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FACULDADE MARTHA FALCÃO WYDEN EDUCACIONAL CURSO DE DIREITO LUIZA REGINA FERREIRA DEMASI UMA ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO DOS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS MANAUS - AM 2018 2 LUIZA REGINA FERREIRA DEMASI UMA ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO DOS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Martha Falcão Wyden Educacional como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Juliano Ralo Monteiro. Professora da disciplina: Prof. Msc. Maria Bernadete Bonini Alves. MANAUS 2018 3 Demasi, Luiza Regina Ferreira. D372u Uma análise de direito comparado dos animais como sujeito de direitos. / Luiza Regina Ferreira Demasi. Manaus: IESA, 2018. 61 f. Monografia apresentada ao Instituto de Ensino Superior da Amazônia, Faculdade Martha Falcão | Wyden, ao Curso de Direito, 2018. Orientador: Prof. Dr. Juliano Ralo Monteiro. Bibliografia. 1. Natureza jurídica dos animais. 2. Personalidade jurídica. 3. Senciência. 4. Ecocentrismo. 5. Bem-estar animal. I. Faculdade Martha Falcão | Wyden. II. Título. CDD 342.81 4 À Cookie, um único animal que me inspira a lutar pelos direitos de todos. 5 AGRADECIMENTOS Primeiramente, a Deus, por me guiar em direção ao Direito e por me permitir uma graduação inestimável. Aos meus pais e meus avós por tudo o que sempre fizeram por mim e por sempre me ensinarem a ser a melhor que eu posso ser. Ao meu pai, por me ensinar a sempre aproveitar oportunidades e por me apoiar em tudo. À Cookie, por me mostrar o caminho que hoje sigo, em defesa de todos os animais. Ao orientador, Prof. Dr. Juliano Ralo Monteiro, pelo acompanhamento e orientação. Aos Prof. Msc. Aluísio Celso Affonso Caldas e Dr. Adalberto Carim Antônio, pelos ensinamentos, contribuições, sugestões e amizade. Ao Curso de Direito da Faculdade Martha Falcão Wyden Educacional, na pessoa do coordenador Andrei Sicsú por proporcionar uma excelente graduação. 6 “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados” Mahatma Gandhi 7 RESUMO Utilizando do método bibliográfico, por meio de análise da atual legislação, da doutrina na área, estudos científicos e do neoconstitucionalismo, comparando o ordenamento jurídico brasileiro com aqueles de outros países, esta monografia tem o objetivo de analisar jurídico- socialmente a possibilidade de alteração no status jurídico dos animais de coisa à sujeito de direitos, explanando quanto às principais teorias que justificam tal mudança, considerando a senciência e o papel dos animais na sociedade, buscando o objetivo de demonstrar a necessidade de reconhecer os animais como sujeitos de direitos, para que possam ser protegidos de forma plena e eficaz. Palavras-chave: natureza jurídica dos animais – personalidade jurídica – senciência – Ecocentrismo – bem-estar animal. 8 ABSTRACT By making use of the bibliographic method, by analysis of the current law, specialized doctrine, scientific studies and of the Neoconstitutionalism, comparing the Brazilian legal system with those of other countries, this monograph has the goal of Juridicaly and socialy, the change in the juridical status of the animals from thing to subject of rights, expounding about the main theories that justify said change, considering sentience and the animals’ role in society, searching the goal of demonstrating the need of recognizing animals as subjects of rights, so that their rights may be protected plainly and effectively. Keywords: juridical nature of animals – legal personhood – sentience – ecocentrism – animal welfare 9 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 10 2. ANTROPOCENTRISMO X ECOCENTRISMO 12 2.1. A NATUREZA COMO SUJEITO DE DIREITOS NA PRÁTICA 17 2.2. OS ANIMAIS E A SOCIEDADE 19 3. OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS 24 3.1. AS PRINCIPAIS TEORIAS A FAVOR DA ALTERAÇÃO NO STATUS JURÍDICO DOS ANIMAIS 27 3.2. SENCIÊNCIA 37 4. O CENÁRIO ATUAL DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO 44 4.1. O CENÁRIO INTERNACIONAL DOS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS 47 4.2. O BEM-ESTAR ANIMAL NA UNIÃO EUROPEIA 49 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 54 6. BIBLIOGRAFIA 56 10 1. INTRODUÇÃO Desde os primórdios do Direito, o ser humano é o único ser vivo a ter qualquer tipo de proteção jurídica. Criam-se normas para regular a vida em sociedade, desenvolvem-se teorias sobre a evolução humana e elaboram-se novos métodos de assegurar sua dignidade. Porém, ao agir dessa forma, egocentricamente, o Homem criou o hábito de se afastar moralmente dos outros seres vivos, desenvolvendo a noção de que tudo aquilo que não fosse humano seria objeto, coisa, bem móvel ou imóvel. Ao coisificar tudo aquilo que o cerca, o ser humano determinou que tudo o que não lhe seja semelhante deve lhe servir de acordo com a sua vontade. Jamais uma coisa poderia ser inteligente, quiçá ter sentimentos. Essa ausência de empatia justificou as ações humanas quanto aos testes em outras espécies de animais, verdadeiras torturas físicas e psicológicas. Além dos abandonos, maus- tratos, entre outros. O Homem se orgulha de mostrar na televisão sem qualquer tipo de censura alguém decapitando outro ser vivo em seu habitat natural e arrancando suas entranhas por seu bel prazer. Porém, algumas pessoas perceberam que talvez esse modo de pensar e agir não seja o mais adequado e começaram a estudar, a analisar o comportamento de outras espécies animais, observar com cuidado aqueles cachorros, gatos, que conviviam em suas casas, juntamente da família. Será que aqueles animais poderiam ter sentimentos? Será que teriam a capacidade de raciocínio? E, caso positivo, como o ordenamento jurídico deve reagir? Tais dúvidas fizeram com que cientistas dedicassem suas vidas ao estudo dos animais, seus sentimentos, sua inteligência, seu papel na sociedade e, por consequência, a forma que o Direito os protege e sua efetividade. No Brasil, a discussão quanto à natureza jurídica dos animais é cada vez mais comum, havendo movimentações legislativas em favor do reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. Outros países tratam do assunto de diversas formas, como pelo prisma do neoconstitucionalismo na América Latina, cuja proposta é interessante e merecedora de análise. A França, Alemanha e os Estados Unidos também possuem posicionamentos relevantes quanto a possibilidades de garantia do bem-estar animal. 11 Como se é sabido, os animais possuem papel importantíssimo na história humana, servindo como alimento, vestimenta, auxiliar nas caças, etc. Tanto os evolucionistas quanto os criacionistas concordam com isso. Inclusive, de acordo com os evolucionistas, o ser humano é descendente dos animais. Ora, se Deus criou os animais antes de nós, o ser humano não lhes é superior e, da mesma forma, se o homem vem do macaco, pela lógica, chamá-los de coisa é nos comparar a coisas. É indiscutível que o cachorro é o melhor amigo do homem, porém, o contrário muitas vezes não é verídico, como se pode perceber pelo fato de que reconhece-lo como ser dotado de inteligência e sentimentos, logo, merecedor de ser considerado sujeito de direitos, é de difícil aceitação no Brasil, ao contrário de diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo. Neste trabalho, cujoobjetivo principal é o estudo, por meio do direito comparado, das razões pelas quais os animais merecem e devem ser reconhecidos pelo Direito como sujeitos de direitos, será analisado, primariamente, o Ecocentrismo em contrapartida ao Antropocentrismo, além da compreensão da senciência e de observação quanto às diversas formas com que outros países tratam do tema, juntamente da criação do desenvolvimento sustentável e o papel histórico do animal na sociedade. Logo após, serão analisadas as diversas teorias que justificam a mudança no status jurídico dos animais, incluindo exemplos reais em que os animais foram parte em ação judicial, e explanando quanto à senciência e a forma com que a ciência auxilia o Direito a ser justo. Também será tratado do cenário atual envolvendo animais como sujeito de direitos, no Brasil e em outros países, incluindo a União Europeia, para que se possa verificar o que acontece na prática ao conceder personalidade jurídica aos animais. O Direito possui sua função social apenas quando se atualiza de acordo com as mudanças da sociedade, de forma que este assunto se torna cada vez mais relevante no cenário atual brasileiro, devendo o Direito reagir rapidamente, regulamentando uma situação social que tende apenas a crescer mais. 12 2. ANTROPOCENTRISMO X ECOCENTRISMO O ser humano, principalmente a sociedade ocidental, evoluiu de forma a acreditar ser o centro de tudo, utilizando de argumentos baseados em falácias, como a de que o Homem é o único ser vivo racional, ignorando todo e qualquer tipo de inteligência presente no reino animal. Dessa forma, o Homem justifica sua superioridade absoluta em relação aos outros seres vivos, agindo antagonicamente, criando situações de “nós versus eles”. Um exemplo é o caso de um menino na cidade de Cascavel, Paraná, que, em uma ida ao zoológico, aproveitou a falta de atenção de seu pai, pulou a cerca de segurança e colocou o seu braço dentro da jaula de um tigre chamado Hu. O animal, agindo por instinto mordeu o braço da criança de 11 anos, que foi levado ao hospital, sobreviveu, porém, teve que amputar seu braço direito. O caso recebeu alto enfoque midiático, com a população em geral e as autoridades pedindo ao zoológico que “sacrificassem” o animal. Enquanto isso, ao acordar no hospital, com o braço amputado, o menino implorou que nada fosse feito ao tigre.1 Uma criança, de 11 anos, cujo braço direito fora amputado devido à mordida de um animal selvagem em um zoológico, foi o único que percebeu a ausência de culpabilidade do tigre Hu, implorando por sua vida.2 Hu teve sua vida poupada graças ao pedido do menino.3 Para alguns é simplesmente lógico que se mate o tigre, como forma de punição pelo seu comportamento. Não lhe é reconhecida inteligência para possuir direitos, porém, quando convém, lhe é imputada responsabilidade por seus atos. O Antropocentrismo trata o ser humano como superior a tudo e todos, o que causa distanciamento filosófico das outras espécies. Algo que é considerado impensável de ser feito com outros humanos, pode ser visto como opção de ser feito com animais. 