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RUBSLENI RODRIGUES DOS SANTOS Faculdade Mato Grosso do Sul- FACSUL Curso de Direito ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS: Uma análise a partir da afetividade e do melhor interesse da criança CAMPO GRANDE-MS 2018 RUBSLENI RODRIGUES DOS SANTOS Faculdade Mato Grosso do Sul- FACSUL Curso de Direito ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS: Uma análise a partir da afetividade e do melhor interesse da criança Trabalho de Conclusão de Curso realizado pela acadêmica Rubsleni Rodrigues dos Santos, sob orientação do Professor Aristógno Espindola da Cunha, como requisito para aprovação na disciplina de TCC II da Faculdade Mato Grosso do Sul. CAMPO GRANDE-MS 2018 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 5 2 A AUTORIDADE PARENTAL E A FAMÍLIA A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................................................................................................................ 6 3 DEVER CONSTITUCIONAL DE AFETO ....................................................................... 8 4. A IMPORTANCIA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO PARA O DIREITO BRASILEIRO ........................................................................................................................ 11 5. ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS: UM ENFRENTAMENTO COM BASE NO CONCEITO DE AFINIDADE FAMILIAR E NO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA ............................................................................. 14 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 18 ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS: Uma análise a partir da afetividade e do melhor interesse da criança ADOPTION OF CHILDREN BY HOMOAFETIVE COURSES: An analysis based on the affinity and the best interest of the child Rubsleni Rodrigues dos Santos Aristógno Espindola da Cunha RESUMO: O presente artigo teve por escopo averiguar a possibilidade de adoção de crianças por casais homoafetivos, objetivando um estudo acurado no que se refere à proteção integral da criança e de seu melhor interesse. Nesse sentido, problematizou-se a ideia de que a opção sexual dos adotantes importa para fins de concessão de adoção, de modo que a pesquisa justificou-se na necessidade de evidenciar os instrumentos jurídicos capazes de sanar a deficiência do Estado em garantir o desenvolvimento pleno das crianças. Para a construção da pesquisa foi utilizado o método hipotético-dedutivo, a partir de pesquisas bibliográficas e documentais, entendendo- se, como hipótese inicial, que a opção sexual dos adotantes não pode ser utilizada como pressuposto para negar o direito de adoção, devendo, em verdade, ser analisada precipuamente o entendimento do melhor interesse do adotado. Desse modo, conclui-se que a adoção não pode ser visualizada a partir da opção sexual dos adotantes, mas deve levar em consideração dois fatores essenciais, que são concomitantemente direcionados tanto aos adotantes quanto aos adotados. Aos primeiros, o direito à paternidade e à constituição plena de família, enquanto que aos segundos o direito à convivência familiar, ao desenvolvimento pleno, ao seu melhor interesse e à proteção integral. Todas essas categorias de direitos voltam-se à principal perspectiva que deve ser compreendida o embate objeto da pesquisa, que é a preservação da dignidade humana sobre todos os seus vieses. PALAVRAS-CHAVES: 1. Adoção; 2. Melhor interesse da criança; 3. Adoção por casais homoafetivos; 4. Homoafetividade; 5. Afetividade ABSTRACT: The purpose of this article was to investigate the possibility of adoption of children by homoaffective couples, aiming at an accurate study regarding the integral protection of the child and its best interest. In this sense, the idea that the sexual choice of adopters is important for the purposes of granting adoption was problematized, so that research was justified on the need to highlight the legal instruments capable of remedying the State's deficiency in guaranteeing full development of children. For the construction of the research, the hypothetical-deductive method was used, based on bibliographical and documentary researches, it being understood, as an initial hypothesis, that the sexual choice of adopters cannot be used as a presupposition to deny the right of adoption, in fact, the understanding of the best interest of the adoptee should be analyzed. Thus, it can be concluded that adoption cannot be visualized from the sexual choice of adopters, but must take into account two essential factors, which are concomitantly directed to both adopters and adoptees. To the former, the right to paternity and the full constitution of the family, while to the latter the right to family life, to full development, to their best interest and to integral protection. All these categories of rights return to the main perspective that must be understood the clash object of the research, which is the preservation of human dignity over all its biases. KEYWORDS: 1. Adoption; 2. Best interest of the child; 3. Adoption by homosexual couples; 4. Homoafetividade; 5. Affinity 5 1 INTRODUÇÃO Na medida em que as relações sociais avançam e, por consequência, o direito