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Constitucionalismo é o movimento social, político e jurídico, cujo principal objetivo é limitar o poder do Estado por meio de uma Constituição. Segundo o constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, “é, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo”. Constitucionalismo Contemporâneo (Neoconstitucionalismo) A principal referência inicial desse movimento foi a Constituição alemã de 1949 (conhecida como “Lei Fundamental de Bonn”) e a Constituição da Itália, de 1947, fruto do pós-positivismo, tendo como marco teórico o princípio da “força normativa da Constituição” e como principal objetivo garantir a eficácia das normas constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais. A Lei Fundamental de Bonn foi o gérmen do neoconstitucionalismo, servindo de paradigma de um novo Estado de Direito: um Estado Constitucional de Direito. Destacam-se na mencionada Constituição: a) importância dada aos princípios e valores como elementares do sistema jurídico; b) ponderação como método de interpretação e aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos de valores e bens constitucionais; c) compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes do Estado e até mesmo dos particulares nas relações privadas; d) protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição; e) aceitação de conexão entre Direito e moral. O principal marco teórico do neoconstitucionalismo é o reconhecimento da “força normativa da Constituição”. Essa foi uma importantíssima mudança de paradigma. A Constituição deixou de ser um documento essencialmente político, com normas apenas programáticas, e passou a ter força normativa, caráter vinculativo e obrigatório (imperatividade da norma). Segundo Hesse, para ter sua força normativa, além de incorporar a realidade social, política e histórica do país, a Constituição deve incorporar “o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral”. Muitas são as consequências do movimento neoconstitucionalista na práxis do Direito Constitucional: maior reconhecimento da eficácia dos princípios constitucionais, ainda que não escritos. A força normativa dos princípios é tamanha e pode até mesmo se sobrepujar sobre as regras, ainda que constitucionais. Exemplos: na ADPF 132, o STF equipara a união homoafetiva à união estável, prevista expressamente na Constituição, no art. 226, § 3º. Por sua vez, na ADPF 54, o STF entendeu, com base na dignidade da pessoa humana da gestante, ser possível a interrupção da gravidez do feto anencéfalo, numa clara relativização do direito à vida (art. 5º, caput, CF). Outra consequência marcante do neoconstitucionalismo é a expansão da jurisdição constitucional. Como sintetizado por Luís Roberto Barroso: “antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição”. Mais uma consequência do neoconstitucionalismo é o surgimento de uma nova hermenêutica jurídica: o surgimento de uma hermenêutica constitucional. Chegou-se à conclusão de que interpretar a Constituição é diferente de interpretar as outras leis, embora haja pontos de contato. Também decorre do neoconstitucionalismo uma maior eficácia das normas constitucionais, com destaque para a mudança paradigmática quanto à aplicabilidade dos direitos sociais. Os direitos sociais possuem atualmente carga normativa e, segundo o STF, deve o Estado cumprir imediatamente um “mínimo existencial” desses direitos. Por fim, outra consequência marcante (e polêmica) do neoconstitucionalismo é um maior protagonismo do Poder Judiciário, exigindo a implantação de políticas públicas e o cumprimento das normas constitucionais. A consequência é realmente lógica: se a Constituição é a norma mais importante do ordenamento jurídico e vincula todos os Poderes do Estado, sendo o Judiciário o guardião da Constituição, é natural que exija o cumprimento das normas constitucionais, até mesmo as definidoras de direitos sociais (que exigem do Estado uma prestação). A esse maior protagonismo do Poder Judiciário vem sendo dado o nome de “ativismo judicial”. Uma reação ao ativismo judicial é o “efeito backlash”. A palavra backlash pode ser traduzida como uma forte reação