1 G1 PR. Criança é atacada por tigre no zoológico de Cascavel, diz bombeiro. G1, Cascavel, 30 jul. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2014/07/crianca-e-atacada-por-tigre-no- zoologico-de-cascavel-diz-bombeiro.html>. Acesso em 18 out. 2018 às 01:13. 2 G1 PR. Menino atacado por tigre pediu para que não matasse o animal, diz pai. G1, Cascavel, 03 ago. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2014/08/ninguem-sabe-dor-que-eu-tenho-diz-pai- de-menino-atacado-por-tigre.html>. Acesso em 18 out. 2018 às 01:19. 3 ROSEGUINI, Guilherme e CONDE, Paulo Roberto. Atacado por tigre em 2014, Vrajamany Rocha desponta no esporte e nada por sonho de ir à Paralimpíada. Globo Esporte, São Paulo, 14 out. 2018. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/paralimpiadas/noticia/atacado-por-tigre-em-2014-vrajamany-rocha-desponta- no-esporte-e-nada-por-sonho-de-ir-a-paralimpiada.ghtml>. Acesso em 18 out. 2018 às 01:32. 13 Esse modo de pensar e agir não era visto como um problema social na era do hiperdesenvolvimentismo, em que tudo podia ser sacrificado desde que o objetivo final fosse progresso e prosperidade. Essa filosofia de vida fora adotada sem restrições, o que causou enorme prejuízo ambiental. Finalmente, com a Conferência de Estocolmo, em 1972, as Nações Unidas demonstraram a importância e urgência da necessidade de preservação ambiental. Pela primeira vez, os países se reuniram com o objetivo de desenvolver formas práticas e efetivas para a realização do desenvolvimento econômico, juntamente com atenção especial às necessidades do meio ambiente. Obviamente, não se podia falar em planos globais, era necessário começar em âmbitos menores, com países incentivando vagamente seus cidadãos a agirem dentro do conceito recém- criado do ecodesenvolvimento, em que se preza pelo desenvolvimento econômico e tecnológico, porém considerando os recursos finitos do planeta e o bem-estar das outras espécies. Com o passar dos anos, o tema evoluiu, aumentando seu significado e âmbito de atuação. Em 1992, 20 anos após a Conferência de Estocolmo, aconteceu a ECO 92, em que nasceu o Relatório da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecido como Relatório Brundtland, ou por seu título oficial “Nosso Futuro Comum”. Neste documento, nasceu o conceito de desenvolvimento sustentável, como hoje conhecemos. O objetivo do desenvolvimento sustentável é bem simples: atender as necessidades do ser humano, sem comprometer que, no futuro, outros possam atender suas próprias necessidades, situação em que, de acordo com Machado, “o conceito de sustentabilidade passa a qualificar ou caracterizar o desenvolvimento”.4 Mesmo com evidente evolução filosófica, ainda é possível perceber um viés antropocêntrico presente no objetivo do Relatório Brundtland, já que está sendo protegido o meio ambiente para que o ser humano possa eternamente usufruir de seus recursos, ignorando o fato de que estes são finitos e suas consequências para a natureza. Machado afirma que “de longa data, os aspectos ambientais foram desatendidos nos processos de decisões, dando-se um peso muito maior aos aspectos econômicos”, de forma que 4 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2017, p. 63. 14 aqueles que se esforçam para proteger o direito de todos ao meio ambiente eram ignorados em prol de um desenvolvimento desenfreado e desatento aos mínimos cuidados sustentáveis. O autor cita Daly para enfatizar que “A mudança de visão envolve a substituição da norma econômica de expansão quantitativa (crescimento) por aquela da melhoria qualitativa (desenvolvimento) como caminho para um futuro progresso. Esta mudança encontra resistência da maioria das instituições econômicas e políticas, que estão alicerçadas no tradicional crescimento quantitativo”.5 Muitos anos se passaram até que a sociedade chegasse ao entendimento de que existe uma Ética Global, ou Ética Planetária. Pode-se conceituar esta nova filosofia como agir de forma a não impedir que outros seres vivos o deixem de ser e os permitindo de se reproduzirem e evoluírem juntamente ao ser humano. É clara a mudança no pensamento. Antes, se preocupava com o meio ambiente pura e simplesmente para que gerações humanas futuras pudessem continuar a viver de forma confortável, enquanto agora, a proteção ambiental se dá para que os todos os seres vivos possam continuar a viver e evoluir igualmente. A ECO 92 plantou a semente do Ecocentrismo, com uma simples frase: “Pensar globalmente, agir localmente”. Deste quase mantra ecológico, nasceram diversosmovimentos culturais, como por exemplo o conhecido como Ecologia Profunda (Deep Ecology), em que Aldo Leopold, considerado pai do movimento, na sua obra “L’éthique de la terre”, apresenta a genial ideia de que igualmente a escravatura, chegará o dia em que a natureza será respeitada e o passado será visto com vergonha. Leopold explica tal merecimento com o mesmo argumento que Regan justifica a necessidade de os animais serem reconhecidos como sujeitos de direitos: pelo fato de haverem valor intrínseco.6 5 DALY, 1996 apud MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2017, p. 64 6 LEOPOLD, Aldo. Deep Ecology. Encyclopedia of Environmental Ethics and Philosophy, v. 2, 2018, p. 2016. Disponível em: <http://www.uky.edu/OtherOrgs/AppalFor/Readings/240%20-%20Reading%20- %20Deep%20Ecology.pdf>. Acesso em 06 dezembro 2018, às 15:26. 15 Naess, um dos apoiadores do conceito de ecologia profunda, defende o movimento, criticando o que ele chama de ecologia rasa. “A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ele [sic] vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de “uso”, à natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa – do meio ambiente natural. Ela vê o mundo, não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida”.7 O autor também apresenta ideias similares às de Tom Regan, o que se pode ver com clareza ao analisar os princípios que Naess estabeleceu para a ecologia profunda. “1) O bem-estar e o florescimento da Vida humana e não-humana na Terra têm valor em si mesmos (sinônimos: valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para finalidades humanas. 2) A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a concretização desses valores e, também são valores em si mesmas. 3) Os seres humanos não têm o direito de reduzir essa riqueza e diversidade, a não ser para a satisfação de necessidades vitais”.8 Em outras palavras, a ecologia profunda pode ser vista como uma filosofia de vida, sendo que se os seres humanos seguirem estas três regras, razoavelmente simples, todos vivem em completa harmonia. “O ideal da ecologia profunda seria um mundo em que as épocas perdidas e os horizontes longínquos teriam a precedência sobre o presente”.9 A filosofia ecocêntrica permite que diversos ramos sejam criados, como, por exemplo, a economia verde, em que se deve haver um esforço social e estatal para cumprir com o objetivo 7 CAPRA, Fritjof. Ecologia profunda: Um novo paradigma apud KURATOMI, Vivian Akemi. Os animais como sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais - FAJS. São Brasília, 2011, p. 38. 8 SINGER, Peter. Ética prática. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 296 apud KURATOMI, Vivian Akemi. Os animais como sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais - FAJS. São Brasília, 2011, p. 39 9 BOFF, Leonardo. Ecologia: Grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995, p. 215 apud KURATOMI, Vivian Akemi. Os animais como sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais - FAJS. São Brasília, 2011, p. 40. 