se adéqua, como efeito de causa versus consequência surge no ordenamento jurídico novas situações que devam ser amplamente observadas. É o que ocorre, principalmente, com o direito de família que, no perpassar dos séculos, sofreu inúmeras alterações significativas. Em razão do entendimento do que viria a ser o conceito de família tradicional e de quem exerceria o poder familiar, como consequência, passou-se a ter na sociedade relações mais dinâmicas e menos duradouras, ficando a cargo do direito, portanto, buscar adequar o ordenamento jurídico em torno dessas novas situações. Sob este viés, o objetivo do estudo é tratar de duas situações decorrentes, que é justamente o alargamento do conceito de constituição familiar e o instituto da adoção do ordenamento jurídico. Nesse sentido, considerando que com o alargamento do conceito de família, passou a subsistir dúvidas no ordenamento jurídico acerca da possibilidade de adoção de crianças por casais homoaefetivos, o objetivo do presente estudo é justamente aprofundar nesta análise, com a intenção de evidenciar a possibilidade de adoção sob o enfoque dos princípios do melhor interesse da criança e da proteção integral. Para tanto, o capítulo 2 tratará de analisar a evolução histórica do exercício da autoridade parental e do novo conceito de família advindo da Constituição Federal, com a intenção de evidenciar a dinamicidade do direito e a relevância que foi atribuída à família na criação e desenvolvimento da criança. Ademais, o capítulo 3 abordará o dever de afeto decorrente de um mandamento constitucional, apontando os motivos pelos quais a Constituição Federal busca tutelar esse dever, mas principalmente os efeitos do afeto na criação do filho. Já no capítulo 4, a intenção da pesquisa é abordar o instituto da adoção e sua importância no direito brasileiro, enfocando a relevância do instituto para o desenvolvimento da criança e, ainda, para a garantia do direito de constituir família. No capítulo 5 repousa o ápice da pesquisa, que é justamente um estudo aprofundado sobre a possibilidade de adoção de crianças por casais homoafetivos, valendo-se como fundamento principal o conceito de constituição de família pautada na ideia de afetividade e sob enfoque do melhor interesse da criança, para o fimde elucidar os benefícios advindos dessa possibilidade no que se refere ao desenvolvimento e criação de uma criança. Por fim, destaca-se que na consecução da pesquisa será utilizado o método hipotético- dedutivo, a partir de pesquisas bibliográficas e documentais, entendendo-se, como hipótese 6 inicial, que a opção sexual dos adotantes não pode ser utilizada como pressuposto para negar o direito de adoção, devendo, em verdade, ser analisada precipuamente o entendimento do melhor interesse do adotado. 2 A AUTORIDADE PARENTAL E A FAMÍLIA A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL No decorrer da história, a instituição família sofreu significativas alterações, desde a compreensão de qual seria o papel da mulher na sociedade conjugal até o conceito de família com o advento da promulgação da Constituição Federal em 1988. Sob essa perspectiva, a mulher passou a galgar espaço na sociedade, o que lhe permitiu romper com os ideários tradicionais de que seu papel seria apenas para a manutenção da vida humana e, de igual maneira, transpôs-se o entendimento originário para constituição de família, onde se adotou a afinidade como peça elementar para definir família1. Acerca de qual seria a ideia da família originária, construída nos direitos grego e romano, destaca seu papel voltado à procriação e manutenção da espécie humana: No direito romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo entre os membros da família, que era concebida como um dever cívico, para que os jovens pudessem servir aos exércitos de seus países, visando, assim, à constituição da prole, principalmente masculina, com a finalidade de perpetuação da espécie2. O modelo antigamente praticado conferia aos homens o poder de controle sobre os membros da instituição família, razão pela qual a mulher compunha “uma posição inferior, sendo considerada incapaz de reger sua própria vida, igualando-se aos filhos”3. Dessa forma, a família ficava adstrita ao poder familiar do homem, que possuía autoridade sobre seu lar e seus membros. Essa autoridade conferia ao homem o poder de punir, vender ou até mesmo matar qualquer membro de sua família, podendo, inclusive, determinar a religião a ser praticada por seu lar. Não obstante, Akel destaca que os filhos e a esposa sequer possuíam patrimônios, uma vez que não eram dotados de capacidade civil4. Esse poder familiar perdeu força quando da transição à idade média, uma vez que em 1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.98. 2 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: direito de família e das sucessões, v. r, ed. rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.27. 3 SILVA, Marcello Alves Cazé. Vantagens e desvantagens da guarda compartilhada. Monografia jurídica. Governador Valadares: Repositório online da Faculdade de direito, ciências administrativas e econômicas da Universidade Vale do Rio Doce, 2010, p.10. 