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Análise da reportagem juiz Moro herói ou vilão e a construção de heróis pela televisão

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Análise da reportagem “juiz Moro: herói ou vilão?” e a construção de heróis pela 
televisão 
 
Analysis of the news “judge Moro: hero or villain?” and the hero’s construction by the 
television 
 
Cathia Pereira de Oliveira 1* 
 
Resumo: O presente trabalho analisa a reportagem “Juiz Moro: herói ou vilão?” veiculada no 
programa dominical Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em março de 2016, onde a 
repercussão das investigações e prisões da Operação Lava Jato, juntamente com 
descontentamentos associados ao governo petista, geraram uma intensa cobertura das mídias e 
apoio popular de diversas categoriais. O estudo desenvolve também discussões e reflexões 
acerca do papel da televisão em relação à política, o contexto histórico da produção da 
reportagem e a maneira como a Operação Lava Jato pode ser entendida como um escândalo 
político-midiático e difundida como espetáculo na sociedade. Buscamos também outros 
momentos em que a Rede Globo se utilizou da sua programação para a criação de heróis 
políticos, e se a reportagem responde ao questionamento maniqueísta inicial: afinal, o juiz 
Sérgio Moro é o mocinho ou o bandido? 
Palavras-chave: Sérgio Moro (1); História do tempo presente (2); Operação Lava Jato (3); 
sociedade do espetáculo (4). 
 
Abstract: This paper analyzes the TV report "Judge Moro: Hero or Villain?" aired on the 
sunday show Fantástico, from Rede Globo Television, in March 2016, in which the 
repercussions of the investigations and arrests of Operation Car Wash, along with discontent 
associated with the government, have generated intense media coverage and popular support 
from various categories. The study also develops discussions and reflections about the role of 
television in relation to politics, the historical context of the production of the report and how 
can Operation Car Wash be understood as a political-media scandal and spread as a spectacle 
in society. There is also a search for other times when Rede Globo used its programming to 
create political heroes, and if the TV report answers its initial Manichean questioning: after all, 
is Judge Sérgio Moro the good guy or the bad guy? 
Keywords: Sérgio Moro (1); History of the present time (2); Operation Car Wash (3); 
Society of the spectacle (4). 
 
 
1) A televisão como fonte histórica 
A repercussão das investigações da Operação Lava Jato em 2014, juntamente com diversos 
descontentamentos anteriormente associados ao governo federal, gerou nas mídias e nas ruas 
diversos posicionamentos e análises acerca desses eventos. Uma das figuras que mais se 
destacou a partir deste contexto foi do então juiz federal Sérgio Fernando Moro – a frente dos 
julgamentos dos crimes em primeira instância apurados pela operação. Moro também foi a 
figura associada ao sucesso da operação, com grande reverberação midiática. Os principais 
 
1* Mestranda do PPGHis/UFSJ-MG, orientada pela Prof. Dra. Cássia Rita Louro Palha, bolsista CAPES, 
e-mail para contato: cathia04h57@gmail.com 
 
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periódicos, assim como nos telejornais e portais eletrônicos, estampavam com destaque seu 
rosto em matérias sobre a operação. O assunto e, por conseguinte o juiz, viraram pauta 
recorrente na mídia. 
Uma destas pautas foi exibida no programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, 
intitulada “Juiz Moro: Herói ou vilão?” no domingo do dia 20 de março de 2016, no qual a 
jornalista Poliana Abritta apresenta a figura de Moro em uma pequena biografia e perpassa por 
motivos para apoiar ou não o juiz e sua função junto à Operação Lava Jato. Ao longo da 
reportagem, além da biografia foram exibidas imagens de diferentes manifestações ocorridas 
no Brasil no período de março de 2016, e contou com entrevistas de pessoas ligadas à vida 
profissional do juiz, bem como especialistas jurídicos para a análise de suas ações junto à 
operação. O acesso ao conteúdo do programa está disponível gratuitamente e sem a necessidade 
de cadastro no site da emissora 2. 
Apesar de atualmente já haver uma série de questionamentos acerca das ações do juiz – 
hoje ministro da pasta de Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro – Sérgio Fernando 
Moro a partir de conversas privadas3 que sugerem um posicionamento parcial, o trabalho é 
focado na figura do juiz que se formava na época, a contextualização da reportagem e as 
possibilidades com que os meios de comunicação trabalhavam naquele momento. O trabalho a 
partir da televisão como fonte histórica necessita inicialmente da compreensão das 
peculiaridades e do contextos político-sociais que possibilitaram a formação e desenvolvimento 
deste meio. Ademais, o exercício de análise de telejornais não se destoa dessas características, 
uma vez que o “telejornalismo é como uma construção social que se configura a partir da 
conjunção entre determinadas possibilidades tecnológicas e determinadas condições históricas, 
sociais, econômicas e culturais” 4. 
As mídias de massa como a televisão servem como grandes referentes universais, 
ampliando e consolidando bases de valores e comportamentos de uma coletividade, 
socializando estilos, valores, identidades, marcas e produtos em uma acumulação cultural ao 
longo dos anos, em níveis regionais, nacionais e mundiais. Desta forma, a televisão se apresenta 
não somente como tecnologia, mas também como uma instituição e um fenômeno sociocultural, 
 
