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Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva - I

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Disciplina Modular
Psicopatologia Descritiva
Prof. Wallasce Almeida
Aulas Conectadas
Faculdades Doctum
26/09/2020
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Na obra O normal e o patológico, de Georges Canguilhem, escrito em 1943, é apresentada a seguinte perspectiva para o entendimento da saúde mental, para o autor, o problema das estruturas e dos comportamentos patológicos no homem é imenso. O portador de um defeito físico congênito, um invertido sexual, um diabético, um esquizofrênico levantam inumeráveis problemas que remetem, em última análise, ao conjunto das pesquisas anatômicas, embriológicas, fisiológicas, psicológicas. Nossa opinião, no entanto, é que esse problema não deve ser dividido, e que as chances de esclarecê-lo são maiores se o considerarmos em blocos, do que se o dividirmos em questões de detalhe.
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Ainda segundo o mesmo autor, para agir, é preciso ao menos localizar. Como agir sobre um terremoto ou um furacão? É, sem dúvida, à necessidade terapêutica que se deve atribuir a iniciativa de qualquer teoria ontológica da doença. Ver em qualquer doente um homem aumentado ou diminuído em algo já é, em parte, tranquilizar-se. O que o homem perdeu pode lhe ser restituído; o que nele entrou, pode sair. Mesmo se a doença é sortilégio, encantamento, possessão demoníaca, pode-se ter a esperança de vencê-la. Basta pensar que a doença atinge o homem para que nem toda esperança esteja perdida. A magia oferece inúmeros recursos para comunicar às drogas e aos ritos de encantamento toda a intensidade do desejo da cura.
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Frayze-Pereira afirma que grosso modo, pode-se dizer que por loucura pode ser entendida sob várias possiblidades:
 1) Um estado de perda da consciência de-si-no mundo que condena a pessoa a existir à maneira de uma coisa. Por exemplo: “loucura é a perda da consciência do próprio ‘eu’. Uma pessoa chega à loucura a partir do momento em que vai perdendo a consciência de sua existência, do seu ser, do seu lugar no mundo e, vazia, se perde na realidade exterior”; “loucura é o estado no qual a pessoa vive quase como um vegetal e suas ações se processam ‘no escuro’. Não tendo nenhum controle de sua realidade pessoal consciente..., seu barco se desgoverna por completo” etc. 
2) Uma doença. Por exemplo: “um estado físico mental, posto que o cérebro sofre danos, em que a pessoa passa a agir de forma descontroladamente agressiva, tornando-se perigosa no convívio com outras ou, o que é pior, que já não saiba mais discernir entre a realidade e seus devaneios...”; “a loucura talvez seja a doença que existe há mais tempo na história dos homens” etc. 
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
3) Um “distúrbio orgânico” ou um “desequilíbrio emocional” do indivíduo cujo efeito é um desvio do comportamento em relação a normas sociais.
4) Distúrbios emocionais ou somáticos cuja origem é “o desajustamento do indivíduo dentro 9 da sociedade em que se encontra”. 
5) Todo tipo de desvio do comportamento pessoal em relação a uma norma sancionada socialmente. O comportamento é desviante ou louco quando se afasta “do convencional, da rotina, das normas instituídas”. Por exemplo, “uma pessoa é considerada louca quando deixa de admitir e cumprir as funções, obrigações e atitudes que foram aprovadas, elaboradas e cumpridas por todos os indivíduos sãos de sua sociedade” etc.
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
6) Um estado progressivo de “desligamento” ou “fuga” de uma realidade (“objetiva”) para outra (“subjetiva”) em decorrência de uma “insatisfação do indivíduo com o mundo normal e os problemas que nele enfrenta”. 
7) Uma tomada de consciência de si e do mundo. Por exemplo: “loucura é a profunda tomada de autoconsciência. é a rejeição de um mundo preestabelecido e moldado normalmente”; “os loucos expressam seu verdadeiro ser. Não têm medo de mostrar as verdades para o mundo. 
