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N.C..lwn. J3:S.4 M355t Autor: Marx, Karl,1818-188 Título: Teorias da mais-valia : teoria 11111~ 11~1 ~1111111~111111111111111~1111111~ 1383551& Ac. 6836& 11, J UFCE-!.lh\c TEORIAS DA MAIS-VALIA- HISTúRIA CRITICA DO PENSAMENTO ECONOMICO Teorias da mais-valia, a parte maior e mais,desenvolvida do manuscrito econô-- mico elaborado por Marx de 1861 a 1863, é antes de tudo uma hiitória criti- ca do pensamento econômico. Nessa obra, entretanto, àS pesquisas histórico- críticas se aliam à elaboração teórica, envolvendo questões que são hoje objeto do mais aceso debate. Em Teorias da mais-valia, a visão crí- tica de Marx se liga particularmente a sua concepção acerca das categorias e relaçõe.<; econômic.as, bem distinta da vi- gente na economia clássica. Para Marx, as relações económicas fazem parte de um complexo processo evolutivo, social, mas essa evolução pode culminar em transmutação revolucionária. Marx viu que, para explicar as relações econômi- cas, era mister ir além do domínio eco- nômico, e por isso elaborou uma teoria ·da história. A economia clássica, ao considerar as categorias e relações econômicàs dados universais, imutáveis, tinha imp1icita- mente como pressuposto uma estrutura social petrificada. As concepções de Marx induziram-no sem dúvida a empregar métodos de aná- lise muito · mais amplos e penetrantes que os da economia clássica, a fim de ultrapassar o campo estrito .por ela ocupado, de estudar as transformações das estruturas sociais e descobrir as leis que regem sua dinâmica. Apesar dos progressos realizados pela ::, moderna economia acadêmica em vários ~.domínios~ como na investigação dos ci- (fclos. nos modelos de crescimento a lon- i~o prazo e no rolaciona.niento com . as- 'Ll~~UA5 AO ~~~·~T~CNlÇO <!(b..,~~~k-~-:,.•.,;.~ ... ~-'.'l-Z-~12::.ii.....;_-.;::,~~ U3.?FE;AÇj·~ KARL MARX Teorias da mais-valia História Crítica do Pensamento Econômico (Livro 4 de O CAPITAL) Volume III Tradução de REGINALDO SANT'ANNA .. . 1~~.~)51~ . Do original em alemão: TIIEORIEN UBER DEN ME~RT fU~G:~J ;?!Ui</ ,J (VIERTER BANl> DES "KAPITALS") u FC DRlTIER TEIL Neunzehntes bis vierundzwanrlgstes Kapítel und Beili· 1mn-----~·-~----..t MEW, 26.3 Dieu Verlag, Berlim, 1974 A,:; G "<),., r :s:.; .- ~~ ô J u ~.) ClP·Brasil. Catalogaç.ão·na-Publica~....,.~'"--~"""""-..J,J,..Z...--J Câmua BJISileira do Lim>, SP Mau:, Karl, 1818-1883. M35St Teorias da. mais-valia: históriacríti~ do v. l ·3 pensamento econômico : liv.ro 4 de O capital j Karl· Marx ; traduçã'o de Reginaldo Sant' Anna. - São Paulo : DIFEL, 1980-1985. 1. Capital (Economia) 2. Economia marmta. 3. Mais-valia l. Título. ll. Título: História crítica do pensamento econômico. 17. CDD-335.411 18. ·335.412 17. -332 84-2116 18. -332.041 1985 fndkes pan catáJoso sistemático: l. Capital: Economia 332 (17.) 332.041 (18.) 2. Economia marxista 335.411 (17.) 335.412 (18.) 3. Mm-valia: Economia marxista 335.411 (17.) 335.412 (18.) ' 4. Marx, Karl, 1818-1883: Conceitos econômicos 335.411 (17.) 335.412 (18.) Direitos para ~-ÍíngÜ-; portUguesa .r~~ervados pelo tradutor à Sede: Av. VieJia de Ca:rvalho, 40 - CEP 01210 São Paulo - SP- Tel.: 221-5388 Telex: 32294 DFEL-BR Vendas: Rua Doie de Setembro, 1305 - V. Guilherme CEP 02052 - São Paulo - SP-Tel.: 267-0331 SUMARIO TEORIAS DA MAIS-VALIA HJSTÔRlA CR1TICA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Volumem ·f' ... , XIX.T.R. MALffiUS ••••••••..•...•..•. • •••.. · • · • · · · · B,JQ(>? .. ~ 1. Malthus confunde as categorias mercadoria e capital . . . . . . 1068 2. Concepção vulgar de mais-valia, de Malthus . . . . . . . . . . . . 1074 3. Traços comuns aos malthusianos e ricardianos em sua posi- ção para com a classe trabalhadora . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1077 4. B unilateral a interpret~§;'o malthusiana da teoria do.valor de Smith. Utilização das teses falsas de Smith no combate a Ricardo ......•.............•.... ·. . . . . . . . . . 1078 5. Interpretação malthusiana da tese de Smith sobre o valor bnutável . . . . . . . . . . • . . . . • • . . . . . . . . • . . . . . . . . . 1081 6. Malthus utiliza. as teses rlcardianas sobre a modificação da lei do valor para contestar a teoria do valor· trabalho . . . . . . 1084 7. Definição vulgar do valor de Malthus. Malthus considera o lucro acréscbno sobre o preço. Contesta a idéia ricardiana do salário relativo .................. r . . • . . . . . . • 1086 8. Idéias de Malthus sobre trabalho produtivo e acumu1aç!o . . . 1090 a) O trabalho produtivo e o bnprodutivo . . • . . . • . . . . . . 1090 b) Acwnulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · 1091 9. O capital constante e o variável segundo Malthus . . . • . . . . 1092 10. Teoria do ..,,alor de Malthus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1094 11. Superproduçâ'o. "Consumidores improdutivos" etc. . ... , . 1096 12. A substância social da argum:entação de .Malthus contra Ricardo. A deturpação m~thusiana das idêías de Sismondi sobre as contradições da produção burguesa ........ , , . . 1106 13. Crítica dos ricardianos à concepção malthusiana dos "consu- midores improdutivos" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1114 14. A apologética e o plágio nas obras de Malthus . . . . . . . . . . 1116 15. Princípios de Malthus apresentados na obra anônima "Outli- nes of Political Economy" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1118 -XX. DESAGREGAÇÃO DA ESCOLA RICARDIANA . . • • . • • . . . . . . . 1124 1. R. Torrens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1124 a) A ·relação entre a taxa média de lucro e a lei do valor, segundo Smith e Ricardo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1124 b) Confusão de Torrens ao definir o "valor do trabalho" e a fonte do lucro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1127 c) Torrens e a idéia dos custos de produção. . . . . . . . . . . . 1134 2. Jaines Mill . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1139 a) Confusão entre mais-valia e lucro . . . . . . . . . . • . . . . . 1140 b) Tentativas infrutíferas de Mill, de compatibilizar a troca entre capital e trabalho com a lei do valor . . . . . . . . . . . . 1143. e) Mill não compreende o papel regulador do lucro industrial 1153 d) Ptocura, oferta, superprodução ................ : . 1155 e) Prévost. Rejeição de algumas conclusões de Ricardo e Jaines Mill. Tentativas de provar que não é inevitável redução constante do lucro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 1159 3. Publicações polêmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1164 a) "Obse:rvation on certain verbal disputes ... " Ceticismo na Economia Política. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1164 b) "An inquiry into those princíples ... " Incompreensão das contradiç~s da produção capitalista geradoras de crises . . 1172 c) Thomas de Quincey. Incapacidade de superar as carências da concepção ricardiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1179 d) Samuel Bailey ............................ , 1180 a) Relativismo.superficial na obra .. Observations on Certain Verbal Dísputes ... " e na definiçã'o de valor de Bailey. Rejeição da teoria do valor segundo o trabalho .. , . . . 1180 {3) Bailey confunde-se ao definir o "valor do trabalho" e o lucro. Confunde a medida imanente do valor com a expressão valor-mercadoria ou valor-dinheiro·. . • . • . . 1202 'Y) Bailex_ confunde valor e preço . . . . . . . . . . . . . . . . . 1213 4. McCulloch. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1221 a) Versiiovulgar e dissolução do-sistema ricardiano sob a apa- rência de aperfeiçoamento lógico. Apologia cínica da produção capitalista. Ecletismo sém escrúpulos . . . . . . . 1221 b) -McCullochdeturpa o conceito de trabalho ao estendê-lo a processos naturais. Identifica valor de troca com valor de uso .•....................: . . . . . . . . . . . . . 1229 5. Wakefield. Objeções à teoria ricardiana do valor do trabalho e da renda fundiária . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . 1240 6. Stírling. Explicação do lucro pela oferta e procura . . . . . . . 1241 7. John Stuart Mil1 ...•..•...• , • . . . . . . . . . • . . . . . . . 1243 a) Confusão entre taxa de mais-valia e taxa.de lucro. Elemen- tos da concepção do "lucro de alienação". Conceituação confusa de "lucros antecipados" . • . • . . . . . . . . . . . . . l 243 b) Variação aparente da taxa de lucro quando o capitalista passa a produz.ir o capital constante prpprto. . . . . . . . . . 1263 c) Influência da variação de valor do capital constante sobre a mais-valia, lucro e salário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1267 8. ObseIYação final sobre a escola ricardiana . . . . . . . . . . . • . 1285 XXI. OPOSIÇÃO AOS ECONOMISTAS (BASEADA NA TEORIA RICARDIANA) ..•.. -. . . . . . . . • . • . . . . . . . ...• , 1287 1. "The source and remedy of the national difficulties etc. A letter to Lord John Russell", Londres, 1821 (Folheto Anô- niino) . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . • . . • . . . 1287 a) Luc.ro, renda fundiária e juro como trabalho excedente. Correlação éntre a acumulaç~o de capital e o •'fundo do trabalho" . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1287 b) Troca entre capjtal e renda (revenue) na reprodução sim- ples e na ampliada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . 1295 e) Méritos e erros do autor. Do comércio exterior. Tempo -livre, verdadeira riqueza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1301 2. Ravenstone. O capital, produto excedente. Confusão da forma antagônica do desenvolvimento capitalista com seu conteúdo. Consideradas nt,;ativas as conseqüências. do desenvolvimento capitalista das forças produtivas . . . . . . . . 1306 3. Hodgskin ......•.......... , . . . . . . . . . . . . • . . . 