2 “Herói ou vilão? À frente da Lava Jato, Sérgio Moro divide opiniões no Brasil”. Disponível em: 
<http://www.globoplay.globo.com/v/4898046/>, acesso em 30 mar. 2016. 
3 “Como e por que o Intercept está publicando chats privados sobre a Lava Jato e Sérgio Moro”. Disponível em: 
<https://theintercept.com/2019/06/09/editorial-chats-telegram-lava-jato-moro/>, acesso em 23 jul. 2019. 
4 GOMES, Itania M. M. Tendências do telejornalismo brasileiro no início do século XXI: telejornalismo popular 
e infotainment. In: FREIRE FILHO, BORGES. Estudos de Televisão: diálogos Brasil-Portugal. 2011, p.57 
 
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numa poliformia de características 5. 
A televisão no Brasil nasce oligopolizada na década de 1950 e 1960 6 e com relações 
íntimas com a política nacional, como por exemplo, sancionando a concessão dos sinais 
televisivos para figuras já presentes no meio público, ou que de alguma forma apoiassem o 
governo. Nas décadas seguintes, a Rede Globo se consolidou como “uma das maiores, mais 
lucrativas, mais poderosas redes de televisão do planeta” 7, garantindo sua hegemonia no meio 
midiático-televisivo. É necessário compreender o Grupo Globo mais do que apenas uma 
emissora, uma vez que a empresa ampliou seus negócios tendo início em periódicos na mídia 
impressa, seguindo para a radiodifusão, telecomunicações, cinema, entre outros negócios. Com 
seu poderio e grande audiência, o autor Murilo César Ramos 8 observa que a Rede Globo é 
participante do bloco hegemônico gramsciano, uma coalizão de forças que exercem seu poder 
tanto na sociedade civil quanto na sociedade política. A Globo seria então um aparelho privado 
de hegemonia, uma vez que é uma instituição privada, anunciante do Estado, e possui papel 
fundamental de reforçar as inclinações deste governo que o comanda, espelhando sua ideologia 
dominante como natural na sociedade capitalista. 
De acordo com os autores Piccinin e Soster9, o telejornalismo brasileiro nasce 
conjuntamente à televisão. Inicialmente com características semelhantes ao rádio, o telejornal 
desenvolve-se seguindo o modelo norte-americano, com a crença em um jornalismo objetivo e 
imparcial, ao passo que na Europa se realizava um jornalismo engajado. Com o passar das 
décadas, o telejornalismo no Brasil se molda para a televisão e para o público brasileiro com a 
conjunção entre as novidades tecnológicas que cada momento histórico disponibilizava, 
modernizando assim, o próprio modo do fazer jornalístico.Atualmente, a televisão marca sua 
presença com um lugar imponente, fixando sua presença em 97% dos lares brasileiros 10, 
 
5 Para o historiador Áureo Bussetto, a televisão possui múltiplas características, o que dificulta a sua definição ou 
análise em apenas uma ou outra. (Cf. BUSETTO, Áureo. Sintonia com o contemporâneo – A TV como objeto e 
fonte da História. In: Política e identidade cultural na América Latina. 1 ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 
2010.) 
6 WANDERLY, Sonia. TV e política no Brasil: Forjando significados (1950-1979). In: RIBEIRO, Ana Paula; 
SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco (orgs.). Televisão, história e gêneros. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 
2014. 
7 LIMA, Venício. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006, p. 
103 
8 RAMOS, Murilo César. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BRITTOS; BOLAÑO (Orgs.). Rede 
Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. 
9 PICCININ, Fabiana, SOSTER, Demétrio de Azeredo. Da anatomia do telejornal midiatizado: metamorfoses 
e narrativas múltiplas. Brazilian Journalism Research, Vol.8, n.2, 2012. 
10 IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Acesso à Internet e a Televisão e Posse de Telefone 
Móvel Celular para Uso Pessoal, 2013. 
 
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demonstrando seu vastíssimo alcance e estando intimamente ligada à vida e à rotina da maioria 
da população. 
 
2) Espetacularização da política e a criação de heróis pela televisão 
O programa Fantástico, um dos mais antigos e presentes no cotidiano das famílias 
brasileiras, teve seu início em 5 de agosto de 1973, com a direção de Augusto Cesar Vanucci. 
Originalmente com o nome “Fantástico: O Show da Vida”, sua programação era caracterizada 
como “um painel dinâmico do que é produzido em uma emissora de televisão: jornalismo, 
prestação de serviços, humor, dramaturgia, documentários, música, reportagens investigativas, 
denúncia, ciência, além de um espaço para a experimentação de novas linguagens e formatos” 
11. 
Tal aproximação entre informação e entretenimento é um exemplo de tendência da mídia 
contemporânea e denominado infotaimnent 12, o formato composto pela junção destes dois 
elementos, podendo ter maior compromisso com o entretenimento, onde o contexto é marcado 
pela descontração, ou podendo identificar-se como mais próximos do telejornalismo, partindo 
do uso de estratégias, formas e retóricas visando a maior legitimidade da informação, mas não 
deixando de lado a articulação com as formas de entreter o público. 
Além disso, o programa Fantástico – descrito e nomeado pelos seus próprios criadores 
como o “Show da Vida” – remete à uma tentativa de espetacularização do viver, que se tem 
com o avanço das mídias e tecnologias durante o século XX na busca de maior audiência e, 
consequentemente, maior lucro. O conceito de “sociedade do espetáculo” é primeiramente 
citado pelo escritor francês Guy Debord no qual “o espetáculo unifica e explica uma grande 
diversidade de fenômenos aparentes a partir de uma mídia e uma sociedade do consumo de 
imagens, mercadorias e eventos” 13. O teórico Douglas Kellner irá utilizar-se do conceito de 
maneira mais específica, mudando sua definição ao focar no caso da sociedade e da mídia norte-
americana. Enquanto para Debord o espetáculo é um instrumento para pacificação e 
despolitização do público (aqui entendido como um público passivo e manipulável), Kellner 
 
