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A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR (Maria Helena Souza Patto) O FRACASSO ESCOLAR COMO OBJETO DE ESTUDO - Raízes históricas das concepções sobre o fracasso escolar: o triunfo de uma classe e sua visão de mundo - A essência do modo de produção capitalista - Revolução política francesa (1789) e Revolução industrial inglesa (1760) - Passagem do mundo feudal para o modo de produção capitalista – período de convulsões sociais entre 1789 e 1848. - Exploração do proletário - Século XIX – 1815-1848: à medida que a reação do proletariado foi se delineando e passou a se expressar através de formulações teóricas socialistas e movimentos revolucionários concretos, os vários tipos de governo reformista que se sucediam não passavam de formas de defender os interesses da burguesia das pressões revolucionárias socialistas e monarquistas. - O que inviabilizou o sonho? - Eric Hobsbawn: A revolução política recuou, a revolução industrial avançou; a revolução industrial havia engolido a revolução política, quebrando a simetria dessas duas dimensões. Na “Era do Capital”, que se inicia em 1948, a política se caracterizou por reformas sociais que tinham como meta defender os interesses da burguesia; dirigir as massas, traduzir suas reivindicações em termos assimiláveis pela ordem social existente era o caminho mais eficaz para lhes permitir uma participação política sem que se tornassem ameaças incontroláveis. - Final do século XIX: grande abismo entre a burguesia (acumuladora de riquezas) e o operariado (com pequenas conquistas). Justificação para esse abismo: mérito pessoal! (A visão de mundo da burguesia nascente foi profundamente marcada pela crença no progresso do conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza. (...) Em termos individuais, o self-made man, racional e ativo, representava o cidadão ideal. - Os sistemas nacionais de ensino - Nacionalismo burguês: através da defesa de um regime constitucional, a burguesia acreditava estar sendo porta-voz dos interesses “do povo”, tomando como sinônimo de “nação”. - Política educacional: início no século XIX a partir de três vertentes de visão de mundo: - 1. LEGADO DO ILUMINISMO: a crença no poder da razão e da ciência. - 2. PROJETO LIBERAL: mundo onde a igualdade de oportunidades viesse a substituir a indesejável desigualdade baseada na herança familiar. - 3. NACIONALISMO: luta pela consolidação dos estados nacionais. - Missão da educação escolar: a ilustração do povo, a instrução universal, obrigatória, a alfabetização como instrumento-mãe que atingirá o resultado procurado. A escola universal, obrigatória, comum – e, para muitos, leiga – será o cadinho onde se fundirão as diferenças de credo e de raça, de classes e de origem. (Zanoti, 1979: 21). - Papeis da escola entre 1780 e 1870: - Qualificar as classes populares para o trabalho - Fixar determinado modo de sociabilidade - Reproduzir relações de produção, via manipulação e domesticação da consciência do explorado - Universalizar as ideias e os interesses da classe dominante (devem se tornar senso comum) - ATENÇÃO: De acordo com Hobsbawn, mesmo nos países que já contavam com um sistema público de ensino, a educação primária era negligenciada e onde existia limitava-se a esinar rudimentos de leitura, aritmética e obediência moral. Além disso, não se deve esquecer que em torno de 1850 a grande maioria dos que se dedicavam ao ensino das primeiras letras era constituída de professores privados e governantas dedicados às crianças da burguesia. - Entre 1870 até 1914, atribui-se à escola a missão de redimir a humanidade. O novo nacionalismo defende um projeto de unificação e progresso. O tema da igualdade dos cidadãos, independentemente da raça, do credo e da classe social servia tanto ao ideário nacionalista quanto ao liberal. Portanto, a constituição das nações não era vista como algo espontâneo mas como algo que precisava ser construído; nessa construção, a escola, como instituição estratégica na imposição da uniformidade nacional, expandiu-se como sistema nos países mais desenvolvidos. - As teorias raciais - Revoluções dos séculos XVII e XVIII – união de forças dos grupos não dominantes com a crença no surgimento de um mundo no qual reinarão a igualdade de oportunidades, a liberdade e a fraternidade, o combate aos privilégios advindos do nascimento. - A palavra igualdade é chave na decifração da produção cultural que prepara a Revolução Francesa e a sucede. Mas é importante ressaltar que no pensamento liberal não se trata de preconizar uma sociedade na qual as desigualdades desaparecerão: trata-se de justificá-la sem colocar em xeque a tese da existência de igualdade de oportunidades na ordem social que vem substituir a sociedade de castas, esta sim, tida como inevitavelmente injusta. - França: é o berço das teorias do determinismo racial que começam a ser formuladas logo após o triunfo da revolução burguesa (ainda no final do século XVIII). Na Inglaterra esse pensamento se tornou opinião dominante apenas em meados do século XIX. - Pensamento francês no Brasil - A construção das teorias racistas será obra, nessa época, tanto da nobreza deposta e dos simpatizantes da monarquia, como dos próprios ideólogos da burguesia, ou seja, dos próprios pensadores revolucionários franceses. - Pensamento de Cabanis (1757-1808): defende teses poligenistas segundo as quais a origem da espécie humana é múltipla, o que autoriza a conclusão de que existem raças anatômica e fisiologicamente distintas e, por isso mesmo, psiquicamente desiguais. O físico determina o moral e o cérebro secreta o pensamento do mesmo modo que outros órgãos secretam suas substâncias. - IMPORTANTE: No marco das sociedades industriais capitalistas, o racismo, antes de ser uma ideologia para justificar a conquista de outros povos, foi muitas vezes uma forma de justificar as diferenças entre classes, principalmente nos países em que a linha