16 de desenvolver uma economia que não seja puramente focada no modelo de alto carbono, mas também na máxima “menos é mais”, onde se encontra a reciclagem. Milaré descreve que a economia verde só poderá funcionar se superar “a sociedade de consumo, com a busca de outros valores além dos econômicos”, porém, não se pode simplesmente impedir que a economia se comporte fluidamente, sob risco de não funcionar e/ou gerar uma crise econômica é imprescindível que se compreenda que a melhor forma de fazer com que a economia verde realmente funcione, é por meio do incentivo à empresas sustentáveis.10 Por exemplo, é perceptível que existe demanda para empresas que vendem produtos orgânicos, reciclados, que não tenham sido testados em animais ou ainda, que sejam feitos com material vegetal. Empresas colocam orgulhosamente em suas embalagens anúncios de que são veganas, ou animal friendly. Algumas ainda criam campanhas de luta contra os testes em animais. Ou seja, usam do desenvolvimento sustentável para crescer economicamente. A sociedade e a economia são extremamente interligadas, de forma que quanto maior a conscientização do povo sobre questões ambientais, mais ele se interessará por produtos sustentáveis, o que fará com que mais empresas tenham esse enfoque, gerando mais conscientização e, assim, criando um ciclo sustentável. Michel Serres, em sua obra Le contract natural (1991), criticou o antropocentrismo, explanando quanto a necessidade da proteção dos direitos da natureza, vindo a criar o conceito de um contrato natural com o meio ambiente, fazendo referência ao contrato social, de Rousseau. Este contrato natural serviria para colocar o universo como sujeito de direito, excluindo de forma definitiva a filosofia antropocêntrica, devendo-se, a partir disso, proteger o ser humano, os animais e todo o meio ambiente de forma igualitária, com a devida equidade, baseado no argumento dos direitos intrínsecos. Serres (1991) justifica essa necessidade de um novo contrato explanando que o ser humano comete os atuais absurdos ambientais por entender que não haverá punição. Logo, ao transformar o meio ambiente em um sujeito que pode ser parte ativa em um conflito, o Homem se tornará mais cauteloso com suas ações e em como estas afetam a natureza. 10 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 105. 17 Assim, estaria firmado um contrato natural entre o ser humano e a natureza. Enquanto um cumprir com os seus deveres, o outro também o fará, mas quando alguém desrespeitar a natureza, é possível que se tomem atitudes jurídicas para reparar o dano. Interessante notar que, apesar de um não citar o outro, a teoria do contrato natural de Serres se assemelha à figura latina da Pachamama, onde é possível encontrar exemplos reais da natureza como parte ativa em um processo judicial. 2.1. A NATUREZA COMO SUJEITO DE DIREITOS NA PRÁTICA Recentemente, em março de 2017, o parlamento da Nova Zelândia foi pioneiro na proteção ambiental, quando decidiu por conceder personalidade jurídica ao rio Whanganui, o terceiro mais longo do país, considerado sagrado pelos maoris. A Lei Te Awa Tupua (antigo rio, em maori) torna o rio pessoa jurídica, podendo qualquer maori ou ente público ser parte ativa ou passiva em qualquer ato da vida civil, igualmente às pessoas jurídicas. Cinco dias depois da aprovação da Lei Te Awa Tupua, a Alta Corte de Uttarakhand, na Índia concedeu personalidade jurídica aos rios Ganges e Yumana. A principal diferença entre esta decisão e a neozelandesa é a de que, na Índia, qualquer cidadão poderá impetrar com ação em nome dos rios, enquanto na Nova Zelândia apenas os maoris ou ente público o pode fazer. Um país que pode ser considerado exemplo na prática do Ecocentrismo é a Alemanha, cuja legislação reconhece a necessidade de proteção de todos os elementos da natureza,sejam eles físicos, biológicos ou químicos, com base no argumento de que ambas fauna e flora possuem valores intrínsecos. É possível, dessa forma, encontrar diversas medidas protetivas, desde a proibição na importação de produtos advindos das baleias até e implementação de políticas para a garantia da proteção de espécies ameaçadas de extinção. Para efetivamente funcionar na prática, essa proteção ambiental é dividida em três níveis, sendo o primeiro (Landschaftsprogramme) meramente informativo, explicitando as espécies da fauna e flora necessitadas de proteção. Superior a este, encontra-se o Plano de Enquadramento da Natureza (Landschaftsrahmenpläne), onde estuda-se as condições naturais, que necessitam de mais proteção, evitando assim, um possível dano ambiental por negligência. 18 Por fim, existe o Plano da Natureza (Landschaftspläne), em que se descrevem todos os locais necessitados de proteção e as atividades que visam a proteção da natureza, de forma detalhada. Dessa forma, é possível garantir o meio ambiente local como um todo, devido à preservação de espécies em conjunto à de seus habitats. Dentro deste meio protetivo, encontra- se também a completa vedação aos maus tratos contra animais e qualquer tipo de dano injustificado de seus habitats.11 Na França, a lei n. 2016-1087 foi inovadora ao estabelecer o princípio da não regressão ambiental, um dos princípios-base do direito ambiental, determinando que “Art. 2 – 9º – O princípio da não regressão, segundo o qual a proteção do meio ambiente, assegurada pelas disposições legislativas e regulamentares relativas ao meio ambiente, só pode ser objeto de constante aperfeiçoamento, levando-se em conta o conhecimento científico e técnicas atuais” (tradução nossa).12 Tal princípio está presente na Carta Magna, em seu art. 225, que estabelece que as presentes e futuras gerações são essenciais à defesa e preservação ambiental, existindo assim, uma equidade intergeracional. Como bem explica Machado, “O relacionamento das gerações com o meio ambiente não poderá ser levado a efeito de forma separada, como se presença humana no planeta não fosse uma cadeia de elos sucessivos”.13 Portanto, é possível afirmar que o meio ambiente deve ser tratado de forma justa, sempre acompanhando as inovações científicas e, para isso, se deve educar a população para que esteja ciente da importância de seu papel na preservação ambiental, podendo, assim, fazê-lo corretamente. Os exemplos dados pela Nova Zelândia, França, Alemanha e Índia demonstram tanto na teoria quanto na prática o meio ambiente sendo efetivamente reconhecido como sujeito de direitos e se tornando tal, em diferentes níveis, em cada país. 11 MORRISON, Fred L.; WOLFRUM, Rüdiger. International, regional and national environnmental law. London: Kluwer Law International, 2000, p. 699 apud KURATOMI, Vivian Akemi. Os animais como sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais - FAJS. São Brasília, 2011, p. 65. 12 FRANÇA, Lei n. 2016-1087, 2016. Texto original: "Art. 2 – 9° – Le principe de non-régression, selon lequel la protection de l'environnement, assurée par les dispositions législatives et réglementaires relatives à l'environnement, ne peut faire l'objet que d'une amélioration constante, compte tenu des connaissances scientifiques et techniques du moment". 13 MACHADO, Paulo Afonso Leme, 2008 apud Direito Ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2017, p. 65 19 Percebe-se também, a reação em cadeia que ocorre quando um país faz tal reconhecimento, explicitando o fato de que os países estão observando as movimentações jurídicas de outros, quando tomam determinadas decisões. Assim, está cada vez mais clara a necessidade de conceder personalidade jurídica aos entes da natureza, seguindo o comportamento das outras nações, para que se possa verdadeiramente praticar o desenvolvimento sustentável e realizar uma eficaz proteção ambiental. 2.2. OS ANIMAIS E A SOCIEDADE Historicamente, o cachorro é companheiro do ser humano desde os primórdios da humanidade, lhe servindo como cão de guarda, de caça, de pastoreio, entre outros. De acordo com a paleoantropóloga americana Pat Shipman, uma das razões pelas quais o ser humano conseguiu desenvolver a língua falada foi a necessidade transmitir aos descendentes os conhecimentos relacionados à caça de animais para alimentação e o adestramento e criação de animais para auxiliarem na caça ou em outras tarefas. Ou seja, além do fato de que a presença dos animais ajudou o ser humano em seu processo evolutivo, já é possível perceber que desde sempre houve o entendimento de que cada espécie de animal possuía um papel diferente na sociedade, podendo servir como vestimenta, alimento, auxílio ou companhia. Shipman demonstra que naquela mesma época existem registros do entendimento humano quanto à possibilidade de tornar o lobo um ajudante da sociedade, podendo este conviver com o Homem de perto. Este entendimento fez com que o lobo viesse a se tornar “o melhor amigo do homem” com o passar dos séculos.14 O Direito brasileiro possui suas raízes mais profundas no Direito Romano, de forma que até os dias atuais existem muitas similaridades, como, por exemplo, a distinção em relação às coisas. Tudo o que não é humano é coisa, podendo ser res nullius (coisa de ninguém), res derelictae (coisa abandonada) e res communes omnium (coisas comuns passíveis de serem parcialmente apropriadas). 14 SHIPMAN, Pat. The Animal Connection: A New Perspective on What Makes Us Human. Pennsylvania: W. W. Norton & Company, 2011. 