11 Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-
jornalisticos/fantastico/ficha-tecnica.htm> Acesso em 30 mar. 2016. 
12 GOMES, Itania M. M. Tendências do telejornalismo brasileiro no início do século XXI: telejornalismo popular 
e infotainment. In: FREIRE FILHO, João; BORGES, Gabriela. Estudos de Televisão: diálogos Brasil-Portugal. 
2011, p.57 
13 KELLNER, Douglas. A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo. In: MORAES, Dênis de (org.). Sociedade 
midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p.5 
 
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salienta que a cultura do espetáculo se expandiu e são utilizados meios e instrumentos que 
incorporam os valores básicos da sociedade capitalista contemporânea, possuindo influência 
direta na formação da identidade dos indivíduos. Kellner conclui que tal espetacularização 
também recai sobre acontecimentos da economia e da política, mas que não são de todo 
previsíveis, uma vez que "o espetáculo é sempre contraditório, ambíguo e sujeito a inversões e 
reviravoltas. A administração pública, empresas e celebridades não têm certeza se serão 
beneficiárias ou vítimas dos caprichos do espetáculo" 14. 
Para Pierre Nora 15, são os meios de comunicação que asseguram a importância do 
acontecimento, uma vez que é lançado na vida privada e oferecido como espetáculo, e François 
Dosse 16 explana que os grandes acontecimentos lançam a conjuntura necessária para que a 
mídia exerça uma narrativa do fato, exigindo uma busca de sentido do ocorrido, necessitando 
uma reconstrução passado e lhe devolvendo um sentido diferente. A mídia então se torna parte 
do acontecimento pelas narrativas, intervenções, interpretações e incorporações do mesmo. 
Além disso, John B. Thompson defende a utilização termo de escândalos políticos midiáticos 
para classificar esses acontecimentos incomuns no âmbito político em que há uma grande 
midiatização ao seu redor: 
Para o autor, escândalos são “ações ou eventos que envolvem, entre outras 
coisas, a transgressão de certos valores, normas ou códigos morais” 
(Thompson, 2002, p. 91). É midiático quando essas atividades de violações de 
valores, antes ocultas, são reveladas por meio da mídia. E político, quando o 
escândalo está relacionado ao poder simbólico, envolvendo e impactando 
indivíduos ou ações que estão situados dentro do campo político. 17 
Para Antônio Rubim, em seu trabalho acerca da espetacularização da política 18, o fato de 
que a ação de midiatização da política não se caracteriza de imediato como espetacularização, 
uma vez que coberturas sobre acontecimentos políticos excepcionais tendem a ter expedientes 
de espetacularização pelo seu caráter escandaloso e apenas aparentam ocupar tal lugar 
privilegiado pelo seu impacto popular. A intenção de uma espetacularização midiática exige 
que a mensagem passe por certas operações de espetacularização, como por exemplo, estética 
visual, escolha de enquadramentos e a construção narrativa. Além disso, a espetacularização da 
 
14 KELLNER, op. cit., p.143 
15 NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (orgs.). História: novos problemas. 
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. 
16 DOSSE, François. O acontecimento-monstro. In: Renascimento do acontecimento: um desafio para o 
historiador: entre Esfinge e fênix. São Paulo: Editora Unesp, 2013. 
17 Ibid, p.106 
18 RUBIM, Antônio Albino Canelas. Espetacularização e midiatização da política. Comunicação e Política: 
conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004. 
 
