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A hora do almoço na balança, um estudo sobre restaurantes a kg centro do RJ

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Prévia do material em texto

Amanda Costa Reis de Siqueira 
 
 
 
 
 
 
A hora do almoço na balança: 
um estudo sobre restaurantes a quilo 
no centro do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio 
como requisito parcial para obtenção do título 
de Mestre em Ciências Sociais. 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Roberto Augusto DaMatta 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Abril de 2008 
DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610488/CA
 
 
 
 
 
Livros Grátis 
 
http://www.livrosgratis.com.br 
 
Milhares de livros grátis para download. 
 
 
 
 
 
Amanda Costa Reis de Siqueira 
 
 
 
 
 
A hora do almoço na balança: 
um estudo sobre restaurantes a quilo 
no centro do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial 
para obtenção do título de Mestre pelo Programa 
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-
Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo 
assinada. 
 
 
 
 
 
Prof. Roberto Augusto DaMatta 
Orientador 
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio 
 
 
 
 
 
Profa. Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes 
UFF 
 
 
 
 
 
Prof. Valter Sinder 
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio 
 
 
 
 
 
Prof. Nizar Messari 
Coordenador Setorial do Centro 
de Ciências Sociais – PUC-Rio 
 
 
 
 
Rio de Janeiro, 28 de abril de 2008 
DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610488/CA
 
 
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou 
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e 
do orientador. 
 
 
 
 
Amanda Costa Reis de Siqueira 
 
Graduou-se em Comunicação Social, com Habilitação em 
Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso em 2004. 
Cursou a Pós-Graduação (Latu-Sensu) em Sociologia, Política e 
Cultura na PUC-RIO em 2005. Cursou Mestrado em Sociologia, 
Política e Cultura em linha de pesquisa de Diversidades 
Culturais. 
 
 
 
 
 
 
Ficha Catalográfica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Siqueira, Amanda Costa Reis de 
 
 
 A hora do almoço na balança : um estudo sobre 
restaurantes a quilo no centro do Rio de Janeiro / Amanda 
Costa Reis de Siqueira ; orientador: Roberto Augusto Da 
Matta. – 2008. 
 
 
 84 f. ; 30 cm 
 
 
 Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade 
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e 
Política. 
 
 
 Inclui referências bibliográficas. 
 
 
 1. Sociologia – Teses. 2. Comensalidade. 3. Hábitos 
alimentares. 4. Simbologia do poder da comida. I.Matta, 
Roberto Augusto da. II. Pontifícia Universidade Católica do 
Rio de Janeiro. Departamento de Sociologia e Política. III. 
Título. 
 
CDD: 301 
DBD
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Aos meus familiares e, em especial, 
ao meu namorado, Matheus. 
DBD
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Agradecimentos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Desejo agradecer ao professor Roberto DaMatta por ter acolhido e incentivado, 
desde o início, como especial interesse, a idéia de trabalhar com o tema da 
Alimentação Brasileira e suas implicações antropológicas. 
 
Àqueles que integraram as bancas de qualificação e defesa, Enrique Reinteria, 
Laura Graziela Gomes e Valter Sinder, agradeço o carinho e a dedicação à leitura 
cuidadosa e atenta do meu trabalho. As sugestões, críticas e observações foram 
sempre muito enriquecedoras. 
 
Agradeço à CAPES pelo incentivo aos estudantes e a mim, particularmente, por 
acreditar na pesquisa que possibilitou a confecção desta dissertação. 
 
Agradecimentos especiais aos colegas de turma e futuros mestres que estiveram 
sempre comigo, dando sugestões e participando ativamente da elaboração de meu 
trabalho. 
 
DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610488/CA
 
Resumo 
 
 
 
 
 
 
Siqueira, Amanda Costa Reis de; DaMatta, Roberto Augusto (Orientador). 
A hora do almoço na balança: um estudo sobre restaurantes a quilo 
no centro do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008. 84p. Dissertação de 
Mestrado – Departamento de Sociologia Política e Cultura, Pontifícia 
Universidade Católica do Rio de Janeiro. 
 
 
 
O presente trabalho tem por objetivo discutir como formas alimentares são 
capazes de expressar hábitos sociais. A partir de pesquisa realizada em 
restaurantes a quilo no centro da cidade do Rio de Janeiro, surge o cotidiano da 
hora do almoço – que confere a fatores como a pressa, as misturas de alimentos 
improváveis de serem consumidos num mesmo prato, o dinheiro, elementos 
associados ao tradicional e ao moderno, tempero para o realizar das refeições. A 
partir de referenciais sociológicos e antropológicos diversos, são interpretados 
palavras, gestos e sentimentos em torno do ritual da alimentação. Emergem 
diversos elementos que demonstram o que se interpreta como tradicional e novo 
na alimentação, a partir da distinção entre “a casa e a rua” e também da utilização 
da noção de “mundialização”, através da qual é possível identificar sobreposições 
e convivência de valores culturais aparentemente conflitantes. A hora do almoço é 
mais do que a hora da comida; a escolha da comida, por sua vez, está ligada a 
fatores que extrapolam os aspectos financeiros, de conveniência ou mesmo 
critérios de classe ou de gênero. Ao desvendar como este modelo de restaurante se 
tornou um “espaço social alimentar”, revelam-se representações de valores da 
cultura brasileira e traços da nossa identidade social. 
 
 
 
 
 
Palavras-chave 
Comensalidade; hábitos alimentares; simbologia do poder da comida. 
DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610488/CA
 
Abstract 
 
 
 
 
 
Siqueira, Amanda Costa Reis de.; DaMatta, Roberto Augusto (Advisor). 
Weighing lunch time: a study about kilo restaurants downtown Rio de 
Janeiro. Rio de Janeiro, 2008. 84p. Dissertação de Mestrado – 
Departamento de Sociologia, Política e Cultura, Pontifícia Universidade 
Católica do Rio de Janeiro. 
 
 
 
This study intends to identify the ways in which eating may express social 
habits. Kilo restaurants downtown Rio de Janeiro show the daily lunch time and 
its various seasonings: time, money, surprising mixtures, tradition and modernity. 
The eating ritual, with its traditional and new patterns, is analyzed in light of the 
distinction between “the home and the street” and also taking the concept of 
“mundialization” into account. Such concept indicates that cultural values related 
to tradition and modernity coexist and overlap. Other sociological and 
anthropological references are ingredients also used to capture how cultural values 
that are apparently conflicting mingle at lunch time, as demonstrated by words, 
gestures and feelings towards eating. This research indicates that lunch time has 
become much more than eating time; similarly, the choice of food is related to 
elements that extend well beyond financial aspects, convenience or those related 
to gender and class criteria. This type of restaurant reveals a new type of “social 
locus” where Brazilian social values and identity traits are also on display. 
 
 
 
 
 
Keywords 
Commensality; eating habits; symbolism of the power of food. 
DBD
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Sumário 
 
 
 
 
 
 
 
1. Introdução: Entrada 10 
 
 
 
2. Prato principal 25 
 
2.1. “Tempo” 26 
2.1.1. Tempo de hoje, tempo de ontem 29 
 
2.2. Relativizando 31 
2.2.1. Aproveitar o pouco tempo com comida de verdade 32 
 
2.3. O Centro da Cidade 33 
 
2.4. Hora do almoço 34 
 
 
 
3. Acompanhamentos 37 
 
3.1. Dias da Semana 38 
3.1.2. Fim-de-semana 40 
 
3.2. Comida feminina, comida masculina 41 
 
3.3. Feijão com arroz 44 
 
3.4. Dinheiro 46 
 
3.5. Acompanhamento à parte do menu 48 
 
 
 
4. Sobremesa 54 
 
4.1. Casa e Rua 55 
 
4.2. Desfeita 59 
 
4.3. Comida de casa, comida de rua 60 
 
4.4. Misturas permitidas 62 
DBD
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4.5. Repetir o prato 63 
 
4.6. A rua entrando pela porta da frente 64 
 
 
 
5. Um cafezinho 66 
 
5.1. O local e o mundial 67 
 
5.2. Fast-food x Comida tradicional 71 
 
 
 
6. Conclusão 74 
 
 
 
7. Referências bibliográficas 79 
 
 
 
DBD
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1 
Introdução: Entrada 
 
 
“Muito mais que um ato biológico, a alimentação humana é um ato social e 
cultural [que] (...) implica representações e imaginários, envolve escolhas, 
classificações, símbolos que organizam as diversas visões de mundo no tempo e 
no espaço. Vendo a alimentação humana como um ato cultural, é possível pensá-
la como um ‘sistema simbólico’ no qual estão presentes códigos sociais que 
operam no estabelecimento de relações dos homens entre si e com a natureza1”. 
 
 
Com este trecho inicio minha dissertação de Mestrado que tem a intenção 
de trazer, sob o tema dos restaurantes a quilo no centro do Rio de Janeiro, uma 
interpretação de como formas alimentares são capazes de dizer muito sobre nós 
mesmos. 
Para além das necessidades fisiológicas que os homens buscam suprir 
através da alimentação, há um potencial de expressão de hábitos sociais na 
cozinha de cada local e, no Brasil (incluindo o Rio de Janeiro), não seria diferente. 
Portanto, acompanhando a percepção do antropólogo Claude Lévi-Strauss 
que em seu livro Mitológicas2 observou que os alimentos não são apenas bons 
para se comer, mas, também para se pensar, meu trabalho de campo em 
restaurantes a quilo do centro da cidade do Rio de Janeiro tem como motivo a 
busca de uma maneira de comunicação com formas alimentares, tornando 
possível analisar mecanismos pelos quais o ritual da alimentação se dá na 
sociedade brasileira, ou pelo menos parte dela. 
Reforço o argumento da importância de pesquisas em locais onde os 
hábitos alimentares dialoguem com atos sociais que caracterizam um povo já que: 
 
A maneira como os homens concebem a satisfação de suas necessidades 
alimentares não poderia reduzir-se a lógicas utilitárias ou tecnológicas estritas. 
 
