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OS PROBLEMAS DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: A CRISE DO REPRESENTADO Kênia das Graças souto Cardoso 1º Direito – noite O presente trabalho analisa alguns aspectos da crise da democracia representativa, em especial no Brasil. Norberto Bobbio, assim como o primeiro, também mostra as pelejas que a democracia tem enfrentado para se manter como uma forma de governo que seja satisfatória à maioria – que é o seu objetivo principal. Ele mostra que o governo tem se colocado cada vez mais nas mãos de pessoas especializadas, haja vista que, no jogo político, a democracia tem perdido terreno para a “Tecnocracia Na democracia, o jogo político deve ser o mais igualitário possível, permitindo que todo e qualquer cidadão consiga fazer parte ou intervir nele, bem oposto à vida técnica que o mundo passa a viver – ou que o mundo moderno “enjaula” as pessoas – que é o mundo das particularidades, onde cada um se especializa em um determinado ramo da vida, e nele se aprofunda. A especialização que o mundo vive chega com todas suas parafernálias na arena política, causando, também, distanciamento entre eleitores e representantes; as sociedades passam a ser mais complexas e os canais de interação entre o demos e o Estado passam a ficar arcaicos. Reflete-se, portanto, o elevado grau de ―iniquidade social (MORAES, 2006, p. 239), tendo em vista as grandes desigualdades sociais e econômicas que os países reféns desta espécie de globalização enfrentam. No atual contexto social brasileiro encaram-se disparidades nas mais diversas áreas e setores da sociedade, onde uma grande parte da população ainda não tem as garantias básicas de subsistência, como moradia, alimentação, saúde e educação de qualidade, dentre outros fatores, o que, por ora, é agravado por um regime de dominação econômica e despolitização social. Nessa toada, evidencia-se meios para a superação desse estado de golpe institucional, remetendo-se a Paulo Bonavides. Com isso, constata-se a instrumentalização do estado representativo, que, ausente de legitimidade e de aproximação com os seus representados, fada-se a produzir uma legislação destoante com os anseios sociais, seja intencionalmente ou pela incapacidade em assentar-se perante a comunidade, legitimando suas deliberações. ―A política instrumental, orientada por símbolos referenciais, seria privilégio de grupos minoritários organizados para obtenção de benefícios concretos e satisfação de interesses específicos. Partindo do pressuposto de que na democracia, ou em um Estado fundado sob a estrutura democrática ―não é admissível separar (ou separar inteiramente) a titularidade do poder da própria comunidade. [...] O Poder constituinte como poder de auto-organização originária é um poder da comunidade, e não evidentemente dos governantes instituídos por essa organização, vê-se a essencialidade da constitucionalização política do direito e da atividade estatal. A ampla participação e a configuração de sistemas políticos e sociais revelam-se como formas de se superar o caráter simbólico do texto constitucional. A grande questão no terceiro período — denominado capitalismo desorganizado, na qual a sociedade contemporânea se enquadra —, em um primeiro momento, é que as instituições delineadas para regular as relações sociais e a sua confluência com as relações de produção e acúmulo de capitais estão em processo de gradual desconstrução e reconstrução a um nível de coerência inferior ao período anterior. O Estado é considerado instituído quando uma multidão de homens concorda e pactua que a um homem qualquer ou a uma qualquer assembleia de homens seja atribuído, pela maioria, o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor desse homem ou dessa assembleia de homens como os que votaram contra, devendo autorizar todos os atos e decisões desse homem ou dessa assembleia de homens, como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de poderem conviver pacificamente e serem protegidos dos restantes homens. (HOBBES, 2012, p. 141). 