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a b a n d o n a r sua querida P a ris , c o n f e s s a r - e m alg u i in te n ç ã o d e s u ic id io e , p o s t e r i o r n i e n t e , a d e s is tê lade de s e r obrigac a lgum asoportunidades- stência de tais planos N ão te v e o e n te rro grotesco, b aru lh en to e m o v im en tad o q u e parecia desejar. Apenas u n s poucos am igos o e n te rra ra m e m Pantin, n o subúrbio de Paris. E ntre estes n ão e sta v a o am igo dileto, F ernando Pessoa, que, nes se dia, sem saber de seu falecim ento,lhe escrevia um a carta. su a tias e i s t e n c i a i s , d o p å n ic o ao pen sar n a p o s s i b i l i d a d e d e Sá-C arneiro é excluído por si m esm o do conjunto dos cham ados nor- m ais, pelos defeitos fisicos e m orais que s e atribui c o m violencia e até m e s m o crueldade. N o poem a "Aqueloutro" ele enfileira adjetivos e substantivos evo cados p ara acen tu ar-lh e a falta d e caráter: o "d ú b io m ascarado, o m en tiro so ", o 'R ei-lua postiço, o falso atónito", "o covarde rigoroso", chegando à im agem g ro s s e ira c o m q u e d e fin e a s u a a lm a d e n e v e - u m s in ta g m a to d o p o s itiv o , n o qual s e alia à alm a a brancura, a pureza d a n e v e - , igualando-a a o a s c o provocado pelo vôm ito. T odo o soneto é um a lista de definições, sem eonsti tu iru m p erío d o sintático. E ste foi o p ro cesso q u e S á-C arn eiro u so u e m o u tro poem a da m e s m a extens�o, "A nto", n o qual define poeticam ente u m a u to r da sua predileção, com quem tinhagrande afinidade, A ntónio N obre, a quem só atrib u i q u alid ad es - su av id ad e, tern u ra, req u in te. A aproxim aç�o en tre os dois poem as intensifica o m al-estar provocado por "Fim ". A autoexchusão se O H O M E M sido criado por u m a am a. ja perdeu a m ã e a o s d o is a n o s d e idade, t m antinha u m a relação distante c o m s e u pal e s u a a v o p a te rn a , q u e a s s u m i. D ois a n o s m a is m o ç o q u e P e s s o a , M á rio d e S á- ra s u a criacão, tam bém Ihe falto u m u ito c e d o . A o longo d a vida, d em o n s. tro u n u n c a ter s e recuperado d e s s a s perdas d e s u a infância. Contouaté o fim com aajuda financeira paterna. Logo que possível, tro - c o u L isboa por Paris, aparentem ente p ara frequentar a faculdade d e D ireits segundo a vontade do pai, que aspirava a v e -lo advogado. A bandonou-a. p o rém . logo e m s e u início, para levar u m a vida b o êm ia, d ed icad a integralm en. te à s u a literatura. Inicialm ente, v�-se apenas c o m o prosador, descobrindo- -se , som ente m ais tarde, e c o m a ajuda d e F ern an d o P essoa, tam b ém p o e ta . A crise financeira que atinge seu pai afeta S á-C arneiro de form a dire- tae brutal, pois terá que deixar P aris e reto rn ar a L isb o a. N ão c o n se g u in d o enfrentar sua nova realidade, entra em profunda depressão, vindo a m atar- se em 26 de abril de 1916, prestes a com pletar 26 anos de idade. co n su m ará n o en terro N arcisista, transitando da autoadm iração à autorrejeição, sem pre e n - tre, sem pre quase, S á-C arneiro, em seus breves anos de vida, se fez um dos grandes escritores - poeta e prosador - da língua portuguesa. U m dos s e u s m ais belos poem as encerra, desde o titulo, o que poderia ser considerada a su a m arca: "Q uase." P u b licad o e m D ispersâão, o p o e m a co m eça e term in a por dois quartetos quase iguais. Só os diferencia no tem po verbal: passa-se do im perfeito para o m ais-que-perfeito do indicativo, am bos usados c o m sentido hipotético.condicional. Entre ambos, decorreuo tem po do poema das experiências tentadas, m a s incom pletam ente vividas: "U m pouco m ais EXCLUÍDO POR SI M ESM O Sá-Carneiro,homem e poeta, é o que foi som ado ao que se sonhou; da ir- realização do sonho, alto dem ais, ficou-lhe o am argor do insucesso, que o levou à autodefinição impiedosa e a o desejo de u m en