Os loucos são os que sabem olhar o mundo com os olhos da realidade. Por isso mesmo são reprimidos pela sociedade” etc. Duas são as principais tendências conceptuais reconhecíveis nessas acepções. Por um lado, temos a loucura concebida e particularizada como uma experiência corajosa de desvelamento do real, de desmontagem e recusa do mundo instituído: a loucura é saber. De outro lado (e esta é a tendência mais forte), temos a loucura descrita como uma falha da forma pessoal, consciente, normal, equilibrada e sadia de ser, um desvio do grupo social: o louco é perigoso para os outros, senão para si mesmo. Esses pontos de vista, que alguns especialistas (médicos, cientistas sociais e filósofos) chegam a assumir, são discutíveis.
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Canguilhem afirma que, uma concepção que admite e espera que o homem possa forçar a natureza e dobrá-la a seus desejos normativos, a alteração qualitativa que separa o normal do patológico era dificilmente sustentável. Desde Bacon[1561-1626][1], não se insiste na ideia de que só se pode dominar a natureza obedecendo-lhe? Dominar a doença é conhecer suas relações com o estado normal que o homem vivo deseja restaurar, já que ama a vida. Daí a necessidade teórica, mas com prazo técnico diferido, de fundar uma patologia científica ligando-a à fisiologia. Thomas Sydenham (1624-1689) achava que para ajudar o doente era preciso delimitar e determinar seu mal. Há espécies mórbidas assim como há espécies vegetais ou animais. 
[1]Como filósofo, destacou-se com uma obra onde a ciência era exaltada como benéfica para o homem. Em suas investigações, ocupou-se especialmente da metodologia científica e do empirismo, chamado de "fundador da ciência moderna". Sua principal obra filosófica é o Novum Organum
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Segundo Gordon, em sua obra A assustadora história da medicina, descreve que a história da medicina não é o testamento de idealistas à procura da saúde e da vida, assim como a história do homem não é mais gloriosa do que uma lista de irracionalidade brutal e egoísta com lampejos espasmódicos de sanidade. A história da medicina é, em grande parte, a substituição da ignorância por mentiras. Esse vagar errante por becos sem saída pode ser uma progressão útil, quando os mais inteligentes e impacientes caminhantes encontram um caminho melhor. “Muitas descobertas notáveis foram feitas por homens que, seguindo os passos da natureza com os próprios olhos, acompanharam-na por caminhos tortuosos, mas quase sempre seguros, até alcançá-la na sua cidadela da verdade”, disse o homem que descobriu a circulação do sangue.
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Os desbravadores das grandes extensões deste vale de lágrimas formam um grupo especial: todos inteligentes, alguns astutos, os de mais sorte abençoados com inspiração ou intuição, muitos deles simplesmente classificadores obsessivos dos homens e dos micróbios, ou simplesmente dotados de grande destreza manual.
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A mais antiga história da medicina é extremamente tediosa. O egípcio Imhotep (c. 2980 a.C.) combinou a conveniência do médico com a arte de construtor de monumentos para o faraó Zoser, tendo construído a magnífica pirâmide Step de Sakkarah para o uso gracioso de seu paciente real, quando este ficou fora do alcance de qualquer tratamento. 
O imperador chinês, Fu- Hsi (c. 2900 a.C.) hoje seria um famoso praticante da medicina alternativa, fazendo suas acupunturas e dirigindo o fluxo corpóreo do Yang e do Yin. Essas são as forças opostas da vida e da morte, do macho e da fêmea, da força e da fraqueza, do sol e da lua. O Yang nada no coração cheio de sangue e nos pulmões, o Yin ressoa nas entranhas ocas e na bexiga. 
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Canguilhem, ao citar Sigerist, lembra que a medicina egípcia provavelmente generalizou a experiência oriental das afecções parasitárias, combinando-a com a ideia da doença-possessão. Expulsar vermes é recuperar a saúde. A doença entra e sai do homemcomo por uma porta. Atualmente ainda existe uma hierarquia vulgar das doenças, baseada na maior facilidade de localizar seus sintomas.