1312 a) Tese da improdutividade do capital, conclusão necessária da teoria de Ricardo .................. , . . . . . . 1312 b) Combate à definição de Ricardo: Capital, Trabalho Acu· mulado. Concepção do "Trabalho coexistente". Subesti- mada a importância do Trabalho pretérito materializado · 1315 e) A chamada acumulação de mercadorias, mero fenômeno da circulação (estoques etc. - Reservatórios da circulação) 13 28 d) Hodgskin contra a concepção de os capitalistas "anna· zenarem" meios de subsistência em favor do trabalhador; sua incompreensão no tocante às causas reais da fetichi· zaçã:o do capital . . . . . • . . . . . . . . . • . . . . . • . . . . • 1337 e) Juro de juro; a justificativa do decréscimo da taxa de lucro . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1344 f) O caráter social do trabalho e a relação entre capital e trabalho, segundo Hodgskin . . . . . . . . . . . . . . • . . . . 1359 g) Hodgskin formula teses fundamentais em seu livro "Po- pular Political Economy" . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . 1361 h) Idéias de Hodgskin sobre o poder do capital e sobre. a revolução no direito de propriedade . · ..... · ... , . , . . 1364 4. Oposição de Bray aos economistas . . . . . . . . . . . . . . • . . 1365 XXII. RAMSAY ..•..•............••..•.........•. ·, . 137 l L Tenta distinguir capital constante de capital .variãvel. Concebe· o capital como forma social acessória .. . . • • . . . . 1371 2. Idéias de Ramsay sobre mais-valia e valor. Redução de niais- valia a lucro. Influência das variações do valor <;lo capital constante e do variável sobre o montante e a taxa de lucro . 1373 3. Lucro broto e a sua repartição em lucro líquidoe lucro do empresário seiundo Ramsay. Elementos apologéticos <fu"" seus pontos de vista ............ : .......• , . . . . . 1396 XXlll.CHERBULmz . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1405 l. Tentativa de distinguir capital constante de variável . . . . . . 1405 2. Decréscimo relativo do capital variável com desenvolvimen- to da produçã'o capitalista .............•. , . . • . . . 1408 3. Cherbuliez: Influência da composição orgânica do capital na taxa de lucro. Sua "Lei da Apropriação". . . . • . . . . . . 1412 4. A acumulaçlío, reprodução ampliada . . . • . • • . . . . . . . . 1421 · 5. O lado sísmondiano de Cherbuliez. A composição orgânica do capital. Capital fixo e circulante . . . . . . . . . . . . . . . . 1423 6. Cherbuliez procura harmonizar os pontos de vista incompa- tíveis de Ricardo e Sismondi ........ ~ . . . . . . . . . . . . 1436 XXIV.RICHAAD JONES . • . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • . . 1439 1. "An Essay on the Dístribution of Wealth ... "Significado da diferença histórica dos modos de produção, segundo Jones. Sua superioridade em relaçlro a Ricardo rio tocante a certas questões sociais da teoria da renda . . . . . . . . . . . . . . . . . 1439 2. "An Introductozy on Political Economy .. !' O conceito de "Estrutura Econômica da Nação". Confusão de Jones a respeito de "Fundo do Trabalho" ........... ·. . . . . . 1454 3. Richard fones, "Text·Book of Lectures on the Politícal Economy ofNations", Hertford, 1852 . . . . . . . . . . . . . . 1459 a) O capital segundo Jones. Sua concepção de trabalho produtivo e improdutivo ........ ~ . . . . . . . . . . . . 1459 b) fones: A influência da produçlro capitalista no desenvol- vimento das forças produtivas; as condições para a apli- cação do capital fixo adicional . . . . . . . . . . . . . . . . . 1472 c) Acumulação, taxa de lucro e fonte de mais-valia. segun- do Jones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1485 ADITAMENTOS A RENDA (REVENUE) E SUA FONTES. A ECONOMIA VULGAR . . . 1493 1. Desenvolvimento do capital produtor de juros na base da produ- ção. capitalista. O capital produtor de juros, fonna fetichista do capital. O juró· do.(;apital segundo os economistas vulgares e os socialistas vulgares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1493 2. Capitàl produtor de juros e capital comercial em relação ao capital industrial. Formas antigas. Fonnas derivadas . . . . . . . . . 1508 3. Divisão da mais-valia em partes individualizadas e configuradas em rendas diferentes. Relação entre juro e lucro industrial. Irra- cionalidade das formas fetichizadas da renda . . . . . . . . . . . . . . J 513 4. Como as formas transmutadas da mais-valia se separam cada vez mais da essência dela, o trabalho excedente. O lucro industrial considerado "Salário do Capitalista". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1520 5. Diferença essencial entre a economia clássica e a vulgar. Juro e renda fundiária, elementos constitutivos do preço de mercado da mercadoria. Os economistas vulgares tentam .dar aparência racio- nal às formas irracionais do juro e da renda fundiária .. . . . . . . . . 1536 6. Proudhon combate o juro e não compreende o nexo causal entre juro e sistema de trabalho assa1ariado . . . . . . . . . . . . . . . . . • . 1558 7. Lutero supera Proudhon. no combate ao juro. As idéias sobre juro mudam com o desenvolvimento das relações capitalistas 1562 ADENDOS Tabela de pesos, medidas e moedas ingleses . . . . • . . . . . . . . . . . . 1579 fndice onomástico · . . . . ........................... ~ . 1580 fudice analítico • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . . . • . . . I 584 ,·•~ ' Capítulo XIX T. R. Malthus 1 Trabalhos de Malthus que se examinam aqui: (1) The Measure of Value Stated and Rlustrated, Londres, 1823. (2) Definitions in Political Economy etc., Londres, 1827 (considerar também a mesma obra editada por John Q.zzenove, Londres, 1853, com "notas e observações suplementares" de Cazenove). (3) Principies of Política/ Economy etc., 2~ ed., Londres, 1836 (com- pulsar primeira edição, de 1820 mais ou menos). (4) Também levar em conta o trabalho seguinte de um malthusiano2 (malthusiano por op0siçlio aosricardianos): Outlines of Political Economy etc., Londres, 1832. 1. Neste capítulo examina Marx os trabalhos que Malthus escreveu após o apa- recimento da obra principal de Ricardo, On the principies of political economy, and taxation, de 1817. Ricardo desenvolvera aí a teoria do valor-trabalho e preconizara "o desenvolvimento mais desenfreado possível das forças produtivas $0ciais, sem se p1eo- cupar com o destino dos agentes da produçã"o, fossem eles capitalistas ou trabalhado· res" (ve1 p. 1106) deste capítulo. Ma.lthus contrapõe-lhe urna teoria em que procura legitimar a exploração e em geral defender os interesses das camadas mais reacionárias das cl.a.sses dominantes. Neste capítulo são apenas ocasionais as refetê.ncía.s a Malthus como autor da "teoria da populaçào". No cap. "Observações sobre a história da· descoberta da chama- da lei ricardiana" (ver vol. 2, pp. 546-552), faz M:ux uma avaliação geral da obra de Malthus, An essay on the principie ofpopulation. 2. Verificou-se depois ser John Cazenove o autor desse trabalho anônimo. 1067 1. Malthus confunde as categorias mercadQria e capital Em sua obra Observations on the Effects o[ the Com Laws., 1814, Malthus dizia ainda de A. Smith: "A. Smith foi levado a desenvolver essa argumentaçã'o pelo hábito de con· siderar o trabalho" (isto é, o valor do trabalho) "o estalão do valor, e o trigo, a medida· do trabalho ... Nem o trabalho. nem nenhuma outra mer- cadoria pode constituir medida exata do valor real de troca: esta proposi· çfo é considerada hoje uma das doutrinas itrefutiveis da economia políti· ca., e na.verdade provém da própria definição do valor de troca" (p. 12). Mas, em sua obra de 1820, Princ. of Pol. Ec .. , acolheu esse "esta/ão do valor" de Smith para brandi-lo contra Ricardo, estalão que o próprio 1068 Smith jamais utiliza ao desenvolver realmente seus ternas 3 • Malthus mesmo, na obra citada, Obseryations on the Effects of the Com Laws, ativera-se a outra definição de Smith: a determinação do valor pela quantidade neces- sária de capital (trabalho acumulado) e de trabalho (imediato) para produzir um artigo. Está meridianamente claro que Malthus, ao elaborar a obra Prmciples e as duas outras citadas, destinadas a ponnenorizar certos pontos daquela, foi movido em grande parte pela inveja que tinha do sucesso do lívro de Ricardo4 e pelo empenho em reconquistar a posição culminante a que che- gara C-Om suas habilidades de plagiador, antes de aparecer o livro de Ricardo. Além disso, em Ricardo, a determinação do valor, embma ainda abstrata em seus desdobramentos, se volta contra os interesses dos proprietários das ter- ras e de seus serviçais, interesses que Malthus representava de maneira ainda mais imediata que os da burguesia industrial. Apesar disso, não se pode negar que Malthus esposava certo interesse por laborações especulativas. Mas sua oposiçlro a Ricardo - e a fom1a que ela assumiu - só foi possível por ter Ricardo incorrido em tod.as as espécies de incoerências. r Os alvos do ataque de Mal.thus são a origem da mais-valias, a maneira / como Ricardo atribuí à modificaçã'o da própria lei do valor o nivelamento / dos ·preços de cu.sto6 nas díferentes esferas de emprego do capital, e sua j confusão contínua de lucro com maís-v-.tlia (identificando diretamente uma · coisa com a outra). Malthus, ao invés de destrinchar essas contradiç<Jes e qüiproquós, aceita-os de Ricardo, para lançar por terra, apoiado nessa con- fusão, a lei ricardiana do valor etc. c tirar conclusões agradãveis a seus 1 ' \ ' \ protetores. 3. Em capítulos anteriores (ver vol. 1, pp. 54 eSS,evol.2,pp. 834-836)Marx critica o ponto de Vista sustentado por Adam Smith, de ser o valor do trabalho o esta· lâ"o do valor e mostra que essa idêia contraria outras concepçães mais profUndas sobre o wlor, elaboradas por Smith. 4. On rhe principlss of political economy, and taxation, Londres, 1817. 5. No vol. 2, pp. 827-832 e 836-&39, trata Marx da inexistência de uma análise da origem da mais-valia em Ricardo e do problema da troca de trabalho por capital, insolúvel para esse autor. 