divisória das raças, o que significa afirmar que serviu como “arma na luta de classes”. - A. Comte afirmava que a elite da humanidade era constituída pela raça branca da Europa Ocidental (as três raças distintas: branca – inteligente; amarela – dons da atividade; negra – movida pela afetividade). - A Teoria das Espécies e o Darwinismo Social - A publicação da Origem das espécies (1859) não muda o rumo das ideias dominantes a respeito das diferenças entre grupos humanos. - Hobsbawn: “O darwinismo social e a antropologia racista pertencem não à ciência do século passado, mas à sua política.” - A psicologia diferencial - A genialidade hereditária - Francis Galton (Hereditary genius, 1869): seu objetivo principal era medir a capacidade intelectual e comprovar a sua determinação hereditária. Um dos mais conhecidos adeptos da teoria de Darwin, Galton foi o primeiro a fazer o transplante dos princípios evolucionistas de variação, seleção e adaptação para o estudo das capacidades humanas. - Como diagnosticar as aptidões dos escolares - Expansão dos sistemas nacionais de ensino – trouxeram dois problemas para os educadores: a necessidade de explicar as diferenças de rendimento da clientela escolar; e a de justificar o acesso desigual dessa clientela aos graus escolares mais avançados. - Séculos XVIII e XIX: os médicos se ocupavam de casos de dificuldade de aprendizagem (psiquiatria). - Os testes de QI - A consideração da influência ambiental sobre o desenvolvimento da personalidade nos primeiros anos de vida e a importância atribuída à dimensão afetivo-emocional na determinação do comportamento e seus desvios provocou uma mudança terminológica no discurso da psicologia educacional: de anormal, a criança que apresentava problemas de ajustamento ou de aprendizagem escolar passou a ser designada com criança problema. - Diagnósticos mentais - Diante da recorrência de dados que apontavam os negros e os trabalhadores pobres como os detentores dos resultadossistematicamente mais baixos nos testes psicológicos, a explicação começa a deixar de ser racial – no sentido biológico do termo – para ser cultural. Mas se um passo importante foi dado quando o conceito de raça foi substituído pelo de cultura como elemento explicativo das desigualdades sociais, é preciso continuarmos atentos às armadilhas da ideologia presentes nessa passagem: os juízos de valor centrados no modo de viver e de pensar dos grupos dominantes impregnam os trabalhos dos antropólogos culturalistas, que frequentemente consideram “primitivos”, “atrasados”, “rudes” grupos humanos que não participam da cultura dominante. O MODO CAPITALISTA DE PENSAR A ESCOLARIDADE BRASILEIRA - Fracasso escolar: dados sobre a pré-história de uma explicação - Primeira República e liberalismo – Crença: de que, abolido o trabalho escravo e inaugurada a categoria social do trabalhador livre numa sociedade capitalista, criam-se as condições para que a distribuição social dos indivíduos seja pautada apenas por suas aptidões naturais. Não por acaso, portanto, à entrada do ideário político liberal no país, corresponde, pouco depois, o ingresso de sua contrapartida científica, a psicologia das diferenças individuais que, aliada aos princípios da Escola Nova, transplantou para os grandes centros urbanos brasileiros a preocupação em medir estas diferenças e implantar uma escola que as levasse em consideração. - Constituição de 1891: assumiu a forma de consagração dos princípios liberais democráticos (mas as grandes abstrações burguesas estavam descoladas da realidade social brasileira). - 1889-1930: República oligárquica: instalação a partir de princípios de natureza democrático-liberal, mas com uma política notoriamente autoritária e elitista. - Reformas educacionais da década de 20: base nos princípios do movimento educacional europeu e norte-americano. A última década da Primeira República foi marcada por “otimismo pedagógico” e pelo “entusiasmo pela educação”. - Escola nova: aos poucos o movimento escolanovista passou do objetivo inicial de construir uma pedagogia afinada com as potencialidades da espécie à ênfase na importância de afiná-la com as potencialidades dos educandos (concebidos como indivíduos que diferem entre si quanto à capacidade de aprender). - MASSS, ATENÇÃO! Não se pode esquecer que a pedagogia nova e a psicologia científica nasceram do espírito liberal e propuseram-se, desde o início, a identificar e promover os mais capazes, independentemente de origem étnica e social. - Quanto à questão da raça: ao cientificismo do século XIX coube a tarefa de compatibilizar liberalismo e racismo. No período imperial, uma antropologia filosófica evolucionista aparentemente provava a inferioridade das raças não brancas, justificando, assim, sua sujeição nacional ao branco. Com a abolição do trabalho escravo e a instalação do Estado republicano, ela continuou proclamando essa inferioridade, agora para justificar o lugar subalterno, mas formalmente livre, que negros, índios e mestiços passaram a ocupar na sociedade. - Anos 1930-1940: - Manuel Bomfim, Alberto Torres, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Fernando Azevedo etc.: ruptura com as concepções racistas, mas sem capacidade de superá-las. - Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) – Freyre produziu um conjunto de ideias que contribuíram mais para reforçar do que para superar o preconceito racial, de uma forma muito particular: através de uma manifesta simpatia e gratidão pelo negro, da defesa da ideia de “doçura” nas relações entre senhores e escravos e da negação de que as condições de vida do negro sob a escravidão tenham sido tão adversas quanto se quer acreditar. - Análise crítica: Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando H. Cardoso. - Exemplo: Em A integração do negro na sociedade de classes (1965), Florestan Fernandes realiza uma interpretação da real condição do negro na sociedade.
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