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política se processa em dimensões além do campo do político, onde as mídias ocupam papel 
central nos escândalos, no qual emerge o caráter de denuncismo do jornalismo, um constante 
“vigilante” em prol do interesse público, e também os próprios interesses do meio de 
comunicação e do espetáculo em si: a busca de maior audiência frente a concorrência, com 
reportagens e entrevistas exclusivas; o acompanhamento cotidiano dos personagens envolvidos, 
com análise de valores morais e pessoais dos personagens; bem como a utilização de 
ferramentas e aportes tecnológicos para a apresentação de provas, como gravações em áudios 
e vídeo, fotos e documentos, que conferem maior veracidade ao ocorrido, não permitindo serem 
facilmente contestadas 19. Um dos maiores exemplos de escândalo político espetacularizados 
pela mídia são os casos de corrupção,que tem todos os elementos necessários citados por 
Thompson para se transformar em um. 
 De acordo com a Polícia Federal 20, a investigação que deu início a Lava Jato começou 
no Paraná em março de 2014, apurando quatro organizações criminosas lideradas por doleiros 
que lavavam dinheiro de diversos crimes, como tráfico de drogas e desvio de dinheiro público 
21, expondo posteriormente diversas operações financeiras ilegais. Dentre as denúncias que 
mais repercutiram estavam os desvios de verbas ligadas ao repasse de propinas por meio de 
processos de licitação fraudulentos na Empresa Brasileira de Petróleo (Petrobras), um esquema 
cujos repasses eram endereçados a políticos de diversas legendas partidárias. Desta forma, a 
corrupção revelada pela Operação Lava Jato ganhava as manchetes de jornais e revistas, e 
preenchiam as edições e reportagens dos telejornais pelo seu caráter escandaloso. A Operação 
teve recentemente uma releitura em versão longa-metragem que estreou em setembro de 2017, 
uma série produzida e distribuída pela empresa Netflix, inspirou jogos eletrônicos e intitulou 
diversos livros ao longo dos anos de investigação – alguns deles contendo a face e o nome do 
juiz Sérgio Moro estampados nas capas. 
Apesar de se tratar de um tema mais amplo do que o proposto neste trabalho, há uma gama 
de estudos recentes acerca da Operação Lava Jato como um espetáculo midiático que examinam 
manchetes e capas de periódicos e os telejornais, e que serão aqui apresentados por conter ricas 
contribuições para a compreensão do lugar da Operação – e consequentemente de Sérgio Moro 
– na mídia brasileira. A jornalista e doutora em ciência política Deysi Cioccari analisa a 
 
19 FERNANDES, Carla Montuori. Da mídia impressa à audiovisual: o agendamento intermidiático do 
escândalo da Petrobras no Jornal Nacional. LÍBERO, n. 35, 2016, p.112 
20 Disponível em: <http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato> Acesso em 01 abr. 2016. 
21 Disponível em: <http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2014/04/pf-apresenta-relatorio-final-da-operacao-lava-
jato> Acesso em 01 abr. 2016. 
 
702 
Operação Lava Jato 22 a partir do referencial teórico desenvolvido por John B. Thompson, 
demonstrando como a expansão da mídia alterou as ações e relações políticas, e que ela exerce 
papel fundamental para a formação da opinião pública. Quanto maior a visibilidade midiática 
sob líderes políticos e outras figuras públicas, estes são muito mais avaliados em termos de 
qualidades pessoais e, quanto maior esta visibilidade, maior o julgamento por parte do público 
23. A autora demonstra que o escândalo político tem o poder de colocar reputação dos indivíduos 
em risco: além do prestígio, há a possibilidade de perda de poder no campo simbólico e, desta 
forma, criar acontecimentos para produção de informação. Cioccari conclui que com os 
escândalos políticos – e em específico o escândalo de corrupção que permeia a Operação Lava 
Jato – se dá a quebra de confiança nas instituições políticas e nas próprias figuras políticas, a 
partir de uma mídia que não somente reproduz conteúdo e informação, mas ocupa papel central 
na própria construção do fato. 
Os autores Mota e Almeida analisam as estratégias textuais e visuais utilizadas pelas capas 
da revista Veja, verificando a tentativa da revista de “construir uma narrativa de 
espetacularização dos diferentes episódios da Lava Jato, com o objetivo de prender a atenção 
do público no desenrolar da operação” 24. As capas aferidas abarcam o período desde a 
deflagração da operação Lava Jato em 17 de março de 2014 até 15 de fevereiro de 2017. 
Totalizando 154 capas publicadas pela revista, 95 delas dão destaque à operação. Os recursos 
de edição e montagem das imagens e a construção dos textos das capas são analisados, e por 
fim, o estudo sugere que: 
Ao fazer uma cobertura jornalística, destacando ou omitindo interpretações 
sobre os fatos, por meio de seus enquadramentos e significados, uma revista 
como a Veja acaba por construir uma visão hegemônica da realidade na mente 
de seus interlocutores. [...] No espetáculo da operação Lava Jato, a Veja 
colabora para que, não só os políticos, mas o Brasil todo viva um momento 
“schmittiano”, dividido entre amigos e inimigos, onde as ideias de cada qual 
estão aderidas aos rótulos a favor ou contra o governo; vermelhos versus azuis 
ou direita versus esquerda, com um juiz soberano que decide a aplicação 
seletiva de estados de exceção e onde a máxima “para os amigos tudo, para os 
inimigos a lei” está inserida no contexto da história. 25 
Além de ser um dos principais personagens nos protestos que aconteceram no país em 
março de 2016, no mesmo ano o juiz Sérgio Fernando Moro fora classificado na 13ª posição 
 
22 CIOCCARI, Deysi. Operação Lava Jato: escândalo, agendamento e enquadramento. Revista Alterjor, v.12, 
n.2, outubro de 2015. 
23 CIOCCARI, op. cit., p.70 
24 MOTA, Célia Ladeira; ALMEIDA, Paulo Henrique Soares de. A corrupção como espetáculo midiático: 
análise das capas da revista Veja sobre a operação Lava Jato. Revista Contratexto, n.27, 2017, p.102 
25 Ibid, p.112-113 
 
