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FACULDADE DOM ALBERTO INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SANTA CRUZ DO SUL - RS 1 1 VARIAÇÕES: A MULTIFORMIDADE DA LÍNGUA Em uma linguagem sistemática e coerente podem ocorrer formas diferentes de se efetuar a língua, uma vez que variam no espaço – variação diatópica –, no tempo – variação diacrônica – e no indivíduo. Ao encontrarmos pessoas de regiões diferentes do Brasil, não raro nos deparamos com expressões linguísticas diferentes. Na fala de interioranos de São Paulo, por exemplo, o r é retroflexo, como em porta, celular; já na região Nordeste temos o uso das vogais o e abertas, como em Rónaldo, semente. Segundo CAMACHO (1988) existem múltiplos fatores originando as variações, as quais recebem diferentes denominações. Eis alguns exemplos: • Dialetos – variações faladas por comunidades geograficamente definidas. Idioma é um termo intermediário na distinção dialeto- linguagem e é usado para se referir ao sistema comunicativo estudado quando sua condição a iguala a linguagem. • Socioletos – variações faladas por comunidades socialmente definidas. É a linguagem padrão estandardizada em função da comunicação pública e da educação. • Idioletos – é uma variação particular, isto é, o vocabulário especializado e/ou a gramática de certas atividades ou profissões. • Etnoletos – variação para um grupo étnico. • Ecoletos – um idioleto adotado por uma casa. É inegável as diferenças que existem dentro de uma mesma comunidade de fala. A partir de um ponto qualquer vão se assinalando diferenças à medida que se avança no espaço geográfico. Da mesma forma se constatam diferenças dentro de uma mesma área geográfica, resultantes das diferenças sociológicas tais como educação do indivíduo, sua profissão, grupos com os quais convive, enfim, sua identidade. Tudo isso pode interferir e operar como modelador à fala de alguém. AULAS 51 A 60 2 1.1 Dimensões que Propiciam as Variedades Fonte: www.adelaidenow.com.au Variação Histórica A variação histórica acontece ao longo de um determinado período de tempo, pode ser identificada ao se comparar dois estados de uma língua. Ao lermos alguns textos, na íntegra, do século XVII e XVIII nos deparamos com registros linguísticos que diferem com os de hoje. Alguns termos se tornaram obsoletos, outros permaneceram, mas com algumas alterações. Como exemplo, citamos o desuso de expressões com mesóclise: constatamos sua estranheza quando alguém lê trechos bíblicos com uma linguagem mais antiga. Os ouvintes tendem a demonstrar falta de familiaridade com esses termos, porém, apesar disto, muitas vezes concebem o teor de entendimento; uma vez que incoerências locais não destituem do texto a coerência. As manifestações que se operam no sistema linguístico sempre têm origem nas necessidades expressivas. O processo de mudança é gradual, não acontece de repente. Uma variante inicialmente utilizada por um grupo restrito de falantes passa a ser adotada por indivíduos socialmente mais expressivos e ao cair em uso torna-se uma norma; a partir daí, temos uma variante como verdade. O novo pode se sobrepor ao antigo, assim como os arcaísmos podem se tornar presentes ou por fixar-se na fala popular – PRADO MENDES (2000) ao analisar a ausência de artigo definido diante 3 de nomes próprios em algumas regiões mineiras constatou como um caso de retenção linguística, isto é, um conservadorismo do português dos séculos XVIII e XIX. Assim em (1) e (2) abaixo, dados do português contemporâneo falado nas referidas regiões, em que há supressão do artigo definido diante de nomes próprios Edmundo e Olinto. (1) “...aquele que é fio (filho) de Edmundo” (e não “filho do Edmundo”) (2) “...Luís de Olinto cê cunhece ele? ” (E não “Luís do Olinto”) Este é, portanto, resquício de uma forma linguística de períodos anteriores da língua portuguesa que não sofreu alterações com o passar dos anos. Ou ainda, retornar como fosse algo novo, inédito. Neste caso temos, jovens ao desconhecer a existência de algumas palavras ao se depararem com essas, se interessam e as lançam em seus grupos sob novo significado ou com o mesmo, mas tendo sempre como ideia primária o modismo. A palavra resenha aparece nos dicionários como: ato ou efeito de resenhar; descrição pormenorizada; contagem, conferência; notícia que abarca certo número de nomes ou fatos similares; recensão. Entretanto, na linguagem de alguns jovens apareceu nos anos 90 para descrever conversa desnecessária. As mudanças no decorrer do tempo podem ser de significado – vazar, além de todos os significados encontrados no dicionário, também é usado com o sentido de sair furtivamente –; e grafia – êle, todas (perderam o acento), cousa (escrita amplamente coisa). Portanto, quanto à dimensão histórica da variação linguística, podemos afirmar que possuímos formas diversificadas de nosso falar por ora haver retenções de estágios anteriores ou por estarmos mudando o uso dos vocábulos para nos adequar a grande evolução temporal. Variação Geográfica O Brasil apresenta um vasto território, caracterizado por regiões geográficas diversas. Com isso temos diferentes formas de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática. Os estudos dialetológicos de caráter científico iniciaram-se no Brasil com o Dialeto caipira, de Amadeu Amaral, publicado em 1920. O trabalho de Amadeu Amaral teve o mérito de chamar a atenção para a importância e a urgência de uma recolha sistemática dos nossos falares, condenados a perecerem pela progressiva nivelação cultural. Foi ele quem animou as pesquisas de Antenor Nascentes sobre o linguajar carioca (1922) e outras que se lhe seguiram. 4 Entre as divisões propostas em caráter provisório, sobreleva a de Antenor Nascentes, fundada em observações pessoais colhidas em suas viagens por todos os Estados do País. Antenor Nascentes dividiu o falar brasileiro em seis subfalares que reuniu em dois grandes grupos os quais foram chamados de Norte e Sul. Basta uma singela frase ou uma simples palavra para caracterizar as pessoas pertencentes a cada um destes grupos. Eles estão separados por uma zona que ocupa uma posição mais ou menos equidistante dos extremos setentrional e meridional do país. Esta zona se estende, mais ou menos, da foz do rio Mucuri, entre Espírito Santo e Bahia, até o Estado de Mato Grosso. Para Nascentes o falar do Norte e do Sul apresenta traços diferenciadores fundamentais: a abertura das vogais pretônicas no Norte em palavras que não sejam diminutivos nem advérbios terminados em –mente; a cadência do ritmo frasal, “cantada” no Norte, e normal ou descansada no Sul. Estes espaços admitem seis subfalares – no Norte: amazônico e nordestino; e no Sul: baiano, fluminense, mineiro e o sulista. A variação se manifesta com maior evidência no léxico (vocabulário), nas realizações de determinados sons, como o “r”, “o”, “e”, “t” e no ritmo da fala, de maneira a distinguir áreas linguísticas e falares. Mas no nível semântico também ocorre esta manifestação. Para denominar uma planta muito conhecida da família da euforbiácea temos nomeações diversas. Cada região uma denominação. Em Minas Gerais é conhecida como mandioca, no Rio de Janeiro como aipim e em Pernambuco, macaxeira; evidenciamos, pois, a manifestação lexical da sinonímia. É relevante lembrar que tal fenômeno se encerra no âmbito geográfico, mas é fundamentado no histórico; uma vez que todas as variações provêm da língua indígena tupi, que por um período breve – durante a colonização – foi largamente utilizada no país. Percebemos que dentro de uma comunidade ampla, formam-se comunidades linguísticas menores em torno de centro polarizadores da cultura, política e economia, que acabam por definir os padrões linguísticos utilizados na região de sua influência. A globalizaçãoé um processo que de certa forma homogeneiza os falares. Uma forma expressiva, que antes era própria de uma região do país; hoje, trazida pela mídia incorpora-se ao falar de regiões distantes. A expressão “ficar para titia” (ficar solteirona, não encontrar casamento) era usada mais na região Sudeste. Nas regiões Norte e Nordeste se falava “ficar vitalina” (em alusão à Santa Vitalina) e “ficar no caritó” (espécie de prateleira rústica, nas casas pobres, onde são colocados os objetos de 5 pouco uso), com o advento da televisão, hoje “ficar vitalina” e “ficar caritó” são usadas mais nas dramaturgias como forma de evidenciar o falar nortista e nordestino. A região mato-grossense, por exemplo, Antenor Nascentes a considerava incaracterística por ser praticamente despovoada na época em que ele propôs as divisões do falar brasileiro. Hoje, essa região está mais povoada e o falar encontrado nela é muito parecido com os subfalares mineiro e sulista. Encontramos o “r” retroflexo pertinente a tais regiões. Entendemos que as diferenças linguísticas entre as regiões são graduais e que nem sempre coincidem com as fronteiras. A definição de áreas linguísticas fundamenta a indicação de diferenças e identidades, além de estabelecer, pelo confronto, as variáveis sociais ligadas à distribuição espacial. Variação Social A variação social está relacionada a fatores sociais como etnia, sexo, faixa etária, grau de escolaridade e grupo profissional. Os vários estudos que enfocam este tipo de relação língua/fatores sociais