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S É R I E O F T A L M O L O G I A B R A S I L E I R A C O N S E L H O BRASILEIRO DE O F T A L M O L O G I A 3s Edição Coordenador M ILTO N RU IZ A LV ES G L A U C O M A PAULO AUGUSTO DE ARRUDA MELLO REMO SUSANNA JR. HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA SÉRIEOFTALMOLOGIA BRASILEIRA 3a Edição GLAUCOMA 2013-2014 CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA SERIEOFTALMOLOGIA BRASILEIRA 3a Edição GLAUCOMA 2013-2014 III SÉRIEOFTALMOLOGIA BRASILEIRA Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO GLAUCOMA EDITORES Paulo Augusto de Arruda MelloProfessor Associado do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Setor de GlaucomaPresidente da Sociedade Latino Americanade Glaucoma Remo Susanna Jr.Professor Titular de Oftalmologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, HC-FMUSPCoordenador da Disciplina de Oftalmologia no Curso de Graduação em Medicina da FMUSP, SP Membro do Conselho Internacional da Associação de Pesquisadores em Oftalmologia e Visão - ARVO Homero Gusmão de AlmeidaProfessor-Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, MGDoutor em Medicina, Oftalmologia pela Universidade de Minas Gerais, MGChefe dos Serviços de Glaucoma e de Catarata do Instituto de Olhos de BeloHorizonte, MG COORDENADOR Milton Ruiz Alves m GUANABARA KOOGAN Cultura Médica® Rio de Jane iro - RJ - B razil V CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G462 3. ed. Glaucoma / editores Paulo Augusto Arruda de Mello, Remo Susanna Jr., Homero Gusmão de Almeida. - 3. ed. - Rio de Janeiro : Cultura Médica : Guanabara Koogan, 2013. II. (Oftalmologia Brasileira) Inclui bibliografia e índice ISBN 978857006569-8 1. Glaucoma. I. Mello, Paulo Augusto de Arruda. II. Susanna Junior, Remo. III. Almeida, Homero Gusmão. IV. Alves, Milton Ruiz. V. Conselho Brasileiro de Oftalmologia. VI. Série. 13-02644 CDD: 617.741 CDU: 617.7-007.681 © Copyright 2013 Cultura Médica® Esta obra está protegida pela Lei nQ 9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sancionada e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.Em vigor a Lei n- 10.693, de 1- de julho de 2003, que altera os Artigos 184 e 186 do Código Penal e acrescenta Parágrafos ao Artigo 525 do Código de Processo Penal.Caso ocorram reproduções de textos, figuras, tabelas, quadros, esquemas e fontes de pesquisa, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es) ou colaborador(es). Qualquer informação, contatar a Cultura Médica® Impresso no Brasil Printed in BrazilResponsável pelo Lciyout/Formatação: Cultura Médica Responsável pela Impressão: Guanabara Koogan Cultura Médica®Rua Gonzaga Bastos, 163 20541-000 - Rio de Janeiro - RJ Tel.(55 21)2567-3888 Site: www.culturamedica.com.br e-mail: cultura@culturamedica.com.br VI Colaboradores Adriana Silva Borges-Giampani Alberto Diniz Filho André Batista Ferreira Augusto Paranhosjr.Bruno Pimentel de Figueiredo Carlos Akira Omi Carlos Rubens de Figueiredo Carmo Mandia Jr.Celso Antônio de Carvalho Christiane Rohm de Moura Ednajar Tavares Macedo Filho Edson Quedas Emílio Rintaro Suzuki Jr.Enyr Saran Arcieri Fábio Nishimura Kanadani Felício A. da Silva Geraldo Vicente de Almeida Ivan Maynart Tavares Jair Giampani Jr.João Agostini Netto João Antonio Prata Jr. João Batista Nigro Santiago MaltaJoel Edmur BoteonJosé Paulo Cabral VasconcellosJosé Ricardo RedherLuciana Afonso PiresLuciana BernardiLuciana Meirelles FranklinMarcelo HatanakaMarco Antonio Fares RamalhoMaria Cristina Nishiwaki-DantasMaurício Delia PaoleraMauro WaiswolNassim CalixtoNassim Calixto Jr.Natanael Cavalcanti Figueiroa FilhoNiro KasaharaPaula Boturão de AlmeidaPaulo Gelman VaidergornRalph CohenRegina Ceie SilveiraRenato Dias Cardoso Ricardo Nunes EliezerRicardo SuzukiRiuitiro YamaneRoberto Freire Santiago MaltaRoberto Murad VessaniRodrigo Antonio Brant FernandesRodrigo AvelinoRogério LacerdaRui Barroso SchimitiRuth R. Schor Sebastião CronembergerSérgio Henrique Sampaio MeirellesSérgio Henrique TeixeiraTiago dos Santos PrataWagner Duarte BatistaWilma Lelis BarbozaVera Christina Waller de LimaVinícius Paganini NascimentoVital Paulino Costa VIII Apresentação Quando do lançamento da Serie Oftalmologia Brasileira, o Professor Hamilton Moreira, entào presidente do CBO, inicia o seu prefácio da seguinte maneira: sào acima de 6000 páginas, escritas por mais de 400 professores. É a maior obra da maior instituição oftalmológica brasileira: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia.A concretização da Série Oftalmologia Brasileira representa a continuidade de um trabalho, um marco, a realização de um sonho.Com o pensamento voltado na defesa desse sonho que, tenho certeza, é compartilhado pela maioria dos oftalmologistas brasileiros, estamos dando início a uma revisão dos livros que compõem a série. Além das atualizações e correções, resolvemos repaginá-los, dando-lhes uma nova roupagem, melhorando sua edição, de maneira a tornar sua leitura a mais prazerosa possível.Defender, preservar e aperfeiçoar a cultura brasileira, aqui representada pelo que achamos de essencial na formação dos nossos Oftalmologistas, é responsabilidade e dever maior do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.O conhecimento é a base de nossa soberania, e cultuar e difundir o que temos de melhor é a nossa obrigação.O Conselho Brasileiro de Oftalmologia se sente orgulhoso por poder oferecer aos nossos residentes o que achamos essencial em sua formação.Sabemos que ainda existirão erros e correções serão sempre necessárias, mas também temos consciência de que todos os autores fizeram o melhor que puderam.Uma boa leitura a todos. Marco Antônio Rey de Faria Presidente do CBO IX I Agradecimentos O projeto de atualização e impressão desta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira”contou, novamente, com a parceria privilegiada estabelecida pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia com importantes empresas do segmento oftálmico estabelecidas no Brasil.Aos autores e colaboradores, responsáveis pela excelente qualidade desta obra, nossos mais profundos agradecimentos pela ampla revisão e atualização do conteúdo e, sobretudo, pelo resultado conseguido que a mantém em lugar de destaque entre as mais importantes publicações de Oftalmologia do mundo.Aos presidentes, diretores e demais funcionários da Alcon, Genom, Johnson & Johnson e Varilux nossos sinceros reconhecimentos pela forma preferencial com que investiram neste projeto, contribuindo de modo efetivo não só para a divulgação do conhecimento, mas, também, para a valorização da Oftalmologia e daqueles que a praticam.Aos jovens oftalmologistas, oferecemos esta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira” , importante fonte de transmissão de conhecimentos, esperando que possa contribuir tanto para a formação básica quanto para a educação continuada. Sintam orgulho desta obra, boa leitura! Milton Ruiz Alves Coordenador da Série Oftalm ologia Brasileira A lcori a Novartis company GENOM OFTALMOLOGIA uma Lente OssiLor CssiLor XI Sumário SEÇÃO I Princípios BásicosAnatomia do Globo O cular.............................................................................................................................. 3 Rui Barroso Schimiti • Vital Paulino CostaG en ética .................................................................................................................................................................. 11 José Paulo Cabral Vasconcellos • Vital Paulino CostaEpidemiologia do Glaucoma......................................................................................................................... 19 José Paulo Cabral Vasconcellos • Vital Paulino CostaPressão Intraocular............................................................................................................................................29 Enyr Soron Arcieri • Vital Paulino CostaAvaliação do Segmento Anterior.................................................................................................................39 Enyr Saran Arcieri • Vital Paulino CostaGonioscopia............................................................................................................................................................45 Rui Barroso Schimiti • Vital Paulino Costa rAvaliação Anatômica do Nervo Ó p tico ................................................................................................... 55 Luciana Bernardi • Rodrigo Avelino • Vital Paulino Costa 8 Avaliação Funcional do Glaucoma.............................................................................................................75 Luciana Bernardi • Vital Paulino Costa SEÇÃO II Glaucoma Primário de Ângulo AbertoGlaucoma Primário de Ângulo Aberto.....................................................................................................97 Carlos Rubens de Figueiredo • Wagner Duarte BatistaCOLABORADORES André Batista Ferreira • Bruno Pimentel de Figueiredo Emílio Rintaro Suzuki Jr. • Fábio Nishimura Kanadani João Agostini Netto • Luciana Meirelles Franklin SEÇÃO III Glaucoma Primário de Ângulo Fechado 10 Glaucoma Primário de Ângulo Fechado............................................................................................... 