4 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada: um avanço para a família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, s/p. 7 virtude do exponencial crescimento da igreja, seus ideais expandiram-se às diversas esferas da sociedade, incluindo a política, econômica, social e, principalmente, a jurídica. No tocante à esfera jurídica, a instituição família sofreu significativo impacto no sentido de que não haveria que se falar um poder absoluto conferido ao homem, de modo que caberia, doravante, a autoridade destinada a ambos os pais5. Salvador destaca que a previsão da autoridade parental (que é destinada a ambos os pais) foi indicada no artigo 1.136 do código de direito canônico, onde aos pais destinar-se-ia “o gravíssimo dever e o direito primário de, na medida de suas forças, cuidar da educação, tanto física, social e cultural, como moral e religiosa da prole”6. Não obstante no Brasil com o advento do código civil de 1916 ter-se volvido ao modelo de poder patriarcal, é salutar destacar que o código de 2002 inovou no sentido de que um poder familiar seria exercido pelo casal, de modo que independentemente da maneira em que se desse a constituição familiar, o exercício da autoridade parental seria desempenhada por ambos os pais. Sobre o assunto, Diniz elucida que essa autoridade parental configurou-se como sendo um dever dos pais e sua finalidade deveria ter como observância o interesse e a proteção dos filhos: Um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e proteção dos filhos7. Toda essa evolução histórica acerca de quem exerceria o poder familiar influenciou, também, naquilo que viria ser considerado como família. O que inicialmente remetia-se à constituição familiar a partir da união de homem e mulher com propósito de constituir um lar foi abrindo espaço para novos conceitos e novas formações, onde se abandonou o tradicional ideal de família e preconizou, com o advento da Constituição Federal de 1988, a afinidade como sendo base de uma estrutura familiar8. A família moderna, portanto, cuja autoridade é desempenhada pelas figuras dos pais – em acepção ampla – é considerada como sendo um núcleo base da sociedade, formado por lastros de afetividade com interesse comum. Para Nader a família moderna consiste em "uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente 5 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. As Famílias em Perspectiva Constitucional. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.40. 6 SALVADOR, Carlos Corral (org). et al. Dicionário de direito canônico. Madri: editora tecnos, 1989, p.297. 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 33. Ed, com remissões a dispositivos do novo CPC: lei n. 13.105/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p.514. 8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. As Famílias em Perspectiva Constitucional. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.48. 8 descendem uma da outra ou de um tronco comum”9. Na contemporaneidade, a família pode ser constituída por diversos fatores e há possibilidade de ser preenchida por vários envolvidos, mormente porque o ordenamento jurídico atualmente reconhece a existência de famílias pluriparentais, homoafetivas, uniparentais, entre outras, todas constituídas a partir de laços de afetividade. A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural, não mais necessariamente casamentária, pois a Constituição Federal de 1988 tutela todo e qualquer modelo de vivência afetiva. Essa é a família da pós-modernidade, compreendida como estrutura sócio-afetiva e forjada em laços de solidariedade. Desse modo, surge a justificativa constitucional de que a proteção a ser conferida aos novos modelos familiares tem como destinatários, imediatos e mediatos, os próprios cidadãos, pessoas humanas, merecedoras de tutela especial, assecuratória de sua dignidade e igualdade10. O conceito de família e o exercício da autoridade parental na sociedade atual regem- se pela afetividade, de modo que se afasta da concepção tradicional casamentaria e passam a ser reconhecidos no ordenamento jurídico direitos oriundos de novas demandas sociais. Percebe-se, desta maneira, a existência de uma evolução histórica no sentido de compreender a instituição família como base elementar de uma sociedade, cuja formação advém, contemporaneamente, da existência delaços de afetividade. Assim, considerando que o exercício da autoridade parental cabem a ambos os pais – em um entendimento amplo – é necessário compreender doravante as mudanças e o desempenho do dever constitucional de afeto. 3 DEVER CONSTITUCIONAL DE AFETO Feitas as primeiras considerações sobre a família e a autoridade parental à luz da constituição federal de 1988, entende-se pertinente para os fins desta produção conferir ao leitor interessante noção acerca do dever constitucional de afeto. Das incursões interpretativas no texto constitucional pátrio percebe-se o papel essencial dos direitos fundamentais. Estes estão presentes ao longo de grande parte da lei máxima, inferindo forte mentalidade asseguradora dos direitos inerentes ao homem, de tal forma que percebe-se claramente, por exemplo, a vontade constitucional em delimitar a atuação do poder público de maneira a vinculá-la ao interesse público, revelando, assim, a preocupação 9 NADER, Paulo. Curso de direito civil. 9 ed., ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.13. 