têm privilegiado a variação morfossintática ou a morfofonológica. De acordo com RAMOS (1998), na comunidade belorizontina, por exemplo, a forma reduzida do pronome pessoal de 3ª pessoa ele para “eis” e “es” ocorre com maior frequência e é, portanto, favorecida na fala das pessoas de baixa escolaridade, isto é, que têm apenas o 1º grau. Fica claro que a variação social não compromete a compreensão entre indivíduos, uma vez que alguns momentos de incoerência são sanados pelo contexto em que a fala se forma. Não é difícil perceber que a norma culta – por diversas razões de ordem política, econômica, social, cultural – é algo reservado a poucas pessoas no Brasil; talvez porque haja um distanciamento entre as normatizações gramaticais e a obediência dos falantes em seguir tais normas. Há uma indagação implícita neste fato: “Existe alguma disfunção, alguma impossibilidade de uso da gramática normativa pela grande maioria dos falantes? ” ou “Estamos apenas a observar a língua como um fator de identidade?” Sendo esse o caso, a língua como referencial humano traria inúmeras variações, porque decididamente não somos todos iguais e devido ao meio espacial ou social em que estejamos haverá uma tendência da língua em se caracterizar por esses agentes, sendo assim, o indivíduo que protagoniza a fala poderá adequá-la a seu perfil ou ao grupo a que pertence. 6 Conforme MARTINET (1964) “uma língua é um instrumento de comunicação segundo o qual, de modo variável de comunidade para comunidade, se analisa a experiência humana em unidades providas de conteúdo semântico e de expressão fônica...” Comunidades diferentes vivenciam experiências diferentes e isto se reflete nos respectivos sistemas linguísticos: léxico, morfológico e sintático. Um grupo acadêmico de uma universidade apresentará uma variedade linguística bem diferente de um grupo de vendedores ambulantes do interior do Brasil. Cada qual usará o recurso linguístico que lhe foi concebido em seu processo de aprendizagem para efetuar a comunicação. Do exposto, concluímos que a língua signo/privilegiado de identidade não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas principalmente a expressão de sua diferença. Naro (1976) apresenta um levantamento bibliográfico de estudos de Filologia e de Linguística produzidos no Brasil até meados de 1974. Podemos observar que, em seu trabalho, a concepção do que é o objeto da Linguística, embora não indicada explicitamente, tem como base a abordagem gerativa proposta por Noam Chomsky. Para o autor, a Linguística “tenta analisar os fatos de um determinado texto ou dialeto de acordo com uma teoria linguística universal, e, ao mesmo tempo, chega a conclusões sobre a natureza geral da linguagem que possam ser justificadas pelos dados em estudo”. (p.73). Desta perspectiva, o autor exclui “os propósitos ligados ao mundo real para os quais a língua é usada e a organização externa que esses propósitos possam impor ao uso da língua. Assim, são excluídos a estética do uso literário, o simbolismo das narrativas populares, etc.”. (Idem). Para ele, as áreas excluídas “são, na verdade, áreas perfeitamente válidas de estudo, mas havendo pouca evidência a indicar que seus princípios de organização tenham qualquer relação com os da língua, não se justifica destruir a coerência da filologia e da linguística incluindo tais áreas em seu âmbito”. (Idem). O autor divide o campo da Linguística brasileira em duas correntes que qualifica como principais: a norte-americana, derivada das propostas de N. Chomsky, M. Halle, colaboradores e opositores, e a francesa que segue as orientações de A. Greimas e B. Pottier, principalmente. Apesar da distinção inicial das duas correntes, a concepção do autor sobre o que é ou não significativo para a Linguística traz consequências que acabam por desconsiderar os trabalhos semânticos de orientação francesa como sendo trabalhos linguísticos, reduzindo o escopo desta corrente ao trabalho de apenas 7 um pesquisador. Podemos observar, no trecho abaixo, como estas consequências vão tomando forma: “A escola estruturalista francesa, particularmente através de Greimas, serviu de base teórica para quase todo o trabalho mais recente em semântica. É importante, sob o ponto de vista linguístico, distinguir os trabalhos desta orientação que pertencem ao domínio da linguística, isto é, os que se concentram na língua ou no seu uso, daqueles que focalizam exemplos literários culturalmente estruturados de uso linguístico com propósitos representacionais específicos”. (p. 90) A partir disto, Naro apresenta suas considerações sobre o desenvolvimento da corrente francesa no Brasil: No entanto, o autor