terro desm oralizan- te, impressos n o poem a "Fim":"Que o m e u caixão vá sobre u m b u rro /() A um m orto nada se recusa,/Eeu quero por força ir de burro! Opoela só lala de si pondo-se e m ridículo, u m ridículo que o persegB ale o m om ento final. Aí se põe n o centro da cena, grotescamente m ontauo num burro, quebrado o silèneio, a seu pedido, pelo ruído áspero do baler e latas, do estalar dos chicotes e dos saltos dos palhaços e acrobatas. O s trazidos para a ribalta não lhe fazem contraponto: obedecem-lhe as orue no afa de tirar toda a dignidade do momento definitivo da morte d e s o l e u e r a b r a s a , / U m p o u c o m a i s d e a z u l - e u e r a a l é m . / P a r a a t i n g i r . falto u -m e u m golpe d e a s a ... / S e a o m e n o s e u p erm an ecesse aquém ... , d iz o poeta n a ab ertu ra do p o em a; a o fim , reto m a, alteran d o : "U m p o u co m ais d e so l - e fo ra b ra sa . /U m p o u c o m a is d e a z u l - e fo ra a lé m . / P a ra a tin g ir. faltou-m e um golpe de asa... / Se ao m enos eu perm anecesse a q u é m . S á-C arneiro, n o m o m e n to quase final, m ais e x a ta m e n te n o s ú ltim o s tres m e s e s de s u a cu rtíssim a vida, so freu m ais agudam ente d e u m problem a evis- ro s, 10 M A R IO D E S A C A R N E IR O A N T O L O G IA da sua figura pesada, alofa, de o u contra "A queloutro" t e n c i a k a n ã o a c e ita ç ã o d a s u a a p a r ê n c i a físic a , « " R e i - l u a p o stiç o , "E shinge go rd a'. C o n t r a s i m e s u e m q u e m s e v e r e t r a t a d o , c o m o n u m e s p e lh o - I d o s e farpados. q u e o fa z e m s a n g ra r E o leitor sente q u e n e le s n ã o h á fn i n e m s e q u e r o fin g im e n to poético. N ã o p o d e n d o N im a r vida e obra, n u m a u to r a l t a m e n t e s u b je tiv o c o m o e s te , sen tim o s, atra daexpressão poética, o q u e d e c o n t e s s i o n a l m e n t e s in c e ro n e s ta s e enco E m s u a o b ra, tu d o é "m istério ", tu d o é "lan tástico ", tu d o é"espetacu- lar" e su rp re e n d e n te . M e s m o c o m o aval e o r e c o n h e c i m e n t o d e F e rn a n d o P e s s o a quanto a o v alo r d a o b ra d e S á-C arn eiro , e s ta n ã o alcançou o n ív el d e divulgação m e r e - cid o , m o tiv o pelo qual d e b ru c e i-m e so b re a tarefa d e se le c io n a r e divulgar s e u s escrito s, o q u e re s u lto u n e s ta a le n ta d a antologia, q u e fiz c o m grande p razer. E spero p ro v o c a r o m e s m o e f e ito n o s q u e a lerem lan ça v erso s c o m o d a rd s a g u - há fingim ento, d o escap ar à n e c e ssid a d e d e a p r através c e rra . C R IT E R IO S D ESTA E D IÇ Ã O : O s te x to s d e M á rio de S á -C a rn e iro s e le c io n a d o s p a ra e s ta antologia tiv e ra m c o m o b a se d iv e rsa s e d iç õ e s: a . M á rio d e S á -C a rn e iro . Seleção, ap resen tação e n o ta s p o r C leonice B erardinelli. R io de Janeiro: A gir 2005 b. M á rio de Sá-C arneiro. O b ra com pleta. n tro d u ção e organização d e A lex ei B u en o . R io d e Ja n e iro :N o v a guilar. 1995 c . C a rta sa Fernando Pessoa. 2 v o ls. Introdução d e U rb a n o T av ares R odrigues. L isboa: A tica. 1959. d. D ispersão. L isboa: E ditorial P resen ça. 1939. e . C a d e rn o d e V ersos, m a n u s c rito p o r M á rio d e S á -C a rn e iro , In d icio s d e o iro (1913-1915). d o a c e r v o digitalizado d a B ib lio te c a N acional d e P o rtu g al (B N P). O P R O S A D O R O s te x to s de S á-C arn eiro , ta n to a p o esia c o m o a p ro sa, tra n s ita m dentro do "m esm o universo te m á tic o ; exem plo d is s o e o q u e o c o r r e c o m a novela A confissão de L úcio, cujo e m b riã o s e e n c o n t r a e m u m d o s p o e m a s d e D is- persão (Com o e u n ão possuo). A m b o s o s liv ro s, p u b licad o s e m 1913, tra ta m da dificuldade de re la c io n a m e n to d o in d iv íd u o c o m o s o u tro s, d a dificulda- de