10 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. Volume 6. 7. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p.9. 9 com o ser humano, único capaz de manifestar vontade pública e o principal afetado pelas ações11. Assim, resta evidente o papel dos direitos fundamentais, básicos por essência, na proteção constitucional do ser humano, bem como na construção de uma ordem jurídica democrática e justa. Percebe-se, desse modo, a centralidade do ser humano na ordem positiva do direito brasileiro. A reflexão em questão comprova-se significativa ao presente capítulo dado às ponderações feitas anteriormente. É consenso a importância da instituição familiar na formação do ser humano, sendo inclusive reafirmada na redação constitucional, como por exemplo no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que dispõe acerca do dever da família na formação e desenvolvimento da criança12. Acerca do assunto, Neves complementa que: [...] o direito à convivência familiar é um direito fundamental da criança e do adolescente, seres em processo de formação de personalidade. O referido direito deve ser exercido, a fim de que se possibilite pleno desenvolvimento da personalidade da criança, em sua formação como pessoa. A negativa deste direito representará violação ao direito fundamental à convivência familiar e um dano à sua personalidade13. Dessa forma é claro o entendimento que aponta para a constituição de uma família saudável como um direito fundamental do indivíduo. Permite-se tal compreensão exatamente pela configuração das disposições legais constitucionais, que conceituam a família como um ambiente no qual o sujeito poderá se desenvolver nos primeiros anos de sua vida, sendo a ele fundamental, vez que a consolidação de uma família maculada infere diretamente na formação do ser humano, incutindo-lhe vicissitudes que poderiam ter sido evitadas14. Ressalta-se também a importância de um meio familiar saudável se forem considerados os efeitos da formação do indivíduo sobre a sociedade em que ele está inserido. Assim, um sujeito que tem sua formação em uma situação familiar saudável, que lhe introduz bons valores morais e éticos, terá menor probabilidade de incorrer pelos caminhos do crime, por exemplo15. Em resumo, é evidente a importância da família na formação individual do sujeito, sendo um quesito fundamental em seu desenvolvimento, assegurado pela Constituição Federal 11 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.102. 12 BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Diário Oficial da União, 1988. 13 NEVES, Rodrigo Santos. Responsabilidade civil por abandono afetivo. Revista Síntese Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v.14, n.73, p.96-108. ago./set. 2012, p.101. 14 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011, p.1098. 15 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. Volume 6. 7. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p.25. 10 de 1988. Para Kaloustian, quando se fala do dever de afeto não se pretende colocar em discussão questões relativas à moral, mas sim de vida digna da criança: O vínculo é um aspecto tão fundamental na condição humana, e particularmente essencial ao desenvolvimento, que os direitos da criança o levam em consideração na categoria convivência – viver junto. O que está em jogo não é uma questão moral, religiosa ou cultural, mas sim uma questão vital. Na discussão das situações de risco para a criança a questão da mortalidade infantil ou da desnutrição é imediata. Sobreviver é condição básica, óbvia, para o direito à vida. Deve-se acrescentar a dimensão afetiva na defesa da vida. Em outras palavras, sobreviver é pouco. A criança tem direito a viver, a desfrutar de uma rede afetiva, na qual possa crescer plenamente, brincar, contar com a paciência, a tolerância e a compreensão dos adultos sempre que estiver em dificuldade16. Dessa perspectiva, atrelada às considerações feitas no capítulo anterior, percebe-se o estrito dever afetivo quando na instancia de uma relação familiar. Isto se dá uma vez que, conforme mencionado, a família, com a vigência do documento constitucional de 1988, passou a ser entendida essencialmente como uma instituição social que liga os agentes dela partícipes através do afeto. Assim, fica claro a necessidade de ao mencionar-se a palavra família, considera-la como uma relação de vínculo afetivo17. Nesse mesmo sentido, interpretação de Maciel no que se refere ao dever dos pais em assistir, participar e dar afeto aos filhos: [...] no que tange ao dever dos pais de assistir os filhos menores, notamos a amplitude do termo e as suas vertentes possíveis. Se, por um lado, significa ajudar, auxiliar e socorrer, por outro, há a vertente de estar presente, perto, comparecer, presenciar, acompanhar e até mesmo coabitar.18 Portanto, não é absurda, mas sim correta a interpretação, com base no texto constitucional, da existência de um dever de afeto que obriga os partícipes da relação familiar. Sendo que todos possuem direito à uma família que lhes assegure as bases para a constituição do ser, é também pertinente afirmar que todos possuem direito ao afeto, como categoria indispensável à formação regular e saudável do ser humano, dado à atual semelhança de conceito entre as duas palavras e à presença de norma constitucional. 