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Brasília-DF. TransTornos do EspEcTro auTisTa – TEa – dsm5 Elaboração Luciana Raposo dos Santos Fernandes Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção ................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 5 introdução.................................................................................................................................... 7 unidAdE i O que é O DSM? ................................................................................................................................ 13 CAPítulo 1 COntextO hiStóriCO DO DSM: neCeSSiDaDe De ClaSSifiCaçãO DO Diferente ............... 15 unidAdE ii aS eDiçõeS DO DSM: pré-CategOrizaçãO DO autiSMO ................................................................. 25 CAPítulo 1 a inSerçãO DO autiSMO nO quaDrO De tranStOrnOS MentaiS DO DSM ........................ 27 unidAdE iii CritériOS DiagnóStiCOS .................................................................................................................. 40 CAPítulo 1 DeSenvOlviMentO e CurSO ................................................................................................. 43 unidAdE iv hipóteSeS DeSenCaDeaDOraS DO autiSMO ..................................................................................... 54 CAPítulo 1 etiOlOgia: pOSSíveiS CauSaS ............................................................................................... 54 unidAdE v DiagnóStiCO DiferenCial ................................................................................................................ 62 CAPítulo 1 COnDiçõeS ClíniCaS aSSOCiaDaS aO tea ......................................................................... 62 PArA (não) FinAlizAr ..................................................................................................................... 71 rEFErênCiAS .................................................................................................................................. 81 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução O Autismo é um tipo de distúrbio muito interessante. Quando falamos em Autismo, ainda esbarramos em muito desconhecimento e presunções acerca das pessoas que possuem essa condição. Desse modo, é muito comum ouvirmos alguém se referir à pessoa com autismo como: “Ah sim. Autista! É aquela pessoa que fica na dela, quieta e não se comunica com os outros”. figura 1. fonte: <http://www.sare.com.br/espaco-crianca/estereotipia-como-lidar-com-comportamento-repetitivo-dos-autistas>. acesso 30/10/2017. Destarte, a ideia que se faz do Autismo é muito voltada para o senso comum, ou seja, poucos dados científicos. Vocês poderiam pensar, mas a população não tem a obrigação de entender todos os aspectos do Autismo e saber os termos técnicos ou dados estatísticos. Essa visão poderia proceder, caso o Autismo fosse uma condição rara. Entretanto, pelo Censo de 2010, o Brasil possuía, na época, dois milhões de pessoas com Autismo. Hoje, esse número, com certeza, aumentou. Quantas pessoas atualmente? Não é possível precisar. E não que seja impossível. Pelo contrário. Uma coleta de dados articulada pelos setores públicos e privados, com planejamento nos equipamentos de atenção à saúde mental e com campanhas na mídia seria uma ferramenta de conscientização. 8 Através de atitudes, como essas poucas que mencionamos acima, já haveria uma mobilização das famílias, escolas, profissionais e da sociedade como um todo para entender o Autismo e desenvolver estratégias para lidar com essa questão de saúde pública. Muitos alegam que o Autismo sofreu um ‘boom’. Isso mesmo, uma explosão! Todos se voltaram para o tema. Isso faz parecer que o Autismo não existia até então. Ou pior, que as pessoas estão sendo levadas por uma onda de “a nova síndroma do momento”. Para rebatermos tais alegações infundadas, vamos nos reportar a uma fala semelhante utilizada para se referir ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, mais conhecido como TDAH. Houve uma visão equivocada que gerou boatos a respeito de uma suposta ‘moda’ ou ‘onda’ em se diagnosticar crianças e adultos com TDAH, para impulsionar a venda de Ritalina. Pasmem, mas tal alusão foi feita e refeita. Não entraremos no escopo dessa celeuma. Serve-nos, apenas, para clarificar como podem ocorrer distorções. O TDAH é uma condição que traz grande sofrimento ao longo do seu desenvolvimento, acarretando grandes dificuldades – caso não diagnosticado precocemente e tratado – aos adultos. Então, não se trata de modismo. Essas e outras discussões fazem parte da classificação dos transtornos e ao longo do tempo, por meio dos avanços da ciência vamos tendo maior suporte e informações vão sendo agregadas e outras caem por terra. São anos de pesquisas, hipóteses, estudos de casos etc. Esse fato deveria ser comemorado: pois é a Evolução. Destarte, a menção de que há umafala mais presente sobre o Autismo recaí sobre duas vertentes: a primeira sobre a visão errônea de ser um modismo e a segunda reflete a realidade. Sim! Estamos atentos e falando sobre Autismo. O motivo dessa busca sobre o Autismo é, exatamente, um dos pontos chave para a criação da Especialização a qual vocês estão fazendo. De modo, que é importante sinalizar a necessidade de conhecimento concreto sobre essa temática no Brasil. Estamos descortinando e pesquisando uma condição neurobiológica, que já vem sendo estuda, abordada e avaliada há anos, em países como: Holanda, Estados Unidos, Canadá, Suécia. 9 Existem grandes especialistas brasileiros – em diversas áreas do conhecimento – com trabalhos de extrema competência acerca do Autismo. Muitos, por sinal, foram convidados para desenvolver suas pesquisas, estudos ou assumir a cátedra em Centros Acadêmicos ao redor do mundo. Quando há uma oportunidade em suas agendas, eles retornam ao Brasil para participação em Congressos, Seminários e Conferências. Diante disso, gostaríamos de frisar que: chamar a apresentação ou exposição do termo Autismo de “um modismo” é um desconhecimento gritante acerca dessa condição, bem como um desrespeito às pessoas com autismo, seus familiares e aos inúmeros profissionais e instituições que lidam cotidianamente com os novos diagnósticos que surgem, cada dia. Vemos que com maior regularidade nascem, crescem e envelhecem pessoas com Autismo. Citar o termo modismo, remete a um ideário (pré)concebido e (pré)conceituoso acerca da construção de um ganho monetário sobre a diversidade neurológica. Fazendo parecer que é algo a ser explorado financeiramente e não pesquisado. Não existe essa questão de modismo, o que há são pessoas – quer sejam profissionais ou pais – que buscam informações embasadas em fatos concretos – cientificamente comprovados ou em vias de serem comprovados, pois a cada dia há uma descoberta sobre a condição. De modo que, ir ao encontro de informações de cunho acadêmico, como a Pós Graduação que vocês estão fazendo para compreender como se preparar para lidar com a demanda crescente do autismo, bem como entender os desmembramentos dessa condição de forma global – compreendendo não apenas a intervenção e as técnicas – mas, exercendo um olhar empático em relação ao mundo visto pela pessoa que possui o autismo é alvo de elogios e significa que o desejo de ir além, descobrir possibilidades e estabelecer estratégias com o real conhecimento dessa situação auxiliará no desempenho de cada um de vocês e dos seus atendidos e/ou familiares. figura 2. fonte: <https://fredywander.blogspot.com.br/2017/06/fonoaudiologia-e-autismo.html>. acesso 30/10/2017. O Autismo é uma realidade. Ele está aqui e agora: nas salas de aula, nos parques, shoppings, faculdades, consultórios etc. Ou seja, está na vida e faz parte dela. Temos 10 que, enquanto coletivo, buscar nos aprimorar ao acolhimento da demanda dessas pessoas. De modo, que a inserção na sociedade – a real inserção – deve ser colocada em prática, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida da pessoa com autismo e de seus familiares. A Lei existe. Aliás, não faltam Leis. Municípios, Estados e o País possuem legislação sobre o Autismo. Mas, se não tivermos o conhecimento dessas Leis, pouco profícua a existência destas será. Para dar vida à legislação, portanto, esta deve ser compreendida e, deste modo, reivindicada a prática dos atos nela facultados. Choquem-se nesse momento: há Instituições de acolhimento voltadas às pessoas com necessidades educacionais especiais que desconhecem a Lei Federal 12.764, a chamada Lei Berenice Piana. É para se chocar? Deixo essa pergunta a vocês. De modo que, o Autismo não é uma condição rara, longe disso. Na atualidade é um distúrbio bastante comum. Ao passo que na década de 80, uma em cada 500 crianças era diagnosticada com Autismo. Hoje... A Organização das Nações Unidas (ONU) indica que, uma criança em cada 68 é diagnosticada com Autismo. Esse aumento no número de casos fez a ONU entender e comunicar que o Autismo é uma questão de saúde pública mundial. Vamos iniciar uma disciplina que aborda o campo da Psicopatologia especificamente relacionada ao Autismo, através da utilização do DSM 5 – Manual de referência para o diagnóstico dos Transtornos Mentais. Há uma confusão generalizada estabelecida em torno do Autismo e que se deve, em grande parte, ao chamado Espectro do Autismo. O Espectro do Autismo envolve situações e apresentações