703 
no ranking dos líderes mundiais mais notáveis do ano segundo a revista americana Fortune 26, 
na qual contém cinquenta nomes e Moro é o único brasileiro. A descrição do juiz na revista dá 
enfoque a sua ação contra a corrupção no país: “a coexistência passiva com a longa endêmica 
corrupção na América Latina está se tornando um hábito do passado”. 27 Sérgio Moro também 
foi eleito como personalidade influente do ano de 2016 nas revistas estadunidenses Time 28 e 
Bloomberg 29. 
No que tange a criação da figura de um herói por meios de comunicação, principalmente 
pela Globo, há indícios de outras tentativas da emissora de constituir um legado de uma figura 
pública política por meio de programas telejornalísticos. A historiadora Cássia Palha corrobora 
em seus estudos acerca de tal relação entre a emissora e a criação de heróis políticos a partir do 
programa Globo Repórter, em uma série de episódios encomendados pela própria empresa, que 
abordam a vida, o legado e a morte de Tancredo Neves 30. A autora demonstra a narrativa e a 
construção do perfil de Tancredo Neves no programa: o homem provincial que se afirma a partir 
de uma ruptura de tempos, associado ao legado simbólico de Tiradentes e, sua morte é 
incorporada como “o elemento final para a construção do herói: se torna mito” 31. 
Um segundo episódio é citado após o período de redemocratização: o de Fernando Collor 
nas eleições de 1898. Para Venício de Lima 32, a eleição de 1989 marcou a história da política 
brasileira por ter sido uma eleição em um momento histórico inédito: ocorreu isolada de 
qualquer outra disputa eleitoral; foi a primeira a permitir votos da população analfabeta; a 
primeira ser realizada em dois turnos; e a primeira a ser realizada no país incorporado na cultura 
da mídia de massa da televisão, com destaque para a hegemonia da Rede Globo. O autor se 
debruça acerca do Cenário de Representação Política criado pela emissora através das 
telenovelas, os telejornais, as pesquisas eleitorais e o marketing político do candidato Fernando 
Collor no período, analisando a forma com que a emissora projetava o “candidato ideal” 
 
26 Disponível em: <http://fortune.com/worlds-greatest-leaders/2016/> Acesso em 09 nov. 2017. 
27 Tradução livre da frase “the passive coexistence with corruption long endemic in Latin America is becoming a 
habit of the past.” Disponível em: <http://fortune.com/worlds-greatest-leaders/2016/sergio-moro-13/> Acesso em 
09 nov. 2017. 
28 Na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista Time, Moro aparece na categoria “líderes”. 
Disponível em <http://time.com/collection-post/4302096/sergio-moro-2016-time-100/> Acesso em 09nov. 2017. 
29 Para a revista econômica Bloomberg, Sérgio Moro aparece na 10ª posição entre as cinquenta pessoas mais 
influente no mundo das finanças de 2016. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/features/2016-most-
influential/#10> Acesso em: 09 nov. 2017 
30 PALHA, Cássia Louro de. Televisão e política: o mito Tancredo Neves entre a morte, o legado e a redenção. 
Revista Brasileira de História. V1, nº62, 2001. 
31 Ibid, p.226 
32 LIMA, Venício. Televisão e política: hipótese sobre a eleição presidencial de 1989. Revista Comunicação & 
política, v. 9, n. 11, abr.-jun, 1990. 
 
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concomitantemente às pesquisas de intenção de voto da população. Segundo Lima, o 
historiador José Murilo de Carvalho na época menciona como Collor se molda à 
figura do Herói, do combatente solitário, do Santo Guerreiro contra o Dragão 
dos Marajás [...] um Indiana Jones, aventureiro e solitário, sem raízes, sem 
compromissos, lutando contra as forças do Templo da Perdição, isto é, contra 
os marajás e políticos [...] da nova República. 33 
Desta forma, a televisão se torna um meio propício de criação de heróis e vilões políticos 
principalmente a partir de um contexto de escândalos ou fatos ímpares que são transformados 
em espetáculos por meio de sua constante midiatização. 
 
3) Sérgio Moro: Herói ou vilão? 
Após a discussão do papel da mídia na política, e a forma com que os seus acontecimentos 
são espetacularizados, será apresentada a análise da reportagem “Juiz Moro: Herói ou vilão?”, 
exibida pelo programa Fantástico. Apesar da matéria sugerir a busca de dois lados de uma 
história logo no título da reportagem, colocando um questionamento ambivalente entre “herói 
ou vilão”, a pesquisa constatou que o quadro desenvolveu uma imagem do juiz Sérgio Moro a 
fim de responder esta pergunta, resultando em uma matéria com elementos desiguais em sua 
constituição, seja em questão de tempo dedicado a cada opinião, a qualidade dos textos e relatos 
ouvidos, ou as imagens utilizadas para a construção do videotape. 
Reiteramos ainda que a relação entre público e mídia não é entendida como uma via de 
mão única, de forma que a televisão de maneira impositiva cria uma compreensão única do seu 
produto no público passivo. Mas compreendemos à luz dos Estudos Culturais, que rompem 
com a ideia de passividade da audiência e propõem novas abordagens frente às metodologias e 
às críticas tradicionais aos meios de comunicação de massa. O receptor é compreendido em um 
papel ativo onde estabelece uma negociação com os meios midiáticos a partir de sua cultura 
que, de acordo com Stuart Hall, é denominada “decodificação” 34. Portando, compreendemos 
aqui que, mesmo em uma tentativa unilateral de criação de uma narrativa política por meio da 
televisão, ela não é passivamente aceita, havendo negociações e ressignificações por parte de 
sua audiência. 
Para efeitos metodológicos, o trabalho teve como orientação base o método desenvolvido 
pela doutora em história Cássia Palha que exprime as relações da cliometria e a análise 
 