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Segundo Canguilhem a medicina grega, ao contrário, oferece à nossa consideração, nos escritos e práticas hipocráticos, uma concepção não mais ontológica, e sim dinâmica da doença, não mais “localizante”, e sim totalizante. A natureza (physis), tanto no homem como fora dele, é harmonia e equilíbrio. A perturbação desse equilíbrio, dessa harmonia, é a doença. Nesse caso, a doença não está em alguma parte do homem. Está em todo o homem e é toda dele. As circunstâncias externas são ocasiões, e não causas. 
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Os gregos substituíram o Yang e o Yin por humores. O sangue, o muco, a bile amarela e a negra, a saúde dependia da harmonia disso tudo num dado momento. O médico mais importante era Galeno (c. 132-200 d.C.). Ele era um homem autoritário, com resposta para tudo e, desse modo, estabeleceu o padrão de personalidade para a profissão.
O que está em equilíbrio no homem, e cuja perturbação causa a doença, são quatro humores, cuja fluidez é precisamente capaz de suportar variações e oscilações, e cujas qualidades são agrupadas duas a duas, segundo seu contraste (quente, frio, úmido, seco). A doença não é somente desequilíbrio ou desarmonia; ela é também, e talvez sobretudo, o esforço que a natureza exerce no homem para obter um novo equilíbrio.
No livro Das doenças os humores são o sangue, a fleuma, a bile amarela e a água
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 Stultifera navis
Segundo Foucault , em seu clássico A história da Loucura, Ao final da Idade Média, a lepra desaparece do mundo ocidental. Às margens da comunidade, às portas das cidades, abrem-se como que grandes praias que esse mal deixou de assombrar, mas que também deixou estéreis e inabitáveis durante longo tempo. Durante séculos, essas extensões pertencerão ao desumano. Do século XIV ao XVII, vão esperar e solicitar, através de estranhas encantações, uma nova encarnação do mal, um outro esgar do medo, mágicas renovadas de purificação e exclusão. A partir da alta Idade Média, e até o final das Cruzadas, os leprosários tinham multiplicado por toda a superfície da Europa suas cidades malditas. 
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Navio dos loucos ou nau dos insensatos, é uma antiga alegoria que começa a aparecer na cultura ocidental nas artes visuais e na literatura, entre os séculos XV e XVI, que descreve passageiros loucos num navio, que não sabem e nem se importam para onde vão.
Segundo o filósofo francês, Michel Foucault, em seu livro 'História da Loucura na Idade Clássica' (1961), o navio dos insensatos seria um símbolo da consciência viva do pecado e do mal na mentalidade medieval e nas paisagens imaginativas da Renascença, quando a loucura começa a assombrar a imaginação do homem ocidental.
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Desaparecida a lepra, apagado (ou quase) o leproso da memória, essas estruturas permanecerão. Frequentemente nos mesmos locais, os jogos da exclusão serão retomados, estranhamente semelhantes aos primeiros, dois ou três séculos mais tarde. Pobres, vagabundos, presidiários e "cabeças alienadas“ assumirão o papel abandonado pelo lazarento, e veremos que salvação se espera dessa exclusão, para eles e para aqueles que os excluem. Com um sentido inteiramente novo, e numa cultura bem diferente, as formas subsistirão — essencialmente, essa forma maior de uma partilha rigorosa que é a exclusão social, mas reintegração espiritual.