de s e com unicar c o m alguém além d e si próprio e a té consigo m e s m o . M ário de S á-C arneiro publicou s e u ú ltim o livro d e prosa, C éu e m Fogo, e m 1915, obtendo apenas u m a aceitação re tic e n te d o s m a is próxi- m o s . O livro, e m estilo o b sessiv am en te feérico, d e lu x o e su n tu o sid ad e, apresenta c o m o tem ática c e rto tipo de intrigas a m o ro s a s c o m violências e situações de crise fatalistas e trág icas -, te rm in a n d o se m p re e m ch m a d e agressividade. Seus contos, c o m a m e s m a "trajetória d e enredo', pode riam levar facilm ente o leitor a u m a antecipação quanto a o final que ira en contrar e m cada u m deles; só u m a abordagem profunda revela touo v alo r, a sua fo rça", p o is n eles o im p o rta n te n ã o s ã o o s e n re d o s , a s h isto n contadas, m a s toda a simbologia por trás delas. A s c a rta s d e a u to ria d e F e rn a n d o P e sso a tiv e ra m c o m o fo n te: C orrespondência: 1 9 o 5 -1 9 2 2 . O rganização M a n u e la P a rre ira da Silva. S ão P aulo: Com panhia das L etras, 1999 A origem e a d a ta a trib u íd a s a o s e n s a io s aqui c o n tid o s são a s indicadas nas n o tas apostas ao seu título: E m todos o s te x to s d este volum e, ad o to u -se a n o v a ortograia d a O ESCRITO O R A O lançar-se u m olhar sobre a obra de Sá-Carneiro, necessário S t . des lin g u a p o rtu g u e sa , v ig e n te n o B rasil d e sd e 2 0 0 9 . .. S ím b o lo utilizado p a ra indicação d e partes d o p o e m a n ã o incluídas na antologia. lacar sua criatividade e o aspecto "feérico" observados e m s tanto na poesia com o em su a prosa - , e principalmente, s de renovação da Literatura Portuguesa; de trazer época, que persiste até nossos dias. c r i t o s S ím b o lo utilizado para indicag�o d e esp aço s d eix ad o s e m b ran co en le, sua capacidade a z e r algo in u sita d o para S u a p e lo a u to r. 2. 13. M A R IO D E S Å C A R N E IR O A N T O L O G IA Q U A D R A S PA RA A D ESC O N H EC ID A O m inha desconhecida Q ue form osa deves ser.. D ava toda a m inha vida Só para te conhecer! M ais fresca e m ais perfum ada D o que as m anh�s lum inosas, A tua carne dourada C om o há de saber a rosas! D a m inha boca de am ante S e r o m anjar preferido O teu co rp o esm aecid o T odo n u e perturbante. Q ue bem tu m e hás de beijar C om o s te u s lábios viçosos! O s teu s seios capitosos C om o hão de saber am ar.. O s teus cabelos esparsos Serão o m anto da noite, U m refúgio onde m e acoite D o sol dos teu s olhos garços. O lhos garços, cor do céu, C abelos de noite escura, S erá feita de incoerèncias Toda a tua form osura. 27. M A R IO D E SA C A R N E IR O . A N T O L O G IA A U M S U IC ID A A m em ória de T om ás C ab reira Jú n io r T u crias e m ti m e s m o e e r a s corajoso, Tu tinhas ideais e tinhas confiança, O h! quantas v e z e s desesp'rançoso, N ão invejei a tu a esp'rança! Dizia para m im :-Aquele há de v e n c e r A quele há de colar a boca sequiosa N u n s láb io s co r-d e-ro sa Q ue e u n u n c a beijarei, q u e m e farão m o r r e r . . A n o ssa a m a n te e ra a G ló ria Q u e p a r a ti - e r a a v i t ó r i a , E para m im - a s a s partidas. T in h as esp ranças, am bições.. A s m in h as p o b res ilusões, E ssas e sta v a m já perdidas.. Im ersa n o azul d o s cam p o s sid erais S orria para ti a grande encantadora. A grande caprichosa, a grande a m a n te lo u ra E m q u e tín h am o s p o sto os n o sso s id eais. R obusto cam inheiro e forte lutador H avias de chegar ao fim da longa estrada 7/ O suicídio de T om ás C abreira Jú n io r, seu am igo, com quem eserevera a peça A m izade, q u e seria rep resen tad a n o an o seg u in te, m arco u -o p ro fu n d a m e n te . 