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11 - Situação contemporânea dos povos indígenas

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11 - Situação contemporânea dos povos indígenas
11.1 Quem são e quantos são os povos indígenas hoje no Brasil 
	A denominação indígena significa, segundo os dicionários de língua portuguesa, nativo, pessoa natural do lugar ou do país em que habita.
	Apesar de o emprego do termo índio ou indígena ter adquirido, ao longo da história do Brasil, um sentido pejorativo, sendo associado a um modo de vida pouco “civilizado” e indolente, o movimento indígena, surgido a partir da década de 1970, decidiu que era importante manter, aceitar e promover aquela denominação genérica como uma forma de fortalecer a identidade conjunta e valorizar o fato de ser originário dessas terras, assim como de se unir para lutar por direitos comuns.
	No entanto, cada povo ou grupo indígena tem sua própria denominação. Em geral, tem duas denominações: a autodenominação, ou seja, como o grupo se chama ou refere a si mesmo, e um nome que lhe foi dado por outros povos, geralmente vizinhos, baseando-se em certas características ou imagens que tinham deles. Por exemplo, os tikuna se autodenominam magüta, mas povos do tronco tupi que conviviam com eles os chamaram de tikuna, e assim foi registrado e divulgado por missionários, nos séculos XVII e XVIII.
	O crescimento populacional indígena vem sendo significativo nas três últimas décadas. Ele deve ser entendido principalmente por dois fatores. Por um lado, como decorrência do crescimento demográfico, que está em torno de 4% ao ano, contra 1,6% da população brasileira. Por outro lado, como resultado dos processos de fortalecimento e reconhecimento da identidade étnica que os povos indígenas vêm atravessando nas últimas décadas, o que motivou que muitos começassem a se visibilizar e identificar como tais (LUCIANO, 2006a, p. 20).
	O antropólogo Darcy Ribeiro, com base em relatórios da antiga agência indigenista – o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – calculou, em 1957, a existência de 143 etnias, com uma população estimada entre 68.100 e 99.700 indivíduos. Hoje, estimam-se, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Socioambiental (ISA), 220 etnias, com uma população de 325 mil indígenas (PACHECO DE OLIVEIRA, 2006, p. 127-128). 
	As 220 etnias estão distribuídas ao longo do país – somente nos estados do Piauí e do Rio Grande do Norte a Funai não reconhece presença indígena. 162 dessas 220 etnias estão localizadas na Amazônia Legal2. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo de 2000, a quantidade de indígenas ainda é maior: estima-se um total de 740 mil e compõem 0,4% da população brasileira.
	A dificuldade de chegar a uma contagem exata da população indígena se deve ao fato não apenas de ela estar espalhada numa grande extensão do território, às vezes de difícil acesso, mas também ao fato de existirem grupos isolados sobre os quais se têm pouca informação, assim como índios urbanos, sobre os quais também existem escassos dados. Estima-se que existam atualmente 46 evidências de índios isolados (ou seja, que não têm contato com a sociedade nacional) no território brasileiro, das quais apenas 12 foram confirmadas até hoje pela Funai.
	Considerando os dados de 2005, que contemplavam os índios urbanos, o número de indígenas chegou a 740 mil indivíduos. E esse número continuou crescendo para 817.892 índios em 2010 (IBGE).
	Esse crescimento significativo da presença dos índios se deu em áreas rurais, indicando uma retomada da cultura indígena agrícola e rural, sinal de reforço nas políticas de proteção do índio.
	As terras que até hoje o Estado reconheceu como de posse indígena representam atualmente cerca de 12% do território brasileiro. A Constituição de 1988 garante o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas por eles. Cabe aclarar que isso não significa que tenham a propriedade dessas terras, que são bens e patrimônio da União, apenas lhe são garantidos a posse e o uso delas.