4. A IMPORTANCIA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO PARA O DIREITO BRASILEIRO 16 KALOUSTIAN, Sílvio Manoug. Família brasileira: a base de tudo. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2010, p.50. 17 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.102. 18 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente - Aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.85. 11 Com base na concepção que o ordenamento jurídico é construído com vistas a proteger integralmente o desenvolvimento da criança, principalmente porque impõe esse dever conjunto aos agentes sociais do Estado (especialmente à família), o instituto da adoção no direito brasileiro serve justamente para, quando da ausência da família no desenvolvimento da criança, possibilitar a constituição de uma família e garantir o desenvolvimento pleno da criança19. Destaca-se que a adoção não significa um ônus ao adotante, mas sim, corolário da efetiva proteção da instituição família e da criança, porquanto permite a associação de interesses comum entre a família (que possui a pretensão de adoção),criança (que possui a pretensão de compor uma família) e ao Estado, que possui a obrigação de atuar de modo a buscar a concretização dos interesses desses agentes justamente em caso da ausência de condições que possibilitam o desenvolvimento da criança20. Acerca da adoção, Liberati apresenta um conceito pautado na etimologia da palavra, elucidando que “[...] deriva do latim adoptio, que significa dar seu próprio nome a, pôr um nome em; tendo, em linguagem mais popular, o sentido de acolher alguém”21, tratando-se, portanto, de um direito do adolescente ou da criança que carece da proteção familiar. Nesse sentido, é possível compreender que o instituto da adoção possui um caráter humanitário na medida em que o que se tutela principalmente são os direitos humanos fundamentais da criança. Sobre esse assunto, destaca-se o conceito afetivo, social e moral apresentado pro Seabra Diniz: Podemos definir a adoção como inserção num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo em o caso, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade competente, considerados indignos para tal. [...] A adoção hoje, não consiste em dar filhos para aqueles que por motivos de infertilidades não os podem conceber, ou por “ter pena” de uma criança, ou ainda, alívio para a solidão. O objetivo da adoção é cumprir plenamente às reais necessidades da criança, proporcionando-lhe uma família, onde ela se sinta acolhida, protegida, segura e amada22. Com base nesses ensinamentos, é possível compreender que o instituto da adoção no direito brasileiro é construído com a finalidade de tutelar a criança e o adolescente. Daí decorre a existência de dois princípios que tutelam o instituto, sendo eles o do melhor interesse do adotando e da proteção integral. O princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, que regula toda a ideia de sua proteção, voltando-se a atenção do Estado no atendimento daquilo 19 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.231. 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 33. Ed, com remissões a dispositivos do novo CPC: lei n. 13.105/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p.34. 21 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção internacional. São Paulo: Malheiros, 2003, p.13. 22 DINIZ, Maria Helena. Op.Cit., p.67-68. 12 que seja efetivamente positivo ao seu desenvolvimento23. Esse princípio não se confunde, de modo algum, com uma consulta ao adotando a respeito do que ele deseja e como gostaria que fosse oficializada sua adoção, visto que o menor não possui plena capacidade jurídica, tampouco psicológica para decidir, com a certeza e maturidade devida – muito embora sua opinião possua importância – os rumos que pretende seguir para sua vida e de, talvez, sua futura família24. Acerca do referido princípio, Mendes preleciona que o interesse do menor, em detrimento de outras parcelas sociais, constitui direito fundamental, porquanto a criança e o adolescente se demonstram hipossuficientes, merecendo prioridade: Caminhamos, assim, ao encontro de um dos maiores princípios balizadores dos Direitos Fundamentais dos menores, qual seja, o princípio de prevalência dos interesses do menor. Aliás, não poderia ser diferente, uma vez que a Criança e o Adolescente, por serem considerados pessoas ainda em desenvolvimento são carentes de cuidados especiais e, com isso, devem ter prioridade quando em confronto com outros segmentos da sociedade, desde que se tratando de direitos iguais25. Portanto, no processo de adoção deve ser desempenhado um trabalho em conjunto tendente a nortear a adoção de modo que, como bem sugere Cardoso, a aplicação dos institutos jurídicos sejam observados e aplicados tomando por “[...] base o que é mais benéfico para a criança em todos os aspectos, sejam sociais, econômicos, emocionais, afetivos etc”26, com a finalidade de protegê-la no meio social. É por conta disso que Carvalho salienta que a adoção não pode ser compreendido como “[...] um ato de caridade, mas como o estabelecimento de uma relação de filiação sem vínculos biológicos, que se dá no campo do afeto e do amor, independente de genética, construída na convivência, no afeto recíproco”27, razão pela qual, em decorrência disso, o melhor interesse da criança deverá ser amplamente observado. Já o princípio da proteção integral, constante do artigo 227, da Constituição Federal e do artigo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente tem por objeto a proteção da criança na medida que a compreende como sendo ser humano em condição de vulnerabilidade, cujos direitos e garantias fundamentais devam ser atendidos por todos os agentes sociais 28. Em outras 23 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p.351. 