20 Especificamente quanto aos animais, o Direito Romano determinava que eram adquiridas, por direito natural, as coisas cuja propriedade vinha da tradição e as advindas por ocupação, a coisa achada. Dessa forma, se alguém encontrasse um animal sozinho, com aparência de abandono, poderia lhe tomar para si, porém, se este fugisse, ou voltasse “à liberdade natural”, como diz Machado, é possível que outra pessoa obtivesse a sua propriedade.15 Esse entendimento ainda vigora no atual Código Civil brasileiro, como determinado pelo art. 1.263: “Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei”.16 Com o passar do tempo, os animais foram tendo papel maior na sociedade, se tornando cobaias em testes farmacêuticos, cosméticos, psicológicos, dentre outros. Porém, ao mesmo tempo, o ser humano foi se afeiçoando aos animais, os levando para dentro de casa, nascendo, assim, o animal de estimação, o pet. A própria expressão defini tudo o que é necessário. O animal de estimação é aquele cujo o ser humano possui uma relação de afeto. Diversos estudos comprovam esta relação por meio do efeito que a ocitocina, causa tanto nos animais quanto nas pessoas. Dentre eles, um realizado pela universidade japonesa de Azabu, como demonstra Rodrigues.17 Nesse estudo concluiu-se que o hormônio, também conhecido como hormônio do amor, é liberado durante a gravidez, conectando a mãe ao seu bebê, e atuando, também, nos níveis de cortisona nos seres humanos, diminuindo o stress e a ansiedade. Não se pode esquecer que hoje existem centenas de núcleos familiares cuja composição é um humano e um animal, podendo ser por dificuldade em se conectar com outros seres humanos, necessidade, ou por escolha. Como por exemplo, pessoas com síndrome do pânico que necessitam de cão-guia. Relevante é, o fato de que naquele determinado núcleo familiar residem uma pessoa e um animal. 15 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental. 20. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012,p. 908 – 909. 16 BRASIL. Código Civil Brasileiro: Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 1.263. 17 RODRIGUES, Susana Gabriella Prudente Rodrigues. O rompimento de relações pessoais e o destino do animal de estimação: divisão de bens ou guarda? Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Tiradentes - UNIT. São Aracaju, 2015. 21 Nas palavras do Ministro do STJ, Luís Felipe Salomão, “hoje há famílias sem filhos, uma pessoa e um animal, duas pessoas e dois animais. Não vejo aqui um protagonismo exacerbado, vejo uma realidade que só avança”.18 Hoje, existem cursos especializados em direitos dos animais em diversos países, como na Espanha, Estados Unidos, França, Austrália e Brasil. Esse fato demonstra a inegável importância dada aos animais de estimação, principalmente quando verificamos a existência de planos de saúde animal, chips intercutâneos para facilitar a identificação em caso de perda, sequestro ou fuga. A sociedade humana deve grande parte de seu processo evolutivo aos animais e, com o passar dos anos, criou-se uma ligação com eles, que não há como ser desfeita. Proteger os animais e a natureza em geral significa reconhecer que o ser humano não é o centro do universo, mas sim, parte dele, sendo sua obrigação conviver em harmonia com aquilo que o cerca. Esse pensamento não é nenhum tipo de absurdo, principalmente se lembrarmos que a própria figura da pessoa jurídica nasceu devido à necessidade humana de ter uma figura reconhecida pelo Direito para que haja maior segurança jurídica. Como bem explica Gonçalves, a pessoa jurídica é resultado de um fenômeno histórico e social que, percebendo uma necessidade jurídica da organização de pessoas e bens, atribuiu personalidade própria a este grupo. Ou seja, são “entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações”.19 Maria Helena Diniz explana que o Direito concedeu personalidade e capacidade jurídica a grupos humanos para que estes pudessem participar da vida jurídica, com certa individualidade e em nome próprio.20 O ordenamento jurídico não sabia lidar com o crescimento de demanda para uma regularização jurídica, surgindo assim a ideia de que deveria ser criada uma forma de 18 COELHO, Gabriela. STJ se divide sobre dever de o Judiciário regulamentar guarda de animais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mai-23/stj-divide-dever-judiciario-regular-guarda-animais>. Acesso em: 18/08/2018 às 9h32. 19 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 221. 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 263 – 265. 22 equiparação destes grupos humanos à pessoa humana, pelo menos no tocante aos atos civis relevantes ao tema. A origem da pessoa jurídica é discussão de três principais teorias, sendo a primeira criada por Savigny, que afirma ser a pessoa jurídica uma ficção dos legisladores para representar alguma situação ou necessidade não definível, pois lhe faltava uma reflexão prática em relação aos acontecimentos realísticos. O ordenamento jurídico da época sentia necessidade de satisfazer os requisitos essenciais de realidade contingente, de forma que se percebeu a lógica em criar uma figura artificial, simulando as características e efeitos da pessoa humana, com seus direitos e deveres. Outra teoria, defendida por Windcheid e Brinz, entende ser a pessoa jurídica patrimônio equiparado no seu tratamento jurídico às pessoas naturais, porém, como bem explica Diniz, esta teoria não pode ser considerada a mais correta devido a sua equiparação entre bens e sujeitos de direitos. Não se é lógica a equiparação de uma cadeira, mesa, cama, a um ser vivo. Há também a teoria de Gierke e Zietelmann que afirma existirem realidades objetivas e orgânicas. As primeiras são representadas pela pessoa natural, o ser humano, enquanto as orgânicas são as pessoas jurídicas, que possuem existência e vontade própria. Vontade esta que pode diferir da de seus membros. Não se pode considera-la a mais correta pelo simples fato desta afirmar que a pessoa jurídica per se possui vontade própria, já que “o fenômeno volitivo é peculiar ao ser humano e não ao ente coletivo”.21 Finalmente, a teoria da realidade das instituições jurídicas, de Hauriou, que engloba todas as anteriores. “A personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecem”.22 Essas teorias também podem ser utilizadas em relação ao estudo dos animais como sujeitos de direitos, devido ao fato de que existe uma necessidade sócio-jurídica para que o Direito faça esse reconhecimento, aplicando a teoria de Savigny, mas não apenas isso, o animal pode ser uma realidade orgânica, com sua existência e vontade própria, se aplicarmos a teoria de Gierke. Seria também extremamente simplista seguir a teoria de Windcheid, que está equivocado em sua equiparação de bens e sujeitos de direitos entre si. 21 Idem. 22 Idem, p. 265. 23 Porém, aplicando a teoria da realidade das instituições jurídicas neste caso, o animal possuirá personalidade jurídica se e quando o ordenamento jurídico o conceder tal direito, igualmente o ocorrido com as pessoas jurídicas, que possuem personalidade jurídica apenas quando existe uma determinação legal para isso. 24 3. OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS O Direito age de acordo com as mudanças sociais. Em se tratando de animais como sujeitos direitos, pode-se dizer que a humanidade começou a voltar a sua atenção aos não- humanos com as descobertas de Darwin, de que a origem genética do ser humano advém do macaco, criando-se assim, a teoria evolucionista da evolução humana. Logicamente, sendo o Homem um descendente genético dos animais, tende-se a desenvolver empatia por estes. Analisando a evolução do conceito de sujeito de direitos, é clara a percepção de que é impossível se utilizar a mesma visão jurídica sobre algo/alguém por um longo tempo. Um exemplo claro é o período da escravatura, quando seres humanos escravizaram outros seres humanos. A sociedade precisou evoluir muito para que todos fossem vistos juridicamente como pessoas, como iguais. Isso não significa que todos os membros da sociedade, sem exceção, aceitaram que isso fosse feito dessa forma, muito menos que atualmente esse problema não persista. Silva explana sobre a diferença entre direitos legais e morais, afirmando que os primeiros são decorrentes da evolução de cada sociedade, onde determinados indivíduos não são reconhecidos como sujeitos de direitos em um determinado momento, porém, de acordo com a evolução que tal sociedade passa, a igualdade social pode aumentar. Em contrapartida, os direitos morais devem ser universais, com todos os indivíduos convivendo em perfeita igualdade.23 Esta visão [direito moral] diferencia-se daquela [direito legal] que pensava o conceito de direito como resultado do sistema jurídico e apenas dele, Regan prefere o pensamento, apesar de ainda utilitarista de Stuart Mill que não restringe a visão de direitos apenas àqueles reconhecidos pelas normas existentes.24 É possível perceber, assim, que a sociedade ocidental, em geral, costumava adotar o modelo dos direitos legais, restringindo os direitos (stricto sensu) dos indivíduos, porém, por volta da década de 1960, os ordenamentos jurídicos começaram a compreender o egoísmo e preconceito existente em tal forma de pensar, com os movimentos sociais adquirindo seu 23 SILVA, Tagore Trajano de Akmeida. Introdução aos direitos dos animais. Revista de Direito Ambiental, Fortaleza: Editora RT (Revista dos Tribunais), volume62/2011, abril - junho, 2011, p. 10. 