29. M A R IO D E S A C A R N E IR O A N IO L O G IA D e c o rp o av ig o ra d o e d e a lm a a v ig o ra d a P elo triu n fo epelo a m o r A o pé d e ti, voltava-m e a coragem : Q ueria a G lória.. a partir! la lançar-m e n a voragem A m o r!Q u e m te m v in te a n o s H áde por força a m a r . N a idade dos e n g a n o s Q uem s e n ão h á d e en g an ar? la v en cer o u sucum bir!... A i! m as um dia, tu, o grande corajoso, E n q u a n to tu v e n c e ria s N a luta h ero ica da vida T am bém desfaleceste. N ão te esp o jaste, não. T u eras m ais brioso: E, sereno, esperarias A quela segunda vida D os b em -fad ad o s da G lória T u, m o rreste. F o ste v en cid o ? N ão sei. D os eternos vencedores M o rrer n ão é ser v en cid o , Q ue revivenm n a m em ó ria N e m é tã o p o u c o v e n c e r. S em triu n fo s, se m a m o re s, E u p o r m im , c o n tin u e i E sp o ja d o , a d o rm e c id o , A ex istir sem v iv er Eu teria adorm ecido Espojado no cam inho, Preguiçoso, entorpecido, Cheio de raiva, daninho.. Recordo c o m saudade a s horas que passava Quando ia a tua casa e tu, m uito anim ado, M e lias u m trabalho há pouco term inado, Na salazinha verde e m que tão bem s e estava. F oi triste, m u ito triste,am igo, a tu a s o r te M ais triste d o q u e a m in h a e m a l- a v e n tu r a d a . .. M as tu in d a alcan çaste alg u m a coisa: a m o rte E h á ta n to s c o m o e u q u e n ã o alcançam n ad a... L isboa, d e o u tu b ro de 1911 Dizíamos ali sinceram ente As nossas ambições, o s n o sso s ideais: U m livro impresso, u m dram a e m cen a, o n o m e nosjo Dizíamos tudo isso, amigo, seríamente.. a i... 31. M Á R IO D E S A - C A R N E I R O : A N T O L O G I A 30. POESIA S I M P L E S M E N T E . . A ela, que e r a enérgica e prestável, Eu, que até hoje n u n c a trabalhei.) E m fren te dos m e u s o lh o s, e la p a s s a Toda n e g ra d e e r e p e s lu tu o s o s . O s s e u s p asso s sã o le v e s , v ig o r o s o s ; N o s e u perfil há distinção, h á ra ç a . A dor foi m uito, m uito grande. E ntanto E la e a m ãe souberam resistir. N unca devem os sucum bir a o pranto; E preciso te r força e reagir. Paris. In v ern o e sol. T ard e gentil. C rian ças c h ilre a n te s d e s iz a n d o .. Eu perco o m e u o lh a r d e quando e m quando, O lhando o azul, so rv en d o o a r de abril. A i d a q u e le s - o s fra c o s -q u e se n tin d o P erdido o seu am paro, o seu am or, C aem por terra, escravos dum a dor Que é apenas o fim dum sonho lindo. A gora sigo a s u a silh u eta A tédesaparcer no boulevard, E eu que n�o sou nem nunca fui p o eta, Estes versos com eço a m editar. E las trabalham . T êm confiança. S e às v ezes o seu p ran to é m al retid o , E m b rev e seca, e v o lta-lh es a esp ra n ç a C o m a aleg ria d o d ev er cu m p rid o . Perfil perdido. Im aginariam ente, Vou conhecendo a s u a vida inteira. A ssim vou suscitando, em fantasia, U m a e x istê n c ia c a lm a e sa n ta e n o b re . Sei que é honesta, s�, trabalhadeira, E que o pai lhe m o rre u recentem ente. T oda a ventura dum a vida pobre E u co m p reen d o n este fim d e dia: (Ah c o m o n esse instante a invejei, Olhando a minha vida deplorável- P ara um bairro longínquo e salutar, U m a casa m o d esta e sossegada; S eis divisões (a renda é lim itada) M as que gentil salinha de jantar.. o e m a , enviado por Sá-C arneiro a Pessoa e m c a rta de fevereiro d e ig' puna de g2 versos, exatam ente divididos e m duas partes, de 13 quaara precedido de u m a recomendação (c se com e A legre, confortávele pequena; M ó v eis ú teis, sen sato s e g arrid o s.. P ela janela sã o jardins floridos E a serpente aquática d o S en a. , e e r a carta n° 5). As 13 quadras iniciais. q u e e le classiia n a lu ra s, seguem-se a s outras 13, irreais, ideais. Estas últim as, ae nelras, constituirão o poem a de abertura do volum e Dispersã0, que fiftulo"Partida"', que se m antém nesta antologia, com o e m todas algumas erações su as nas estrofes u m e três, não havia na versão enviada n a carta). s das pri em to d as as edições és, e com a in serção d e um as do poela, com in ic ia l(q u e 9 eurioso que Sá-Carneiro, a m e u ver visceralmente poeta, duviae t e poeta, d u v id e d o s e u gênio. 