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Nova Constituição e a Ordem Jurídica Anterior

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Nova Constituição e a Ordem Jurídica Anterior
Hoje eu quero falar dos fenômenos que ocorrem quando uma nova constituição entra no ordenamento jurídico. Como a gente viu, em razão do exercício do poder constituinte, eu tanto posso ter uma nova constituição que surge historicamente - quando um novo estado se forma - quanto posso ter aquele poder constituinte revolucionário - que é fruto de uma ruptura com uma ordem anterior. 
Desconstitucionalização: a gente tem que imaginar que tinha uma constituição em vigor naquele estado e que aí vem uma nova constituição. Em regra, o que essa nova constituição faz com a constituição anterior? Ela revoga, ela tira a constituição anterior do ordenamento jurídico. 
No entanto alguns doutrinadores trazem a ideia de uma possibilidade de uma desconstitucionalização. Isso é uma coisa que nunca aconteceu com as nossas constituições federais...Todas as nossas novas constituições foram revogando as anteriores. 
Mesmo não tendo acontecido na prática vamos entender o que seria isso. Então olha só, vem a nova constituição, ao invés dela pegar a anterior e revogar ela tem um artigo que vai dizer “que a constituição anterior vai continuar no ordenamento jurídico, só que ela perde o seu status de constituição e passa ser uma norma infraconstitucional, como se fosse uma lei ordinária naquilo que ela for compatível com a atual constituição. Por isso que é uma desconstitucionalização, porque ela deixa de ser constituição, ela passa a ser meramente uma lei ordinária. 
Pensando lá na pirâmide de Kelsen, ela sai lá do topo da pirâmide e vai lá para baixo, junto com as demais normas infraconstitucionais. Então a própria constituição anterior não é revogada, ela continua no ordenamento jurídico, mas como norma infraconstitucional, como se ela fosse uma lei ordinária, naquilo obvio que ela for compatível com a constituição. 
Exercício de imaginação: Vamos imaginar que a nossa constituição atual, eu resolvo que ela é muito prolixa, muito analítica. E decido fazer uma nova constituição nos moldes da constituição dos Estados Unidos. Vamos fazer uma constituição sintética, concisa com vinte artigos. Bom, mas a constituição de 1988 tem tanta coisa ali bem detalhada, bem explicada. Vamos fazer o seguinte, constituinte originário fala, em vez da gente revogar a CF/88 vamos deixar ela no ordenamento como um código hibrido - que trata de diversos artigos - e ela continua aí no ordenamento como uma mera lei - ela pode ser modificada por outra lei. Isso é o que seria uma desconstitucionalização.
Recepção: Um outro fenômeno importante - esse sim acontece - é a recepção. Vamos entender então...Vamos pensar na nossa constituição de 88; constituição então foi lá promulgada , 88 entra no ordenamento jurídico com a nova constituição ...ora, a nova constituição quando ela nasce, ela está rompendo com uma ordem anterior... Quando ela entra no ordenamento jurídico, se a gente fosse pensar de uma maneira lógica: se a constituição é a norma suprema - ela está no topo do ordenamento jurídico - e ela é o parâmetro de todas as normas do ordenamento, então logicamente o ideal seria a constituição entra no ordenamento, revoga a constituição anterior - revoga tudo que estava no ordenamento anterior - e ai começa a produzir todas as normas a partir da nova constituição. Isso seria ideal, mas é impossível... o que seria feito com todos os processos em andamento? Eu ia parar, dar uma pausa no mundo? Para tudo, vamos esperara até o congresso fazer um novo código civil, penal, de processo...imagina. Impossível. Então justamente em razão de não existir essa possibilidade de pausar o mundo quando uma nova constituição entra no ordenamento, eu uso justamente essa teoria da recepção, ou seja, a constituição anterior foi revogada, mas as normas infraconstitucionais, todas aqueles que forem compatíveis com a nova constituição, elas vão poder permanecer no ordenamento jurídico...e as que não forem compatíveis serão consideradas não recepcionadas - revogadas tacitamente.
Mas acontece, aqui em primeiro lugar o seguinte, eu pergunto: O que eu vou analisar dessa norma que já existia -quando em 88 sai a constituição? Eu vou analisar os aspectos formais e materiais da norma ou só os matérias? 
Como assim? Ora, eu tenho os aspectos formais...qual é a espécie normativa, qual foi o processo legislativo para a elaboração daquela espécie normativa ...E eu tenho os aspectos materiais da norma que é o seu conteúdo, o assunto que ela trata.