por um grande número de pessoas a uma mudança ou evento recente, no âmbito social, político ou jurídico. Nas palavras do professor de Harvard Cass Sunstein, o efeito backlash é uma “intensa e sustentada rejeição pública a uma decisão judicial, acompanhada de medidas agressivas para resistir a essa decisão e remover sua força legal”. Tal fenômeno teve origem na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Brown v. Board of Education, julgado pela Suprema Corte dos EUA, em 17 de maio de 1954, em que o Tribunal decidiu ser inconstitucional a divisão racial entre estudantes brancos e negros em escolas públicas norte- americanas. Contra essa decisão se opuseram muitos políticos e juristas (especialmente do Sul), de forma violenta, muitas vezes. OUTRAS MODALIDADES DE CONSTITUCIONALISMO 1. O novo Constitucionalismo latino-americano Segundo Roberto Viciano Pastor e Rubén Martínez Dalmau, enquanto o já tradicional “neoconstitucionalismo” trata-se de um aprimoramento do Direito Constitucional, fruto da construção teórica dos constitucionalistas e operadores do Direito, tendo como principal escopo a busca por maior eficácia da Constituição, principalmente dos direitos fundamentais, baseando-se na força normativa da Constituição e no princípio da eficiência ou máxima efetividade, o “novo constitucionalismo” é fruto de reivindicações e manifestações populares e tem como principal escopo a busca por uma maior legitimidade democrática da Constituição, garantindo-se a participação política de grupos até então alijados do cenário político. Constituição da Venezuela, de 1999 (houve um referendo ativador do processo constituinte, um referendo de aprovação do texto constitucional e a reforma constitucional depende da participação popular). Principais marcos do novo constitucionalismo latino- americano são a Constituição do Equador (2007-2008) e da Bolívia (2009). 1.1. Os ciclos constitucionais na América do Sul Analisando as mudanças constitucionais da América do Sul, sob o prisma do multiculturalismo e do tratamento constitucional dado aos povos originários indígenas, a constitucionalista peruana Raquel Yrigoyen Fajardo estabelece uma cronologia lógica, através de ciclos constitucionais na América do Sul, no intuito de superar o “constitucionalismo liberal monista” do século XIX e o “constitucionalismo social integracionista” do século XX. O primeiro ciclo constitucional destinado a se dissociar desse “constitucionalismo monocultural e liberal monista” pode ser denominado como “constitucionalismo multicultural”. O segundo ciclo constitucional, também denominado “constitucionalismo pluricultural”, rompe com o monismo jurídico, reconhecendo (e não apenas tutelando) as tradições, os costumes, as autoridades e o direito indígena, com jurisdição autônoma. São exemplos: a Constituição da Colômbia (de 1991), do México e do Paraguai (de 1992), do Peru (de 1993), Equador (1998) e Venezuela (1999). O terceiro ciclo constitucional dá ensejo a um Estado plurinacional, em que os povos indígenas não são apenas protegidos (como no primeiro ciclo) ou têm sua autonomia reconhecida (como no segundo ciclo): eles fazem parte da construçãodo Estado, integrando o poder constituinte originário. Trata-se de um constitucionalismo plurinacional, tendo como marcos as Constituições do Equador (2008) e Bolívia (2009). “Constitucionalismo plurinacional”. 2. Constitucionalismo Social 2.1. Constituição do México de 1917 O ponto mais significativo da “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos” foi a inserção de um título específico ao direito fundamental social do trabalho (o título sexto – “Del Trabajo y de la Previsión Social”, composto de um único artigo – art. 123). Dispõe o caput do artigo: “El Congreso de la Unión y las Legislaturas de los Estados deberán expedir leyes sobre el trabajo, fundadas en las necesidades de cada región, sin contravenir a las bases siguientes, las cuales regirán el trabajo de los obreros, jornaleros, empleados, domésticos y artesanos, y de una manera general todo contrato de trabajo”. 