6. Marx utiliza o termo "preço de custo" em difererites sentidos: (1) no de custo de produÇão para o capitalista (v+c); (2) no de "custo imanente de produção" da mer- cadoria (c+v+m), o qual coincide com o valor da mercadoria .. e (3) no de preço de pr~ dução (c+v+Jucro médio). No vol. 2, Marx emprega o te.troo "preço de custo" no sentí- do (3), isto é, no sentido de preço de produçã'o ou "preço médio". Esses tel!llOS aí são sinônimos. Neste volume emprega o tenno "preço de eusto" no sentido de preço de produ- 1069 A verdadeira contribuição dos três livros de Malthus consiste no des· taque que dá à troca desigual entre capital e trabalho assalariado, enquanto Ricardo na realidade nã'o esclarece como surge da troca das mercadorias, segundo a lei do valor (do tempo de trabalho nelas contido), a permuta desi- gual entre capital e trabalho vivo, entre detemúnada quantidade de trabalho acumulado e determinada quantidade de trabalho imediato, e por isso deixa de fato ininteligível a origem da mais-valia (uma vez que, para ele, o capital se troca díretamente por trabalho e nã'o por força de trabalho). Um dos pou- cos discípulos ulteriores de Malthus, Gzzenove, no prefácio à obra mencio- nada acima, Deflnitions etc., atina com a questão e diz: '"/'roca de mercadorias e distribuiçt!a (salário, renda fundiátia, lucro) têm de ser consideradas éoisas distintas entre si. •. As leis da distribuição em nada dependem das referentes à troca ... fJ'refácia, pp. VI e VIl). O que aí significa apenas que a relação entre salário e lucro, a troca de capital por trabalho assalariado, de trabalho acumulado por trabalho vivo, nlfo coincide de imediato com a lei da troca de mercadorias. Se observamos a utilização do' dínheiro ou da mercadoria C()ntO capi· tal - isto é, nã'o seu valor mas sua utilização capitalísta - perçebemos que a mais-valia é apenas o excedente do trabalho, o trabalho Íl!ío pago que o capital - isto é, a mercadoria ou o dínheíro - comanda acima da quantidade de trabalho que a própria mercadoria encerra. Esta compra, ~êm.d-.. quanti- dade de trabalho nela contida(= a soma de trabalho encetrada nos elemen- tos de produção nela incorporados+ o trabalho iÍnediato 3 eles adicionado), um excedente de trabalho que nela nãO se inseriu. Essa sobra constitui a mais-valia; de sua magnitude depende a taxa de valorização. E essa quantida- çâo e também no sentido de custo de produção pua o capítalísta (ver, por exemplo, pp. 1098, 1099, 1414 e 1506). Essa variação no emprego do tenno ''p1eço de custo" decorre dos diferentes significados. que tem a palavra "custo" na economia, a saber: (1) adiantamento pago pelo capitalista; (2) preço do capital adiantado +lucro médio; (3) custo de produção real (imanente) da p.rópria mercadoria. Marx faz observações específicas sobre o assun- to neste volume (ver pp. 1134 ·1138, 1549 e 1550). O termo "preçO de custo", além dos três sentidos consideudos, encontrados nos economistas clássicos, possui um quarto, apresentado por Say em sua obra Trllité d'éco- nomíe politique (li!- ed., t. m, Paris, 1814, p. 453). Segundo Say, p1eço de custo é o que se paga pelos serviços produtivos do trabalho, do capital e da terra. Marx rejeita essa concepção vulgar (ver, por exemplo, vol. 2, pp. 576, 577, 663 e 933). 1070 de excedente de trabalho vivo, por que se troca a mercadoria, constitui a /fonte do 1ucro. O lucro (ou melhor, a mais-valia) nã:o decorre da troca de uma quantidade de trabalho materializado por quantidade igual de trabalho vivo, e sim da porção de trabalho vívo capturada nessa troca sem se pagar por ela um equivalente, isto é, do trabalho não pago de que o capital se apropria nessa pseudotroca. Se abstraímos da mediação desse processo - e faltar essa mediação em Ricardo é o que mais dá razão a Malthus, para omiti-la -, se olhamos somente o conte'Üdoefetivo e o resultado do proces- so, a produção de mais-valia, de lucro, a conv~rs[o do dinheiro ou mercado- ! ria em capital náO surgem da circunstância de a.s mercadorias se trocarem .\ de acordo com a lei do valor, ou seja, na razão do tempo de txabalho que \.' custam, mas, aci revés, da circunstância de as mercadorias ou o dinheiro (tra- ba1ho materializado) se uocarem por mais trabalho vivo do que neles se · incorporou, se consumiu. O único mérito de Malthus nas obra& mencionadas é acentuar esse ponto que, em Ricardo. perde a nitidez, tanto mais que ele supõe sempre o produ~o acabado, que se reparte entre capitalista e trabalhador, sem conside- rar a troca, o processo mediador que leva a essa distribuiçã'o. Esse mérito é anulado por confundir ele a l'alorização do dinheiro ou da mercadoria como capital, ou seja, seu l'alor na função específica de capital, com o valor da mercadoria como tal; por isso, como veremos, a exposiçlfo de Malthus retro- cede ãs idéias vãs do sistema monetário ~ ao lucro de alienação (profit upon exproprlation)7 - e em geral enreda-se na mais -insuportável confusa-o. Assim, em vez de superar Ricardo, procura Malthus fazer a economia recuar às idéias anteriores a Ricacdo e mesmo a Smith e aos fisiocratas. "No mesmo paú, ao mem\O tempo, o valor de troca das mercadorias que podem ser 1eduzidas apenu a trabalho e lucro se.râ medido, a rigor, pela quantidade de trabalho que resultwí de se adicionar ao uabalho acumula- do e ao imediato de fato consumidos para produzi.tas, a magnitude cam- biante do lucro sobre todos os adiantamentos medidos em trabalho. Mas isso tem de ser igual à quantidade de trabalho que elas comandarão" (Tlle Mu:sure of Value Stated (111dnlustrilted, Londres, 1823, pp. 15, 16). "O uabalh.o que uma mercadoria pode comandar é medida do valor" (l.c., p.61). 7. Luéfo de alienação ("profit upon expropriation" ou "profit upon aliena- tion "), conceito desenvolvido por James Steuart, analisado por Mar}[ no wl. 1, pp. 15-18. 1071 "Nunca Yi'' (antes de seu próprio livro The Measure of Value erc.) "quem est11beh:.ccsse que a. normal quan ridade de trabalho que uma mercadoria comanda, tem de 1epresentar e medír a quantidade de trabalho emprega- da pOTa produzi-lo, com a adição do lucro"' (Definir. in PoLEc.etc., Lon- dres, 1827, p. 196). Para Q "lucro" provir da definiçã'o de valor, de imediato, Malthus o inclui logo nessa definição, o que não faz Ricardo. Vê-re daí que ele sente onde está a dificuldade. Além disso, atinge as rafas do absurdo ao identificar o valor da merca- doria com sua valorização como capital. Quando mercadoria ou dinheiro (em suma, tiabalho materializado) na função de capital se trocam por traba- Jho vivo, trocam-se sempre por quantidade de trabalho maior do que o que encerram; e se comparamos a mercadoria, antes dessa troca, com o produto resultante de ser permutada por trabalho \'ivo, verificamos que a me.rcadorla foi trocada por seu próprio valor (equivalente) + uma sobra acima desse valor, a mais-valia. Mas é absurdo dizer por isso que o valor da mercadoria = seu valor + sobra acima desse valor. A mercadoria, se se troca como mer- cadoria por outra e não como capital por trabalho vivo, permuta-se - ao trocar-se por um equivalente - pela mesma quantidade de trabalho materia· lizado nela conti.do. O notável aí, portanto, é apenas a circunstância de Malthus considerar de imediato o lucro, já pronto e acabado, no valor da mercadoria," estando uma coisa clara para ele: que a mercadoria sempre comand.a mais trabalho que o que encerra. 1072 "O trabalho que uma mercadoria de ordinário comanda mede o trabalho nela consumido com o acréscimo do lucro, e é precisamente por isso que é legítimo considerá-lo" (o trabalho) "medida do valor. Se portanto se considerar o valor ordinário de uma mercadoria detenninado pelas condi· ções naturais e necetsárias de sua ofert11, o trabalho que ela nonnalmente comanda é, por certo, a única medida dessas condi~es" (J)efin. fn Pol. Ec., Londres, 1827, p. 214). · "Cusros elementares de produção: exprw.to que é o equivalente exato de condições da oferta" (ed. Cazenove, Londres, 1853, Lc., p.14). "Medida das condi;ties da oferta: a quantidade de trabalho por que se tioca a mercadoria quando se encontra em seu estado natu.ral e usual .. (ed. Cazenove, l.c.,p.14). "A quantidade de trabalho que uma mercadoria comanda iepre~nta a rigor a quantidade de trabalho empregada para produzi-la com o lucro sobre os adiantamentos, e por isso de fato representa e mede as condições naturais e necessárias da oferta, os custos elementares d~ piodução que determinam o valor" (ed. CazenoVe, l.c., p. 25). "A procura de uma mercadoria, ei.nbon não esteja na razão da quantida· de de qualquer outra mercadoria que o comprador pretende e pode ceder por ela. está realmente na razão da quanddti.de de trabalho que ele dará por efa; e por esta razão: a quantidade de trabalho que uma mercadoria de ordinário comanda .cepresenta sua exata p1ocura efetiva, por repre.