1 BARBOSA, Lívia & Gomes, Laura Graziela. Culinária de Papel. In: Estudos Históricos: 
Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 25. 
2 LÉVI-STRAUSS, Claude. A Origem dos Modos À Mesa - Coleção Mitológicas Vol. 
III, Cosacnaify apud CERTAU, Michel de.; GIARD, Luce.; MAYOLl, Pierre. A invenção do 
cotidiano 2. Morar, Cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 
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11 
A alimentação tem uma função estruturante da organização social de um grupo 
humano3. 
 
Em ruas movimentadas do centro carioca, nos dias úteis da semana e 
durante o horário do almoço, procurei observar como “o comportamento relativo à 
comida liga-se diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade 
social”4. 
Acompanho o interesse de Mintz5 sobre o tema, pois: 
 
Não é de surpreender, portanto, que o comportamento comparado relativo à 
comida tenha sempre nos interessado e documentado a grande diversidade 
social. Também não espanta que os antropólogos, desde o começo, tenham se 
fascinado pela ampla gama de comportamentos centrados na comida. 
 
Raul Lody6 também partilha da opinião de que um olhar interessado para o 
tema da alimentação é capaz de trazer à tona traços relevantes de uma organização 
social: 
 
A alimentação é uma maneira de se chegar, interar e participar em diferentes 
momentos da vida de um povo, de uma sociedade. A comida tem essa vocação de 
socialização, de comunicação. Todos os grandes intérpretes da cultura olham 
para comida, porque é uma referência muito importante para compreender como 
se organiza, se representam os papéis sociais e a forma de identificarmos as 
pessoas, suas identidades, diferenças e características. 
 
Para localizar o tema sob um enfoque específico, que já foi posto acima 
como sendo a zona central do Rio de Janeiro, o trabalho a seguir conta com a 
relevância de como: 
 
As formas sociais de comer em casa, em refeitórios, em restaurantes, na rua 
envolvem aspectos relevantes para sua análise histórica ao serem abordadas em 
suas transformações ao longo do tempo7. 
 
 
3 POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, 
p.19. 
4 MINTZ, Sidney W. “Comida: uma breve revisão” In: Scielo, Revista Brasileira de Ciências 
Sociais, v.16, n. 47, São Paulo, 2001. 
5 Op. cit. 
6 http://www.malaguetacomunicacao.com.br
7 CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação. Rio de Janeiro: 
Campus, 2003. 
http://www.malaguetacomunicacao.com.br/
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12 
Esta pesquisa propõe-se a encontrar para este modelo de restaurante um 
“espaço social alimentar8”, buscar nele um ambiente onde se possa encontrar 
representações de valores da cultura brasileira. 
A intenção de tratar do estilo brasileiro do ritual de alimentação a partir 
deste ângulo dos restaurantes a quilo cogita a possibilidade da mistura de hábitos 
culturais mundiais. Influências de culturas alimentares oriundas de outras partes 
do mundo se confrontam/convivem com temas que remetam à autenticidade dos 
hábitos alimentares brasileiros. 
Antigos e novos costumes brasileiros aparecem neste espaço dos 
restaurantes às vezes de forma conflitante, às vezes em convívio harmonioso e às 
vezes no que poderia se interpretar como uma reinterpretação do velho e do novo. 
Nesse sentido, aspectos novos que são caracterizados por aspectos externos que 
influenciam como se alimentam os brasileiros não se sobrepõem a antigos 
costumes, comidas. Pelo contrário, nesta mistura entre o “estrangeiro” ou o que o 
brasileiro classifica como tal e o nacional, ou o que o brasileiro assim classifica 
convivem e produzem uma interação posta de maneira peculiar neste “espaço 
social alimentar”. 
 
 
Sobre o trabalho de campo 
 
Este trabalho é resultado de pesquisa de campo em determinada rua do 
centro da cidade do Rio de Janeiro9. 
A pesquisa foi centrada em um local específico, escolhido depois de 
caminhadas por esta movimentada área. Nessas andanças, pude perceber que neste 
trecho definido havia todos os tipos de estabelecimentos alimentares (restaurantes 
à la carte, lanchonetes, restaurantes de pratos feitos, padaria e choperia), além de 
inúmeros restaurantes do modelo que desejava pesquisar, os restaurantes a quilo. 
Um universo que abrigasse restaurantes a quilo e demais tipos de 
estabelecimentos alimentares seria menos comprometedor para a pesquisa pois 
contaria com uma variedade que não fizesse do espaço um local de maioria de um 
 
8 CONDOMINAS, G. L’espace social à propôs de l’Asie du sud-Est. Flammarion, Paris, 1980 
apud POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006. 
9 O nome da rua será mantido sob sigilo pois esta foi uma garantia que fiz aos clientes, gerentes, 
donos e funcionários dos locais pesquisados. 
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13 
ou outro tipo de espaço de alimentação. A multiplicidade de locais se fez 
importante para perceber quais eram as características daqueles que escolhiam os 
restaurantes do tipo a quilo diante da oportunidade de opção de outros lugares. 
O método escolhido se dividiu em entrevistas com freqüentadores, 
cozinheiros e gerentes ou donos dos restaurantes, com perguntas previamente 
estipuladas em um questionário. Mesmo assim, não estava limitada a 
possibilidade de conversas abertas, com liberdade para que os entrevistados 
fizessem relatos pessoais. 
O questionário tinha a importância de me guiar e não me deixar esquecer 
questões relevantes sem que isso cerceasse a abertura para depoimentos longos, 
relatos de histórias de vida dos entrevistados, o que, de fato,aconteceu muitas 
vezes. Assim, nenhuma entrevista estaria previsível, com um roteiro pré-
estabelecido de começo, meio e fim. 
Em comum, cada entrevista foi feita de acordo com um questionário com 
perguntas gerais como idade, sexo, estado civil, profissão e grau de escolaridade. 
Estes quesitos se fizeram presentes em todos os grupos de entrevistados. Estes 
grupos se dividiram em clientes, cozinheiros e gerentes ou donos dos restaurantes. 
No questionário reservado aos clientes havia perguntas referentes às vezes 
por semana que os entrevistados trabalhavam; quantas vezes por semana 
freqüentavam restaurantes do tipo a quilo; se era sempre o mesmo; desde quando 
freqüentava este tipo de restaurante; porque optou por este tipo de restaurante; 
quanto tempo teria para almoçar; o que costumava fazer na hora do almoço; como 
escolhia o que iria comer; se costumava almoçar acompanhado, entre outras. 
No questionário para os cozinheiros, havia questões sobre a escolha do 
cardápio do restaurante; qual ou que comida não poderia faltar no cardápio; quais 
eram as principais características deste tipo de restaurante; dúvidas sobre o 
funcionamento das cozinhas, entre outras. 
Também havia questões para gerentes ou donos dos estabelecimentos, 
perguntas sobre como eles definiam o que tipo de cliente de seu restaurante; 
horários em que o almoço deveria estar servido; definições sobre as principais 
características de seus estabelecimentos, curiosidades sobre a diferença entre o 
restaurante a quilo e o à la carte, entre outras. 
A maioria das entrevistas foi feita nos restaurantes por mim freqüentados 
durante o trabalho de campo – tarefa nada fácil, já que precisava abordar pessoas 
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14 
enquanto almoçavam, o que me rendeu uma receptividade nem sempre amigável 
por parte dos entrevistados. Ainda assim, era preciso que a abordagem fosse feita 
naqueles momentos, era preciso entrevistar aqueles “que participaram, viveram, 
presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que 
possam fornecer depoimentos significativos10”. 
A divisão em três distintos grupos me levou a diferentes partes do 
restaurante. Enquanto circulava pelos salões, a comunicação se dava com clientes, 
pelas cozinhas pude entrevistar os cozinheiros e, em áreas reservadas, como 
pequenos escritórios no interior dos restaurantes ou em mesas selecionadas, a 
entrevista se deu com gerentes e donos dos espaços. 
Dessa forma, as entrevistas me proporcionaram um conhecimento de todas 
as áreas de um restaurante e me forneceram uma visão ampla de todas as partes do 
local que se somam na sua dinâmica de funcionamento. 
Aqueles perfis que não foram encontrados durante os dias de pesquisa 
foram buscados fora da área dos restaurantes, tendo eu feito algumas entrevistas 
pessoalmente em ambientes que não o dos restaurantes e algumas por meio de 
correio eletrônico. 
Somando estes dois métodos de coleta de depoimentos, recolhi 40 
entrevistas sendo elas de 18 homens e 22 mulheres. Dessa forma, procurei fazer 
uma pesquisa que equilibrasse a quantidade de homens e mulheres entrevistados. 
Apesar de optar pelo método de pesquisa qualitativo, que tem como 
critério a seleção de entrevistados conforme sua identificação com o tema de 
estudo, sem que isto signifique a necessidade de se buscar grande quantidade de 
entrevistados, segui o conselho de Daniel Bertaux11 sobre o critério do número de 
entrevistas a realizar. Segundo o autor, quando as entrevistas de uma pesquisa se 
tornam repetitivas significa que elas produzem pouca variedade de informação e, 
portanto, já estão na fase de serem encerradas. 
Com este método, aliei a escolha de pessoas que estivessem diretamente 
relacionadas ao tema em questão com a percepção do momento de encerrar o 
período de entrevistas e iniciar a etapa de interpretação dos dados recolhidos. 
 
