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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I, v. 1. 34ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. Cap. IV-X, p. 175-372. Wendell da Costa Magalhães1 O capital aparece, em sua primeira forma, na figura do dinheiro. Entretanto, Marx (2016, p. 177) aponta que “O dinheiro que é apenas dinheiro se distingue do dinheiro que é capital, através da diferença na forma de circulação.” A forma simples da circulação das mercadorias é M — D — M, ou seja, vender para comprar. A forma de circulação que dá origem ao dinheiro como capital, entretanto, é D — M — D, ou comprar para vender. Marx (2016, p. 179) assim coloca que “No primeiro caso, é a mercadoria e, no segundo, o dinheiro, o ponto de partida e a meta final do movimento. Na primeira forma de movimento, serve o dinheiro de intermediário e, na segunda, a mercadoria.”. O que fica evidente é que na circulação simples parte-se da mercadoria para chegar à outra mercadoria que sai da circulação e entra na esfera do consumo. Objetiva-se, portanto, aqui satisfação de necessidades, o que coloca como central o valor de uso da mercadoria. Em contraste, o circuito D — M — D parte do dinheiro retornando ao mesmo ponto. Logo, é o valor de troca da mercadoria o que o impulsiona e o determina. O sentido do circuito D — M — D não é trocar coisas de substâncias e, portanto, de qualidades diferentes, posto que se troca dinheiro por dinheiro. Diferente do circuito simples em que troca-se mercadorias de qualidades diferentes, portanto, de valores de uso diferentes, aqui trata-se de trocar quantidades diferentes de um mesmo objeto, que é o dinheiro. A rigor, entretanto, o circuito se revela como D — M — D’, em que D’= D + ΔD, o que é a soma do dinheiro adiantado inicialmente, mais um acréscimo. Esse acréscimo ou excedente sobre o valor primitivo, por sua vez, Marx chama de mais-valia (valor excedente), ou, como pode se verificar em outras traduções, mais-valor. Nessa perspectiva, o valor originalmente antecipado não somente se mantém na circulação, mas altera sua própria magnitude com o acréscimo de mais-valor ou mais-valia. É esse movimento, por sua vez, o responsável por transformar o dinheiro em capital, segundo Marx. Conclui-se, no que tange à fórmula geral do capital (D — M — D’), que dinheiro e mercadoria, conforme se revelam na circulação, apenas aparecem como modo de existência do próprio valor, com o dinheiro sendo seu modo de existência geral, e a mercadoria, seu modo particular ou dissimulado, como diz Marx. Ou seja, o valor aqui torna-se, através do 1 Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Pará - UFPA e Mestrando em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da UFPA. - E-mail: wendell10magal@hotmail.com revezamento entre sua forma dinheiro e sua forma mercadoria, o agente do processo que modifica sua magnitude como valor excedente, afasta-se de seu valor primitivo e expande a si mesmo. Explicado o fundamento da fórmula geral do capital, Marx parte para suas contradições que inclui em essa aparecer mais claramente no capital comercial propriamente dito, mesmo que na perspectiva de Marx seja impossível, a partir deste, ter a explicação do excedente gerado a partir dessa mesma fórmula geral. Cabe, no entanto, a dúvida se o valor excedente (mais-valia) pode ter sua origem fora da circulação? Marx diz que sendo a circulação a soma de todas as relações mútuas dos possuidores de mercadorias, fora dela o possuidor de mercadorias só mantém relações com sua própria mercadoria. A partir dessa relação, sua mercadoria tem valor a partir do trabalho necessário que emprega para produzí-la, e este valor se exprime em um preço dado. Entretanto, esse valor não é capaz de dilatar-se através da produção de um mais-valor por parte desse possuidor. Pode ele aumentar o valor de sua mercadoria com novo trabalho incorporado ao já existente, mas não modificar a magnitude deste já produzido. Logo, Marx conclui que é impossível que o produtor de mercadorias, fora da esfera de circulação, consiga expandir um valor e, portanto, consiga transformar dinheiro ou mercadoria em capital. Este tem que originar-se na circulação e fora dela, concomitantemente. Para