33. M A R I O D E S A -C A R N E IR O . A N T O L O G I A 32. POF SIA R e s p ir a - s e u m a r o m a a g e n t i l e z a N o jarro d a s H lo res, s o b r e o fo g ão : Q uem a s d isp ó s e m t a n t a d e v o ç ã o , F o ra m d e d o s d e n o iv a , c o m c e r t e z a . D IS P E R S à O A i q u e b e m - e s t a r , a i q u e s e r e n i d a d e . A fé robusta dispersou a d o .. N aquela vida faz c a lo r e a m o r , E tudo nela é p az, sim p lic id a d e ! P A R T ID A A o v e r e s c o a r-s e a v id a h u m a n a m e n te E m su as ág u as certas, e u h esito , E d e te n h o -m e às v e z e s n a to rre n te Paris fevereiro d e 1913 D as co isas g e n ia is e m q u e m e d ito ." A fronta-m e u m desejo d e fugir A o m isté rio q u e é m e u e m e se d u z . M as lo g o m e triu n fo . A su a lu z N ão há m u ito s q u e a saib am refletir. A m in h alm a nostálgica d e além ," C heia de orgulho, en so m b ra-se en tretan to , A o s m e u s olhos ungidos so b e u m pranto Q ue tenho a força de sum ir tam bém P o rq u e e u reajo . A v id a, a n a tu re z a , Q u e são p ara o artista? C oisa algum a. O q u e d ev em o s é saltar n a b ru m a,3 C o rrer n o azul à b u sca d a beleza. 1 0 / C o m o s e d isse n a n o ta 8, e s te poem a era a segunda parte d o q u e, c o m o titu lo "Sim ples- m ente...",Sá-C arneiro enviara a P essoa e m carta de a6 d e fevereiro d e 1913 I1 J á n o prim eiro poem a de Dispersão s e retlete a m egalom ania d o poeta. 12/ "A m inhalm a nostálgica d e além é u m verso-chave d a atitude d e S á-C arneiro diante d a vida, q u e o ap ro x im a d e P esso a. 1 3 D este v erso ao ú ltim o d a n o n a estro fe, S á-C arn eiro o sten ta, c o m o rg u lh o , o seu id eal de artista. S4. POESIA 3 5 . M A R IO D E S Å C A R N E IR 0 : A N T O L O G IA Q ue a s n o s s a s a l m a s s ó a c u m u l a r a m , E p ro strad o s r e z a r , e m s o n h o , a o D e u s Q ue a s n o s s a s m ã o s d e a u r é o l a lá d o u r a r a m . D oido de esfinges o h o rizo n te arde, M as fico ileso e n tre clarões e gum es. E su b ir é s u b ir a lé m d o s c é u s E partir s e m t e m o r c o n t r a a m o n t a n h a C ingidos de quim era e d e irreal; B ra n d ir a espada fu lv a e m e d ie v a l, A cada hora a c a s te la n d o e m E spanha. M iragem roxa de n im b ad o e n c a n to - S into os m neus olhos a volver-se em espaço! A lastro, venço, ch eg o e ultrapasso; S ou labirinto, sou lico rn e e acanto.5 E su scitar c o r e s e n d o id e c id a s,4 Ser garra im perial enclavinhada, Enum a extrem a-unção de alm a am pliada, Viajar o u tro s sentidos, o u tra s vidas. S ei a D istància, co m p reen d o o A r; S ou chuva de o u ro e sou esp asm o de luz; S ou taça de cristal lançada ao m ar, D iadem a e tim bre, elm o real e cruz... * * * * * * * * * * * * * * * Sercoluna de fum o, astro perdido, Forçar os turbilhoes aladam ente, Ser ram o de pam eira, água nascente Earco de ouro e cham a distendido... O bando das q u im eras longe assom a... Q ue apoteose im en sa pelos céus! A c o r j á n ã o é c o r - é s o m e a r o m a ! 7 V êm -m e saudades d e ter sido D eus... Asa longinqua a sacudir loucura, Nuvem precoce de sutil vapor, Ansia revolta de m istério e olor, A o triunfo m aior, av an te, pois! O m eu destino é o u tro - é alto e é raro. Sombra, vertigem, ascensão - A ltura! U nicam ente custa m uito caro: A tristeza d e n u n c a serm os d o i.. Eeu dou-me todo neste fim de tarde A espira aérea que m e eleva ao s cum es. P aris fevereiro de 1913 4N otar a a r a presença da cor e m todo o poemae preponderante n a poesia de Sá-Carneiro, aplic sentimentos e estados d'alma: ao roxo vai semp ruivo se liga um sentido de sensua Carneiro, aplicando-se às coisas concretas, b em com o a0 re tu d o , n e s te v e r s o . A cor é elemen ensualidade, ao azul, u m a c e rta m e la n c o lia e a o d o u r a d o , áureo em pre ligada a ideia de tris te z a , a s s im c o m o a ou de ouro, esplendor das coisas preciosas. O poeta 5 / E frequente na poesia de S á-C arneiro o em prego do vocabulário sim bolista. 