tem o cuidado de separar, deste conjunto de trabalhos, a produção da autora Lúcia Lobato: “Em contraste com a análise semântica aplicada, o campo da semântica linguística pura permaneceu relativamente negligenciado. As principais exceções são o trabalho de Kato, (...), e o da professora Lucia Lobato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esta última, estudiosa séria e minunciosa, discípula de Pottier em Paris, organizou recentemente um número especial de Littera (nº. 9, 1973) dedicado principalmente a analises sêmicas, realizadas por seus alunos segundo o modelo de Pottier, de certos grupos de palavras (calçados, objetos luminosos, transportes, etc.) do português do Brasil. Entretanto, Lobato teve o cuidado de estimular a investigação de outras abordagens, compreendendo o volume também análises componenciais (baseadas em Bendix e Bergisch) ”. (p. 93) Como consequência, a ênfase maior no levantamento realizado por Naro se dá, efetivamente, sobre os trabalhos gerativistas. O autor cita as teses de doutorado de Antônio Carlos Quícoli (1972), Mário Perini (1974) e Yonne Leite (1974), todas defendidas nos Estados Unidos, e destaca que “embora recentemente tenha se realizado grande quantidade de estudos gerativos do português, quase todos ainda não estão publicados” (p.90). Como exemplo desta observação, o autor cita o livro de Mary Kato, A Semântica Gerativa e o Artigo Definido, que estava no prelo. Fora as duas correntes mencionadas, Naro cita a tagmênica, ou gramática construtural, além de comentar sobre a existência de “um grande número de “carneiros” sem uma posição definida que,a cada momento, são levados pelo vento da conveniência”. (p. 88). O autor também menciona a sociolinguística, lembrando, dentre outras produções relacionadas a esta área, o “estudo piloto do professor Brian F. Head, da Universidade Estadual de Campinas (1973), sobre o contexto social do típico r “caipira” na cidade de Franca (São Paulo), publicado em número especial de Vozes (nº 8, vol. 67) dedicado à sociolinguística, e contendo também várias 8 contribuições programáticas de outros estudiosos” (p.96). Como se vê, um trabalho que não faz parte dos Estudos da Significação. Em 1974, na UNICAMP, já havia pelo menos um artigo publicado por Carlos Vogt no domínio dos Estudos da Enunciação (que Oswald Ducrot costumava designar como Semântica Linguística). Trata-se de “Finalmente Peirce”, publicado em 1973 pela Revista de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Este artigo, além de comentar a respeito da edição brasileira de textos de Peirce, relaciona reflexões deste autor com as de outros autores da área da Filosofia da Linguagem como Granger, por exemplo, com teorias linguísticas gerativistas, e com propostas de Ducrot para as questões sobre sentido e significação. O referido trabalho, entretanto, não parece ser muito conhecido, nem para os autores que produziram neste domínio de estudos. Nossa suposição se justifica porque pôde ser observado em nossa pesquisa que tal artigo muito raramente é mencionado em referências bibliográficas. Na verdade, as referências que pudemos encontrar foram dadas pelo próprio Vogt. Já em 1974, é publicado o estudo de Vogt “A Palavra Envolvente” pelos Cadernos IFCH, mesmo ano da defesa de sua tese de doutorado O Intervalo Semântico. Contribuição para uma Teoria Semântica Argumentativa. Ainda neste mesmo ano, Rosa Attié Figueira defende sua dissertação de mestrado, Verbos Introdutores de Pressupostos, sob orientação de Ducrot e co- orientação do próprio Vogt. Nenhum destes trabalhos é mencionado no levantamento realizado por Naro, nem como trabalho “ainda não publicado”. A esse respeito, gostaríamos de apresentar algumas hipóteses. A primeira delas é que, dada a proximidade de datas, é possível que o autor não tenha tomado conhecimento da publicação – ou elaboração – de tais estudos. (Não pudemos verificar se a publicação dos trabalhos semântico- enunciativos em 1974 é anterior ou não ao artigo de Naro). Uma outra hipótese é que estes trabalhos tenham sido excluídos pela “organização externa” que seus propósitos impõem “ao uso da língua”. Neste caso, eles estariam representados junto aos trabalhos dos autores que Naro considerou como ““carneiros” sem uma posição definida”. É interessante lembrar, aqui, que a dissertação de mestrado de Vogt de 1971, que aborda a semântica na teoria gerativa, também não foi incluída no levantamento de Naro. Como o levantamento do autor abrange a produção do Brasil todo, nossa conclusão é que o provável desconhecimento ou exclusão destes trabalhos seja 9 decorrência da concepção do que é, para ele, o objeto da