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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU SUMÁRIO 1 A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ........................................................................ 3 1.1 MAS A ESCOLA MODERNA ORGANIZA-SE INICIALMENTE COM CARACTERÍSTICAS QUE JÁ CONHECEMOS BEM: ............................................ 3 2 TEXTO PARA REFLETIR: .......................................................................... 5 3 CONTEXTO HISTÓRICO DO NASCIMENTO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR 7 4 E AS SOCIEDADES SEM ESCOLAS? ....................................................... 9 5 SERIA POSSÍVEL UMA SOCIEDADE SEM ESCOLAS HOJE? .............. 11 6 A ESCOLA – ALGUMAS TEORIAS .......................................................... 13 7 VAMOS ENTÃO PARA OUTRA FORMA DE OLHAR PARA A ESCOLA! 18 8 CULTURA E SOCIEDADE ........................................................................ 22 9 O QUE É CULTURA? ............................................................................... 25 10 AS DIVERSIDADES CULTURAIS ......................................................... 32 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 35 11 ARTIGO PARA REFLEXÃO .................................................................. 38 1 A INSTITUIÇÃO ESCOLAR Fonte:www.mentelivrebrasil.org A escola, tal como conhecemos hoje, intitulada pelos historiadores da educação como Escola Moderna, começou a se configurar em fins do século XVI e ao longo do século XVII. Antes disso, nas sociedades antigas e medievais, já havia a preocupação com a educação de seus jovens, os quais estudavam ou individualmente, sob a orientação de um mestre, ou em pequenos grupos, independentes de idade ou seriação. Adultos e crianças frequentavam a mesma classe durante o tempo que desejassem ou precisassem, e isso não era considerado um problema. As teorias da psicologia da aprendizagem, que estabelecem etapas para o desenvolvimento humano, virão muitos anos depois. 1.1 MAS A ESCOLA MODERNA ORGANIZA-SE INICIALMENTE COM CARACTERÍSTICAS QUE JÁ CONHECEMOS BEM: A preocupação em separar os alunos em classes seriadas, de acordo com a faixa etária; A divisão sistemática dos programas de acordo com cada série; Os níveis de estudos passam a ter um encadeamento: a escola elementar (ler, escrever e contar), com a escola média ou profissional e os estudos superiores; O tempo para o estudo e para o cumprimento dos programas para a determinada série também passam a ser preestabelecidos. Não será mais o ritmo de aprendizado do aluno que dirá de quanto tempo ele necessita para aprender, mas sim o ritmo imposto pela instituição. Outros elementos muito comuns em nossa prática escolar também passaram a ser utilizado, como o registro das aulas, o controle de frequência (chamada), a elaboração de textos simplificados para cada disciplina (livros didáticos). Junto com isso teremos maior rigor disciplinar, com a criação de normas e regimentos de conduta. Enfim, são práticas que têm a função de organizar, disciplinar e controlar, e que hoje nos parecem naturais e quase imutáveis. Desnaturalizar a instituição escolar significa saber que ela foi pensada e construída por pessoas como professores, religiosos ou governantes que tinham interesses e necessidades próprias daquele momento histórico. E que, antes desse modelo escolar, existiram outras formas criadas pelas sociedades para transmitirem às suas crianças e jovens os saberes necessários para a vida social. Portanto, cabe a nós e às próximas gerações também pensarmos e construirmos escolas que estejam mais próximas de nossas necessidades e nossos sonhos. Mas atenção! Um dos principais objetivos do estudo da Sociologia é auxiliá-lo a “desnaturalizar” os fatos sociais, a desconstruir alguns conceitos que, de tão repetidos que foram, parecem ser os únicos verdadeiros. Quais fatores contribuíram para o aparecimento e desenvolvimento das escolas? Foram muitos os fatores. Na aula de hoje vamos comentar sobre o contexto histórico que favoreceu o nascimento desta instituição. 2 TEXTO PARA REFLETIR: Há um descompasso crescente entre os modelos tradicionais de ensino e as novas possibilidades que a sociedade já desenvolve informalmente e que as tecnologias atuais permitem. A maior parte do que se ensina não é percebido pelos alunos como significativo. Uma boa escola depende fundamentalmente de contar com gestores e educadores bem preparados, remunerados, motivados e que possuam comprovada competência intelectual, emocional, comunicacional e ética. Sem bons gestores e professores nenhum projeto pedagógico será interessante, inovador. Não há tecnologias avançadas que salvem maus profissionais. São poucos os educadores e gestores proativos, inovadores, que gostam de aprender e que conseguem pôr em prática o que aprendem. Temos muitos profissionais que preferem repetir modelos, obedecer, seguir padrões, que demoram para avançar. São mais os que adotam uma postura dependente do que os autônomos, criativos, proativos. Sem pessoas autônomas é muito difícil ter uma escola diferente, mais próxima dos alunos que já nasceram com a Internet e o celular. Uma boa escola precisa de professores mediadores de processos de aprendizagem vivos, criativos, experimentadores, presenciais-virtuais. De professores menos “falantes”, mais orientadores; de menos aulas informativas e mais atividades de pesquisa, experimentação, desafios projetos. Uma escola que fomente redes de aprendizagem, entre professores e entre alunos; que aprendam com os que estão perto e também longe, conectados, com os mais experientes ajudando aos que têm mais dificuldades. Uma escola com apoio de grandes bases de dados multimídia, de multi-textos de grande impacto (narrativas, jogos de grande poder de sensibilização), com acesso a muitas formas de pesquisa, de desenvolvimento de projetos. Uma escola que privilegie a relação com os alunos, a afetividade, a motivação, a aceitação, o reconhecimento das diferenças. Que dê suporte emocional para que os alunos acreditem em si, sejam autônomos, aprendam a analisar situações complexas e a fazer escolhas cada vez mais libertadoras. Uma escola que se articule efetivamente com os pais (associação de pais), com a comunidade, que