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Frayze-Pereira afirma que, de modo bastante esquemático, pode-se dizer que, tradicionalmente concebida por analogia com as demais doenças orgânicas, a “doença mental assume a feição de uma entidade natural manifestada por sintomas”. Por exemplo: “alterações” do pensamento, da linguagem, da motricidade, da emotividade, etc. Estas são agrupadas pela medicina mental em conjuntos coerentes cuja análise busca revelar a essência da doença. Ao lado, portanto, da constituição de uma sintomatologia, é elaborada uma nosografia – descrição, na qual as formas específicas da doença, suas fases e variações são classificadas e descritas. Inúmeros são os quadros classificatórios e os termos empregados. Por exemplo: “histeria”, “obsessões”, “mania”, “depressão”, “paranoia”, “hebefrenia”, “catatonia” etc. 
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Independentemente do que possa significar cada um desses termos (por exemplo, as três últimas designações de formas mórbidas, i.é., patológicas, foram reunidas por E. Bleuler (1911) sob o termo esquizofrenia, para caracterizar certos fenômenos como a fragmentação do fluxo do pensamento e a ruptura do contato afetivo com o ambiente), será interessante indicar resumidamente duas perspectivas teóricas contemporâneas sobre a natureza da loucura. A primeira delas pode ser expressa através da fórmula de Carl Wernicke: “as doenças mentais são doenças cerebrais”. Isto é, a doença mental não é concebida por analogia com as doenças orgânicas mas ela própria, qualquer que seja a sua forma, se situa entre as últimas. Os sintomas, na qualidade de índices, são remetidos pelo especialista à (s) sua (s) causa (s) cujo suporte é orgânico. O esquema
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O esquema etiológico proposto ou postulado (i.e., a explicação da origem da patologia) consiste em reduzir as doenças mentais a fenômenos produzidos por distúrbios cerebrais. Por exemplo, considere-se as relações entre o delírio e a alucinação: o delírio baseia-se na alucinação causada pela excitação de um centro sensorial. Segundo o psiquiatra H. Ey (1967) essa visão organicista constitui “o dogma da Psiquiatria clássica”. Já E. Kraepelin (1856-1926), frequentemente considerado o pai da moderna medicina mental, ensinava procurar atrás dos sintomas psiquiátricos as entidades mórbidas. Não lhe interessava ouvir o doente. Dizia: “ignorar a língua do enfermo é, em medicina mental, uma excelente condição de observação”. 
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O aparato teórico-técnico dessa perspectiva se renovou, desde o começo do século, graças ao progresso das pesquisas biológicas (neurocirurgia, eletroencefalografia, neurofisiologia), mas a tese básica se manteve: a doença mental é concebida como efeito de um processo orgânico. Sua origem é endógena. Ou seja, é no interior do organismo individual que se encontrará a causa de seu estado mórbido, isto é, uma lesão de natureza anatômica ou algum distúrbio fisiológico. Atualmente, com os estudos de Bioquímica e de Genética Molecular, o psiquiatra espera vir a conhecer plenamente a química da loucura. Portanto, é como realidade material que a loucura é vista pelo organicismo.
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Frayze citando Canguilhem os termos segundo os quais se procura dar uma definição da loucura são, explícita o u implicitamente, sempre relacionais. Isto é, designa-se louco o indivíduo cuja maneira de ser é relativa a uma outra maneira de ser. E esta não é uma maneira de ser qualquer, mas a maneira normal de ser. Portanto, será sempre em relação a uma ordem de “normalidade”, “racionalidade” ou “saúde” que a loucura é concebida nos quadros da “anormalidade”, “irracionalidade” ou “doença”. Ora, isto é o óbvio!, poderá pensar o leitor. 
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No entanto, isso que parece evidente se revelará bastante complicado tão logo nos perguntarmos, por exemplo, sobre o sentido do termo normal. A palavra latina norma, que está na origem do termo normal, significa “esquadro”. A palavra normalis quer dizer “aquilo que não se inclina nem para a direita nem para a esquerda”, ou seja, que é “perpendicular”, que “se mantém num justo meio termo”. 