que são muito diferentes umas das outras. Ou seja, existem crianças com autismo que não falam, às vezes chegam a falar algumas palavras e param subitamente. Exemplificando: a criança fala palavras como mamãe, papai... Contudo, quando vai chegando aos 2/3 anos, de repente, parece que se fecham num mundo particular e “esquecem” ou param de falar, desenvolvendo paralelamente um comportamento 11 completamente diferente daquele apresentado pelas outras crianças com idade semelhante. Há o surgimento de movimentos repetitivos, por exemplo, andam de um lado para o outro, olhando para a parede. Surgem as características peculiares do autismo. Enfim, situações que vamos conhecer mais profundamente ao longo de nosso Caderno de Estudos e Pesquisas. Para tanto, nosso material fundamental será o DSM – 5, versão atual, do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, criado e elaborado pela APA – Associação de Psiquiatria Americana – que é uma referência aos profissionais que lidam com a Saúde Mental. Nossa disciplina tem como intenção trazer a nova configuração do Autismo mediante a edição atualizada do DSM – 5, desse modo, o termo adotado desse momento em diante será o Transtorno do Espectro Autista ou simplesmente a sigla TEA. A confecção e divisão de nosso material didático contempla a sequência de fatos que culminam com a compreensão do quadro sintomatológico, bem como o prognóstico, as comorbidades, dentre outros aspectos. Fornecendo uma visão ampla e detalhada de nossa disciplina. Para uma compreensão efetiva do Transtorno do Espectro Autista e o DSM – 5, nosso material foi dividido em 06 (seis) unidades. Contaremos com tarefas interativas, além dos vídeos presentes em nosso Ambiente Virtual – AVA. Este Caderno de Estudos e Pesquisa tem por objetivo principal fornecer aos nossos alunos informações acerca do TEA com o compromisso de orientar, clarificar e aprimorar o conhecimento dessa condição neurobiológica e o atendimento à demanda. Tanto aos profissionais que já possuem experiência e buscam a Especialização, assim como aos que estão iniciando sua caminhada, bem como aos pais e/ou responsáveis que lidam com a questão em seu dia a dia. Sendo uma Pós-Graduação lato sensu interdisciplinar, buscamos contemplar todas as áreas de atuação de nossos alunos por meio do maior número de informação e interação possíveis. O conhecimento científico alicerçado no afeto conduz a estratégias e intervenções que dignificam o tratamento, convívio e acolhimento da pessoa com autismo. Deste modo, bem-vindos a nossa disciplina! 12 objetivos » Ampliar o entendimento acerca da história dos transtornos mentais. » Conhecer o contexto sócio cultural que fomentou a criação do DSM. » Apresentar a entrada do autismo no DSM. » Entender as diferenças fundamentais da versão DSM IV para a versão do DSM V. » Aprofundar o conhecimento sobre o DSM – 5. » Compreender a importância da versão atual do DSM – 5 para o TEA. » Operacionalizar os critérios diagnósticos para o TEA à luz do DSM -5. » Identificar os quadros associados ao TEA. 13 unidAdE io quE é o dSM? Vamos ter uma disciplina que abordará as mudanças que vêm ocorrendo em relação à psicopatologia. Além de refletirmos sobre as alterações que se prenunciam ao horizonte. O primeiro ponto, para Delgado (1969), que deve ser comentado é o entendimento da psicopatologia como um campo específico do conhecimento. Ou seja, psico + pathos + logos é igualao estudo do sofrimento psíquico. Nesse sentido, é uma área especial da psiquiatria – não apenas dela – entretanto, muito voltada para. E que envolve a definição e concepção do que seja uma doença mental, descrição desta, delimitação das categorias, montagem das classificações etc. Esse é um aspecto importante a ser observado, pois uma das questões expressivas no campo psicológico, psiquiátrico, social é impregnada pela presença das teorias, dos conceitos e da prática psiquiátrica. figura 3. fonte: <http://lounge.obviousmag.org/yo_hablo/2015/05/pessoas-com-problemas-2-annie-proulx.html>. acesso 30/10/2017. Em cem anos, houve mudanças drásticas (positivas para alguns, desastrosas para outros) na visão da psicopatologia. Ao longo dos anos, para Davidoff (2003), diversas foram as formas desenvolvidas para diagnosticar a doença mental. Até então, não eram utilizados termos como diversidade neurológica. O diferente era automaticamente doente. Falar em psicopatologia nos remete ao diagnóstico. E como diagnosticar? Quais os parâmetros a serem seguidos? Como categorizar as doenças mentais? 14 UNIDADE I │ O qUE é O DSM Questões que sempre estiveram presentes nos anseios do ser humano. Para Entralgo (1954), a psicopatologia também diz respeito à vida cotidiana, no sentido de que todos nós cada vez mais absorvemos seus conceitos e palavras em nossas relações sociais. Nós usamos expressões para nos autodefinirmos, usamos para dar nome a certos sentimentos. Cada vez mais, recorremos ao vocabulário psiquiátrico. E isso não ocorre sem consequências. 1. Mediante esta breve exposição, temos a inserção do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) ou DSM como ficou conhecido. 2. Para Garrison (1966), o DSM é um manual que discorre acerca das diversas categorias dos transtornos mentais e seus respectivos critérios diagnósticos, criado pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association) ou APA – sendo uma referência para os profissionais da saúde mental. 3. Segundo Drago (2013), o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ou DSM é utilizado ao redor do mundo, não apenas pelos profissionais da área da saúde, quer sejam clínicos ou pesquisadores, mas também por parlamentos políticos companhias de seguro, indústria farmacêutica etc. De certo modo, segundo Diepgen (1932), embora a Psicopatologia como disciplina, digamos assim, como parte do campo médico, pretenda muitas vezes se apresentar como uma atividade científica, ela não é. A Psicopatologia é uma atividade permanente – pelo menos nos últimos duzentos anos – desde que se criou a ideia de doença mental e, portanto, que se criou a Psiquiatria e tudo que gira em torno dela. Há um exercício constante de demarcação do que é a normalidade, do que é a diferença, mas ainda não patologia e do que é a diferença que se considera patológica. Esta última, portanto, sendo a que merece e que exige intervenção. 15 CAPítulo 1 Contexto histórico do dSM: necessidade de classificação do diferente Então, para Figueiredo (1995), de certa forma, a Psicopatologia é algo de que todos nós participamos como membros ativos da sociedade. Do momento que acionamos ou criticamos essas palavras que apontam, nomeiam, classificam – negativa ou positivamente – certas experiências psíquicas e certos comportamentos. O que faz com que uma experiência ou uma conduta que possamos apresentar seja considerada patológica não é alguma coisa que se decida cientificamente, no sentido de uma objetividade que não presta nenhum tributo à avaliação subjetiva. Ou contrária, podemos dizer que o sofrimento psíquico é inerente à existência humana. Viver é sofrer, pois a vida implica frustrações, limites... E se há algo que nos diferencia dos demais animais é a consciência do sofrimento. Portanto, surgindo as interrogações sobre as causas e fomentando a construção de formas de ação complexas. Para Foucault (1977), a demarcação das fronteiras entre normalidade, diferença e patologia é um exercício constante de toda a sociedade. Mesmo estando incluída na Medicina, sendo uma de suas especialidades, podemos afirmar que a Psiquiatria tem uma história e características particulares. Vamos dissertar neste capítulo sobre o contexto histórico do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM. Não devemos pular etapas, haja vista a riqueza em se explorar esse Manual e compreender o seu surgimento e aplicabilidade. Em nossa disciplina, o aluno terá uma visão ampla do Transtorno do Espectro Autista – TEA. Devemos nos reportar, sendo assim, de forma holística, humana, fenomenológica, antropológica e social a esse devir da ação. De modo que entendemos que o TEA, ou melhor, as pessoas com TEA necessitam ser olhadas, percebidas e acolhidas para além do quadro sintomatológico. Há necessidade de compreensão do olhar humano para o diferente. Apenas dessa forma vamos construir uma visão genuína acerca do DSM e paralelamente do TEA. Pois vamos refletir sobre a história, a pertinência, a necessidade de categorização. Categorização esta que emerge desde sempre na história da civilização como uma obsessão do ser humano. 