1 . Uma crise multifacetada: Essa crise funcional hodierna tem a sua gênese em diversos fatores, dentre eles, pode- se destacar ao que se relaciona à representação política especificamente, a estrutura do sistema partidário atual, caracterizado pela alta fragmentação, que se encontra subserviente ao sistema econômico e à política dos ―conchavos‖ e da ―troca de favores‖, faltando-lhe representatividade ideológica diante da atual sociedade pluralista; a omissão legislativa em relação às matérias de maior relevância à população e ao que tange à fiscalização do Poder Executivo, diminuindo-se a órgão de mera chancela das decisões executivas e de pouco debate político; e, por fim, mas não de forma exaustiva, o montante demasiado de ações judiciais sobre questões políticas ou de concretização de políticas públicas, consequência dessa omissão apontada, que poderiam ser objeto de um debate direto com a sociedade, em um sistema político comunicativo e aberto ao sistema social. Todos esses problemas, apontados inicialmente, decorrem de uma estrutura que erige uma concepção de que o Estado está meramente a serviço da população, em consonância com o cidadão maximizado e consumidor de direitos, constituídos no âmbito do liberalismo. Para além da visão do poder público como um prestador de serviços advindo da ideia de atendimento ao interesse individual, que só contribui para a problemática apontada no parágrafo anterior, deve-se pensar em quais estruturas o Estado constitucional contemporâneo pode ser despolitizado, no sentido de superar-se o status de crise funcional que se instala e legitimar o poder público Desta forma, estabelece-se o núcleo estrutural da estrutura representativa, sob um aspecto formal, qual seja: o respeito aos procedimentos de participação, centrado na estrutura da eleição e do instrumento do voto; reflexo da ideia de garantia do sufrágio universal; e na autorização/consentimento dos representantes para tomarem as decisões políticas importantes para a sociedade. No entanto, esta figura superficial não fornece os elementos que compõem a despolitização estatal, inserida na representação política, frente à perspectiva liberal capitalista. Existem outros fatores, do ponto de vista material, isto é, sobre a condução das decisões políticas, que apontam para tal processo e que provocam a irritação nas instituições tradicionais com um caráter de crise. Sinalizando-se, dessa forma, que é necessário dar ao povo o que lhe pertence, o poder de dispor sobre a república, outro lado há um estado de acomodação social, pois a população não se insurge a esta cultura, permitindo a exclusividade do exercício do poder aos pertencentes dos grupos de políticos. Ressaltamos também a questão da soberania, alicerce para a estruturação e funcionamento de um Estado. Com a globalização, informatização e a internacionalização da economia há uma intensa onda de expansão dos limites e trocas intensas de culturas, tradições, interesses. Deste processo despontam poderosos grupos econômicos, munidos de considerável poder de decisão dentro desta realidade, colocando em cheque os limites territoriais e simbólicos do Estado- Nação. 2 . A crise da democracia representativa: A crise do representado. Para que se verifique uma perspectiva de mudança paradigmática na direção de uma teoria participativa da democracia, o primeiro passo é a realização de uma cultura participativa. Para tanto, algumas etapas são fundamentais. A primeira a se destacar é a inserção de mecanismos de participação nas mais variadas esferas da vida humana, no trabalho, na escola, na faculdade, etc.. Quanto mais as pessoas participarem dos processos de decisão — sejam os mais simples ou os mais complexos —, dos quais fazem parte,como proponentes ou destinatários, tal paradigma se tornará mais presenta na vida das pessoas. A segunda etapa é estabelecer uma condição participação efetiva, isto é, tornar válidas as decisões tomadas no âmbito do processo participativo, não se resumindo a uma simples consulta. É importante tal perspectiva, pois desloca o indivíduo de uma situação de passividade em relação às decisões e o coloca na situação de responsável por elas. Assim, ele terá melhores condições de avaliar quais são as melhores decisões e prescrever argumentativa mente os fundamentos adequados a uma análise responsável sobre as suas situações. A terceira etapa, e talvez a mais importante, é a configuração dos mecanismos de participação que concretizem as duas etapas anteriores. Esse é o maior desafio, mas que pode ser devidamente realizado através das novas ferramentas tecnológicas, que torna isso possível pela primeira vez na história. A participação das pessoas é bastante presente nas redes sociais e na internet60, ressaltando-se o momento de revolução digital que se passa atualmente, o que denota uma série de possibilidades neste aspecto. O regime democrático a ser implementado em cada Estado restará subjugado pelas características inerentes