2.2. Constituição de Weimar, de 1919 Foi pioneira na previsão da igualdade entre marido e mulher (art. 119), na equiparação de filhos legítimos e ilegítimos (art. 121), na tutela estatal da família e da juventude (arts. 119 e 122), mas tem importância histórica marcante na previsão de disposições sobre educação pública e direito trabalhista, a partir do art. 157. 2.3. Os direitos sociais na Inglaterra, segundo Marshall Para Marshall, o conceito de cidadania é dividido em três partes ou elementos: civil, política e social. Segundo ele, “o elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade [...]. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais”. 2.4. O Constitucionalismo Social no Brasil Temos como marco brasileiro do Constitucionalismo Social a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, de 1934, que é a primeira Constituição brasileira a prever expressamente o direito ao trabalho, dentre outros direitos sociais. 3. Constitucionalismo Transnacional (chamado por alguns de constitucionalismo supranacional) Consiste na elaboração de uma só Constituição aplicável a vários países. Cada país abre mão de uma parcela de soberania, elege seus representantes que farão parte de uma Assembleia Legislativa Transnacional e elaboram uma só Constituição. Trata-se de uma decorrência do processo de globalização, experimentado principalmente na União Europeia. Segundo Ana Maria Guerra Martins, diferentemente do “constitucionalismo estadual”, do Estado-nação, o constitucionalismo transnacional tem as seguintes características: a) ultrapassa as fronteiras de cada um dos Estados, tendo em vista a criação de um Direito Comum; b) no que diz respeito ao âmbito de aplicação pessoal, aplicam-se tanto aos Estados como aos indivíduos; c) quanto à aplicação temporal, vigoram ilimitadamente e para além da vontade de cada Estado isolado, só podendo ser alteradas num quadro comum; d) coexistência de vários planos constitucionais que se completam, vigorando pacificamente. 4. Constitucionalismo Global O Constitucionalismo Global é uma tentativa de se elaborar um arcabouço normativo único (formado por um ou mais textos), de conteúdo materialmente constitucional, servindo de “guarda-chuva legal”, em superposição ao direito constitucional de cada país, a partir do qual é instituído um “constitucionalismo multinível”. O tema já foi enfrentado por José Joaquim Gomes Canotilho, ao estabelecer três traços caracterizadores para o “constitucionalismo global”: a) alicerçamento do sistema jurídico-político em relações entre Estado/povo, isto é, não de relações horizontais entre Estados, mas sim com as populações dos próprios Estados; b) emergência, através das declarações e documentos internacionais, de um jus cogens internacional (que “inclui um mínimo de proteção à vida, liberdade e segurança, no âmbito das liberdades pessoais, e o direito à autodeterminação como direito básico da democracia”) legitimado em valores, princípios e regras universais; c) a dignidade humana fixada como pressuposto de todos os constitucionalismos. Assim, compreende a transformação do Direito Internacional como um “parâmetro de validade das próprias constituições nacionais cujas normas deveriam ser consideradas nulas se violassem as normas do jus cogens internacional”. 5. Transconstitucionalismo Refere-se a um processo de convivência cooperativa entre as perspectivas jurídicas apresentadas por ordens jurídicas constitucionais e internacionais, um diálogo jurídico e cultural entre várias instâncias decisórias, de maneira que casos comuns possam ser enfrentados conjuntamente. Nas palavras do prof. Marcelo Neves, é “o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional”. O transconstitucionalismo não busca uma unificação normativa, mas uma combinação ou cooperação. 