16 UNIDADE I │ O qUE é O DSM Nesse contexto, segundo Rappaport (1959) e Trinca (1984), desde os tempos primitivos se observa entre os seres humanos a preocupação de fazer observações cada vez mais acuradas do mundo ao redor. A partir da compreensível necessidade de se estimar a duração dos dias e das noites e a sucessão das estações, foram se desenvolvendo instrumentos de aferição do tempo. De igual modo, foram surgindo meios para medir distâncias, tamanhos capacidades e outros. Ampulheta, bússola, relógio, microscópio, sextante, telescópio, termômetro são alguns dos instrumentos que apareceram e tornaram possível a mensuração objetiva da magnitude dos fenômenos naturais. figura 4. fonte: <https://universoderaulseixas.wordpress.com/2014/07/12/areia-da-ampulheta/>. acesso 30/10/2017. Entretanto, de acordo com Antunes (2004) e Foddy (2002), só a partir do século 19 é que o ser humano se voltou para si próprio com o mesmo objetivo. O caminho da Psicologia e à medida que esta se tornava progressivamente mais científica, mostrou no início do século passado um grande desenvolvimento nas medidas de funções na fronteira entre as ciências físicas e a própria Psicologia. Segundo Mora (1997), a Psicofísica veio a construir através dos trabalhos de Fechner e Weber, em 1889, uma das maiores influências no desenvolvimento das medidas em Psicologia. Por Psicofísica entende-se o estudo preciso e quantitativo de como o julgamento humano é processado. O interessante é que a visão da Psicofísica começa de uma forma romanceada e edílica da avaliação psicológica: a necessidade humana de medir, de aferir. Podemos constatar essa afirmação por meio do estudo da História da Civilização e das formas como diferentes povos construíam instrumentos para medir os dias, calendários, relógios baseados na posição do Sol. Esses instrumentos, de acordo com Figueiredo (1991), advinham de uma necessidade do homem em controlar alguns desses fenômenos. Exemplificando: ter uma previsão sobre os períodos da cheia dos rios pode auxiliar no plantio, evitar inundações e assim sucessivamente. 17 O que é O DSM │ uNIDADe I Só que essa mesma visão em quantificar o comportamento humano, segundo Hutz (2013), veio surgir por meio de uma escola dentro da Psicologia chamada psicofísica, na segunda metade do século 19. Foi a partir daí que o homem começou a ter interesse em medir a si próprio e isso tem tudo a ver com a Psicometria. Segundo Figueiredo (1995), a Psicometria tem como preocupação a medição do comportamento. Então, se por milhares de anos o homem teve uma preocupação em medir e compreender os fenômenos da natureza, somente a partir do século 19 é que essa medição voltou – essa observação mais objetiva – para o própriohomem. Por que isso aconteceu? Algumas condições foram dadas: técnicas e intelectuais, mentais, culturais que propiciaram esse interesse. Então, de acordo com Bleger (1980) e Golder (2000), temos aqui duas perspectivas diferentes para responder quando surgiram as avaliações psicológicas. Ou, quais foram as influências que nortearam as avaliações psicológicas tal como nós conhecemos hoje. Se de um lado, nós temos uma visão mais naturalista que nos conduz à curiosidade do próprio homem em observar os fenômenos da natureza, de tentar entender tais fenômenos e quantificá-los – como citamos acima: tempo, chuva, calendário etc. Existe a vertente reflexiva que aborda uma origem dentro da Filosofia, da cultura clássica através de pensadores como Aristóteles e Platão que tentaram descrever e compreender ‘quem é o homem?’ figura 5. fonte: <http://todossomosuno.com.mx/portal/index.php/autismo-que-pasa-en-el-cerebro/>. acesso 20/10/2017. Para Cruz et al. (2002), entender o motivo do homem se comportar. Essa foi a ideia principal que regeu, e ainda rege, a história acerca do surgimento das avaliações psicológicas. De acordo com Benevides de Barros e Passos (2004), concluímos, pois, que através do surgimento da psicofísica se mostrou possível o estudo científico das relações entre os processos físicos e mentais. Deste modo, a psicofísica teve um grande impacto para a Psicologia, pois foi desenvolvida uma teoria exata demonstrando ser possível medir os fenômenos mentais. 18 UNIDADE I │ O qUE é O DSM Fato curioso a ser ressaltado, na visão de Cunha (1993), é que o filósofo alemão Immanuel Kant afirmava com total convicção que a Psicologia jamais poderia ser considerada uma ciência, justamente por considerar impossível mensurar ou realizar experimentos que avaliassem com exatidão os processos psicológicos. Nesse aspecto Kant estava equivocado. Foi com base nos estudos de Fechner que Wilhelm Wundt desenvolveu a Teoria da Psicologia Experimental. No Brasil, de acordo com Moura (1997), a avaliação psicológica começou a ser praticada mais sistematicamente nas décadas de 50 e 60, porém, já na década de 20 foram realizados trabalhos acadêmicos e criados institutos para a realização de processos de avaliação. As décadas de 80 e 90 foram extremamente promissoras para a avaliação psicológica no âmbito da área de atuação clínica. Ao ver estabelecidas as categorizações e parâmetros para a testagem psicológica, podemos também entender que não há possibilidade de se estabelecer uma relação de poder sem um polo de resistência. O poder, assim como descrito por Foucault (2014), não é uma coisa que alguém tem e outro não tem. Alguém pode tomar de quem tem. O poder não é uma substância. O poder é algo que se exerce, que produz efeitos. Então, nós só podemos identificar uma relação de poder onde há dois polos: o de dominante e o de dominado. E sobretudo, onde existe resistência. Quer dizer, para que o dominante permaneça dominante ele precisa do dominado. O dominado tem que permanecer dominado. O poder dentro das relações sociais nos traz uma seriedade, uma complexidade, pois é graças a ele que estudamos as relações sociais. Vamos pensar juntos: » Quem exerce poder dentro da sua casa? » Quem é o personagem do seu trabalho que mais detém poder? » Você exerce algum tipo de poder sobre alguém? Todas essas perguntas possuem um elemento em comum. Já observaram que toda vez que falamos a palavra poder ela está associada à palavra força. Ou seja, o importante é percebermos que a palavra poder e a palavra força estabelecem uma relação extremamente importante dentro das relações sociais, a questão é que não existe aqui uma necessidade de que essas palavras estejam sempre associadas. Pois, às vezes, o poder estabelece uma força que obrigatoriamente não é coercitiva. 19 O que é O DSM │ uNIDADe I A dinâmica do poder dentro da sociedade e das nossas relações do dia a dia, para Foucault, não se estabelece apenas como um mecanismo de força. Ou seja, de uma macroestrutura para uma microestrutura. Desse modo, o poder não vem de cima para baixo e sim nas microrrelações de poder que permeiam toda a sociedade – indo desde a família, ao trabalho, a igreja, as faculdades, enfim em qualquer lugar que estivermos haverá uma relação de poder. Dentro das instituições como prisões o poder não é mascarado, sendo possível reconhecer todos os mecanismos que ali existem. Exatamente por isso, Foucault realizou seus estudos em diversas prisões. E se interessou pelo modelo desenvolvido por Jeremy Bentham, o chamado pan-óptico ou modelo de prisão circular, no qual as celas estão dispostas ao redor e no centro dessa prisão há uma torre. Os cárceres que ali estão não conseguem ver a pessoa que está na torre e por esse motivo são constantemente vigiados. Quem está dentro da torre não consegue ser visto por quem está na cela. Por este motivo pode vigiar constantemente. figura 6. Michel foucault. fonte: <http://obviousmag.org/genialmente_louco/2016/foucault-a-pena-como-manutencao-do-estado.html>. acesso 21/10/2017. Vindo de uma família de médicos, Foucault atentou com sensibilidade para os excluídos. E além de observar as relações de poder também se dedicou aos estudos sobre a loucura. Foucault é uma figura, como já expressamos, fundamental ao entendimento das relações sociais, não apenas no contexto filosófico, como também psicológico. Já que Foucault tinha formação em Psicologia. A loucura vista tanto por um ponto de vista histórico, psicológico quanto por um ponto de vista filosófico, mesmo ele nunca tendo se autodefinido como filósofo. O que Foucault mostra em sua obra “A História da Loucura” é que esta não é um dado biológico exato, a loucura seria mais um fato da cultura. Se cada época tem uma visão do que é o homem normal e do que é o homem louco, a ação dos médicos sobre os 20 UNIDADE I │ O qUE é O DSM doentes tem relação com seu conhecimento, mas também com seu contexto cultural. Afinal, se eu como médico vou trazer uma pessoa ao normal isso depende do que eu (como profissional) em minha época entendo por normal. E o que Foucault faz com toda sabedoria é mostrar que em cada época há uma visão da normalidade. Por exemplo, nos tempos medievais muitas das pessoas que classificaríamos como loucas, sendo direcionadas a uma intervenção, eram líderes messiânicos que comandavam multidões. Os que hoje chamaríamos de loucos, muitas vezes vagavam pelas ruas na Rússia até o século 19, eram exóticos, místicos ou exotéricos com um conhecimento diferente dos demais. Bem, a diferença entre o homem racional e o homem louco começa a ganhar forma no Renascimento. Mas, ainda nesse período, não há uma visão clara da loucura: se deveria ser excluída ou não. Pairava uma névoa sobre essa questão. figura 7. a nau dos insanos de Bosch. fonte: <http://obviousmag.org/superantropia/2015/a-nau-dos-insensatos-uma-alegoria-cada-vez-mais-familiar.html>. acesso 2110/2017 . Não há possibilidade de estabelecer uma visão ao DSM sem contemplar a visão de Michel Foucault. Este intelectual exerceu uma ação e grande influência em vários ramos 21 O que é O DSM │ uNIDADe I do saber e do conhecimento, tais como: Filosofia, Psiquiatria, Psicologia, História, Sociologia, Antropologia, Artes, Cultura, na Política. Com uma trajetória brilhante como professor e atuação militante política extraordinariamente expressiva. Foucault foi uma das cabeças mais lúcidas que o século passado produziu. Uma das obras de Foucault imediatamente atreladas à Psiquiatria, até por conta do título, é A História da Loucura (1972), onde é abordado o tema da loucura do período renascentista até a modernidade. Obviamente, não dissertaremos aqui acerca deste amplo conteúdo. Mas, recomendamos a leitura deste para a compreensão do processo de apartação, separação e discriminação que confinou a pessoa cunhada como o louco – e, portanto, o diferente – culminando em sua exclusão dasociedade. Assim como expresso na obra de Foucault, a loucura não é exatamente algo ruim, durante o período renascentista, sendo vista inclusive como uma das formas da razão. Erasmo de Roterdã é um exemplo dessa visão com sua obra magna intitulada Elogio da Loucura que data de 1509, na qual a loucura é descrita a princípio com tom de sátira, para depois emergir em tons mais sombrios. A título de embasamento histórico, podemos ressaltar que, na antiguidade, a loucura era vista como algo canhestro, hoje é fonte para muitos estudos acerca de casos. O que é a loucura? É a doença mental, é a ruptura com a realidade. Todas as vezes que se rompe com a realidade e se vive a ruptura como se fosse a própria realidade, nos conduz provavelmente à hipótese de que a pessoa se encontra num estado de doença mental. Mas, no passado, como supracitado, a loucura era entendida como possessão demoníaca. figura 8. fonte: <https://br.pinterest.com/pin/327144360415380383/>. acesso 21/10/2017. 