a explicação de como isso se dá, Marx deve explicar a compra e venda da força de trabalho. Quando se põe a tratar do tema, Marx volta a deixar claro que a transformação do dinheiro em capital não pode se dar estritamente na esfera da circulação, pois aí se trocam equivalentes e o dinheiro nada mais faz que exprimir magnitude de valor fixada na mercadoria que se compra ou que se vende. Portanto, deduz que o dinheiro vem a ser capital adentrando num circuito de valorização ao achar uma mercadoria em que seu valor de uso implique em ter a propriedade particular de ser fonte de valor, ao passo que seu consumo lhe resulte encarnar trabalho e, portanto, criar valor. Essa mercadoria, o possuidor do dinheiro tem a felicidade de encontrar no mercado, portanto, na esfera da circulação, na forma de capacidade de trabalho ou força de trabalho. Como força de trabalho, Marx (2016, p.197) entende o “[...] o conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie.”. Dado isso, Marx elenca as condições básicas para que a força de trabalho seja encontrada no mercado como mercadoria. Em síntese, diz Marx que para transformar dinheiro em capital, tem o possuidor de dinheiro de encontrar o trabalhador livre no mercado de mercadorias e livre em dois sentidos: no sentido de dispor, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria vendendo-a por um tempo determinado para que não venda a si mesmo e caia na condição de escravo; e o de estar livre, inteiramente despojado de todos os meios de vida, não tendo outra coisa que não sua própria força de trabalho a ser ofertada no mercado como meio de sobreviver. Entretanto, assim como a separação entre possuidores de dinheiro, ou possuidores dos meios de produção, e possuidores da mercadoria força de trabalho despidos dos meios de vida é um produto histórico, resultado, como diz Marx (2016, p. 199), “[...] de muitas revoluções econômicas, do desaparecimento de toda uma série de antigas formações da produção social.”, a produção de mercadorias também o é, pois a preponderância do valor de troca sobre o valor de uso da produção não se dá em todas as formações sociais de produção, mas é algo específico que caracteriza a produção capitalista. Passando para a análise mais detida da mercadoria força de trabalho, Marx assinala que seu valor é determinado como o de qualquer outra mercadoria, ou seja, pelo tempo de trabalho necessário à sua produção e, por consequência, à sua reprodução. Sendo assim, seu valor nada mais é que o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção de seu possuidor. Cabe a ressalva que um elemento moral entra na determinação do valor da força de trabalho, distinguindo-a de outras mercadorias. Mas em dado período histórico num país determinado, é dada a quantidade média dos meios de subsistência necessários à vida de seu possuidor. Além disso, entra em sua conta a soma dos meios de subsistência dos substitutos dos trabalhadores, portanto, os de seus filhos, de modo que se perpetue no mercado os detentores da força de trabalho e não caia-se na falta deles quando a produção capitalista requerer. No limite último e mínimo, o valor da força de trabalho é determinado pelo valor da quantidade diária indispensável de mercadorias que possibilita que o seu portador continue vivendo, isto é, que possibilite sua subsistência por meio dos meios que se configuram como imprescindíveis. No entanto, se o valor da força de trabalho chega a esse mínimo, esta só pode vegetar e atrofiar-se.Portanto, seu valor, assim como o de toda mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário para que seja fornecida em sua qualidade normal. Dado que o processo de consumo da força de trabalho é, ao mesmo tempo, processo de produção de mercadoria e de valor excedente (mais-valia), seu consumo, como o das demais mercadorias, vem a realizar-se fora do mercado, o que implica estar fora da esfera da circulação propriamente dita. Por isso, aprofundando sua análise, Marx se volta para a esfera da produção e se detém a analisar o processo de trabalho e o processo de produzir mais-valia, ou mais-valor, como se queira. Situando o processo de trabalho, primeiramente, como relação entre o homem e natureza no