Linguística. Pois tal posição possibilitou que ele conhecesse e apresentasse um maior número de trabalhos da linha gerativista, mas o impediu de considerar como estudos linguísticos – e também filológicos – quase todos os trabalhos da corrente francesa, além de tê-lo impedido de conhecer e/ou apresentar os Estudos da Enunciação. De qualquer modo, ambas as hipóteses, ao nosso ver, estão determinadas pela perspectiva teórica da qual se parte, que influi diretamente nos critérios de prioridade e de escolha feitos ao longo do levantamento. Esta nossa conclusão está também relacionada com o que dizem Simone Delesalle e Jean-Claude Chevalier (1985), sobre a relevância de se pensar também nos vínculos institucionais que são estabelecidos: “o estatuto de um pesquisador, os métodos que adota, os campos que escolhe são amplamente prefixados pelas suas condições sociais e econômicas organizadas num sistema ideológico”. (p.3) O conjunto destas observações nos leva a concluir que o trabalho de investigação dificilmente é imparcial (para não dizer nunca). Com isso, queremos dizer que os critérios estabelecidos para nosso trabalho podem produzir certos recortes que, de outros pontos de vista, não deveriam ser feitos. Podemos, também, por desconhecimento, ou pelos critérios que estabelecemos, excluir vários trabalhos. Isso tudo, para nós, está relacionado com as prioridades que estabelecemos para nossa investigação: fazer um levantamento de estudos sobre o sentido para encontrarmos o conjunto dos estudos enunciativos. Deve-se também ao próprio estabelecimento do que foi considerado por nós como Estudos da Significação. Ora, quando uma língua tem uma palavra para nomear uma categoria, sobretudo se esse vocábulo for uma palavra curta – por exemplo, verde – é certo que, muitas e muitas vezes no passado, seus falantes a utilizaram para referir essa categoria. Pode-se considerar, portanto, que essa categoria tem um alto índice de codificação. A medida de determinação do nome correlacionada com a latência da resposta foi denominada por Brown e Lenneberg de codificabilidade. A codificabilidade é, pois, uma medida de concordância entre os falantes de uma língua em dar um mesmo nome ao mesmo estímulo; no exemplo em pauta, uma cor. Uma boa concordância entre os falantes (isto é, uma codificabilidade alta) pode dever-se a dois fatores independentes: o vocabulário da língua pode oferecer aos falantes uma palavra muito característica, única e não-ambígua para um estímulo muito específico. Por exemplo: vermelho para designar a cor física do sangue. 10 Ou então, o estímulo pode ter sido bem pouco codificado na língua, mas ser- lhe atribuído um realce especial num determinado contexto – por exemplo, o cabelo vermelho. Aliás, ficou evidente também que certas categorizações culturais se manifestam claramente nas denominações em que os falantes usam sistematicamente o mesmo nome para uma cor, ainda que se trate de uma nuança pouco característica de uma dada cor. É o caso, por exemplo, na língua inglesa, do uso de red (vermelho) para designar a pele dos índios americanos. Outro fenômeno curioso revelado por estes testes: foi mostrada a um sujeito uma determinada cor num cartão colorido; essa pessoa nomeou-a de alaranjado pardo. Posteriormente a mesma nuança foi nomeada pelo mesmo sujeito como ocre. Explica-se: no caso da cor isolada, a pessoa interrogada nomeava-a da forma que lhe parecia mais adequada à sua percepção. Entretanto, quando essa mesma cor apareceu em outro contexto, em outra moldura cultural, o falante chamou a mesma cor de outra forma, a saber: ocre. Isso porque, nesse segundo caso, a mesma cor aparecia nas paredes de uma vila italiana. Outros testes evidenciaram que a capacidade de identificar um referente e de lhe dar um nome tem algo a ver com a estruturação semântica mental dos falantes em virtude de sua língua materna. É aqui que entrariam os estereótipos da percepção moldados conforme essa língua materna. De qualquer forma os resultados das pesquisas não confirmaram a hipótese de que existe uma pressão tirânica das palavras sobre a cognição humana como afirmava o “relativismo lingüístico” de Whorf. É preciso lembrar ainda que o vocabulário não é criado (ou recriado) pelo indivíduo, mas que ele é adquirido através do processo social da educação. De fato, através do processo de educação social o homem adquire tanto a língua da sua comunidade como o seu vocabulário. Nessa aprendizagem o falante-aprendiz recebe da sociedade um produto acabado – a língua – que vem a ser o produto da experiência acumulada historicamente na cultura da sua sociedade. Essa cristalização da experiência social tanto