22 UNIDADE I │ O qUE é O DSM De acordo com Foucault (2005), o interessante é que um dos nomes que permanecem até hoje como sinônimo de doença mental, vindo desde o passado, é exatamente o de possessão demoníaca. Qual seja, epi é ‘o que está acima’ e lepsis ‘abater’, epilepsia quer dizer ‘abater por cima’. Pois os antigos entendiam que o diabo vinha e abatia o indivíduo que possesso ficava se sacudindo no chão. Logicamente, epilepsia não é uma possessão, e muito menos pode ser associada à loucura. Entretanto, os “conceitos” de “sintomatologia” à época eram confusos, imersos em crenças e misticismo. Preferimos então dizer que eram inexistentes. figura 9. fonte: <https://aufklarungsofia.wordpress.com/2011/03/10/a-loucura-e-o-cogito-de-descartes-um-dialogo-entre-derrida-e- foucault/>. acesso 21/10/2017. No entanto, de acordo com Mori (2012) e Stone (1999), essa visão dá o tom de muito do que ficou na história da humanidade acerca dos transtornos mentais e que precisam ser elucidados. Ora, o quadro em que o sujeito era tomado por uma força negativa que se apoderava dele e começava a alterar as ideias desse sujeito, falando coisas que ninguém entendia (ideias delirantes), vendo coisas que mais ninguém via (alucinações visuais), era então, uma possessão demoníaca parcial que hoje coincide com as psicoses. No século XVI, para Schneider (2009), mais precisamente em 1563, foi escrito o livro holandês Van de demon illusie (Da ilusão do demônio, em português), essa obra mostrava que a – até então – considerada possessão, não era uma possessão demoníaca. Entretanto, também não disse o que era. Deste modo, os doentes mentais melhor sorte também não tiveram. No passado, ninguém queria ficar exposto ao contato com mal corporificado, desta feita, os chamados possessos pelo mal eram escorraçados para fora dos muros das cidades ou colocavam-nos em navios – as chamadas ‘stultiferas navis’ – e os desembarcavam em ilhas. 23 O que é O DSM │ uNIDADe I figura 10. fonte: <http://psique2010.blogspot.com.br/2010/08/stultifera-navis.html>. acesso 21/10/2017. Quando começou essa concepção de que não era mais possessão demoníaca – entretanto, sendo o doente mental uma pessoa que não servia como força de trabalho e com uma personalidade insubordinada – foram trancafiados em casas de internamento junto com prostitutas, doentes venéreos, criminosos etc. No século XVIII para XIX, de acordo com Stone (1999), essa concepção equivocada sofre mudanças expressivas, na época da Revolução Francesa com o médico Philippe Pinel. De modo mais generalista, há o consenso na comunidade científica de que o marco inicial da psiquiatria ocorreu com o médico Philippe Pinel, na França, no final do século 18. Mais precisamente, no ano de 1792, quando Pinel ocupava o cargo de Chefe da Instituição asilar conhecida como o Asilo para Homens de Bicetrê, em Paris. Muitos historiadores consideram este momento como sendo a primeira reforma psiquiátrica. Pois, Pinel desenvolveu um modo diferente de tratamento dos pacientes. Pinel nunca mais vai misturar o louco com – vamos assim chamar – essas outras figuras da miséria. Assim, ele liberta os doentes mentais para que fossem tratados de acordo com o quadro de especificidade que sua doença necessitava. A figura de Pinel foi cunhada de forma tão emblemática na história da Psiquiatria que, para a voz do senso comum, – e ainda é - chamar uma pessoa com transtornos mentais de ‘Pinel’ era como um sinônimo de loucura, um lugar de reconhecimento da falta do juízo são. Segundo Davidoff (2003), Pinel foi um dos grandes mestres do passado. Dentre as pessoas libertas estavam pessoas trancafiadas há 40 anos, tais como: padre que acreditava e vivia como se fosse o próprio Cristo; alcoolistas crônicos, dentre outros. Sendo libertas ao todo 80 pessoas. 24 UNIDADE I │ O qUE é O DSM Na época de Pinel, embora tais pessoas já estivessem apartadas das outras com condições totalmente diversas, o tratamento também não existia. Ou seja, de choques elétricos para estimulação sensorial a ameaça de serem jogadas em um covil cheio de cobras – tudo era considerado “tratamento”. Os mais diversos tipos de aparatos de tortura eram usados (embora à época não fossem vistos como), tais como cadeiras giratórias com o objetivo de convulsionar o paciente; o uso de água morna, fria, quente; injeções de leite... Enfim, todas as formas de experiências eram utilizadas e alçadas à categoria de tratamento para os transtornos mentais. figura 11. fonte: <http://levianafilosofia.blogspot.com.br/2015/09/breve-historia-da-loucura.html>. acesso 21/10/2017. A situação foi caminhando de forma nada ortodoxa, até a chegada da década de 50. E com ela a descoberta do primeiro fármaco, demonstrando ser uma grande revolução e conferindo um bem-estar ao paciente. Que nas décadas subsequentes proliferaram. Marcando outra fase da história dos transtornos mentais: a medicalização. A década de 50 pareceu, enfim, colaborar com o esclarecimento dos quadros de saúde mental. Floresceram meios para entender a constituição dos Transtornos Mentais e o mais importante agora com referências estatísticas. Nesse cenário surge, pois, o DSM ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, criado e elaborado pela APA (Associação de Psiquiatria Americana) como uma fonte de referência para os profissionais de saúde mental. 25 unidAdE ii AS EdiçõES do dSM: Pré-CAtEgorizAção do AutiSMo Foi na década de 50, precisamente em 1952, que foi criado o DSM I, contendo aproximadamente 132 laudas e com 106 categorias diagnósticas. Dentre essas 106 categorias, podemos assinalar que 44 continham a palavra reação, demonstrando um emprego do termo em 40% do texto. Exemplificando: 000-x20 Reações Esquizofrénicas; 000-x10 Reações afetivas, dentre outras. De modo geral, visou sistematizar e organizar os transtornos mentais existentes desde 1840. De acordo com Gaines (1992), a repetição do termo reação tantas vezes ao longo do texto do DSM I representa a visão de Adolf Meyer acerca da psiquiatria daquela época – aqui podemos confirmar o pensamento de Foucault – ou seja, os transtornos e doenças mentais na época da publicação do DSM I eram interpretados como reações desencadeadas mediante determinadas circunstâncias catastróficas ou dificuldades situacionais às quais os indivíduos reagiam. De modo que não perfazia ainda a constituição de uma doença mental como diagnóstico com caráter biológico. A condição da doença mental era vista mais como passageira e desencadeada por reações a determinadas condições que eram impingidas à pessoa. figura 12. DSM i. fonte: <https://www.vladman.net/blog/evolu%C3%a7%C3%a3o-do-dsm-o-dicion%C3%a1rio-da-sa%C3%Bade-mental>. acesso 24/10/2017. O DSM I tem como outra característica importante a influência da abordagem psicanalítica freudiana. Especialmente ao retratar os mecanismos de defesa e as neuroses. Na primeira edição do DSM, o autismo não era visto como um diagnóstico26 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo separado, desta feita, os sintomas autísticos eram classificados como esquizofrenia infantil. No ano de 1968, foi lançado o DSM II contendo 182 transtornos mentais, com 76 categorias diagnósticas a mais que a primeira edição. Esta edição ainda não contempla o autismo em uma categoria, permanecendo em subcategoria. A palavra reação foi eliminada por remetia ao fator de causalidade. Embora tenha havido mudança em relação à primeira edição, esta ainda não se referia ao autismo. figura 13. DSM ii. fonte: <https://www.vladman.net/blog/evolu%C3%a7%C3%a3o-do-dsm-o-dicion%C3%a1rio-da-sa%C3%Bade-mental>. acesso 24/10/2017. À época das edições do DSM I e II, a ideia de que o autismo seria uma forma de esquizofrenia ainda persistia. Hoje, podem parecer claras a todos nós as diferenças, entretanto, na época não era! O autismo ficou por longos anos, mais precisamente desde 1911 (vamos utilizar esta dada como referência, mesmo sabendo dos relatos de crianças incomuns ao longo da história da civilização – como bem assinalamos em nossos outros Cadernos de Estudos e Pesquisas). Contudo, para o bem da delimitação de uma zona temporal, vamos utilizar o ano em que o psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939) usa pela primeira vez o termo Autismo em um artigo científico. Devemos ressaltar que o termo foi utilizado por Bleuler em 1908, entretanto, o ano é reconhecidamente 1911, devido à publicação de seu trabalho. Destarte, que o ano não altera o fato de que Bleuler também não considerava o autismo como é entendido hoje. E, de acordo com a visão de Foucault, pode não ser entendido futuramente. Ou seja, Bleuler utiliza o termo autismo para definir pessoas com dificuldade de interação com outras pessoas e tendência ao isolamento. 