6. Constitucionalismo Teocrático Consiste na conciliação entre o constitucionalismo moderno, tradicional, combinando-o com a superioridade da legislação religiosa. A revolução liderada pelos Khomeini no Irã é talvez a manifestação por excelência dessa tendência ampla. Partidos religiosos ganharam um tremendo apoio popular em sistemas políticos tão diversos como Bangladesh, Índia, Nigéria, Líbano, Egito, Paquistão, Malásia, a vitória arrebatadora do partido pró-islâmico na Turquia em julho de 2007 etc. Ran Hirschl, talvez o maior especialista no assunto, resume o Constitucionalismo Teocrático em quatro elementos principais: “1) a adesão a alguns ou todos os elementos centrais do constitucionalismo moderno, incluindo a distinção formal entre autoridade política e autoridade religiosa, e a existência de uma forma de revisão judicial ativa; 2) a presença de uma única religião ou denominação religiosa, formalmente aprovada pelo Estado como “a religião do Estado”; 3) a consagração constitucional da religião, os seus textos, diretrizes e interpretações como a fonte fundamental de legislação e interpretação judicial das leis. Essencialmente, as leis não podem infringir as leis religiosas endossadas pelo Estado e 4) um nexo de organismos religiosos e tribunais que não só têm um peso simbólico, mas que também têm status oficial, operando em conjunto com um sistema de jurisdição civil”. 7. Constitucionalismo do Futuro ou do Porvir Trata-se de uma expressão cunhada pelo jurista e político argentino José Roberto Dromi. Trata-se de uma projeção do que existirá depois do neoconstitucionalismo, analisando as mudanças da pós- modernidade. Para o autor, as futuras constituições serão pautadas por sete valores fundamentais: veracidade, solidariedade, consenso, continuidade, participação da sociedade na política, integração, e a universalidade dos direitos fundamentais para todos os povos do mundo. Por veracidade, entende-se que a Constituição não pode fazer promessas irrealizáveis (“força normativa da Constituição” de Konrad Hesse). Por solidariedade entende-se o auxílio mútuo recíproco entre pessoas, povos e Estados. O consenso significa a união de tendências políticas e ideológicas diversas, com o escopo de elaborar um núcleo constitucional comum. No texto constitucional de 1988, já está previsto que um dos fundamentos da República é o “pluralismo político”, que é o fomento ao pluralismo de ideias, culturas, etnias etc. Já o valor da continuidadeé claramente uma revisitação da obra A Força Normativa da Constituição de Konrad Hesse. A Constituição não pode ser totalmente divorciada da realidade do país, sob pena de não ser respeitada, já que inatingível. Não obstante, com base nessa realidade, deve estabelecer as diretrizes e metas que devem ser cumpridas. Por fim, para que tenha continuidade, devem-se evitar modificações sucessivas da Constituição, como já alertou Hesse. O valor da participação da sociedade na vida política consiste no incremento de ferramentas destinadas a concretizar a soberania popular, como a iniciativa popular, ações populares, plebiscitos, referendos etc. Importante frisar que devem ser instrumentos acessíveis e eficazes. 8. Constitucionalismo Popular A expressão “constitucionalismo popular” tem como maiores defensores os professores norte-americanos Larry Kramer e Mark Tushnet, que utiliza a expressão “populist constitutionalism”. Trata-se de um movimento contrário ao chamado “judicial review” (a possibilidade que tem o Poder Judiciário de rever os atos dos outros Poderes, inclusive de invalidar as leis) e principalmente ao ativismo judicial da Corte Constitucional, defendendo a retirada substancial da interpretação e da aplicação da Constituição pelas Cortes, “devolvendo tal função ao povo”. “O constitucionalismo popular basicamente reivindica uma maior participação dos cidadãos na determinação do significado constitucional, demonstrando, em maior ou menor medida, uma hostilidade às dinâmicas da supremacia judicial, que colocam a Suprema Corte como único ente legitimado a interpretar e aplicar a Constituição”. Mark Tushnet adota um constitucionalismo popular mais extremado, tendente a retirar da Corte Constitucional (no nosso caso, do Supremo Tribunal Federal) a última palavra na interpretação constitucional. De certa forma, o monopólio da última interpretação constitucional dado ao Judiciário traz duas consequências perversas: a) em algumas situações, poderá a Corte tutelar direito das minorias políticas, econômicas ou religiosas, contra a vontade da maioria democrática da população (mantendo privilégios, em vez de combater abusos); b) a incursão da Corte Constitucional em temas políticos acaba por vezes freando a discussão popular acerca de temas sensíveis, antecipando-se a conclusão que, muitas vezes, ainda não está madura no seio da sociedade. 