33 LIMA, op. cit., p. 231 
34 HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p.362. 
 
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específica de programas telejornalísticos 35. Embora o trabalho acima citado se estruture para a 
análise de programas completos, na presente investigação foram utilizadas as categorias 
possíveis de serem observadas em apenas uma reportagem, como a narrativa, o uso de 
maniqueísmos e sensacionalismo, e a edição, montagem e ritmo da reportagem, levando em 
consideração os recursos imagéticos e sonoros. Além disso, é de fundamental importância 
perceber a narrativa jornalística como um discurso capaz de organizar e produzir significados 
36, que podem ser observados na utilização de mecanismos para envolver os espectadores como 
os efeitos do real, com o uso de dispositivos retóricos como a afirmação radical do presente, 
expressões que criam atualidade, legitimidade do narrador como fonte e citações frequentes; e 
também com o uso dos efeitos poéticos ou emocionais, que são causados pelas interpretações 
subjetivas, gerando algum tipo ou grau de emoção no expectador a partir de recursos 
linguísticos ou extralinguísticos, como manchetes ou chamadas dramáticas, fotografias, verbos 
dotados de sentidos pejorativos ou apreciativo, adjetivos para caracterização de personagem ou 
substantivos culturalmente estigmatizados. 
A veiculação da reportagem remonta os acontecimentos de março de 2016, mês que 
ocorreram grandes manifestações contra o governo 37. No domingo anterior ao programa, no 
dia 13, ocorreram atos em diversas cidades brasileiras, nos quais os manifestantes protestavam 
pelo impeachment de Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula, além de afirmar uma 
posição favorável ao combate à corrupção e ao juiz Sérgio Moro. Na quarta-feira dia 16 de 
março, Moro retirou o sigilo da 24ª fase da Operação Lava Jato, que continha as interceptações 
telefônicas do ex-presidente Lula. A retirada ocorreu poucas horas após a presidente Dilma 
anunciar oficialmente Lula para o cargo de ministro da Casa Civil. Parte do conteúdo divulgado 
foi uma conversa entre ambos em que se referiam ao termo de posse do cargo, realizada 
momentos antes de seu anúncio. Ao passo que as notícias das gravações tomavam jornais, 
mídias digitais e televisão, tal conversa entre Lula e Dilma gerou grande impacto, sendo 
considerada por parte da população como uma tentativa do ex-presidente de obter o foro 
privilegiado para livrar-se da investigação realizada pela Operação Lava Jato em primeira 
instância. Por outro lado, houve o questionamento da legalidade de tornar públicas conversas 
gravadas com a presidente da república, além de ser uma prova de investigação que ainda estava 
 
35 PALHA, Cássia Rita Louro. Fontes telejornalísticas nos domínios de Clio: notas metodológicas. Revista 
Tempo e Argumento, v. 9, n.22, p. 236-258, 2017. 
36 MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise pragmática da narrativa jornalística. In: LAGO, C.; BENETTI. Metodologia 
de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007. 
37 Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacoes-em-todos-os-estados-superam-as-
de-marco-do-ano-passado,10000021047> Acesso em 13 mar. 2016. 
 