24 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção internacional. São Paulo: Malheiros, 2003, p.17. 25 MENDES, Moacyr Pereira. A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente frente à lei 8.069/90. Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006, p.53. 26 CARDOSO, Helena Zoraski. A aplicação da guarda compartilhada à luz do princípio do melhor interesse do menor. Monografia jurídica. Curitiba: Repositório online da Universidade Tuiuti do Paraná, 2016, p;16. 27 CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pg.12. 28 ISQUIERDO, Renato Scalco. A tutela da criança e do adolescente como projeção dos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da autonomia: uma abordagem pela doutrina da protação integral. In: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos 13 palavras, volta-se ao cumprimento e à garantia de “[...] direitos e deveres individuais e coletivos, bem como todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar um bom desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”29. Esse princípio, em verdade, decorre de previsão na Convenção Internacional de Haia, recepcionada em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 3.087/1999, que dispõe acerca do compromisso internacional com a proteção de todas as crianças em relação a todas as suas necessidades físicas, morais e demais áreas. O nível de proteção relativo a esse princípio decorre também de previsão do Decreto n. 99.710, oriundo da Assembleia da ONU que aprovou a ‘Convenção Sobre os Direitos da Criança’, que em um de seus dispositivos regulamenta que “os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar” 30. Ao ver de Piovesan, “a convenção acolhe a concepção do desenvolvimento integral da criança, reconhecendo-a como verdadeiro sujeito de direito, a exigir proteção especial e absoluta prioridade”31. Em verdade, esse é o princípio mais abrangente de ordenamento jurídico no que diz respeito à garantia de desenvolvimento da criança, pois não há um rol taxativo de direitos que devam ser resguardados, todavia deve adequar a expressão ‘proteção integral’ no decorrer do tempo, a fim de suprir por completo as necessidades do adotando32. Nesse sentido, é possível concluir que o instituto da adoção para o ordenamento jurídico tem imensa importância porque serve como instrumento para perfectibilizar a garantia ao direito ao desenvolvimento integral da criança e do adolescente e, ainda, para possibilitar a constituição de família seja para quem tem a pretensão de adotar ou de ser adotado. 5. ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAISHOMOAFETIVOS: UM ENFRENTAMENTO COM BASE NO CONCEITO DE AFINIDADE FAMILIAR E NO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA Como já salientado no curso do trabalho, todo o direito de família moderno gira em torno do princípio da afetividade, e este ganha cada vez mais destaque por estabelecer uma Tribunais, 2002, p.521. 29 PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.222. 30 BRASIL, Presidência da República. Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Brasília: Diário Oficial da União, 1990. 31 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 132. 32 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil: t. 3. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pg.214. 14 quebra de hierarquia familiar e enaltecer a afetividade entre os membros das famílias33. Tal princípio está na previsto na Constituição Federal, conforme salienta Lôbo: O princípio da afetividade está estampado na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seus artigos 226 §4º, 227, caput, § 5º c/c § 6º, e § 6º os quais prevêem, respectivamente, o reconhecimento da comunidade composta pelos pais e seus ascendentes, incluindo-se aí os filhos adotivos, como sendo uma entidade familiar constitucionalmente protegida, da mesma forma que a família matrimonializada; o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente; o instituto jurídico da adoção, como escolha afetiva, vedando qualquer tipo de discriminação a essa espécie de filiação; e a igualdade absoluta de direitos entre os filhos, independentemente de sua origem34. A afinidade, por ser situação que possibilita a constituição familiar, tratando-se de princípio de elevado destaque no ordenamento jurídico, não pode ser, de maneira alguma, suprimido, deixando-se de reconhecer a transdimensionalidade do direito, especialmente para negar a possibilidade de adoção de crianças por casais homoafetivos. Isto porque, o direito de gerar e criar filhos deve ser preservado, por estar diretamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana35. Na mesma linha de pensamento, Dias sustenta que a paternidade