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, DICIONARIO DE PSICOSSOCIOLOG IA Direcção de JACQUELINE BARUS-MICHEL EUGENE ENRIQUEZ ANDRÉ LÉVY Com a colaboração de Jean-Marc Huguet AUTONOMIA Blaise Ollivier A psicossociologia opera entre duas autono- mias, a de um colectivo e a dos indivíduos que nele cooperam. Para apreender os problemas que se colocam nesta situação intermédia e para medir as suas dificuldades, é útil considerar a heterogeneidade que diferencia uma da outra. A este respeito, a história da palavra, desde o seu aparecimento na língua, é esclarecedora. A au- tonomia colectiva é nomeada, concebida e fala- da muito antes da autonomia pessoal. A primei- ra é política, a segunda é psíquica. Mas esta di- ferença, por muito profunda que seja, não im- pede que interajam uma com a outra. Construir a autonomia do grupo contribuirá, cedo ou tar- de, para despertar desejos e capacidades de au- tonomia individual. E desenvolver processos psíquicos de autonomização pessoal acabará por manifestar incidências políticas. História do conceito de autonomia: um conceito político o conceito de autonomia nasceu na Grécia, na esfera política. Atenas conquistou a autono- mia fornecendo a si mesma os meios políticos, económicos e militares para «sereger segundo as suas próprias leis». Estes meios consistiram em lutas armadas para sujeitar outras cidades por meio da colo- nização, ou em tratados de aliança a fim de or- ganizar, no seio de federações, dependências mútuas. Assim, o aparecimento do conceito de auto- nomia implica a aptidão para emergir de situa- ções conflituais criando aliados em número su- ficiente. Pensar a autonomia é pensar as suas re- lações com os outros, com a dupla finalidade de não lhes ficar submetido e de lhes mostrar os benefícios que podem retirar da autonomia. Mais do que independência, comporta uma modalidade relacional. Esta implica, por um lado, identificar perigos, alguns dos quais amea- çam o exercício da autonomia, e por outro re- conhecer a necessidade de estabelecer acordos com os outros, cujos recursos são indispensáveis à criação de leis próprias e ao seu respeito, pelas quais a cidade se torna autónoma. 24 É notável que os atenienses, que foram capa- zes de conceber a sua autonomia política, não tenham desenvolvido um pensamento da auto- nomia pessoal. Jean-Pierre Vernant (1996) mos- tra como «a sua representação do indivíduo não traduz a singularidade do nosso ser, a originali- dade fundadora ... A alma é impessoal ou supra- pessoal. Em nós, ela encontra-se para lá de nós, não sendo sua função assegurar a nossa parti- cularidade de seres humanos, mas sim dela nos libertar integrando-nos na ordem cósmica ou divina». Para os gregos antigos, «o conhecimen- to de si e a relação consigo mesmo não se po- dem estabelecer directamente» porque a identi- dade de um indivíduo define-se apenas pelo que os outros vêem e dizem dele: «Para se fazer re- conhecer é preciso ter superioridade sobre os rivais, numa incessante competição pela glória.» O «Conhece-te a ti mesmo» não é, na Atenas de Sócrates, um apelo para entrar na interiori- dade subjectiva individual. Vernant diz-nos que o oráculo significa: «Aprende os teus limites, convence-te de que és um homem mortal, não tentes igualar-te aos deuses ...» E que Sócrates ensina: «Conhece aquilo que és verdadeiramen- te. Aquilo que em ti é tu próprio, isto é, a tua alma [...]. A alma, se desejar conhecer-se a si mesma, deve contemplar uma outra alma e, nessa alma, a parte em que reside a faculdade própria da alma, a inteligência, ou outro objec- to gue se lhe assemelhe.» E certo que se reconhece ao indivíduo uma vida privada. Tolera-se que alguns, em privado, se comportem «segundo o seu prazef», mas a forma do indivíduo grego mantém-se essencial- mente social. A sua prossecução é determinada pelo «desejo de se ilustrar, de adquirir aos olhos dos seus pares, pelo seu estilo de vida, pelos seus méritos, pelas suas liberalidades, pelas suas ex- plorações, renome suficiente para fazer da sua existência singular o bem comum de toda a ci- dade, ou mesmo de toda a Grécia». A imortalidade, para os que a atingem, não é uma componente da sua autonomia pessoal. Aliás, não é acessível a todos. É produzida pela «glória imperecível e pelo respeito de todos, para todo o sempre [...]. É a garantia, para quem soube merecê-Ia, de uma perenidade estabelecida no próprio cerne da existência social dos vivos». Serão necessários cerca de vinte séculos para se adquirir a ideia de que uma interioridade subjectiva consistente pertence, com as suas leis próprias, ao indivíduo humano, conferindo-lhe a possibilidade de viver a sua vida de forma au- rónoma, por sua própria conta. o que se refere à língua francesa, o dicioná- '0 etimológico Robert indica que as primeiras ocorrências da autonomia com um significado :adividual datam do século XIX. Mesmo depois, o conceito é mais frequentemente utilizado nas suas dimensões sociais e políticas. Este afastamento no tempo leva-nos a reflec- :ir sobre a dificuldade de constituir o indivíduo znmo ser autónomo. Entre os autores que tentaram empreender bosquejo sobre a história da individuação .::umana, referimo-nos aqui à tese de Ignace _ !eyerson (1951). Este autor apresenta uma his- :ória da noção de pessoa, sublinhando a sua mplexidade, não linearidade e estado inaca- o. Mostra diferentes aspectos cuja conver- ~. cia ajuda a elaborar o conceito de autonomia :JeSSOal,enquanto os momentos em que apare- ;::::.nas línguas e nas obras, se encontram muito - dos uns dos outros. -ria da noção de pessoa segundo I. Meyerson _leyerson, ao fundar a psicologia histórica, - um domínio de pesquisa específico: a evo- •- das funções do psiquismo humano. Ao ntro de uma ideia recebida segundo a qual ~, a consciência de si, a ideia de ser uma , seriam dados de forma directa, imediata ~ ::sim-itiva,o autor estabelece que estas noções - construídas, complexas, tardias, e que têm história. E possível constituir abordagens =inando compilações de factos sociais, lin- icos, religiosos e morais. :leste bosquejo histórico, que não podemos ~ pormenorizar, retemos três pontos em es- - a autonomia do sujeito individual é solidá- com os processos sociais favoráveis à indivi- •-0, de que resulta o individualismo con- râneo; autonomia é instável. Constitui-se numa - entre processos de imitação, de dispersão, o efeito dos constrangimentos exteriores e de ovimento de retoma de si, para elaborar AUTONOMIA uma coerência pessoal através dos papéis assu- midos e das mudanças consentidas. Comporta momentos fortes e privilegiados, nos quais o su- jeito se encontra no início de um começo. Mas pode regredir, desaparecer em situações alienan- tes mal dominadas. A aquisição da autonomia individual não se encontra definitivamente ga- rantida, tal como o conceito se encontra ainda num estádio de elaboração inacabada; - a autonomia individual comporta um certo afastamento do grupo, que admite e institui como legítima esta separação. Este aspecto de independência que confere ao indivíduo uma garantia fundada em si e a disposição para viver a sua vida a seu modo implica um risco de re- gressão se a independência assumir a forma de uma inaptidão relacional. Marcel Gauchet (1988) analisa a emergência de um «hiperindividualisrno- contemporâneo que caracteriza pela perda de uma relação posi- tiva com uma precedência social e cultural. Esta forma de individualismo produz uma regressão das aptidões para a autonomia pessoal que de- grada o princípio das relações com os outros, a da precedência social. Construção da autonomia e subjectividade individual A autonomia individual é uma mudança de alteridade. Tal como as sociedades compreende- ram a sua autonomia colectiva muito antes da das pessoas, cada sujeito individual nasce sob o regime da heteronomiaantes de poder aceder ao da autonomia . O sujeito inicia a sua vida sob a lei de um ou- tro que não ele mesmo. Leis, normas, valores e ideais precedem-no. No exterior de si, a realida- de social impõe as suas organizações. No inte- rior de si, as suas primeiras instâncias psíquicas dão às ligações que o fazem viver a forma e o significado de uma sujeição necessária e desejá- vel. Um outro que o precede é interiorizado como Superego e como ideal do Ego. O Ego en- contra, ou julga encontrar, aí as suas regras. A autonomização implicará, assim, uma des- locação do sujeito relativamente àquilo que pri- mitivamente interiorizou do outro, já nessa oca- sião precedente . A heteronomia precede a autonomia Freud mostrou que as pulsões e os desejos inconscientes obedecem a significantes. Assim, 25 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA representações de coisas, cenários e palavras es- cutadas assumiram o poder sobre os movimen- tos e as emoções do sujeito. Estes significantes são determinantes sem serem produzidos por uma qualquer deliberação, pensamento ou de- cisão pessoais. É por esta razão, tal como a psi- canálise mostra, que eles não são falados porque primeiramente foram pensados, mas poderão ser pensados somente depois de terem sido fala- dos, na medida, sempre limitada, em que o su- jeito conseguirá apropriar-se daquilo de que fala e reconhecer o que diz. O poder dos desejos inconscientes, estrutura- do por significantes, é tal sobre o comporta- mento do indivíduo que nos sentimos inclina- dos a julgar que os seus desejos lhe pertencem por direito próprio. Todavia, a exploração do in- consciente pode estabelecer que o significante se inscreve no psiquismo do sujeito, a partir dos alectos, das palavras e dos desejos de qualquer outro que se encontre na sua origem, mãe e