27 CAPítulo 1 A inserção do autismo no quadro de transtornos mentais do dSM O DSM, até sua segunda edição, ainda não apresentava a classificação do Autismo em uma categoria isolada. Permanecendo a ideia de que o autismo era uma forma de esquizofrenia. Ou seja, de acordo com Delgado(1969), Piéron (1977), Tuchman e Rapin (2009), as definições aceitas eram as baseadas nos conceitos de: » Autismo (Bleuler) – atitude mental peculiar aos esquizofrênicos, identificada por interiorização e um pensamento distante da realidade. » Autismo infantil precoce (Kanner) – uma dificuldade ou impossibilidade congênita para entrar em contato emocional/afetivo com o ambiente, em especial com as pessoas. Essa situação começará a ser delineada, na realidade, com os estudos do Professor de Psiquiatria Infantil e Chefe do Departamento de Psiquiatria Infantil e do Adolescente da Universidade de Londres, na Inglaterra. O Dr. Rutter, segundo Gauderer (1995), foi um dos grandes expoentes a ser citado na galeria de nomes que se dedicaram à pesquisa sobre o Autismo na Europa. Lançando vários artigos e participando de Congressos realizados pela National Autistic Society – NAS. A NAS fundada por Judith Gold e pela Dra. Lorna Wing – pesquisadora e mãe de uma criança com autismo – que fundou também o Centro Lorna Wing. Todas essas instituições tinham como objetivo o entendimento do autismo e o suporte às famílias. Porém, nem tudo eram flores no caminho do Autismo, bem como ainda não é assim até hoje. Na década de 80, apresentar como método de tratamento físico o ECT (eletrochoque ou eletroconvulsoterapia), não foi bem recebido pela comunidade científica, profissionais e familiares das pessoas com autismo. Sem contar que os resultados terapêuticos obtidos não demonstravam qualquer colaboração à melhora do quadro. Desta feita, a ideia desse tratamento foi abandonada. Devemos ao Dr. Michael Rutter a classificação do Autismo, fato que foi um marco para a compressão dessa condição mental. No ano de 1967, Michael Rutter aprofundou seus estudos sobre as manifestações da condição. Descrevendo quatro características: 28 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo 1. Falta de interesse social: esta característica é observada através de comportamento observado por Rutter, tais como o pouco contato visual (olho a olho; olhar nos olchos); expressão facial empobrecida; ligação afetiva distante com os pais e/ou responsáveis; atitude distante; ausência de interesse pela interação com as demais pessoas. Era notório o comportamento de esquiva ao receberem algum carinho ou toque físico dos pais – as crianças não gostavam desse contato; quando caiam ou se machucavam não choravam ou procuravam pelos pais, demonstrando não se incomodar com a dor; o brincar empobrecido; a inexistência do movimento para fazer amigos; não demonstravam emoções e nem empatia. Essa dificuldade em se relacionar com outras pessoas era, comumente, assinalada pelos pais: “não é como as outras crianças” ou “totalmente diferente dos irmãos”. A criança agia como se não apresentasse consciência da própria existência, de si mesma. O exemplo clássico era – e ainda é – a autoagressão, sem choro. 2. Incapacidade para elaborar uma linguagem responsiva: a verbalização (fala) e o atraso no desenvolvimento da linguagem são acompanhados por uma redução de resposta aos ruídos ou sons do ambiente ou sensibilidade extrema à luminosidade. Ou seja, respostas anormais aos estímulos sensoriais. Mesmo nos casos em que a linguagem se desenvolve, encontra-se uma qualidade anormal – como a ecolalia (repetição de sons). 3. Presença de conduta motora bizarra: padrão de comportamento ritualístico e compulsivo, podendo ser apresentado de quatro formas: preocupação patológica ou mórbida com objetos pouco comuns; interesses ou preocupações peculiares; não tolera mudanças em seu ambiente ou rotina, apresentando um comportamento monótono; rituais obsessivos. 4. Início precoce: antes dos trinta meses de idade. A presença de comportamentos incomuns ou o padrão de anormalidades motoras apresentadas como hiperativas, estranhas e estereotipadas. Destarte, as estereotipias são a reprodução de um comportamento único, caracterizado por ações repetitivas e de grande interesse para o autista, porém, sem um objetivo ou uma finalidade clara a sua realização. Os maneirismos eram os distúrbios na motilidade, comportamentos motores estereotipados, também repetitivos, sendo o exemplo clássico o flapping de mãos (ou movimento de bater de asas, imitação das asas de pombo). 29 As EdiçõEs do dsM: pré-cAtEgorizAção do AutisMo │ uNidAdE ii Ou seja, tanto as estereotipias quanto os maneirismos são hábitos apresentados de forma persistente, que chegam a se tornar comuns, tais como: correr pela casa, realizar movimentos repetitivos, balançar os braços, movimentar involuntariamente as mãos, entre outros. A grande questão em relação ao autismo é que tais comportamentos não apresentam uma função. Sabemos que crianças descobrem o mundo por meio do desenvolvimento psicomotor, entretanto, o repertório desses comportamentos além de repetitivo, fica cristalizado, não evolui ou serve a uma função. Como exemplo do repertório com uma função, podemos descrever uma criança de 1 ano e 7 meses que aprende, pela interação com o seu meio, que ao emitir o som “boo” com as mãos levantadas, os adultos ao seu redor afirmam seu comportamento e verbalização através de “que susto” ou “ai, que medo”. A criança tende a ter o comportamento reforçado, pois após o susto vê que os adultos começam a rir e lhe retribuem com expressões de aprovação. As crianças percebem que aquele comportamento chama a atenção e que todos acham engraçado, passando a repetir. Mas, isso pode ser em um determinado dia, com pessoas diferentes, durante uma festa na escola ou uma reunião de família. Aos poucos, e com o passar do tempo, esse repertório será mudado várias vezes. Ao longo do desenvolvimento, a criança amadurece. figura 14. fonte: <https://familia.com.br/6135/20-truques-para-parar-a-birra-de-uma-crianca>. acesso 30/10/2017. Para Rutter e Bartak (1971), as estereotipiasde mãos e dedos, bem como os maneirismos não deviam fazer parte dos critérios diagnósticos de autismo, pois eram observadas também em crianças com deficiência mental e instuticionalizadas. 30 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo figura 15. fonte: <http://fundacaotelefonica.org.br/promenino/trabalhoinfantil/noticia/na-espera-da-adocao-criancas-e-adolescentes- enfrentam-restricoes-das-familias-e-a-realidade-dos-abrigos/>. acesso 30/10/2017. Ao mencionar o contexto de crianças institucionalizadas, Rutter nos traz a dimensão da Psicomotricidade, ou seja, o entendimento de que por meio do movimento existem aquisições mais elaboradas, incluindo as relacionadas à intelectualidade. Ou seja, por meio das atividades motoras do cotidiano há o desenvolvimento de funções motrizes, cognitivas e afetivas que possibilitam à criança vivenciar a aprendizagem de elementos culturais – quer seja formal (escolar) ou informal – através do corpo. Pessoas institucionalizadas vão, aos poucos, perdendo a percepção do mundo por meio do corpo, e os movimentos das mãos e pés vão sendo desconstruídos. A restrição dos movimentos, o viver em espaço confinado, a ausência de exercícios físicos... A ausência acaba por criar uma lacuna: o que fazer com mãos e pés. Eles perdem a função, a expressão... Estão sem função. figura 16. hospital psiquiátrico de Barbacena. fonte: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/201cos-assassinatos-em-massa-continuam-acontecendo-e-a-gente- finge-que-nao-ve201d-diz-autora-451.html>. acesso 30/10/2017. 31 As EdiçõEs do dsM: pré-cAtEgorizAção do AutisMo │ uNidAdE ii De modo que, todos, mas em especial as crianças – devido ao desenvolvimento – precisam de exercícios, de movimento, o corpo fala e deve se expressar. Assim, pular, correr, saltar, dançar, rodar, cantar, mexer... São necessários ao desenvolvimento saudável, amplo e holístico. As escolas devem priorizar o tempo dedicado à realização de exercícios físicos, de brincadeiras, da dança, do lúdico como forma de favorecer o aprendizado das disciplinas acadêmicas. Pois, por meio do corpo conceitos concretos passam a ser compreendidos como abstratos. O brincar deve ter seu espaço garantido e, para mais além, expandido nas escolas. É inconcebível que crianças não possam se movimentar nos intervalos ou no recreio e, mesmo assim, quando correm são chamados à atenção – levados à sala da direção ou coordenação. O movimento é cerceado, restringido. Ao passo que deveria ser um momento utilizado pelos educadores para redirecionar esse correr aleatório, dando uma finalidade. Estabelecendo metas, jogos, objetivos, ou seja, favorecendo o ensino aprendizagem. Um sonoro e retumbante “não se mexam”. Isso é saudável? Por que será que as crianças não demonstram muito entusiasmo em relação à escola? Pensamos que não é difícil: o tédio. Ao contrário, os educadores que entendem a demanda de cada faixa etária constroem um trabalho rico e auxiliam no desenvolvimento da cognição, percepção, emoção e empatia de seus educandos. Tornando a escola um local de vivência. figura 17. fonte: acervo pessoal da elaboradora. 