<$en· tar a rigor aquela quantz'dade de trabalho e lucró necessários em conjunto para se efetuar a oferta dessa mercadoria; enquanto a quantidade real de trabalho que uma me.ccadoria pode comandar, ao diferir da quantidade normal, representa o excesso ou deficiência de procura, oriundos de causas temporárias"' (ed. Cazenow, l.c.; p.135). Malthus está certo aí. As condições da oferta, isto é, da produção ou antes da reprodução da mercadoria, na base da produção capitalista, consis· tem em que a mercadoria ou seu valor (o dinheiro em que se converte) em seu processo de produção ou de reprodução se troca por mais trabalho do · que o nela contido, pois só é produzida para realizar um lucro . . Um fabricante de chita, por exemplo, vende-a, e a condição da oferta de nova chita é trocar ele o dinheiro, o valor de troca da chita - no processo de reproduzi-la - por mais trabalho do que nela se continha ou do que o dinheiro representa. Pois o fabricante de chita a produz como capitalista. O que ele quer produzir não é chita e sim lucro. A produção de chita é apenas meio para produzir o lucro. E daí? Na chita produiída há mais tempo de trabalho, m~s trabalho que na chita adiantada para a produção. Esse tempo de trabalho excedente, mais-valia, também se configura em produto exce- dente, em mais chita do que a trocada pelo traba1ho. Parte do produto portanto não repõe a chita trocada por trabalho, mas constitui produto excedente que p~rtence ao fabricante. Ou quando observamos o produto ínteiro, cada jarda, ou seu valor, encerra uma parte alíquota por que não se paga equivalente e que representa trabalho não pago. Por conseguinte, o fabricante, se vende a jarda de chita por seu valor, isto é, se a troca por dinheiró ou mercadoria que encerrem a mesma quantidade de tempo de trabalho, realizará uma soma de dinheiro ou receberá uma quantidade de mercadoria as quais nada lhe custam. :É que não vende a chita pelo tempo de trabalho que pagou, mas pelo que nela se contém, e não pagou parte desse tempo de trabalho. A chita contém, digamos, 12 xelins de tempo de traba· lho. Ele pagou 8. Vende-a por 12, quando a vende por seu valor, e assim ganha 4 xelins. 1073 2. Concepção vulgar de mais-valia, de Malthus De acordo com o pressuposto, o comprador, sejam quais forem as circunstâncias., só paga o valor da chlta. Isto é, dá uma soma de dinheiro onde se encerra tempo de trabalho igual ao contido na chita. São então pos- síveis 3 casos. O comprador é capitalista. O dinheiro (isto é, o valor da mer- cadoria) com que paga encerra também porção de trabalho não pago. Assim, se um vende trabalho não pago, o outro compra com trabalho não pago. Cada um realiza trabalho não pago, um como vendedor, o outro como com· prador. Ou o comprador é produto autônomo. Então recebe ele equivalente em troca de equivalente. Para ele tanto faz que esteja ou não pago o traba- lho que o vendedor lhe vende na mercadoria.Recebe tanto trabalho materia- lizado quando dá. Ou, por fim, o comprador é assalariado. Também nesse caso recebe, como qualquer outro comprador - supondo-se que a mercado- ria se venda por seu valor - um equivalente em mercadoria por seu dinheiro. Recebe em mercadoria tanto trabalho materializado quanto o que dá em dinheiro. Mas pelo dinheiro que constitui seu salário deu mais trabalho que o contido no dinheiro. Repôs o trabáJho nele encerrado, acrescido ~o traba- lho excedente que fornece grátis. Assim pagou o dinheiro acima de seu valor, pagou portanto o equivalente do dinheiro, a chita etc;, acima de seu valor. Para ele, como comprador, o custo é por consegÍlinte maior do que para o vendedor de toda mercadoria, embora receba na mercadorfaum equi- valente em troca de seu dinheiro; mas não recebe,u no dinheiro um equiva- lente por seu trabalho; ao contrário, deu mais que o equivalente em traba- lho. O trabalhador é portanto o único que paga todas as mercadorias acima do valor delas, mesmo quando as compra por seu valor, porque comprou com trabalho o equívaJente geral, o dinheiro, acima do valor deste. Daí não resulta vantagem para quem vende a mercadoria ao trabalhador. Este não 'lhe paga mais que quaJquer outro comprador~ paga o valor do trabalho. Na realidade, o capitalista que vende ao trabalhador a mercadoria que este pro- duziu, realiza lucro nessa venda, mas apenas o mesmo lucro que obtém com qualquer outro comprador. Seu lucro - no tocante a esse trabalhador - não decorre de lhe vender a mercadoria acima do valor e sim de a ter antes com· prado do trabalhador, no processo de produção, abaixo do valor. Malthus então, ao transformar em valor da mercadoria a valorização da mercadoria como capital, em conseqüência, converte todos os comprado- res em assalaríados, isto é, faz que todos troquem com o capitalista, em vez de mercadoria, trabalho ímediato e lhe dêem de volta mais trabalho que o 1074 contido na mercadoria, quando o lucro dele, ao contrário, deriva de vender o trabalho todo encerrado na mercadoria, enquanto só paga parte do traba- lho inserido na mercadoria. Assim, enquanto a dificuldade para Ricardo é a circunstância de a lei da troca das mercadorias não explicar de imediato a troca entre capital e salário, parecendo ao contrário contradize·la, Malthus resolve a dificuldade pela conversão da compra (troca) de mercadorias em troca entre capital e salário. O que Malthus não entende é a diferença entre a totalidade do trabalho encerrado na mercadoria e a quantidade de traba- lho pago nela contido. Justamente essa diferença constitui a fonte do lucro. Mas, além disso, Malthus é levado necessariamente ao extremo de derivar o luero da circustância de o vendedor vender a mercadoria acüiuz do que ela lhe custa (o que fai o capitalista) e ainda acima dei que ela custa, retrocedendo portanto à concepção wlgar do lucro de alienação; deriva, por isso, a mais- . valia da circunstância de o vendedor vender a mercadoria acima do valor (isto é, por mais tempo de trabalho que o nela contido). O que se ganha como vendedor de uma mercadoria, perde-se como comprador de outra, e é de todo ininteligível o que na realidade se pode ganhar por meio dessa eleva· ção geral e nominal dos preços. Sobretu.do como a sociedade em conjunto pode enriquecer-se por esse meio, e assim efetivar-se mais-valia real ou pro- . duto excedente; Idéia tola e estúpida. Malthus tenta confusamente construir uma teoria em oposição a Ri- cardo e arrebatar-llle a primazia, mas apoiado numa conjectura correta e na consciência de uma dificuldade não superada, apoiando-se em proposições de Smith, que, como vimos, empresta a todos os elementos contraditórios uma expressão ingênua e assím toma-se fonte, ponto de partida de concei- tos diametralmente opostos. Veremos agora como essa tentativa faz sua transição para as vãs concepções vulgares. Se examinamos a valorização da mercadoria como capital, isto é, ao trocar-se por trabalho produtivo vivo, verificaremos que ela comanda, além do tempo de trabalho nela mesma contido, no equivalente que o trabalhador reproduz, tempo de trabalho excedente, que constitui a fonte do lucro. Se transferimos então essa· valorização para o valor dela, todo comprador da mercadoria tem de ser para ela trabalhador, isto é, tem de dar-lhe na com- pra, para repô-la, além da quantidade de trabalho nela contida, uma quanti· dade excedente. Uma vez que, além dos trabalhadores, os outros comprado- res não síío trabalhadores para a mercadoria (mesmo quando. o trabalhador surge como mero comprador de mercadoria, perdura indiretamente a dife- rença antiga, original), é mister admitir que eles não dão de imediato mais trabalho que o contido na mercadoria, mas, o que dá no mesmo, um valor 1075 J - que representa mais trabalho.tPor meio dessa quantidade de "trabalho exce· dente ou, o que dá no mesmo, de valor de mais trabalho" faz-se aquela tran- sição. Na realidade, isso se reduz a isto: o valor de uma mercadoria consiste no valor que o comprador por ela paga, e esse valor é igual ao equivalente ./>: (:valor) da mercadoria + excedente desse valor, mais-valia. A concepção vul- gar, portanto. O lucro consiste em que uma mercadoria se vende mais caro do que se compl'tl. O comprador adquire-a com quantidade maior d~~raba- lho ou de trabl\lho materializado do que o que ela custa ao :vendedor. ,1 Mas, se o próprio comprador é capitalista, vendedor de mercad~ria, e seu dinheiro - o meio de compra - representa apenas mercadoria vendída, resultará daí apenas que· os dois lados vendem caro demais as respectivas mercadorias, se fraudam reciprocamente e na mesma proporção, ao realiza- rem ambos a mera taxa geral de lucro: Donde viriam então os compradores que pagam ao capitalista a quantídade de trabalho, igual à contida em sua mercadoria + seu lucro? Por exemplo, a mercadoria custa -ao vendedor 10 xelins. Ele a vende por 12. Por isso, comanda trabalho correspondente a 10 xelins e ainda a 2 xelins mais. Mas o comprador também vende sua merca- doria que custa 10 xelins por 12Í Cada um perde como comprador o que ganhou como vendedor. A única exceção é a classe trabalhadora_. Pois, tima vez que o preço do produto ultrapassa o custo, só pode readqúlrir parte do produto, e assim outra parte do produto ou o preço dela constituí lucro para o capitalista. Mas, uma vez que o lucro decorre justamente de os tra!>alhado- res só poderem readquirir parte do produto, nunca pode o capitaliSta (a elas-, se capitalista) realizar seu lucro por meio da procura dos trabalhadores, isto é, trocando o produto todo pelo salário; realiza-o, ao contrário, mediante a troca do salário todo por parte apenas do produto. Além dos próprios traba- lhadores, outra procura e outros compradores são necessários, ou não haverá lucro. Donde virão eles? Se são os próprios capitalistas, os próprios vendedo- res, surge o mencionado logro recíproco entre os capitalistas, ao fazerem a elevação nominal recíproca das respectivas mercadorias e ao ganhar cada um como vendedor o que perde como comprador. São portanto necessârios compradores que rufo sejam vendedores, para que o capitalista realize seu lucro e ''venda por seu valor" as mercadorias. Daí a necessidade dos proprie- tários das terras, dos pensionistas, sinecuristas, clérigos etc., sem esquecer- mos seus serviçais e lacaios. Como esses "compradores" se apoderam dos meios de compra - como antes, têm de tomar dos capitalistas, sem dar equi- valente, parte do produto para voltarem a adquirir, com o que assim conse- guiram, menos que um equivalente .,.., não explica Malthus; Em todo caso, daí resulta sua argumentação em favor do maior acréscimo possível ~ 1076 classes improdutivas, a fim de que os vendedores encontrem mercado, procura para sua oferta. E daí resulta ainda que o panfletista contra o cresci· rnento da população 11 prega como condição da produção o superconsumo constante~ e que os que nada f~zern se apropriem,o mais possível, do produ- to anual.