pai. Neste estado, a lei do sujeito é a de alguns ou- tros e os seus desejos estão-lhe submetidos. Ve- mos assim que a heteronomia é simultanea- mente primária, pois que precede, e por esse facto transcende, os acessos ulteriores à autono- mia, e primordial, porque fundamenta os movi- mentos do sujeito rumo à sua vida, à sua con- servação e ao seu desenvolvimento. Autonomia e narcisismo Podemos questionar-nos sobre um eventual germe de autonomização no regime primeiro da heteronomia. O sujeito, antes de estar no seu lugar, situado na vida a seu talante, apto a go- vernar a sua capacidade desejante segundo a lei do seu ser para a vida, autónomo, retira um be- nefício narcísico da sua sujeição ao Outro. Na fusão com o outro, ele toma gosto pelo Id que não pode saber ainda quem ele é. Neste gosto por este Id, ser vivo anteriormente à formação do Ego, podemos avançar a hipótese de um ger- me de autonomia. Esta aproximação do narci- sismo primário e da autonomia é certamente paradoxal, pois o efeito do narcisismo não é o de fundar o sujeito, mas a ilusão da sua omni- potência por meio da sua indiferenciação no ou- tro. Todavia, diga-se também que a heterono- mia retira a sua força de imposição não só das realidades fisiológicas evidentes mas provisórias, as que criam a vulnerabilidade do bebé e da criança muito pequena, mas também de uma realidade psíquica cuja imagem, a da omnipo- 26 tência, é igualmente desejável e provisória. Exis- te uma plasticidade do narcisismo; é nesta me- dida que, em seguida, o narcisismo, uma vez se- cundarizado, poderá sustentar e valorizar sub- jectivamente a lenta marcha em direcção à au- tonomização, cuja direcção é apontada pela fórmula bem conhecida de Freud: «Onde está o Id; o eu deve advir,» Do «sujeito a...» ao «sujeito de ...»; a função sujeito No começo deste percurso existe uma dor psí- quica, uma queixa que se repete. O sujeito, não- -sujeito-vítima, isto é, «sujeito a» sofrer os im- pedimentos ao seu desejo «de que o Eu surja», queixa-se das suas alienações. Se fala deste sofri- mento, refere, à sua maneira singular, através do sintoma, os objectos negativos, hostis ou ator- mentadores. O seu efeito é o de lhe imporem a sua lei e assim impedirem que conheça a sua própria lei. Neste estado, o sujeito-vítima quei- xoso não pode imaginar que tem acesso, legiti- mamente, ao desejo de ser ele mesmo. Além dis- so, não poderá identificar em si mesmo tal de- sejo senão quando se tiver desligado suficiente- mente da sujeição para poder formular um pensamento positivo sobre si. O arranque para este desligamento é a activa- ção daquilo a que Paul-Laurent Assoun (1993) chamou a função sujeito. Sublinhando que Freud utilizou pouco o conceito de sujeito, ele mostra, todavia, que o dispositivo da psicanáli- se, concebido para trabalhar sobre o inconscien- te e o pré-consciente, faz emergir uma função psíquica que consiste em se introduzir, ou rein- troduzir-se, como «sujeito de» qualquer aspecto da sua própria vida psíquica onde, por necessi- dade, por erro ou por acidente, fôramos antes precedidos ou excluídos. A precedência pode ser acompanhada pelo significado de exclusão, como acontece na cena primitiva, dando um fundamento inconsciente à fórmula: «Eu não pedi para existir.» Mas o facto de ter sido precedido pode tam- bém introduzir um significado capaz de alimen- tar fortemente o narcisismo. Roussillon (1991) empregou a este respeito o conceito de «crédito de subjectivação», Este constitui-se quando o desejo do outro se antecipa ao momento em que o Eu poderia tornar-me sujeito por sua pró- pria conta. Outros pensam, com Roussillon, que se este crédito estivesse totalmente ausente, o sujeito seria forcluído. Sem este vestígio, no indivíduo, da função sujeito, o caminho para a autonomia não se poderia abrir. Aquele começa pelos deslocamentos que con- duzem o indivíduo, em seguida à postura de ter estado «sujeito a» suportar o regime da hetero- no mia, à posição em que se reconhece «sujeito dos» seus sintomas, dos conflitos que eles indi- cam, dos desejos que eles ocultam. Uma vez ini- ciado este percurso, com o auxílio dos recursos de um crédito de subjectivação originária, a emergência do Eu «sujeito da» sua própria vida pode ser narcisicamente investido, enquanto objecto desejável. Desconstruir as figuras do Outro no regime da heteronomia Abrir o caminho da autonornização pessoal comporta um preço a pagar. Sair da heterono- mia implica uma mudança de economia psíqui- ca. Esta mudança não se produz naturalmente com o tempo, exige um trabalho subjectivo de desconstrução das representações interiorizadas do Outro. Por exemplo, certos fantasmas relativos à ori- gem podem afectar a representação do Outro, na medida em que ele possui ·0 monopólio de um poder, de ameaças de destruição. Se qual- quer circunstância contribuir para reactivar es- zes fantasmas no imaginário do indivíduo, este pode ser submergido por um sentimento de pâ- nico que, nesse instante, lhe barra todo o acesso 2. sua verdade de sujeito. um estádio mais avançado de desenvolvi- mente psíquico, o Superego e o Ideal do Ego _roduzem figuras de alteridade que deverão ser saficienrernente desconstruídas para abrir a via -- auronomização pessoal, pois no trabalho de znnstruçâo da autonomia, as representações do Outro produzidas por estas instâncias psíquicas - comparáveis a um andaime. Antes de mais zecessárias para fundar o Ego, elas podem, se se tiverem inalteradas, contrariar o seu desen- imento. Um sistema de representações solidariza-se ramo da de um referente da lei cuja figura- :20 põe em cena um monopólio transcendente, sentido em que o sujeito dele é excluído e a =submetido. O Ego constrói a capacidade de ter as suas pulsões e de organizar os seus sen- entos, as suas relações e os seus investimen- de objectos, sob o controlo da representação um Outro cujas ameaças, gratificações e aura as regras do seu desenvolvimento. AUTONOMIA Este regime de heteronomia é também um re- gime de idealização cuja carga deviolência de- termina as figuras da alteridade. Face ao deten- tor do monopólio da lei, o Ego é ameaçado de inconsistência. Uma das suas resultantes imagi- nárias é a de se identificar com aquele que o ameaça, que por vezes considera arbitrário ou perseguidor. A sua relação com os outros é en- tão marcada pelo desejo, pela paixão de possuir o que eles parecem possuir, de ocupar o lugar no qual eles parecem beneficiar de certas vantagens. Assim actuando, o Ego projecta as compensa- ções masochistas e as autocensuras que teve que desenvolver para se adaptar ao regime da hete- ronorma, Este conjunto de representações relativas à al- teridade está, sem dúvida, na base das socieda- des que se organizam sobre a desconfiança mú- tua. Estas sociedades impeliram a independên- cia dos indivíduos para um nível elevado. Mas as figuras da alteridade que são produzidas por este individualismo não correspondem a um ní- vel de autonomia pessoal muito desenvolvido. O desenvolvimento da autonomia passa, com efeito, pelo trabalho psíquico de desconstrução destas representações, que pode parecer estar fora do alcance da capacidade do sujeito, sub- metido, como está, às exigências do Superego que, ao mesmo tempo que estas o socializam, o confrontam com o medo e a culpabilidade. É por isso que o indivíduo não inicia sozinho uma desconstrução que vai afectar profunda- mente a sua organização psíquica. Aquela passa pelo reconhecimento do laço intersubjectivo, que diferencia a autonomia da independência individual. A psicanálise não é, sem dúvida, o único modo de conduzir esta desconstrução. Mas constitui um processo privilegiado de acompa- nhamento da autonomia. O Outro de outra forma Na análise, qual é o papel da relação entre analisado e analista? «Sujeito a» inconsciente, o indivíduo ignora uma parte de si mesmo. Ele não é o único a po- der abordar aquilo que o move sem que o saiba. É através da transferência para o analista que ele faz perante si mesmo uma representação do Ou- tro enquanto detentor da verdade, que forma o núcleo central do regime inicial da heterorio- mia. É desta posição que o analista poderá aco- lher o que o sujeito tem necessidade de dirigir 27 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA «àquele que conhece a verdade», sem poder crer ainda que as chaves deste saber se encontram em si mesmo, que as discute sem as reconhecer. E é também desta posição que o analista resti- tuirá ao sujeito aquilo que este se torna capaz de adquirir. Nesta situação entre-dois, o analisando e o analista, tornou-se possível uma outra forma de alteridade. A medida que o sujeito entra no pro- cesso da sua auronomização, reconhecendo a consistência do seu ser dividido, esfuma-se a fi- gura do Outro à qual era vital submeter-se para evitar um abandono mortal. A alteridade já não tem por atributos principais e primordiais a do- minação e a subserviência. A diferença, a reci- procidade e possibilidades de igualdade podem desde então entrar em jogo para formar outras representações do Outro. A segunda origem Este trabalho psíquico é como uma segunda origem. A autonomia é simultaneamente refun- dação do sujeito e transformação da alteridade. A psicanálise, que escolhemos como paradig- ma da autonomização individual, não basta para esclarecer as consequências sociais destas refun- dações. Conferindo um novo alento à âcção co- lectiva, elas introduzem novas exigências nas for- ças e nas lógicas instituidoras da sociedade. Os ideais colectivos em correspondência com o Ideal do Ego perdem o seu vigor socializante quando pretendem impor-se a sujeitos que se envolveram na intersubjectividade autonomi- zante. A sociedade não deve colocar a si mesma os problemas inerentes às mudanças dos ideais colectivos e das figuras da alteridade. Paul-Lau- rent Assoun, tratando, durante uma conferên- cia, do indivíduo como sujeito, enunciou que «o social regressa regularmente à paranóia de não colocar este problema do Outro enquanto constituinte simbólico do social». Com efeito, o desenvolvimento de sujeitos autónomos empe- nhados nos processos intersubjectivos de modi- ficação das representações do Outro exige que a sociedade reexamine a forma como assume a sua função simbólica. Porque o reconstituinte simbólico do social não se pode manter imutá- vel quando a autonomia colectiva encontra em si mesma o impulso para percursos de subjecti- vação, que marcam a acção colectiva das suas exigências de autonomias pessoais. 