121 Riuitiro Yamane• Sérgio Henrique Sampaio Meirelles SEÇÃO IV Glaucomas Associados a Anomalias CongênitasGlaucomas Associados a Anomalias Congênitas..............................................................................135 Nassim Caiixto • Sebastião SEÇÃO V Glaucomas Secundários 12 Classificação....................................................................................................................................................... 165 Homero Gusmão de Almeida 13 Glaucoma e Hemorragias Intraoculares.............................................................................................. 171 Ralph Cohen • Geraldo Vicente de Almeida • Ricardo Nunes Eliezer 14 Traumatismo e Glaucom a............................................................................................................................181 Sebastião Cronemberger • Nassim Caiixto 15 Ectopia e Intumescência do Cristalino.................................................................................................195 Ralph Cohen • Geraldo Vicente de Almeida • Mauro Waiswol Maurício Delia Paolera XIV 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 Glaucoma Facolítico......................................................................................................................................207 Carmo Mandia Jr. • Geraldo Vicente de Almeida Paula Boturão de Almeida • Ralph CohenPseudoexfoliação Capsular........................................................................................................................215 Remo Susanna Jr. • Roberto Murad VessaniGlaucoma Secundário a Afecções da Episclera e Esclera............................................................227 Geraldo Vicente de Almeida • Ralph Cohen Maria Cristina Nishiwaki-DantasGlaucoma Secundário a U veites............................................................................................................. 235 Homero Gusmão de Almeida • Rogério Lacerda José Ricardo RedherGlaucoma Neovascular.................................................................................................................................257 Homero Gusmão de Almeida • Alberto Diniz FilhoGlaucoma Associado a Doenças da R etina........................................................................................ 281 Renato Dias Cardoso • Nassim Calixto Jr. • Nassim CalixtoGlaucoma Associado a Extração da Catarata..................................................................................... 291 Homero Gusmão de AlmeidaGlaucoma Associado à Ceratoplastia Penetrante...........................................................................307 Homero Gusmão de Almeida • Joel Edmur BoteonGlaucoma Maligno............................................................................................................................................321 Roberto Freire Santiago Malta • João Baptista Nigro Santiago Malta • Marco Antonio Fares RamalhoInvasão Epitelial e Proliferação Fibrosa................................................................................................ 329 Nassim Calixto • Sebastião CronembergerGlaucoma e Distrofias Endoteliais Corneanas...................................................................................335 Nassim Calixto • Sebastião CronembergerGlaucoma Cortisônico....................................................................................................................................345 Celso Antônio de CarvalhoGlaucoma e Hipertensão Venosa Episcleral........................................................................................ 351 Geraldo Vicente de Almeida • Ralph Cohen • Niro Kasahara XV 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 Glaucoma Pigm entário....................................................................................................................................365 Nassim Calixto • Sebastião CronembergerGlaucoma Associado a Cistos e Tumores Intraoculares.................................................................373 Felício A. da Silva • Homero Gusmão de Almeida SEÇÃO VI Tratamento Clínico Princípios Gerais..................................................................................................................................................399 Remo Susanna Jr. Fármacos/Farmacologia....................................................................................................................................405 Rodrigo Antonio Brant Fernandes • Sérgio Henrique Teixeira Carlos Akira OmiNeuroproteção......................................................................................................................................................413 Ja ir Giampani Jr. • Adriana Silva Borges-GiampaniQuando e Como Iniciar o Tratamento......................................................................................................419 Ruth R. Schor • João Antonio Prata Jr. Como Conduzir o Tratamento.......................................................................................................................425 Roberto Murad Vessani Fármacos em Fase de Pesquisa....................................................................................................................429 Tiago dos Santos Prata • Edson Quedas • Luciana Afonso Pires SEÇÃO VII Tratamento Cirúrgico Laser em Glaucom a............................................................................................................................................. 437 Christiane Rohm de Moura • Vera Christina Waller de Lima rCirurgia de Iris........................................................................................................................................................ 451 Paulo Gelman Vaidergorn • Natanael Cavalcanti Figueiroa Filho Trabeculectomia: Evolução da Técnica................................................................................................... 461 Paulo Augusto de Arruda Mello • Sérgio Henrique Teixeira XVI Implantes de Drenagem Marcelo Hatanaka 471 41 Cirurgia do Glaucoma Congênito........................................................................................................... 477 Regina Ceie Silveira • Augusto Paranhos Jr. 42 Procedimentos Ciclodestrutivos..............................................................................................................485 Wilma Lelis Barboza • Vinícius Paganini Nascimento 43 Glaucoma e Catarata Coexistentes........................................................................................................ 493 Ednajar Tavares Macedo Filho • Ivan Maynart Tavares 44 Outros Procedimentos Combinados......................................................................................................501 Ricardo Suzukiíndice Alfabético..............................................................................................................................................505 XVII o<U " Princípios Básicos Anatomia do Globo Ocular RUI BARROSO SCHIMITI • VITAL PAULINO COSTA Para possibilitar uma melhor descrição espacial e, consequentemente, proporcionar uma melhor localização das estruturas oculares na prática clínica e na cirúrgica, alguns autores consideram que o olho é formado por dois segmentos:1. O segmento anterior, que engloba todas as estruturas e regiões que estão situadas diante do cristalino (incluindo este).2. O segmento posterior, que engloba todas as estruturas e regiões que estão localizadas posteriormente ao cristalino. Por sua vez, o segmento anterior contém duas câmaras:a) Câmara anterior - espaço compreendido entre a face posterior da córnea e a face anterior da íris.b) Câmara posterior - espaço compreendido entre a face posterior da íris, a face anterior do cristalino e, lateralmente, o corpo ciliar. O globo ocular é preenchido por dois fluidos:1. O humor aquoso: fluido opticamente transparente presente no segmento anterior, é uma solução de água e eletrólitos similar aos outros fluidos tissulares, diferenciando-se destes pelo fato de que apresenta, em condições fisiológicas, pouca quantidade de proteínas.2. O humor vítreo: gel transparente, consiste em um emaranhado de fibras colágenas com seus espaços preenchidos por moléculas de ácido hialurônico e água. Ocupa a cavidade do segmento posterior denominada cavidade vítrea, delimitada pela superfície posterior do cristalino, pelo corpo ciliar e pela retina. A túnica mais externa do globo ocular é constituída pela córnea, esclera e, posteriormente, lâmina crivosa. A córnea é a sexta parte anterior da túnica fibrosa do olho. Os cinco sextos posteriores dessa túnica, contínuos à córnea, são formados pela esclera e somente 3 4 Glaucoma uma pequena área pela lâmina crivosa. A córnea é transparente, lisa e apresenta um formato aproximadamente esférico na sua superfície anterior, com um raio de curvatura menor que o da esclera. A área de junção da córnea com a esclera é denominada limbo esclerocorneano. Abaixo e internamente ao limbo situa-se o seio camerular, principal local de drenagem do humor aquoso.Na região do limbo, o epitélio da superfície externa da córnea torna-se contínuo com a conjuntiva, uma