cultural como linguística é o ponto de partida e o fundamento tanto do pensamento como da linguagem individual. “Enquantoponto de partida social do pensamento individual, a linguagem é a mediadora entre o que é social, dado, e o que é individual, criador, no pensamento individual. Na realidade, a sua mediação exerce-se nos dois sentidos: não só transmite aos indivíduos a experiência e o saber das gerações passadas, mas também se apropria dos novos resultados do 11 pensamento individual, a fim de os transmitir – sob a forma de um produto social – às gerações futuras. ”(Schaff, 1974, p. 250-1). Nessa passagem Schaff está-se referindo ao pensamento na sua correlação com a linguagem. Foi possível concluir também que os sujeitos utilizam os recursos disponíveis no vocabulário da sua língua materna para a referência. E mais: os conceitos que podem ser nomeados e facilmente formulados no idioma nativo dos falantes são mais fáceis de adquirir porque já se encontram codificados no léxico desse idioma. Resumindo: as diferenças entre as línguas, fato que tanto impressionou Whorf, não devem interferir no processo cognitivo. É fato inconteste que nossas características biológicas entre as quais se encontra a capacidade de conceptualização e um modo peculiar de categorização são comuns a todos os homens. É indiscutível que o processo de formação de conceitos deve ser regulado de alguma forma por determinantes biológicos; portanto, em todos os idiomas a nomeação deve ter propriedades formais bastante similares. As línguas naturais se distinguem por seus processos de conceptualização específicos, que se refletem no seu vocabulário. Contudo, como os falantes utilizam as palavras livremente para etiquetar seus próprios processos de conceptualização, o significado estático das palavras registrado pelos dicionários não parece restringir as atividades cognitivas dos falantes. É importante também concluir que a transmissão do repertório lexical de geração em geração através da educação informal e formal exerce papel importante na categorização/ conceptualização do universo, ao fornecer ao indivíduo um estoque de nomes já codificados nessa cultura. Contudo, podemos parafrasear suas ideias aplicando-as à língua materna enquanto sistema de categorização do universo, bem como seus reflexos no acervo vocabular desse mesmo idioma. E sendo a língua essa mediadora, ela transmite às novas gerações o vocabulário revisto e reformulado pela atual geração. Ela vai transmitindo também as novas criações vocabulares e obviamente conceptuais que os indivíduos da atual geração vão gerando e incorporando ao tesouro lexical da língua para deixá-lo como patrimônio aos que se lhe seguirem. 12 2 NÍVEIS DE ESTRUTURAÇÃO DA LÍNGUA 2.1 Fonética-Fonologia Sistema Fonológico – É o inventário de sons que ocorre na linguagem e as regras para combinar os sons em unidades significativas. Fonética – É o estudo da fisiologia ou produção motora dos sons da fala e sua produção acústica. O conhecimento fonológico de uma língua inclui conhecer as regras para combinar os fonemas desta língua. Além dessas regras segmentais, há regras fonológicas governando o uso de características suprassegmentais como tom, acentuação e duração de vogais e consoantes. 2.2 Morfologia Lida com estrutura interna e formação de palavras. O morfema é a menor unidade significativa de uma língua. Ele pode ser uma palavra real (morfema livre) ou uma das diversas partes de uma palavra (morfemas ligados). Exemplo: prefixos ou sufixos. 2.3 Sintaxe Refere-se à estrutura das frases. Regras pelas quais palavras podem ser combinadas em frases gramaticalmente aceitáveis. Palavras podem ser agrupadas em categorias lexicais principais, classe aberta (substantivos, verbos, adjetivos e advérbios); e categorias lexicais secundárias, classe fechada (pronomes, verbos, auxiliares, artigos, conjunções e preposições). As classes gramaticais são organizadas para desempenharem funções sintáticas: sintagma nominal (SN); sintagma verbal (SV) e sintagma preposicional (SP). O conhecimento sintático reflete-se na capacidade do falante/ouvinte de reconhecer frases que são estruturalmente ambíguas e sentenças que possuem o mesmo significado. 13 2.4 Semântica As regras semânticas servem para definir os significados de morfemas, palavras e frases, indivíduos e sentenças. Reconhecimento de palavras e sentenças ambíguas, anômalas (sem sentido), paráfrases (sinônimos), etc., características semânticas que as palavras compartilham. Decompondo as palavras em traços é possível agrupá-las em diferentes categorias semânticas. Exemplo: mãe (pai, filho), mulher (menina), mãe (tia, avó). 