incorpore os saberes dela, que preste melhores serviços. A escola pode estender-se fisicamente até os limites da cidade e virtualmente até os limites do mundo. A escola pode integrar os espaços significativos da cidade: museus, centros culturais, cinemas, teatros, parques, praças, ateliês, centros esportivos, centros comerciais, centros produtivos, entre outros. A escola pode trazer as manifestações culturais e artísticas próximas, fazendo dos alunos espectadores críticos e produtores de novos significados e produtos. Pode inserir atividades teóricas com as práticas, a ação com a reflexão. Trazer pessoas com diversas competências para mostrar novas possibilidades vocacionais para os alunos. A escola e a universidade precisam reaprender a aprender, a serem mais úteis, a prestar serviços mais relevantes à sociedade, a saírem do casulo em que se encontram. A maioria das escolas e universidades se distancia velozmente da sociedade, das demandas atuais. Sobrevivem porque são os espaços obrigatórios e legitimados pelo Estado. Os alunos frequentam muitas aulas porque são obrigados, não porque sintam que vale a pena. As escolas deficientes e medíocres atrasam o desenvolvimento da sociedade, retardam as mudanças. A educação poderá tornar-se cada vez mais participativa, democrática, mediada por profissionais competentes. Teremos muitas instituições que optarão por uma postura mais conservadora,que manterão o sistema disciplinar, o foco no conteúdo; mas, mesmo nelas, o ensino-aprendizagem não se fará somente na sala de aula. Haverá maior flexibilidade de tempos, horários e metodologias do que há atualmente. Outras – e esperamos que muitas – caminharão para tornar-se ou continuar sendo organizações democráticas, centradas nos alunos; que desenvolvem situações ricas de aprendizagem, sem asfixiar os alunos, incentivando-os; que desenvolvem valores de colaboração, de cidadania em todos os participantes. Escolas não conectadas são escolas incompletas (mesmo quando didaticamente avançadas). Alunos sem acesso contínuo às redes digitais estão excluídos de uma parte importante da aprendizagem atual: do acesso à informação variada e disponível on-line, da pesquisa rápida em bases de dados, bibliotecas digitais, portais educacionais; da participação em comunidades de interesse, nos debates e publicações on-line, enfim, da variada oferta de serviços digitais. Quanto mais tecnologias avançadas, mais a educação precisa de pessoas humanas, evoluídas, competentes, éticas. A sociedade torna-se cada vez mais complexa, pluralista e exige pessoas abertas, criativas, inovadoras, confiáveis. O que faz a diferença no avanço dos países é a qualificação das pessoas. Encontraremos na educação novos caminhos de integração do humano e do tecnológico; do racional, sensorial, emocional e do ético; do presencial e do virtual; da escola, do trabalho e da vida em todas as suas dimensões. 3 CONTEXTO HISTÓRICO DO NASCIMENTO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR Fonte: www.fitraebc.org.br As revoluções burguesas, principalmente a inglesa (Séc.XVIl) e a francesa (séc. XVIIl), vão encerrar definitivamente o feudalismo e inaugurar um novo modo de produção – o capitalismo. A burguesia, classe social em ascensão, irá conceber uma nova doutrina social ou uma nova ideologia para o capitalismo que se denominará liberalismo. Os princípios do liberalismo são: o individualismo, a propriedade, a liberdade, a igualdade e a democracia. Explicando os princípios: A doutrina do individualismo coloca no esforço individual toda a responsabilidade para que as pessoas atinjam o sucesso ou o progresso, desconsiderando as condições econômicas e sociais nas quais estejam vivendo. Para o liberalismo, os indivíduos serão tão mais livres quanto menor for a ação do Estado, ou seja, o Estado não deve interferir e despender recursos para serviços públicos. Quanto ao princípio da propriedade, significa que todos têm direito à propriedade desde que se esforcem e trabalhem para isso. A igualdade, como é tratada no liberalismo, não se refere à igualdade social, mas sim à igualdade perante a lei. Já devem ter ouvido a frase: “Todos são iguais perante a lei”. Pois é, mas em relação às desigualdades sociais, a conversa é outra. Os liberais consideram natural que existam pobres e ricos, uma vez que nem todas as pessoas são talentosas ou esforçadas da mesma forma. A democracia, defendida pelos liberais, resume-se à democracia representativa, isto é, o direito de todos escolherem seus representantes políticos. No entanto, democracia é mais do que isto, é o direito de usufruirmos igualmente os bens produzidos em nossa sociedade. Fonte: www.circulosdeleitura.org.br Outro importante movimento que se desenvolve a partir do século XVII, foi a chamada “revolução científica”. A filosofia, e as ciências físicas, químicas e matemáticas sofrem um grande desenvolvimento e há uma supervalorização do pensamento racional e científico. O filósofo e matemático René Descartes (França,1596 – 1650) é considerado o fundador desta doutrina. Observe que não fica difícil estabelecer relações entre a doutrina liberal, o pensamento racionalista e o surgimento da escola moderna, tal como essa foi descrita anteriormente. Vocês viram até aqui uma breve história da instituição escolar, organizada de forma mais ou menos semelhante em grande parte das sociedades. 4 E AS SOCIEDADES SEM ESCOLAS? Fonte: www.escolassustentaveis.wordpress.com Retomando a ideia inicial desse texto, que apontava como quase absurda a possibilidade da extinção das escolas, temos que tomar conhecimento da existência das sociedades “desescolarizadas”, ou seja, sociedades que existiram e ainda existem sem a presença das instituições escolares. Nessas sociedades, assim como na nossa, a educação é elemento fundamental de socialização e de manutenção do próprio grupo. Nessas, a herança cultural e os saberes necessários para a sobrevivência e a convivência são transmitidos por meio da educação informal. A palavra informal nos revela que a educação acontece, mas sem a necessidade de escolas, salas de aulas, notas, provas, recuperação de estudos, e etc. A escola é a própria vida, e os professores são todos aqueles que têm experiências e conhecimentos significativos à comunidade. Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia brasileira, estudou os povos Tupinambás, e sua pesquisa nos permite conhecer alguns elementos que caracterizam a educação das sociedades tribais: 1º. os conhecimentos são acessíveis a todos os membros da sociedade; 2º. A transmissão da cultura faz-se cotidianamente, sem a utilização de recursos ou técnicas pedagógicas; 3º. Como se tratam de sociedades iletradas, a comunicação dos saberes ocorre oralmente. Aliás, a palavra oral possuía tanto prestígio quanto a linguagem escrita possui em nossa sociedade; 4º. A educação não é privilégio das crianças e jovens, uma vez que os membros da comunidade estão continuamente nos papéis de aprendizes e de mestres. Fonte:www.smartkids.com.br Três importantes valores perpassam a educação dos tupinambás: a tradição, o valor da ação e o valor do exemplo. A tradição possui um valor sagrado; significa que os conhecimentos produzidos pelos antepassados devem ser respeitados religiosamente, sem questionamentos. O valor da ação está relacionado à máxima do “aprender fazendo”, ou seja, todos os membros da comunidade devem estar engajados em todas as atividades sociais (resguardadas somente as diferenças sexuais). O valor do exemplo refere-se à imitação. Cabia aos adultos a responsabilidade de pensar e agir de acordo com os modelos legados pelos antepassados para servirem de exemplo aos mais jovens, assegurando assim a permanência das tradições. É possível perceber que nessas sociedades existia um grande respeito entre todos os membros do grupo, pois as pessoas mais velhas eram especialmente valorizadas pelas experiências e saberes acumulados ao longo dos anos vividos. Fonte: www.esplanadagora.com.br 5 SERIA POSSÍVEL UMA SOCIEDADE SEM ESCOLAS HOJE? No tipo de sociedade em que vivemos hoje, que são chamadas de “complexas”, uma educação informal nos moldes das sociedades tribais seria muito difícil de acontecer. As áreas do conhecimento se diversificaram em demasia, e avançam rapidamente. A ciência, a tecnologia, as artes e outras áreas se desenvolvem numa velocidade que nem mesmo os especialistas conseguem acompanhar. Imaginar que tudo poderia ser apreendido informalmente por todos seria irreal! No entanto, existem muitas pessoas que têm buscado educação em lugares diferentes destes que chamamos de escola. As telecomunicações e a informática têm ofertado diversos cursos nos vários níveis de ensino e em várias áreas de interesse, e têm atraído pessoas que desejam atualizar-se, ou mesmo iniciar-se em alguma profissão. Se esta modalidade de educação poderá vir a substituir a escola, no futuro, ainda não sabemos. Mas tudo indica que a escola, essa nossa velha conhecida, ainda tem um longo tempo de vida. Provavelmente você já percebeu que a escola não é o lugarque mais agrada aos jovens de sua idade. Frequentar a casa dos amigos, andar pelas ruas, ir às baladas, trabalhar ou ficar à toa parecem coisas bem mais agradáveis e interessantes. Por que isto ocorre? Ora, adquirir novos conhecimentos, vivenciar experiências que nos auxiliem na compreensão de nosso mundo e nos façam sentir integrantes na construção da cultura das sociedades, são atitudes que fazem parte da natureza humana. Sem a curiosidade, a vontade de aprender e de buscar formas diferentes para realizar suas tarefas cotidianas, certamente não teríamos saído da idade da pedra, não teríamos desenvolvido a tecnologia, as ciências, as artes, enfim, em todas as áreas, o ser humano não cessa a busca por novas alternativas que visem à melhora da qualidade de vida. Você poderá dizer que isso ocorre por interesses de mercado. Certo. No entanto, isso não quer dizer que não seja necessário estudo, pesquisa, persistência, disciplina... Para nos auxiliar na reflexão a respeito da função disciplinadora da escola, podemos recorrer às ideias de um filósofo francês – Michel Foucault (1926-1984). Este pensador realizou estudos comparativos entre algumas instituições como prisões, conventos, quartéis e escolas, buscando desvelar suas semelhanças no que se refere aos aspectos de organização e controle. Para Foucault, mais importante do que um poder centralizador e visível, são os “pequenos” poderes que abarcam todo o espaço social, e dos quais não conseguimos escapar, porque estão dispersos. É o espaço físico, o mobiliário, as regras, os olhares vigilantes, as ameaças e as punições agindo sempre no sentido de controlar nossos corpos e nossas consciências, de nós fazermos “úteis”, “dóceis”, treinados para a obediência. 6 A ESCOLA – ALGUMAS TEORIAS Fonte: www.primeirainfancia.org.br A escola é criada (como já vimos anteriormente), num contexto de grande valorização da ciência, e de preocupação com a formação de um “novo homem”, adequado às novas regras e aos novos princípios. Sua função disciplinadora, normatizadora, desde o início é muito clara, quase inerente. Mas seu papel de levar às novas gerações os conhecimentos necessários para a vida social também jamais foi negado. Ainda hoje se perguntarmos a uma criança, por que ela vai à escola, a resposta será: “Para aprender...” Mas aprender o quê? E para quê? Aprender para nos tornarmos “civilizados”? Aprender para nos tornarmos obedientes e conformados? Aprender para acreditarmos e aceitarmos que escola não é para mim, mas sim para os “outros”? Aprender que aprender é repetir o livro e as palavras do professor? Aprender que estudar é difícil e cansativo? Desde o seu início a instituição escolar tornou-se objeto de estudo privilegiado de filósofos, sociólogos, psicólogos e pedagogos. Mais recentemente, outros profissionais como médicos, arquitetos, historiadores, entre outros, também têm dedicado suas pesquisas à escola e à educação. Você, como aluno, não tem ideia da polêmica que cerca a instituição e a educação escolar. Este lugar, aparentemente tão banal, tem sido alvo de debates acirrados e os resultados apresentados em muitos livros, revistas e discutidos em congressos pelo mundo inteiro. Para que você compreenda melhor isto que estamos falando, vamos apresentar algumas teorias explicativas sobre a organização e o funcionamento escolar desenvolvido por sociólogos que se dedicavam a este tema: Fonte: www.lounge.obviousmag.org Teorias crítico-reprodutivistas: estas teorias partem do princípio de que a escola é uma instituição