àquela determinada sociedade. Se uma sociedade é mais crítica e mais atenta às questões públicas, verificar-se-á a existência de instrumentos de participação mais efetivas nesta sociedade, fruto da cobrança da própria população. Se a população é mais apática em relação à política, observa-se uma presença maior de instrumentos de delegação descensional, em que o voto e o sistema representativo têm prevalência sobre as demais formas de participação. Entretanto, importante para essa definição é o estudo dos elementos que compõem qualquer regime democrático, seja na sua forma representativa ou direta, para que se identifique o que há de essencial neste regime. O elemento essencial é a figura do povo, pois este é o pressuposto de qualquer regime que se diz democrático. Consequentemente, torna-se relevante o seguinte questionamento: qual o conceito de povo construído na sociedade contemporânea? Recorrendo aos escritos de vários autores iluministas, dentre eles destacando-se a figura de Jean Jacques Rousseau, pode-se afirmar sobre o conceito de povo, no sentido estrito, que se trata daquele que é detentor do poder soberano sobre o Estado, sendo o sujeito ativo das decisões estatais, bem como o objeto passivo dos ditames governamentais, pois este compõe a força motriz de tais decisões. Remete-se, desse modo, para a necessidade de superação destes conceitos, propondo-se a formatação de uma nova definição, a de ―povo participativo, o qual se configura para além do enquadramento formal do povo e da instância legitimadora como 125 destinatário das decisões político jurídicas. O povo participativo seria a instância em que o exercício do poder extrai a sua legitimidade (povo ativo e povo legitima-te), mas se coloca como responsável por este exercício. Trata-se de um conceito de interação ampla entre o povo, propriamente dito, o Estado e as instituições que compõem e influenciam as decisões políticas no seu todo. 3 -Considerações finais No processo de identificação dos modelos de democracia predominantes nos Estados ocidentais com o liberalismo, estudou-se o panorama teórico autores clássicos que delinearam as bases das instituições políticas contemporâneas, dentre eles Hobbes, Locke, Hegel, Rousseau e Stuart Mill. Assim, foi possível detectar os pressupostos da democracia liberal e da representação como estrutura própria para a realização dos seus fins. Verificou-se que a os institutos políticos e jurídicos que visam à proteção da propriedade privada e à manutenção do modelo de produção capitalista encontram-se presentes na configuração das estruturas de composição do poder político . Dessa forma, a ideia de crise se estabelece como próprio mecanismo do liberalismo político e econômico de se inserir no debate contemporâneo de recomposição da sociedade sob pressupostos mais justos, vinculados à solidariedade e à cooperação, por exemplo. Vale ressaltar que no presente trabalho verificou-se que o sistema político liberal transmuda-se e se insere a cada mudança social relevante, no sentido de garantir a proteção . Assim, posto toda essa abordagem teórica, pode-se concluir com as indicações de quais são os meios para a realização, em primeiro lugar, de um modelo de democracia participativa eficiente em garantir a participação política dos cidadãos; e, em um segundo momento, uma cultura social de participação. Claro que os dois processos andam juntos e o ideal é que a cultura de participação seja parte do cotidiano das pessoas em todas as esferas de sociabilização. Dessa forma, pode-se extrais algumas concepções gerais para que se desenvolva um regime participativo de democracia. Primeiramente, destaca-se o necessário fortalecimento da demo diversidade, isto é, não é necessário que delimitemos apenas um modelo específico de democracia, já que a implementação de um determinado modelo democrático dependerá das características sociais, econômicas e culturais de cada povo. Entretanto, cabe o fortalecimento de modelos democráticos que tenham como prisma participação política ampla e igualitária entre as pessoas que compõem aquela comunidade. Decididamente, o que está em jogo quando se fala na crise da democracia representativa, não é apenas sobre sua estrutura governamental e se esta deverá ser ou não objeto de transformações e reformas. Mais profundo que isso é a questão de “como ela é experimentada” pela demos existencial e metafisicamente. Kênia das Graças Souto Cardoso 1º Direito - Noite Novembro / 2020
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