32 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo Devemos ao Dr. Michael Rutter a classificação do Autismo, fato que foi um marco para a compressão dessa condição mental. E em 1978 (ano da publicação do seu estudo), o médico classifica o autismo e propõe sua definição com base nas quatro características supracitadas, que podemos resumir como: atraso e desvio sociais não apenas como deficiência intelectual (DI); problemas na comunicação, não apenas em função de deficiência intelectual associada (DI); comportamentos incomuns, caracterizados por movimentos estereotipados e maneirismos e início antes dos 30 meses de idade. Em 1980, de acordo com Artigas (2002), a classificação de Rutter e os crescentes trabalhos publicados sobre o autismo, a partir da década de 60, influenciaram a inserção desta condição, na edição do DSM III, pela primeira vez, na categoria Pervasive Development Disorder ou Transtornos Invasivos do Desenvolvimento – TID’s. Finalmente, uma categoria isolada. O desenvolvimento dessa categoria buscava diferenciar o autismo da esquizofrenia infantil. Além disso, a categoria buscava refletir a ideia das múltiplas áreas de funcionamento cerebral que eram afetadas no autismo e nas condições associadas a ele. A tão esperada categorização do autismo no DSM, lendo dessa forma pode parecer algo bem aquém do que se pretendia, entretanto, ao pararmos para observar o contexto da época, veremos que foi um divisor de águas no sentido de melhorar o diagnóstico. O reconhecimento do autismo como uma categoria, perfazendo uma condição distinta, mesmo que seu conceito não estivesse totalmente desenvolvido no período. figura 18. fonte: <https://www.vladman.net/blog/evolu%C3%a7%C3%a3o-do-dsm-o-dicion%C3%a1rio-da-sa%C3%Bade-mental>. acesso: 24/10/2017. 33 As EdiçõEs do dsM: pré-cAtEgorizAção do AutisMo │ uNidAdE ii Vamos nos ater ao trabalho de Michael Rutter, contudo não podemos deixar de mencionar os nomes de Ward e DeMyer, como citados em Margolies (1977), que apresentavam critérios diagnósticos dos propostos por Rutter. Ou seja, havia uma grande variedade de visões sobre o autismo. Não diferindo muito do que se encontra atualmente, a grande diferença é que agora sabemos do que se trata, as divergências são mais no campo das intervenções, tratamentos, terapias, fármacos, nutrição, e as terapias que vêm surgindo com força como o neurofeedback. Foi apenas em 1984, segundo Stone (1999), por meio das pesquisas de Leonora Petty e seus colaboradores que foi feita a distinção entre o autismo e a esquizofrenia infantil, desta vez de forma clara e bem delimitada, partindo do ponto crucial de que o autismo era uma condição com início precoce (assim como explicitado nos estudos de Rutter) – do nascimento até os três anos de idade – ao contrário da esquizofrenia infantil que tem seus sinais apresentados, predominantemente, após os cinco anos de idade. Do mesmo modo, os estudos comprovaram que os pacientes esquizofrênicos adultos apresentavam boa interação social e um funcionamento sem alterações aparentes. Fato totalmente distinto do que era observado em autistas. Antes da publicação do DSM III, cabia à psiquiatria e à psicanálise a tarefa de entender e explicar a origem dos sintomas. Através desse enfoque o foco era o tratamento do problema em si, delegando ao segundo plano o sintoma (ou sintomas). A Edição do DSM III surge e traz mudanças radicais, a principal delas é uma aproximação da Psiquiatria em detrimento à Psicanálise. Agora, a Psiquiatria poderia ocupar-se com as considerações etiológicas e focar nos sintomas, favorecendo a classificação dos transtornos. É fundida uma nova era no DSM, em sua terceira edição, a era da observação empírica das manifestações do comportamento. Ou seja, a presença, constância e intensidade são os critérios utilizados para o diagnóstico. Vamos fazer uma breve recapitulação acerca das edições do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Metais – DSM: » 1980 – DSM III, contendo 265 transtornos mentais apresentados em 494 páginas. Havendo um aumento de 30% das categorias diagnósticas. Posteriormente, foi criado um apêndice DSM-III-R nomeado Apêndice A. Com a reformulação que ocorreu em 1987, há uma mudança na visão biológica e genética como um papel fundamental nos transtornos mentais. Esse fato se deve à adesão aos conceitos do psiquiatra alemão Emil Kraepelin. Na visão de Gaines (1992), o apêndice traz termos controversos, como o Transtorno Sádico da Personalidade. 34 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo » 1994 – DSM IV, contendo 374 transtornos mentais apresentados em 886 páginas, onde notamos o surgimento de 82 novas categorias. Alguns transtornos foram excluídos, à medida que outros surgiram, e alguns colocados em outras categorias diagnósticas.Com essas mudanças, o resultado foi a dificuldade de reconhecimento de alguns transtornos. Em 2000 foi publicado o DSM IV TR – Texto Revisado que apresentou poucas mudanças da versão anterior. A APA criou a Texto Revisado como uma forma de diminuir as diferenças entre o DSM IV e o subsequente DSM V. A tentativa inicial era reparar o hiato de 12 anos entre uma edição e a outra. figura 19. fonte: <https://www.psychologytoday.com/blog/side-effects/201302/dsm-5-has-gone-press-containing-major-scientific-gaffe>. acesso 21/10/2017. Ao final da década de 70, já estava claro que o autismo perfazia uma condição clínica diferente da esquizofrenia tanto em termos genéticos como em manifestações clínicas e de prognóstico. O DSM III empregava o conceito clássico inicialmente descrito por Kanner e concluía com as características diagnósticas desenvolvidas por Michael Rutter. Sendo que Rutter se destaca dos outros pesquisadores quando assinala o início precoce da condição. Desta forma, o DSM III apresentava critérios diagnósticos e prognósticos do autismo que hoje são considerados altamente restritos e específicos. O DSM III também incluiu duas categorias como Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, a saber: o transtorno invasivo de início na infância (abandonado posteriormente por ser questionável) e a categoria atípica (que não preenchia as características diagnósticas necessárias ao autismo). 35 As EdiçõEs do dsM: pré-cAtEgorizAção do AutisMo │ uNidAdE ii A necessidade de maior especificidade nos critérios colaborou para a publicação de uma revisão destes, que foi apresentada na versão lançada em 1987, o DSM III R (texto revisado), que continha dois transtornos invasivos do desenvolvimento: o Transtorno Autista e o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento não especificado. Com o tempo, observou-se que os critérios apresentados na edição DSM III R eram extremamente inclusivos, o que gerou uma confusão na delimitação entre o autismo e demais condições que apresentavam características comuns, contudo que não se identificavam com o autismo mediante a natureza do comprometimento social e prejuízo na comunicação. Desta forma, em 1994 é publicado o DSM IV. A quarta edição do Manual traz a sintomatologia primária dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento apresentada em três categorias: » Comprometimento qualitativo da interação social. » Comprometimento da comunicação. » Padrão restrito, repetitivo e estereotipado de comportamento, de interesses e de atividades. figura 20. fonte: <https://www.vladman.net/blog/evolu%C3%a7%C3%a3o-do-dsm-o-dicion%C3%a1rio-da-sa%C3%Bade-mental>. acesso 24/10/2017. 36 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo diferenças entre o dSM iv e o dSM v DSM IV (1994), podemos assinalar que na quarta edição do Manual o autismo se mantém alinhado com a edição anterior em relação à descrição dos sintomas com alteração da etiologia. O DSM-IV-TR, lançado em 2000, apresentou uma atualização nos textos sobre o autismo, a síndrome de Asperger e outros TIDs. Contudo, os critérios diagnósticos permaneceram os mesmos divulgados no DSM-IV (1994). De acordo com Grinker (2010), há um movimento de retração à teoria psicanalítica da ‘mãe geladeira’ ou da ‘perversidade’ materna como causas do autismo – hipótese levantada desde as pesquisas de Léo Kanner. Entram como referência ao TID três subtipos: o Transtorno de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno de Asperger. De modo geral, o DSM IV apresentava três critérios principais para o diagnóstico, sendo eles: » Desafios de linguagem. » Déficits sociais. » Comportamentos estereotipados e repetitivos. A principal diferença entre o DSM IV e o DSM V reside no fato de a quinta edição do Manual acabar com o TID e criar uma categoria diagnóstica única para o autismo, o qual passa a ser chamado de Transtorno do Espectro Autista ou TEA. O conceito de espectro é aprofundado e priorizado, independente das diversas formas de manifestação da condição – o diagnóstico é realizado com base no comportamento observável. figura 21. fonte: <https://nadjafavero.wordpress.com/2013/06/05/dsm-v-e-tea/>. acesso 20/10/2017. 