10 ALBERTI, Verena. Manual de História Oral, Rio de Janeiro, FGV, 2005, p. 32. 
11BERTAUX,Daniel. “L’approche biographique”. In: Cahiers Internationaux de Sociologie. Paris, 
PUF, 1980, p. 197-225 apud ALBERTI, Verena. Manual de História Oral, Rio de Janeiro, FGV, 
2005, p. 36. 
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15 
Deste número total de entrevistas vale ressaltar que foi realizada também 
uma distinção de faixas etárias, já que pessoas de 18 a 65 anos participaram da 
pesquisa, e de profissões, que se mostraram múltiplas ao longo do trabalho. 
Sob alguns aspectos também se fez importante levar em consideração as 
diferenças de gênero nas idéias acerca do uso dos restaurantes do tipo a quilo e da 
hora do almoço. Foi sob forma hipotética que este tema chamou atenção para um 
possível surgimento de distintas visões sobre a freqüência nos locais visitados12. 
Com a ajuda tecnológica de um MP3, aparato compacto que aprendi a 
utilizar para substituir o antigo gravador que, por seu tamanho, poderia tornar a 
entrevista um pouco assustadora e acabaria por chamar a atenção de todos ao 
redor, obtive o registro da maioria das entrevistas e, assim, pude concluir esta 
etapa da minha pesquisa. 
Também utilizei do recurso antropológico de observação-participante para 
alcançar detalhes que pudessem escapar às entrevistas. Passei a almoçar em todos 
os restaurantes, costumando chegar no horário de abertura dos mesmos, 
geralmente às 11hs, e sair às 14hs, horário comum de fechamento. 
Um caderno de campo me acompanhava neste período da pesquisa. 
Ressalto sua importância, pois foi ele que me auxiliou na formação de impressões 
sobre a circulação nos salões dos restaurantes. Algo que escapava aos 
depoimentos e desenhos sobre a conformação dos ambientes são exemplos de 
materiais que foram identificados com a consulta ao meu caderno de campo. Os 
detalhes que pouco lembramos, o caderno de anotações pessoais não nos deixa 
esquecer. 
De forma geral, a construção de minha interpretação se deu através das 
palavras e situações mais recorrentes ao longo da pesquisa no centro da cidade do 
Rio de Janeiro. Os elementos-chave, sob forma de palavras, gestos e sentimentos 
foram as principais inspirações para a composição deste trabalho de campo. 
 Por fim, e não menos importante, esta dissertação conta, ainda, com o 
apoio de bibliografias, artigos, revistas, músicas e endereços eletrônicos que 
tratam de alguma maneira da temática dos rituais em torno do tema da refeição. 
Através delas busquei refúgio para me apoiar e tentar alcançar a multiplicidade de 
 
12 Este questionamento sobre a possibilidade de homens e mulheres usarem de maneiras distintas 
os restaurantes a quilo surgiu durante minha Qualificação de Mestrado, em intervenção feita pelos 
professores da banca Enrique Reinteria, Laura Graziela Gomes, Roberto DaMatta e Valter Sinder. 
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16 
percepções que se pode tirar de um salão por onde circulamos no instante de um 
dos rituais mais comuns de nossas vidas, o ritual da alimentação. 
 
 
Sobre os restaurantes a quilo... 
 
Embora pareça que eles sempre estiveram presentes nas ruas do Rio de 
Janeiro, os restaurantes a quilo mais antigos encontrados, sob formato no qual esta 
dissertação se propõe a analisar, datam não mais que vinte, vinte e poucos anos. 
Este modelo já faz parte do desenvolvimento do hábito de se alimentar na rua, 
mas nem sempre pareceu comum ao trabalhador: 
 
Nas décadas de 50 e 60 era considerável o número de pessoas que almoçavam 
em casa; outras quando saiam para o trabalho, comiam em pensões ou levavam 
lanches. Pouco a pouco, essas práticas são vistas como sinais de arcaísmo e 
caem em desuso. Os restaurantes e o fast-food tornam-se as opções 
preferenciais. Isso implica a redefinição do significado da refeição13. 
 
As mudanças e o aumento das atividadesrealizadas pelas pessoas que 
circulavam pelos centros urbanos são simbolizados pelo hábito que se cria de 
comer na rua. Retornar em casa para almoçar e retornar ao trabalho já não era 
mais tarefa fácil14: 
 
O self-service, o popular “quilo”, chegou na metade da década de 80 quando 
eram pouquíssimas as opções para quem precisava almoçar fora de casa. O 
cenário começou a mudar com a instalação de redes de fast-food e o surgimento 
dos restaurantes por quilo passou a permitir ao consumidor escolher entre 
várias opções como saladas, carnes e massas, pagando apenas pela quantidade 
consumida. A novidade não demorou muito a se espalhar por todo o país15. 
 
De variações que foram sendo estabelecidas, chega-se à conformação atual 
dos restaurantes a quilo. Caminho traçado após o surgimento dos cafés das 
 
13 ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 85. 
14 Há de se considerar também a importância da entrada da mulher no mercado de trabalho, 
fazendo com que o tempo que estas destinavam apenas às tarefas domésticas fosse sendo 
substituído por funções profissionais das ruas. Por esta razão, as refeições antes planejadas pela 
dona-de-casa deveriam ser realizadas fora dela, já que estavam elas trabalhando em esferas à parte 
do ambiente doméstico. 
15 Dados obtidos no endereço eletrônico (http://www.primeiramao.com.br), site interligado ao 
Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) (www.sebrae.com.br). 
http://www.primeiramao.com.br/
http://www.sebrae.com.br/
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crônicas de Luiz Edmundo16, das pensões com comida caseira oferecida aos 
homens que não tinham tempo de voltar às suas casas, dos restaurantes com 
cardápio fixo e das lanchonetes de fast-food, que eram novidade nos anos 60 no 
Brasil, até o que encontramos nos dias de hoje como opções de serviços. A partir 
deste momento chegamos ao ponto desejado: buscar definir características dos 
restaurantes a quilo. Vamos a elas. 
Restaurantes a quilo são estabelecimentos que oferecem grande variedade 
de comidas expostas em displays. O cliente caminha por um corredor repleto de 
opções e elege aqueles alimentos que deseja para formar seu prato. Em seguida, 
há uma balança onde o prato é pesado e um preço é estabelecido. Todos os 
produtos consumidos são identificados em uma cartela individual que é paga na 
saída do restaurante. 
A formação deste corredor de alimentos também pode variar de local para 
local. Em comum, há sempre no começo destes corredores variações de saladas e 
pratos frios e, ao longo do caminho percorrido pelo comedor, vão surgindo os 
pratos quentes. 
Alguns restaurantes dispõem de locais de churrasco, onde são servidas 
carnes, lingüiças, enfim, itens relacionados ao churrasco; outros possuem 
cozinheiros de massas, que as preparam na hora e ainda há lugares que possuem 
sushiman preparando especialidades japonesas solicitadas pelos clientes. 
Cada local elege os pratos que vai dispor em seu buffet, alguns promovem 
suas especialidades e as mesclam com pratos comuns como o arroz com feijão e 
saladas e ainda oferecem pratos variados conforme os diferentes dias da semana. 
Em alguns restaurantes, a bebida e a sobremesa são igualmente expostas 
próximas aos alimentos salgados e são inseridas na mesma bandeja. Noutros, há 
garçons que servem bebidas aos clientes e as sobremesas são servidas 
posteriormente; o cliente deve se dirigir a uma área onde elas estão expostas, 
escolhê-las conforme sua decisão e pesá-las. 
O cafezinho também pode ser servido de distintas maneiras. Em alguns 
locais são servidos por garçons, em outros são servidos pelo próprio cliente em 
garrafas térmicas dispostas no final do corredor de alimentos e há, ainda, 
 
16 LUIZ EDMUNDO. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro, Conquista, Vol. I e III, 
1957. 
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18 
restaurantes que dispõem de um coffeeshop próximo ao final do corredor de 
alimentos. 
Não há, portanto, um padrão estabelecido para a conformação destes 
locais. Em comum, são espaços onde se serve individualmente a comida que 
desejar, estando ela disposta em displays, e pesa-se o prato, estando o valor 
associado à quantidade de comida colocada nele. As outras características variam 
de espaço para espaço. 
O que está além desta estrutura física é a possibilidade destes espaços 
representarem simbolicamente modos da sociedade brasileira. Neste ponto, a 
descrição dá lugar a chances de interpretação de questões que envolvam como 
determinadas características culturais brasileiras possam estar embutidas nos 
hábitos alimentares nacionais. Esta é a hipótese que norteia este trabalho: 
encontrar nestes locais traços da cultura brasileira. 
 