membrana mucosa fina e transparente que cobre a parte anterior da esclera. A conjuntiva e a esclera são separadas por um tecido conectivo frouxo denominado cápsula de Tenon.A esclera apresenta uma consistência rígida e sua cor é branco-opalescente. A falta de um arranjo regular das fibras colágenas e também a falta de mucopolissacarídeos na sua constituição a tornam uma estrutura opaca. Posteriormente, a esclera apresenta uma perfuração, o forame escleral posterior, onde se encontra a lâmina crivosa (uma lâmina fenestrada constituída de fibras colágenas densas). Por essa estrutura passa o nervo óptico, formado por feixes de axônios das células ganglionares da retina.A camada intermediária do olho é altamente vascularizada e denominada túnica média, túnica vascular, ou úvea. A parte anterior da úvea é formada pela íris e pelo corpo ciliar e sua parte posterior é formada pela coroide.A íris é a parte mais anterior da úvea. Ela é fina e delicada, circular e apresenta um orifício central denominado pupila. Funciona como um diafragma que controla a quantidade de luz que atinge a retina. A contração do músculo esfíncter da íris contrai a pupila. A dilatação da pupila ocorre pela contração do músculo dilatador da pupila.O corpo ciliar também é denominado úvea intermediária. Quando seccionado sagitalmen- te, apresenta uma forma triangular e está aderido anteriormente à íris e ao esporão escleral; posteriormente, ele é contínuo com a coroide. A parte anterior do corpo ciliar é a mais curta e se relaciona com o seio camerular dando origem à íris. O lado externo do triângulo (principalmente o músculo ciliar) se relaciona com a esclera. O lado interno é dividido em duas partes: a pars plicatci, apresentando aproximadamente 2 mm de extensão, é representada pelos processos ciliares; a pars plana, que constitui a porção plana posterior de cerca de 4,5 mm de extensão, contínua com a coroide e com a retina. Mais profundamente e abaixo da pars pli- cata, situa-se o músculo ciliar, constituído pelas fibras circulares (mais internas), pelas fibras longitudinais (mais externas e mais próximas à esclera) e pelas fibras radiais. A parte posterior da úvea é denominada coroide e consiste em uma estrutura extremamente vascularizada com função primordialmente nutridora.A túnica mais interna do olho é uma túnica neurossensorial. Posteriormente, esta túnica é representada pela retina. Anteriormente, ela se relaciona com a superfície interna do corpo ciliar e da íris na forma de um epitélio pigmentado de dupla camada. Estas camadas podem ser delineadas na retina que é composta de um epitélio pigmentado externo e de uma parte sensorial interna que contém os cones e bastonetes, as células bipolares e as células glanglio- nares.A retina é, sem dúvida, a principal estrutura anatômica do olho, uma vez que é responsável pela fotorrecepção. A retina apresenta 10 camadas bem definidas que, do sentido externo ao interno, estão dispostas na seguinte sequência: epitélio pigmentar (EP), camada de cones Anatomia do Globo Ocular 5 e bastonetes, membrana limitante externa, camada nuclear externa, camada plexiforme externa, camada nuclear interna, camada plexiforme interna, camada de células ganglionares, camada de fibras nervosas e membrana limitante interna.Juntamente com os demais meios dióptricos do olho, o cristalino desempenha a importante função de refratar os raios luminosos, permitindo que a imagem se forme na superfície retiniana. O cristalino é uma estrutura biconvexa de origem ectodérmica. Sua face anterior se relaciona com a pupila, com a face posterior da íris. Sua face posterior é mais convexa que a anterior e se relaciona com o corpo vítreo. As zônulas ciliares constituem um sistema de fibras estendidas. O conjunto de fibras radiadas da zônula tem a forma de um triângulo. Estas fibras originam-se no nível do corpo ciliar, dirigindo-se ao cristalino para, em seguida, inserirem-se em suas faces anterior e posterior. FISIOLOGIA DO HUMOR AQUOSOComo já pudemos ver, o globo ocular é constituído por um continente e por um conteúdo (Fig. 1). Parte do seu conteúdo é representada pelo humor aquoso, produzido continuada- Conjuntiva C rista lin o Câm ara anterior Córnea Canal de Schlemm Zônula Câm ara posteóor Corpo ciliar Músculo rdo lateral Cápsula do cnstafcno Corotde Musculo reta medrai Ora serrara Esclerôtica Veia vorfocosa Pupáa Retina Coroide EacwnMtMVRUO Epítélio pigmentar Mácula Artána ciliar posterior longa o nervo ciliar longo Arlehotas e vetas retinianas Lâmina cribrosa Aracnoido Papila optica Nervo óptico Artéria e veta centrais da retina Fig. 1 Ilustração esquemática das camadas externa (córnea e esclera), intermediária (coroide, corpo ciliar e íris) e interna (retina) e das estruturas do interior do globo ocular humano. In: Vaughan D & AsburyT. Oftalmologia Geral. I Glaucoma mente e constantemente renovado, que escoa do interior do globo ocular por meio de estruturas específicas. O humor aquoso apresenta características peculiares e é muito importante para a manutenção da homeostase das estruturas internas do olho, principalmente aquelas desprovidas de vasos sanguíneos. O conhecimento dos processos responsáveis pela formação do humor aquoso, da interação com as estruturas avasculares do olho, das suas funções metabólicas e das particularidades do seu escoamento é fundamental para que se entendam os mecanismos que, quando em desequilíbrio, podem ocasionar o glaucoma.O corpo ciliar pode ser dividido em uma porção pregueada denominada pcirs plicata e em outra porção posterior e plana, denominada pcirs plana. A pars plicata é a porção responsável pela formação do humor aquoso e o músculo ciliar é responsável por parte da regulação do seu escoamento bem como pelo processo de acomodação visual. Produção do humor aquosoO humor aquoso é uma solução opticamente transparente constituída de eletrólitos diluídos em água. Após ser formado pelos processos ciliares, ele passa através da pupila para a câmara anterior, sendo a maior parte escoada pela malha trabecular, passando para o canal de Schlemm, daí para as veias aquosas e então para as veias episclerais e conjuntivais.O humor aquoso é produzido em um ritmo contínuo de aproximadamente 2 microlitros por minuto, por cerca de 70 processos ciliares que estão dispostos circunferencialmente re posicionados posteriormente à íris. E formado a partir do plasma, na rede de capilares fenestrados, presentes no interior dos processos ciliares. Para que seja constituído, os elementos de sua composição necessitam atravessar o endotélio capilar, o estroma que envolve os capilares e os epitélios pigmentado e não pigmentado dos processos ciliares (Fig. 2). Assim, necessitam atravessar algumas barreiras físicas como a membrana citoplasmática e os complexos juncionais (desmossomos, zonula ocludens, tight junctions, etc.) presentes nas duas camadas epiteliais. Estas estruturas constituem a barreira hematoaquosa dos processos ciliares (Fig. 3).A formação do humor aquoso envolve diferentes processos biofísicos como a secreção, a difusão e a ultrafíltração. Entre esses processos, o que desempenha o papel mais importante para a formação do humor aquoso é o mecanismo de secreção ativa, que depende do acionamento da bomba de sódio e potássio (com gasto de ATP) e é capaz de promover um movimento de moléculas contra um gradiente de concentração. Este processo, ainda não completamente elucidado, proporciona a passagem de íons, principalmente de sódio, para a câmara posterior. A bomba de sódio e potássio é dependente da presença de bicarbonato (cuja formação depende, por sua vez, da enzima anidrase carbônica) e da ativação de receptores da adenilciclase que, em conjunto, exercem influência direta na velocidade e no volume de produção do humor aquoso (Fig. 4). Uma vez na câmara posterior, o sódio acarreta uma força osmótica que facilita a difusão de mais fluido em direção à câmara posterior. A ultrafíltração, que desempenha um papel menor na formação do humor aquoso, consiste em uma diálise (passagem seletiva de elementos por uma membrana semipermeável) sob força de uma pressão hidrostática. Estes diferentes mecanismos irão, conjuntamente, determinar o volume final do humor aquoso produzido pelos processos ciliares. Existe uma flutuação circadiana na pro- Anatomia do Globo Ocular 7 Fig. 2 Seção transversal de processo ciliar mostrando os capilares, o estroma e os epitélios pigmentado e não pigmentado com aumento de 350 vezes. In: Ritch R, Shields MB, Krupin T. The Glaucomas, 2nd edição, 1996. Câmara posterior Fig.3 Desenho esquemático das duas camadas do epitélio ciliar. Uma membrana basal constitui a membrana limitadora interna (MLI) na superfície interna. Nas células não pigmentadas do epi télio encontram-se mitocôndria (M), zônula occludens (ZO) e interdigitações laterais e de superfície (I) e junções lacunares (JG= gop junctions). O epitélio pigmentado apresenta grânulos de melanina (GM) e lateralmente, junções intercelulares tipo desmos- somos (D). In: Shields, Glaucoma 2â edição, Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989. MLI Célula epitelial pigmentada — BM Núcleos M (Superfícies apicais) Núdeos GM Célula epitelial pigmentada Fig. 4 Diagrama simplificado do mecanismo de ação da anidrase carbônica e dos íons envolvidos na secreção ativa do humor aquoso. (Extraído de Sherwood MB. New Topical Treatments for Glaucoma.) 