2.5 Pragmática É o desempenho ou uso da linguagem. Conhecimento pragmático ou percepção das regras que governam o uso da linguagem em contextos sociais (competência comunicativa). A competência linguística inclui: conhecimento de tipos de sentenças que são mais adequados para produzir resposta desejada; percepção da informação de fundo, necessária para transmitir a mensagem visada; o entendimento dos princípios cooperativos que estão por trás das trocas na conversação. 3 A SEMÂNTICA E O LÉXICO Por não estarem devidamente diferenciados ou definidos, os conceitos de campo semântico e campo lexical frequentemente são confundidos. Tanto o campo semântico quanto o campo lexical são utilizados pela linguística textual a fim do melhor e mais adequado uso das palavras da língua portuguesa. Para entendê-los melhor propomos alguns esclarecimentos e algumas conceituações: Léxico é o conjunto de palavras pertencentes a determinada língua. Por exemplo, temos um léxico da língua portuguesa que é o conjunto de todas as palavras que são compreensíveis em nossa língua. Quando essas palavras são materializadas em um texto, oral ou escrito, são chamadas de vocabulário. O conjunto de palavras utilizadas por um indivíduo, portanto, constituem o seu vocabulário. 14 Nenhum falante consegue dominar o léxico da língua que fala, já que o mesmo é modificado constantemente através de palavras novas e palavras que não são mais utilizadas. Além de possuir uma quantidade muito grande de palavras, o que impossibilita alguém de arquivar todas em sua memória. O campo lexical, por sua vez é o conjunto de palavras que pertencem a uma mesma área de conhecimento, e está dentro do léxico de alguma língua. São exemplos de campos lexicais: O da saúde: estetoscópio, cirurgia, esterilização, medicação, etc. O da escola: livros, disciplinas, biblioteca, material escolar, etc. O da informática: software, hardware, programas, sites, internet, etc. O do teatro: expressão, palco, figurino, maquiagem, atuação, etc. Campo lexical dos sentimentos: amor, tristeza, ódio, carinho, saudade, etc. Campo lexical das relações inter-pessoais: amigos, parentes, família, colegas de trabalho, etc. Semântica é o estudo do significado, no caso das palavras, a semântica estuda a significação das mesmas individualmente, aplicadas a um contexto e com influência de outras palavras. O campo semântico, por sua vez, é o conjunto de possibilidades que uma mesma palavra ou conceito tem de ser empregada(o) em diversos contextos. O conceito de campo semântico está ligado ao conceito de polissemia. Uma mesma palavra pode tomar vários significados diferentes em um mesmo texto, dependendo de como ela for empregada e de que palavras a acompanham para tornar claro o significado que ela assume naquela situação. Por exemplo: Conhecer: ver, aprofundar-se, saber que existe, etc. Bacia: utensílio de cozinha, parte do esqueleto humano. Brincadeira: divertimento, distração, passa-tempo, gozação, piada, etc. Estado: situação, particípio de estar, divisão de um país, etc. O campo semântico pode também ser o conjunto das maneiras que são utilizadas para expressar um mesmo conceito. Por exemplo: https://www.infoescola.com/portugues/semantica/ https://www.infoescola.com/portugues/polissemia/https://www.infoescola.com/biologia/esqueleto-humano/ https://www.infoescola.com/portugues/participio-2/ 15 Campo semântico em torno do conceito de morte: bater as botas, falecer, ir dessa para a melhor, passar para um plano superior, falecer, apagar, etc. Campo semântico em torno do conceito de enganar: trapacear, engabelar, fazer de bobo, vacilar, etc. 4 A LEXICOLOGIA E O DICIONÁRIO A Lexicologia é a disciplina linguística que se ocupa do estudo do léxico, nas suas diferentes estruturas. Estuda todos os aspectos relacionados com as unidades de primeira articulação, ou seja, as unidades dotadas de duas faces, significante e significado. Devemos distinguir a lexicologia da lexicografia, disciplina que se ocupa da feitura de dicionários. Os contributos da lexicologia são, não obstante, de grande interesse para a lexicografia, e esta pode ser entendida como um ramo da lexicologia aplicada. A lexicologia tem por objectivo estudar a morfologia e a semântica lexicais, segundo Ullmann (1967). Tendo em conta que o léxico é o nível linguístico que mais facilmente emerge na consciência dos locutores, dado estar directamente relacionado com a significação e como tal, com o mundo em que vivemos, constatamos que amiúde os métodos da lexicologia têm sido inspirados por outras disciplinas que não a linguística, como a psicologia, a filosofia, a lógica, a sociologia, etc. Consideramos, apesar de tudo, que