28 Cruzamento das autonomias colectivas e individuais Como vimos, a autonomia colectiva precede, de longe, a autonomia individual. É por essa ra- zão que, na opinião geral, um indivíduo é con- siderado livre e autónomo desde que pertença a um corpo social que adquiriu as condições da sua autonomia. Todavia, o conhecimento, adquirido mais tar- diamente e ainda inacabado, das condições que permitem a um indivíduo passar de um regime heteronómico que, anteriormente, lhe é indis- pensável e primordial, ao psiquicamente mais oneroso da autonomia, leva a pensar que a au- tonomia colectiva e a autonomia pessoal não se sobrepõem. Ainda não, acrescentarão os que pensam que a mútua complementaridade entre a autonomia política de um corpo social e a au- tonomia psíquica dos seus membros aponta na direcção da marcha da nossa civilização. Antes de se encontrarem em condições de pensar esta mutualidade, os sociólogos têm com mais frequência que compreender crises, nas quais vemos que as organizações e os sistemas de constrangimentos impõem regras e leis nas quais uma parte da população não se reconhece. A psicossociologia nasceu no contexto cultural que solicitava as ciências sociais pelas suas capa- cidades para analisar as crises e propor trata- mentos colectivos. A psicossociologia, no momento do seu nas- cimento, introduziu a autonomia dos actores nos dados relativos ao funcionamento da orga- nização. Nasceu da intuição de que as crises mo- dernas têm necessidade de ser analisadas em ter- mos de relações conflituais entre, por um lado lógicas de organização que visam a eficácia, e por outro processos psíquicos de construção da autonomia individual em condições difíceis e contrárias a muitos dos seus aspectos. A psicos- sociologia entrou em cena inventando dispositi- vos de intervenção em organização, cuja parti- cularidade é a de solicitar os actores para uma postura de autonomia, ao mesmo tempo que ló- gicas institucionais lhes impõem leis, necessa- riamente constrangedoras, alguns de cujos as- pectos lhes são estranhos. A finalidade desta in- venção é a de renovar a compreensão de mal-es- tares colectivos, introduzindo um parâmetro mais individual. A renovação visada passa pelo facto de ultrapassar os pontos de vista dos de- tentores do poder, comparando-os com outros. O mesmo é considerar que os turbilhões pro- duzidos num corpo social pelas tensões e contradições entre regras de heteronomia e pro- cessos interiores de auronornização exprimem a vida real, com os seus mal-estares e patologias. Aqueles devem, por isso, ser actualizados e iden- tificados para poderem ser tratados. Com a psi- cossociologia, os factos sociais em crise já não são somente tratados como «coisas». São per- meados por movimentos psíquicos. Desde logo, a finalização da vida psíquica rumo à auto no- mização pessoal torna-se uma chave de com- preensão das crises. A psicossociologia terá que inventar as modalidades pertinentes da sua uti- lização. Abordagem psicossociológica da autonomia A fim de poder analisar os modos segundo os quais os actores individuais investem o funcio- namento de uma organização e, inversamente, segundo os quais as organizações solicitam as subjecrividades pessoais, importa em primeiro sar diferenciar estas duas cenas, constituindo cada uma segundo os seus cat:acteres próprios, colecrivos para a primeira, singulares paraa sesunda. Terão de ser enfrentados, a partir daí, dois táculos. Um é a clivagem produzida pelos _ e consideram que a vida da organização e a economia psíquica individual nada têm a fazer em conjunto. Neste caso, a diferença entre as cenas é constituída por meio de uma recu- = recusa das formas segundo as quais a organi- •-o afecta os actores e recusa dos processos jecrivos pelos quais alguns utilizam funcio- emos instituídos para seu benefício, benefí- da carreira, satisfação narcísica, necessidade -~ domínio, jogo de rivalidades ou ajuste de blematizar a articulação entre as duas ce- nas quais se passam as condições de autono- > - o exige que estas clivagens sejam situadas lI:glÜdamente desconstruídas. _--outra forma do obstáculo consiste em con- a organização colectiva o poder de produ- estados psíquicos nos indivíduos, motiva- necessidades de sujeição, de fusão identi- ou, pelo contrário, capacidades de autono- Este modo de ver constitui uma relação de .dade directa entre um sistema de cons- :." entos e comportamentos pessoais. Nes- .2SO, a cena das subjectividades desaparece üás da da organização colectiva, à qual to- - poderes são concedidos. AUTONOMIA Todavia, para constituir a sua problemática, a psicossociologia clínica deve recusar esta relação de causalidade unívoca, a fim de preservar a diferença de natureza entre uma organização de produção ou de serviços, e uma organização psí- quica das capacidades desejantes e relacionais, e de constituir a autonomia relativa de cada uma delas. Esta distinção de autonomias é necessária para analisar as modalidades diversas segundo as quais elas comunicam ou não. Além disso, aqui- lo que tende a ocultar uma das duas cenas em que se constitui a autonomia reduzindo-a a não ser mais do que o produto da outra é retido pela clínica como sintoma a analisar por meio de dis- positivos pertinentes. Um exemplo servir-nos-a para esclarecer a problemática da articulação entre duas autono- mias. Situa-se no campo da gestão de empresas. Sabe-se com que insistência, desde a década de 1980, os actores são solicitados a comportar-se com autonomia. No discurso institucional das empresas, considera-se que este termo é com- preensível directamente e de forma unívoca. Ora, uma acção-pesquisa realizada em meio in- dustrial (B. Ollivier e A. C. Giust, 1995) per- mitiu-nos evidenciar que, no espírito e na prá- tica dos responsáveis, o sentido da autonomia se refere a diferentes representações. 1. Uma primeira concepção confunde-se com a independência e dá lugar a expressões por imagens, como o das coutadas ou atribuições e direitos de alguém nos quais o outro não se deve aventurar. Chamar-lhe-em os autonomia indivi- dualista. Nesta forma de considerar a autonomia, a re- presentação dos outros é dual. São bons se forem competentes e se se mantiverem no seu lugar, definido pelo sistema. Senão, melhor será desconfiar deles e, no pior dos casos, combatê- -los ou mesmo excluí-los. A representação da relação de si com a hierar- quia torna legítimo dar a conhecer-lhe os pro- blemas encontrados, mas não participar nas de- cisões a tomar. Quanto à representação de si na forma de rea- lizar a sua missão, ela ultrapassa pouco o que foi no sistema tayloriano. A margem de autonomia do trabalhador em cadeia de montagem, en- quanto obedece aos gestos automáticos prescri- tos, consiste na sua capacidade para imaginar um estratagema singular. 2. Uma segunda forma de autonomia pessoal permite uma mais ampla dimensão de respon- sabilidade, mas num universo protegido. 29 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOlOGIA O poder conquista-se principalmente pela in- teligência, que descobre os meios racionais para melhorar um rendimento, ou pela pedagogia, que permite obter mais dos seus subordinados. A representação dos outros é dual. Os que se- guem a linha definida pela política da empresa são os bons. Os outros têm de ser convencidos, ou de ser suportados em nome da tolerância, ou mesmo como a parte a ser sacrificada, ou ainda eles são, neste sistema clivado, os maus, que de- vem ser excluídos. A representação da relação de si à hierarquia é determinada principalmente por um ideal in- vestido nos modelos. Esta autonomia implica o sentimento de que existe um «justo combate» a travar, uma "boa causa» a servir. Também a representação de si mesmo na de- terminação da forma de realizar a sua missão implica o prazer de inovar, de estar na origem de um progresso, mas dentro dos limites da linha definida como boa. 3. Uma terceira forma de autonomia, que definimos como autonomia exposta, está, mais do que as duas precedentes, orientada para a construção de laços sociais diferentes dos já ins- tituídos. O poder de realizar é preferido ao poder con- ferido pela categoria hierárquica. A representação dos outros tende a ultrapassar as partições dualistas valorizando a experiência para descobrir as diferenças e nelas se apoiar para inventar novas modalidades de reflexões, de práticas e de decisões comuns. Comporta a pesquisa activa de confrontações e de debates com a finalidade de constituir os outros como parceiros «suficientemente bons» para acções em comum. A representação da relação de si com a hierar- quia é marcada por uma experiência individual de provas, de mobilidades e de encontros que contribuíram para dessacralizar os poderes esta- belecidos, para perder as ilusões. Esta relativiza- ção da influência moral dos ideais levou o indi- víduo a conceber uma construção contínua de si, para além do ideal, que procura a sua coe- rência e a sua capacidade em contar essencial- mente consigo e com os outros. Estar na origem de um processo, de uma prá- tica, de uma construção de laços sociais consti- tui indivíduos que não crêem nas soluções sem alternativas. A sua forma de autonomia coloca- -os entre os antecipadores de práticas diferentes e de complementaridades despercebidas. 