8 Glaucoma dução do humor aquoso, com menor produção durante o período noturno, e também uma diminuição relativa à idade (2% por década). Escoamento do humor aquosoApós desempenhar suas funções de nutrição e de remoção de catabólitos das estruturas avas- culares do interior do globo ocular (como o cristalino e a córnea), a maior parte do humor aquoso escoa da câmara anterior do globo ocular para a circulação sanguínea através de estruturas formadas especificamente para esse propósito, situadas no seio camerular.Esta via de escoamento é denominada via trabecular ou convencional e é responsável pela drenagem de aproximadamente 80 a 95% do volume do humor aquoso, sob condições fisiológicas. O humor aquoso atravessa inicialmente a malha trabecular (Fig. 5) e após atravessar suas porções (uveal, corneoescleral e tecido justacanalicular), atinge um canal circular denominado canal de Schlemm (Fig. 6); a partir desse canal, dirige-se ao plexo venoso escleral profundo, ao plexo venoso intraescleral e, posteriormente, ao plexo venoso episcleral, passando daí para a circulação venosa geral.A teoria proposta por Thripathi (1971) explica a passagem final do humor aquoso para o canal de Schlemm. Devido à pressão hidrostática na face endotelial do canal de Schlemm voltada para o trabeculado, inicia-se uma invaginação progressiva da parede celular (semelhante a um processo de pinocitose) que culmina com a formação de um canal transcelular transitório (plasmalema transitório basal e apical de curta existência). Durante esse breve momento, ocorre a passagem de um volume substancial de humor aquoso para o interior do canal de Sch- Córnea Canal de Schlemm ^ Malha trabecular Cristalino Fig. 5 Via trabecular ou convencional de escoamento do humor aquoso (Fonte Alcon). Malha trabecular JustacanalicularComoescteral Canal de Schlemm Canal de saída I Fig. 6 Desenho esquemático de corte das camadas da malha trabecular: porções uveal, corneoescleral e tecido justacanalicular (parede interna do canal de Schlemm). In: Shields. Glaucoma 2- edição, Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989. Anatomia do Globo Ocular 9 lemm. Imediatamente após esse momento, começa o fechamento da porção basal deste canal transcelular temporário, iniciando-se uma nova invaginação e a formação de um novo canal.Ao deixar o interior do olho pela via trabecular, o humor aquoso pode encontrar as seguintes regiões de resistência: 1) a parede interna do canal de Schlemm, ou seja, no tecido justacanalicular (normalmente, este é o local de maior resistência à drenagem) e; 2) as traves intermediárias do trabeculado, onde pode ocorrer acúmulo de glicosaminoglicanos (principalmente ácido hialurônico, sulfato de condroitina e sulfato de dermatana). O próprio canal de Schlemm também pode se tornar local de resistência à drenagem quando está colapsado por causas degenerativas.Um fator importante que exerce influência na drenagem do humor aquoso pela via trabecular é o nível da pressão venosa episcleral, que apresenta um valor normal médio de aproximadamente 10 mmHg. Devido ao fato de o canal de Schlemm estar em comunicação direta com o sistema venoso, quando há elevação da pressão venosa episcleral pode ocorrer estagnação ou até mesmo refluxo de humor aquoso ou de sangue.A pilocarpina (fármaco de ação parassimpatomimética) promove contração do músculo ciliar. Por sua vez, tendões do músculo ciliar que se inserem nas diferentes porções da malha trabecular e no esporão escleral promovem uma modificação da arquitetura do trabeculado, aumentando os seus espaços e diminuindo a resistência ao escoamento do humor aquoso pela via trabecular.A segunda via de escoamento é denominada via uveoescleral ou não convencional e é responsável pelo escoamento de 5 a 20% do humor aquoso, quando em situações fisiológicas (Fig. 7). Por essa via, o escoamento do humor aquoso ocorre através da raiz da íris, atingindo os espaços intermusculares no corpo ciliar até alcançar o espaço supraciliar (contíguo ao espaço supracoroidal). Daí, o humor aquoso passa pelos canais emissários de vasos sanguíneos e de filetes nervosos que atravessam a esclera e chega à região episcleral, onde será absorvido por vasos sanguíneos. O escoamento do humor aquoso pela via uveoescleral é caracterizado pela ausência de barreira epitelial entre a câmara anterior e o espaço supraciliar. Apresenta um fluxo constante e, ao contrário daquele que ocorre por meio da via trabecular, não é influenciado pelos níveis da pressão intraocular ou da pressão venosa episcleral. Fármacos como a atropina, os análogos de prostaglandinas e os alfa-agonistas (como a epinefrina) aumentam o escoamento pela via uveoescleral, enquanto os fármacos com ação parassimpatomimética (como a pilocarpina e o carbacol) diminuem a drenagem por essa via. Fig. 7 Via uveoescleral ou não convencional do escoamento do humor aquoso (Fonte Alcon). 1 0 I Glaucoma Características e funções do humor aquosoO humor aquoso é uma solução opticamente transparente constituída de eletrólitos diluídos em água, que representa 99,69% de sua constituição. Seu volume normal é de 0,25 a 0,3 ml, apresenta uma viscosidade de 1,025 a 1,04 (maior do que a água) e um índice de refraçào de 1,336.O humor aquoso apresenta importantes funções no globo ocular. Uma delas é a funçào trófica, pois cabe a ela o fornecimento de substratos e a remoção de metabólitos do cristalino, da malha trabecular e da córnea, estruturas avasculares. A funçào de sustentação representa a capacidade de separar as frágeis e dinâmicas estruturas da parte anterior do olho, impedindo que estas sofram aderências entre si. A sua funçào óptica deve ser sempre ressaltada, pois no sentido anteroposterior, representa o segundo meio dióptrico do olho. O humor aquoso também exerce funçào protetora, ao absorver o estresse mecânico e a energia térmica liberada pelos raios luminosos que o atravessam. Finalmente, devemos sempre ter em mente que o nível da pressào intraocular depende continuamente do balanço entre a produção e o escoamento do humor aquoso. Pressões intraoculares elevadas podem decorrer do aumento de produção ou da redução do escoamento do humor aquoso, enquanto pressões intraoculares baixas são provenientes da redução da produção ou do aumento do escoamento do humor aquoso. B IB LIO G R A FIA Almeida AA. Compêndio de Oftalmologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1974. Asamoto A, Yablonski ME. Physiology and Measurement of Episcleral Venous Pressure. /n.The Glaucomas. Ritch R, Shields MB. Krupin T, 2nd ed. St. Louis: Mosby, 1996; p. 352. Bill A, Phillips C. Uveoescleral drainage of aqueous humour in human eyes. Exp Eye Res, 1971; 12:275. Dantas AM. Anatomia Funcional do Olho e seus Anexos. Rio de Janeiro: Colina, 1983. 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Dedica-se à investigação de doenças que acometem pacientes e seus familiares, seu diagnóstico, prevenção e tratamentoA evolução da genética médica permitiu determinar que as doenças podem apresentar um padrão monogênico de hereditariedade, que incluem os tipos autossômico dominante (AD), autossômico recessivo (AR), ligado ao sexo (ligado ao X) e mitocondrial; ou apresentar um padrão complexo de hereditariedade, que envolve mais de um gene e possíveis fatores ambientais na determinação etiológica da doença (herança poligênica multifatorial). No padrão AD de herança, a presença de um alelo alterado (uma das versões alternativas de um gene que pode ocupar um determinado locus) é suficiente para a manifestação do fenótipo, ao passo que no padrão AR, existe a necessidade dos dois alelos estarem modificados para o desenvolvimento da moléstia. Na herança mitocondrial, a transmissão genética dá-se por meio do DNA mitocondrial, presente somente nas células germinativas femininas, de modo que nenhum homem afetado transmite a doença.A determinação exata do padrão de herança é dificultada pela variabilidade da penetrân- cia e expressividade da doença. Penetrância é um conceito que se refere à expressão de um genótipo mutante, normalmente aplicado aos caracteres dominantes em heterozigose. A penetrância de um alelo mutante pode variar de acordo com a porcentagem de indivíduos portadores deste que manifestem seu fenótipo correspondente. Por exemplo, se uma condição se expressar em 100% dos indivíduos que possuam o alelo responsável, este alelo apresentaria uma penetrância de 100%, ao passo que, se esta mesma condição estiver presente em 70% das 11 12 Glaucoma pessoas portadoras do alelo mutante, isso corresponderia a uma penetrância de 70% para este alelo. Expressividade corresponde à gravidade de uma doença associada a uma alteração genética. Se uma condição apresentar expressividade variável, o fenótipo (manifestação clínica) determinado por esta alteração genética variará em grau de intensidade (leve a intenso), mas sempre presente entre os indivíduos que possuírem o genótipo correspondente.Recentemente, com o desenvolvimento da biologia molecular, vários pesquisadores têm procurado identificar genes associados