a lexicologia pode e deve fazer uma investigação tão isenta de subjectividade quanto possível, tal como se tem feito noutros domínios, como no da fonologia, por exemplo. A lexicologia, enquanto ciência do léxico, estuda as relações deste com os outros sistemas da língua, mas sobretudo as relações internas do próprio léxico. A lexicologia abrange domínios como a formação de palavras, a etimologia, a criação e importação de palavras, a estatística lexical, e relaciona-se necessariamente com a fonologia, a morfologia, a sintaxe e em particular com a semântica. Neste âmbito, as relações semânticas de sinonímia, antonímia, hiponímia, hiperonímia interessam à lexicologia. http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/linguistica/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/lexico/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/lexicografia/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/morfologia/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/semantica/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/significacao/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/subjectividade/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/fonologia/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/lingua/ http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/antonimia/ 16 4.1 O Dicionário de Língua Mas o dicionário não é essa descrição completa do léxico? A maioria dos usuários o crêem, e as publicidades não procuram desenganá-los. O dicionário ê um dos objetos culturais mais usuais e mais mal conhecidos. O dicionário de língua deve inicialmente ser situado entre grande número de obras que apresentam com ele algumas semelhanças. Um dicionário é um texto duplamente estruturado que apresenta: Uma seqüência vertical de itens, ditos "entradas", geralmente dispostos em ordem alfabética, seqüência essa chamada "nomenclatura"; Um programa de informação sobre essas entradas, que forma com elas os verbetes. As entradas são sempre signos lingüísticos, e a informação dada deve aplicar- se, ainda que em pequena parte, ao signo, como o faria, por exemplo, a lista telefônica. Considera-se que a definição é uma informação sobre o signo (seu significado) e sobre a coisa designada pelo signo (o que essa coisa é). Os dicionários falam-nos dos signos e das coisas A dupla estrutura do dicionário faz dele uma obra de consulta e não um texto para ser lido do começo ao fim. Classificação dos dicionários: Pode-se considerar três tipos de dicionários: - O dicionário lingüístico, que só dá informações sobre os signos, com exclusão da definição (dicionário etimológico, por exemplo); - A obra enciclopédica, que só dá informações sobre as coisas, incluindo a definição (dicionário técnico de eletricidade, ou então o presente dicionário*), - E o dicionário de língua, que dá informações sobre os signos, incluindo a definição. Esses três tipos se dividem em dois grupos: o dicionário geral, que trata de todos os signos duma língua dada ou de todas as coisas duma civilização; e o dicionário especial, que só descreve um setor de uma ou da outra. O dicionário etimológico é um dicionário geral, e o dicionário de sinônimos, um dicionário especial. O dicionário de língua é um dicionário geral que nos fala do 17 conjunto das palavras duma língua e que dá a definição delas. Sua nomenclatura apresenta, pois, todas as classes de palavra, geralmente com exceção dos nomes próprios, e indica-se a classe de palavra de cada entrada. A enciclopédia é também um dicionário geral, mas que nos fala do conjunto das coisas duma civilização e que dá a definição delas (seu projeto de ser "universal" é afastado pela língua empregada e pelo sistema cultural que lhe esta ligado). Sua nomenclatura é essencialmente nominal e inclui especificamente nomes próprios e ilustrações com legenda nominal. Não apresenta as classes de palavra, informação aliás inútil, uma vez que só existem substantivos. 18 5 BIBLIOGRAFIA KOCH, Ingedore & ELIAS, Maria Vanda. Ler e compreender os sentidos do texto. Contexto, 2011. ORLANDI E. P. O que é Linguística. Ática, 1986. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. Cultrix, 2006. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR BAGNO, Marcos. (Org.). Linguística da norma. Loyola, 2004. CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Autêntica, 2008. FIORIN, José Luiz. Introdução à Linguística II: princípios de análise. Contexto, 2003. KOCH, Ingedore. Introdução a linguística textual. Martins Fontes, 2009. KOCH, Ingedore; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. Contexto, 2011.
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