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Frayze citando Canguilhem, diz que, “uma norma, uma regra, é aquilo que serve pararetificar, pôr de pé, endireitar”. Nesse sentido, normalizar é impor uma exigência a uma existência que possui um caráter diversificado, irregular. Essa diversidade vai se apresentar em relação à exigência como um elemento de resistência e indeterminação. Porém, é preciso notar que uma norma, uma regra, se propõe como um modo possível de eliminar uma diferença. E ao se propor desse modo a própria norma cria a possibilidade da sua negação lógica. Realmente, ao procurar regular a diversidade da existência, uma norma sempre comporta a abertura para uma outra possibilidade que só pode ser inversa. Melhor dizendo, qualquer preferência de uma ordem possível ou de um estado de coisas satisfatório que uma norma instituída expressa é acompanhada, implicitamente, pela aversão à ordem inversa possível
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Nesse sentido, “o anormal, enquanto anormal, é posterior à definição do normal, é a negação lógica deste”. Entretanto, o sentido, a função e o valor de uma norma ( a própria existência da norma) nascem apenas do fato de existir algo, estranho a ela, que não corresponde à exigência a que ela obedece. Isto quer dizer que uma norma só vem a ser norma, exercendo a sua função normativa ou de regulação, mediante a antecipação da possibilidade de sua infração. Portanto, é “a anterioridade histórica do futuro anormal que provoca uma intenção normativa”.
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Canguilhem que essa evolução resultou na formação de uma teoria das relações entre o normal e o patológico, segundo a qual os fenômenos patológicos nos organismos vivos nada mais são do que variações quantitativas, para mais ou para menos, dos fenômenos fisiológicos correspondentes. Semanticamente, o patológico é designado a partir do normal, não tanto como a ou dis, mas como hiper ou hipo.
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Canguilhem citando Comte, discute uma identidade real dos fenômenos patológicos e dos fenômenos fisiológicos correspondentes durante os três estágios principais de sua evolução. Comte atribui ao que ele chama de princípio de Broussais um alcance universal, na ordem dos fenômenos biológicos, psicológicos e sociológicos.
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O QUE É SEMIOLOGIA 
(Em geral e semiologia médica e psicopatológica)
A semiologia, tomada em um sentido geral, é a ciência dos signos, não se restringindo, obviamente, à medicina, à psiquiatria ou à psicologia. É campo de grande importância para o estudo da linguagem (semiótica linguística), da música (semiologia musical), das artes em geral e de todos os campos de conhecimento e de atividades humanas que incluam a interação e a comunicação entre dois interlocutores por meio de sistemas de signos. Já a semiologia psicopatológica, por sua vez, é o estudo dos sinais e sintomas dos transtornos mentais. Entende-se por semiologia médica o estudo dos sintomas e dos sinais das doenças, o qual permite ao profissional da saúde identificar alterações físicas e mentais, ordenar os fenômenos observados, formular diagnósticos e empreender terapêuticas.
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O signo é o elemento nuclear da semiologia; ele está para a semiologia assim como a célula está para a biologia e o átomo para a física. O signo é um tipo de sinal. Define-se sinal como qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo. Assim, por exemplo, a fumaça é um sinal do fogo, a cor vermelha, do sangue, etc. O signo é um sinal especial, sempre provido de significação. Dessa forma, na semiologia médica, sabe-se que a febre pode ser um sinal/signo de uma infecção, ou a fala extremamente rápida e fluente pode ser um sinal/signo de uma síndrome maníaca
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A semiologia médica e a psicopatológica tratam particularmente dos signos que indicam a existência de transtornos e patologias. Os signos de maior interesse para a psicopatologia são os sinais comportamentais objetivos, verificáveis pela observação direta do paciente, e os sintomas, isto é, as vivências subjetivas relatadas pelos indivíduos, suas queixas e narrativas, aquilo que o sujeito experimenta e, de alguma forma, comunica a alguém.