 
Sobre os capítulos 
 
Os diferentes capítulos são divisões que fazem analogia a um cardápio que 
separa em seu conteúdo as várias possíveis etapas de uma refeição. Uma refeição 
completa cumpre todas estas fases e cada uma delas tem sua importância. Assim 
também classifico os capítulos que fazem por dividir por etapas interpretações a 
respeito do uso dos restaurantes a quilo, mas se completam na construção de uma 
análise deste objeto. 
No primeiro capítulo surgem as palavras mais citadas durante as 
entrevistas feitas aos clientes dos restaurantes a quilo, seus cozinheiros e 
responsáveis (gerentes ou donos). São elas: tempo, centro da cidade e hora do 
almoço. 
Sob a denominação de “Prato Principal”, este capítulo tem como proposta 
discutir a idéia de tempo, que estava sempre presente nas entrevistas. Sua aparição 
surge sob a alegação constante de falta de tempo, tanto para me conceder 
entrevista quanto para comer; para tratar da solução das tarefas do cotidiano; para 
compará-lo ao dinheiro. 
Este último, o dinheiro, é citado em medida comparativa com o tempo, ou 
seja, quando se falava em gastar pouco dinheiro também se propunha a fazê-lo em 
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pouco tempo e, quando existia a possibilidade de maior tempo livre, o dinheiro 
ganhava mais valor. 
Em resumo, a palavra “tempo”, é utilizada sob múltiplas formas e é esta 
multiplicidade que se configura como elemento chave para entender a dinâmica 
destes restaurantes e seu entorno: o centro da cidade e a hora do almoço. 
O centro da cidade é um aliado dos restaurantes a quilo; é nesta área que 
este formato de estabelecimento é encontrado em grande quantidade. O espaço de 
localização destes restaurantes possui características como a ligação com o mundo 
do trabalho, o ambiente da rua, os trajes e as relações formais que reforçam a 
lógica da refeição a quilo. Estes elementos, considerados característicos das 
relações de trabalho nos centros urbanos, estão postados no local que abrange 
estes restaurantes. 
A hora do almoço é o último aspecto analisado neste capítulo. Hora em 
que não estamos em nossas casas, esta refeição é tida como impessoalizada, já que 
é realizada nos intervalos da jornada de trabalho com ruas do centro da cidade 
repletas de pessoas circulando até encontrarem o local onde desejam almoçar. O 
horário do almoço abrange o movimento das ruas neste período que os 
funcionários “descem” de seus ambientes laborais e visitam estes restaurantes. 
Mas, é neste tempo parcial de descanso no meio de um dia de expediente, 
capaz de rapidamente encher ruas de pessoas querendo almoçar, que também são 
realizadas outras atividades. Este intervalo ganhou variações de utilização maiores 
que o ato único de realizar uma refeição, já que é neste período que lojas, bancos, 
academias recebem um grande público. 
Sendo assim, o almoço, em si, divide com outras tarefas o uso da hora do 
almoço nos centros urbanos pois é preciso incluir neste trecho do dia todoo 
movimento de uma hora do dia a dia de trabalho. 
O capítulo seguinte segue com aspectos que também são relevantes para a 
construção das características deste tipo de restaurante. Estas características são os 
dias da semana, o dinheiro, o feijão com arroz, questões sobre diferença de gênero 
e classe. São os chamados “acompanhamentos” do prato principal. São eles uma 
variedade de elementos que ajudam na formação da idéia desta refeição. 
Os dias da semana são uma divisão pré-estabelecida dos dias úteis, aqueles 
em que temos que sair para trabalhar. Cada um destes dias assume sua 
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20 
importância pois estão mais ou menos perto dos dias de descanso, o final de 
semana. 
É esta relação de proximidade e afastamento com o sábado e com o 
domingo que faz com que os dias “comuns” da semana não sejam iguais; eles 
estão valorados conforme sua ordem, uma seqüência sob a qual estão inseridos 
durantes os sete dias da semana. 
Esta “escala de valor” dos dias da semana se traduz nos cardápios, que vão 
variando conforme os dias se passam. Para os dias do início da semana, pratos 
leves, para afastar o peso da comida mais pesada consumida durante o fim de 
semana e, para os dias que se aproximam do final de semana, já é permitido “um 
pouco mais”, comidas mais pesadas e, ao mesmo tempo mais aconchegantes, que 
remetam aos dias de descanso que estão por vir. Nada melhor que uma feijoada às 
sextas-feiras... 
Porém, há também certa fixidez durante todos os cinco dias úteis da 
semana. Esta está, por exemplo, na certeza da presença do arroz com feijão nos 
buffês de todos os restaurantes. O prato típico do dia a dia brasileiro está no 
cardápio de todos os restaurantes e não pode faltar dia algum. É uma das formas 
de manutenção dos hábitos tradicionais na alimentação. 
Embora a intenção deste texto esteja voltada para as características comuns 
que os restaurantes a quilo possam apresentar, ou seja, para aquilo que envolve a 
maioria das pessoas no que se refere ao ritual da refeição da hora do almoço, um 
elemento que poderia ser considerado “off menu” recebeu menção neste capítulo: 
são as idéias acerca da diferenciação de classes que podemos encontrar na 
freqüência de distintos restaurantes. 
Questões como a classificação de preços17 e o perfil de clientes de cada 
local foram levadas em consideração na percepção da ocorrência ou não de 
critérios de divisão de classes no tocante à freqüência destes locais. 
As diferenças entre as preferências de homens e mulheres também 
surgiram ao longo da pesquisa. Apesar dos restaurantes não se classificarem como 
“femininos” ou “masculinos”, a circulação de maioria de apenas um dos sexos em 
alguns locais e vice-versa era empiricamente visível. 
 
17 O menor valor encontrado para 100g foi de R$ 1, 39 e o maior valor foi de R$ 3, 29. Esta 
distância entre os valores sinaliza que indivíduos com condições financeiras distintas têm 
possibilidade de freqüentar este modelo de restaurante. 
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21 
Mesmo não fazendo parte da conformação da maioria dos locais, que tinha 
como intenção mesclar a presença de público masculino e feminino, alguns locais 
se definiam como restaurantes freqüentados por uma maioria de mulheres e outros 
como restaurantes freqüentados por uma maioria de homens. 
Questões como os cardápios dos restaurantes, com comidas que fazem 
parte de uma dieta corporal para dar “boa forma”, no caso de restaurante 
feminino, e dieta para dar “sustância” e para “se manter de pé o dia todo”, no caso 
de restaurante masculino, surgiram em locais que classificaria como pólos opostos 
já que não configuram a composição da maioria dos restaurantes. 
A casa e a rua em pauta. Este é o terceiro capítulo. Nele estarão em 
discussão as diferenças e semelhanças do comer em casa e comer na rua. Para 
enfatizar o modo como as pessoas costumam agir na rua, é preciso entender a 
diferença através das atitudes reveladas quando se está em casa. Não seria 
possível entender como alguém reage a situações na rua se não houvesse um local 
distinto onde ficasse clara a diferença, no caso, a casa. 
Mas esta divisão não se configura tão simples assim. A mistura de 
elementos de ambos os ambientes é perceptível nos restaurantes do tipo a quilo. 
Tanto imagens comuns ao ambiente da rua quanto imagens do ambiente da casa 
podem ser identificadas no local. 
Com isso, veremos que situações que remetem a sentimentos que 
expressamos no ambiente de nossas casas, como o sentimento em relação à 
preparação das comidas, a interação com pessoas de que gostamos em torno da 
mesa, estão postas nos restaurantes a quilo tanto quanto situações como a pressa e 
o dinheiro, capazes de impessoalizar o ritual da refeição. 
O quarto capítulo aponta para as especificidades de cada local e as suas 
variadas maneiras de absorverem manifestações mundiais. Mesmo com a 
possibilidade de formação de padrões mundiais de alimentação, de formas de 
servir pratos, cada espaço adapta estas influências de acordo com suas regras. 
No caso brasileiro, as atitudes ao se alimentar – dentro do recorte do 
horário do almoço, visto sob perspectiva dos restaurantes a quilo do centro carioca 
- acompanham a aceleração da vida urbana, mas, ao mesmo tempo, mesclam 
elementos da chamada “cultura fast-food”, ou cultura da pressa, com expressões 
tradicionais brasileiras, num hibridismo que faz com que os traços tradicionais 
não sejam sobrepostos por traços culturais estrangeiros. 
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22 
Quando num mesmo cardápio se encontram práticas que são vistas como 
presentes na formação da cultura brasileira, como, por exemplo, o arroz com 
feijão, com aspectos característicos a uma cultura mundial, como a rapidez no 
servir e no consumir uma refeição, se promove a interação entre manifestações 
culturais que estão sendo difundidas mundialmente com manifestações que se 
constituem como importantes para a manutenção de culturas locais. 
Por fim, o último capítulo tem como intenção produzir um desfecho que 
reitere o que de relevante foi discutido ao longo do texto. Sob o título de “...e a 
conta”, expressão que normalmente utilizamos quando queremos terminar uma 
refeição em visita a um restaurante, busco reforçar o argumento de que como, 
onde, quando, a que horas e com quem se come “é tão importante quanto o que se 
come18”. 
 
 
Comensal x Comedor 
 
Comensal é um indivíduo ou cada um dos indivíduos que comem juntos; o 
comedor é aquele que come19. O comensal é aquele que faz do comer um ato de 
interação enquanto o comedor é qualquer indivíduo que simplesmente exerce a 
ação de comer: 
 
O comensal é aquele que exerce a comensalidade, que significa respeitar a 
seqüência das refeições, superar o naturalismo da hora de comer encontrando 
horas predeterminantes para as refeições20. 
 
Ao longo do texto, o sentido de comensal vai determinar aqueles que 
fazem da refeição uma ação que ganha valor social, um ato de interação e 
comunicação em torno das práticas alimentares: 
 
A comensalidade faz com que aquilo que circula tenda a reproduzir, em 
situações recorrentes, os mesmo pratos e elaborações culinárias, num amplo 
espaço social de reciprocidades. Aquilo que nos dá conforto 21. 
 