que, por meio de suas práticas, conhecimentos e valores veiculados, têm contribuído para a reprodução das desigualdades da sociedade de classe em que vivemos. Os sociólogos franceses, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, são representantes desta teoria, e acompanhar seus pensamentos pode ajudar-nos a compreendê-la. No interior de uma sociedade de classes existem diferenças culturais. As elites possuem um determinado patrimônio cultural constituído de normas de falar, de vestir-se, de valores, etc. Já as classes trabalhadoras (ou dominadas, como são identificadas pelos autores) possuem outras características culturais, diferentes, não inferiores, pois têm lhes permitido sua manutenção enquanto classe. A escola, por sua vez, ignora estas diferenças socioculturais, selecionando e privilegiando em sua teoria e prática as manifestações e os valores culturais das classes dominantes. Com essa atitude, ela favorece aquelas crianças e jovens que já dominam este aparato cultural. Para estes, a escola é realmente uma continuidade da família e do “mundo” do qual provêm. A escola somente reforça e valoriza conhecimentos que estes já trazem de casa. Já para os jovens filhos das classes trabalhadoras, a escola representa uma ruptura. Seus valores e saberes são desprezados, ignorados, e ela necessita quase que reiniciar sua inserção cultural, ou seja, aprender novos padrões ou modelos de cultura. Dentro dessa lógica, é evidente que para os estudantes filhos das classes dominantes alcançar o sucesso escolar torna-se bem mais fácil do que para aquelas que têm que “desaprender” uma cultura para aprender um novo jeito de pensar, falar, movimentar-se, enfim, enxergar o mundo, inserir-se neste e ainda ser bem-sucedido. Bourdieu chama isso de “violência simbólica”, ou seja, o desprezo e a inferiorização da expressão cultural de um grupo por outro mais poderoso econômica ou politicamente, faz com que esse perca sua identidade e suas referências, tornando- se fraco, inseguro e mais sujeito à dominação. Perceberam que estes autores fazem uma crítica ao sistema escolar? Afirmam que a escola está organizada para servir apenas a alguns grupos da sociedade, aqueles que já trazem de casa uma bagagem cultural semelhante à da escola. Fonte:www.tab.uol.com.br Teoria funcionalista – Émile Durkheim (1858–1917) é um dos representantes do pensamento conservador. Sua teoria faz a defesa da ordem social dominante, do chamado “status quo”. Não menciona a necessidade de mudanças, reformas ou muito menos revoluções. Fonte: www.skoob.com.br Seguindo a linha de pensamento de Durkheim, a escola, assim como as demais instituições sociais, tem a função de imprimir sobre as novas gerações valores morais e disciplinares que visam à perpetuação da sociedade tal como ela está organizada quanto à ordem e no respeito aos poderes dominantes. Durkheim trata a sociedade como se essa fosse uma entidade externa aos indivíduos, acima dos conflitos sociais, das lutas por interesses diversos. A sociedade é assim entendida como um corpo harmônico, com valores e à qual só nos resta à adaptação. Pois bem! Para Durkheim a escola não é alvo de críticas, pois funciona adequadamente à sociedade na qual está inserida. Para ele, todos os indivíduos e instituições têm uma função a cumprir, que uma vez, bem desempenhada contribuirá para o progresso e à harmonia social. Os conflitos sociais não resultam das desigualdades provindas da sociedade de classes, mas são espécies de “doenças”, e como tais devem ser “tratadas”. Esta é outra forma de olhar para a sociedade e para a escola! O conhecimento dessas teorias nos ajuda a compreender o fracasso ou o sucesso escolar, este fenômeno que anualmente exclui centenas de jovens da escola e que ao mesmo tempo consegue formar bons profissionais. Se formos verificar a origem social destes alunos que não conseguiram concluir seus estudos, verificaremos que pertencemàs classes menos favorecidas economicamente, e cujos hábitos culturais estão mais distantes dos padrões oficiais. No entanto, temos que estar atentos ao fato de que as teorias nos ajudam a melhor compreender como e por que as coisas acontecem de uma determinada forma, mesmo que esta forma esteja desagradando ou prejudicando muita gente. Mas nenhuma teoria sociológica consegue dar conta de explicar toda a realidade educacional. Fonte: www. geoconceicao.blogspot.com.br Corremos sérios riscos ao tentarmos “encaixar” a realidade aos modelos teóricos, se nos fixarmos somente nas teorias e não prestarmos atenção às diferenças e às peculiaridades. Estes são alguns riscos: 1º O pensamento imobilista – ou seja, se a escola existe somente para reproduzir a sociedade desigual que aí está, então nada podemos fazer senão nos adequarmos a esta situação. Esta atitude passiva em nada contribui para desenvolvermos as atitudes críticas e criativas necessárias à criação de outro modelo de escola. 2º A generalização – acreditar que todas as escolas são iguais. Que todas têm a mesma organização pedagógica, a mesma interpretação das leis, a mesma ideologia, as mesmas práticas. Ainda bem que isso não é verdade! Vários são os fatores que contribuem para a construção da cultura de cada escola: sua localização espacial e temporal, sua arquitetura, e principalmente seus sujeitos – professores, alunos, diretores, funcionários – verdadeiros autores da educação escolar. A forma como essas pessoas relacionam-se no dia-a-dia escolar, criam e assimilam regras, selecionam e aplicam conteúdos não está necessariamente condicionada às normas oficiais, mas muito mais às preferências pessoais, às opções políticas, às histórias de vida, às formas de pensar e agir próprias daquele grupo, que podem ser mais ou menos coesas. Perceber a escola dessa forma, em suas peculiaridades e diferenças nos permite ver possibilidades de ação e de mudanças nessa instituição em que passamos tantos anos. 7 VAMOS ENTÃO PARA OUTRA FORMA DE OLHAR PARA A ESCOLA! Fonte: www.senadores.democratas.org.br A escola pública, universal e gratuita é um direito garantido pela Constituição Nacional. É uma conquista da sociedade, resultado de muita luta de professores, estudantes, pais e de todos aqueles que se importam com a justiça e com a igualdade social. Mas ao mesmo tempo em que é um direito, a