24 Idem. 25 espaço. Dessa forma, o Direito evoluiu no conceito dos direitos morais, pondo em prática a ideia de que todos os seres humanos merecem possuir os mesmos direitos entre si. Tal evolução social é contínua, de forma em que hoje estuda-se a possibilidade de não apenas a espécie humana possuir direitos, mas também outras espécies. De acordo com Hans Kelsen, a figura da pessoa é apenas uma expressão física, uma unidade personificada das normas jurídicas que lhe impõem deveres e lhe conferem direitos. Sendo assim, a pessoa, tanto física quanto jurídica, é mera personificação do complexo destes direitos e deveres, figurativamente expressa no conceito de pessoa, justificando, desta forma, a criação de diversas classificações de pessoas, além da pessoa física, como a pessoa jurídica e a pessoa não-humana.25 Maria Helena Diniz explana bem quanto ao conceito kelseniano de sujeito de direitos, esclarecendo que este é “um conceito auxiliar que facilita a exposição do direito”, não sendo “um indivíduo ou uma comunidade de pessoas, mas a unidade personificada das normas jurídicas que lhe impõem deveres e direitos”.26 Segundo Nelson Rosenvald, apesar de os animais não serem sujeitos de direitos, é impossível, mesmo para aqueles com visão antropocêntrica, que os animais sejam tratados como um objeto inanimado. Para ele, o reconhecimento dos seres da natureza como possuidores de status próprio não significa que estes sejam sujeitos de direito, mas apenas que não se pode “coisificar a natureza, de modo insensível e desconforme com os avanços científicos mais recentes”.27 Regan explana quanto às principais justificativas para a determinação exclusiva dos seres humanos como sujeitos de direitos e demonstra os motivos pelos quais tais justificativas estão errôneas.28 Por exemplo, diz-se que os seres humanos são os únicos sujeitos de direito por serem autoconscientes, que se caracteriza como a capacidade de estar ciente de sua própria presença no mundo e de sua própria mortalidade. Contudo, de acordo com o autor, crianças se tornam 25 KELSEN, Teoria pura do direito, 2. Ed, 1962, volume 1, p.320 apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 2012, p. 130 e 162. 26 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 2012. 27 ROSENVALD, Nelson. Direito civil, volume único, 2017, p. 285. 28 REGAN, Tom. Jaulas vazias: Encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Editora Lugano, 2006, p. 62 26 autoconscientes com cerca de nove ou dez anos. Ou seja, estas não seriam sujeitos de direitos durante a primeira década de suas vidas, o que se pode facilmente afirmar por ser um absurdo.29 Além disso, há o argumento de que o ser humano vive em uma comunidade moral, ou seja, ao invés de depender da capacidade de autoconsciência de cada indivíduo, usa-se a ideia de que a sociedade, de forma geral, compreende e pratica os direitos morais. Entretanto, Regan explica a impossibilidade de se utilizar tal justificativa por meio de um exemplo, onde a sociedade acredita na existência de bruxas e se justifica a existência de bruxas pelo puro e simples fato de que os seres humanos acreditam em bruxas. Logo, o simples pensamento uniforme de uma sociedade não pode ser usado como válido para determinar se alguém é ou não sujeito de direitos.30 Outra afirmativa refutada por Regan, talvez a mais comum, é a de que os seres humanos são as únicas pessoas do ordenamento jurídico, porém, como bem explica o autor, essa lógica apenas faria efeito se todos os seres humanos fossem pessoas, sendo que, na realidade, os nascituros não possuem personalidade jurídica, apenas uma expectativa de direitos.31 Ou seja, não se pode afirmar que apenas os seres humanos podem ser pessoas quando nem mesmo dentro da espécie humana todos os indivíduos são pessoas. Assim, muitos animalistas utilizam da nomenclatura pessoa não-humana para tratar dos animais, pois se usa o termo pessoa como indicativo de um indivíduo, sendo necessário apenas a indicação quanto à sua humanidade ou não. Quanto ao conceito de personalidade jurídica, esta se caracteriza como a capacidade de ser titular de direitos e obrigações em um ordenamento jurídico. Flávio Tartuce explica de forma objetiva a personalidade jurídica como sendo “a soma de caracteres corpóreos e incorpóreos da pessoa natural ou jurídica, ou seja, a soma de aptidões da pessoa”.32 Dentro do tema, existem duas principais teorias que tentam justificar a personalidade jurídica dos animais. 29 Idem, p. 67. 30 Idem, p. 69. 31 Idem, p. 66 – 67. 32 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.1: Lei de Introdução e Parte Geral. 13. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017, p. 122. 27 3.1. AS PRINCIPAIS TEORIAS A FAVOR DA ALTERAÇÃO NO STATUS JURÍDICO DOS ANIMAIS A primeira, apresentada por Tom Regan, faz a sugestão de que os animais possuem direitos morais, inerentes. De acordo com Regan, “considerar agentes morais como portadores de valor inerente é vê-los como diferentes de, e algo mais do que, meros receptáculos do que tem valor intrínseco”.33 Regan faz uso da analogia para explicar a diferença entre valor inerente e intrínseco. Se forem colocados interesses, experiências, dentro de um copo, estes terão valor, porém, não o terá o copo propriamente dito. Porém, de acordo com a teoria de Regan, o conteúdo do copo é irrelevante, já que o copo por si só possui valor. Na primeira, explica-se o valor intrínseco, enquanto a segunda demonstra o valor inerente.34 O autor afirma que o conceito antropocentrista de pessoa sendo apenas o ser humano não abrange todos os seres vivos em uma categoria universal, sugerindo assim, a utilização do conceito de sujeitos-de-uma-vida. Como sujeitos-de-uma-vida, somos todos iguais porque estamos todos no mundo. Como sujeitos-de-uma-vida, somos todos iguais porque somos todos conscientes do mundo. Como sujeitos-de-uma-vida, somos todos iguais porque o que acontece conosco é importante para nós. Como sujeitos-de-uma-vida, somos todos iguais porque o que acontece conosco (com nossos próprios corpos, nossa liberdade ou nossas vidas) é importante para nós, quer os outros se preocupem com isso, quer não. Como sujeitos-de-uma-vida, não há superior nem inferior, não há melhores nem piores. Como sujeitos-de-uma-vida, somos todos moralmente idênticos. Como sujeitos-de-uma-vida, somos todos moralmente iguais.35 A ideia de sujeitos-de-uma-vida traz, assim, a noção de que todos aqueles que possuem interesse no convívio em sociedade, sendo que esta existe em prol da garantia dos direitos uns dos outros, merecem ser sujeitos de direitos. 33 REGAN, Tom, 2004 apud CARDOSO, Waleska Mendes. Considerações sobre a teoria incidental dos direitos dos animais de Tom Regan, 2011. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/semanadefilosofia/VIII/1.15.pdf>. Acesso em 11 set. 18 às 16:38. 34 Idem. 35 REGAN, Tom. Jaulas vazias: Encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Editora Lugano, 2006, p. 62. 28 A outra teoria, é uma consequência lógica, vinda de Jeremy Bentham, sendo futuramente apresentada por Peter Singer, sugerindo que os animais devem ser reconhecidos como sujeitos de direitos pelo fato de sentirem dor. Diversos estudos podem embasar esse argumento, como por exemplo, o realizado por Hellebrekers, que diz que “pesquisas mostram que muitos dos padrões de resposta (quantificáveis) dos animais a estímulos dolorosos são semelhantes aos que ocorrem nos seres humanos que passam por situações de dor”.36 Da mesma forma, é possível entender o comportamento animal e seus sentimentos pormeio da analogia com os humanos. Por exemplo, um elefante que veja seu filhote em situação de perigo, fará o possível para salvá-lo. Robert C. Jones realizou um estudo em 2013, em que demonstra biologicamente que diversos tipos de animais reagem a ferimentos da mesma forma que os humanos.37 Pode-se dizer que isso é apenas instinto, porém, o que seria o instinto se não uma forma de inteligência? Como bem disse Coudereau, o instinto é um “poder em algum sentido orgânico em virtude do qual um órgão ou tecido executa suas funções para satisfazer suas necessidades particulares. O instinto do animal é a totalidade ou soma dos instintos de seus vários órgãos” (tradução nossa)38. Singer afirma que a relevância do reconhecimento dos direitos animais não se encontra na piedade humana, mas sim, na prática da equidade, em que rege a máxima “tratar igual os iguais e desigual os desiguais”, de forma que todos recebam tratamento justo e tenham um mesmo resultado. Sunstein complementa a teoria de Singer, defendendo a existência de uma hierarquia entre aqueles que são sencientes, de acordo com a sua capacidade sensitiva e racional, estando o ser humano no topo de tal hierarquia. “Nesta perspectiva, se as formigas e mosquitos não tem 36 HELLEBREKERS, 2002 apud BRAGA, Nívea Corcino Locatelli: BIODIREITO I. em: SOUZA, Eduardo Sergio Soares; SILVA, Mônica Neves Aguiar da; RECKZIEGEL, Janaína. (Org.). DIREITO DOS ANIMAIS FUNDAMENTAÇÃO E TUTELA. 1ed.João Pessoa: CONPEDI 2014, 2015, v. 1, p. 3-471. 37 JONES, Robert C. Science, sentience, and animal welfare. 2013. Disponível em: <https://animalstudiesrepository.org/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com.br/&httpsredir=1&arti cle=1001&context=ethawel>. Acesso em: 10 set. 18 às 16:24. 38Texto original: "pouvoir en quelque sorte organique en vertu duquel un organe ou un tissu accomplit ses fonctions pour satisfaire à ses besoins particuliers. L’instinct de l’animal est l'ensemble ou la somme des instincts de ses divers organes" (COUDEREAU, M. L’intelligence et ses rapports avec l’instinct. Bulletins de la Société d’anthropologie de Paris, IIª Série, Volume 1, 1866, p. 25. Disponível em: < www.persee.fr/doc/bmsap_0301- 8644_1866_num_1_1_4193>. Acesso em: 10 set. 18 às 17:20). 