processo de produzir valores de uso, dada a generalidades destes, Marx abstrai tal processo de trabalho de suas estruturas sociais concretas e o trata, inicialmente, de modo genérico. Fazendo isso, encontra os componentes que o caracterizam: 1) a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto do trabalho; e 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho. A terra (compreendendo a água, do ponto de vista econômico), é considerada objeto universal do trabalho humano, na medida que provê ao homem seus meios de subsistência para utilização imediata. Marx assim define os objetos de trabalho como todas as coisas, fornecidas pela natureza, que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com seu meio natural. Mas, se o objeto do trabalho é filtrado da natureza através de trabalho anterior, Marx o chama de matéria-prima. Nesse sentido, toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O meio de trabalho, por sua vez, é definido como uma coisa ou complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho, fazendo com que sirva para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Em sentido lato, portanto, meios de trabalho são identificados a todas as condições materiais necessárias à realização do processo de trabalho. No processo de trabalho, por sua vez, o trabalho do homem, subordinado a um determinado fim, opera uma transformação no objeto em que atua (o objeto de trabalho) por meio do instrumental de trabalho (os meios de trabalho). Juntos, objeto de trabalho e meios de trabalho, no sentido em que se voltam para produzir valores de uso são considerados meios de produção e o trabalho aqui é definido como trabalho produtivo. Um valor de uso, entretanto, “[...] pode ser considerado matéria-prima, meio de trabalho ou produto, dependendo inteiramente da sua função no processo de trabalho, da posição que nele ocupa, variando com essa posição a natureza do valor de uso.” (MARX, 2016, p. 216). Nesse sentido, os produtos de trabalho anterior que se fazem condição de existência do processo de trabalho e, portanto, vão além da sua condição de produto acabado, só se mantêm e se realizam como valores de uso através de sua participação nesse processo, ou seja, no seu contato com o trabalho vivo. Visto o processo de trabalho em sua generalidade, parte Marx para sua análise na configuração particular que adquire na produção capitalista. Nisso, identifica dois fenômenos. Primeiro, que o trabalhador trabalha sobre o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. Segundo, identifica Marx que o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador. Isso deriva do fato da compra, por parte do capitalista, da força de trabalho, o que lhe dá o direito de desfrutar de seu valor de uso como bem lhe aprouver. O mesmo vale para os produtos dessa força de trabalho depois de estabelecida sua relação no processo de produção com os meios de produção, vistos por Marx como os elementos mortos constitutivos do produto. Percebe-se, então, que, do ponto de vista do capitalista, o processo de trabalho é algo que ocorre entre coisas que ele comprou, logo entre coisas que lhe pertencem. Quando parte para a análise do processo de produzir mais-valia, aqui, em contrapartida ao verificado no processo de produzir valores de uso, o importante se identifica na produção de valores de troca, sendo produzido aquele somente na medida em que contêm este. Além disso, tal processo se caracteriza por produzir uma mercadoria com valor mais elevado que aquele incutido no conjunto de mercadorias necessárias a sua produção, que se dividem basicamente em meios de produção e força de trabalho. O fundamental aqui é verificar a formação da mais-valia, ou seja, como ela nasce. Esta se dá pela remuneração da força de trabalho pelo seu valor não igualar-se ao valor total produzido por essa mercadoria em particular. Ela, por ter a característica peculiar de produzir mais valor que aquele que lhe encerra a produção, é razão da existência de um excedente apropriado pelo capitalista depois de vender seu produto no mercado. Assim ocorre porque, na compra da força de trabalho, o capitalista se vê no direito e na necessidade de utilizar sua mercadoria durante um dia