30 Postura do interveniente J. Dubost (1980) mostrou a forma como a posição do interveniente psicossociológico evo- luiu entre as décadas de 1950 e 1970: tendo co- meçado como especialista do «factor humano», rompeu em seguida com o papel de perito espe- cializado para se posicionar como «consultor da organização enquanto unidade», e mais tarde o trabalho em meio empresarial foi um pouco abandonado em prol do desenvolvimento, em grupos, de consultas mais clínicas. Por fim, o desenvolvimento de diversas for- mas de pesquisa-acção levou o interveniente a reflectir sobre a sua implicação, fazendo assim surgir cada vez mais a necessidade, para a eficá- cia do seu trabalho, de assegurar a sua autono- mia relativamente a quem contratou o trabalho. Assim, a sua postura diferencia-o do especialis- ta, para facilitar a activação de um imaginário social e a explicitação de um sistema simbólico que conferem às autonomias individuais um lu- gar mais visível e valorizado do que a instituição em crise poderia fazer, mas suficientemente fundado nas necessidades reais da sua organiza- ção para que a mesma instituição possa, a favor da intervenção, accionar a sua capacidade e o seu próprio desejo de dele se apropriar. Por outro lado, André Lévy (1997) mostrou que a autonomização do interveniente se joga na sua relação com o pedido do capitalista. Aquela contém os vestígios dos desconhecimen- tos, ou mesmo recusas, sem os quais a interven- ção psicossociológica não teria, sem dúvida, ra- zão de ser. Nestas circunstâncias, o acordo entre o interveniente e a direcção implica um equívo- co. Se por exemplo este acordo tem a ver com o objectivo de desenvolver a autonomia dos acto- res e certas comunicações entre eles, podemos compreender que a intervenção deva iniciar-se antes que o capitalista esteja em situação de ade- rir inteiramente às dimensões do objectivo de que o psicossociólogo tem um conhecimento não imediatamentepartilhável com ele. Toda- via, será necessário que este venha, a seu tempo e a seu modo, a produzir uma forma de adesão útil a um desfecho positivo desta acção em co- mum. Ora esta não terá lugar se o interveniente se sujeitar às formas de ver de quem faz o pedi- do, já que este possui o poder e o dinheiro. Tam- bém não ocorrerá se a postura for somente de independência em relação aos constrangimentos do director. A autonomia deverá tornar-se aqui relacional. Na medida em que comporta a apti- dão para a identificação com as necessidades do ;:ômece também a capacidade para tirar iro de uma competência adquirida com a da análise através da qual se percebem os :iculos subjectivos que o Outro terá inte- ente que desconstruir para se tornar sujei- -- uilo que pede. A autonomia relacional do __ CIlÍenre exige-lhe, não só que entenda estes : os, mas também que acompanhe a sua çâo. Assim, a autonomia do interveniente, .i. =:!.ida que o dispositivo produz os seus efei- - rurge como um factor determinante para _~ se desenvolvam os processos de autonorni- - dos seus clientes e parceiros. - onomia é intersubjectiva ror meio da sua autonomia, o interveniente cstirui-se como outro e algures. É ourro por- _--z não está implicado nos funcionamentos nas relações conflituais para as quais o pe- ":0 solicita mudança. Encontra-se algures, .: ue aquele que pede não se implica na cena psiquismo individual, especialmente onde ze=eria estar mais empenhado, enquanto o in- =-CIlÍente segue as leis próprias da sua postura, ~~ o posicionam entre a cena colectiva da or- ~;ÜZ<lção e a cena individual das economias psí- _~CI.S e das capacidades desejantes. O que é que produz, para o colectivo, esta po- ;20 autónorna entre duas cenas, entre duas _ '!!ens, entre duas referências? õ, actores vão falar dos problemas que a orga- ::iz.ação Ihes coloca, que simultaneamente os em e dividem, não só entre eles próprios, mas =bém com um outro. Esta alteridade aumen- ~ ainda mais a sua possibilidade de analisar as relações, de outra forma que não o modo :::eas reproduzir dizendo-as, porque o outro res- :::all coisas ditas sem serem compreendidas pelo _ e significam. Os actores são levados a proble- ziarizar melhor as suas interrogações e a utilizar czn modo de desconstrução que interrompe a reprodução das queixas de que se encontravam zanvos. _ o decurso deste trabalho de grupo o recurso :::a intersubjectividade, cuja activação é autori- zada pela presença do Outro. No ponto de che- gada desta história de grupo, uma intersubjecti- idade melhorada pela autonomização indivi- '::ual, pela libertação de certas autocensuras e das _róprias repetições, constitui um recurso reno- do para o colectivo. Por intermédio do tratamento das reacções :::legativas, autodesvalorizadoras, dos discursos AUTONOMIA de decepção, estas propostas de análise ensinam aos participantes a possibilidade de acrescenta- rem à sua capacidade de julgamento sobre a rea- lidade objectiva, uma nova possibilidade de pensarem a sua intimidade e os efeitos excluso- res das suas desilusões. A partir daí, os participantes conseguem rela- tivizar as coisas, conferir menos importância às declarações de intenção e às afirmações de ideias do que às situações, à evolução dos contextos e à análise dos efeitos. Autonomia e democracia Estas intervenções e pesquisas-acções psicos- sociológicas mostram a relação estreita que exis- te entre o desenvolvimento dos processos de au- tonomização individual e o de uma forma de in- tersubjectividade na qual o outro adquire o es- tatuto de um igual, numa ética da discussão e em compromissos mútuos. Nesta medida, contribuem para a construção de uma certa forma de democracia. Qual, pou- co importa. Conhecemos a forma como a socie- dade civil dos EUA desenvolveu a prática dos processos. A maioria dos conflitos não se regula frente-a-frente, mas entre advogados, o que mo- difica os seus efeitos de socialização e de respon- sabilização pessoal. Antoine Garapon (1996) mostrou que o Código Civil desta sociedade se funda na desconfiança de cada indivíduo relati- vamente aos ourros. Este tipo de individualis- mo, assente no direito, não pode conduzir a uma forma de autonomia individual muito ela- borada, devido ao enfraquecimento do seu cons- tituinte relaciona!. Referimo-nos à lógica do projecto que consiste em aperfeiçoar a corres- pondência entre as autonomias colectivas e in- dividuais. Quanto a este processo, referimo-nos a Cornelius Castoriadis (1975), que definiu a democracia como a transformação da sociedade pela acção autónoma dos homens e de cada um. O artigo que lhe é consagrado neste trabalho recorda a sua concepção da força instituidora das sociedades. Esta força tem origem num ali- cerce de significantes que formam o imaginário socia!. O seu valor determina o sentido da vida e da acção nas sociedades que se baseiam nestes significantes. E, se nos perguntarmos porque devemos ater-nos a um projecto, atendendo às lentidões e reticências das instituições a consen- ti-Ias e a organizarem-se em conformidade, atendendo também às resistências individuais a ousar em conjunto, cada um, a sua própria 31 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA autonornizaçâo, sem dúvida que será necessário responder que é esta insistência, sem garantia de sucesso, que caracteriza a nossa sociedade. Ela reconhece na autonomia e nos desenvolvimen- tos que lhe foram fornecidos pela necessidade de articular com as suas formas colectivas a di- mensão individual, um dos significantes mais importantes que a fundamentam. Bibliografia AsSOUN, P.-L. (1993), Introduction à Ia métapsycholo- gie fteudienne, Paris, PUE BLANCHET, A. et al. (1985), Eentretien dans les scien- ces sociales, Paris, Dunod. CASTORlADIS, C. (1975), L'institution imaginaire de Ia société, Paris, Le Seuil. DUBOST, J. (1980), «Linrervenrion institurionnelle», Paris, Payot, pp. 56-58. GARAPON, A. 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COMPLEXIDADE Max Pages A reflexão e isternológica sobre a noção de c~mplexi aa *" nass~lLfloLmovimentos clã ciência 1]0 decurso dQst_c.ulQ..~sãão.Voltãndo ã questionar os princípios e conceitos mais for- temente estabelecidos, ~naram os E!ó- f>rios fU!.l.4~SI1.tos._daxeflexã_0-fientífica. Basta recordar os abalos mais notórios: na física, o princípio da incerteza de Heisenberg, que pos- tula a impossibilidade de se determinar simul- taneamente a velocidade e a posição de uma partícula, a indeterminação quântica, que in- troduz uma ruptura de continuidade da rnaté- . ria, a natureza à escala microfísica que procede, de certa forma, «por saltos», a relatividade res- trita e geral que liga as noções de espaço e de tempo ... A imperrnanência das leis físicas é pos- ta em causa. O universo físico tem uma histó- ria, tanto à escala microfísica como macrofísica (Prigogine e Stengers, 1979). Em física, e tam- bém em biologia, interrogamo-nos sobre as re- lações entre ordem e desordem,entre acaso e necessidade (Monod, 1970). A ordem não é imutável, nem eterna, nasce da desordem, no entanto impõe-se a ela numa certa medida pro- babilista, A cibernética, a teoria dos jogos (Wie- ner, 1%2; Ashby, 1%0; Luce e Raiffa, 1957), as teorias dos sistemas (von Bertalanffy, 1968, 1973), do caos (Thom, 1972), da auto-organi- zação (von Neumann, 1966), propõem concep- tualizações destas relações'. _ A um nível mais geral, Edgar Morin (1990) situa o pensamento complexo como uma ultra- passagem ôo pensamento slmphhcante, pôSifi:~ ~~~~,~.