6 / O uso de term os heráldicos, tão caro aos sim bolistas, tam bém o é a S á-C arneiro. Optou se por manter essa allernância. 17 U m a das m ais belas sinestesias de toda a obra poética de S á-C arneiro. e o r utiliza a s duas fo rm as: o u r 36. DOEIA 37. M A R IO D E SA C A R N E IR O A N T O L O G IA E S C A V A Ç Ã O IN T E R -SO N H O N um a an sia d e te ralgunm a c o u s a , D ivago por m im m e s m o a p ro cu ra D esço-m e todo, e m v ão , s e m n a d a achar, E a m in h a lm a perdida n ã o re p o u sa . N um a incerta m elodia Toda a m inhalm a se esconde. R em iniscencias de A onde P erturbam -m e em nostalgia.. N ada tendo, d ecid o -m e a c ria r: M anhã de arm as! M anh� de arm as! B rando a espada: s o u luz ha rm o n io sa E cham a genial que tudo o u s a U nicam ente à força de sonhar... R om aria! R om aria! * * * * * * * * * * * * * * * * * T ateio... dobro... resvalo... M as a vitória fulva esvai-se logo... Ecinzas, cinzas só, e m vez de fogo.. O nde existo que não existo e m m im ? * * * * * * * * * * * * * * * * * * P rincesas de fantasia D esencantam -se das flores.. ********************************e*********************s******re** ******************************************** * ****************. Um cem itério falso9 s e m ossadas, Q ue pesadelo tão bom .. N oites d'am or sem bocas esm agadas - ludo outro espasm o que princípio o u fim ... * **************** * * * * * * * * * * * Paris,3 de maio de 1913 P ressinto um grande intervalo, D eliro todas as cores," V ivo em roxo e m o rro em so m .. Paris, 6 de m aio de 1913 2 0 / P ela substantivação do advérbio de lugar, o poeta consegue localizar no inm preciso a 19 Apesar da alirmação reiterada da própria genialidade, a r n e i r o s e n t e - s e in c a p u origem de s u a s rem iniscências. 21/ A regência inusitada do verbo d elirar denota a íntim a afinidade do poeta c o m a s c o - 18/ Este éo problema máximo do poeta: abusca do próprio ser. de realizar-s inseguro, falso. Este últimno adjetivo volta- re s e a s u a a c u id a d e se n so ria l que ta m b é m s e m a n ife sta n o ú ltim o v e r s o : "V iv o e m ro x o e Sucesso. m o rro e m so m ." ra d a in v o lta-lh e ao s láb io s e à 38. POEIA 39 M A R IO D E S A C A R N E IR O A N T O L O G IA A L C O O L G u ilh o tin a s . pelouros e c a s te lo s R esv alam lo n g em en te e m p ro cissão ; V o lteiam -m e c re p ú se u lo s a m a re lo s , M o rd id o s, d o e n tio s de ro x id ã o . Que droga foi a que m e inoculei? O pio de inferno em vez de paraíso?.. Q ue sortilégio a m im próprio lancei? C om o é que em d o r genial eu m e eterizo? N em ó p io n e m m o rtin a. O q u e m e ard eu , Foi álcool m ais r a r o e penetrante: E só de m im q u e ando delirante- M an h �tão fo rte q u e m e a n o ite c e u .5 B atem a s a s de a u ré o la a o s m e u s o u v id o s," G rifam -m e sons de cor e de p erfu m es,3 Ferem -m e os olhos tu rb ilh õ es d e g u m e s, D escem -m e a alm a, san g ram -m e o s se n tid o s. P aris, 4 de m aio de 1913 Respiro-m e n o a r que a o longe v e m , Da luz que m e ilu m in a participo; Quero reunir-m e e todo m e dissipo - 4 Luto, estrebucho.. Em vão! Silvo pra além .. C orro e m volta de m im se m m e en co n trar.. Tudo oscilae se abate c o m o espum a.. Um disco de o u ro surge a voltear.. Fecho o s m eu s olhos c o m pavor da brum a.. 2 Aproximamos a frase "asas de auréola" desta outra, do poem a rar auréola", embora não percebendo bem o sentido de a (V 2 0 ): m ã o 8 q u e lhes atribui o o e t a ; s e rá , talvez, 0 s q u e o v o c á b u lo a u ré o la a le m u ilo a asase m ãos que coroam , que glorificam? M as crem os que o vocabu pela presença do ouro e por su a beleza sonora que terá impressiona lista Sá-Carneiro. 