inteiro de trabalho, o que leva a produzir uma massa de valor, na relação com os meios de produção, que supera aquele valor requerido para o pagamento no mercado da força de trabalho. Portanto, durante parte da jornada de trabalho, o produzido pela força de trabalho acaba por pagar seu custo, que nada mais é do que o valor dos meios materiais básicos para sua produção e reprodução. Mas não se encerrando o uso da força de trabalho no momento que atinge a produção do valor necessário para lhe remunerar, e se estendendo durante todo um dia de trabalho que caracteriza sua jornada, tem-se a geração de um excedente de valor que se incorpora à massa de valores de uso gerados no processo de produção e que caracteriza a mais-valia. No processo de produção que gera o valor e o mais-valor dos produtos, Marx então distingue a participação dos meios de produção (máquinas, ferramentas, matérias-primas etc.) e da força de trabalho. O capital despendido com o primeiro, Marx intitula capital constante. E é constante por não alterar sua magnitude no processo de produção. Do ponto de vista da geração do valor e do mais-valor, o capital constante, que aparece na figura dos meios de produção, não gera mais-valor, mas somente transfere o mesmo valor com que entrou no processo de produção aos produtos que resultam deste. A responsável por gerar o mais-valor, por sua vez, é a força de trabalho que, além de criar o valor que a equivale na esfera da troca, cria um mais-valor que o ultrapassa e se configura como excedente. Por isso, do ponto de vista do capital, Marx a tem como capital variável. A partir desses conceitos iniciais, Marx desenvolve sua teoria da exploração que, fundamentalmente, pode ser expressa pelo conceito de taxa de mais-valia. Esta seria a relação entre o mais-valor produzido e o dispêndio em capital variável. Dividindo assim o capital em C = c + v, ou seja, capital constante e capital variável, que daria origem depois do processo de produção em C’ = c + v + m, ou seja, em um acréscimo à soma de capital despendido inicialmente representando pelo C’ e verificado em m, que seria a mais-valia, Marx (2016, p. 252) determina que a taxa de mais-valia seria m/v, que nada mais é que “[…] o aumento relativo do valor do capital variável a essa magnitude relativa da mais-valia.”. A partir deste ponto, Marx concentra-se na jornada de trabalho e na sua composição. Estabelece então que esta se divide em tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente. Ela, por sua vez, é o principal campo de luta entre capitalista e trabalhador, este sempre tentando reduzi-la ao máximo, aquele sempre tentando aumentar o tempo de trabalho excedente ao máximo, seja pela diminuição do trabalho necessário, seja pelo aumento dajornada de trabalho como um todo em vista de se obter sempre um aumento do trabalho excedente. O aumento do trabalho excedente via aumento de jornada de trabalho produzirá o que Marx chama de mais-valia absoluta, enquanto o aumento por meio da diminuição na trabalho necessário resultará na chamada mais-valia relativa. A mais-valia absoluta tem seu limite no físico do trabalhador, que não pode trabalhar para além de um certo período de seu dia; a mais-valia relativa, por sua vez, está ligada ao avanço das forças produtivas que permitem que os bens úteis para a subsistência do trabalhador passem a ser produzidos em menor tempo, reduzindo o tempo de trabalho necessário para produzir o valor equivalente ao de sua força de trabalho. Cabe pontuar que, ao longo dessa discussão, Marx lança mão de um novo conceito que aprimora sua análise que é o de massa de mais-valia. Quando se deteve a tratar da taxa de mais-valia e mais-valia, via o processo que o produz de um ponto de vista genérico e individual. Com o conceito de massa de mais-valia, define-se que a “A massa de mais-valia produzida é igual a magnitude do capital variável antecipado multiplicada pela taxa de mais- valia [...]” (MARX, 2016, p. 350). Na concretude do processo de produção isso se verifica como o valor da força de trabalho multiplicado pelo grau de sua exploração e pelo número das forças de trabalho empregadas e simultaneamente exploradas.
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