~~--~~~~~~~~31sta la clencla c aSSlca, gue proce e por ISO a- mento e disjunção das diferentes dimêi1SõeScfo -real, e que pretenae uma coerência perfeitãetõ= - tal, do conhecimento, por adição dos conheci- mentos parciais. A com lexidade «é um tecido (complexus: aquilo que é tmClõ emCõ1ijúntoTde- constitUIntes e erogeneos Inseparavelmen~ ciados» (Morin, 19.2.º-t-y pensa~~~.:.. {2lexovisa «ex 2licar..~ões* entre_~s_~o..::.... mínios disciplinares que são quebrack>.s p<:lo_, pensanrento--ctisjilluivo». l?roc~Ji não por iso- lamento-e disjunção das dimensões do real, das metodologias e das disciplinas correspondentes, mas sim or distinção e conjunção. A distinção~- ..• 36 dos constituintes heterogéneos separa-os sem os 1sõTaLe:.permit~~ asslffi:unnos2~ - ---- Nas ciências da natureza, progressos decisivos foram frequentemente, ou mesmo sempre, pro- vocados por cruzamentos, por mestiçagens en- tre linhas de pesquisa diferentes. François Gros (1986) caracteriza uma fase importante do de- senvolvimento da genética, aquela que liga ao funcionamento dos genes o fabrico de enzimas, como o estabelecimento de uma relação entre o objecto dominante das ciências da hereditarieda- de e o da bioquímica. Ele mostra como, a partir da descoberta das leis matemáticas da distribui- ção dos caracteres por Mendel, o objecto da ge- nética se enriquece e se torna progressivamente mais preciso, incorporando pontos de vista co- lhidos na embriologia (descoberta dos cromos- somas), na teoria das mutações, na fisiologia, na patologia, na bioquímica (laço entre genes e en- zimas e posterior descoberta central do ADN), na físico-química e na cristalografia, eviden- ciando em seguida a estrutura interna e as pos- sibilidades combinatórias do ADN. A concep- ção do gene (que é assim nomeado apenas de passagem) passa da noção de carácter para as propriedades de uma molécula, atravessando di- versas fases, esclarecendo cada disciplina dife- rentes facetas do objecto. Mais fascinante ainda, a verificação de que o isolamento químico do ADN a partir de núcleos celulares foi realizado no mesmo ano da descoberta de Mendel, em 1865, sem que nenhuma associação fosse feita entre as duas descobertas. Foram necessários quase oitenta anos para que a pesquisa fran- queasse esta distância e estabelecesse os elos in- termediários (Gros, 1986). Da mesma forma, seriam necessários quase quarenta anos antes que a hipótese de uma se- lecção e de uma transmissão hereditária dos I Devemos a Guy Palmade ter-nos dado a conhecer 2 obra de Ashby e a sua interessante noção de ultra-estabili- dade (estabilidade de segunda ordem, obtida pela variaçâe aleatória dos sistemas de regulação de primeira ordem). 2 Consultar também E. Morin e J.-L. le Moigne, 1999 C. Castoriadis, «Science moderne et interrogation philoso- phique», em Les carrefours du labyrinthe, 1978. • Os asteriscos remetem pata as definições no fim do artig comportamentos, análogas às que regem os ca- racteres morfológicos, em embrião no trabalho de Darwin sobre as emoções (1981), fosse reto- mada no início do século pelos fundadores da etnologia. Em ambos os casos, as ideias recebi- das sobre o que é normal, ou não procurar e en- contrar, sobre a identidade do objecto científico legítimo, desempenham um papel de travão não negligenciável. Isto mostraria, talvez, que o pro- cesso científico progride, pelo contrário, como qualquer condução inteligente, por desvios, des- centração, por separação dos seus objectos su- cessivos e enxerto transversal de outros objectos. O processo complexo está, assim, longe de se sans azefCõillãCoi1 usão do real, com o pulular das determinantes, com uma ordem arbitrária que lhe seria imposta à força, ou com uma sín- tese englobante que reduzisse a sua diversidade. Procura novos rincípios de~m...que a~ dam à diversid~.ãs partes e ~~_suas.elaç.ões, a formas de conhecirríêrítôs menos mutilantes e ilusórias. Não renuncia nem à clareza e à preci- são do trabalho científico nem à própria ciência, bem pelo contrário, mas a um ideal científico megalómano, habitado pela vontade da ornni- potência: «O pensamento complexo é animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não parcelar, não cornpartimentado, não redutor, e pelo reconhecimento do estado de inacabamento e incompletude de todo o co- nhecimento.» (Morin, 1990.) A noção de complexidade resulta assim da l~n~agem com~ na quãlõcom lexo.áe_con=.. Nn e com o comp zcaão, o confuso, o em~ nnaoo.1í: complexiâã~ru.iJiQ_episte.ffio- làgico, procurãã:esco rir uma ordem entre os ;lemêntõs ~;rit~eS'UêConscrva~a s~ liêterogeneidade. A comphcação, pelõ ~ no, resultá frequememente da tentativa de fazer entrar à força, num sistema único, elementos cuja origem é exterior a ele. Nesta operação, perdem muitas vezes, além disso, a sua origina- lidade. Podemos citar, neste sentido, as tenta- tivas redutoras feitas pela psicanálise para assi- milar contributos de escolas vizinhas (e rivais) relativos às técnicas do corpo e às técnicas de ex- pressão em geral: psicodrama analítico, relaxa- mento analítico. A construção da escola domi- nante assume então, com o correr dos anos, o aspecto dos palácios árabes nos quais aparta- mentos novos se juntam uns aos outros na de- sordem, para criar lugar para as novas concubi- nas do harém real", ' Limitar-nos-e os neste arti o aos aSEectos cientl ICOS da complexidade nas ciências hurna----_.~ COMPLEXIDADE nas. Não trataremos do carácter científico ou não científico de certas práticas, nomeadamen- te da psicanálise e da psicoterapia. Esse carácter foi posto em cheque, como se sabe, por corren- tes psicanalíticas inspiradas pela filosofia da existência (Binswanger, Médard, Boss), pelo próprio Sartre e, numa via vizinha, pela psicote- rapia compreensiva de Carl Rogers. Mais recen- temente, Lacan sublinhou a radical contradição entre a subjectividade e o projecto conhecedor de um «sujeito que se supõe saber». Sem ignorar a importância desta questão, abordárno-la de forma diferente, numa perspectiva de comple- mentaridade e de «conílitualidade criativa» en- tre o projecto científico da psicoterapia e a im- plicação existencial do psicorerapeuta no diálo- go intersubjectivo com o seu cliente". Hegemonismo As ciências humanas encontram-se, actual- mente, perante o aéSâ 10 de abandonarem o hegemolllsmõ. A nõSSãfierança é, com Jeito, paradoxal. Por um lado, é de uma riqueza in- c:omparave~ a a durante mais e um sé- - culo soo o impulso ae sistemas poderosos, mar- xismo, funcionalismo, interaccionismo, estrutu- ralismo, behaviourismo, cognitivismo, psicanáli- se, com todas as suas ramificações e dissidências, sem contar com as influências das correntes filo- sóficas e artísticas. Por outro lado, cada um dos sistemas pretendeuFêihar sempartilhar a...sita disciplina, ou mesmo-a:n-el1:ãrâisClp"mas vizi- n as, e colocou-se em posição de hegemonism_o.. Nãose-tratá apenas-anutãila cena sõcial pelo poder intelectual e pelo reconhecimento, de ba- talhas de escolas, de estratégias de rivalidade e de exclusão que conhecemos, assentes na igno- rância mútua e no desprezo. Mais profunda- mente, o hegemonismo cria raízes nos próprios sistemas de pensamento, constituídos em escolas de pensamento que procedem da palavra de um mestre, reverenciado como um dogma, e de princípiospan-explicativos com vocação univer- sal: líbido, instinto de morte, energia sexual, luta de classes... Apesar da sua riqueza, é um pensa- mento com tendência monista, que tende a 3 Devemos a Jacques Ardoino a distinção importante en- tre complexidade e complicação, que a linguagem corrente tende a confundir. 4 Ver M. Pagês, «Foi et raison en psychothérapie», em Mouvance Rogérienne, 1997, e «L'approche complexe en psychothérapie», Bull. Psych., no prelo. 37 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA transmudar-se em sistema de crença universal. Um pensamento em termos de contraditórios, e de tudo ou nada, que não procura explicações senão no seu universo próprio e que é difícil, por essa razão, articular ou combinar com outros. Uma explicação considerada boa num domínio é espontan,eame_nte considerada contraditérja eexcludente de uma explicação de outro tipo. Assim, será tão difícil para um psicanalista ad- ~h:írã-pertinência da determinação social dos fenómenos psíquicos, como para um sociólogo crer na determinação psíquica de fenómenos so- 'ciais ao asso que nenhum deles hesitará em aplicar as suas nipÓteses ao 90míniõ do ;ut;o. ASs~ f~ramentas intelectuais-e os seus hábitos de espírito interditam a fertilização cruzada das suas abordagens. Na nossa he ança-rnisturarn-se, <J.!)~irn_ckiorrna indissociável, contributos cien- -1íficos incont~s.E..áveis,aos quais não devemos re- nunciar, e um modo de pensamento quase reli- gioso, espécies de religiões científicas que se com- batem umas às outras sem conseguirem dialo- gar. É desta situação contraditória de rigidez e de dispersão, ou de eclosão não controlada, que nos devemos esforçar por sair. Uma epistemologia concreta da complexidade A tarefa dos l'esquisadores-práticos é de fazer frutificarasu;. heran ,desem5araçan o-se ao ·-hegemmilsmo. rara-se de construir uii1ãep1ste- rnologia concreta ãCom eiZi(lã(fe nas clencias Ííwn.anas eguindo a via aberta or Ed ar 0- riIl..DQ...J;1lanQ..filosófiS2:.