	Apesar do avanço que houve na garantia por parte do Estado de terras aos povos indígenas, ainda faltam várias áreas a serem demarcadas e existem vários grupos que estão sem terra, ou com terra insuficiente para garantir a sua sobrevivência. É igualmente grave a situação de muitas terras que sofrem invasão por parte de regionais não indígenas: madeireiros, caçadores, pescadores, entre outros, sendo seus recursos naturais violentados.
11.2 Diversidade linguística e cultural 
	Existe uma enorme diversidade cultural entre os povos indígenas do Brasil, expressada, entre outras formas, nas artes, na música, na tecnologia, na medicina, nos conhecimentos, nas tradições orais e nos rituais. Essa diversidade é produto das formas particulares em que cada povo foi se relacionando com o território, o meio ambiente e com os demais grupos, conforme suas crenças e visões de mundo. Também são significativos os processos de contato com agentes e agências do Estado e da sociedade nacional, que influenciaram nas formas em que hoje os indígenas assumem e mostram suas diferenças culturais. 
	As línguas expressam também essa rica diversidade, porque elas representam modos distintos de classificar e compreender o mundo. São transmitidas de geração em geração por meio da tradição oral. Apesar de muitas terem sido extintas, ao longo dos anos da colonização, ainda se falam mais de 180 línguas nativas. 
	Algumas delas são consideradas em risco de extinção, pelo número reduzido de falantes (cerca de 40 línguas). Certos povos já perderam suas línguas e falam as línguas de outros povos ou falam o português como língua materna. É o caso de 37 povos que só falam o português (LUCIANO, 2006a). Alguns deles estão levando a cabo um processo de resgate de suas línguas, com o apoio de organizações não governamentais e de especialistas vinculados à academia. São realizadas, para isso, pesquisas e estudos com os falantes mais idosos ou recorre-se a estudos linguísticos e antropológicos do passado.
	Os linguistas classificam as línguas indígenas em troncos, famílias, línguas e dialetos: há dois grandes troncos, o tupi e o macro-jê, e 20 famílias linguísticas que não apresentam graus de semelhanças suficientes para poderem ser agrupadas nesses troncos. Há, também, famílias de apenas uma língua, às vezes denominadas línguas isoladas, por não se revelarem parecidas com nenhuma outra língua conhecida.
11.3 Formas de organização social e parentesco 
	Cada povo possui uma forma própria de organizar suas relações sociais, políticas e de parentesco. As relações de parentesco são a base da estrutura social dos povos indígenas. Em geral, constituem-se com base na família extensa, que é uma unidade social articulada em torno de um patriarca ou de uma matriarca por meio de relações de parentesco consanguíneas e de afinidade política ou econômica com outros grupos aliados. Uma família indígena extensa geralmente reúne a família do patriarca, as famílias dos filhos, os genros, as noras, os cunhados e outras famílias afins que se filiam à grande família por interesses específicos.
	Alguns povos indígenas vivem em grandes malocas comunitárias, outros em casas separadas e dispersas ao longo dos rios e das florestas. Ainda outros têm se organizado em grandes aldeias com casas contíguas e nas que vêm se operando em um processo de urbanização. Também há os que vivem na cidade, mas isso não significa que tenham perdido vínculos com as suas comunidades de origem. 
	Existem papéis de liderança que são chamados tradicionais porque seguem as condições e regras herdadas dos seus pais ou ancestrais e que são aceitas pelo grupo. Sua função é aconselhar, organizar e articular os membros de sua aldeia ou grupo e também de representá-los diante de outros povos. Também existem as novas lideranças, que são novos papéis surgidos em função do contato com o Estado, principalmente com o órgão indigenista: capitães, professores indígenas, agentes indígenas de saúde, dirigentes de organizações indígenas. Eles funcionam como intermediários e interlocutores com a sociedade não indígenae adquiriram seus cargos por formas e critérios de escolha diferentes das lideranças tradicionais, como o de ter educação escolar e falar bem o português. As lideranças tradicionais e as novas lideranças coexistem no espaço das aldeias e tentam coordenar suas ações e representações de forma conjunta (LUCIANO, 2006a). 