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Sá Junior (1988) apresenta uma definição de sintoma e sinal um pouco diferente. Ele discrimina os sintomas objetivos (observados pelo examinador) dos sintomas subjetivos (percebidos apenas pelo paciente). Os sinais, por sua vez, são definidos como dados elementares das doenças que são provocados (ativamente evocados) pelo examinador (sinal de Romberg, sinal de Babinski, por exemplo)
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Dimensão dupla do sintoma psicopatológico: indicador e elemento simbólico ao mesmo tempo
Os sintomas médicos e psicopatológicos têm, como signos, uma dimensão dupla. Eles são tanto um índice (indicador) como um símbolo. O sintoma como índice sugere uma disfunção que está em outro ponto do organismo ou do aparelho psíquico; porém, aqui, a relação do sintoma com a disfunção de base é, em certo sentido, de contiguidade. A febre pode corresponder a uma infecção que induz os leucócitos a liberarem certas citocinas, que, por sua ação no hipotálamo, produzem o aumento da temperatura. Assim, o sintoma febre tem determinada relação de contiguidade com o processo infeccioso de base.
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SÍNDROMES E ENTIDADES NOSOLÓGICAS
Transtornos específicos.
Na prática clínica, os sinais e os sintomas não ocorrem de forma aleatória; surgem em certas associações, certos clusters (agrupamentos) mais ou menos frequentes. Definem-se, portanto, as síndromes como agrupamentos relativamente constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas. Entretanto, ao se delimitar uma síndrome (como síndrome depressiva, demencial, paranoide, etc.), não se trata ainda da definição e da identificação de causas específicas, de um curso e evolução relativamente homogêneos e de uma estrutura básica do processo patológico. 
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
A síndrome é puramente uma definição descritiva de um conjunto momentâneo e recorrente de sinais e sintomas. Denominam-se, em medicina e psiquiatria, entidades nosológicas, doenças ou transtornos específicos (como esquizofrenia, doença de Alzheimer, anorexia nervosa, etc.). São os fenômenos mórbidos nos quais podem-se identificar (ou pelo menos presumir com certa consistência) certas causas ou fatores causais (etiologia), o curso relativamente homogêneo, certos padrões evolutivos e estados terminais típicos. Além disso, nas entidades nosológicas ou transtornos, busca-se identificar mecanismos psicológicos e psicopatológicos característicos, antecedentes genético-familiares algo específicos e respostas a tratamentos e intervenções mais ou menos previsíveis.
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Definição de psicopatologia e ordenação dos seus fenômenos 
Um fenômeno é sempre biológico em suas raízes e social em sua extensão final. Mas nós não nos devemos esquecer, também, de que, entre esses dois, ele é mental. Jean Piaget Campbell (1986) define a psicopatologia como o ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença ou transtorno mental – suas causas, as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação. Entretanto, nem todo estudo psicopatológico segue a rigor os ditames de uma “ciência dura”, “ciência sensu strictu”. A psicopatologia, em acepção mais ampla, pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano. É um conhecimento que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante. Como conhecimento que visa ser científico, a psicopatologia não inclui critérios de valor, nem aceita dogmas ou verdades a priori. 
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Ao se estudar e praticar a psicopatologia, não se julga moralmente aquilo que se estuda; busca-se apenas observar, identificar e compreender os diversoselementos do transtorno mental. Além disso, em psicopatologia, deve-se rejeitar qualquer tipo de dogma, qualquer verdade pronta e intocável, seja ela religiosa, seja ela filosófica, psicológica ou biológica; o conhecimento que se busca está permanentemente sujeito a revisões, críticas e reformulações. 
Ou seja, a psicopatologia como ciência dos transtornos mentais requer um debate científico e público constante de todos os seus postulados, noções e verdades encontradas. O campo da psicopatologia inclui uma variedade de fenômenos humanos especiais, associados ao que se denominou historicamente de doença mental. São vivências, estados mentais e padrões comportamentais que apresentam, por um lado, uma especificidade psicológica (as vivências das pessoas com doenças mentais apresentam dimensão própria, genuína, não sendo apenas “exageros” do normal) e, por outro, conexões complexas com a psicologia do normal (o mundo da doença mental não é totalmente estranho ao mundo das experiências psicológicas “normais”).