- - Tal escolha ideológica não se faz de forma fria e asséptica._Não~ escolhe uma episte~É ou outra como quem escõlhe um proouto no jiíI2ermercado das ideias. A escolha da com xidade ressu õe um amcil tra o e luto da crença na ossibilidade de uma ex lica ão uni- _versa, gue se joga na confluência da história in- dividual e da história colectiva. Uma pesquisa sobre «o domínio da organiza- ção», empreendida há cerca de vinte anos, de- sempenhou, a este título, o papel motor de uma experiência princeps (Pages, Bonerti, de Gaule- jac, Descendre, 1979). No seio da equipa de pesquisa enfrentavam-se três concepções, uma de inspiração marxista, outra de inspiração psi- canalítica e uma terceira, libertária, que a psi- cossociologia se esforçava mais ou menos por unir como um todo. Curiosamente, os pesqui- sadores estavam de acordo sobre a descrição dos 38 fenómenos, mas em oposição irredutível quan- to às teorias globais. Por razões práticas, e ha- vendo antes de mais a necessidade de redigir um relatório comum, o responsável pela pesquisa, Max Pages, propôs uma regra de «suspensão teórica» ao nível das teorias últimas, para se ater ao que fosse possível formular em comum. Os pesquisadores descobriram então que podiam, na realidade, pôr-se de acordo sobre o conjunto da análise! Podiam descrever o funcionamento da organização, as estratégias de poder, a mode- lagem recíproca das políticas organizacionais e dos investimentos inconscientes dos indivíduos, em resumo, as interacções entre o funciona- mento psíquico e a organização social que eram o próprio objecto do seu estudo, aquilo que de- signaram como um «sistema sociornental». Isto colocava-os na via das noções mais gerais de objecto complexo e de articulação, e teve reper- cussões na pesquisa, para além do campo da or- ganização, em psicoterapia, em sociologia da família e noutros domínios. Anexação, redução, sectarismo Isto coloca a questão das relações entre siste- mas teóricos e disciplinas. Numa perspectiva hegemónica, trata-se mais ou menos da mesma dificuldade, porque as disciplinas tendem então a identificar-se com os sistemas teóricos domi- nantes, a psicologia_com a psicanálise, por exemplo, ou a sociologia com o-marxismõ;' êas - dificuraa:-des de articITtaçao mteralsci rr;;:;res ~m ~~patlb-i1ídadecrõSsistemas teó- =ricrrs. As relaçõês entre-di-sciphnassãõêTítãõ marcãdas, seja pela anexação pura e simples, .J?Ecolo ização do ~1....Q1U..ociologiz;l..Çã,Q~ sí uico, psicologização do biológico ou inver- samente, seja por diferentes formas de reducio- rusmo. No primeiro caso, os fenómenos de uma or- dem são subsumidos às leis de outro. Por exem- plo, interpretar-se-ão as estruturas sociais em termos de projecções inconscientes, ou a sín- drome depressiva em termos fisiológicos ou ge- néticos. Qualquer que seja o ponto de partida, procede-se de cada vez por extrapolação, testan- do a validade de um raciocínio para lá do seu domínio aparente de aplicação. Processo heurís- tico conquistador, muitas vezes com muitos re- sultados interessantes, e decerto inteiramente legítimo se não caminhasse sempre no mesmo sentido e não excluísse implicitamente o pro- cesso inverso, não obsrante idêntico ao seu. Porque se o psicológico, por exemplo, determi- na o social, não poderemos sustentar com igual força que o social determina o psíquico e que es- tas duas proposiçóes, dialecticamente opostas, não são de forma nenhuma contraditórias? Mas tudo se passa, no pensamento hegemónico, como se esta possibilidade estivesse permanen- temente oculta e os contrários, com o seu cor- rejo de frutuosas oposiçóes, constantemente confundidos com contraditórios. Porque este pensamento repousa, no fim de contas, num monismo pan-explicativo, qualquer que seja a complicação interna. As tentativas reducionistas são mais subtis. Com mam-se,""'ffiúitas vezes, com as preced;~- res. As outras disciplinas têm, desta vez, direito à existência, mas uma existência reduzida. Ob- servamos neste caso, no interior de uma disci- plina, representaçóes simplificadas das discipli- nas vizinhas, disciplinas de certo modo amputa- das, incorporadas no sistema teórico dominante e necessárias ao seu funcionamento. Uma das mais conhecidas é a do Homo economicus, uma espécie de psicologia simplista reduzida à satis- ração das necessidades, inventada pelos econo- mistas em ligação com as teorias da utilidade, das quais se começam dificilmente a libertar ttali, Guillaume, 1974). Outro exemplo é a noção de lei, à qual se reduz frequentemente o funcionamento social na reflexão psicanalítica ou, do lado da biologia, a oposição necessidade- desejo ou instinto-pulsão, que tendem cada vez mais a incorporar-se como um artigo do dogma na vulgata psicanalítica. De um lado, o automa- cismo do instinto, do outro, apoiando-se nele, o iogo mais livre do desejo, passando pela possibi- idade de representação do objecto ausente, que introduz uma fonte de variação. Aqui seria mar- cada a fronteira entre biologia e psicologia. Bela construção, na verdade, infelizmente desmenti- da pelo desenvolvimento da etologia, por no- ções tais como comportamento de apetência, interacção, duplo feedback, que fazem do indi- ríduo, animal ou humano, não um conjunto de utomatismos ou de reflexos, mas um centro ac- zivo que estimula o seu ambiente e interage com de (Lorenz, 1978). As disciplinas am utadas são testemunho da - so uta n~ e que uma lSClpma tem de ~ as disciplinas vizin as, ISto r,efe ~ar as suas ró nas Fronteiras. Estritamente falan- o, é impossível construir uma psicologia sem uma representação mínima do social e do bioló- ~co; mutatis mutandis, o mesmo acontece com as outras disciplinas. Em certo sentido, trata-se de uma espécie de homenag=;::;: r.;-~.,,~~-,-,- de. Mas a função "p~i.meira das c,s -:: -=- - putádas éãae assegurar a coeréncia c;;.:= " ._- na que as produz.Trata-se de disciplinas ::::::- cias, inventadas por um sistema teórico para lhe servirem de contraste ou de complernenro. Os psicólogos, assim, não cessam/de inventar socio- logias e biologias que lhes s~o cómodas. É um processo análogo ao do ocupante que antes quer colaborar com um governo fantoche do que ne- gociar com a resistência. Nesta forma de raciocínio, as disciplinas vizi- nhas são em geral reduzidas a constantes (a lei, a necessidade) ou a dados empíricos. Não são consideradas como locais de dinâmicas, fontes autónomas de variaçóes. Aquelas são reservadas à disciplina rainha, única produtora e criadora de «verdadeiras» mudanças. 9uE!3.$stratégia,. mais clássica, é a d~ ~s;har: -se n~~Win'!.Rr.Q ria,Jillistindo na.irreduti-, bilidade dos seus princípios, dos seus conceitos, das suas práticas, o que os torna incomparáveis com os das outras disciplinas. Os grupos cientí- ficos fecham-se, segmentam-se, transformam-se em seitas de iniciados. O debate científico trans- forma-se numa glosa, no comentário talmúdico das Escrituras. Anexionismo, reducionismo, sectarismo, são outras tantas modalidades de defesa contra «a insustentável diversidade» do conhecimento que faria surgir uma mais autêntica confronta- ção interdisciplinar. São acompanhados de dis- positivos de poder que interditam ou limitam o confronto, de forma mais ou menos subtil: colo- nização, pelos lobbies intelectuais, da edição, da universidade, dos locais de debate ... Existe assim um parentesco, uma homologia, entre o conteúdo dos sistemas de pensamento hegernó- nicos e os métodos de controlo social que asse- guram a sua reprodução. Encontramo-nos pe- rante verdadeiros núcleos de influência ideoló- gico-políticos, sistemas sociomentais que afer- rolham a diversos níveis a produção intelectual. Análise dialéctica* Fomos assim conduzidos, sob a designação de an'ilise-di:a:lé-ct'ica, ãn'ecessidi"de de uma análise 2rftica das-teorias, dôs métod'õs e das práticas. Indiquemos as bãI~s essenciais deste método. Isso levou-nos -ª tentar raciocinar,..sem.pre-qJ.le ~_p-o.ssLY.cl,..s!::gl! o cgn.tJ;drios,que·s~m mas não se excluem, mais do que segundo con- tra~ , 39 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA A tónica desloca-se do plano dos princípios pan-explicativos universais para o, mais modes- to, dos processos, das rnetateorias com teorias in- termediárias, situadas a um nível médio de abs- tracção. Esta regra de «suspensão rnatateórica» abre um espaço de interrogação entre sistemas teóricos que se excluem e que não toleram nas suas fronteiras senão o nada ou a heterogenei- dade total. ~aml2Q~_dis,ÇÍplinares teórico- -p!átj,çp~_são as.slf!Lsolocados de certa forma, tanto uns como outros, em estaao âe «Rutuação», m uenciando-se mUlual!!eJlte,_ao. m~em~ R2... ue ~~ a sua especificidade. A ima- ginação dos pesquisadores pode implantar-se neste espaço, criando-se um tecido intersticial entre os campos. Passa-se de uma pesquisa ,,~- tical .9ue associa prindplOs, proCeSsos e obser- vações no interior de um campo, para uma ex- pJor-as;ã0-t sversal entre os camp-.os. - .AP-esquisa,.que-assim.se..toxna_B.os~lxeLtem_p.2r J:undamen.to_as_ar.