aos mais diversos tipos de doenças humanas. Assim, um grande número de afecções oculares já tem seu locus (posição no cromossomo) e gene determinados por meio do mapeamento genético e das análises de ligação e associação.A informação genética está contida em 23 pares de cromossomos localizados no núcleo de cada célula humana, 22 dos quais chamados de autossomos e dois cromossomos sexuais (X e Y). Os indivíduos recebem um cromossomo de cada par herdado dos pais. Cada cromossomo é composto por uma fita dupla de ácido desoxirribonucleico (DNA). O DNA é uma molécula de ácido nucleico polimérica composta por um açúcar de cinco carbonos a desoxirribose, um grupo fosfato e uma das quatro bases aminadas: duas purínicas, a guanina (G) e adenina (A); e duas bases pirimidínicas a timina (T) e citosina (C). Ao conjunto de uma base, um fosfato e uma molécula de açúcar dá-se o nome de nucleotídeo. Os nucleotídeos, por meio de ligações fosfodiéster 5’-3’entre as unidades de desoxirribose adjacentes, polimerizam-se formando as cadeias de polinucleotídeos que é a fita de DNA propriamente dita. As fitas de DNA são complementares e têm direção oposta, mantidas unidas por meio de ligações de hidrogênio entre os pares de base: A com T e C com G assumindo a forma de uma dupla hélice. A molécula de DNA tem a capacidade de replicar-se a partir da separação de seus dois filamentos que servem como molde para a síntese de dois novos filamentos complementares transmitindo as informações contidas em seu código genético para gerações futuras.A informação genética armazenada no DNA não tem apenas propósito de replicação, mas atambém oferecer, entre outras, condições para a síntese de proteínas. A informação contida no DNA que leva à formação de uma proteína damos o nome de gene (sequência de bases específica que codifica uma proteína particular) As proteínas são construídas a partir de uma sequência de moléculas denominadas aminoácidos (aa) e têm uma função estrutural ou bioquímica a desempenhar no organismo. O processo de síntese proteica a partir do DNA é chamado de dogma central da biologia molecular. Para que tal processo ocorra é necessário, primeiramente, que a informação contida na sequência de nucleotídeos de um gene seja enviada ao citoplasma em um processo chamado transcrição para orientar a formação de uma proteína.Vários mecanismos podem ocasionar alterações na sequência normal do DNA. Quando isso ocorre e leva a uma alteração de função da proteína damos o nome de mutação. Uma mutação pode ser transmitida através de gerações, bastando que esta ocorra na linhagem de células germinativas do indivíduo. As mutações representam a base das doenças genéticas. Outras variações da sequência do DNA que podem aumentar a suscetibilidade para o desenvolvimento de doenças são chamadas de polimorfismos e, finalmente, algumas regiões de variação do DNA dispostas em padrões de repetição ou com variação de um único par de base Genética 13 são utilizados como marcadores para o mapeamento de genes causadores ou de suscetibilidade para as doenças. GENÉTICA E GLAUCOMA HerdabilidadeA história familiar é um dos fatores de risco para o desenvolvimento do glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), segundo diferentes abordagens, incluindo a avaliação de parentes de pacientes com GPAA, estudos do tipo caso-controle, estudos observacionais de prevalência e estudos de avaliação de gêmeos.O principal padrão de herança no GPAA é o poligênico multifatorial (padrão complexo de herança), apesar de já terem sido descritas várias famílias com GPAA apresentando padrão mendeliano de herança. Além disso, características oculares relacionadas com o glaucoma como valor da pressão intraocular (PIO), aspecto anatômico do disco óptico e espessura cor- neana, apresentam na sua determinação (expressão fenotípica) importante contribuição genética. Esta contribuição varia de cerca de 30% para a PIO, até 95% para a espessura corneana, situando-se ao redor de 50% para características anatômicas do disco óptico. Classificação genética dos glaucomasA classificação proposta pela Organização Mundial do Genoma Humano designa para os genes associados ao glaucoma a sigla “GLC” . Os números “ 1” , “2” e “3” a seguir representam ângulo aberto, ângulo fechado e glaucoma congênito, respectivamente. Finalmente, as letras “A”, “B” , “C” e assim por diante, indicam o primeiro e os subsequentes loci identificados para determinado tipo de glaucoma. Assim, o primeiro locus identificado em associação ao GPAA recebeu o nome GLC1A, enquanto o primeiro locus relacionado para o glaucoma congênito foi denominado GLC3A. Regiões do genoma (Loci) associadas ao glaucoma primário de ângulo abertoAté o momento, pelo menos 13 loci foram identificados, por meio de estudos de ligação e associação, relacionados com o GPAA [Tabela I]. O primeiro locus associado ao GPAA foi descrito por Sheffield et ai em 1993, que estudaram uma família de cinco gerações que apresentava GPAA do tipo juvenil (GPAA-J) (um tipo de GPAA que manifesta-se abaixo dos 40 anos de idade e cursa com PIO elevadas). O locus identificado está localizado no braço longo do cromossomo 1 (Iq21-q23), posteriormente denominado GLCIA. O gene correspondente a este locus foi localizado por Stone etal. em 1997, denominado TIGR/MYOC. Posteriormente, dois outros genes foram identificados, o gene OPTN no locus GLCIE em 2002 e o gene WDR36 localizado no locus GLC1G em 2005. 14 Glaucoma TABELA 1 Loci genéticos descritos para o glaucoma primário de ângulo aberto Localização no Nome do locus Gene identificado Autor cromossomo 1q21-q31 GLC1A MYOC Stone et at, 1997 2p4 — — Wiggs JL et ai, 2000 2p16.3-p15 GLC1H — www.gene.ucl.ac.uk/nomenclature 2cen-q13 GLC1B — Stoilova D et ai, 1996 2q33-q34 — — Nemesure B etol., 2003 3p21-p22 GLC1L — Baird PN eta i, 2005 3q21-q24 GLC1C — Wirtz MK et al., 1997 5q21.3-q22.1 GLC1G WDR36 Monemi S eta i, 2005 5q22.1-q32 GLC1M — Pang CP eta i, 2006 7q35-q36 GLC1F — Wirtz MK eta i, 1999 8q23 GLC1D — Trifan OC eta i, 1998 9q22 GLC1J — Wiggs JL et ai, 2004 10pl2-pl 3 — — Nemesure B eta i, 2003 10pl4-pl 5 GLC1E OPTN Rezaie et ai, 2002 14q 11 — — Wiggs JL et ai, 2000 14q21-q22 — — Wiggs JL et ai, 2000 15q 11 -q 13 GLC1I — Allingham RR eta i, 2005 17p13 Wiggs JL et ai, 2000 19q12-q14 Wiggs JL et ai, 2000 20p12 GLC1K Wiggs JL et ai, 2004 Fonte: Adaptado de Bao Jian Fan et a l., 2006. Gene TIGR/MYOCApós a identificação do gene TIGR/MYOC realizada por Stone et ai, diversos estudos subsequentes, avaliando mutações neste gene em populações das mais diversas origens étnicas, obtiveram frequências de alterações estruturais de 2 a 5%. O rastreamento de mutações no gene TIGR/MYOC também foi realizado na população brasileira de pacientes com GPAA, com idade inferior a 35 anos (GPAA-J), e entre os pacientes com GPAA, com idade superior a 40 anos, (parte do éxon 3 do gene TIGR/MYOC, hot spot para mutações), obtendo-se uma frequência de mutações de 35,71% e 3,85%, respectivamente.Portanto, apesar de mutações no gene TIGR/MYOC em casos esporádicos de GPAA ocorrerem com uma frequência baixa, estas alterações estão presentes em todas as populações estudadas, reforçando o papel deste no desenvolvimento do GPAA. Entretanto, algumas mutações no gene TIGR/MYOC estão restritas a determinadas populações, como, por exemplo, a identificação de uma mutação própria da população brasileira: a troca do aminoácido cisteína para arginina no códon 433 (Cys433Arg), presente em 28% dos pacientes com GPAA-J (8/28 indivíduos estudados) e em famílias com GPAA independente da idade.O mecanismo pelos quais alterações no gene TIGR/MYOC levam ao desenvolvimento do glaucoma está em estudo. Acredita-se que mutações no gene TIGR/MYOC (do tipo ganho de função) acarretem alterações na estrutura quaternária e/ou na capacidade de polimerização da Genética I proteína codificada, impedindo sua secreção para o meio extracelular da malha trabecular. Tais aspectos desencadeariam um processo de estresse oxidativo no retículo endoplasmático rugo- so que levaria à morte das células trabeculares e, consequentemente, a uma menor capacidade funcional da malha trabecular para o escoamento do humor aquoso. Gene OPTNSarfarazi et ai em 1998 avaliaram três gerações de uma família com GPAA identificando a região no braço curto do cromossomo 10 (10pl5-pl4). As características clínicas dos indivíduos incluíam aparecimento do glaucoma por volta dos 44 anos de idade (variando entre 23 e 65 anos de idade) e PIO inferiores a 30 mmHg. Este foi o quinto locus identificado para o GPAA, denominado GLCÍE. Posteriormente, Rezaie et ai (2002) identificaram o gene Optineurin (OPTN) associado ao GPAA neste locus. Alterações na sequência codificadora deste gene foram observadas em 16,7% entre os GPAA com história familiar positiva e PIO, na sua maioria, dentro dos níveis estatisticamente normais. A proteína codificada pelo gene OPTN parece interagir com outras proteínas durante o processo de apoptose das células ganglionares da retina, particularmente com o fator de necrose tumoral alfa (TNFa). Gene WDR36O locus GLCIG descrito para o GPAA foi obtido por meio da avaliação de 92 indivíduos de uma família proveniente do estado de Oregon (EUA) localizado