	Em geral, os caciques – de forma diferente do uso do poder nas chamadas sociedades ocidentais – carecem de um poder autoritário e de uma estrutura repressiva. O chefe indígena adquire seu poder por prestígio, por capacidade de aconselhamento, pela posse de determinadas virtudes valorizadas pelo grupo. Mas seu poder vai se circunscrever a determinadas esferas ou circunstâncias. Não tem poder soberano sobre o grupo, e as decisões de ele tome terão que ser consensuadas pela coletividade. 
	De acordo com a posição que se tenha no grupo (em relação a idade, gênero, geração), serão outorgadas as tarefas, as funções e as responsabilidades aos indivíduos.
	Existem papéis especializados como os pajés ou xamãs, responsáveis pela segurança espiritual e pela cura dos membros de seu grupo. Alguns povos indígenas tinham papéis especializados de guerreiros, outros de caçadores e pescadores, outros de contadores de histórias e cantores.
11.4 Economias indígenas 
	Os índios que residem dentro das terras indígenas vivem dos recursos oferecidos pela natureza, da pesca, da caça, da agricultura, da coleta de frutos silvestres. Nelas encontra-se uma diversidade de ecossistemas – entre outros, matas das várzeas, matas de igapós, savanas de terra firme, florestas de terra firme, serrado, Mata Atlântica etc. Cada um desses ecossistemas enseja aos índios uma forma particular de manejo, de modo a otimizar a obtenção dos recursos que são necessários ao seu bem-estar. 
	O território é a base da vida dos povos indígenas, não apenas por ser o meio onde se encontram os recursos naturais que lhes garantirão sua subsistência econômica, mas também por ele estar vinculado a seres, espíritos, valores e conhecimentos de fundamental relevância para sua reprodução cultural.
	As condições territoriais serão determinantes para as economias e formas de vida praticadas. Assim, por exemplo, os que vivem em terras mais extensas e abundantes em recursos naturais têm a possibilidade de continuar praticando valores importantes para a organização social de muitos povos indígenas, como a reciprocidade e a generosidade na distribuição de alimentos. Já os que vivem em terras reduzidas e com escassos recursos naturais estão expostos a conflitos maiores e a não poder praticar rituais ou festas que requerem abundância de alimentos.
	A economia dos índios urbanos é diferente da economia dos índios aldeados, pois os primeiros não dependem das condições do território para sobreviver, e sim do mercado de trabalho e da assistência social. 
	Contudo, em muitos casos não existe uma fronteira rígida entre essas formas de economia, e, crescentemente, os que vivem em terras indígenas dependem do mercado e comerciam os produtos de sua roça por objetos manufaturados e, ao contrário, alguns indígenas que vivem na cidade conservam roças na aldeia e se deslocam para cuidar delas nos períodos necessários do ano.
11.5 Religiões indígenas 
	Os modos de vida indígenas seguem princípios e orientações cosmológicas e ancestrais fortemente marcados pelos mitos4. Existem princípios culturais cruciais para a existência étnica que não podem ser rompidos, uma vez que possibilitam equilíbrio e bem-estar. Romper com esses princípios e valores poderá significar a desestruturação da ordem social indígena.
	Na vida cotidiana, as concepções cosmológicas orientam, dão sentido, permitem interpretar acontecimentos e ponderar decisões. Elas se expressam pela linguagem simbólica dos rituais: música, ornamentos corporais, entre outros recursos, permitem o contato com outras dimensões cósmicas, com outros momentos do mundo e do processo da vida e da morte. 
	Os mitos são parte da tradição de um povo, no entanto a tradição é continuamente recriada e as experiências passadas são tornadas referências vivas para o presente e para o futuro. Os mitos mantêm com a história uma relação de intercâmbio.
	Os rituais, por sua vez, fazem o caminho inverso dos mitos. Eles contam e recriam o mito, promovendo uma espécie de retorno a um tempo de indiferenciação geral em que divindades, homens, animais e plantas se comunicavam entre si.

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