*Pois bem, lembre-se sempre disso, para fins de recepção só interessa os aspectos matérias da norma, só o conteúdo, os assuntos versados na norma. 
Porque isso é tão importante? 
Se você olhar o artigo 59 da CF, você vai ver quais são as espécies normativas que existem atualmente. Quais são elas? Emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos e resoluções.
Pois bem, se você pegar o código penal, você vai ver que o código penal é um decreto lei. Decreto lei não existe mais, a nossa constituição não prevê a existência de decreto lei. Ora se eu fosse levar em consideração para definir a recepção ou não de uma norma pelos aspectos formais o código penal não teria sido recepcionado. Por que ele não teria sido recepcionado? Porque não existe mais o decreto lei, não posso recepcionar o decreto lei. Ora, mas não é assim que funciona. Não me interessa os aspectos formais, pouco importa se é decreto lei...O aspecto formal não importa para fins de recepção, o que importa é o conteúdo, o que importa é olhar artigo por artigo; todos os artigos daquela norma que estiverem de acordo com a constituição, eles continuam valendo. 
*ATENÇÃO! A gente não fala aqui em inconstitucionalidade superveniente (que vem depois). Preste bem a atenção. A constitucionalidade ou não de uma norma eu analiso no momento que essa norma nasce, no momento que essa norma entra no ordenamento jurídico. E para eu dizer que uma norma é constitucional ou inconstitucional, eu tenho que olhar para a constituição que está no ordenamento no momento em que ela nasceu...Então eu tenho aqui uma constituição em vigor, a norma é produzida...quando a norma é produzida ela tem que estar de acordo com a constituição vigente, tanto nos seus aspectos formais, como nos seus aspectos materiais...tanto à espécie normativa tem que ser uma espécie normativa prevista na constituição; o processo legislativo par elaborar essa espécie normativa tem que seguir o que está na constituição ; e o conteúdo dela tem que estar de acordo com a constituição...porque a constituição é dotada de uma parametricidade formal e material. Então no momento que a norma nasce eu vou dizer se ela é constitucional ou inconstitucional. Se ela estiver de acordo com a constituição formalmente e materialmente ela é constitucional. Se ela não estiver de acordo com a constituição formalmente ou materialmente ela é inconstitucional. Então a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma eu só posso analisar tendo por parâmetro a constituição vigente no momento em que essa norma foi produzida, no momento que essa norma entrou dentro do ordenamento jurídico.
Ora, aqui nós estamos falando da seguinte situação: Eu tinha uma norma, que nasceu no momento em que uma constituição estava no ordenamento, ela estava de acordo com essa constituição, ela foi produzida formalmente, materialmente de acordo com aquela constituição, ela, portanto era constitucional. Aí entrou no ordenamento jurídico uma nova constituição que revogou aquela constituição anterior...aquela norma que era constitucional - à luz daquela constituição revogada - ela vai passar por uma análise do seu conteúdo apenas - agora não me interessa mais o aspecto formal - eu vou olhar o conteúdo para ver se ele está de acordo com essa nova constituição. 
Se ele estiver de acordo com a nova constituição, eu digo que essa norma foi recepcionada e ela pode continuar no ordenamento produzindo seus efeitos e se aplicando normalmente.... Mas se o seu conteúdoconflitar com a nova constituição, então aquele dispositivo não pode ser mais aplicado. Mas eu não posso dizer que ele se tornou inconstitucional, ele não pode ser inconstitucional; porque inconstitucional significa ser produzido contra a constituição ...como que ele podia ser contra a constituição que nem existia no momento em que ele nasceu? Quando aquele dispositivo nasceu, era outra constituição, com relação a outra constituição ele foi perfeito, ele estava de acordo. Então nós não admitimos a ideia da inconstitucionalidade superveniente, ou seja, que vem depois. 
A norma anterior a constituição que não for com ela compatível, ela não se torna inconstitucional ...eu não posso falar de inconstitucionalidade de uma norma anterior a 1988...O que eu posso falar é se ela está recepcionada ou se ela está não recepcionada (revogação tácita e revogação hierárquica) – ela então é uma norma que não pode ser mais aplicada. 
*Com relação as normas anteriores a constituição de 88 eu jamais posso ter a propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade. Porque ação direta de inconstitucionalidade é um instrumento para combater a norma inconstitucional.