no cromossomo 5. Recentemente, Monemi et ai em 2005 identificaram o gene WDR36, e relataram a presença da mutação D658G segregando com o GPAA em uma família ligada ao locus GLCIG e ausente em 476 cromossomos de indivíduos normais avaliados. Os autores observaram 4 diferentes tipos de mutações em 17 indivíduos não relacionados com GPAA (5,02%), sendo 11 com PIO elevada e 6 com glaucoma de pressão normal (GPN). O gene WDR36 parece atuar na ativação dos linfó- citos T e seu papel no mecanismo de desenvolvimento do glaucoma não está determinado. Genes de suscetibilidade para o GPAAComo descrito anteriormente, o componente genético predominante no GPAA é o poligênico multifatorial (padrão complexo de herança). O estudo de polimorfismos em doenças complexas incluindo Alzheimer, diabetes melito, degeneração macular relacionada à idade e esquizofrenia tem permitido a identificação de alelos de suscetibilidade associados a estas doenças. Estudos do tipo caso-controle em pacientes com GPAA e GPN também têm sido realizados, identificando-se polimorfismos associados ao glaucoma em vários genes relacionados aos processos neurodegenerativos, à homeostase do humor aquoso, às disfunções vasculares e à resposta imunológica: genesp53,p2í ,IL-1[3, TNFa, IGF-ll, OPAl, APOF, N0S3,AGTR2, B2AR, TAPl-1 e TAPl-2. Glaucoma congênito primário (GCP)O GCP, que acomete ambos os olhos em 75% dos casos, apresenta forte componente hereditário, obedecendo, preferencialmente, ao padrão de herança autossômico recessivo, apoiado na 16 I Glaucoma existência de alta concordância entre os gêmeos monozigóticos e ausência de concordância entre os gêmeos dizigóticos, não afastando, contudo, o padrão poligênico de herança. Em 1995, Sarfarazi et ai avaliaram 17 famílias provenientes da Turquia que apresentavam de 2 a 9 membros afetados com GCP bilateral e identificaram o gene CYPÍBÍ associado ao GCP (locus GLC3A). A frequência de alterações estruturais no gene CYPÍBÍ entre pacientes com GCP variou segundo a população estudada de mais de 85% entre os turcos, árabes e eslovacos a 50% na população mexicana, 40% nas populações indiana e italiana e 20% na população japonesa. Na população brasileira, a frequência de mutações observadas foi de 50% (52 indivíduos, 26 com mutações), sendo quatro próprias de nossa população. O gene CYPÍBÍ, é composto por três éxons totalizando 1.629 pares de bases (pb), codifica a proteína P4501B1, pertencente à família do citocromo P450 e envolvida no metabolismo do oxigênio, ácido aracdônico e na gênese de esteroides. O papel da proteína P4501B1 na etiologia do GCP não está totalmente esclarecido. Glaucomas associados à malformação do segmento anterior (glaucomas de desenvolvimento)Os glaucomas de desenvolvimento ocorrem devido à malformação dos tecidos mesenquimais (estróina iriano, ângulo iridocorneano, endotélio e estroma da córnea), associados ou não a alterações de tecidos ectodémicos (cristalino) (Dias, 1998). Tais alterações incluem aniridia, malformações de Axenfeld-Rieger, iridogoniodisgenesias. Alguns genes já foram associados a estas disgenesias do segmento anterior, sendo que a maior parte deles atua como fatores de transcrição, ou seja, regula o processo de transcrição de outros genes. Os principais genes são o FOXCÍ, encontrando-se mutações principalmente nas anomalias e/ou síndrome de Axenfeld- Rieger, PITX2 principalmente na síndrome de Axenfeld-Rieger e iridogoniodisgenesia e o gene PAX6 onde alterações estruturais estão relacionas com os quadros de aniridia.Dois trabalhos avaliaram mutações nos genes PITX2 e FOXCÍ em famílias brasileiras com síndrome de Axenfeld-Rieger. O primeiro (Borges et ai 2002) estudou cinco famílias com síndrome de Axenfeld-Rieger apresentando manifestações sistêmicas, identificando mutações no gene PITX2 em duas destas. O segundo (Cella et ai 2006), avaliou oito famílias, incluindo indivíduos com manifestações restritas ao globo ocular e identificou alterações estruturais no gene FOXCÍ em três famílias, sendo duas consideradas como mutações associadas à doença. Outras formas de glaucomaAndersen et ai em 1997 estudaram quatro famílias de origem iraniana com síndrome de dispersão pigmentar (total de 28 indivíduos afetados) e demonstraram que o gene responsável está localizado no locus 7q35-q36, em uma região de 10 cM. Um segundo locus foi subsequentemente identificado no cromossomo 18(18q 11 -q21).Dois loci associados à síndrome de pseudoexfoliação e ao glaucoma pseudoexfoliativo foram descritos, avaliando-se famílias de origens britânica e canadense: o primeiro deles, no braço curto do cromossomo 2 (2p 16) com padrão de herança AD e o outro sugerindo padrão de herança mitocondrial. No entanto, os genes associados a estas condições não foram identificados. Genética I 17 O antecedente familiar positivo inclui-se como um dos fatores de risco para desenvolvimento de glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF). Apesar dos padrões AD e AR já terem sido descritos para o GPAF, admite-se o padrào poligênico multifatorial como o mais aceito para este tipo de glaucoma. No entanto, até o momento, nenhum gene foi identificado para o GPAF. PER SPEC TIV A SO desenvolvimento das diversas áreas básicas do conhecimento humano, incluindo a biologia celular e a genética, permitirá no futuro caracterizar melhor os diferentes tipos de glaucoma ao qual, atualmente, denominamos como primário de ângulo aberto. Assim, dividi-los em diferentes grupos baseado em suas diferentes fisiopatologias permitirá um seguimento clínico mais racional e eficiente. Além disso, o conhecimento dos mecanismos que levam ao dano glaucomatoso nas diferentes estruturas oculares permitirá novas abordagens no tratamento do glaucoma, tais como neuroproteçào, modulação da cicatrizaçào da cirurgia antiglaucoma- tosa, outras formas de redução da PIO entre outras, reduzindo o risco de perda da função visual causada por esta doença. 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Epidemiologia do Glaucoma JOSÉ PAULO CABRAL VASCONCELLOS • VITAL PAULINO COSTA INTRODUÇÃO À EPIDEMIOLOGIAA definição e a classificação apropriadas de uma determinada doença são fundamentais para descrevê-la do ponto de vista epidemiológico, que tem o intuito de auxiliar a compreensão e o controle da mesma por meio da avaliação de sua prevalência, incidência e dos seus fatores de risco.O glaucoma pode ser definido como uma doença neurodegenerativa de etiologia multifa- torial compreendendo inúmeras afecções oculares que têm como características em comum a lesão progressiva do nervo óptico (afilamento progressivo da rima nervosa e aumento da relação escavação/disco) com perda de campo visual correspondente. O sítio primário da lesão glaucomatosa são as células ganglionares da retina (CGR), particularmente seus axônios (fibras nervosas). A elevação da pressão intraocular (PIO) é um fator de risco primário. No glaucoma ocorre uma aceleração do processo de apoptose das CGR comparada à perda natural decorrente do envelhecimento. A necessidade de dividi-lo em subgrupos que compartilhem mecanismos fisiopatológicos e epidemiológicos é dificultada, muitas vezes, pelos critérios de classificação provenientes de sua propedêutica, como a tonometria, a gonioscopia, a fundos- copia e a perimetria. CLASSIFICAÇÃO DOS GLAUCOMASO glaucoma pode ser classificado de acordo com a etiologia (primário ou secundário), o aspecto anatômico do seio camerular (aberto ou fechado) ou a evolução clínica (agudo ou crônico). Quando os mecanismos fisiopatológicos que levam ao desenvolvimento do glaucoma são conhecidos e envolvem condições oculares e/ou sistêmicas que resultam em elevação da PIO e lesão glaucomatosa do disco óptico, o glaucoma é denominado secundário. O termo primário 19 20 Glaucoma se restringe aos glaucomas cujo mecanismo responsável pelo desenvolvimento da lesão glau- comatosa do disco óptico e, na maioria das vezes, do aumento da PIO não está estabelecido. O seio camerular compreende uma série de estruturas que inclui desde a íris periférica até a linha de Schwalbe. A observação destas estruturas e suas correlações topográficas por meio da gonioscopia permitem classificar o seio camerular ou ângulo em aberto e fechado. Os glaucomas, portanto, podem também ser denominados segundo esse aspecto anatômico do seio camerular em: 1) de ângulo aberto ou 2) de ângulo fechado. Para se diferenciar os glaucomas de ângulo aberto e fechado, é fundamental que o oftalmologista domine completamente a gonioscopia, que permite o reconhecimento das estruturas do seio camerular.Foster et al. em 2002 sugeriram uma classificação para o glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) baseada no aumento da escavação vertical do disco óptico e em defeitos característicos do campo visual. Os critérios diagnósticos foram divididos em três categorias:1. Evidências de danos estrutural e funcional. O dano estrutural definido como olhos apresentando relação escavação/disco ou assimetria de escavação maior ou igual a 97,5% do per- centil normal da população em que se inclua o paciente ou uma redução da rima neural do disco óptico menor ou igual a 0,1 da relação escavação/disco nos polos superior e inferior (entre 11 e 1 hora e entre 5 e 7 horas do relógio) associado à presença de defeito de campo visual compatível com glaucoma. 