é construída por meio do afeto e do comprometimento com o atendimento ao dever constitucional de guarda da criança, o que significa dizer que não importa se os pais são biológicos ou homoafetivos, posto que o que deve ser preconização é a satisfação das funções paternas e maternas36. Em verdade, os casais homoafetivos também possuem direito à paternidade, carecendo, inclusive, qualquer situação impeditiva no exercício deste direito, se presentes, por óbvio a vontade do agente em atender a proteção integral da criança e a adoção estar consoante ao melhor interesse da criança. Neste sentido, Dias se pociona: Cabe lembrar a sombria realidade brasileira, em que muitas crianças jamais tiveram qualquer convivência familiar, direito este previsto constitucionalmente. [...] Constituindo os parceiros – ainda que do mesmo sexo – uma família, é legitimo o interesse na adoção, não se podendo deixar ver a existência de reais vantagens a quem não tem nem mais e nem um lar.37 Os ensinamentos da autora supracitada são válidos na medida em que se compreenda que a criação de uma criança em um meio repleto de afeto, confiança e solidariedade, como é 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 33. Ed, com remissões a dispositivos do novo CPC: lei n. 13.105/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p.89. 34 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código civil comentado: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial: arts. 1591 a 1.693. Álvaro Villaça Azevedo (Coord.). São Paulo: Atlas, 2003a, v. XVI. p.43 35 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit, p. 89-90. 36 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pg.331. 37 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit., p.338-339. 15 o caso dos casais homoafetivos, por óbvio é melhor que impossibilitá-la de ter o contato com uma convivência familiar. Tão é verdade, que o Estatuto da criança e do Adolescente não apresenta qualquer restrição quanto ao sexo, estado civil ou orientação sexual do adotando, impondo apenas critérios isonômicos e que atendam a proteção integral e o melhor interesse da criança. Para Dias não há pesquisas científicas que confirmem – ou ao menos indiquem – que a orientação sexual dos genitores é capaz de influenciar na educação das crianças38, razão pela qual qualquer julgamento em relação à adoção de crianças por casais homoafetivos deverá partir da igualdade jurídica e dignidade humana39, posto que essa pretensão guia-se pela necessidade de irradiação plena dos direitos fundamentais. De igual maneira, o escólio de Gonçalves é no sentido de que o adotante apenas “[...] deve estar em condições morais e materiais de desempenhar a função, de elevada sensibilidade, de verdadeiro pai de uma criança carente, cujo destino e felicidade lhe são entregues” 40, ou seja, exige-se tão somente o comprometimento integral do adotante em preservar a integridade moral e o pleno desenvolvimento da criança, de modo que a adoção deve ser preconizada sob a ótica do melhor interesse e da proteção integral do adotado. Nessa linha de pensamento, é importante destacar o julgamento Apelação Civil n. 0013458-56.1998.8.19-0000, sob relatoria de Jorge Magalhães, membro da 9ª Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que reconheceu a possibilidade de adoção por homoafetivo, evidenciado qualquer situação impeditiva descrita no ordenamento jurídico quanto à opção sexual: ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL O ADOTANTE. DEFERIMENTO DO PEDIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos sente agora orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotado, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e 38 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p,107. 39 SANTIAGO, Rafael da Silva. Poliamor e direito das famílias: reconhecimento e consequências jurídicas. Editora Juruá, Curitiba, 2015. 40 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. 8ª ed, atual. São Paulo: Saraiva 2011, p.344. 16 cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido41. Conforme se infere, do julgamento acima transcrito, é possível verificar que o relator não só destacou a ausência de comando legal impeditivo no ordenamento jurídico para a adoção por pessoa homoafetiva, mas também, ao analisar seu quadro social, decidiu favoravelmente a ele por compreender que possui destaque no tocante à formação de jovens, coaduando com a ideia de Pereira de que “[...] o pai é muito mais importante como função social do que como genitor” 42. É justamente posicionamento como esse que deve ser sobrelevado em detrimento de construções sociais que deixam de reconhecer o avanço do direito e que, à contramão da democracia, desmerece o direito de minorias.Para Alves, se a afetividade é causa de constituição familiar, e ainda, corolário da preservação da dignidade da pessoa humana, não há motivos para que não se reconheça a possibilidade de adoção por casais homoafetivos43, principalmente se entender a família homoafetiva enquanto instrumento para atendimento dos princípios do melhor interesse e da proteção integral da criança44, uma vez que “[...] a matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si”45. Dessa maneira, a adoção não pode ser visualizada a partir da opção sexual dos adotantes, mas deve levar em consideração dois fatores essenciais, que são concomitantemente direcionados tanto aos adotantes quanto aos adotados. Aos primeiros, o direito à paternidade e à constituição plena de família, enquanto que aos segundos o direito à convivência familiar, ao desenvolvimento pleno, ao seu melhor interesse e à proteção integral. Todas essas categorias 41 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Civil n. 0013458-56.1998.8.19-0000. Rel. Des. Jorge Magalhães. 