29 nenhuma reivindicação à preocupação humana – se eles podem ser mortos ao nosso capricho – é porque eles sofrem pouco ou quase nada”.39 Se distancia, porém, de Singer, ao afirmar que é possível estabelecer prevalência do ser humano em relação a outros animais. Além disso, caracteriza a teoria de Singer como uma “tentativa de uma ruptura com a atual concepção de animais enquanto propriedade – na dicotomia radical entre pessoas e coisas – vez que eles devem ser considerados como ‘titulares de muitos dos direitos que os seres humanos são’”.40 Existem alguns autores, como Eduardo Rabenhorst e François Ost, que defendem um terceiro status jurídico aos animais. Eles não seriam nem pessoa física nem jurídica. Não se aumentaria o rol dos sujeitos de direitos, apenas seria criada “uma definição normativa capaz de assegurar a determinadas entidades um estatuto especial dentro do ordenamento jurídico”.41 Para eles, o correto seria a junção dos entendimentos a favor e contra, ou seja, o animal é coisa, mas não se pode trata-lo da mesma forma que uma mesa, ou um armário. Isso pois “o desenvolvimento do direito positivo já não permite considerar o animal nem como um objeto de direito, nem como um sujeito de direito”.42 Silva cita Daniel Lourenço para explicar que esta teoria ignora completamente tudo o que a ciência demonstra em termos de senciência e valor inerente, atribuindo-se apenas mais deveres ao ser humano.43 Assim, o animal não possuiria direitos por si só, mas por uma concessão humana. O foco, ao invés de ser nos animais, continua sendo no ser humano, lhe dizendo que não se deve cometer abusos contra os animais, não pelo fato de eles terem sentimentos, mas porque haverá uma punição. 39 SUSTEIN, Cass R. Os Direitos dos Animais. Revista Brasileira de Direito Animal. V. 9, n. 16, 2014 apud REIS, Felipe Guerra David. A dimensão axiológica da pessoa e as pretensões animalistas: um ensaio sobre o conceito bioético de pessoa e os direitos dos animais não-humanos. Dissertação (Mestrado em Direito e Inovação) – Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Juiz de Fora, 2015, p. 5. 40 REIS, Felipe Guerra David. A dimensão axiológica da pessoa e as pretensões animalistas: um ensaio sobre o conceito bioético de pessoa e os direitos dos animais não-humanos. Dissertação (Mestrado em Direito e Inovação) – Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Juiz de Fora, 2015, p. 56. 41 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em juízo: direito, personalidade jurídica e capacidade processual. Revista de Direito Ambiental, fascículo 2. Salvador Anual. 2012, p. 357. 42 Idem, p. 358. 43 Idem, ibidem. 30 Francione afirma que existe uma “esquizofrenia moral” pela parte daqueles que se recusam em reconhecer os animais como detentores de direitos, devido ao fato de que a sociedade ocidental, de forma geral, concorda que os animais possuem direitos de viver livres de sofrimento da mesma maneira que os seres humanos; afirmam que é errado mata-los por esporte ou para a obtenção de pele; e que os animais são iguais aos humanos em todos os aspectos importantes. Todavia, a realidade da conduta humana para com os não-humanos é diametralmente oposta à demonstrada nas pesquisas, mormento quando se trata do uso de animais – e seu tratamento nas fazendas produtivas – como alimento.44 O autor discorda em certos quesitos das teorias de Regan e Singer, afirmando que, havendo uma colisão de interesses, os seres humanos sempre seriam beneficiados. Tais conflitos são vistos por Francione como falsos conflitos, devendo haver uma igualdade formal propriamente dita. Levai concorda com Francione quanto à ideia desta esquizofrenia moral, afirmando que a jurisprudência brasileira já reconhece em centenas de casos os direitos animais como uma realidade, porém, ainda se mostram divergentes, ora beneficiando os animais maltratados, ora legitimando a crueldade humana. Dois temas, em particular, ainda pemanecem tabus no direito: a vivissecção e o agronegócio, justamente as áreas em que os índices de agressão sobre os animais alcançam proporções inimagináveis.45 Até certo ponto, Francione se faz entender claramente e seus argumentos são bem postos, porém, é absurda a afirmação de que os animais devem ser formalmente iguais aos humanos. Tal apontamento não está de acordo com a máxima “tratar igual os iguais e desigual os desiguais”, ou seja, com equidade. Simplesmente igualar os animais aos seres humanos pode criar bizarras situações como a do processo dos gorgulhos na França, pondo a segurança jurídica em sério risco. A atitude 44 FRANCIONE, Gary L. Animals – Property or Persons? In: SUNSTEIN, Cass R., NUSSBAUM, Martha C. (Org.). Animal Rights: Current debates and new directions. Oxford University Press, p. 108-109, 2004 apud REIS, Felipe Guerra David. A dimensão axiológica da pessoa e as pretensões animalistas: um ensaio sobre o conceito bioético de pessoa e os direitos dos animais não-humanos. Dissertação (Mestrado em Direito e Inovação) – Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Juiz de Fora, 2015, 56. 45 LEVAI, Laerte Fernando. Direito animal: uma questão de princípios. Revista Diversitas – USP, ano 4, n. 5, outubro de 2015 a março de 2016, p. 234. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/direito_animal_uma_questao_de_principio.pdf>. Acesso em 13 nov. 2018 às 16:33. 31 correta é de reconhecer as limitações de cada espécie animal e agir com base na plenitudede suas capacidades de fato. Importante notar que nenhum dos argumentos apresentados possui, até hoje, qualquer valor jurídico, pois o Direito sempre existiu para regular a vida humana, sendo relevantes apenas as relações inter-humanas e suas consequências para a sociedade, seguindo fielmente o realismo jurídico clássico, como apresentado por Sá Filho, em que se é repetido o mesmo discurso de que discutir atos e fatos da vida do ser humano seria a única função do Direito, porém, é incabível que se ignore o fato de que estudar e regular tais atos e fatos possui consequências em outros seres vivos, de forma que não seria justo, com o conhecimento que se tem hoje, tratar os animais como meros acessórios à vida humana.46 Broom possui uma interessante teoria quanto à forma como o Direito deveria agir. Para ele, ao invés de tratar sobre direitos, que podem eventualmente fazer mal a outros, o correto seria tratar pelo prisma de obrigações. O ser humano deve agir de determinada forma por ser o correto, não porquê é o seu direito ou o de outra pessoa. “Esse argumento também é aplicável quanto a liberdades que um indivíduo defende, ou que deveria ser dado à um indivíduo. Cada um deveria focar em como deve se comportar” (tradução nossa).47 O sujeito de direitos é aquele que possui personalidade jurídica. De acordo com Tagore Silva, A ordem jurídica não concedeu aos seus protagonistas apenas a personalidade, mas os dotou de capacidade para a aquisição de direitos e para seu exercício, seja por si mesmo, seja por representação ou mediante a assistência de outrem. Assim, se a capacidade representa o gênero, pode-se dizer que suas espécies são: (a) a capacidade de direito ou gozo (jurídica) e (b) a capacidade de fato ou de exercício, correlata à efetivação desses direitos.48 Interessante a questão sobre capacidade e a distinção feita por Silva. A capacidade, seria, assim, uma extensão da personalidade, não sendo correto confundir um com o outro. 46 FILHO, Tomaz de Aquino Cordova e Sá. A Lei Natural e o direito dos animais: uma abordagem a partir do realismo jurídico clássico. COLÓQUIO INTERNACIONAL LEI NATURAL E DIREITO AMBIENTAL, Caxias do Sul. Caxias do Sul: Educs. 2017. p. 149 - 168. 47 Texto original: “This argument is also applicable to references to the freedom that na individual asserts, or that is supposed to be given to an individual. Each person should always focus on how they ought to behave” (BROOM, Donald M. Considering animals’ feelings: Précis of Sentience and animal welfare. 2016, p. 5. Disponível em: <http://www.neuroscience.cam.ac.uk/directory/profile.php?dmb16>. Acesso em 21 de outubro de 2018 às 02:25). 48 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em juízo: direito, personalidade jurídica e capacidade processual. Revista de Direito Ambiental, fascículo 2. Salvador Anual. 2012, p. 348. 32 Por exemplo, pode-se dizer que animais não podem realizar demandas judiciais, porém, como demonstra Silva, existem diversos casos históricos em que animais atuavam como parte em processos judiciais. O mais antigo relatado é de 1545, na aldeia de Sain Jean-de-Maurienne, na região de Savoie, na França, em que os habitantes entraram com um processo contra uma colônia de gorgulhos, que, ao invadir os vinhedos, causaram enormes estragos. Os insetos não apenas foram representados por um advogado, como saíram vitoriosos. Na sentença, o juiz afirmou que “esses seres vivos criados por Deus possuíam o mesmo direito que os homens a se alimentar de vegetais”.49 O processo foi reaberto em 1587, situação em que o juiz propôs um acordo entre as partes. Aparentemente, no primeiro processo foram dadas terras estéreis aos gorgulhos para sua alimentação, assim, o advogado dos insetos solicitou ao juiz que condenasse a parte contrária a pagar às custas do processo. De acordo com Silva, “processos criminais e civis contra animais não eram novidades naquela época”, porém, até hoje existem casos muitas vezes considerados esdrúxulos, em que animais são parte ativa ou passiva de processo judicial. Como por exemplo, em 2008, um urso foi condenado na Macedônia pelo roubo de mel. Por não ter condições de pagar os três mil e quinhentos dólares em danos, o Estado foi obrigado a realizar o pagamento.50 Silva cita Mello para dizer que “não tem como se desprezar que há entes que não são pessoas, mas são titulares de situações cujo conteúdo, algumas vezes, consiste apenas na capacidade de ser parte e que, pela concepção dominante, não podem ser considerados sujeitos de direito”.51 Ele explica que assim, o conceito de pessoa se desliga ao ser humano, de forma que se passa a ser pessoa todos os agrupamentos formados por meio da iniciativa humana para satisfazer suas necessidades, sendo necessário apenas que se distinga entre pessoa natural e jurídica. 