18 CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação. Rio de Janeiro: 
Campus, 2003, p. 148. 
19 POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p. 
20. 
20 SIMMEL, Georg. Sociologia da Refeição. I In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33, Rio de 
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004. 
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23 
 
O termo comedor servirá para identificar o indivíduo em sua ação naturalde comer. Não está imposto ao comedor necessidade de comunhão ou interação 
em torno do ritual da alimentação. Trata-se de designação daquele que exerce o 
ato biológico de comer. 
Assim, durante a leitura, os momentos em que for designado o termo 
comensal propõem que o leitor busque enxergar a possibilidade de 
desnaturalização do ato de comer, enquanto ao comedor cabe o sentido biológico 
que integra fazer uma refeição. 
 
 
Sobre a leitura do texto 
 
A forma dada ao texto a seguir foi definida por duas razões. A primeira 
delas veio de uma inspiração que tive após uma aula do curso de Mestrado, 
denominada Seminários de Dissertação, ministrada pelo professor Valter Sinder, 
onde ele sugeriu a mim e aos meus colegas de turma a leitura de um livro 
interessante que foi publicado com base no texto final do Mestrado de um 
renomado antropólogo brasileiro. 
O peculiar deste texto22 é que mostrava a prioridade do pesquisador em 
adequar linguagem e forma com o tema. Ou seja, a intenção do autor era criar uma 
narrativa que mostrasse de maneira clara e interessante o objeto de estudo, de 
modo que a construção textual fosse um aliado do leitor no entendimento e 
interação com o campo. 
Curiosa com o feito, me adiantei para ler o livro e decidi, audaciosamente, 
fazer uma dissertação nestes moldes. Dessa maneira, gostaria de, pelo menos, 
elaborar uma forma de situar o meu tema de modo que o leitor acompanhe o 
trabalho de campo de maneira que possa reconhecer as características dos 
restaurantes a partir da interpretação por mim elaborada e, melhor ainda, que com 
isso possa tornar a leitura um tanto mais agradável. 
 
21 CASTRO, Celso & DURÃO, Susana. Entrevista com Joaquim Pais de Brito. In: Estudos 
Históricos: Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004. 
22 SILVA, Hélio. Travestis: entre o espelho e a rua. Rio de Janeiro, Rocco, 2007. 
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A segunda razão me apareceu quando certo dia, minha mãe volta de uma 
livraria com o livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes23, num formato que 
para mim era diferente: o livro tinha cada página escrita em português, e, logo 
abaixo, dentro da mesma página, havia a tradução para o espanhol. Desta maneira 
o leitor poderia ler primeiramente o livro inteiro apenas na língua portuguesa ou, 
se preferisse, ler todo em espanhol, ou ainda, poderia ler cada página em 
português e o original logo abaixo para a língua espanhola, dentre outras tantas 
maneiras que este formato proporcionava. 
Tive então a idéia de arriscar uma confecção de texto que tivesse forma 
similar. Sob os moldes desta proposta, o início de minha dissertação descreve as 
etapas de uma refeição e, logo em seguida, após o corte que optei por intitular de 
“Trocando em miúdos” segue uma interpretação antropológica do campo por mim 
pesquisado. 
Assim, tomando emprestada a idéia de construção do livro de Cervantes, a 
primeira parte do texto é uma introdução em forma de “descrição gastronômica 
metafórica” do argumento antropológico que segue logo adiante. Uma espécie de 
degustação do que está para surgir. 
De trás pra frente, de frente pra trás, começando apenas pela “descrição 
gastronômica metafórica” ou pelo argumento antropológico, cabe ao leitor optar 
pelo modo mais interessante de se debruçar sobre o texto. 
 
 
23 SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha. Editora 34, 
São Paulo, 2002. 
 
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2 
Prato principal 
 
 
(...) Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios! 
- Oh! Não tem de quê! Eu também só ando a cem! 
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí! 
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe? 
- Quanto tempo! 
Paulinho da Viola, Sinal Fechado 
 
 
Feito de ingredientes que parecem sólidos, o prato principal vai 
desmanchando na boca à medida que o degusta. Cada mastigação o faz dissolver 
ainda mais. A vontade é de que ele não se desmanchasse, para mantê-lo o máximo 
possível na boca. 
O sentimento constante durante esta degustação é de que prato já se está 
acabando, uma sensação de que aquilo está prestes a chegar ao seu final, desde a 
primeira garfada. É preciso aproveitar cada momento, pois tudo está se 
dissolvendo tão facilmente na boca que já é possível prever seu fim. Esta sensação 
é suficiente para entender a proximidade do término, não é necessário nenhum 
tipo de aviso formal, pois a dinâmica da degustação já se encarrega disto. 
Envolto em um molho que combina perfeitamente com ele, a sensação vai 
se tornando cada vez mais nítida. Este molho é feito de ervas esfumaçantes e 
animais sadios, que circulam por áreas movimentadas. Áreas cercadas por um 
sabor todo especial; sabor de refeição preparada em forno quente, de grande 
circulação, a todo vapor. 
Para beber, foi aconselhado um vinho que facilita ainda mais a ingestão do 
prato. Este vinho lembra momentos de pausa, um cheiro de relaxamento no meio 
de uma vida intensa. Um vinho que harmoniza com o prato que, embebido num 
molho especial, se desmancha a cada tilintar dos talheres. 
O vinho facilita ainda mais a digestão do prato, pois cria uma atmosfera 
que remete ao fim da refeição, ao pré-estabelecimento de algo demarcado para 
terminar, de que é preciso voltar para a rotina após esta refeição. 
Todas as características do vinho trazem uma dinâmica implícita de 
agilidade da refeição. Mas, é mesmo assim preciso enfatizar que esta agilidade 
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não diminui a sensação de que se está em um momento de refeição real. Aqui se 
come comida de verdade, comida para se lembrar, que nos deixa ativo por todo o 
dia. 
 
 
Trocando em miúdos... 
 
 
2.1. 
“Tempo” 
 
Meu trabalho de campo foi marcado por entrevistas curtas, pois os 
freqüentadores dos restaurantes a quilo sempre tinham o mesmo argumento na 
hora da entrevista: a falta de tempo. A preciosidade dos minutos fazia com que os 
entrevistados apenas concordassem em falar caso isto tomasse poucos instantes da 
sua hora de almoço. 
Uma segunda aparição do uso da palavra tempo surge durante as 
entrevistas quanto ele, o tempo, é citado como um dos principais fatores para a 
eleição destes restaurantes: “onde se pode comer rápido, sem perder tempo”, 
segundo os entrevistados. 
De tão presente como palavra nas entrevistas, passei a contar, então, o 
tempo que as pessoas disponibilizavam para sua refeição da hora do almoço. 
Assim, criei uma nova forma de usar este elemento. 
O “tempo”, palavra tão marcante em todas as entrevistas, me saltou como 
algo digno de observação e, como minha participação no campo requeria uma 
presença durante todo o horário de almoço nos restaurantes, passei a prestar 
atenção na duração das refeições nas mesas ao meu redor, chegando até mesmo a 
cronometrar algumas delas. 
A constante presença desta palavra ao longo de todas as argumentações, 
pelos mais variados motivos, a torna integrante do Prato Principal. O tempo como 
palavra mais usada pelos entrevistados, de ambos os sexos e das mais diferentes 
faixas etárias, aponta para sua representação enquanto algo quase concreto, mas 
que ao mesmo tempo está a todo tempo escapando e tendo que ser aproveitado. 
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Como palavra cujas interpretações o colocam próximas a algo palpável, 
quase concreto, encontra-se o tempo tão precioso aos entrevistados. Aquela uma 
hora que normalmente é disponibilizada para o almoço se transforma num horário 
condensado, que ganha forma. Por isso, quando todos saem de seus escritórios, 
salas comerciais e demais espaços laborais com o estabelecimentopré-
determinado do tempo a se gastar, os segundos, minutos, se tornam material 
contável. 
Dessa forma, há uma hora do dia que se converte em algo mais “concreto”, 
já que a pré-determinação do horário a se gastar durante a refeição da hora do 
almoço confere ao trabalhador sentido de prazo, de maior percepção de um 
período com a fixação de início e fim. 
Essa “condensação do tempo” normalmente é encontrada no horário de 
meio-dia às 13h. Este é, não por coincidência, também o período de maior 
movimentação nos restaurantes do centro da cidade do Rio de Janeiro. 
Apesar de abrirem às 11h, o movimento neste horário é quase nulo, tendo 
eu encontrado em alguns restaurantes funcionários almoçando neste período. 
Após as 14h acontecia o mesmo, o fluxo de clientes também já estava muito 
reduzido. Esta baixa circulação antes do meio-dia e após as 14h se tornava ainda 
mais perceptível com a divulgação de promoções que contemplam com desconto 
no preço do quilo os clientes que decidam almoçar nestes horários. 
Segundo um dos gerentes entrevistados, “é uma hora de pouco movimento 
e não muito convencional de se almoçar. Poucas pessoas entendem este tempo 
como o de almoço e, portanto, apenas com promoções estes horários conseguem 
ficar um pouco mais atrativos”. 
É “no horário mais movimentado, de meio-dia às 13h” que se pode notar a 
dinâmica dos restaurantes. Ela se dá para conseguir atender rapidamente todos 
aqueles que desejam disponibilizar apenas parte de sua uma hora de intervalo para 
estarem naquele local: 
 
O mundo atual vinculou os horários das refeições aos de outras atividades 
consideradas mais relevantes, como o trabalho e o estudo, sendo que as pausas 
para alimentação intercalam-se no decorrer do dia, a fim de atender os 
compromissos assumidos. A jornada diária foi estipulada com um intervalo para 
almoço, refeição principal que normalmente tem duração de uma hora e pode ser 
realizada entre meio-dia e 14h, horários que correspondem ao grande 
movimento observado em praças de alimentação, especialmente durante a 
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28 
semana de trabalho. Já o jantar, uma refeição mais descontraída e, em geral, 
menos sujeita à pressão do tempo, prolonga-se das 18h30 às 22h, apresentando 
um movimento constante nesse período24. 
 