23 Nova sinestesia -visual-sonoro-olfativa - , esta m uito espee cor e o perfume são o instrumento, o poeta é o pac1 opoeta acentua a sua passividade perante o exterior, que procu 24 Näo se esqueça de que o título do volume é originalmente. S o n s s ã o o agen paciente. D esta m aneira e s t r a n h a e o rig n l 35/ N estes d o is elem en to s an titético s c o lo c a d o s n o início e n o fim d o ú ltim o v e r s o d o poe- m a , S á-C arn eiro sin tetiza a d u alid ad e d o s e u s e r e a disparidade ex isten te e n tre ele e o o u tro . é Dispersa q u a l o p o e m a está in s e rid o A0. DOESIA 41. M A R IO D E S A C A R N E IR O A N T O L O G IA V O N T A D E D E D O R M I R D ISPERSà o F io s de o u r o p u x a m p o r m im Perdi-m e dentro de m im A s o e r g u e r - m e na p o e ira - C ada u m p a ra o s e u im , C ada u m p ara o s e u n o r te ... Porque eu era labirinto, E hoje, quando m e sinto, E co m sau d ad es d e m im . Passei pela m inha vida U m astro doido a sonhar. * * * s * s * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * N a ansia de ultrapassar, N em dei pela m inha vida.. -A i q u e sau d ad es da m o r te .. * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * ******** P ara m im é sem p re o n tem , N ão tenho am anh� n e m hoje: O tem po que a o s o u tro s foge C ai sobre m im feito ontem . Q uero dorm ir.. ancorar. ***************************"************ * A rranquem -m e esta grandeza! - Pra que m e sonha a beleza, Sea não posso transmigrar?.. (O D o m in g o d e P aris L em bra-m e o desaparecido Q ue sentia com ovido O s D om ingos de Paris: Paris, 6 de m aio de 1913 Porque u m domingo é fam ília. E bem -estar, é singeleza, E os que olham a beleza N ão tem bem -estar nem fam ília.) 27/ E m c a rta a F ern an d o Pessoa, datada d e Paris, de 3 de m aio de 1913. S á-C arneiro c o n ta - -Ihe a gênese d estes v e rs o s : e sta v a ele só, sen tad o n a te rra sse de u m calé, e . para passar o tem po, fazia b o n eco s n u m papel; súbito, c o m e ç o u a e s e r e v e r v e r s o s "c o m o que a u to m a - ticam ente". A ssim fez m ais de m etad e das quadras, "boa tradução d o estado sonolento, m aquinal, e m q u e e s c e re v e ra e s s e s versos". O re sto do poem a, fê-lo n o dia seguinte, "n u m estado norm ale retletidam ente." (C . carta n ° 8). 2b Nole-se a atitude de passividade do poeta perante a Ma inversão de posições: a belezao s ex terio res, aq u i exp 1 o sonha, ele é o sonhado. 4 3 . M Á R IO D E S Å CA RN EIRO A N T O L O G IA 42 CAS1 O pobre m o ç o d a s â a n s ia s . Tu, sim ., tu e r a s a lg u é m ! Efoi por isso ta m b é m Oue te a b is m a s te n a s â n s ia s . N ãoperdiam inha alm a, Fiquei com ela, perdida. A ssim eu choro, da vida, A m o rte da m in h a alm a. A g ran d e av e d o u ra d a S a u d o sa m e n te re c o rd o B ateu a s a s para o s c é u s M as fechou-as saciad a U m a gentil com panheira Q ue n a m in h a v id a in te ira A o v e r que ganhava o s céu s.2 8 E u n u n c a vi... m a s re c o rd o C om o se chora um am an te, A su a b o ca d o irad a E o s e u c o rp o e s m a e c id o , E m u m hálito p erd id o Q ue v e m n a ta rd e d o irad a. A ssim m e c h o ro a m im m e s m o : Eu fui am ante in co n stan te Que se traiu a si m e s m 0 . Não sinto o espaço que e n c e rro Nem as linhas que projeto: Se m e olho a um espelbo, e rro Não m e acho n o que projeto9 (As m in h a s grandes sa u d a d e s S ão d o q u e n u n c a en lacei. A i, c o m o e u te n h o sa u d a d e s D o s so n h o s q u e n�o so n h ei!...3 ° Regresso dentro de mim Mas nada m e fala, nada! Tenho a alma amortalhada, E sin to q u e a m in h a m o rte - M in h a d isp e rsã o to ta l- E x iste lá lo n g e, ao n o rte , N um agrande capital.3 Sequinha, dentro de m im . 