úculaçõJ:Ltransversaj~re processos de ordens diferentes: psicológicos, ~ais, corporais; familiares, grupais, ma- crossociais ... Evidencia cadeias de ligações inter- processuais tais como, por exemplo, os laços entre processos de tensão muscular, de inibição da expressão emocional, de recalcamento das repre- sentações, de repressão social. Define objectos complexos nos quais se entrecruzam determinan- tes de proveniências diversas. Uma síndrome neurótica, por exemplo, é considerada como um objecto complexo que liga entre si conflitos edi- pianos, conflitos de ordem sociofamiliar e con- flitos arcaicos que têm a ver com o sistema emo- cional, eles próprios em relação com o ambiente familiar e social (Pagês, 1990, 1991, 1993). Aduas n~ões, roblematiza ão múlti lri' e Izutonomta relativri', afirmam o senti o estes conceitos. A primeira si nifica que um mesmo fenómeno é erspectivado de iversas formas di- erentes, conce i o como o onto e cruzamen- to de diversas o lCas autónomas, or exem 10 micro e macrossociais, psicológicas, sociológicas, _ IQ ~glcas ... Torna-se um oc -aei'iitei'ãCçao en- tre pro~âmico~neos que se In- . fluenciam mutuamente, mas que não são, de forma al uma, re utlvelS uns aos outros. ~Ã. noção de autonomia re ãüva é conexa. O õe::-; ~ d;- epenaêncla e ae m e endência. Uma série aefenomenos if-se-á dependente de outra se obedecer aos mesmos processos e leis de variação que aquela, e independente se não existirem entre elas relações de covariação. Em contrapartida, JllilJ)l:eL- entre si lal;.o ~ omia relativa se se influenciarem, mas rnan- 40 tendo-se reg~p-~eu~RrQÇessos própr_ios. 1'Jê'StêCãSã, é ao nível de uma relação entre os próprios processos que se estabelece o laço entre as séries. Assim acontece com a sequência que acabámos de evocar entre repressão (social), re- calcamento (psicológico), inibição (emocional) e tensão (muscular), como com qualquer outro encadeamento que ligue processos que perten- cem a esferas de observação e a disciplinas dife- rentes. O interesse de um raciocínio em termos de autonomia relativa é o de ele permitir reco- nhecer a especificidade «local» de certos proces- sos, admitindo os seus laços com domínios vizi- nhos. Também não pressupõe laços automáti- cos entre os níveis, mas antes relações de tipo probabilista, porque cada nível tem a sua pró- pria complexidade interna, nomeadamente a sua história, que influencia directamente o seu porvir em cada ponto, mesmo que seja atraves- sado por influências externas. Desta forma, se o social «solicita» o psíquico (Huguet, 1987), se certas estruturas sociais mobilizam por eleição certas estruturas psíquicas, se existem entre elas «sistemas sociomentais», a diversidade das res- postas individuais num mesmo ambiente reflec- tirá a da história individual, familiar e social''. Um indivíduo confirmará, por exemplo, outro desmentirá as solicitações de um meio opressivo por comportamentos depressivos. Vemos como fenómenos tão essenciais como a patogenia poderão encontrar-se na intersecção de diversos campos de pesquisa, social, psíquica, biológica ... e não situados num deles", As noções de articulação e de objecto com- plexo assumem assim um sentido preciso e tor- nam-se conceptualizáveis como locais de inter- secção de problemáticas diferentes, para lá da sua acepção vaga do sentido comum, que evoca uma confusão, uma mistura ou uma adição de determinações, em poucas palavras, a complica- ção, ou mesmo uma variância múltipla em sen- tido estatístico", ou a simples extensão a um 5 Morin assinala a «causalidade recursiva- que liga cada elemento de um conjunto complexo ao próprio conjunto • tornando-os reciprocamente produtores um do outro. As- sim. a sociedade ou a organização produzem indivíduos. tal como eles por sua vez a produzem (Morin, op. cit .• p. 115). G Daniel Widléicher. no seu excelente trabalho sobre a depressão. mostra a legitimidade e a especificidade das di- versas abordagens (1983). Ver também a nossa obra sobre o stress (Aubert e Pages, 1989). 7 A análise factorial permite medir o peso de diferentes facrores de variação na produção de um fenómeno romado isoladamente. e o da interacçâo de fenómenos dois a dois •.... na n, sem por isso necessitar de hipóteses sobre a natureza dos processos de covariação. domínio dos processos que regem um outro. Podem ser identificados pares ou núcleos mais complexos de processos, que desempenham um papel mediador importante entre domínios e entre disciplinas, como espécies de sinapses acessíveis por diversos lados, locais de passagem, de encontro e de conversão de um tipo de pro- cesso noutro". O método é de alcance geral. A organização, a família, o próprio indivíduo, podemser abor- dados desta forma. Vimos que se podia cons- truir a organização como tal objecto, como local de articulação entre processos de mediação de conflitos sociais e sistemas de defesa contra con- flitos psíquicos (Pages et al., 1979). O método mostrou-se frutuoso noutros domínios: os da so- ciologia familiar e das histórias de vida (de Gau- lejac, 1987), da emoção (Pagês, 1986), do stress (Aubert e Pages, 1989), da psicoterapia (Pages, 1993; Prayez, 1994), da educação (Herbert, 1995), do desemprego e da exclusão (Hérelle- -Dupuy, 1994). Prática complexa* A noção de objecto complexo conduz à de pcltic;{ co~121exa. A psicoterapia, por exemplo, aepenâe de tal abordagem. O material produzi- do pelos pacientes pertence a diversos registos de interpretação e portanto de intervenção, aos registos emocional, discursivo, social ... É situá- vel, não de forma linear, mas num espaço com diversas dimensões. Isto conduz a estratégias terapêuticas combina- das que põem em relação diversas formas de tra- balho: trabalho analítico, emocional, sociológi- co, trabalho individual e de grupo. Cada tera- peuta alarga assim as suas competências a cam- pos vizinhos do seu, tal como pode ser levado a formas de colaboração interessantes entre espe- cialistas diferentes. A prática clínica e a pesqui- sa, assim reorientadas, alimentam-se mutua- mente (Pages, 1993). De forma geral, podemos pensar que a maio- ria das profissões das ciências humanas estão no mesmo caso: psicomotristas, psicopedagogos, sicossociólogos, com duplo nome revelado r, e ~ut~a pr:o 'SSOeS:"-Situam-se o cruza- mento de diversas práticas, também elas, sem úvida, já complexas: pSICoteraplãeedUCação, por exemp o, cuidados corporais e psicoterapia como no caso dos cinesiterapeutas e, muito sim- plesmente, os médicos. Ora, os sistemas teórico- -práticos que lhes são propostos, ou mesmo fre- COMPLEXIDADE quentemente impostos, por muito elaborados que sejam, são lineares. Muitas vezes não per- mitem atender de forma satisfatória à complexi- dade de tais profissões. Além <ils~<?!.o problema com lifa-ss or ues0_es. e.pr~tigi9 e de estil- turo profissional. Os técnicos encontram-se muitasvezes dilacerados entre tal ou tal dimen- são da sua prática, que eles não podem conceber como um conjunto que articula e opõe dimen- sões diferentes. A nQ.ção dq2rática complexa. é, a este respeito, um campo promissor de experi- men ração e ae -;eflexã09."·· ", ~ , Fronteiras O processo com lexo reavalia o trabalho so- bté"áSfronteiras1 em nmeirQJugar a enterra 'entre reãlidade psíquica e realidade social, e a ronteira corpo-psique. Volta a pôr em cheque os dogmas e interditos relativos ao trabalho transfronteiriço. Assim, na colaboração com um sociólogo (Vincent de Gaulejac) convidado a animar se- minários de análise de histórias de vida para pa- cientes que se encontravam em psicoterapia connosco, tivemos oportunidade de observar surpreendentes interacções entre o processo ob- jectivante da análise sociológica e o processo subjectivante do psicoterapeuta. O modo de questionar típico do sociólogo, que interrogava de forma insistente as relações do sujeito com a realidade social objectiva, as suas questões rela- tivas aos locais, às personagens, aos nomes de família, ao dinheiro, que podíamos entender como instrumentos de luta contra a negação da realidade, produziam por vezes uma aceleração notável do trabalho terapêutico. Em certos ca- sos, a emergência na entrevista terapêutica de uma palavra «esquecida» assemelhava-se ao le- vantamento do recalcamento que intervinha pa- radoxalmente na sequência de, e em ligação com, um processo activo de interrogação da rea- lidade objectiva nos seus aspectos sociais, que se considerava restringir mais, segundo a teoria 8 Jacques Selosse fala de conceitos mediadores. No seio das sinapses, zonas de junção entre neurónios ou entre neu- rónios e outrOS tipos de células, as membranas celulares da terminação axónica e da superfície inervada justapõem-se, mas não se fundem. Para certas categorias de sinapses, os si- nais eléctricos propagam-se direcrarnenre, e para outros a transmissão eléctrica passa pela intervenção de um processo químico (Changeux, 1983). 9 Ver os trabalhos interessantes de Suzanne Roberr-Ou- vray, Au carrefour de Ia psychomotricité, de Ia kinésithérapie et de Ia psychothérapie, 1993. 41 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA psicanalítica, a evocação da produção psíquica inconsciente. Mas é verdade que a recordação «reaparecia» noutro quadro de interrogação e de escuta, de ordem analítica. Estes fenómenos si- tuavam-se na interface entre dois campos de in- tervenção que correspondem a duas regiões psí- quicas. Como se se tratasse de um efeito lateral .~ ,. , . '10entre reglOes pSlqmcas e praticas contIguas . , .Não se trata, em tais casos, nem de uma re- ~dú.