Dessa forma, ainda que estabelecida a hora do almoço, sempre havia entre 
os entrevistados a justificativa de que seu tempo para almoçar deveria ser prático, 
sem a necessidade de que se tomasse uma hora para fazê-lo. Aqui se estabelece 
esta vertente do tempo, que deve ser aproveitado para realizar a refeição como 
também para outros afazeres. Este ritmo passa a ser “uma questão fundamental do 
mundo moderno25”. 
Como a “sociabilidade urbana” introjeta a idéia do “perder tempo”, que 
significa estar em descompasso com a ordem das coisas em um “conjunto de 
atividades entre elas: morar, vestir, fazer compras, trabalhar, passear” estes 
momentos do dia estão sempre com pessoas em movimento, preocupadas com a 
pressa26. Não seria diferente com a hora do almoço no centro urbano, que está 
envolta nesta mesma lógica e poderia estar inclusa neste “conjunto de atividades” 
acima enumerado. 
A dinâmica do ato de comer e sair nestes restaurantes levava em torno de 
20 minutos, com exceção de algumas mesas animadas, normalmente formadas por 
grandes grupos onde as pessoas levavam no máximo 30 minutos para se retirarem. 
Mas, de maneira geral, em 40 minutos, todos os clientes já haviam sido 
substituídos por novos clientes. Este é o exemplo da rotatividade, do movimento 
constante já que a rapidez de entrada e saída de pessoas era incessante. 
Sob esta agilidade, está o controle do relógio, onde se confere a todo 
momento que horas são, numa regulação constante do tempo que se deve 
permanecer no local. Nesse sentido, o relógio expressa a uniformização de um 
tempo “vazio”, que foi quantificado de maneira a determinar zonas do dia, como a 
jornada de trabalho27. Torna-se quase palpável a sensação de tempo, pois se cria 
uma intenção de uso do local a partir de minutos marcados, contados. Eles 
determinam as atividades; têm-se a imaginação de um cronômetro correndo e 
inúmeras tarefas a serem cumpridas num período determinado. 
 
24 COLLAÇO, Janine Helfst Leicht. Restaurantes de comida rápida, os fast-foods, em praças de 
alimentação de shopping centers: transformações no comer. In: Estudos Históricos: Alimentação, 
n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 124. 
25 ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 82, 83. 
26 Op. cit, p. 82, 83. 
27 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991, p.26. 
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Durante meu trabalho de campo, foi possível presenciar que nenhum 
cliente passava esta uma hora de almoço a que tinha direito à mesa. Para 
comprovar isto, passava horas dentro dos restaurantes e sempre recebia olhares de 
estranheza, como se todos se questionassem sobre o porquê de eu estar tanto 
tempo ali. Estava eu, de certa forma, “denegrindo a lógica” do ambiente que 
deixava implícitas ações como comer em um período curto, sem que se tomasse 
com isso todo o horário reservado ao almoço: 
 
Na cidade moderna, a necessária sincronização das atividades estabelece a 
ditadura do horário e a importância do relógio28. 
 
As pessoas, em teoria, poderiam ficar o quanto quisessem no local, mas a 
estrutura deste é montada a lhe conferir movimentação. O serviço é realizado de 
maneira a que se sirva rapidamente a comida, que se pese, consuma e se pague de 
modo muito ágil. 
É pegar um prato para se servir, eleger o que colocar nele, comer e pagar. 
Estas ações estão tão introjetadas, que são capazes de produzir esta dinâmica de 
rotatividade que promovem “discretamente” o uso e, porque não, a agilidade do 
local. 
Não há nenhuma regra imposta que faça com que as pessoas utilizem o 
local assim, mas a forma como a comida, as mesas e os caixas para pagamento 
estão dispostos constroem um espaço aberto a este tipo de rotatividade 
permanente. 
 
 
2.1.1. 
Tempo de hoje, tempo de ontem 
 
Quando as entrevistas mostram que o freqüentador leva em consideração o 
tempo na hora de escolher onde vai fazer sua refeição, este não é exatamente um 
aspecto novo no depoimento de trabalhadores do centro da cidade. Basta ver este 
trecho do período imperial brasileiro, onde o número de restaurantes crescia na 
cidade e a demanda por cozinheiros era grande; “ocupados com seus negócios e 
 
28 LESSA, Carlos. “Trajetórias da cidade moderna”. In: Rio de Janeiro: panorama sociocultural, 
Rio de Janeiro, Editora Rio, 2004, p. 11. 
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sem tempo para voltar pra casa para o ‘jantar do meio dia’ [os cariocas] comiam 
na rua29”. 
E também em depoimento pessoal sobre a pressa das cidades brasileiras, 
Câmara Cascudo já criticava a falta de tempo no realizar das refeições do 
cotidiano urbano: 
 
Precisamos comer depressa, digerir depressa, abandonar a mesa como a um 
assento de brasa. Vida prática. Essências. Sumos. Comprimidos. Lataria. Pé no 
acelerador. Avião hipersônico. Olho no relógio30. 
 
Semelhanças à parte nos depoimentos, onde a idéia de não perder tempo 
foi apontada como não sendo de todo nova31 aos trabalhadores dos centros 
urbanos, a maneira de se comunicar através da cozinha, que, também neste caso, 
mostra que ações que acompanham o ritual da refeição da hora do almoço se 
repetem até os dias de hoje, não são estanques: 
 
Assim pode-se pensar a cozinha (e a culinária) como um vetor de comunicação, 
um código complexo que permite compreender os mecanismos da sociedade à 
qual pertence, da qual emerge e qual lhe dá sentido32. 
 
Isto querdizer que pontos em comum caminham ao lado de constantes 
“redefinições do significado da refeição33”. Tomando como ilustrativo: 
 
Nas décadas de 50 e 60 era considerável o número de pessoas que almoçavam 
em casa; outras, quando saíam para o trabalho, comiam em pensões ou levavam 
lanches. Pouco a pouco, essas práticas são vistas como sinal de arcaísmo, e 
caem em desuso. O restaurante e o fast-food tornam-se as opções 
preferenciais34. 
 
 
29 Jornal do Commercio, Suplemento, Rio de Janeiro de 1849, p. 04 apud BRUIT, Héctor Hernán; 
EL-KAREH, Almir Chaiban. Cozinhar e comer, em casa e na rua: culinária e gastronomia na 
Corte do Império do Brasil. In: Estudos Históricos: Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação 
Getúlio Vargas, 2004, p. 87. 
30 CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no Brasil (Volume I e II), São Paulo, Cia. Ed. 
Nacional, 1983, p. 418. 
31 História da Alimentação no Brasil, de Câmara Cascudo, segundo o site 
http://www.historiaecultura.pro.br , foi escrito entre 1962 e 1963 e Rio de Janeiro do meu tempo, 
de Luiz Edmundo, teve sua primeira edição em 1938, fonte do site 
http://www.estantevirtual.com.br. 
32 BARBOSA, Lívia & GOMES, Laura Graziela. Culinária de Papel. In: Estudos Históricos: 
Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 26. 
33 ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 85, 86. 
34 Op. cit 
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31 
Em resumo, há exemplos de pontos em comum sobre a complexidade da 
idéia de tempo, que é algo vazio que foi sendo preenchido por significados sociais 
capazes de torná-lo cheio, dotados de valores culturais que fazem dele uma fonte 
de entendimento para a maneira como agimos diante de situações como trabalhar, 
se alimentar, etc. Porém, estas formas de preenchimento dos significados do 
tempo estão em constantes mudanças, são o contrário da fixidez e recebem novas 
interpretações conforme as transformações sociais. 
 
 
2.2. 
Relativizando 
 
O papel principal que a idéia de tempo desempenha na escolha destes 
restaurantes é notável. Mas, no entanto, é preciso relativizar o discurso de que 
estes restaurantes são muito freqüentados simplesmente porque permitem que se 
coma em poucos minutos. Se houvesse apenas esta razão, outros locais, como 
muitas lanchonetes localizadas na mesma rua dos restaurantes pesquisados, por 
exemplo, também acolheriam este mesmo público, pois têm a mesma função da 
rapidez no servir da comida. 
Isto quer dizer que, apesar da relevância do aspecto da agilidade na hora de 
servir a refeição, é preciso buscar outros elementos que justifiquem as visitas a 
este local. 
Uma das razões que podem relativizar este discurso do tempo como fator 
primordial para escolha do ambiente da refeição está expressa no tópico a seguir, 
denominado “Aproveitar o pouco tempo com comida de verdade”. Nele veremos 
que esta busca do comer rápido se alia a outros fatores que influenciam a eleição 
destes locais para se almoçar. 
A soma da dinâmica dos restaurantes com a oferta de comidas que no 
imaginário dos comensais fazem parte daquelas que classificam como “comidas 
de verdade” resulta na grande freqüência dos restaurantes a quilo. Comidas que 
estão no topo da lista de suas escalas pessoais de valor se unem à agilidade do ato 
de comer. 
Esta interação entre elementos modernos e elementos tradicionais da 
cultura brasileira estará posta na conformação destes restaurantes. A possibilidade 
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32 
de comer de maneira rápida é um dos elementos modernos que são levados em 
consideração durante o ritual da refeição realizada nos centros urbanos, enquanto 
comidas classificadas como elementos tradicionais na representação da cultura 
brasileira também são representadas nestes mesmos salões. 
 