educação é obrigatória; ou seja, o Estado tem a obrigação de oferecer escola e os pais ou responsáveis têm o dever de matricularem e manterem seus filhos menores na escola, sob pena de serem punidos até mesmo com a perda da guarda destes. (Art. 22 e 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Parece contraditória essa ideia de algo ser direito, mas ao mesmo tempo ser um dever, no entanto, as contradições que cercam essa instituição não param aí. A escola é uma instituição regida por normas estabelecidas por grupos externos a esta. No caso da escola pública brasileira, é o Poder Público quem exerce essa função. As escolas particulares também prestam contas ao Poder Público, assim como às entidades que as mantêm. Por exemplo, as escolas confessionais possuem normas que são ditadas pelas organizações religiosas a que estão ligadas. Mas além das normas ditadas exteriormente, as escolas possuem uma dinâmica interna, como foi falado acima, que lhes permite criar seu próprio sistema de normas e valores, sua própria “cara”, ou o que pesquisadores da educação denominam hoje de “cultura escolar Fonte:www.todospelaeducacao.org.br Vamos buscar entender como essa “cultura escolar” pode constituir-se a nosso favor. As escolas são ambientes tensos e permeados de conflitos, o que não deve ser considerado um problema, uma vez que sua população é absolutamente heterogênea: possui origens sociais distintas, assim como diferentes idades, bagagens culturais, visões e projetos de vida. No entanto, algo aproxima essa população: todos procuram essa instituição com um interesse semelhante, qual seja, o de lá sair “melhores” do que quando entraram. Em melhores condições de enfrentar a vida, com mais conhecimentos e preparo para prosseguir os estudos ou buscar uma profissão. Algumas vezes esses objetivos são atingidos, outras não. Para conseguirmos fazer com que nossos objetivos, buscados nesta instituição escolar, coincidam com sua prática, são necessários o esforço e o trabalho conjunto de todos aqueles que a constituem, no sentido da construção de uma escola democrática, participativa e que se integre às nossas vidas. Para construirmos esta escola podemos buscar inspiração nas ideias de grandes educadores que dedicaram suas vidas ao estudo e à experimentação de formas de educação que tornam as pessoas mais livres, responsáveis, criativas e com autonomia de pensamento. Estes educadores são chamados pela pedagogia de “educadores progressistas”, o que significa que suas propostas educacionais apontam no sentido de uma ruptura com os valores criados e reforçados pela sociedade capitalista (submissão, competição, individualismo), e no estímulo e reforço de valores que podem contribuir para fazermos nossa vida uma experiência diária de solidariedade e, talvez, coletivamente, podermos projetarmos uma nova ordem social. Estes valores são a cooperação, a criatividade, a tolerância, o respeito ao outro e ao planeta. Conhecido no mundo todo, Paulo Freire (1921–1997) representante da filosofia da libertação, é considerado um dos mais importantes educadores da atualidade. Suas obras e experiências se espalharam pelo mundo principalmente porque após o golpe militar de 1964, que instaurou a ditadura brasileira, Freire foi exilado do Brasil, vivendo e trabalhando primeiramente no Chile, e depois em vários lugares como Genebra, na Suíça, países africanos, como Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, e Nicarágua, na América Central. Por onde passou, Paulo Freire deixou sua marca de educador comprometido com as classes oprimidas. Quando retornou ao Brasil, após a ditadura, retomou suas atividades na universidade, assumiu cargos políticos e continuou a escrever para aqueles que sonham e acreditam que a educação e o mundo podem ser para todos e não só para alguns. Fonte: www.dcedaunic.wordpress.com Educação, para Paulo Freire, antes de mais nada, tem a ver com conscientização. Vamos entender o que ele quer dizer com isso. Partindo do princípio de que vivemos numa sociedade dividida em classes, temos alguns grupos que estão na situação de domínio, de poder, e outros (a grande maioria), que vivem à mercê das ordens e decisões tomadas pelos primeiros, numa situação de opressão. Ser oprimido significa não somente estar subjugado economicamente, mas principalmente não ser respeitado em suas manifestações culturais (valores, linguagem, religião, etc), não ter voz na sociedade (suas insatisfações e suas propostas não são ouvidas), e não se considerar sujeito de sua história. A condição de oprimido é muito complexa porque esse, muitas vezes, não se percebe como tal, ou pior, se percebe e considera como “natural” o fato de existirem os que mandam e os que são mandados (visão fatalista), também muitas vezes se considera mesmo inferior e “merecedor” do lugar que ocupa na sociedade. A educação conscientizada, proposta por Paulo Freire, tem a tarefa de ao mesmo tempo conscientizar criticamente o educando de sua posição social e mobilizá-lo internamente para a luta pela transformação da sociedade. Portanto, a educação assim entendida, reveste-se de um caráter essencialmente político. Ou seja, além do estudo, do conhecimento, da aquisição de habilidades, a escola tempapel fundamental na construção de sujeitos autônomos, críticos, em condições para lutar pela superação das desigualdades e pela transformação da sociedade. Este é o sentido da Pedagogia da Libertação – contribuir para a criação de homens e mulheres “livres” – abertos para a vida, para o novo, para um fazer e refazer permanente na busca do mundo que fará a todos mais felizes, e não somente alguns. Algumas pessoas criticam Paulo Freire, acusando-o de utópico ou sonhador. A elas, ele mesmo responde: “(...) Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a sua concretização. O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora (FREIRE, 2001: 86). 