\}.. argumentação oriunda necessariamente da teoria acresce a de que o capital representa o afã de n"queza abstrata, o afã de mais-valia, que só pode realizar-se por meio de uma classe de compradores que corporificam o afã de despesa, consumo, dissipação, justamente as classes improdutivas, que são compradoras sem serem vendedoras.\.. 3. Traços comuns aos malthusianos e ricardianos em sua posição para com a classe trabalhadora Qaquela base emergiu deliciosa polêmica na década dos 20 (em geral vai de 1820 a 1830 a grande época metafísica da economia política ínglesa) entre maJthusianos e ricardianos. Estes, como os malthusíanos, também consideram necessário que o próprio trabalhador não se aproprie de seu pro· duto, mas que parte deste caiba ao capitalista, para que o trabalhador tenha estimulo para produzir e assiro fique assegurado o desenvolvimento da rique· za. Mas os ricardianos se enfurecem contra a idéia malthusiana de que pro· prietários das terras, sínecuristas do Estado e da Igreja e toda uma cáfila de lacaios ociosos tlS_m primeiro de se apoderar, sem dar equivalente, de parte do produto dos capitalistas (tal como estes fazem com o trabalhador), para depois comprar as próprias mercadorias deles, dando-lhes lucro. Embora os ricardianos sustentem a mesma coisa contra os traballiadores. A fim de cres· cera acumulação e, em conseqüência, a procura de trabalho, o trabalhador tem de ceder grátis a maior quantídade possível de seu próprio produto ao capitalista, para que este de novo reconverta em capital a renda (revenue) líquida assiro acrescida. O mesmo pensam os malthusíanos. Tomar grátis dos 8. Malthus tJata do assunto em sua obraAn essay 011 the pn·nciple ofpopulation, aparecida primeiro ein 1798, em Londres, sem o nome do autor. Sustenta aí que a miséria das populações laboriosas decorre de a capacidade de crescer da população ultrapassaI a da teua, de fornecer meios de subsistência à humanidade. Segundo Mal- thus, a população, se não for contída, aumentará cm progressão geométrica, enquanto os meíos de subsíst&lcía só aumentarão em progressã"o aritmética, 1077 capitalistas industriais, a título de renda fundíária, tributos etc., o máximo possível, a fün de que eles possam continuar a vender, com lucro, o qui: lhes resta aos "cotistas" que lhe s!fo impostos. O trabalhador não deve apropriar- se de seu próprio produto, a fim de não perder o incentivo para o trabalho, dizem em coro ricardianos e malthusianos. O capitalista industrial tem de transferir parte de seu produto para classes meramente consumidoras - os que nasceram para fruir9 -, para que estes, em condições desvantajosas, troquem com ele o que lhes foi transferido. Do contrário, o capitalista per- deria o estímulo para produzir, que consiste justamente em obter grande lucro, em vender sua mercadoria bem acima do valor. Voltaremos mais tarde a essa degladiaçã'o cômica. 4. É unilateral a interpretação malthusiana da teoria do valor de Smith. Utilização das teses falsas de Smith no combate a Ricardo Antes de mais nada, para mostrar que Malthus acaba c;hegando à con- cepção totalmente vulgar: ; "Qualquer que seja o número de operações íntennediá:rias de-'ti:oca ocor· rentes no tocante ~ mercadorias - remetam-nas os produtores para a China ou vendam-nas .no mesmo local o.ndê as produzem-, a questão de existir um mercado adequado para elas depende apenas de poderem seu:t produtores repor seus capi!4ú com o lucro wzwú e assim ficai:em capacita- dos a prosseguir .no negócio com sucesso.Mai, que são seus capitais? São, como afuma A. Smith, os instrumentos com que se·trabalha, os materiais consumidos no trabalho e os meios de comandar a quantidade necessária de uabalho" (p.70}. (E isso, diz ele, é o trabalho todo consumido na mercadoria. O lucro é um excedente sobre o trabalho despendído na mercadoria. Na realidade, portanto, acréscimo nominal sobre o custo da mercadoria.) E para que não paire a menor dúvída sobre seu modo de ver, cita ele, aprovando e ratifican- do como seu próprio ponto de vista o que diz Colonel Torrens, On the Pro- duction of Wealth, cap. VI, p. 349: 9. Em Marx, aexpressã'o está em latim: "fruges oonsum$I'C nati" (Horácio). 1078 "A procura efetiva consiste no poder e propensão dos consumidores" (a oposição entre compui.dores e vendedores torna-se a oposição entre con- sumidores e produtores), "de dar por mercadorias, mediante troca direta ou indíreta, porção de todos os ingredientes do capital, maior que o custo de pzoduzi-los" (j)efin.,ed. Cazenove, pp.70, 71). E o próprio Cazenove, o editor, apologista e comentador das Defini- tions de Malthus, diz.: "O lucro não depende da proporção em que as mercadorias se trocam" (pois, se fosse levada em conta apenas a troca de mercadorias entre capitalis- tas - ao se excluir a troca com trabalhadores, que não têm outra mercado· ria, além do trabalho, para trocar com aqueles -, ficaria evidente na teoria de Malthw o disparate de considerar o lucro mero acréscimo recíproco, nominal dos preços das mercadorias dos capitalistas. Daí ser necessário que se omita ·a troca de mercadorias e que pessoas que não produzem mercado· rias troquem dínheiro), "sendo possível que a mesma propoIÇão se mantenha para todos os níveis de lucro, e sim da proporção para com o salário ou da que se requer para cobrir o custo original (prime cost) e que em todos os casos é determina· da pelo ·nível em que o sacrifr'cío feito pelo comprador, ou o valor do trabalho que ele dd, para adquírir a mercadoria excede o feito pelo p1odu· torpa:ra levá-la ao mercado" (Cazenove, 1.c., p. 46). Para chegar a esses maravilhosos resultados tem Malthus de fazer pom· posos preparativos teóricos. Antes de mais nada, por apegar-se a uma única faceta de Adam Smith, configurada na proposição de ser o valor da merca- doria ígual â quantidade de trabalho que ela comanda, ou pela qual é coman· dada ou se troca, é mister que se eliminem as objeções levantadas pelo pró· prio A. Smith, por seus sucessores e tambêm por Malthus, à alegação de que o valor d~ uma mercadoria, o vdlor, pode ser medida do valor. A obra The Measure of Value stated and il/ustrated, Londres, 1823, é genuíno modelo de pensar de um intelecto obtuso, que, aturdindo-se a si mesmo num processo casuístico, abre caminho at.ravés da p~ópria confusão, e com seu estilo emaranhado e lerdo deixa no leitor ingênuo e incompeten- te a impressão de que a díficuldade de esclarecer a confusão não está em serem incompatíveis a confusão e a clareza, mas na falta de compreensão da parte dele. 1079 O que Malthus tem de fazer primeiro é apagar a distinção de Ricardo entre ''valor do trabalho" e "quantidade de trabalho"1º. e reduzir a justapo- sição deles, feita por Srníth, a um aspecto único e falso. - "Qualquer quantidade de trabalho dada tem de ter o mesmo valor (h; salário que comanda ou por que de fato se troca" (The Measure of Value stated ond illustrated, l.ondtes, 1823, p .5). O objetivo dessa frase é igualar as expressões: quantidade de trabalho e valor do trabalho. · Em si, a frase expressa merà tautologia, um truísmo absurdo, Uma vez que o salário ou aquilo "por q_ue" (a quantidade de trabalho) "se troca" constitui o valor dessa quantidade de trabalho, é uma tautologia dizer: o valor de determinada quantidade de trabalho é igual ao salário ou à quanti· dade de dinheiro ou mercadoria pela qual se troca esse trabalho. Noutras palavras, isso quer dizer apenas que o valor de troca de determinada quanti- dade de trabalho é igual a seu valor de troca, chamado aliás de salário. Mas daí nã"o se segue que (abstraindo-se .de que o que se troca diretànÍente por salário não é trabalho e sim força de trabalho; o disparate toma~se pos,~ível em virtude da confusão feita) detenninada quantidade de trlj.bil.Í.ho é igual a detenninada quantidade de trabalho contida no salário ,ou no dinheiro ou nas mercadorias onde figuramos salários. Se um operário trabalha ,12 horas e recebe de salário um produto de 6, esse produto de 6 horas constitui o valor de l 2 horas de trabalho (porque o salário representa a mercadoria per- mutável por 12 horas de trabalho). Daí não se infere que 6 "horas de trabalho = 12 horas, ou que a mercadoria que representa as 6 horas, é igual à que representa as 12 horas. Não se deduz que o valor do saládo é igual ao valor do produto em que o trabalho se mat.erializa. Deduz-se apenas que o valor do trabalho (por ser medido pelo valor da força de trab,alho e não pelo tra- balho realízado por essa força), o valor de dada qt,1antidade de trabalho contém menos trabalho em relação à quantidade que compra; que por i~o o valor da mercadoria em que se materializa o trabalho comprado difere muito do valor da mercadoria com o qual se comprou essa dada quantidade de trabalho e pelo qual foi ela comandada. 10. Sobre os conceitos- "valoJ do trabalho'• e "quantidade de trabalho" segun- do Rieardo, ver vol. 2, p. &27. - 1080 Malthus tira conclusão oposta. Porque o valor de dada quantidade de trabalho é igual ao valor dela, infere que o valor que essa quantidade de trabalho representa é igual ao valor do salário. E daí segue-se ainda que o trabalho imediato (isto é, depois de excluídos os meios de produção) que uma mercadoria absorve e encerra, não cria valor maior que o por ele pago; reproduz apenas o valor do salário. Daí resulta nec~ss111iamente que não se pode explicar o lucro se o valor da.r; mercadorias for detemúnado pelo traba- lho nelas contido; quer dizer, é mister buscar outra fonte para explicá-lo, desde que o valor de urna mercadoria tenha de incluir o lucro que ela realiza. Pois o trabalho nela despendido consiste (1) no encerrado na maquinaria desgastada etc .. e que reaparece no valor do produto, e (2) no contido nas matérias-primas consumidas. ~ claro que esses dois elementos não aumen- tam a quantidade de trabalho neles inserida antes de se produzir a nova rner· cadoria., por se tomarem meios de produção de nova mercadoria. Resta por- tanto (3) o trabalho contido nos salários e que se trocou por trabalho vivo. Mas este, segundo Malthus, não é maior que o trabalho materializado por que se troca. Por isso, uma mercadoria não contém nenhuma parte de traba- lho não·pago, mas apenas trabalho que repõe equivalente. Segue-se daí que, se o valor da mercadoria fosse determinado pelo uabalho nela encerrado, ela não daria lucro. Se dá lucro, este é por conseguinte um excesso de seu preço sobre o trabalho que ela contém. Para ser vendida por seu valor (que inclui o lucro), tem portanto de comandar uma quantidade de trabalho= quantida- de de trabalho nela mesma despendida + excedente de trabalho que repre· senta o lucro realízado com a venda da mercadoria. 