2. Evidência de dano estrutural avançado sem anormalidade do campo visual comprovada. Nessa situação, a relação escavação/disco e assimetria deve ser maior do que 99,5% da distribuição normal, ou seja, o glaucoma é diagnosticado baseado somente nas alterações estruturais. Considerando-se as categorias 1 e 2 não devem existir outros achados no exame oftalmológico para o aumento ou assimetria da relação escavação/disco, como displasia do disco óptico, anisometropias ou alterações do campo visual secundárias a alterações reti- nianas e neurológicas. 3. Impossibilidade de avaliação do disco óptico ou do campo visual na presença de baixa visão com aumento da PIO acima do percentil 99,5% da população normal ou evidência de procedimento cirúrgico antiglaucomatoso ou registros médicos confirmando o diagnóstico de glaucoma. Vale realçar que esta proposta de classificação é dirigida para estudos epidemiológicos. Na prática clínica, outros sinais de lesão do disco óptico, assim como o acompanhamento do paciente monitorando mudanças da camada de fibras nervosas da retina e aspectos morfológicos do disco óptico, são fundamentais para o diagnóstico do glaucoma mesmo na vigência de exames funcionais dentro da normalidade. Finalizando, na classificação do GPAA pode também ser considerado o valor da PIO. O glaucoma de pressão normal incluiria indivíduos com lesões estruturais e funcionais glaucomatosas e valores de PIO consistentemente abaixo de 21 mmHg.Os mesmos autores citados anteriormente propuseram uma nova definição para o glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF) na tentativa de tornar sua classificação mais homogênea, menos subjetiva e com características semelhantes à classificação utilizada para o glaucoma GPAA. Epidemiologia doGlaucoma | 21 Nesta classificação, o ângulo seria considerado estreito (oclusível) quando ao exame go- nioscópico sem identação, não fosse possível a observação do trabeculado posterior em 270° de extensão do seio camerular. Quando indivíduos apresentassem esta condição sem outras alterações secundárias do seio camerular (avaliadas à gonioscopia de identação), pressão in- traocular (PIO) dentro do percentil de 97,5% da população e ausência de lesões glaucomatosas do disco óptico seriam classificados como portadores de ângulo fechado primário suspeito. Os indivíduos que além do ângulo estreito, apresentassem uma ou mais características clínicas descritas a seguir seriam classificados como portadores de ângulo fechado primário. Esses sinais são: 1) presença ao exame gonioscópico de fechamento angular definitivo caracterizado por sinequias anteriores periféricas, ou intermitentes como o aumento localizado da pigmentação (im print) do trabeculado; 2) aumento da PIO acima do percentil de 97,5% da população estudada; 3) história clínica compatível com elevação abrupta da PIO (glaucoma agudo) associada ou não a sinais de isquemia secundária do segmento anterior como atrofia setorial da íris, glaucom fleken entre outras. E, finalmente, os indivíduos que associado ao ângulo fechado primário desenvolvessem lesão glaucomatosa do disco óptico e/ou correspondente perda de campo visual seriam então classificados como portadores de g laucom a prim ário de ângulo f e chado (GPAF).O GPAF pode ainda ser classificado segundo o seu mecanismo fisiopatológico em glaucoma por bloqueio pupilar, por íris em plateau e por creeping angle closure. Finalmente, aspectos clínicos do GPAF permitem uma classificação em agudo, subagudo ou intermitente e crônico.Finalizando, existem ainda os indivíduos suspeitos de glaucoma. Esta hipótese diagnóstica é formulada na presença de uma das características a seguir: discos ópticos com sinais não definitivos de lesão glaucomatosa (discos suspeitos), presença de alterações de campo visual do tipo glaucomatoso sem anormalidades correspondentes do disco e/ou camada de fibras nervosas da retina (campo visual suspeito), PIO acima do percentil 97,5% da população estudada e indivíduos com ângulos oclusíveis com aspecto normal do disco óptico, campo visual e PIO dentro da distribuição normal, além da ausência de sinequias periféricas anteriores no seio camerular. PREV A LÊN CIA E IN CID ÊN CIASegundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde, o glaucoma é a segunda causa de cegueira no mundo (12,3%), superado apenas pela catarata (47,8%). Apesar das causas de cegueira no mundo variarem de acordo com as condições socioeconômicas e geográficas de cada população, o glaucoma mantém-se como uma das principais causas, independentemente da população avaliada. Uma estimativa prevê a ocorrência de 60,5 milhões de pessoas com glaucomas de ângulos aberto e fechado em 2010 elevando-se para 79,6 milhões em 2020. As mulheres compreenderão 55% dos casos de ângulo aberto e 70% dos glaucomas de ângulo fechado. Os indivíduos de origem asiática serão responsáveis por 47% do total de glaucomatosos e 87% daqueles com diagnóstico de ângulo fechado. Os autores estimaram que 4,5 milhões e 3,9 milhões de indivíduos com glaucomas de ângulos aberto e fechado, respectivamente, apresentarão cegueira bilateral em 2010, aumentando este número para 5,9 e 5,3 milhões em 2020. Apesar da estimativa menor de casos de cegueira bilateral no glaucoma de ângulo fe- 22 Glaucoma chado, a proporção de indivíduos que evoluem para cegueira (acuidade visual menor do que 20/400 bilateralmente) nesta forma de glaucoma é estimada em 25% (mais do que 2 vezes a restimada para o GPAA). Em algumas populações, como em Andhra Pradesh, na índia, 41% dos pacientes com o GPAF apresentavam cegueira mono ou binocular e na China, estima-se que o GPAF cause 10 vezes mais cegueira que o GPAA.A prevalência do GPAA varia também de acordo com a região estudada, com estudos reve- rlando valores de 1 a 3% na Europa, 1 a 4% na Asia e 2 a 3% na Austrália. Nos Estados Unidos a prevalência varia de 1 a 5% dependendo do grupo populacional avaliado. Em norte-americanos de origem europeia foi de 1 a 2%, de ascendência africana de 4% e de 2 a 5% nos latinos prove- rnientes do México. Taxas maiores são encontradas na África, variando aproximadamente entre 1% na Nigéria a 8% em Gana. Contudo, as maiores prevalências são observadas no Caribe (7 a 9%) em indivíduos de origem, na sua maior parte, do oeste africano.A informação sobre a incidência de GPAA é mais limitada, sendo cerca de 0,1 a 0,2% por ano nas principais populações europeias após 5 anos de acompanhamento e 0,5% por ano em indivíduos negros acompanhados por 9 anos nos Barbados Eye Studies. As diferenças encontradas nas incidências entre populações caucasianas e negras estão em acordo com as taxas de prevalências correspondentes.A prevalência do GPAF varia de 0,1 a 5,0% sendo menor nas populações de origem europeia e africana e maior entre os asiáticos. No Brasil, existe escassez de informações sobre a prevalência de glaucoma. No Brasil, Sakata et ai (2007) examinaram 1.636 indivíduos maiores de 40 anos de idade. A prevalência de glaucoma neste grupo populacional foi de 3,4% (IC 95% 2,5 - 4,3), sendo 2,4% (IC 95% 1,7 - 3,2) de GPAA, e 0,7% (IC 95% 0,3 - 1,1) de GPAF. Cerca de 12% dos indivíduos apresentaram diagnóstico prévio da doença. Cegueira unilateral devido a glaucoma primário foi observada em 7 indivíduos. Negros apresentaram uma taxa maior de cegueira unilateral que brancos (5 vs. 2 casos, respectivamente, p = 0,014). Outro estudo avaliou a distribuição dos diferentes tipos de glaucoma em um serviço universitário de referência no atendimento de pacientes com glaucoma. Nesta amostra de pacientes, 20,4 eram compostas por GPAF. FATORES DE RISCOOs fatores de risco associados ao GPAA incluem fatores demográficos, familiares, sistêmicos, oculares e ambientais. Fatores demográficosIdade e ancestralidade são fatores de risco estabelecidos para os glaucomas primários de ângulos aberto e fechado. No GPAA a prevalência entre os negros é maior em todas as faixas etárias quando comparadas às populações brancas e asiáticas. Em indivíduos acima dos 70 anos de idade, a prevalência nos negros foi de 16% seguida de 6% entre os brancos e 3% na população asiática. Entretanto, o aumento da prevalência do GPAA por década de aumento da idade foi maior entre os brancos com razão de chances de 2,05 (IC 95% 1,91 - 2,18), 1,61 (IC 95% 1,53 - 1,70) entre os negros e de 1,57 (IC 95% 1,46 - 1,68) nos asiáticos. Em relação ao Epidemiologia do Glaucoma gênero, não existe concordância na maior frequência entre homens ou mulheres. Uma revisão sistemática da literatura apontou para uma maior prevalência do sexo masculino (RC = 1,37 (IC 95% 1,22 - 1,53). Além disso, existe uma tendência maior de incidência do sexo masculino ao desenvolvimento do GPAA em estudos populacionais longitudinais com esta abordagem, sugerindo que indivíduos do sexo masculino apresentam maior risco para o GPAA do que as mulheres, no mínimo para algumas populações. Os indivíduos negros apresentam maior prevalência de GPAA em todas as faixas etárias além do desenvolvimento mais precoce da doença. O glaucoma é a principal causa de cegueira neste grupo populacional (32%). Em relação aos asiáticos, a