ÇKOSl;ealis~..aJ~~~mo ao social nem de ~ma redução «idealista» do social à realidade ( Psíquica, mas da análi;e das interacções _entre uma e outra por interconexão de dois processos , antagonistas e complementares que,~além.....disso, I possuem zonas de sobreposição. _0_ que está em LQ.11'estão, para o psicólogo, é a possibilidade de acolher intelectualmente a ideia de uma causa- lidade social do psiquismo, cuja exploração prá- tica recorre a outras vias que não a sua. ° so- ciólogo, por seu lado, aceita que o encaminha- mento dos determinismos sociais passe pelo intermédio de processos de interiorização, de identificação, de conflitos vivenciados na trans- ferência com os terapeutas. Cada uma destas séries de prs>cesso~goza d~_a'Utonoml~~ mente à outra, tal como as pessoas e os dispo si- 'tivos que os psicólogos e os sociólogos clínicos fazem actuar. A outra fronteira essencial é a fronteira corpo- -psique. As noções de sistema emocional e de tra- balho emocional voltam a pôr em questão o in- terdito dogmático do toque em psicoterapia, pronunciado pela psicanálise e que se considera garantir a produção fantasmática e a elaboração psíquica. A prática do trabalho emocional em condições precisas que garantem a manutenção do quadro e do contrato terapêutico mostra que este falso interdito não se justifica, tal como a hipótese em que se baseia (Pages, 1986, 1993; Prayez, 1994). Em psicoterapia, foi-nos possí- vel observar efeitos laterais comparáveis aos que acabamos de descrever entre o trabalho sociop- sicológico e o trabalho analítico sobre esta outra fronteira, na interface entre trabalho emocional e trabalho analítico, no caso dos pacientes cujos protocolos analisámos. Correspondem a impul- sos conjuntos do sistema emocional arcaico e do sistema edipiano. Integração ou complexidade Na construção de um processo complexo, co- loca-se inevitavelmente a questão de saber aqui- lo que conservamos das teorias e das práticas 42 que o compõem, aquilo que abandonamos, aquilo que se transforma, para o tornar compa- tível com as outras componentes do processo, e, last but not least, aquilo que acrescentamos ou descobrimos. Nesta operação, as teorias e as prá- ticas, ao mesmo tempo que conservam uma identidade reconhecível, não se mantêm in- demnes. Assim, nas tentativas de integração das dou- trinas terapêuticas, existe o risco de se obscure- cer as disciplinas constitutivas do melting-pot procurando os elementos comuns a todas. Este é um risco ao qual alguns dos nossos colegas ame- ricanos não escaparam 11. Por nosso lado, mais do que uma síntese teórica, procurámos articu- lar e dinamizar as oposições entre pontos de vista conservando uma identidade própria, diferen- tes mas não contraditórios entre si, que permi- tem captar de forma complementar a realidade psicossocial. É por esse motivo que preferimos o termo complexidade ao de integração. À censura que nos poderia ser feita de falta de rigor quando nos afastamos dos cânones desta ou daquela doutrinaque utilizamos livremente, respondemos convidando os críticos a não con- fundirem rigor e rigorismo. ° espaço é estreito, mas existe uma diferença essencial entre a atitu- de que prefere um verdadeiro culpado a um in- vestigador incerto (matar a incerteza, mais do que procurar respostas) e a que prefere cornba- ter a incerteza deixando as questões abertas sus- pensas durante o máximo de tempo possível, a fim de que neste espaço possam surgir respostas inesperadas. Este tempo de suspensão é primordial. Marca a passagem dos contraditórios aos contrários, ao mesmo tempo que a renúncia à omnipotênc' . Durante esta passagem a re-se um espaço que se torna local de criação entre dois conjuntos teóricos que se excluíam. É libertado um lugar no qual o investigador vai poder imaginar, sem mesmo se dar inicialmente conta, dispositivos teóricos e técnicos imprevistos, articulações, es- tratégias de intervenção complexas, que se si- tuam entre os dois sistemas teórico-técnicos e que fazem apelo aos dois registos. Ele observará 10 O sistema sociofamiliar (SSF) e o sistema discursivo- -edipiano (50) (Pagos, op. cit., pp. 159-162). Discutimos um caso em pormenor nesta obra e em «Lécoute complexe» (Revue Internationale de psychosociologie, n.? 14,2000). II Cf. J.-c. Norcross, M. R. Goldfried et al., Ia psycbo- thérapie intégrative, 1992. Estão representados na obra dife- rentes tipos de integração, alguns dos quais são próximos de um processo complexo e outros muito afastados. efeitos inesperados da sua intervenção, como os efeitos laterais ou de enxerto que descrevemos. Esta construção repousa, na origem, na abertu- ra de um espaço interior de interrogação, em vez e no lugar das poderosas barreiras mentais preexistentes entre sectores diferentes da reali- dade e do pensamento, que podemos interpre- tar como espécies de defesas contra o risco da criação intelectual. Isto tem por efeito fazer dialogar entre si, ao nível teóricoep;rtico, as diferentes raclições científicas que nos alimentaram, manTermo-nos fiéis a elas, ao mesmo tempo que derrubamos faIsoLdogmas e falsos interditos, e abrirmos no- vas vias. Passamos assim, esperamos, da guerra ideológica para um estado de conflitualidade criativa. A via do rigor intelectual consiste em manter a brecha aberta, em não esquecer que não se po- dem ligar frutuosamente senão conjuntos dis- cintos e claramente separados. O método com lexo não consiste em fundir, agregar, integrar, comp icar o edifício, construir sinteses umllcaâõfâSêi1tre SIstemas teõriCõ:téc~ rncos,màs em fêdefinuos seus laços tornaI.!..<!2 mais precisos os contornos de cada um, no mes- momovimeme:-5epa1'ãrãã" mesmo tempo que seliga, igãrão" mesrri-o'Tempo que se se' ara,' num mesmo movimen:to~éc.!ico. ão se trata, orta!llQ, de construir uma dou- rrina a to a a rova, de definir de uma vez por rodas asd~nsões da complexidade sociopsi- coemocional a levar em conta e as suas vias de exploração . .5ão.co cebíveis várias abordagens a esta c~m lexidade, fl.ue,_aliás,-eom-e am a ser ex-~~-- ..p ora as. A abordagem comp exa é sem re si- ruada. AlllvelL"eorico, âe en e das dimensões leva as em conta pelo investigador, das suas es- colhas, o que não o dispensa e as vaIÍcrar:Eum ;ens---ento em re e que co oéãem ígação uma multi licidade de pontos e vista q~ constrói com a qual estamÕsãIndã pouco famÍ- iarizados. VemsubStitüir os moaosefepêD.Sã- ;nen~ escolas, que conservam um aspecto gregário, e reorganiza simultaneamente a episte- mologia, as estruturas intelectuais e o modo de relação entre os pesquisadores. A nível clínico, a abQlda em com lexa encar- =-se aindãITíais. Compete a ca a intervenien- i elaborar e definir a sua própria prática, num ;:üálogo incessante com os autores e os colegas ::os quais se sente próximo e que em nada o =x:onera da sua responsabilidade. COMPLEXIDADE Definições Análise dialéctica: análise crí~a d,~"!~Q.ri~, dos métodos, das práticas,~na perspectivade uma epistemologia da c.Q.mpk.xidade. Articulãções: a no ão de,sigIla os laços trans- versais entre processos de ordens diferentes: psi- cológicos, emocionais, corporais; familiares, grupais e macrossociais. > -Autonomia reláfiva: a nQção de autonomia relativa op,õe-se às.de_dependência e de inde- p~Ddência_ Uma série de fenómenos dir-se-á de- pendente de outra se obedecer aos mesmos pro- cessos e leis de variação que esta, e independen- te se não existirem entre elas relações de cova- riação. Em contrap<lltiçla,JI?-3nter~0 entre si laços de autonomia relativa se se Influenciarem, mas se se mantiverem regidas pelos seus Rroces- sos próprios. Neste caso, é ao nível de. uma rela- çao entTeõspróprios processóS que se estabele- ce o laço entre as séries. ---'-. Complexidade; o processo complexo, em sentido epistemológico, procura descobrIr uma oraem entre élementos constiruinres, que_çgp- ~Tsià, heterogeneidade., Visa «exp,lli:'ll'> .articulações entre domínios discipjiIlªI.!:.S_o;;di- nariamente separados por sistemas de J2enJa- m:.!!!º-h~g~ic~~ tais_~gIô o_lD"iírxii-mo,.o 'cj'lD turalism~~oj;nitivismo e a psicanálise. Objectos complexos: o pensamenro.comple- xo Constrói os objectos <2~ntíf~os !!!f!.1!2..!!.ÉifÇ!qs ~ptexos, _Qncl'esê entrecruZillll_determinantes. redlversas roveruencias. Uma síndrome neu- rótica, por exemplO,-[êllcarada como ligando entre si conflitos edipianos, conflitos de ordem sociofamiliar e conflitos arcaicos que respeitam ao sistema emocional, eles próprios em relação com o ambiente familiar e social. Prática complexa: noção de obkç~ plexo conduz à de uma f!rática complexa que coloca em relãção diferentes formas de trabalho. Vor exemplo, em psicoterapia, consIderar-se-á que a expressão dos pacientes pertence a diver- sos registos de interpretação, e portanto de in- tervenção, aos registos emocional, discursivo, social, que ela é situável, não de forma linear, mas num espaço com diversas dimensões. Isto conduz a estratégias terapêuticas combinadas: tra- balho analítico, emocional, sociológico, traba- lho individual e de grupo (complexidade, objec- tos complexos, articulações). Princípios pan-explicativos; processos: no seio do pensamento com lexo a tó.nica..d~a-· -se do-pla:!10 .Q§ pri!J:cipigsP1:!!::0Elicativos com vocação universal - líbido, instinto Jemorte, 43 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA energia sexual, luta de classes ... - para o plano, mais modesto, dos processos, situados a um nível médio de abstracçâo (inibição, recalcamento, repressão) . Problematização múltipla: um mesmo fe- ómeno é assim perspectivado dealversas or- mas, conce 1 o c:omo p~nto d;- ciÜzâiüTnro de várias ógicas autónomas, por exemplo, microe ~ociais, psicológicas, sociológicas, bioló- gicas ... Torna-se um laço de interacção entre ~~o;-ainâitíicos_heterogéneos~.!n- fluenciam mutuamente, mas não são de forma Jgúm~ redutíveisuns aos outros. -- Sistema sociomental: esta noção designa, no seio de uma organização, a modelagem recípro- ca das políticas organizacionais, das estratégias de poder, por um lado, e dos investimentos in- conscientes dos indivíduos na organização, suas políticas e suas estruturas, por outro. Pode ser exrrapolado à escala de uma colectividade ou de um sistema social no seu conjunto. Bibliografia AsHBY,W. R. (1960), Design for a Brain, Londres, Chapman & Hall. ATTALI,J.; GUILLAUME,M. (1974), Eanti-économi- que, Paris, PUE AUBERT,N.; PAGEs,M. (1989), Le stressprofessionnel; Paris, Klincksieck. BERTALANFFY(von), L. 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