 
2.2.1. 
Aproveitar o pouco tempo com comida de verdade 
 
Ainda que haja busca pelo aproveitamento total de algo - o “tempo” - que 
está mais no trânsito entre o concreto e o abstrato que especificamente num e 
noutro, se enfatiza o fato de se estar comendo comida de verdade. Ou seja, mesmo 
com a tentativa de aproveitar ao máximo o tempo disponível neste intervalo do 
trabalho, que é a hora do almoço, se está num lugar que oferece comida e não 
alimento para “tapear o estômago” e “sem sustância”. 
Apesar da velocidade do comer, estes restaurantes não são considerados 
fast-foods35 simplesmente; são locais onde se come “comida de verdade”, 
refeições que realmente “sustentam” as pessoas: 
 
Para nós, brasileiros, nem tudo que alimenta é sempre bom ou socialmente 
aceitável. Do mesmo modo, nem tudo que é alimento é comida. Alimento é tudo 
aquilo que pode ser ingerido para manter a pessoa viva; comida é tudo que se 
come com prazer, de acordo com as regras mais sagradas de comunhão e 
comensalidade36. 
 
Quando os clientes revelam que encontram nestes locais “comida de 
verdade”, apontam para a manutenção de oferta de pratos que percebem como 
comida, ou seja, como algo que produz interação, sentimento de reconhecimento e 
de identificação entre os pratos e a composição da cultura brasileira. 
Em outros estabelecimentos que possuem a mesma agilidade no servir de 
uma refeição, falta este sentimento da comida; o que se serve é apenas alimento, 
 
35 POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006. 
Fórmula norte-americana de comer rápido e a preços módicos que espalhou-se por diversos países. 
Também são associadas a esta expressão comidas industrializadas, consideradas sem alma e que 
são servidas de maneira sistemática nos balcões de lanchonetes e outros estabelecimentos que 
representam o servir destas refeições. 
36 DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? , Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 55. 
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33 
algo que deve ser servido a qualquer comedor e não é visto como prato capaz de 
manter “energia suficiente para todo um dia de trabalho”37. 
É a opção da rapidez aliada a costumes que já estavam bem estabelecidos 
entre nós nos rituais de refeição que fazem destes restaurantes uma fórmula 
contagiante, que tomou as ruas do centro urbano do Rio de Janeiro. 
 
 
2.3. 
O Centro da Cidade 
 
O molho desta mistura do Prato Principal é o centro da cidade. Capaz de 
envolver as várias possibilidades de uso do termo “tempo”, é ele quem ajuda na 
significação do mesmo, pois é o local de trabalho de grande parte da população 
carioca. É neste ambiente onde a circulação de trabalhadores é constante que estão 
localizados os restaurantes pesquisados e onde o espaço de ruas e avenidas pode 
revelar muito sobre o ritual da alimentação que envolve a hora do almoço durante 
os dias úteis da semana. 
Quando o assunto é o centro da cidade, a importância desta localidade vai 
além de ser simplesmente o local geográfico onde se instalaram estes 
estabelecimentos. Lá se está diretamente associado ao mundo do trabalho, pois, 
distante de nossas casas e para onde vamos quando saímos para trabalhar, temos 
com ele uma relação distinta, que não encontramos quando estamos no mundo de 
nossas casas. Estamos na rua, local onde todos circulam, onde esbarramos com 
“todo tipo de gente”, lugar que não é de uso exclusivo nosso e onde não 
escolhemos quem será convidado. 
Esta lógica do horário do almoço nos restaurantes a quilo situa-se numa 
relação de tempo-espaço que perpassa a lógica interna destes estabelecimentos e 
alcança a dinâmica do movimento do centro da cidade: 
 
Um horário, tal como uma tabela que marca as horas em que correm os trens, 
pode parecer à primeira vista meramente um mapa temporal. Mas na verdade é 
um dispositivo de ordem tempo-espaço, indicando quando e onde chegam os37 Trecho retirado de um depoimento de jovem estagiário de uma empresa estatal. 
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34 
trens. Como tal, ele permite a complexa coordenação de trens e seus passageiros 
e cargas através de grandes extensões de tempo-espaço38. 
 
No caso da área central do Rio de Janeiro, que segundo Carlos Lessa39 está 
“se projetando com personalidade na pós-modernidade”, não haveria local melhor 
para se encontrar esta modalidade de restaurante: 
 
Outra criação carioca é a comida a quilo. A invenção consiste não no fato de 
haver sido criado um bufê variado a preço por grama e auto-serviço; é 
universal. O gênio local se apresenta na notável antropofagia expressa na 
composição criativa do prato pessoal, pelo carioca comum, que combina arroz e 
feijão com a salada verde, carne grelhada, com algum pastel, espaguete, e até 
mesmo sushis, sashimis... Sendo o brasileiro propenso literalmente a misturar 
tudo, é provavelmente o único no mundo a combinar sashimis, farofa e feijão. 
Foi genial a fixação de preço por grama, de qualquer combinação de alimentos, 
o que permite a liberdade individual ao antropófago40. 
 
A localização e as especificidades da cidade carioca fizeram por 
transformar os restaurantes que atendem o público da hora do almoço num local 
integrador de características universais do self-service (auto-serviço) com temas 
da “criatividade brasileira”, como as misturas de comidas que normalmente não 
são consumidas em conjunto. 
 
 
2.4. 
Hora do almoço 
 
E o vinho é a hora do almoço, hora bem definida onde os restaurantes 
estão lotados de pessoas a fim de fazerem sua refeição. É neste momento que a 
lotação das ruas e dos restaurantes que nela se localizam promovem a chance de 
olhares sobre o que fazem as pessoas em seu “tempo livre”41. 
 
38 FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens pós-modernas. Rio de Janeiro, Relume Duamará, 2000, p. 
28. 
39 LESSA,Carlos. O Rio de todos os Brasis: uma reflexão em busca de auto-estima. Rio de 
Janeiro, Record, 2005, p. 427. 
40 Op. cit, p. 425, 426. 
41 O tempo livre em questão está entre aspas, pois, apesar de ser o tempo de almoço um período 
que permite ao indivíduo abertura na decisão do que fazer dele é também intervalo do trabalho, 
que se refere à obrigação, a deveres. Dessa forma o tempo livre do almoço não está em 
contraposição ao tempo de trabalho, ele está inserido na jornada diária dos trabalhadores. 
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35 
Em se tratando da hora do almoço nos restaurantes a quilo, pode-se dizer 
que ela revela um pouco mais do nosso comportamento fora de casa. Almoçamos 
em trajes de trabalho; nos preocupamos com o tempo que temos para comer e com 
outros compromissos; compartilhamos da refeição com pessoas com as quais 
mantemos relações de formalidade, enfim, encontramos elementos que reforçam a 
relação com o ambiente da rua. 
O tempo livre do almoço não é visto como uma refeição que segue um 
ritual que dura a exata uma hora disponível a trabalhadores e estudantes. Pelo 
contrário, esta nova modalidade de restaurante traduz essa nova relação das 
pessoas com o espaço de tempo livre que conseguem no intervalo do trabalho. 
A exemplo do uso do tempo da hora do almoço para outras tarefas que não 
apenas a refeição, uma das entrevistadas revela que “mesmo com uma hora para 
almoçar, nunca gasto este tempo todo apenas para comer. Mesmo quando não 
preciso resolver alguma coisa importante, vou a uma loja, a uma livraria”. 
É preciso destacar que a hora do almoço tem características que estão além 
da alimentação. Neste horário, no meio de um dia de trabalho, como se costuma 
dizer, é comum que se resolvam outros tipos de compromisso. 
As filas dos bancos lotam de pessoas pagando suas contas, as academias 
de ginástica recebem os mais preocupados com o corpo, os consultórios recebem 
pacientes, as lojas recebem consumidores, as “casas de massagem” também 
recebem seus clientes. Ou seja, a hora do almoço virou um horário para os mais 
variados tipos de tarefas. 
As “casas de massagem” são locais onde se oferecem serviços sexuais. No 
centro da cidade, elas existem em grande quantidade e, inclusive, ocupam salas de 
edifícios comerciais. Estes locais recebem grande movimento justamente no 
horário de almoço e, segundo um colega de Mestrado que trabalha em uma 
empresa também no Centro, seus colegas se referem a uma ida a este local como 
“fazer um lanche rápido” 42. 
Isso não quer dizer que tenha se perdido toda a ligação do almoço com 
rituais que envolvem uma refeição; pelo contrário, estes restaurantes servem de 
 
42 Esta associação entre comida e sexualidade também é um tema interessante no Brasil, para saber 
mais sobre ele ver CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação. 
Rio de Janeiro: Campus, 2003; DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? , Rio de 
Janeiro: Rocco, 1991; DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976 e 
QUEIROZ, Maria José de. A Literatura e o gozo impuro da comida. Rio de Janeiro, Topbooks, 
1994. 
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36 
exemplo para uma dinâmica onde o protagonismo da refeição esbarra em outros 
personagens tão importantes quanto aquele. 
Em outras palavras, os restaurantes do tipo a quilo possibilitam que 
trabalhadores do centro da cidade dividam seu espaço da refeição com outros 
afazeres. O que é chamado de hora do almoço não se destina apenas à ação de 
comer; também é neste intervalo que outras tarefas do cotidiano são resolvidas. 
A valorização do curto espaço de tempo, onde deve-se realizar o maior 
número de atividades possível, a espacialidade do centro da cidade que comporta 
locais para que esta dinâmica de aproveitamento do tempo seja cumprida e um 
horário estipulado, onde se sente o cronômetro correr, fazem os restaurantes a 
quilo característicos desta lógica. 
Afinal, eles estão inseridos no contexto de agilidade e do não perder tempo 
no fazer da refeição; são locais bem fixados no centro urbano carioca e atendem 
àqueles que utilizam parcialmente a hora do almoço para efetivamente almoçar. 
Apesar da importância do Prato Principal na descrição dos restaurantes a 
quilo no Rio de Janeiro, a refeição não se encerra por aqui. Ainda temos outras 
degustações para atravessar. 
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3 
Acompanhamentos 
 