8 CULTURA E SOCIEDADE Todos nós adquirimos nossas características humanas em um contexto sociocultural. Essa condição básica da vida humana levou o filósofo espanhol Ortega e Gasset a dizer: “Eu sou eu e a minha circunstância”. Isso significa que cada um de nós constrói sua identidade a partir do seu ambiente. “Quem sou eu? ” É a pergunta que mais cedo ou mais tarde todos nós fazemos. De maneira mais ou menos consciente nos interrogamos sobre nossa identidade pessoal e percebemos quanto os valores e os comportamentos das pessoas que nos rodeiam e que conhecemos mais de perto influenciam nossas ações e ideias. Aprendemos muito do que nos torna seres humanos em um ambiente cultural, aquele em que nascemos e nós desenvolvemos. Poucas pessoas percebem como a vida, e mesmo a personalidade de cada um de nós, é influenciada pela sociedade da qual somos parte. Nascer no Brasil e crescer como membro da sociedade brasileira constitui uma experiência de vida muito diferente da de crescer e ser educado na França, no Japão ou na Índia, por exemplo. E isso tem consequências fundamentais e diversas para o resto de nossas vidas. O estudo das sociedades humanas é importante não só para melhor conhecermos a nós mesmos, mas, também, para melhor compreendermos as pessoas que vivem em outros contextos socioculturais. Nunca como hoje, tantos aspectos da vida humana mudam tão rapidamente e para tantas pessoas ao redor do planeta. E isso tem ocorrido em todas as áreas: nas artes, nas ciências, na religião, na moralidade, na educação, na política, na família e na economia. Todas são afetadas. Nessas circunstâncias, não é surpresa que tenha aumentado de maneira significativa o interesse pelo estudo das sociedades humanas, embora constituam um fenômeno dos mais complexos e as ciências sociais integrem um campo de pesquisa jovem em que predomina o debate e a controvérsia. Fonte: www.culturalimo.blogspot.com.br/ A sociedade é uma forma de organização que se desenvolveu aos poucos, em correntes animais distintas e, em inúmeras vezes, independentemente uma das outras. A forma societal é encontrada não apenas entre os humanos, mas, também, entre muitas espécies de mamíferos, pássaros, peixes e mesmo entre insetos, facilitando, através da adaptação, a sobrevivência e a multiplicação. Estudos comparativos de sociedades animais desenvolvidos pela Biologia Evolutiva mostram que a individualidade tende a ser suprimida em sociedades de insetos, por exemplo, em que os mecanismos genéticos são responsáveis por regular a vida social do grupo (pense nas sociedades de abelhas e de formigas). O sociólogo Gerhard Lenski, em seu livro As Sociedades Humanas (em inglês, Human Societies) desenvolve uma análise que muito nos ajuda a compreender a importância da dimensão cultural para a nossa vida individual e a sobrevivência da espécie humana. Fonte: www.artn.highforum.net Na perspectiva do processo de evolução das espécies animais, Lenski assinala que de forma contrastante com outras espécies, “a individualidade é marcante nas sociedades dos mamíferos o que, por sua vez, significa que a unidade social, tão importante para a sobrevivência das espécies, depende em grande parte de comportamentos a serem aprendidos”. Dessa forma, quanto mais a individualidade ganha realce em uma espécie, maior é a importância dos processos de aprendizagem para a realização e desenvolvimento de cada membro assim como da espécie como um todo. O fato de que todas as espécies de macacos e primatas vivem em grupos sociais sugeriu uma questão aos pesquisadores da área: por que isso ocorre? Os estudos sobre comportamento de primatas permitiram concluir que a razão principal reside no aumento de oportunidades de aprendizagem que a organização em sociedade oferece. Foi observado que “o grupo é o lugar de conhecimento e experiência que ultrapassa em muito o do membro como indivíduo”. É no grupo que as experiências se tornam mais vantajosas e com benefício mútuo, recíproco. Entretanto, todos nós percebemos o quanto os humanos são diferentes na sua capacidade de aprendizagem. Fonte:www.ameliasantanabarbosa.blogspot.com.br Sobre isto Lenski escreveu: “se comparamos os humanos, do ponto de vista físico, com outros antropoides, as diferenças são menores do que as que separam esses antropoides dos outros animais. Do ponto de vista comportamental, entretanto, ocorre o oposto. (...) O ser humano ultrapassou um ponto crítico no processo de evolução com apenas pequena mudança genética, abrindo o caminho para um extraordinário avanço comportamental. Esse curioso desenvolvimento está ligado à imensa capacidade para aprender que os humanos possuem. Isto tornou possível um modo original e próprio de adaptação ao ambiente que os cientistas sociais chamam de cultural. Essa é uma característica crucial da vida humana. ” 9 O QUE É CULTURA? http://www.google.com.br/imgres?q=cultura&hl=pt-BR&biw=1600&bih=719&tbm=isch&tbnid=qvKHWKjJIRmleM:&imgrefurl=http://www.iatec.com.br/blog/tag/cultura/&docid=DJsSUBmxnDKaSM&imgurl=http://www.iatec.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/04/cultura-popular-do-brasil-3.jpg&w=400&h=373&ei=-IYWUI5K5-DRAZbTgYAJ&zoom=1&iact=hc&vpx=1320&vpy=182&dur=766&hovh=217&hovw=233&tx=107&ty=118&sig=105004412861211260994&page=1&tbnh=154&tbnw=165&start=0&ndsp=21&ved=1t:429,r:6,s:0,i:153 Fonte: www.novoeste.com Uma pergunta retorna sempre e tem se mostrado de difícil resposta: o que constitui, então, a natureza humana? Gradualmente, observa Lenski, começamos a perceber de forma um pouco mais clara isso que chamamos de “natureza humana”. Com as descobertas relativamente recentes do DNA, RNA, do código genético e de todas as pesquisas biológicas atuais, é possível entender um pouco melhor o que influencia nossa maneira de ser e de agir. Dessa forma, “muitos cientistas sociais consideram que o termo natureza humana não se refere ao que é mais específico do comportamento humano – como as pessoas se vestem, como casam, o que comem, como enterram seus mortos, como praticam suas crenças. Esses são costumes socialmente determinados e que variam intensamente. ” Consequentemente, o termo natureza humana tende a ser utilizado mais em relação a tendências básicas enraizadas em nossa herança genética comum e que, portanto, independem do que é específico de cada sociedade e dos comportamentos que as pessoas aprendem no ambiente social em que vivem. Nessa perspectiva, o termo “natureza humana” estaria referenciado às “necessidades biológicas básicas do ser humano, à sua motivação geneticamente programada para satisfazê-las, à sua dependência, geneticamente baseada, de sistemas socioculturais e, também, ao seu potencial, geneticamente estabelecido