prevalência de GPAA é semelhante à apresentada entre os europeus, contudo, entre os japoneses observam-se valores menores da PIO. Apesar disso, o GPAF é a forma mais frequente nas populações asiáticas.A frequência de GPAF é maior entre os esquimós, asiáticos do leste e do sudeste variando entre 3 a 5% em indivíduos acima de 40 anos de idade. Entre os europeus e africanos a prevalência varia entre 0,1 e 0,9%. No Brasil, a prevalência foi de 0,7% na Região Sul (composta principalmente por indivíduos de descendência europeia) e de 4,2% ao norte (entre indígenas do Alto do Rio Negro). O aumento da idade eleva a chance da ocorrência do GPAF. A incidência deste tipo de glaucoma aumenta a partir dos 50 anos de idade atingindo o ápice na sétima década de vida. Na presença de glaucoma de ângulo fechado em indivíduos mais jovens, deve-se avaliar a possibilidade do componente de bloqueio aposicional (íris em plateau) no mecanismo de desenvolvimento do fechamento angular. As mulheres, em todas as raças, apresentam mais frequentemente GPAF e ângulos oclusíveis em relação aos homens. Esta proporção varia de 2 a 5 vezes, dependendo da população avaliada. Fatores familiaresO antecedente familiar positivo inclui-se como um dos fatores de risco para desenvolvimento do GPAA em diversas populações estudadas. Dois estudos populacionais longitudinais avaliaram os fatores de risco para GPAA, um deles na Austrália e outro em Barbados, no Caribe. O primeiro (estudo na população australiana) avaliou 3.271 indivíduos (85% de participação) com 5 anos de seguimento. A história familiar (HF) de glaucoma apresentou um risco relativo para o desenvolvimento de GPAA de 2,1 (IC 95% 1,03 - 4,2). O segundo estudo avaliou 3.222 indivíduos (81 a 85% participação) seguidos por 9 anos. Entre os fatores de risco associados ao desenvolvimento do GPAA, HF de glaucoma foi um dos principais fatores com risco relativo de 2,4 (IC 95% 1,3 - 4,6). Além disso, estudos têm indicado que características clínicas associadas ao glaucoma (como PIO e aspectos morfológicos do disco óptico e da camada de fibras nervosas da retina) também apresentam componente genético na sua determinação. A herda- bilidade estimada para a PIO foi de 0,35 (IC 95% 0,27 - 0,43), 0,48 (IC 95% 0,35 - 0,60) para a espessura da camada de fibras nervosas da retina e 0,39 (IC 95% 0,20 - 0,58) para a rima neural do disco óptico. Além disso, estudo transversal realizado na Tansmânia sugeriu que o grupo de pacientes com GPAA e HF de glaucoma está associado à evolução mais grave de glaucoma do que o grupo de indivíduos com glaucoma esporádico.Apesar da contribuição de fatores genéticos no desenvolvimento do GPAA, poucos genes relacionados com ele foram identificados até o momento. Indivíduos que manifestam a doença mais precocemente podem apresentar um padrão de herança autossômico dominante com 24 Glaucoma mutações no gene MYOC. Entretanto, o GPAA desenvolve-se, mais comumente, em faixas etárias mais elevadas e apresenta padrão complexo de transmissão genética. Mutações no gene MYOC representam apenas de 3 a 5% dos casos de GPAA. Outros genes como OPTN, OPAl estão associados a alguns casos de glaucoma de pressão normal, dependendo da população avaliada. Outras diferentes regiões do genoma e alguns genes modificadores já identificados têm sido associados ao GPAA. Desde que a etiologia do GPAA esteja associada a uma combinação de fatores genéticos e ambientais, o estudo da interação entre os genes já identificados (e de novos genes ainda não revelados associados ao GPAA) com o meio ambiente nos auxiliará na compreensão do real papel das bases genéticas do GPAA.Não existem genes associados ao GPAF, entretanto, estudos apontam um risco aumentado de 3,5 e 6 vezes de GPAF entre parentes de primeiro grau de indivíduos com esta forma de glaucoma. Admite-se o padrão poligênico multifatorial como o mais aceito para este tipo de glaucoma. Fatores sistêmicosDesde o século XIX, postula-se que fatores vasculares possam estar envolvidos na fisiopatolo- gia do glaucoma. A teoria vascular sugere que distúrbios do fluxo sanguíneo no disco óptico devido a fatores vasculares locais ou sistêmicos, desencadeariam o processo de apoptose das células ganglionares. Estudos sugerem que alterações vasculares como vasoespasmo, enxaqueca, anormalidade no fluxo sanguíneo ocular e distúrbios na autorregulação da circulação sanguínea sistêmica e/ou ocular estão associados a maior suscetibilidade para o desenvolvimento do GPAA. O Baltimore Eye Survey demonstrou o aumento de risco de desenvolvimento do glaucoma em até 6 vezes no grupo de indivíduos com pressões de perfusão diastólica menores do que 30 mmHg. Corroborando com este achado, Leske etal. em 2007 constataram que baixa pressão média de perfusão (menor do que 40 mmHg) apresentou um risco relativo de 2,6 (IC 95% 1 ,4 - 4,6) para a incidência de GPAA na população de Barbados, seguida por um período de 9 anos. Em relação ao diabetes, os estudos são conflitantes na associação desta doença com o GPAA. Fatores ocularesA PIO é o principal fator de risco associado ao GPAA. O risco relativo aumenta de 5,7 até 15,3 para níveis de PIO superiores a 24 e 30 mmHg, respectivamente. Esta relação é mais bem avaliada por meio de estudos populacionais com abordagem na incidência da doença. Os estudos envolvendo a população de Barbados constataram que o risco relativo para GPAA para indivíduos com PIO acima de 21 mmHg foi de 5,2 (IC 95% 3,5 -7,6) e para o grupo de pacientes com PIO acima de 25 mmHg foi de 5,9 (IC 95% 3,6 - 9,4). Entretanto, dos 125 novos casos diagnosticados, 54% apresentaram PIO menores do que 21 mmHg. Indivíduos com PIO elevadas e sem sinais de glaucoma são denominados hipertensos oculares (HO). Na população europeia a prevalência de HO varia de 5 a 10% e é menor entre os japoneses e americanos com ascendência mexicana. A variação da PIO relacionada com o dano glaucomatoso do disco óptico dá suporte à etiologia multifatorial do glaucoma que justificaria diferenças na suscetibilidades ao dano glaucomatoso para diferentes níveis de PIO. Recentemente, estudos multicêntricos têm Epidemiologia do Glaucoma avaliado o papel da PIO no diagnóstico e controle do glaucoma. O estudo OHTS (Ocular Hyper tension Treatment Study) teve como objetivo estimar o risco de dano glaucomatoso relacionado à PIO em indivíduos com HO e avaliar o benefício do tratamento profilático precoce. Durante o estudo a redução média da PIO foi 22,5% ± 9,9% no grupo tratado e 4,0% ± 11,6% no grupo controle. Com 60 meses, a probabilidade cumulativa de desenvolver GPAA foi de 4,4% no grupo tratado, enquanto no grupo controle foi de 9,5%.Estudos do tipo transversal têm observado a associação da miopia com o GPAA. Além disso, discos ópticos com escavações maiores apresentam, em alguns estudos, como fator de risco ocular para o GPAA, contudo deve-se considerar que escavações maiores podem ser identificadas como um sinal precoce de dano glaucomatoso.Finalmente, a espessura central da córnea foi considerada como fator preditivo para o desenvolvimento do GPAA em indivíduos com HO. Mais recentemente, o estudo longitudinal de Barbados observou que o decréscimo de 40 microns na espessura central da córnea aumenta o risco para glaucoma em 1,41 (IC 95% 1,01 - 1,96). Não está ainda esclarecido se olhos com córneas mais finas apresentam maior risco para o GPAA devido à influência na própria medida da PIO ou se estes mesmos olhos apresentam discos ópticos mais vulneráveis à lesão glauco- matosa.GPAF está associado a determinadas características anatômicas oculares, incluindo comprimento axial reduzido, córnea mais plana, câmara anterior rasa, cristalino mais espesso e ângulo oclusível. Além disso, apesar da possibilidade do desenvolvimento do GPAF em todos os tipos de ametropias, este ocorre mais frequentemente em indivíduos hipermetropes. Comparando-se os olhos contralaterais de pacientes com crise de glaucoma agudo por bloqueio pupilar junto a olhos de indivíduos pareados por sexo e idade selecionados aleatoriamente da mesma região geográfica, os primeiros apresentaram comprimento axial 5% menor, suas lentes eram 7% mais espessas, a câmara anterior destes olhos era 24% mais rasa e o volume final da câmara anterior era 37% menor. Apesar disso, nenhum destes parâmetros apresentou poder preditivo adequado para separar defmitivamente os olhos com câmara anterior rasa que desenvolverão GPAF daqueles que não evoluirão para esta forma de glaucoma. Outro exemplo nesta direção é que, apesar do exame de gonioscopia fornecer uma indicação dos olhos com maior risco de desenvolver ângulo fechado primário, este também não o faz de forma definitiva. Outros fatoresIndivíduos com GPAA apresentam maior risco (46 a 92%) de aumento da PIO em resposta ao uso da cortisona do que indivíduos sem glaucoma (5 a 6%). Este risco é dose-dependente. Além disso, parentes de primeiro grau de indivíduos com glaucoma, míopes e diabéticos também têm risco aumentado para elevação da PIO com o uso de cortisona do que a população normal. No GPAF existem fatores ambientais que contribuem para a instalação da doença, alguns deles bem definidos e denominados
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