37 As EdiçõEs do dsM: pré-cAtEgorizAção do AutisMo │ uNidAdE ii Deste modo, segundo Laia (2011), no DSM-5 (2013) o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, havendo uma prevalência e resgate das chamadas teorias da neurociência. O DSM-5 foi publicado em 2013, entretanto a versão em português foi lançada no ano de 2014. Interessante observar a participação do psiquiatra brasileiro Dr. Aristides Volpato Cordioli na coordenação da edição do DSM-5 em português. A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais apresenta dois critérios para o diagnóstico do TEA: » Domínio relativo a déficit de comunicação e interação social. » Padrão de comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos. Ou seja, o que era tratado como uma tríade no DMS IV, se tornou no DSM V uma díade de sintomas com prevalência no início da infância. Com a publicação do DSM-5, os subtipos relacionados ao autismo são eliminados, e agora as pessoas com autismo são diagnosticadas em um único espectro com diferentes graus. Assim, o DSM-5 acomoda todas as subcategorias da condição em um único diagnóstico “guarda-chuva” intitulado Transtorno do Espectro Autista – TEA. figura 22. fonte:<https://www.istockphoto.com/br/foto/autismo-guarda-chuva-gm471352903-19249905>. acesso 31/10/2017. 38 UNIDADE II │ As EDIçõEs Do DsM: pré-cAtEgorIzAção Do AUtIsMo o dSM v e o transtorno do Espectro Autista – tEA quadro 1. transtorno do neurodesenvolvimento. DSM - IV DSM - 5 Autismo, Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Rett e o Transtorno Global do Desenvolvimento, sem outra especificação. Transtorno do Espectro Autista – TEA: 1. Déficit na Interação Social. 2. Padrões repetidos e repetitivos. Classificação em graus: leve, moderado e severo. fonte: quadro criado pela elaboradora. Os transtornos do Neurodesenvolvimento são apresentados num grupo de condições que surge no início do período do desenvolvimento, ou seja, tem um início precoce. O Espectro Autista tem se demonstrado, ao longo dos tempos, uma temática de difícil compreensão. Não havendo um consenso, inclusive entre a comunidade científica ou especialistas da área, por apresentar características que nem sempre estão claras e que muitos pacientes não apresentam no diagnóstico – de forma transparente, tão cristalina - como aquelas que se espera encontrar por parte dos profissionais de saúde. Muitas vezes, os profissionais, principalmente os recém-graduados, desejam ler os critérios apresentados no Manual DSM-5 e ver em seu atendido as características muito bem definidas, assim como aparece no Manual – sabemos pela experiência que a realidade não é essa. Por isso, é importante ler o material didático, estudar o DSM, compreender os desdobramentos do TEA e sempre se aprofundar em leituras e cursos que ampliem a visão global do transtorno. O DSM-5 é uma ferramenta fundamental e revolucionária quando falamos em TEA. Quais são os Transtornos do Espectro Autista? Todas as subcategorias ou subtipos foram absorvidos para uma mesma condição, havendo um único diagnóstico. Dessa forma, muitos pesquisadores aprovaram este modo mais amplo, geral de compreensão do indivíduo com características genéricas, concentrando-os, portanto, dentro do TEA; tornou muito mais proativo, positivo e descomplicado para o profissional fazer esse reconhecimento, essa hipótese diagnóstica que evoluirá, em algum momento futuro, para um diagnóstico. Logicamente, essa facilidade é discutível, há quem diga que há características correspondentes ao autismo que não se aplicam ao Asperger e Rett. Há também quem diga que há características muito próprias de Asperger e que não estão nessa classificação ou que se diferenciam bastante do autismo ou de Rett.Mesmo assim, essa compreensão do DSM-5 agrupada parece facilitar tanto o reconhecimento, como também as intervenções. 39 As EdiçõEs do dsM: pré-cAtEgorizAção do AutisMo │ uNidAdE ii Afinal, não havia tantas intervenções e com tantas especificidades para cada uma dessas condições em separado – como eram até então apresentadas. Um avanço ou uma melhoria quando estudamos todo o descritivo dessa condição de unificação do TEA é a colocação da díade com o agrupamento de sintomas. Dessa forma, para quem tem um conhecimento aprofundado sobre o autismo, pode parecer que não mudou tanto assim. Porém, do ponto de vista especialmente pedagógico e clínico ficou mais facilitado e funcional. De modo que, embora haja alguma crítica, a edição do DSM-5 com as alterações no Transtorno do Espectro Autista foi bastante festejada. Para quem ingressa na Pós-Graduação conosco nesse momento e ainda não havia aprofundado suas pesquisas em cada um dos transtornos mencionados (Asperger, Rett,), vai encontrar maior facilidade e desenvoltura em manusear o DSM-5 e colocar em prática sua classificação. De modo geral, obviamente, nos posicionamos de forma favorável ao DSM-5, por conta dos anos de estudos e pesquisas dedicados ao tema. E o envolvimento direto com a pessoa com TEA e seus familiares. 40 unidAdE iiiCritérioS diAgnóStiCoS O Transtorno do Espectro Autista ou TEA (299.00) apresenta os seguintes critérios diagnósticos de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5 (APA, 2014, pp. 50-51): A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado por tudo o que segue: 1. Déficits na reciprocidade socioemocional [...] 2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para intervenção social [...] 3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos [...] Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões de comportamento restritos e repetitivos. B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes [...] 1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos [...] 2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal [...] 3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais e intensidade ou foco [...] 4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente [...] Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões restritos ou repetitivos de comportamento 41 Critérios DiagnóstiCos │ UniDaDE iii C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida). D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente. E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento.[...] Nota: Indivíduos com diagnóstico do DSM-IV bem estabelecido de transtorno autista, transtorno de Asperger ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação devem receber o diagnóstico de transtorno do espectro autista [...] Vamos seguir cincos passos para o diagnóstico do TEA. Pode parecer difícil, pois o TEA não tem forma física, marcador biológico, ou seja, exames específicos para serem solicitados e o diagnóstico vir impresso em um resultado. O TEA depende da observação sistemática do comportamento, do desenvolvimento da criança com seus pares (da mesma idade) ou mais velhos. Ou seja, um conjunto de informações que dependem de muitas variáveis. Vamos aos cinco passos: 1. Entrevista detalhada com os pais – é muito importante nesse processo de entrevista conhecer profundamente os sinais e sintomas do TEA. Deste modo, devemos buscar fazer as perguntas mais corretas, mais adequadas para investigar profundamente detalhes do comportamento da criança. Nesse contexto, é fundamental reunir todas as informações possíveis: como foi o parto; os primeiros meses e anos da criança; como ela se desenvolveu do ponto de vista pessoal, social, afetivo, parte motora e a parte da linguagem. Ou seja, é importante que essas informações contenham uma gama de detalhes. O que chamou a atenção do pai, da mãe, ou dos familiares durante toda a história da criança. 2. Reunir fotos e vídeos da criança – essa estratégia era muito utilizada nas décadas de 60/70, e o material era utilizado como fonte de pesquisa. Hoje, não é diferente, por meio desses registros podemos analisar o comportamento da criança – especialmente em momentos sociais – em momentos de compartilhamento de eventos com outras crianças e/ou adultos. Festas, atividades escolares, momentos de lazer com a família. 42 UNIDADE III │ CrItérIos DIAgNóstICos Esses dados vistos, olhados cuidadosamente pelo profissional, ajudam a entender melhor como a criança está se comportando em momentos do contexto dela e não do contexto do consultório. 3. Colher depoimentos de professores, de mediadores, de profissionais médicos e de outras áreas da saúde – que já avaliaram, acompanharam ou ainda acompanham a criança. Esse feedback oferece, ao profissional que está avaliando, uma visão múltipla de como é a criança nos mais diversos contextos e ambientes. Ou seja, mais detalhes vindos de outros olhares sobre o quadro que, muitas vezes, os pais não conseguem expressar – ou pela proximidade afetiva ou porque não sabem fornecer essas informações. 4. Utilizar escalas de avaliação estruturadas – as quais auxiliam na busca ativa dos sinais de forma mais facilitada, já que muitas vezes nós não temos todas essas informações disponíveis naquele momento e naquela hora. As escalas ajudam, de forma bem estruturada e facilitada, a trazer informações relevantes na hora de conversar com a família. 