Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Floyd explica Há alguns meses em uma Banca onde uma orientanda apresentava seu trabalho de conclusão do curso sobre a Lei 10.639/2003 que, cria a obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira na educação básica, um membro a parabenizou pela escolha do tema e olhando para mim falou: muito interessante. E olha que você nem é negra. Em meio ao grande mal-estar e surpresa, fiz algumas considerações sobre a temática, onde finalizei dizendo que o racismo é um problema social e que por isso deve ser combatido por todos, independente de cor. Quando me lembro desse episódio e assisto cotidianamente ao massacre de negros e a discriminação tantas vezes disfarçadas e outras explícitas, vejo o quanto a escola está distante do mundo extra-muros. Lamento! Afinal, é na escola que as crianças, em sua grande maioria, vivenciam suas primeiras e amargas histórias de racismo. É lá onde as meninas negras nunca foram escolhidas para ser a rainha da festa junina. Lá, ouvem pela primeira vez o apelido de “assolan” ou “Bombril” numa referência aos seus cabelos crespos. É na escola que nos desfiles de 7 de setembro essas meninas foram convidadas a ficar no final dos pelotões, enquanto viam suas colegas mais “clarinhas” carregarem as bandeiras na frente. Também ali cansaram de ver suas companheiras de pátio coroarem Nossa Senhora na festa religiosa, sem nunca protagonizarem o evento. Então, é na escola sim, que podemos intervir todas as vezes que presenciarmos cenas de racismo, do contrário seremos cúmplices pela perpetuação desse fenômeno social global. É preciso desnaturalizá-lo! É na escola que muitas vezes as crianças negras são chamadas de macacas e são desumanizadas por seus colegas. É lá que devemos questionar os textos e ilustrações dos livros didáticos quando só apresentam brancos como personagens bem sucedidos, saudáveis, bem vestidos e com perspectivas futuras. Também é na escola que devemos questionar o fato da história “embranquecer” após 1888. Sim, porque se antes os negros apareciam fugindo ou apanhando no tronco, depois dessa data desaparecem. Cabe perguntar e propor pesquisa: Para onde foram os negros que ficaram livres? É preciso que nós profissionais da educação estejamos atentos e buscando nos familiarizarmos com o assunto, pois é na escola que acontecem as primeiras experiências de racismo com nossas crianças. Como professora da disciplina Relações Étnico-Raciais e Educação no Curso de Pedagogia, sempre que se cria uma possibilidade, vários alunos relatam com constrangimento e tristeza as mais diversas vivências desde crianças em razão do seu tom de pele e/ou do seu cabelo. Seja no shopping, no ônibus, nas entrevistas de emprego, ou na própria escola. Muitas aulas funcionam como espaço de denúncia e de desabafo. Muitos ficam surpresos, impactados, assustados, mas ninguém fica indiferente. Na escola devemos ensinar a convivência com base no respeito as diferenças de cor, credo, ideologias, entre outras. Precisamos dizer e demonstrar na escola que vidas negras importam. Que todos nós brasileiros temos muito de Amarildo, Ágatha, João Pedro, Floyd, Miguel e tantos outros que diariamente são descartados, tratados apenas como números nas tabelas estatísticas de uma sociedade violenta e desigual. O caso Floyd evidencia a presença do racismo na sociedade e em todo mundo. Após o assassinato, as manifestações clamando por justiça, igualdade e pelo fim do racismo eclodiram mundo afora. “Floyd” explica a carência de um debate aberto e mais profundo sobre as desigualdades raciais na escola e na sociedade, em geral. A tragédia descortinou tristes realidades e obrigou, sobretudo, a mídia a abrir espaços para milhares de vozes não brancas ecoarem. Programas com negros no centro do debate, jornais tendo os negros como protagonistas contando suas próprias histórias como vítimas do racismo, entre tantos outros, quebrando tabus e colocando o dedo nessa imensa chaga que a sociedade por séculos em nome da “democracia racial” teima em negar, foram exibidos quase cotidianamente durante vários dias. Nesses espaços as vozes que a história há séculos tenta calar, puderam mostrar o mito que é a tal democracia racial. Por meio de números, exemplos, lágrimas e vivências, expuseram suas dores e a luta cotidiana que travam para conquistar lugares que os brancos por toda história disseram que não deveriam ser ocupados pelos negros. Portanto, é preciso discutir na escola e desnaturalizar a asfixia que vivem os negros diariamente entre nós. Precisamos ensinar aos não brancos argumentos para derrubarem as acusações de que eles é que se vitimizam e reforçam o racismo. Lá, devemos dizer que o racismo é uma relação de poder e que esse poder historicamente emana dos brancos. Que na escola possamos ensinar aos nossos alunos/as o despertar para ver a asfixia social e racial a que estamos inseridos e que possamos ter vozes para gritar impedindo que tantos pescoços sejam constantemente apertados, mostrando que a luta dos nossos ancestrais valeu.
Compartilhar