49 Idem, p. 336. 50 Idem, p. 337. 51 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico – Plano da eficácia – 1ª parte. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 32 apud SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em juízo: direito, personalidade jurídica e capacidade processual. Revista de Direito Ambiental, fascículo 2. Salvador Anual. 2012, p. 347. 33 No Brasil, até o momento, apenas os humanos podem ser sujeitos de direitos, porém, ao analisar o neoconstitucionalismo latino-americano é possível perceber um posicionamento completamente diferente ao brasileiro, de forma que a natureza por completo, na figura da Pachamama, é considerada como sujeito de direitos. Isso se deve à uma evolução histórica e jurídica que começou a partir da 2ª Guerra Mundial. Como deixa claro Magalhães: o constitucionalismo liberal era incompatível, num primeiro momento, com a ideia de democracia, ou seja, tomada de decisões a partir da vontade da maioria da população. O constitucionalismo vitorioso das revoluções burguesas garantia a liberdade individual dos homens ricos e brancos. Não houve, num primeiro momento, qualquer pleito para que o voto fosse universal e garantisse a manifestação da vontade de toda a população.52 Logo após a Segunda Guerra Mundial e suas atrocidades foram introduzidas as noções de dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Com isso, cada país começou a evoluir, de acordo com as suas particularidades, quanto à necessidade do reconhecimento de direitos individuais e quanto ao conceito jurídico de sujeito de direitos. Assim, como bem explana Milaré, o antropocentrismo começou seu necessário declínio. O autor afirma, citando Thomas, que “a aceitação explícita da ideia de que o mundo não existe somente para o homem pode ser considerada como uma das grandes revoluções no pensamento ocidental, embora raros historiadores lhe tenham feito justiça”.53 Hoje, finalmente, se compreende que é imprescindível reformular o conceito de dignidade, objetivando o reconhecimento de um fim em si mesmo, ou seja, de um valor intrínseco conferido aos seres sensitivos não humanos, que passam a ter reconhecido o seu status moral e dividir com o ser humano a mesma comunidade moral. Tais considerações implicam o reconhecimento de deveres jurídicos a cargo dos seres humanos, tendo como beneficiários os animais não humanos e a vida em geral.54 52 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O novo constitucionalismo indi-afro-latino-americano. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 13, n. 26. Belo Horizonte, jul.-dez. 2010. p. 97. 53 THOMAS, 1996, p. 198 apud MILARÉ, Édis, Direito do ambiente. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 111. 54 SARLET e Fensterseifer. Direito constitucional ambiental: estudo sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 42 apud ARMANDO,A vedação de tratamento cruel contra os animais versus direitos culturais: breve análise da ótica do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 153531/SC. Revista de Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 29, abr. 2014, p. 174). 34 Porém, não é necessário cruzar o oceano para encontrar animais como sujeitos de direitos. Na América Latina, a natureza em sua totalidade é sujeito de direitos, representada pela Pachamama, “Mãe Terra”, que consiste em um mito andino da era colonial em que Pachamama é uma deusa feminina que produz e cria.55 Com o passar dos anos, o mito evoluiu no conceito de a Terra ser um organismo vivo. Em países como a Bolívia e o Equador, reconhece-se a importância da Terra como organismo vivo devido a sua relação direta com o ser humano, de forma que as plantas, os animais, as águas e os seres humanos estão diretamente interligados. Assim, se há uma interferência errônea em um destes fatores, a consequência é generalização do problema ou geração de novos problemas para todos. Milaré explana quanto a possibilidade de a natureza per se obter personalidade jurídica, alegando que é, ao mesmo tempo, interesse difuso, direito humano fundamental e direito personalíssimo, “de que é titular cada indivíduo, na busca pela realização física e psíquica da personalidade humana em sua inteireza”. 56 Segundo o autor, “sendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental da pessoa humana, podemos dizer que a ele se aplicam todos os atributos concernentes aos direitos da personalidade”.57 Assim, o meio ambiente possui os atributos intrínsecos dos direitos da personalidade, sendo eles: originários (vide art. 2º, CC), perenes, inalienáveis, indisponíveis, absolutos e imprescritíveis. O reconhecimento da necessidade do equilíbrio ecológico é pressuposto para que se possa efetivamente garantir a proteção da personalidade humana. O meio ambiente dispõe de recursos imprescindíveis para o desenvolvimento da personalidade humana, propiciando meios hábeis a assegurar os direitos físicos, psíquicos e morais do homem.58 55 QUIROGA, 1929, p. 215 apud TOLENTINO, Zelma Tomaz e OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva: Pachamama e o direito à vida: uma reflexão na perspectiva do novo constitucionalismo latino-americano. Veredas do Direito. V.12. n.23. Belo Horizonte, 2015. P. 316. 56 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 123 - 124. 57 Idem. 58 Idem, p. 125. 35 Assim, entende-se que o direito ambiental tem seu objetivo na proteção à vida e à dignidade humana, estando tudo interligado de forma cíclica. Um fator influencia outro, que em algum momento retornará com um terceiro efeito. Ainda na América Latina, é possível encontrar um caso histórico de 2014 em que foi concedido um Habeas Corpus à um orangotango, chamado Sandra. Lhe foi concedido o direito de sair do zoológico de Buenos Aires, em que ela se encontrava, e ser enviada à um santuário onde hoje vive em semiliberdade.59 Porém, esses argumentos analisam apenas o prisma do bem-estar animal. Se verificado por um prisma social, o destino deste animal após a morte de seu dono pode influenciar a vida de muitas pessoas. Por exemplo, se um cachorro é abandonado na rua, ele se torna um problema de saúde e segurança pública, devido ao risco de se tornar vetor de doenças, como a raiva. Os animais de rua são um problema real em quase todas as cidades do mundo, surgindo soluções inumanas, como o notório caso do ex-prefeito de Santa Cruz do Arari - PA que foi condenado a 20 anos de prisão por matar 400 animais de rua. Este caso demonstra claramente o desespero de alguém que precisava encontrar uma solução, achando-se preferível o massacre de animais a lidar com a questão.60 Sempre se discute quanto a necessidade de castrar animais de rua, porém, deve-se evitar que o número de animais abandonados também aumente. Dentro deste tema, é absolutamente relevante a recente conquista holandesa em se tornar o primeiro país do mundo sem animais de rua. Isso se dá graças a uma política forte de castração animal e conscientização da população. Ao mesmo tempo em que certos fatos podem causar desconforto (ou até a morte) em animais, os seres humanos também sofrem. Como por exemplo, no caso de poluição sonora, com fogos de artifício, muitas vezes desnecessários, que causam enorme desconforto às pessoas e podem causar morte aos animais. 59 COLOMBO, Sylvia. Orangotango ganha habeas corpus para deixar zoo de Buenos Aires. 2015. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/serafina/2015/10/1685718-orangotango-ganha-habeas-corpus-para-deixar-zoo- de-buenos-aires.shtml>. Acesso em 10 set. 18 às 16:37. 60 G1 PA. Prefeito é condenado a 20 anos de prisão no PA por ordenar morte de 400 animais de rua. G1, Belém, 30 abri. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/pa/para/noticia/prefeito-e-condenado-a-20-anos-de-prisao- no-pa-por-ordenar-morte-de-400-cachorros-de-rua.ghtml>. Acesso em 06 set. 2018 às 00:11. 