃO (1)
Você já escreveu vários trabalhos escolares e, possivelmente, preparou vários 
sermões e estudos bíblicos. Ao escrever esses trabalhos e preparar os estudos 
e sermões, você utilizou dois recursos linguísticos importantes: a intertextua-
lidade e a interdiscursividade. Você usou o recurso da intertextualidade todas 
as vezes que citou uma fonte bibliográfica, filmográfica, ou de outro tipo. A cita-
ção pode ter sido curta ou longa, indicada com aspas, ou com recuo da margem 
esquerda. Você também pode ter usado outra forma de intertextualidade, a alu-
são – ao invés de citar literalmente uma fonte, você coloca o conteúdo daquela 
fonte em suas próprias palavras. Normalmente, você indica a alusão usando pala-
vras como “conforme”, “de acordo com”, “segundo fulano de tal” - seja no corpo 
do texto, seja em uma nota de rodapé.
Você usou o recurso da interdiscursividade todas as vezes que você fez 
opções entre diferentes conteúdos com base em suas leituras, conversas, músicas 
ouvidas etc. Por exemplo, se você é batista, as suas leituras não serão necessa-
riamente as mesmas leituras de colegas pentecostais. Você já pensa de acordo 
com alguns discursos pré-definidos (por exemplo, você sabe que o batismo é só 
para pessoas “adultas” que declaram publicamente a sua fé em Cristo), que ser-
vem de guia e de critérios para as suas leituras e interpretação de textos. Se você 
é batista e paulistano, além dos discursos “batistas”, também os discursos “pau-
listanos” estarão presentes de alguma forma em seus trabalhos escritos, ou em 
seus sermões, conversar etc. Talvez na forma de expressões idiomáticas típicas 
da cidade de São Paulo (“urra mano”, “não me faz uma coisa dessas”), talvez na 
forma de valores tipicamente metropolitanos (por exemplo, fazer as coisas com 
rapidez ou pressa), talvez na forma de músicas paulistanas e suas letras (“alguma 
coisa acontece no meu coração […]”).
http://paginas.terra.com.br/educacao/revel/edicoes/num_6/revel_6_texto_literario.pdf
http://paginas.terra.com.br/educacao/revel/edicoes/num_6/revel_6_texto_literario.pdf
http://www.pucsp.br/pos/cos/cps/arquivo/arqs/PDF/colo2004/Norma_Interdiscursividade.pdf
O Método em Ação – Fase Final - Ii Ciclo: Dimensão Teológica da Ação (1)
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Analisando as relações interdiscursivas de Marcos 1,9-15
A intertextualidade e a interdiscursividade são, então, mecanismos linguísticos 
de produção de sentido e de textos – e também da interpretação deles. Podemos 
dizer que todos os textos possuem relações intertextuais e interdiscursivas, senão 
não seriam textos. É com a ajuda dessas relações que um texto constitui o seu pró-
prio sentido. Note bem: o sentido dele não é algo isolado, fechado em si, mas é 
uma realidade aberta, permeada por outros textos e discursos. Por isso, no início 
do II Ciclo da exegese de Marcos 1,9-15, o primeiro passo é a análise das relações 
intertextuais e interdiscursivas que ajudaram a estabelecer os sentidos presentes 
no texto. No II Ciclo da exegese, queremos entender os sentidos oferecidos pelo 
texto a quem o interpreta. A compreensão do sentido é uma atividade complexa 
e o II Ciclo é dividido em três procedimentos distintos e complementares: aná-
lise das relações intertextuais e interdiscursivas, análise da forma estilística e da 
argumentação do texto e análise temática. Nesta disciplina, aprenderemos ape-
nas o primeiro e o terceiro procedimentos, iniciando com a análise das relações 
intertextuais e interdiscursivas.
Vejamos as perguntas que compõem o II Ciclo:
Quais são as possibilidades de sentido de um texto e como elas estão organiza-
das (1) intertextual e interdiscursivamente; (2) estilística e argumentativamente; e 
(3) figurativa e tematicamente?
Para responder à primeira pergunta, os passos que devemos executar são os 
seguintes:
1. Identificar as relações intertextuais e interdiscursivas.
O sentido de um texto não é a soma das partes do texto. O sentido é uma 
propriedade do todo do texto, que se estende às suas partes. O todo do 
texto, por sua vez, não é só o próprio texto, mas o conjunto de discursos a 
que ele pertence.
Fonte: o autor.
A INTERPRETAÇÃO DISCURSIVA DA ESCRITURA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IVU N I D A D E194
2. Analisar as relações intertextuais e interdiscursivas.
3. Elaborar uma síntese interpretativa.
Como se identificam as relações intertextuais e interdiscursivas? Vejamos a defi-
nição dos termos: intertextualidade é o termo que explica o uso que um texto 
faz de outros, a ele anteriores, ou contemporâneos. Há três maneiras de uso de 
outros textos: a citação, quando um texto copia literalmente partes ou o todo de 
outro(s) texto(s); alusão, quando um texto se apropria não literalmente de partes 
ou do todo de outro(s); e estilização, quando um texto imita o estilo de outros.
A citação pode estar “marcada” no texto: em trabalhos acadêmicos usamos 
“aspas” ou recuo da margem, ou letras em

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