28/ O poeta é um permanente insatisfeito, po. s 0 t 30/ A sau d ad e d o q u e n ã o pôde te r é s e n tim e n to q u e ta m b é m aflige F e rn a n d o Pesso0a, e m b o ra c o m m atiz algo d iv erso . P ela b o ca d e s e u h e te rô n im o A lvaro d e C am pos, diz: "(.) o q u e n u n c a foi, n e m se rá p ara trás, m e d ó i (..)." (PE SSO A , F e rn a n d o . A ntologia poética. O rganização, ap resen tação e e n s a io s d e C le o n ic e B e ra rd in e lli. R io d e Jan eiro : C asa d a Palavra, 2012.p. 193). Irala-se da m esm a atitude de Fernando Pessoa ortônimo, quan tive, sem raz�o prao ter. pO1s, um a vez atingido, o ideal não ma q u a n d o s e la m e n ta : "E , quanu que serve de introdução a o vol. II das O b ras com pie 2/ No estudo crítico o de Sá-Carneiro, João Gaspar Simões assim "Dispersão' diz bem a natureza da sua Carneiro sentia- se transp M áno p o e m n nterpreta e ste s v e rs o s : "E sta quadr 31/ N a c a rta d e 3 d e nm aio d e 1 9 t3 , d atad a d e P aris, assim s e refere S á -C a rn e iro a e s ta e stro fe : "A quadra 15a n ã o te m b eleza, s e lh a in d ico é p o rq u e ach o m u ito singular o tè-la eserito . Q ue q u e r d izer isso ? P a re c e u m a profecia... Por que a e se re v i e u ? (C f. c a rta n ° 8). da sua sensibilidade. Por falta Iransparente: não detinha a sensação dade atravessava-o, deixava-o sem imagem no espelh0. d e d e n s id a d e n e r n u n d o , a d a real pelho." (SÁ -C A R N EIR O , M á r io de. Uh rítico de João p a r S i m õ e s . V ol. I , Lise completas de Mário de Sá-Carneiro. Estudo erítico de Joa Ática, ngs3 p.2y6) 44. DOESIA 4 5 . M A R IO D E S A C A R N E I R O A N T O L O G I A e jo o m e u ú l t i m o d ia P i n t a d o e m r o lo s d e fu m o , A lcool dum sono outonal M e penetrou vagam ente A difundir-m e dorm ente E t o d o a z u l - d e - a g o n i a E m s o n m b r a e a l é m m e s u m o . E m u m a b ru m a o u to n al. T e rn u ra f e ita s a u d a d e , E u beijo a s m in h a s m ã o s b r a n c a s . . S o u a m o r e p ie d a d e E m face d e ssa s m ã o s b r a n c a s . . P erdi a m orte e a vida, E, louco, não en lo u q u eço .3 A hora foge vivida, E u sig o -a , m a s p e rm a n e ç o .. T ristes m ã o s longas e lin d a s Oue e r a m feitas pra s e d a r.. N inguém m a s quis aperta.. Tristes m ãos longas e lin d as.. * * * * C astelo s d esm an telad o s, L eões alados sem ju b a .. Eu tenho pena de m im , Pobre m enino ideal. * * * * Que m e faltou afinal? Um elo? Um rastro?... A i de m im ..3 * * * * * * * * * * * * P aris, m aio de 1913 D esceu-m e nalm a o crepúsculo; Eu fui alguém que passou. Serei, m a s já não m e sou:4 Não vivo, durm o o crepúsculo. S I S I m o de Sa-arneiro tem aqui u m a de su a s m ais fortes m aniesia ternura pelas próprias m ãos é tem a de m uitos v erso s seus. 33 Em carla a Gaspar Simões, de u de dezem bro de 1931, escreve re e 1931, e s c r e v e F e r n a n d o Pessoa: s e c o s de índole, c o m o o n ã o e a 35/ E o terrív el e sta d o d e espírito de A lvaro d e Canm pos, op. eit. p. 206: " E sto u lú cid o e 0S a quem a m ãe faltou por m orte (a não se r que sejam seco s d e indole l o u c o . " LArneiro) viram sobre si m esm os a ternura própria, n u m a substituiçao 36/ A in d a n a c a rta d e Paris, d e 3 d e m aio d e 1913. e n c o n tr a - s e e ste autojulgam ento: "D o fin al d a poesia gosto m u ito , m u itíssim o , p o r te rm in a r quebradam ente, e m d esalen to d e orgulho: leõ es q u e são m ais q u e leões. pois têm a s a s e a o s quais n o e n ta n to a r r a n c a r a m a s jubas, a n o b reza m ais alta, to d a a b eleza d as grandes feras d o u rad as." (Cf. c a rta n° 8). nãe incógnita (.). m e s m o s a M Overbo ser está aqui n a acepção de existir. existirei, m as ja n ao não lenho conseiéncia de minha existència. s t o p a r a m n im , isto 46. POESTA 47. M A R IO D E S Å C A R N E IR O A N T O L O G IA
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