5. Interpretação malthusíana da tese de Smith sobre o valor imutável Ademais. para que o trabalho, niío a quantidade de trabalho requeri- da para a produção e sim trabalho como mercadoria, sirva de medida dos valores, estabelece Malthus que· "o valor do trabalho é constante" (The Measure <>! Volue etc., p. 29, nota). 1081 (Essa afümaç!!o nada tem de origínal; é mera paráfrase e reelaboração da tese de A. Smith, 1.1, cap. V, ed. Garnier, t.l, pp.65, 66: "Quantidade> iguais de trabalho têm de representar, para o trabalhador, o ·mesmo valor em todos os tempos e em todos os lugares. Em estado nor· mal de saúde, vigor e disposição, e de acordo com o grau de atividade e destreza, tem sempre de ceder a mesma porção de repouso, de liberdade e felicidade. Qualquer que seja a quantidade de mercadorias que receba em remuneração de seu trabalho, o preço que paga é sempre o mesmo. Esse preço pode na verdade comprar quantidade ora menor oramaior de mercadorias, mas, só por variar o valor delas, não varia o valor do traba· lho que as compra. Em todos os tempos e em todos os lugares é caro o que é difícil de obter ou o que custa muito babalho adquirir, e barato o que se pode obter com facilidade ou com pouco trabalho. S6 o trabalho mantém sempre inalterado o próprio valor e por isso é a única medida real e definitiva capaz de medir e comparar o valor de tod~ as me1cado- rias em todos os tempos e em todos os lugares.") {Além disso, a descoberta de Malthus - da qual tanto se orgulha e diz ter sido o primeiro a fazê.la -, a saber, que o valor é igual à quantidade de trabalho contida na mercadoria e acrescida de uma quantidade de trabalho configuradora do lucro, também parece ser pura e simples combinação das duas p~posições de Smith (o plagiário nunca larga Malthus), em,-1 .t cap. VI (ed. Gamier, t.I, p. 100): · "O valor real de todas as diferentes partes constitutivas do p~ se mede pela quantidade de trabalho que cada uma delas pode comprar ou coman- dar. O trabalho mede o valor tanto da parte do preço a qual se reduz a trabalho, quanto da que se reduz a rendo fimdiária é da que se reduz a lucro.") Nesse sentido diz Malthus: "Se sobe a procul1) de trabalho, os salinos maío~s dos trabalhadores pro- vêm não de uma ascençtro no valor do trabalho e sim de uma queda no valor do produto por que se boca o trabalho, No caso de abundância de uabalho, os salários baixos dos uabalhadores decorrem de alta do valor do produto e não de queda do valor do trabalho" (The Mea~re of Value etc., p.35) (cf, pp.33-35). Deliciosa a ironia que Bailey faz com a demonstração malthusiana (va· lor inVariável do trabalho) no sentido de ser constante o valor do trabalho, como segue (a demonstração ulterior de Malthus, não a de Smith; sobretudo a proposiçã'o): 1082 "Da mesma manell:a poder·se·ía p:rovar que qualquer artigo tem valor invariável; por exemplo, 10 jardas de pano. Pois, dêem-se 5 ou 10 libras pelas 10 jar®, a soma dada será .sempre igual ao valor do pano que ela paga ou, noutras palavras, será de valor invariável em relação ao pano. Mas o que se dá por coisa de valor invariável tem pot sua vez de ser úwa- riável, e por isso as 10 jardas de pano têm de ter valor invariável ... e inci- dir na mesma espécie de frivolidade atribuir ao salírio valor invariável, porque, embora variável em magnitude, comanda a mesma porção de tra- balho, ou dizer que a soma paga por um chapéu é de valor in"f11riável por- que, embota às vez.es acresça e às vezes decresça, sempre compra um cha· péu" (A CriticaJ Dfsrertation on the Nature, Mea.wm, anà Causes of Va/ue etc., l.ondres, 1825, pp.145 a 147). Na mesma obra, satiriza ele as tabelas de dados numéricos absurdas, impressionantes pela aparência de profundidade. com as quais Malthus. "ilus- tra" sua medida do valor. Em seu livro Dejinitions in Polit. Econ., Londres, 1827, Malthus desa- bafa seu desgosto pelo sarcasmo de Bailey, e procura, entre outras coisas, demonstrar o valor ínvariável do trabalho assim: "Um grande grupo de mercadorias, como produtos primários, encarece com o progresso da sociedade, em comparação com o trabalho, enquanto os produtos manufaturados barateiam. Desse modo, não está longe da verdade quem diz que a quantidade média de mercadoria que dada quan- tidade de traballm comanda no mesmo país, não experimenta, no decuno de vários sêculos, variação muito substancial" (Defiriitions etc., Londres, 1827, p. 206). Como a demonstração do "valor invariável do trabalho", é também maravilhosa a que M;ilthus faz de que a ascensão dos preços em dinheiro do salário tem de acarretar alta geral dos preços em dinheiro das mercadorias. "Se subir em geral o salário em dinheiro do trabalho, o valor do dinheiro call:á proporcíonalmente; e quando o valor do dinheiro cai ... sempre sobem os preços das mercadorias" (Deftn., Lc., p.34). É mister justamente demonstrar que, ao cair o valor do dinheiro em relação ao salário, sobe o valor de todas as mercadorias em relação ao dinhei- ro, ou que o vaJor dinheiro, estimado na-o cm dinheiro e sim em outras mer- cadorias, cai. É o que Malthus demonstra por suposição. 1083 6. Malthus utili;z.aas teses ricardianas sobre a modificação da lei do valor para contestar a teoria do valor-trabalho Os elementos para contestar a definição ricardiana do valor, retira-os Malthus totalmente das proposições estabelecidas primeiro pelo próprio Ricardo, relativas ãs variações nos valores de troca das mercadorias e inde- pendentes do traballio nelas despendido, produzidas pela composição dife· rente do capital, a qual decorre do processo de circulação - proporções diferentes de capital circulante e fixo, diferentes graus de durabilidade do capital fixo empregado, diferentes tempos de rotação do capital circulante. Retira-os, em suma, da confusão que Ricardo faz entre preço de custo e valor, ao conceber, como modificações do próprio valor, os nivelamentos dos preços de custo, que não dependem da quantidade de trabalho emprega· da nos ramos particulares de produção, lançando assim por terra o princípio todo. Malthus apreende essas contradições, destacadas e descobertas primei- ro pelo próprio Ricardo, referentes à' determinação do valor pelo tempo de trabalho, não para resolvê-las e sim para retroceder a meras concepções levia- nas e fazer passar por solução delas o enunciada dos aspectos contraditórios, a conversfío destes em palavras. O mesmo método vemos seguido na díssolu- ção da escola ricardiana, como é o caso de James Mille MacCullQch, que charlam procurando harmonizar os aspectos opostos diretamente. com a lei geral, por meio de definições e distinções escolásticas e ridículas, a fim de exorcizá-los, com o que, aJ,iás, se destrói a própria base.. , · A seguir, as frases em que Malthus emprega o material que o próprio Rícardo lhe forneceu contra a lei do valor e que utiliza contra ele; 1084 "Observa A. Smith que o trigo tem uma colheita por ano, e o gado um desfrute pot cada 4 ou 5 anos; em conseqüência, se comparamos duas quantidades com igual valor de troca, uma de trigo e outra de carne, é certo que uma diferença de 3 ou 4 anos adicionais de luc10 a 15% sobie o capital empregado na produção da carne servirá, exclu{das outras con· sideraçõ~. para compensar em valor uma quantidade bem menor de trabalho. E assim podemos ter duas mercadorias de igual valor de troca, enquanto o trabalho acumulado e imediato é numa 40 ou 50 por cento menor que na outra. i o que se dá todos os días com muitas mercadorillS importantes do país; e se o lucro cair de 15% para 8%, o valor da carne em relação ao do trigo cairá em mais de 20% (The Measure of Value stated etc., pp. 10, 11). Uma vez que o capital consiste em mercadorias e grande parte das mercadorias que nele entram ou que o formam têm um preço (isto é, valor de troca no sentido vulgar) que não consiste em trabalho acumulado nem imediato, mas decorre - desde que consideremos apenas essa mercadoria particular - de mero acréscimo nominal de valor, gerado pela adiçã'o do lucro médio, diz Malthus: .. O trabalho não é o único elemento que entra no capital" (Defin., ed. Cau:nove, p. 29). "Que são os custos de produção? ..