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
A psicopatologia tem boa parte de suas raízes na tradição médica (na obra dos grandes clínicos e alienistas do passado, sobretudo dos séculos XVIII até o presente), que propiciou, nos últimos 300 anos, a observação prolongada e cuidadosa de um considerável contingente de pessoas com transtornos mentais. Em outra vertente, a psicopatologia nutre-se de uma tradição humanística e universitária (filosofia, literatura, artes, psicologia, psicanálise), a qual sempre viu na “alienação mental”, no pathos do sofrimento mental extremo, uma possibilidade excepcionalmente rica de reconhecimento de dimensões humanas que, sem o fenômeno “doença mental”, permaneceriam desconhecidas. Apesar de se beneficiar das tradições neurológicas, psicológicas e filosóficas, a psicopatologia não se confunde com a neurologia das chamadas funções corticais superiores (não se resume, portanto, a uma ciência natural dos fenômenos relacionados às zonas associativas do cérebro lesado) nem com a hipotética psicologia das funções mentais desviadas. Assim, podemos defini-la como uma ciência autônoma, e não um prolongamento da neurologia, da neuropsicologia ou da psicologia (seja ela experimental, seja ela psicométrica ou social). Ela é ricamente nutrida por essas tradições, mas não se confunde com elas. 
Psicopatologia – Disciplina Modular
Karl Jaspers (1883-1969), um dos principais autores da psicopatologia moderna, pensa que esta é uma ciência básica, que serve de auxílio à psiquiatria e à psicologia clínica, a qual é, por sua vez, um conhecimento aplicado a uma prática profissional e social concreta. Jaspers é muito claro em relação aos limites da psicopatologia: embora o objeto de estudo seja o ser humano na sua totalidade - Nosso tema é o homem todo em sua enfermidade.- [Jaspers], os limites da ciência psicopatológica consistem precisamente em nunca se poder reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos. O domínio dessa ciência, segundo ele, estende-se a “[...] todo fenômeno psíquico que possa ser apreendido em conceitos de significação constantes e com possibilidade de comunicação” (Jaspers). Assim, a psicopatologia, como ciência, exige um rigoroso pensamento conceitual, que seja sistemático e que possa ser comunicado de modo inequívoco. 
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
 FORMA E CONTEÚDO DOS SINTOMAS:
Patogênese e patoplastia
Em geral, quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos devem ser enfocados: a forma dos sintomas, isto é, sua estrutura básica, relativamente semelhante nos diversos pacientes e nas diversas sociedades (a forma “alucinação”, “delírio”, “ideia obsessiva”, “fobia”, etc.), e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a alteração estrutural (o conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, de um delírio, de uma alucinação ou de uma ideia obsessiva, por exemplo). 
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Na tradição psicopatológica, seguindo-se o modelo proposto pelo psicopatólogo alemão Karl Birbaum (1878-1950), a forma dos sintomas se relaciona ao que ele chamou de patogênese, que representa o processo de como os diferentes sintomas da psicopatologia se formam e se estruturam. À configuração e preenchimento dos conteúdos dos sintomas, ou seja, como a forma é preenchida pelos temas específicos, Birbaum (1923) denominou patoplastia. Assim, os contornos específicos dos sintomas, os temas e histórias que preenchem essas manifestações, dependentes da história de vida singular do paciente e da cultura em que vive, são determinados pela chamada patoplastia.