 
“O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia.” 
Michel de Certau 
 
 
Além do prato principal, são oferecidos acompanhamentos. Complementos 
ao que de mais significativo se revela em uma refeição; outros ingredientes, 
formando outros alimentos que acompanham a comida de marca maior. 
Entre estes acompanhamentos, há a possibilidade de inúmeras opções. Mas 
há aqueles que são mais pedidos pelos clientes, que são mais lembrados e 
considerados mais saborosos e dignos de menção. 
Primeiramente, destaque para aqueles acompanhamentos mais usuais, que 
não deixam nunca de ser companhia do prato principal, mais tradicionais que, 
mesmo nos ambientes mais modernos e arrojados, não podem faltar. São 
acompanhamentos que fizeram parte da mesa de todas as gerações e de valor 
inestimável, que perpassam as barreiras de tempo e continuam afirmando sua 
importância nos cardápios dos dias de hoje. 
Para não cair na mesmice, a sugestão é sempre ir mesclando os 
acompanhamentos conforme os diferentes dias de refeição. Alguns 
acompanhamentos se casam melhor conforme a atmosfera de cada dia, são os 
famosos “pratos do dia”. Assim, durante a semana pode-se optar por uma das 
várias combinações de sabores, só depende do dia da visita. 
Para aqueles que queiram se sentir mais exclusivos, há comidas que não 
estão divulgadas no menu, mas que podem ser servidas conforme a vontade do 
cliente. Uma sugestão à parte é pedirpara ser servido de algo que a princípio não 
está no menu oficial, mas, cujos ingredientes podem ser encontrados na cozinha e 
preparados conforme o gosto do comensal. 
O que se deve notar é que os acompanhamentos não são meros 
coadjuvantes; sejam eles quais forem, ajudam a compor o prato de maneira 
peculiar e conferem a ele um paladar todo especial. 
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Trocando em miúdos... 
 
 
3.1. 
Dias da Semana 
 
O primeiro acompanhamento revela a temporalidade desta refeição: os 
dias da semana. Isso porque estas refeições são realizadas nos chamados dias úteis 
– que vão de segunda a sexta-feira -, onde nossa rotina está pautada em categorias 
como “trabalho, obrigações, responsabilidade44”: 
 
A totalidade dos dias da semana é o trabalho. Durante o período que se estende 
de segunda a sexta, o trabalho se torna o elemento regulador das ações 
individuais. (...) Os dias de semana são aqueles em que se trabalha. Em que a 
maior parte do tempo é passada fora do ambiente doméstico, “na rua”, um local 
público, de trabalho, e regido por leis impessoais, onde as “pessoas da casa”, 
são tratadas como indivíduos. Onde o valor dominante é o trabalho e a 
hierarquia45. 
 
De segunda a sexta-feira a lógica das refeições é compatível com a rotina 
de trabalho, mas, ainda assim, cada dia útil tem as suas especificidades: 
 
Os dias da semana, com sua sucessão regular, nomes e distinções: à parte o seu 
valor prático de identificar as divisões de tempo, cada um deles tem um 
significado como parte de um padrão. Cada dia tem seu significado próprio e se 
há hábitos que estabelecem a identidade de um dia particular, estas observâncias 
regulares têm o efeito de um ritual. O domingo não é simplesmente um dia de 
descanso. É o dia anterior à segunda, e igualmente a segunda em relação à 
terça. Na verdade, não podemos experimentar a terça se, por alguma razão, não 
tivermos formalmente recebido a segunda46. 
 
A comida também acompanha esta variação dos dias da semana. Todos os 
restaurantes da pesquisa tinham, além de uma base fixa de opções de comida, 
variações conforme os dias da semana. O gerente de um dos locais definiu assim a 
variação de alimentos: 
 
 
44 BARBOSA, Lívia Neves de Holanda. Porque hoje é sábado... Um estudo das representações 
dos dias da semana, Rio de Janeiro, Boletim do Museu Nacional, n.º 49, 1984, p. 15. 
45 Idem, p. 32, 35. 
46 DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 83. 
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Segunda-feira é um dia que temos comidas mais leves, porque todo mundo quer 
maneirar, já que exagerou no final de semana. Quando vai chegando mais perto 
do fim-de-semana, o cardápio vai ficando mais pesado. Penso que as pessoas 
vão ficando mais relaxadas, felizes com a chegada dos dias de descanso e 
comemoram também na hora de escolher a comida. 
 
Noutro restaurante também fica explícita a relação da comida com os 
diferentes dias da semana. Segundo a gerente de um famoso restaurante árabe do 
centro da cidade: 
 
Aqui temos um cardápio árabe fixo. Mas às segundas servimos massas; terças e 
quintas temos cozinha mineira; quarta é cozido e sexta-feira é feijoada. Sexta-
feira tem feijoada47 em praticamente todos os lugares; as pessoas estão mais 
descontraídas, querem comer alguma coisa especial e estão mais animadas, o 
que combina direitinho com a feijoada. 
 
Dessa forma, os dias da semana, são exemplos de uma seqüência regular: 
com experiências divididas em cada um dos dias. Nesta seqüência regular, cada 
dia possui uma função diferenciada, pois, segundo Mary Douglas, o que confere 
sentido às especificidade de cada dia está exatamente numa forma de sucessão 
onde há um ordenamento capaz de qualificar os dias, tanto de acordo com a 
proximidade com o dia que passou quanto com a proximidade o com o dia que vai 
sucedê-lo. 
Se utilizarmos o exemplo da sexta-feira para qualificá-la como um dia 
diferente da quinta e próximo do sábado, é possível verificar que durante as 
sextas-feiras as pessoas se permitiam “um pouco mais”. Um pouco mais de tempo 
no almoço, um pouco mais de tempo conversando com os colegas, um pouco mais 
de dinheiro para gastar, um pouco mais de novidade no cardápio. 
Portanto, foi numa sexta-feira em que estava visitando pela primeira vez o 
restaurante árabe da rua que escolhi para realizar o trabalho de campo, que quatro 
mulheres com média etária de 30 anos, numa mesa animada, decidiram, segundo 
uma das entrevistadas, “arriscar uma comida diferente e um restaurante novo, fora 
 
47 MACIEL, Maria Eunice. Uma cozinha à brasileira. In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33, 
Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 33. “A feijoada, o mais conhecido dos 
chamados ‘pratos nacionais’ (...) pode-se afirmar que a feijoada é o principal prato identitário 
nacional (...) é um prato reservado às ocasiões especiais, como convite aos amigos, implicando 
assim comensalidade”. Para saber mais ver CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no 
Brasil (Volume I e II), São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1983 e FRY, Peter. “Feijoada e soul food 25 
anos depois”. In: Fazendo Antropologia no Brasil. Editora DP&A, Rio de Janeiro, 2001. 
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da rotina de restaurantes que costumamos freqüentar na hora do almoço”, 
reiterando que o melhor dia para fazê-lo era mesmo numa sexta-feira. 
Assim como neste depoimento, outras declarações apoiaram esta 
expectativa diferenciada em relação aos dias da semana. Se alguns deles estão 
mais próximos do final da semana, a comida e a interação entre os comensais se 
estabelece com maior comunhão, conforto e possibilidade de experiências 
inovadoras. 
Enquanto os dias que se aproximam do sábado e do domingo têm 
cardápios como a feijoada e o cozido, “que deixam o dia mais animado”, podendo 
“gastar mais e demorar mais para comer”, os dias que anunciam que o final de 
semana ainda não se aproxima têm cardápios com comidas mais “práticas” e 
menos robustas, consideradas mais leves, fáceis de serem consumidas em menos 
tempo e que são mais baratas. 
A refeição oscila entre um intervalo para se alimentar com comida e repor 
as forças para o trabalho com um momento de prazer associado ao não-trabalho, 
definindo as escolhas. Conforme se chega mais perto do final de semana, as 
escolhas tendem a ser definidas pela proximidade com os momentos de lazer e, 
nos dias onde não se sente próximo o sábado e o domingo, as escolhas são “menos 
passionais” com pratos mais distantes daqueles que simbolizam momentos de 
descanso de tarefas de trabalho. 
 
 
3.1.2. 
Fim-de-semana 
 
A relação direta dos dias úteis com o mundo do trabalho é diferente do 
fim-de-semana. No que se refere às refeições, muitos entrevistados se diziam 
cansados de comer em restaurante a quilo, alguns preferiam comer em casa, 
outros em restaurantes de outros tipos, como à la carte, churrascarias, pizzarias e 
outros, considerados locais onde se pode comer devagar, sem pressa, com amigos 
e familiares com os quais não se pode encontrar durante os dias úteis. 
Os poucos entrevistados que iam a restaurantes a quilo nos fins-de-semana 
revelaram traços de intimidade com o local e afirmaram passar mais tempo neles; 
faziam uso destes restaurantes de forma com que eles se aproximassem do modelo 
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41 
de restaurante citado como os “restaurantes de final de semana”. Ou seja, utilizam 
o restaurante a quilo com outra dinâmica, sem priorizar a lógica da pressa e das 
informalidades em torno da refeição. 
“No fim-de-semana ficamos mais tempo dentro de um restaurante, também 
acabamos comendo e gastando mais! Mas não me importo, pois é o tempo que 
estou com minha família e amigos”.

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