9ª Câmara Civil. Rio de Janeiro: Diário da Justiça, 1999. 42 PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.56. 43 ALVES, Jones Figueirêdo. Famílias mútuas, uma espécie extraordinária de multiparentalidade. Porto Alegre: Revista nacional de direito de família e sucessões, v. 1, n. 5, p. 65-75, 2015, s/p. 44 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.188. 45 O caso aqui destacado, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, encerrou-se de maneira positiva ao adotando, sendo reconhecido a ausência de qualquer prejuízo em sua pretensão: “[...] É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. [...] Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe .[...] Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida” - BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. (Recurso Especial n. 889.852/RS. Rel. Min. Luís Felipe Salomão. 4ª Turma. Brasília: Diário da Justiça, 2010). 17 de direitos voltam-se à principal perspectiva que deve ser compreendida o embate objeto da pesquisa, que é a preservação da dignidade humana sobre todos os seus vieses. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da presente pesquisa foi possível visualizar a existência de uma evolução histórica no sentido de compreender a instituição família como base elementar da sociedade brasileira, cuja formação deriva, tão somente, da existência de laços de afetividade. De igual maneira, auferiu-se que o poder-dever em relação aos filhos não cabe somente à figura paterna, mas à ambos os genitores ou, quando da ausência deles, de qualquer outra pessoa que garanta o desenvolvimento pleno e saudável da criança. Dessa perspectiva, denotou-se que a Constituição Federal impõe um dever afetivo aos genitores Isto se dá uma vez que a família passou a ser entendida como instituição social que congrega os partícipes por meio do afeto, resultando, portanto, em laços afetivos, na qual vincula os pais aos cuidados, à ajuda, ao auxílio, a estar perto a acompanhar a criança e com ela se relacionar. Quando não exercido esse direito de afeto ou por algum motivo impedido, o prejudicado maior é a criança. Neste sentido, compreendeu-se que o instituto da adoção no ordenamento jurídico serve justamente para dar tratamento a essa situação, quando ausente o dever de cuidado e de afeto por parte de pais. Tem-se, portanto, que o instituto da adoção está voltado, em verdade, à preservação do desenvolvimento da criança – muito embora reconheça-se a sua importância como meio pelo qual famílias possam ser constituídas, principalmente em relação a casais que não podem ter filhos –, de modo que o que deve ser observado enquanto pressuposto indispensável é o seu melhor interesse para que haja um desenvolvimento pleno e saudável. Sob essa perspectiva, foi possível a compreensão que inexiste no ordenamento jurídico qualquer impeditivo legal para a adoção por casais homoafetivo. Deveras, a adoção pode ser benéfica a criança, tal qual seria para qualquer outro casal, haja vista que o mais importante é a concepção do adotante no atendimento de uma função social, que consiste justamente na proteção integral e no auxílio ao desenvolvimento do menor. Esse é o entendimento que deve ser sobrelevado em detrimento de construções sociais que deixam de reconhecer o avanço do direito e que, à contramão da democracia, desmerece o direito de minorias. Desse modo, viu-se que a partir do conceito de afetividade e dos princípios protetivos à criança no ordenamento jurídico o pilar base para a sustentação da possibilidade de adoção 18 de crianças por casais homoafetivos, principalmente porque essa situação se trata de corolário da preservação da dignidade da pessoa humana, não subsistindo motivos plausíveis para que não se reconheça a possibilidade de adoção. Conclui-se, portanto, que a adoção deve ser compreendida como instituto indispensável à proteção e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, razão pela qual estando preservado seu melhor interesse, não haverá qualquer óbice a adoção, mormente se os adotantes trataram-se de homoafetivas. Em outras palavras, a opção sexual dos adotantes não pode ser utilizada enquanto limitadora de direitos, porquanto referida situação consistiria em vilipendia à dignidade da pessoa humana, ao melhor interesse da criança e ao direito à paternidade e à constituição familiar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada: um avanço para a família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. ALVES, Jones Figueirêdo. Famílias mútuas, uma espécie extraordinária de multiparentalidade. Porto Alegre: Revista nacional de direito de família e sucessões, v. 1, n. 5, p. 65-75, 2015. BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. 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