5. Buscar dados de história familiar – de TEA, síndrome genética, esquizofrenia, transtornos de humor, transtornos de déficit de atenção e hiperatividade, e conhecer muito bem a idade materna e paterna de quando essa criança foi concebida. Essas informações nos ajudam a ter dados a mais, porque existem vários fatores de risco para ter filhos com Transtorno do Espectro Autista. Sabemos que em famílias onde existe transtorno bipolar, TDAH, pais com condições psiquiátricas (como a esquizofrenia) há um risco maior desse casal ter um filho com autismo. E pais e mães acima de 40 anos possuem um risco ainda maior de conceber filhos com a condição do espectro autista. figura 23. fonte: <https://psicologiaconsciencias.wordpress.com/2016/10/15/projeto-sobre-autismo/>. acesso 30/10/2017. 43 CAPítulo 1 desenvolvimento e curso Devemos ficar atentos à idade e ao início do Transtorno do Espectro Autista. De acordo com Tuchman e Rapin (2009), cerca de um terço geralmente alega uma regressão precoce da linguagem e do comportamento. Os sintomas começam a ser identificados, mais comumente, no segundo ano de vida (entre 12 a 24 meses), mesmo sendo possível observá-los antes dos 12 meses de vida da criança, quando os atrasos no desenvolvimento se demonstram graves. Geralmente, quando os sintomas são mais sutis, a percepção do quadro ocorre por volta dos 24 meses. Devemos ressaltar, de acordo com o DSM-5, que a descrição padrão inicial deve incluir, na maioria das vezes, relatos acerca do atraso do desenvolvimento e perdas de habilidades sociais e/ou linguísticas. Nos casos em que se detecta a perda de habilidades os pais, responsáveis e cuidadores verbalizam uma deterioração gradativae rápida nos comportamentos sociais e nas habilidades linguísticas. Essa manifestação é percebida entre os 12 a 24 meses de idade da criança. Contudo, em algumas ocasiões – consideradas raras na literatura médico científica – observa-se o desenvolvimento normal até os 2 anos, até que os sinais de regressão do desenvolvimento se iniciem. Essa condição era denominada, anteriormente, como Transtorno Desintegrativo da Infância. Na verdade, para Osterling et al (2002), a literatura médica nos traz relatos de platôs ou regressão ocorrendo bem mais tarde, aos 10 anos de idade, não existindo uma definição consensual na comunidade científica e entre os profissionais da área da saúde para tal regressão. Na realidade, o que a literatura mostra acerca dessa questão são inúmeras pesquisas e estudos registrados em relação à fala dos pais acerca do comportamento dos filhos que vão perdendo a sociabilidade e começam a ter palavras e frases suprimidas de seu vocabulário, nesse contexto inicia o interesse restrito e o uso incomum dos brinquedos, a rigidez comportamental, bem como as estereotipias. Mediante essa manifestação extremamente tardia, segundo Kaplan et al (2017), é essencial examinar vídeos da família que tenham sido gravados antes do surgimento dos sintomas de TEA, pois com frequência há sinais preexistentes de comprometimento no desenvolvimento. 44 UNIDADE III │ CrItérIos DIAgNóstICos Os estudos sobre a regressão autista são praticamente inexistentes. De modo que sua etiologia permanece sem explicação. O que sabemos, de acordo com Volkmar et al (1999), é que a regressão tardia demonstra-se mais severa, apresentando um quadro de comportamentos adaptativos regredidos, afetando o controle dos esfíncteres e aspectos cognitivos amplos. Nesses casos, o prognóstico de melhoria é baixo. Dessa forma, na visão de Ballaban-Gil et al (1996) e Howlin (2003), o curso e desenvolvimento do TEA são variáveis, dependendo do grau e de causas implícitas a essa condição neurobiológica. Transtorno de neurodesenvolvimento representa que áreas do cérebro da pessoa com TEA tem um desenvolvimento diferente, um atraso em áreas que promovem um conjunto de sintomas, os quais são: interação social prejudicada ou diferente do que deveria para a idade; atraso de comunicação e interação social e um padrão comportamental voltado para interesses restritos e repetitivos, estereotipados. Sempre escutamos que o diagnóstico do TEA é difícil. Na verdade, ele é tão difícil quanto qualquer outro diagnóstico que seja feito por profissionais sem especialização no assunto. O diagnóstico específico do TEA não é tão difícil de ser feito, quanto se faz parecer. As questões básicas são: 1. Se a criança se comunica tão bem quanto outra de sua idade ou não. 2. Se essa criança interage tão bem quanto outras de sua idade ou não. 3. Se essa criança tem comportamentos repetitivos ou interesses restritos. o que isso quer dizer? Em determinadas idades, as crianças típicas, em geral, são atraídas e gostam de brincar com uma série de coisas. Mas, podemos ter uma criança que é extremamente fixada em algum brinquedo, em algum jogo, algum objeto em detrimento de um monte de outras coisas que superaria as que ela tem interesse. Então, quando se observa essa combinação, isso por definição nos coloca diante de uma criança com TEA. 45 Critérios DiagnóstiCos │ UniDaDE iii figura 24. fonte: <http://entendendoautismo.com.br/artigo/como-e-o-comportamento-da-crianca-autista/>. acesso 8/11/2017. A questão de estar ou não dentro do espectro pode ser respondida, em geral, de uma maneira relativamente fácil, desde que seja observada por profissionais com experiência. Mais importante do que isso, a gente não precisa fazer, necessariamente, o diagnóstico de TEA para começar com as intervenções. Então, aquilo a que os pais ou cuidadores devem estar muito atentos é aos chamados sinais de alerta. Quando os sinais de alerta estão presentes o que precisamos fazer é começar com intervenções. Na visão do Dr. Carlos Gadia, do ponto de vista acadêmico, é menos importante fazer um diagnóstico do TEA e mais importante iniciar as intervenções. Dessa forma, o que os pais têm realmente que observar e que acaba por chamar sua atenção no início quase sempre é o atraso no desenvolvimento da linguagem. Na prática, quando os pais procuram a ajuda de profissionais é porque a criança não está falando quando deveria. O problema, muitas vezes, é que existe uma ideia de que cada criança é um indivíduo e cada indivíduo se desenvolve ao seu tempo. Existindo uma série de mitos a respeito disso, tais como meninos que falam mais tarde; crianças expostas a mais de um idioma sofrem um atraso de linguagem etc. Então, acaba se encontrando uma série de justificativas que os levam a esperar. E não é uma obrigação dos pais saberem disso. Mas, certamente é uma obrigação dos profissionais de saúde saberem e identificarem crianças de risco. E identificarem essas crianças muito cedo. 46 UNIDADE III │ CrItérIos DIAgNóstICos No Brasil, foi aprovada a Lei 13.438/2017 (publicada no Diário Oficial da União em 26 de abril de 2017) que estabelece a utilização de protocolos padronizados, a serem utilizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS para a detecção de sinais de risco do TEA em crianças de até 18 meses. A aprovação dessa lei deve ser comemorada por nós, pois demonstra um grande avanço para o bem-estar e profilaxia para as pessoas com TEA na idade adulta. figura 25. fonte: <http://www.falabarreiras.com/lei-autismo-entra-em-vigor-no-final-de-outubro/#.Wgt1t2hSziu>. acesso 8/11/2017. Crianças que não balbuciam aos 9 meses de idade; crianças que não estão falando palavras simples com 18 meses; crianças que não estão colocando duas palavras juntas aos 2 anos, isso é absolutamente anormal. Totalmente fora do que poderia ser considerado normal para uma criança. Então, nessa situação a conduta não pode ser “vamos esperar para ver o que acontece”. Exemplificando: ‘Mas o primo do cunhado da namorada do meu irmão também não falou com 3 anos’. Essa observação não é relevante, tanto que a pessoa lembra disso, fica na memória por ser um fato raro. Ou seja, as pessoas não podem usar a exceção como uma justificativa para não agirem. A ação é necessária. Para clarificar os red flags ou sinais de alerta para os pais, achamos pertinente assinalar dos 9 meses aos 2 anos de idade. Caso a criança apresente tais sinais, o ideal é que os pais procurem um neuropediatra ou geneticista, para que se iniciem exames diversos com o intuito de chegar a um diagnóstico preciso, descartando, assim, outras possibilidades de síndromes com características semelhantes. Esses casos de autismo regressivo ou súbito, no qual a criança apresenta um desenvolvimento normal até certa idade e a partir de então demonstra os red flags 47 Critérios DiagnóstiCos │ UniDaDE iii para TEA como perda das habilidades e atraso no desenvolvimento, não são difíceis de detectar e, na realidade, não apenas os pais, mas todos que atuam junto a crianças devem ter conhecimento dos sinais de alerta. Dessa forma, devemos estar atentos aos marcos do desenvolvimento. E a qualquer sinal de atraso ou perda no desenvolvimento, como dito anteriormente, entretanto não nos custa frisar: não cabe fazer especulações acerca do que pode ser ou não. Um especialista deve ser consultado imediatamente. Red flags ou sinais de alerta Bebê de 9 (nove) meses: » Não se senta com ajuda. » Não parece reconhecer pessoas familiares. » Não balbucia: mamã, papá. » Não olha quando é chamado pelo nome. » Não faz brincadeiras que envolvem imitação. » Não aguenta seu próprio peso nas pernas (com ajuda). » Não passa um brinquedo de uma mão para a outra. » Não olha para onde você aponta. Bebê de 1 (um) ano de idade: » Não fala palavras como mamãe e papai. » Não aprende gestos como dar tchau ou mover a cabeça – para dizer não. » Não consegue
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