9. Constitucionalismo Democrático Nas palavras dos autores Robert Post e Reva Siegel: “o Constitucionalismo democrático afirma o papel do governo representativo e dos cidadãos mobilizados na garantia da Constituição, ao mesmo tempo em que afirma o papel das Cortes na utilização de um raciocínio técnico-jurídico para interpretar a Constituição. Diferentemente do Constitucionalismo Popular, o constitucionalismo democrático não procura retirar a Constituição das Cortes. Constitucionalismo Democrático reconhece o papel essencial dos direitos constitucionais judicialmente garantidos na sociedade americana. Diferentemente do foco juriscêntrico das Cortes, o Constitucionalismo Democrático aprecia o papel essencial que o engajamento público desempenha na construção e legitimação das instituições e práticas do judicial review”. Assim, o Judiciário tem um papel importante na interpretação da Constituição, mas deve fazê-lo atentando para os valores defendidos pela sociedade. Isso porque, segundo os autores, “a autoridade judicial para impor a Constituição, como a autoridade de todos os funcionários públicos, depende, em última instância, da confiança dos cidadãos. Se os Tribunais interpretam a Constituição de forma totalmente divergente dos cidadãos, estes encontrarão maneiras de comunicar suas objeções e resistir aos julgamentos judiciais”. O que diferencia o constitucionalismo democrático (de Post e Siegel) do constitucionalismo popular (de Tushnet, por exemplo) é que o primeiro aceita a tese do monopólio da última palavra interpretativa da Corte Constitucional, desde que permeada pelos valores democráticos e republicanos. 10. Constitucionalismo Autoritário Nas palavras do constitucionalista mexicano Roberto Niembro: “o constitucionalismo autoritário não significa um regime distinto, mas uma forma sofisticada de exercer o poder por elites governantes que têm uma mentalidade autoritária em Estados cujo desenvolvimento democrático é precário”. Dessa maneira, no constitucionalismo autoritário, os ocupantes do poder, embora com uma roupagem constitucional e democrática, exercem-no de forma autoritária, encobrindo seus atos com um discurso constitucionalista. Em outras palavras, utiliza-se a Constituição não como limite dos poderes do Estado, mas como forma de um grupo governante sedimentar-se no poder, buscando a legitimidade constitucional e evitando sanções internacionais (com a aparente democracia constitucional). 11 .Constitucionalismo Abusivo Segundo o autor David Landau: “o constitucionalismo abusivo envolve o uso de mecanismos de mudança constitucional – emenda constitucional e substituição da Constituição – para minar a democracia. Enquanto métodos tradicionais de derrubada da democracia, como o golpe militar, estão em declínio há décadas, o uso de ferramentas constitucionais para criar regimes autoritários e semiautoritários é cada vez mais prevalente. Presidentes poderosos e partidos poderosos podem engenhar uma mudança constitucional, para tornarem-se muito mais estáveis, a fim de neutralizar instituições como tribunais, que teriam a função de verificar o exercício do poder”. 12. Patriotismo Constitucional Trata-se de uma expressão oriunda do alemão, utilizada originalmente pelo historiador Dolf Sternberger, na década de 1970, retomada pelo sociólogo Mario Rainer Lepsius e popularizada por Jürgen Habermas, a partir dos anos 1980. O escopo do “patriotismo constitucional” é afastar-se do nacionalismo exacerbado, totalitário (ultranacionalismo), que ensejou a xenofobia, o preconceito e o holocausto no nazismo, na tentativa de buscar um novo modelo de identificação política, dotada de um profundo multiculturalismo e fundada no respeito à Constituição. Nova espécie de sentimento de unidade: o patriotismo, fundado na lealdade aos princípios constitucionais e às instituições político-democráticas, que conduzirá “a uma coesão política independentemente de uma concepção etnocultural de cidadania”. Em resumo, como afirma a doutrina, “o patriotismo constitucional vem substituir o nacionalismo, ou seja, o Estado-nação é substituído por um Estado Democrático de Direito que encontra sua identidade não em características etnoculturais, mas na prática dos cidadãos que exercitam seus direitos de participação no processo político”. 