• a quantidade de trabalho que $e tem de de~pender na mercadoria e nos instrumentos e materiais oonsumidos para produzi-la, acrescida de quantidade adicional, equivalente ao lucro usual.dos adiantamentos no prazo em que foram feitos" (1.c., pp. 74, 75). "Pelo me!IIJlo motivo, Mil! está de todo enado ao ehamar o capital de trabalho acumulado. Pode-se talvez chamá-lo de trabalho acumulado e lucro; por certo, não trabalho acumulado apenl?S, a não ser que decida- mos chamar lucro de trabalho" (l.c., pp. 60,61). "J;. erro essencial dí.zer que os valores das mercadorias siio regulados ou determínadoslela quantidade de trabalho e de capital necestária para produzi-las. essencialmente verdadeiro diZer que são regulados pela quantidade de trabalho e de lucro n«essária para as produzir'~ (1.c., p.129). A esse respeito observa Cazenove em nota à p.130: "A expressão trabalho e lucro está sujeita à objeção de que os dois não são teanos correlatos, sendo o trabalho um fator e o lucro um resultado; um, a causa, e o outro, a conseqüência. Por isso, Senior substituiu-a por 'trabalho e abstínlncia'. Contudo, é mister reconhecer que a causa do lucro nio é a abstinência, mas o uso produtivo do capital." Nas palavras de Senior: "Quem converte sua renda (revenue) em capital abstém-se da fruição que lhe proporcionaria o d:bpêndío dela". Bela explicação. O valor da mercadoria consiste no trabalho nela encenado+ lucro; em trabalho nela contido e em trabalho que nela não se contém, mas que lhe tem de ser pago. ·Outra contestaçã'o que Malthus faz a Ricardo: "A afürn:ação" de Ricardo, "de que, ao subir o valor do salário, os lucros caem proporcionahnente e vice-versa, só é verdadeira supondo-se que as me1cadorias em que se despendeu a mesma quantidade de trabalho têm 1085 sempre o mesmo valor, o que em 500 casos se -yerifica em l, porque, com o pcogresso da civilização e os melhoramentos, a quantidade de capital fixo empregado aumenta semp[e e toma cada vez mais diversificados e desiguais os tempos de rotaÇão do capital circulante" (Defm., Londres, 1827,pp.31,32). (O mesmo nas pp. 53, 54 da edição de Cazenove, onde Malthus diz líteralmen te: "O estado natural das coisas" deteriora a medida do valor de Ricardo, pois dele resulta que, "com o progresso da ciYilização e com os melhora- mentos, cresce sempre a quantidade de capital fixo empregado e se tor- nam cada vez mais diversificados e desíguais os tempos de rotação do capital círculante. ") - "O próprio Ricardo admite consideráveb exceções à sua regra; mas, se examinamos os casos que constituem exceções, isto é, em que as quanti- dades de capital fixo empregadas são diferentes e de graus de duração dive[sos, e em que não são os mesmos os períodos de rotação do capital circulante aplicado, verificaremos que elas são tio numerosas que a 1egra bem pode ser considerada a exceção, e as exceções, a 1egra" (p.SO). 7. Definição vulgar do valor de Malthus. Malthus conSidera o lucro acréscimo sobre o preço. Contesta a idéia ricardiana do salário relativo · Em concordância com o já visto, Malthus explica ainda o valor11 : "A avaliação de uma mercadoria s.e funda em seu custo para o comprador ou no sacrifi'cw que ele tem de fazer para adquiri-la, e que se mede pela quantidade de trabalho que cede par e/IJ ou, o q~ dá no memio, pelo trabalho que ela comanda" (Dejin., ed. Cazenove, pp. 8, 9). Cazenove destaca esta diferença entre Malthus e Ricardo: l L Cazenove formula essa definição do valor na base de enunciados de Malthus e de Adam Smith; deste tomou Malthus de empréstimo a determinação do valor da mercadoria pela quantidade de trabalho vivo que ela pode comprar. 1086 "Rícaido, como A. Smith, adotou o trabalho como a verdadeita medida dos custos; mas aplicou-o apenas aos custas de produçoã; ... mas o tlllba· lho pode medir também os custos pana comprador" (Lc., pp. 56, 5 7). Em outras palavras: o valor de uma mercadoria é igual â soma de di- nheiro que o comprador tem de pagar, e é melhor avaliar essa soma pela quantidade de trabalho comwn que ela pode comprar.* Mas, naturalmente, nfo se diz como é determinada a soma de dinheiro. :e a concepção de todo vulgar que se obtém da coisa na vida cotidiana. Mera trivialidade em estilo grandiloqüente. Noutras palavras, quer dizer apenas que preço de custo e valor sâ'o idênticos, confusão que em A. Smith e mais ainda em Ricardo con· traria a análise real, mas que Malthus erige em lei. :S a idéia que tem do valor o filisteu e prisioneiro da concorrência, que dela só conhece a aparência. Que determina então o preço de custo? Os adiantamentos acrescidos de lucro. E que é que detemrina o lucro? Donde vem o fundo para o lucro, donde o produto excedente em que se representa esse valor excedente? Se se trata apenas da aJta nominal do preço do dinheiro, nada mais fácil que elevar ~ valor das mercadorias. E que é que detennina o valor dos adianta- mentos? O valordo trabalho neles contido. diz Malthus. E que é que deter- mina esse valor? O valor das mercadorias em que se despende o salário. E o valor dessas mercadorias? O valor do trabalho+ lucro, E assim prosseguimos em círculo. Suposto que se pague de fato ao trabalhador o valor de seu tra· balho, isto é, que as mercadorias (ou sorna em dinheiro) que formam seu salário se igualem ao valor das mercadorias (soma em dinheiro) em que se realiza seu trabalho, de modo que, ao receber salário de 100 tá.leres, apenas adiciona ele ã matéria-prima etc., em .suma, aos adiantamentos, valor de 100 táleres, o lucro em geral, nessas condições, só poderá consistir num acrésci- mo que o vendedor, ao vender, faz sobre o valor real da mercadoria. e o que fazem todos os vendedores. Desde que os capitalistas portanto façam as trocas entre si, nenhum obtém coisa alguma por meio desse acréscimo, e muito menos se cria assim um fundo excedente donde possam tirar sua ren- da (revenue). Só os capitalistas cujas mercadorias entram no consumo da classe trabalhadora farão o lucro real, não ilusório, voltando a vender mais caro aos trabalhadores as mercadorias que compraram deles. As mercadorias que compraram dos trabalhadores por 100 tálere$, revendem-lhes por 110. * Malthus prenupõe a existência do lucw para então mensurar seu valor por meio de uma medida externa. Não toca na questlío de sua origem e de sua possibilidade intrínseca. (Nota.de Marx.) 1087 Isto é, só lhes revendem 10/ l 1 do produto, e guàrdam para si 1/ 11. Significa isso outra coisa a nã:o ser que, por exemplo, ao trabalhador que trabalha 11 · horas, só 10 sã'o pagas, só lhe é dado o produto de 10 horas, enquanto ao capitalista, que não dá um equivalente, cabe l hora ou o produto dela? Que quer dizer isso senâ"o que - no tocante à classe trabalhadora - o lucro é obtido porque ela executa grátis para os capitalistas parte de seu trabalho, e porque assim "quantidade de trabalho" não tem o mesmo sentido de ''valor do trabalho"? Os outros capitalistas, uma vez que nfo tivessem esse recurso, só fariam lucros imaginários. O pouco que Malthus entendeu das primeiras proposições de Ricardo, sua total incompreensão da circunstância de o lucro ser possível de outra maneira que não seja a adição de um acréscimo, sãO coisas, entre outras, em evidência contundente no seguinte trecho: "t admissível que as primeiras mercadorias, se prontas e acabadas e obje- to de uso imediato, resultem de trabalho puro, e seu valor seja por isso determinado pela quantidade de trabalho; todavia, é de todo impossfvel que esw mercadorias sejam empregadas como capital para produzir oot.ras mercadorias, sem o capitallsra privar-se do uso de seu capital adian- tado durante certo período e sem exi,U uma remuneração na forma de lucro. Nos períodos Íll:iciais da sociedade, em virtude da relativa escassez desses adiantamentos de trabalho, essa remuneração seria, alta e influiria muito no valor dessas mercadorias, por causa da taxa elevada de lucro. Nos estágios mais adiantados da sociedade, o valor do capital e das merca.-- dorias é muíto influenciado pelos lucros porque acresce ,muito o· e.apitai fixo empregado e é maíor o prazo por que. se adian~a grande parte do capital circulante, até que o capitalfata se reembolse' com ·a receita. Em ambot os casos, o montante variável dos lucrot influencia de maneira enencial a taxa a que se trocam tlS mercadorias." (EJéfinit., ed. Cazenove, p.60). A concepção do salário relativo é um dos maiores méritos de Ricar- do.12 Consiste em que o valor do salário (e portanto do lucro) depende absolutamente da proporção do segmento da jomada de trabalho durante o qual o trabalhador trabalha para si mesmo (para produzir ou reproduzir seu salário), com o segmento_ da jornada destinado ao capitalista. Isso é impor· i.(l.nte no domínio econômico, e é de fato apenas outro modo de expressar a teoria verdadeira da mais-valia. Adernais, é importante para a relação social de ambas as classes. Malthus fareja aí o risco e é forçado por isso a objetar: 12. Ver vol. 2, pp. 848·856. 1088 "Nunca encontrei um autor anterior a RkMdo que usasse o t(mno saldrio ou salário real em sentido que envolvesse uma proporção." (Ricardo fala no valar do salário, por certo representado também na parte correspondente do produto.) "O lucro na veidade implica proporções; e a taxa de lucro sempre foi com acerto calculada por uma percentagem sobre o vtllor do capit/Jl adiantado." (O que Malthus entende por valor dos adiantamentos é muito difícil, e para ele mesmo impossível, de dizer. Segundo ele, o valor de uma mercado- ría é igual aos adiantamentos nela contidos+ lucro. Uma vez que os adianta· mentos, fora o trabalho imediato, também consistem em mercadorias, o valor dos adiantamentos será igual aos adiantamentos neles contidos+ lucro. Desse modo, o lucro = lucro sobre os adiantamentos+ lucro. E assim até o infinito. "Mas er:i universal C-Onsíderai que o salário subia ou caía, não segundo uma proporçlio que tivesse com o produto total obtido com certa quanti· dade de trabalho, e sim de acordo com a quantidade maior ou menor de determinado produto, recebida pelo trabalhador, ou de ··ilonfonnidade com o poder maio1 ou menor desse produto de conundllr os bens perti- nentes às necessidades e às comodidades da vida" (J)efin., Londres, 1827, pp.29,30). Uma vez que, na produç!o capitalista, o valor de troca - o acréscimo do valor de troca ~ é o objetivo imediato, importa saber medi-lo. Uma vez que o valor do capital adiantado se exprime em dinheiro (real ou de conta), mede-se a magnitude desse acréscimo pela magnitude em dinheiro do pró· prto capital, e adota-se por medida um capital (soma em dinheiro) de gran- deza determinada 100. "O lucro do capital", diz. Malthus, "consiste na diferença entre o valor do capital adiantado e o valor da mercadoria quando vendida ou utilizada" (Def in Polit. Ec., Londres, 1827, pp. 240, 241). 