E norma inconstitucional é aquela que é produzida contra a constituição vigente no momento da sua produção. Portanto se a norma já existia quando veio a nova constituição, eu não posso falar em norma inconstitucional e é por isso que não cabe ação direta de inconstitucionalidade de normas anteriores a constituição. No entanto nós temos à previsão de um instrumento pro controle abstrato e concentrado dessa norma anterior que é a ADPF ( Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). A ADPF sim, vai poder ser utilizada pra discussão da recepção ou não da norma anterior a constituição...pra verificar se ela está compatível ou não. Porque a existência desse controle concentrado se tornou necessário?
Pelo seguinte...quando em 88 entrou no nosso ordenamento jurídico a constituição ela não lançou um raio mágico que queimou tudo aquilo que não estava recepcionado ...quem faz a análise do que está ou não recepcionado são os operadores do direito (juízes, promotores, advogados etc.). Quando a constituição sai lá em 88 alguns dispositivos são gritantemente não recepcionados.... Aí facilmente as pessoas dizem que eles não estão recepcionados e que ninguém mais vai aplicar. O dispositivo que é sempre utilizado como exemplo é o art. 26 do CPP, que possibilitava o início de uma ação penal nas contravenções por portaria do delegado ou por ato do juiz. 
Ora, totalmente não recepcionado .... Mas acontece que existem certas normas que as vezes por serem menos utilizadas …de repente todo mundo continua aplicando aquilo e não para pensar.... Aí eu te pergunto: *Será que hoje eu posso arguir, questionar a não recepção de uma norma anterior? Claro que pode. A recepção, portanto, pode ser analisada a todo momento. Se eu entender que uma norma anterior não está de acordo com a constituição, eu não só posso, como devo arguir a sua não recepção. Mas cuidado, é arguir a sua não recepção e não sua inconstitucionalidade. Por que nós não admitidos a inconstitucionalidade superveniente.
Uma outra questão que precisamos falar...voltando lá para o formal e o material... É o seguinte... o que nós vamos analisar na recepção é o aspecto material. Mas como é que fica essa questão formal? Pensa lá o código penal, decreto lei, ele entrou, está recepcionado. Ok! Mas se hoje eu quiser fazer uma mudança no condigo penal, como é que eu faço? Por que veja, lei eu mudo por lei ...lei ordinária por lei ordinária; lei complementar por lei complementar. Como é que eu mudo um decreto lei? Para solucionar isso a gente trabalha da seguinte maneira...a norma anterior que materialmente está recepcionada, com relação ao aspecto formal eu vou tratá-la como se ela fosse a espécie normativa prevista na constituição atual pra tratar daquele assunto. Então eu vou ter que olhar para o conteúdo e identificar o que é o conteúdo dessa norma .... Então vamos pensar no código penal...lei penal, matéria penal...então o decreto lei que estabelece ali o código penal ele trata materialmente de direito penal. 
Aí eu vou lá na CF/88...para o direito penal qual é a espécie normativa que eu preciso? Lei ordinária. Portanto para eu alterar o código penal eu vou usar a lei ordinária. 
Vamos agora para o código tributário nacional, ele traz normas gerais de direito tributário... Ele não é uma lei ordinária ...Normas gerais de direito tributário só podem ser disciplinadas por lei complementar. Portanto o código tributário que foi recepcionado materialmente ele hoje é tratado como uma lei complementar.... Se eu precisar de fazer uma modificação no código tributário eu vou ter que fazer por lei complementar.
Emenda constitucional: A emenda é fruto do poder constituinte derivado e reformador, portanto ela é uma nova constituição. Ora se eu tenho uma lei posterior a 88, mas anterior a uma emenda, essa lei vai passar sobre o crivo da recepção à luz dessa nova emenda. A emenda, portanto, me traz justamente a aplicação do fenômeno da recepção. Porque se eu tenho uma lei por exemplo de 90 , que está incompatível com a emenda feita em 94 , eu não vou falar em inconstitucionalidade superveniente, eu vou falar em não recepção. 
Pensa o seguinte: Quando a constituição saiu, o estágio probatório era de 2 anos, aí veio a lei 8.112 e disciplinou o estágio probatório de 2 anos, aí a constituição passou por uma emenda e passou a dizer que o estágio probatório é de 3 anos. Ora, quando a lei 8.112 fala em dois anos, esses dois anos não estão recepcionados.... Então eu vou aplicar toda a disciplina do estágio probatório, mas eu vou considerar o que está na emenda. Portanto eu vou aplicar o prazo de 3 anos. Quando eu penso em uma emenda, eu vou aplicar o fenômeno da recepção. 
Uma norma anterior a emenda não pode ser objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade por ofender a emenda. Porque? Porque se ela é anterior a emenda, ela, portanto é uma norma recepcionada ou não recepcionada, eu não posso falar em inconstitucionalidade superveniente.

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