36 Em São Paulo, a Lei Municipal n. 16.897/2018 proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso no Município de São Paulo.61 A justificativa dada ao Projeto de Lei foi baseada no bem-estar de não apenas animais, mas como de idosos, bebês, crianças e doentes, que sofrem com a poluição sonora causada pelos estouros dos fogos de artifício. O aparelho auditivo dos animais é mais sensível que o humano, além do fato de estes não conseguirem entender o que está acontecendo, de forma que não é difícil encontrar, em uma rápida pesquisa online, histórias de animais que se mutilaram ou fugiram de casa, ou morreram, devido ao terror causado pelos fogos de artifício.62 Por exemplo, na cidade de Cotia, no interior de São Paulo, Thaís Siqueira, residente em uma área tranquila, perto de reservas ecológicas, que ao retornar para sua casa, encontrou Nina, uma de suas cadelas, morta devido ao estampido de fogos de artifício. De acordo com Rodrigo Mainardi, médico veterinário, “falta de ar, náuseas, convulsões, tentativas de fugas e até mesmo ataque violento às pessoas podem ser sinais de ansiedade e medo causados pelos estrondos”.63 Atualmente, no Brasil, o estampido dos fogos de artifício já é proibido por lei em cidades como Campinas, Ubatuba, Registro, Santos, Belo Horizonte, Camboriú e São Paulo. Sendo assim, absolutamente viável que, em um futuro próximo, venha a ser criada lei federal tratando do mesmo tema. O Brasil não é pioneiro no assunto. Diversas cidades, como Nova Iorque, e estados, como Delaware, Massachussets e Nova Jérsei, nos Estados Unidos e ao redor do mundo também decidiram por proibir fogos de artifício. Em se tratando de pessoas, o que é um símbolo de festividades e alegria para uns, é tortura para outros. Hospitais, por exemplo, são lugares em que se preza pelo silêncio, para que 61 SÃO PAULO (Município). Lei n. 16.897, de 23 de maio de 2018. Proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso no Município de São Paulo, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, São Paulo, 24 mai. 2018, p. 1. 62 SÃO PAULO (Município). Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 97/2017. Proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso no Município de São Paulo, e dá outras providências. 63 VEJA. Cadela morre em São Paulo após queima de fogos do Ano Novo. 3 de janeiro de 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/cadela-morre-em-sao-paulo-apos-queima-de-fogos-do-ano-novo/>.Acesso em 28 out. 2018 às 01:13. 37 os pacientes possam ter paz, porém, é de se imaginar a dificuldade em manter tal paz, quando se tem a presença de estampidos incessantes. O Direito Ambiental, o Direito dos Animais e os Direitos Humanos caminham juntos, de forma que é mais do que correto afirmar que proteger o direito dos animais e o direito ambiental também pode significar a proteção de um direito humano. 3.2. SENCIÊNCIA Com o entendimento de que o homem não é, nem deve ser, o único foco do Direito e da sociedade de uma forma geral, é possível prestar atenção em outros seres vivos e em suas singularidades. Como por exemplo, quando se diz uma mesma palavra à um cachorro por diversas vezes, ele aprende o significado dela, vindo a reagir diferentemente em situações futuras. Se ele gosta do que a palavra significa, se comportará de forma alegre, mas se, pelo contrário, a palavra se é associada com experiências ruins, ele sentirá medo e reagirá de acordo. Ou, também, quando se usa macacos em experimentos psicológicos para verificar seu comportamento e eles não apenas aprendem com a situação como ensinam uns aos outros como se deve reagir. Isso se enquadra no conceito de senciência, que se caracteriza como a capacidade de ter diversas habilidades, dentre elas, sentimentos. Broom explica a senciência por ser a capacidade de “avaliar as ações de outros em relação às suas próprias e terceiros, lembrar algumas de suas ações e suas consequências, avaliar riscos e benefícios, ter alguns sentimentos e ter algum nível de consciência” (tradução nossa)64. Ao observar elefantes, por exemplo, é clara a existência de raciocínio quando se percebe a formação em que andam, com os mais fortes na frente, e idosos e crianças cercados pelos outros para proteção. 64 Texto original: “to evaluate the actions of others in relation to itself and third parties, to remember some of its own actions and their consequences, to assess risks and benefits, to have some feeling, and to have some degree of awareness” (BROOM, Donald M. Considering animals’ feelings: Précis of Sentience and animal welfare. 2016. Disponível em: <http://www.neuroscience.cam.ac.uk/directory/profile.php?dmb16>. Acesso em 21 de outubro de 2018 às 02:25, p. 2-3). 38 Qualquer animal gregário tende a ter comportamento de liderança, inclusive. A própria expressão popular “líder da matilha” demonstra isso. Esses animais que vivem em grupos similares a famílias possuem líderes, que não apenas tomam as decisões em nome do grupo como possuem a inteligência de compreender quando outro indivíduo não pertence ao seu grupo. Macacos são conhecidos por, de certa forma, terem uma capacidade cognitiva única, porém, como Broom demonstra, existem pesquisas que comprovam as mesmas capacidades cognitivas em cachorros, porcos, papagaios e corvos. Isso baseado no fato de que os animais variam nas partes do cérebro em que possuem funções analíticas complexas.65 Por exemplo, golfinhos são conhecidos por serem extremamente inteligentes, sendo reconhecido cientificamente que possuem uma forma de comunicação falada muito assemelhada ao formato de uma língua, a ponto de que existem centenas de cientistas dedicados puramente ao estudo dessa comunicação.66 Porém, inteligência não é o único componente da senciência, sendo necessário que um indivíduo possua também a capacidade de ter sentimentos. De acordo com Broom, sentimentos como medo e dor podem ser encontrados em mamíferos, pássaros, peixes, cefalópodes e outros moluscos, todos em diversos níveis diferentes de consciência.67 Apesar do possível estranhamento à primeira vista, não há equívoco ao falar em consciência animal. O tema possui tamanha relevância que a Universidade de Cambridge reuniu vinte e cinco renomados cientistas, dentre eles Stephen Hawking e Philip Low, em um evento chamado Francis Crick Memorial Conference, cujo tópico principal fora a “Consciência em Humanos e Não-Humanos” (tradução nossa)68. Nesta conferência, foi assinada a Declaração de Consciência de Cambridge, que afirma a consciência de pássaros, macacos, elefantes, golfinhos, polvos, dentre outros, com o argumento base de que existem similaridades cerebrais destes com os seres humanos, de forma 65 BROOM, Donald M. Considering animals’ feelings: Précis of Sentience and animal welfare. 2016. Disponível em: <http://www.neuroscience.cam.ac.uk/directory/profile.php?dmb16>. Acesso em 21 de outubro de 2018 às 02:25. 66 Idem. 67 Idem. 68 Texto original: “Consciousness in Human and Non-Human Animals” (LOW, Philip. The Cambridge Declaration of Conciousness. 2012. Disponível em: <http://fcmconference.org/img/CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf>. Acesso em: 25 out. 18 às 14:53). 39 que ao realizar estímulos artificiais, tanto os seres humanos quanto os animais responderam igualmente, inclusive em relação a sentimentos gratificantes ou punitivos. Foi comprovado que animais como o papagaio cinzento africano possuem “níveis de consciência quase humanos” (tradução nossa), devido ao seu comportamento, neurofisiologia e neuroanatomia. 69 Ao final do documento, é declarado o seguinte: A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos dos estados conscientes, juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso da evidência indica que os seres humanos não são únicos em possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e pássaros, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos (tradução nossa).70 Além disso, Darwin também demonstra cientificamente a semelhança entre animais e humanos, afirmando que Em quase todos os animais, até mesmo nos pássaros, o terror provoca tremores pelo corpo. A pele empalidece, o suor aparece e os pelos se arrepiam. As secreções do canal alimentar e dos rins aumentam, e eles são involuntariamente esvaziados, por causa do relaxamento dos músculos esfíncteres, como sabemos acontece com o homem, e como observei com gado, cachorros, gatos e macacos.71 Assim, percebe-se a impossibilidade de negar do fato de que os animais são seres sencientes, possuindo assim, inteligência e capacidade de ter sentimentos. Ao levar em consideração os estudos científicos sobre tema e as teorias jurídicas já explanadas, não é possível que se ignore a necessidade de os animais serem reconhecidos como sujeitos de direitos. 69 Texto original: “near human-like levels of consciousness” (idem). 70 Texto original: “The absence of a neocortex does not appear to preclude an organism from experiencing affective states. Convergent evidence indicates that non-human animals have the neuroanatomical, neurochemical, and neurophysiological substrates of conscious states along with the capacity to exhibit intentional behaviors. Consequently, the weight of evidence indicates that humans are not unique in possessing the neurological substrates that generate consciousness. Non- human animals, including all mammals and birds, and many other creatures, including octopuses, also possess these neurological substrates” (idem). 71 DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia Das Letras, 2000, p. 79. 40 Existem diversos países que reconhecem a senciência dos animais, como a Nova Zelândia, Polônia, Mônaco, Hungria, Estados Unidos, Chile e os países membros da União Europeia. No Brasil, é correto afirmar que existe reconhecimento da senciência animal de forma implícita
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