706 
em curso. Outro ponto questionado fora os horários entre o pedido do encerramento das 
gravações, feito na quarta-feira às 11h13, e o horário que a conversa entre Dilma e Lula, 
realizada às 13h32, duas horas após o despacho de interrupção dos grampos. De acordo com o 
magistrado Daniel Oliveira da Paixão a divulgação de conversas é uma afronta ao direito de 
privacidade garantido por lei, e sua exposição por veículos midiáticos, principalmente pela 
televisão, “equivale a uma condenação pública antecipada quase irreparável, maculando o nome 
daquele ainda investigado que poderá até ser absolvido.” 38 
O programa Fantástico – considerado como uma “revista eletrônica” – aborda os assuntos 
chaves da conjuntura descrita, ou seja, a edição do programa do dia 20 de março acompanha os 
eventos políticos do país ocorridos na semana anterior. Observando as reportagens ao longo de 
todo programa, é perceptível que o tema da política nacional é cuidadosamente dividido entre 
os blocos. Das seis reportagens de cunho político, Lula foi o tema da metade, três matérias; 
Dilma de duas; e Moro de uma. A apresentação constante de elementos que funcionam como 
antagonistas do juiz – como a corrupção, insatisfação popular e personagens corruptos – 
estabelecem prévia e posteriormente à reportagem a sensação da importância do trabalho da 
Lava Jato e da justiça. Desta forma, a reportagem sobre o Moro, além de se relacionar com o 
contexto histórico da semana do dia 20 de março, também se insere na narrativa do próprio 
fluxo de matérias do programa,não sendo uma reportagem isolada. 
No início da reportagem, são mostradas imagens de dois grupos que são antagônicos, os 
amigos e os inimigos; os vermelhos e os verde-amarelo; os que são contra, e os que são a favor 
do juiz. As imagens sugerem essa divisão, o grupo dos apoiadores do juiz aparecem como 
contrários a figuras como de Lula e Dilma, e o Partido dos Trabalhadores aparece como sendo 
o mal a ser combatido. O segundo, dos críticos ao juiz, mostra os atos de pessoas com roupas e 
bandeiras vermelhas, um cartaz com os dizeres "Moro você não está acima da lei" aparece 
juntamente com a imagem do juiz vestido de Adolf Hitler. É perceptível a mudança do tom, 
tanto da música quanto das imagens mostradas. A bateria no som de fundo se torna mais pesada, 
sugerindo um estilo de música mais violento, demonstrando o tom agressivo e o radicalismo 
das críticas e das pessoas contrárias a ele. 
A reportagem que apresenta a figura de Sérgio Moro tem por objetivo explorar o porquê 
de o juiz ser ao mesmo tempo aclamado e criticado em sua função junto à Operação Lava Jato, 
 
38 PAIXÃO, Daniel Oliveira. Da publicização das conversas telefônicas interceptadas na Operação Lava Jato 
e possíveis afrontas a garantias constitucionais. 2016, p.34. Disponível em: 
<http://www.ri.unir.br/jspui/bitstream/123456789/1422/1/tcccapadura.pdf> Acesso em: 09 nov. 2017. 
 
707 
e logo se preocupa em também definir o juiz entre um grupo já em seu título: “Juiz Moro: Herói 
ou Vilão?”. A matéria segue na tentativa de responder à pergunta buscando o passado do juiz, 
traçado pela jornalista e narradora da reportagem Poliana Abritta. A partir da análise realizada, 
foi verificado que houveram elementos desiguais na constituição da reportagem, tanto no pouco 
tempo dedicado às críticas, quanto na utilização de mecanismos para criar um perfil positivo 
do juiz, o apresentando como um homem notável, sério e justo, fazendo seu trabalho sem buscar 
ganho pessoal ou reconhecimento; ao passo que ele sofre as consequências na vida pessoal pela 
importância e grandeza de seu trabalho. É mostrado que ele e sua família não podem mais andar 
de bicicleta e que sua mãe fora vaiada na entrega de um prêmio no dia internacional da mulher 
na Câmara de Curitiba. 
Nos momentos em que a reportagem trata do grupo de pessoas “contrárias” ao juiz, é 
perceptível a mudança do tom, tanto da música quanto das imagens mostradas, em alguns casos, 
sugerindo até um tom agressivo e radical do grupo. Mesmo ao trazer especialistas da área para 
que buscasse “ouvir os dois lados”, como no trecho da fala de João Carlos Castellar, membro 
do Instituto dos Advogados Brasileiros, a crítica é feita de maneira superficial (“Eu não acho 
que um magistrado deva aparecer tão como um cavaleiro solitário que vai resolver o problema 
da corrupção sozinho. [corte] Ultrapassa as funções de um juiz, a grandeza das funções de um 
juiz”). A crítica levantada pelo entrevistado não é explicada ou aprofundada, não mostrando 
qual foi a ação realizada pelo juiz que ultrapassa suas funções, não remetendo imediatamente a 
ilegalidade do grampo. Logo após a fala do advogado, é mostrado então Moro em uma palestra 
por meio de edição. A fala de Moro tirada de contexto e colocada pela edição logo após a crítica 
de Castellar soa como espécie de réplica ou direito de resposta (“Eu não tenho estratégia de 
investigação nenhuma. Quem investiga ou quem decide o que vai fazer é o Ministério Público 
e a polícia. Eu até me irrito as vezes. Vejo crítica um pouco infundada ao meu trabalho, dizendo 
que eu sou um juiz investigador.”). A fala do juiz cita diretamente a crítica ser infundada, e o 
assunto parece ter um ponto final, como se tivesse sido esclarecido e respondido ao público, 
concluindo, que a crítica feita não possui fundamento. 
Mesmo demonstrando que há a divisão de opiniões também no meio jurídico a respeito de 
suas ações, a reportagem nivela as opiniões dos magistrados sem a discussão acerca da 
legalidade de suas ações; e por fim, busca não tomar lados entre o mocinho ou bandido. Apesar 
da inclinação da reportagem de se esvaziar de uma maior investigação das ações do juiz, a ela 
tende a orientar seu tempo e sua narrativa à criação e à visibilidade a um lado da moeda: o de 
herói. As entrevistas realizadas com as pessoas próximas ao juiz demonstram a utilização de 
 