1089 8. Idéias de Malthus sobre trabalho produtivo e acumulação a) O trabalho produtivo e o improdutivo "O ser humano despende renda (revenue) com vistas ao sustento imediato e ao praze1, e despende capital para produzir lucro" (Dejin., Londres, 1827, p. 86). . Um trabalhador e um criado são "dois instrumentos bem distintos: um ajuda a criar riqueza, o ou txo, a consumi-la" (1.c., p. 94) 13 . É boa a seguinte definição de trabalho produtivo: Trabalho p1odutivo é o que aumenta diretamente "a riqueza do patrão" (Princ. of Pol. Ec., Londres, 1836, p. 47). hnporta acrescentar ainda o trecho: "O único consumo pmdutivo no ve1dade.iro sentido é .o consumo e des- truição de riqueza por capitalistas para fim de xep1odução.,. O trabalha- dor que o capitalista emprega consome po1 certo como 1enda, com vistas ao sustento e ao praze1, aquela parte que não poupa do salário;' não a con- some como capital, com o objetivo de pmduziI. E um· consumidor produ- tivo para a pessoa que o emprega e para o Estado, mas, em sentido exato, não para si mesmo" (Def., ed. Cazenove, p.11). ' 13. Essa citação de Malthus 1eproduz quase literabnente as observações de Smith apresentadas por Marx no vol. 1. pp. 135 e 136: (" ... o trabalho de um operário da manufatura geralmente ae1escenta ao valo1 do material por ele trabaJhado o valo1 de seu próprio sustento e o IJJcro do patrão. O trabalho de um criado, ao contrário, não adiciona valor... Um homem enriquece empregando grande número de ope1ários; empobrece sustentando grande número de criados"). Ao colocar aí o título "O trabalho produtivo e o improdutivo", o tema lançado e desenvolvido por Smith, está Marx alu- dindo à circunstância de Malthus te1 utilizado uma idéía de Smith. 1090 b) A cumulação "Nenhum·economista político hodierno pode considerar poupança mero entesouramento; excetuado este vezo tacanho e ineficaz, não se pode imaginar para o tenno outro uso no tocante à riqueza nacional, a não ser o que tem de provir do emprego diferenteda poupança, fundado sobre a distinção real entre as diversas espécies de trabalho por ela mantidas" (Princ. of Pol., pp. 38, 39). "Acumulação de capital: emprego de uma porção de renda (revenue) como capital. Por isso, o capital pode aumentar sem acréseimo dos have- res ou da riqueza" (Defin ., ed. Cazenove, p. 11 ). "Hábitos prudentes relacionados com o matrimônio, se mantidos além de certo ponto pelas classes trabalhadoras de um país que depende sobretu- do da indústria e do comércio, prejudicariam esse país" (P. of Pol. Ec., p. 215). . É o que diz o pregador dos entraves à superpopulação. "A carência dos meios de subsistência é o que mais incentiva as classes trabalhadores a produzirem os bens suntuários; e se se remover ou ate- nuar esse incentivo, de modo que se consigam os meios de subsistência com muito pouco trabalho, teremos toda razão em supor que não se dedi- cará tempo maior e sim menor à produção de artigos de luxo" (P. of P.E., p. 334). Mas, ~ da maior importância para o mestre da teoria da superpopula- ção, o seguinte trecho: "De acordo com a natureza da população, um acréscimo de trabalhadores não pode ser levado ao mercado, em conseqüencia de uma procura parti- cular, até decorrerem 16 ou 18 anos, e a conversão de renda (revenue) em capital por meio da poupança pode-se dar com muito mais rapidez; um pa(s está sempre propenso a aumentar o fendo de trabalho com mais rapi· dez que a população" (Lc.,pp.319,320). Cazenove observa com acerto: "O capital, quando aplicado para adiantar os salários dos trabalhadores, nada acrescenta ao fendo destinado a sustentar o trabalho, mas consiste apenas no emprego de porção determinada desse fundo já existente para fins de produção" (Def. in P. Ec., p. 22, nota). 1091 9. O capital constante e o variável segundo Malthus "Trabalho acumulado" (ou melhor, trabalho materializado, trabalho objetivado) "é o trabalho despendido nas matérias-primas e instrumentos utilizados para produzir outras mercadorias" (Def. in P. Ec., ed. Cazenove, p.13). "Quando falamos do trabalho despendido nas mercadorias, importa deno- minar o capital necessário para produzi-las, de trabalho acumulado, para distinguir este do trabalho imediato empregado pelo último capitalista" (l.c., pp. 28, 29). Sem dúvida é de importância fundamental fazer essa distinção. Mas, em Malthus, não tem ela a menor conseqüência. Faz ele uma tentativa de reduzir a mais~valia, ou pelo menos sua taxa (o que, aliás, confunde sempre com lucro e taxa de lucro), à relação da mais- valia com o capital variável, que é' do capital a parte que se despende em trabalho imediato. Mas a tentativa é pueril e não podia ser de outra maneira, considerando-se sua concepção do valor. Em Principies of Pol. Ec., diz: 1092 Admitimos que se aplique o capital apenas em salário. "Sejam 100 libras despendidas em trabalho imediato. Se a receita noJlm do ano for 110, 120 ou 130 libras, é evidente que em cada caso o lucro será determinado pela proporção do valor do produto global requerida para pagar o traba- lho empregado. Se o valor do pioduto no mercado for 11 O libras, a pro- porção requerida para pagar os trabalhadores será 1O/11 do valor do pro- duto, e o Incro será 10%. Se o valor do produto for 120 libras, a proporção para pagar o trabalho será 10/12, e o lucro será 20%;se 130, a proporção necessária para pagar o trabalbo adiantado será 10/13, e o lucro será 30%. Admitamos agora que os adiantamentos do capitalista não ronsistam apenas em salário. O capitalista espera lucro igual de todas as partes do capital que adianta. Suponhamos que certa porção do valor de seus adian- tamentos, 1/4 ·por exemplo, consista no salário do trabalho imediato, e 3/4 em trabalho acumulado e lucro, inclusive algumas adições que prove- nham de rendas da terra, impostos e outras despesas. Então é a rigor certo que o hJcro do capitalista se alterará ao variar o valor desse 1 /4 de seu produto, comparado com a quantidade de trabalho empregada. Por exem- plo: empregue um anendatário na agricultura 2 000 libras, 1 SOO das quais em sementes, na manutenção de cavalo.s, desgaste do capital fixo, juros sobre o capital fixo e circulante, renda fundiária, dízimos, impos- tos etc., e SOO em trabalho ·imediato, e tenha no fün do ano uma receita de 2 400 libras. O lucro do arrendatário será 400 libras, ou 20%. E tam- bém é óbvio que, se tomannos 1 /4 do valor do produto, isto é, 600 libras", e o compararmos com o montante pago em salários de trabalho imediato, o resultado mostrará exatamente a mesma taxa de lucro" (pp. 267, 268). Malthus usa aí mais pretensão que água benta. O que ele quer (pres- sente que a mais-valia, o lucro portanto, tem determinada relação com o capital variável, o despendido em salário) é demonstrár que o "lucro é deter- minado pela proporção do valor do produto global, requerida para pagar o trabalho empregado". Acerta, de início, ao supor que o capital todo consiste em capital variável, em capital despendido em salário. Nesse caso, lucro e mais-valia são de fato idênticos. Mas também aí cinge-se a uma observação tola. Se o capital despendido for 100 e o lucro 10%, o valor do produto será igual a 110, o lucro constituirá 1/10 do capital despendido (isto é, 10% dele) e l/ 11 do valor do produto global onde se incluirá seu próprio valor. Consti- tui portanto 1/11 do valor do produto global, e o capital adiantado, 10/11. No tocante ao produto total pode exprimir-se o lucro de 10%, de modo que, excluído o lucro, a parte restante do produto global fica igual a 10/11 desse produto; ou um produto de 110, se incluir 10% de lucro, configurará em 10/11 dele as despesas com que se obtém o lucro. O brilho dessa observação matemática empolga-o tanto que ele repete o mesmo exemplo aritmético para lucro de 20%, de 30% etc. Temos até aí mera tautologia. O lucro é per- centagem sobre o capital despendido; o valor do produto total contém o valor do lucro, e o capital despendido é o valor do produto global menos o valor do lucro. Assim 11 O - 1 O = 100. E 100 é 10/ 11 de 11 O. Mas pros- sigamos. Admitamos um capital com parte variável e parte constante. "O capita- lista espera lucro igual de todas as partes do capital que adianta." Isso porém contradiz a afirmação sustentada acima de ser o lucro (ou antes, a mais- valia) determinado pela relação com o capital despendido em salário. Mas tudo bem. Malthus não é a pessoa indicada para contradizer "as expectati- vas" ou idéias "do capitalista". E, agora, sua façanha. Admitamos um capital de 2 000 libras: 3/4 dele, 1 500 libras, é capital constante; 1/4, ou 500 li- bras, capital variável. Lucro = 20%. Assim, o lucro = 400 libras, e o valor do produto = 2 000 + 400 = 2 400 libras. Mas 600 : 400 = 66 2/3%. O valor do produto global = 1 000, e a parte despendida em salário= 6/ 10. E como se faz a conta de Malthus? Tomemos 1/4 do produto global, e teremos 600 libras; 1/4 do capital despendido corresponde a 500 libras, a parte despendi- da em salário, e 100 = 1/4 do lucro, a parte do lucro relacionada com esse salário. E isso se destina a provar "que o lucro do capitalista se alterará com 1093 a variação do valor desse 1/4 de seu produto, cómparado com a quantidade de trabalho empregada". Isso prova apenas que um lucro de percentagem· dada, digamos, de 20% sobre um detenninado capital, de 4 000 por exem- plo, configura uni lucro de 20% sobre qualquer parte alíquota do capital: uma tautologia. Mas nada absolutamente demonstra quanto a urna relação determinada, específica e caracterizante desse lucro com a parte do capital despendida em salário. Se em vez de 1/4, como fez Malthus, tomo 1/24 do produto global, isto é, 100 (de 2 400), essas 100 libras contêm 20% de lucro ou 1/6 delas é lucro. O capital seria 83 1/3, e o lucro 16 2/3. Se essas 83 1/3 libras correspondessem, digamos, a 1 cavalo empregado na produção, ficaria demonstrado, à maneira malthusiana, que o lucro se altera com a variação do
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