13. Constitucionalismo Transformador Expressão cunhada pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, refere-se a um dos aspectos do novo constitucionalismo latino- americano. Assim, esse constitucionalismo cria uma nova espécie de democracia: a democracia intercultural, formada pela soma das democracias representativa, participativa e comunitária. Segundo o professor boliviano Fernando Mayorga: “esta última se refere à utilização dos usos e costumes dos povos indígenas na eleição de representantes e autoridades, assim como na formação de governos autônomos indígenas”. O constitucionalismo transformador parte da iniciativa das classes populares, como uma forma de luta de classes, uma luta dos excluídos e seus aliados, visando criar novos critérios de inclusão social que ponham fim à opressão classista, racial, étnica, cultural etc.”. 14. Constitucionalismo Ecológico Também chamado de “constitucionalismo ambiental”, “constitucionalismo verde”, “constitucionalismo ambiental global” ou environmental constitutionalism (no inglês), o constitucionalismo ecológico consiste numa aproximação entre o direito constitucional, o direito internacional, os direitos fundamentais e o direito ambiental. Consiste na crescente constitucionalização de temasambientais, que deixam o status da infraconstitucionalidade, em razão de sua importância cada vez crescente. Três são os ciclos do constitucionalismo ecológico: a) constitucionalismo ecológico embrionário: ciclo das enunciações programáticas (nessas Constituições, a preservação do meio ambiente e da natureza não é um direito das pessoas, mas um dever do Estado); b) constitucionalismo ecológico antropocêntrico (a preservação da natureza e do patrimônio histórico e cultural deixa de ser apenas um dever do Estado e passa a ser um direito das pessoas, um direito humano fundamental); c) constitucionalismo ecológico biocêntrico (natureza como sujeito de direitos). 15. Constitucionalismo Vivo (Living Constitution) A ideia de constitucionalismo vivo decorre de uma teoria norte-americana bastante difundida e denominada por eles de “living constitution” ou “constituição viva”. Opondo-se à teoria do originalismo (no qual a interpretação da Constituição deve ser a mesma dos seus criadores, ou pelo menos se basear nos mesmos princípios por eles estabelecidos), no constitucionalismo vivo a Constituição tem o poder permanente de ser alterada informalmente por seus intérpretes, adaptando-se a novas realidades, não previstas ou não existentes no momento de sua edição. Para o constitucionalismo vivo, é impossível ficar preso às percepções existentes à época da edição da Constituição, sendo necessário sempre, através de uma evolução da jurisprudência e da sociedade, adaptar a Constituição às novas realidades. Não obstante, Strauss apresenta os três problemas principais do originalismo: 1) é impossível descobrir o que pensavam os autores das palavras constitucionais. Tal exigência transformaria o intérprete da Constituição num historiador, mais que um jurista. 2) os pensamentos dos autores da Constituição (os founding fathers ou “pais fundadores” na nomenclatura norte-americana) referem-se ao mundo em que eles viviam, com seus respectivos problemas. Segundo Strauss: “os criadores ou reformadores da Constituição tinham, na melhor das hipóteses, entendimentos sobre seu mundo. Como aplicar esses entendimentos ao nosso mundo?”. 3) nas palavras de Thomas Jefferson (um dos “pais fundadores” norte-americanos), “o mundo pertence aos vivos”, não podendo ser regido por pessoas que, na maioria das vezes (e no caso norte- americano, certamente) já morreram. O constitucionalismo vivo tem uma crítica, muito repetida no Brasil: em vez de aplicarmos a Constituição, estaríamos aplicando a interpretação da Constituição feita (normalmente pelo Poder Judiciário), de acordo com seus próprios valores (muitas vezes distintos dos valores constitucionais).