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
A ORDENAÇÃO DOS FENÔMENOS EM PSICOPATOLOGIA
O estudo da doença ou transtorno mental, como o de qualquer outro objeto, se inicia pela observação cuidadosa de suas manifestações. A observação articulasse dialeticamente com a ordenação dos fenômenos. Isso significa que, para observar, também é preciso definir, classificar, interpretar e ordenar o objeto observado em determinada perspectiva, seguindo certa lógica observacional e classificatória. Assim, desde Aristóteles, o problema da classificação está intimamente ligado ao da definição e do conhecimento de modo geral. Segundo ele, definir é indicar o gênero próximo e a diferença específica. Isso quer dizer que definir é, por um lado, afirmar a que o fenômeno definido se assemelha, do que é aparentado, com o que deve ser agrupado (gênero próximo) e, por outro, identificar do que ele se diferencia, ao que é estranho ou oposto (diferença específica). Portanto, na linha aristotélica, o problema da classificação é a questão da unidade e da variedade dos fatos e dos conhecimentos que sobre eles são produzidos. 
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
Classicamente, distinguem-se três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia: 
Fenômenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas. É o plano dos fenômenos psicológicos, fisiológicos, daquilo que é o normal. De modo geral, todo ou quase todo ser humano sente fome, sede ou sono. Aqui se inclui também o medo de um animal perigoso, a ansiedade perante desafios difíceis, o desejo por uma pessoa amada, etc. Embora haja uma qualidade pessoal própria para cada ser humano, certas experiências são basicamente semelhantes para todos. Fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes. É o plano em que o psicológico e o psicopatológico se sobrepõem. São fenômenos que o ser humano comum experimenta, mas que apenas em parte são semelhantes aos vivenciados pela pessoa com transtorno mental. Assim, todo indivíduo comum pode sentir tristeza, mas a alteração profunda, avassaladora, que uma paciente com depressão psicótica experimenta é apenas parcialmente semelhante à tristeza normal. A depressão grave, por exemplo, com ideias de ruína, lentificação psicomotora, apatia, etc., introduz algo qualitativamente novo na experiência humana. Fenômenos qualitativamente novos, distintos das vivências normais. É o campo específico das ocorrências e vivências psicopatológicas. São praticamente próprios a apenas (ou quase apenas) certas doenças, transtornos e estados mentais. Aqui, incluem-se alguns fenômenos psicóticos, como alucinações e delírios, ou cognitivos, como turvação da consciência, alteração da memória nas demências, entre outros.
Disciplina Modular - Psicopatologia Descritiva
PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA VERSUS PSICOPATOLOGIA DINÂMICA
Para a psiquiatria descritiva, interessa fundamentalmente a descrição das formas de alterações psíquicas, as estruturas dos sintomas, aquilo que caracteriza e descreve a vivência patológica como sintoma mais ou menos típico. 
Já para a psiquiatria dinâmica interessa o conteúdo das vivências, os movimentos internos de afetos, desejos e temores do indivíduo, sua experiência particular, pessoal, singular, não necessariamente classificável em sintomas previamente descritos. 
A boa prática em saúde mental implica a combinação hábil e equilibrada de uma abordagem descritiva,diagnóstica e objetiva e de uma abordagem dinâmica, pessoal e subjetiva do paciente e de sua doença. 
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Assim, logo na introdução de seu tratado de psiquiatria, Eugen Bleuler (1857-1939) afirma que: Quando um médico se defronta com a grande tarefa de ajudar uma pessoa psiquicamente enferma, vê à sua frente dois caminhos: ele pode registrar o que é mórbido. Irá, então, a partir dos sintomas da doença, concluir pela existência de um dos quadros mórbidos impessoais que foram descritos. [...] ou pode trilhar outro caminho: pode escutar o doente como se fosse um amigo de confiança. Nesse caso, dirigirá a sua atenção menos para constatar o que é mórbido, para anotar sintomas psicopatológicos e, a partir disso, chegar a um diagnóstico impessoal, e mais para tentar compreender uma pessoa humana na sua singularidade e co-vivenciar suas aflições, seus temores, seus desejos e suas expectativas pessoais (Bleuler).
Referências 
O normal e o patológico – Georges Canguilhem
O que é loucura – João Frayze-Pereira
Psicopatologia descritiva: aspectos históricos e conceituais – German E. Berrios.
Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais - Paulo Dalgalarrondo
História da Loucura na Idade Clássica - Michel Foucault

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