708 
mecanismos para criar efeitos emotivos, contanto com diversas fotografias de Moro jovem, 
com amigos, com a família na igreja, além dos relatos focados em salientar o caráter trabalhador 
e dedicado do juiz (“Ele tinha um paletó azul marinho e eu dizia para ele, Sérgio, você está 
ficando com o paletó muito gasto de tanto trabalhar”). 
O último convidado entrevistado pela reportagem é Michael Mohallem, professor de 
Direito da FGV/Rio, que defende a opinião de que o juiz não é, e nem deveria ser, herói ou 
vilão. A posição isenta do professor dá o tom final da reportagem, forçando a conclusão de que 
não cabe a um juiz pertencer a um lado. Embora a matéria tente demonstrar a necessidade de 
imparcialidade necessária ao cargo de juiz, a reportagem se encaminhou a criar o perfil de um 
herói que trabalha duro para acabar com a corrupção no país, tanto pela maior quantidade de 
tempo dedicado a criação de efeitos emotivos e de defesa das ações de Moro, quanto pela falta 
de aprofundamento das críticas relativas à legalidade da divulgação das conversas telefônicas. 
Conclusão 
Os espetáculos midiáticos se formam a partir de acontecimentos que são amplamente 
divulgados, constantemente repetidos e podendo ter uma multiplicidade de sentidos a partir de 
sua exposição. Mas os espetáculos também têm como fim os próprios interesses do meio de 
comunicação em uma lógica capitalista e do espetáculo em si, como a busca de maior audiência 
e lucro. No momento em que a política se torna um espetáculo, há o acompanhamento cotidiano 
dos personagens envolvidos, e quanto maior a visibilidade midiática sob líderes políticos e 
figuras públicas, maior o julgamento do público a partir dos valores pessoais destes 
personagens. Ao passo que os meios de comunicação narram as notícias em torno dos 
escândalos políticos, principalmente por meio dos telejornais que são amplamente difundidos 
na sociedade, eles se toram parte constitutiva do próprio acontecimento. 
A reportagem em suma utiliza de técnicas de efeito do real e de emoção, buscando 
compreender quem é o juiz tão falado durante a semana através de entrevistas com pessoas 
próximas, com o objetivo de criar sua imagem para o público. Fora traçado seu perfil como um 
profissional sério, querido por colegas de trabalho e cidadãos por todo país. Aqueles que não 
concordavam com sua postura não foram ouvidos, apenas mostrado através de imagens curtas 
de manifestações que sugeriam violência e extremismo. Trazendo bacharéis em direito para 
debater as ações do juiz – sem que fosse citado o ato de tirar o sigilo das ligações telefônicas 
entre Dilma e Lula –, não houve o devido aprofundamento acerca da legalidade de sua ação. 
Na verdade, a questão constitucional sequer foi citada pela reportagem veiculada na televisão. 
 
709 
Com um tratamento superficial às críticas, a matéria por meio da edição colocou após a fala dos 
profissionais um trecho gravado de uma palestra onde o juiz se defende, dizendo que não faz 
papel de investigador. Desta forma, a análise averiguou que o tempo da reportagem foi tomado 
então para a construção do herói que não buscava o protagonismo, apenas trabalhava nos 
bastidores contra o mal que assolava o país, e que sua família e sua vida pessoal estão sendo 
afetadas por trabalhar com questões perigosas, como a corrupção na política. Colocando a 
reportagem em contexto durante o programa Fantástico, é notável o agendamento da notícia e 
do antagonismo entre os corruptos e Moro, sendo reiterada emdiversos quadros do programa. 
Ou seja, há uma exploração da política como espetáculo midiático e o julgamento prévio dos 
personagens envolvidos pela própria mídia. 
A reportagem, além de se relacionar com seu contexto histórico, também se insere no 
contexto narrativo do programa que ela está inclusa, não sendo uma reportagem isolada e nem 
deve ser analisada como tal. A observação deste recorte permitiu notar que a narrativa e a 
construção da figura de herói de Sérgio Moro também estão presentes na matéria. Convergindo 
com diversos outros meios de comunicação e o sentimento de antipetismo e de combate à 
corrupção que se ampliava no país em 2016, a figura de Sérgio Fernando Moro fora construída 
como a do herói nacional que livraria o Brasil dos políticos corruptos. Tal espetacularização e 
construção vai além do programa dominical, perpassando por outros telejornais da emissora, e 
pelos principais periódicos do país. É fato que a construção da imagem de herói do juiz não se 
dá por esta reportagem ou programa em específico, mas de um processo mais longo a partir das 
veiculações midiáticas sobre o tema num total. 
O questionamento final e ainda em aberto é quais as reais intenções da Rede Globo – como 
um aparelho privado de hegemonia que já agiu anteriormente para a criação da imagem de 
heróis políticos – para com a criação do perfil do então juiz Sérgio Moro como herói? Embora 
naquela época Moro não fosse uma figura política, era a intenção da emissora que ele virasse 
um candidato? A questão permanece, mesmo que hoje o ex-juiz faça parte do governo 
Bolsonaro como Ministro da Justiça e Segurança Pública, fora ele convidado a ocupar o cargo 
exatamente por ter tido sua imagem de herói nacional construída pela mídia em volta do 
combate à corrupção, e assim, dar maior legitimidade ao governo? A qual projeto político serve 
a ação de construir Sérgio Moro como um herói em consenso com a sociedade? 
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