para a construção cultural”. Para acentuar a diferença que distingue os humanos do resto domundo animal, os antropólogos buscaram vincular o termo cultura ao conceito de “símbolos”. Podemos garantir tudo que é fundamental em uma definição de cultura se a consideramos como “os sistemas de símbolos da humanidade e todos os aspectos da vida humana que deles dependem”. De um modo geral esse é o aspecto que mais nos distingue de todos os outros seres vivos. Mas o que são “símbolos” e “sistemas de símbolos”? Fonte: www.elaine-dedentroprafora.blogspot.com.br Lenski esclarece que todos os mamíferos são capazes de comunicar com outros de sua espécie e o fazem através de “sinais”. Só os humanos, no entanto, usam “símbolos” tanto quanto “sinais”. Símbolos e sinais são veículos de transmissão de informação. Mas há uma fundamental diferença: o significado de um sinal é amplamente determinado de forma genética, é uma resposta geneticamente determinada por um estímulo específico. Um exemplo clássico de um sinal é o grito de dor emitido por um animal ferido. Outro membro do grupo responde instintivamente a esse som ou pode aprender através da observação e experiência a associá-lo com os humores e ações dos demais membros de seu grupo. E, com isso, ele pode ajustar o seu comportamento. Os sinais são extremamente úteis para ordenar as relações sociais entre os membros de um grupo. Os animais aprendem a associar experiências e por meio de sinais comunicam aos outros de sua espécie, informações essenciais – como uma ameaça de perigo – através de movimentos do corpo, secreções glandulares ou outros métodos e suas combinações. Em geral, no entanto, os sinais são muito limitados em seu poder de comunicação. Os símbolos, em contraste, como não são condicionados geneticamente, são flexíveis e podem ser modificados facilmente. Pense na história de qualquer linguagem. Símbolos linguísticos foram modificados ao longo dos tempos enquanto seus significados permaneceram os mesmos e vice-versa. Isso ocorre porque os significados dos símbolos são atribuídos pelos grupos sociais de maneira arbitrária, adotados pelos seus membros e, portanto, não estão submetidos a regras previamente definidas e podem modificar-se com o tempo e as circunstâncias. Fonte: www.pbondaczuk.blogspot.com.br A invenção da escrita, por exemplo, significou uma revolução na história da humanidade porque possibilitou aos seres humanos acumular informação muito além das suas capacidades biológicas. E isso só foi possível através de um sistema de símbolos – as letras do alfabeto. Pela combinação e recombinação das letras somos capazes, indefinidamente, de formar palavras e frases, transmitindo informações de todos os tipos às gerações que se sucedem. E fazemos isso ultrapassando em muito nossa capacidade de memória individual e independentemente do contato pessoal. Considere, também, a grande transformação cultural que ocorre nos nossos dias com o uso ampliado da Internet. São criações humanas que ampliam e atribuem novas formas e características ao mundo em que vivemos. Podemos dizer, portanto, que os símbolos são veículos culturalmente determinados para a transmissão de informações de qualquer natureza. O antropólogo Clifford Geertz, em seu livro A Interpretação das Culturas, ao analisar a relação entre o desenvolvimento da cultura e a evolução da mente humana considera que foi no período pré-histórico da Era Glacial que foram forjadas quase todas as características da existência do ser humano que são mais impressivamente humanas. Em uma mesma época da história evolutiva desenvolveram-se de forma combinada e interativa a totalidade do sistema nervoso do cérebro humano, a estrutura social baseada no tabu do incesto e a capacidade de criar e usar símbolos. “O fato de que essas características distintivas de humanidade”, escreveu Geertz, “emergiram juntas e em interação complexa uma com a outra (...) é de excepcional importância na interpretação da mentalidade humana, porque sugere que o sistema nervoso humano não apenas torna o homem capaz de adquirir cultura, mas demanda positivamente que ele assim o faça para que possa funcionar. ” Fonte: http://magisteriostoantonio.blogspot.com.br/ Hoje, a pesquisa da neurociência tem comprovado a importância das atividades de natureza cultural que, associadas às atividades físicas, são a melhor maneira de avançar em idade de forma saudável e com lucidez. Nas sociedades tecnologicamente avançadas dos nossos dias, o volume de informação transmitido de geração para geração tornou-se tão grande que nenhum membro individual consegue dominá-lo. Assim, diz Lenski, “se os indivíduos são os portadores da cultura, a cultura em sua totalidade é a propriedade de uma sociedade. Nesse sentido podemos dizer que o sistema de símbolos tem uma função do ponto de vista cultural, semelhante ao do sistema genético. Ambos são mecanismos que facilitam a adaptação de populações ao seu ambiente, através da aquisição, de acúmulo, da transmissão e uso de informações relevantes”. Através da criação de sistemas de símbolos os seres humanos foram capazes de modificar seus comportamentos de maneira significativa, tornando sua adaptação ao ambiente cada vez mais eficiente e isso sem qualquer transformação orgânica importante. O antropólogo Clifford Geertz, sob a influência do grande cientista social Max Weber, acredita que “o ser humano é um animal envolvido em teias de significados que ele próprio teceu”. Cultura, para Geertz, são essas redes e sua análise deve ser um estudo interpretativo de seus significados. Para analisar e conhecer uma cultura é preciso interpretar os sinais e símbolos que são utilizados nos processos de comunicação de um grupo social, de um povo ou de uma nação. O conceito de cultura está entre os mais usados na Sociologia e refere-se às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade, incluindo todas as formas de arte, com suas linguagens próprias (a literatura, a música, as artes plásticas, etc.), as várias formas de expressão que se manifestam no modo de vestir das pessoas, em seus costumes, em seus padrões de comportamento, os seus rituais religiosos, as suas ideias, crenças e princípios orientadores da vida (como as teorias científicas, as doutrinas religiosas e as ideologias). Fonte: http://www.radiobrasilespirita.com.br O mundo da cultura é constituído de uma trama complexa dos elementos que contribuem para a organização da vida cotidiana, como os estilos de vida familiar e as atividades de lazer que caracterizam nosso ambiente de convivência, e dos http://www.radiobrasilespirita.com.br/ mecanismos sociais desenvolvidos para a resolução dos problemas da vida coletiva, como as formas de organização da vida escolar, da política ou da produção da vida material. A cultura é um vasto campo que abrange tanto as ideias abstratas que traduzem a vida da imaginação e do pensamento, com suas linguagens próprias, quanto os arranjos sociais e os instrumentos que permitem e favorecem a cooperação entre as pessoas nas formas das organizações sociais, possibilitando melhorar nossa habilidade em alcançar o que precisamos e desejamos para nós mesmos. Dessa forma a noção de cultura envolve tanto aspectos “intangíveis” - como valores, crenças, ideias, teorias e normas sociais- quanto aspectos “tangíveis” – como objetos, produtos do trabalho, das artes, da ciência e da tecnologia. Os valores e as normas sociais definem o que é considerado fundamental e desejável para a orientação da vida das pessoas em suas interações sociais. Os valores informam nossas crenças morais dando sentido e direção às nossas vidas, enquanto as normas são regras comportamentais que definem o que é esperado das ações individuaisno contexto da convivência social. As normas dizem o que devemos fazer ou é proibido fazer em situações específicas. Em alguma medida as normas sociais, escritas ou não na forma de leis, refletem os valores predominantes de uma cultura em uma determinada sociedade. Todos esses elementos, tangíveis e intangíveis, são constitutivos da cultura e são compartilhados pelos membros da sociedade, formando um contexto comum para os seus integrantes e dando sentido às suas vidas, ações e atividades. 10 AS DIVERSIDADES CULTURAIS Fonte: www.diversidadecesam.blogspot.com.br É fácil percebermos, quando entramos em contato com aspectos da vida de outras sociedades, como seus ambientes culturais e os comportamentos de seus membros são diferentes dos nossos e, às vezes, de forma acentuada. Quando temos a oportunidade de conhecer e comparar diversas culturas, por leituras e estudos ou em viagens, adquirimos consciência da importância da dimensão cultural para as nossas vidas e para a vida coletiva em geral. Isso também ajuda a esclarecermos o conceito sociológico de cultura. Sociedades de tempos históricos diversos ou em espaços geográficos diferentes, desenvolveram modos de vida, valores e crenças que em muitos aspectos e, às vezes, de maneira bastante radical, diferem e divergem dos nossos. Ao comparar e comentar diferentes culturas deve-se prestar atenção para eventuais manifestações de “etnocentrismo”, a tendência que desenvolvemos em julgar elementos de outras culturas com base nos padrões da nossa cultura, o que torna difícil simpatizar com as ideias ou aceitar os comportamentos das pessoas de uma cultura diferente. Os problemas envolvidos nas comparações e avaliações culturais levantam uma questão que tem se tornado fonte de grande debate, transformando-se em foco de tensão no mundo da política global, especialmente para os que lidam na esfera internacional dos direitos humanos. Trata-se do significado e abrangência do relativismo cultural no mundo contemporâneo. Fonte: www.slideplayer.com.br A questão é a seguinte: é possível avaliarmos os valores e normas de outra cultura? Baseados em que critérios podemos julgar outra forma de vida cultural como melhor ou inferior à nossa? Essa é uma questão polêmica que provoca grandes debates nas ciências sociais. O sociólogo Anthony Giddens pergunta: no Afeganistão, “as políticas do Talibã para as mulheres são aceitáveis no início do século XXI? ” O relativismo cultural –“ou seja, suspender suas próprias crenças culturais profundamente sustentadas e examinar uma situação de acordo com os padrões de outra cultura – pode ser repleto de incerteza e desafio”. (...) “ Questões preocupantes são levantadas. O relativismo cultural significa que todos os costumes e comportamentos são igualmente legítimos? Haveria padrões universais aos quais todos os humanos deveriam aderir? ” Giddens acrescenta, “não há soluções simples para esse dilema e para dúzias de outros casos nos quais normas e valores culturais não coincidem. ” ...E ensina uma lição básica para todo o estudante de Sociologia: “O papel do sociólogo é evitar “respostas automáticas” e examinar questões complexas cuidadosamente a partir de tantos ângulos diferentes quanto possíveis. ” Essas inúmeras questões são um alerta e devem intensificar nossa disposição para conhecer os diversos sistemas socioculturais para melhor compreender os mecanismos que facilitam assim como os que dificultam a convivência humana, necessariamente, de cunho social. De um lado a cooperação, a convivência mais equilibrada e harmoniosa, de outro, os antagonismos, os conflitos e as guerras. O processo da globalização econômica, da revolução na informática, da mídia, da superação das barreiras geográficas vem transformando o mundo em uma grande “aldeia global”. Em que medida esses fenômenos estão produzindo uma cultura universal, válida para todos os povos? Em que sentido podemos afirmar isso? Quais os possíveis danos para a vida das pessoas e para os diferentes grupos sociais com raízes histórico-culturais distintas? Como fenômeno humano as culturas dos povos são dinâmicas e sofrem mudanças. Os indivíduos agem e reagem às influências do ambiente em que vivem e às transformações de seu tempo. Os grupos sociais se mobilizam e movimentam-se no sentido de alterar as suas condições de vida. Continuidade e mudança são dimensões inerentes à vida das sociedades e das culturas. As mudanças podem ocorrer de forma mais lenta, como nos tempos mais antigos, como podem tornar-se rápidas e permanentes como tem ocorrido desde os tempos modernos. É importante observar que “as culturas ultrapassam seus criadores”, como diz Lenski. Cada um de nós nasce em uma sociedade com uma cultura estabelecida e é somente através do domínio dessa cultura que somos capazes de satisfazer nossas necessidades e aspirações. Mas, no processo de dominar a cultura, a cultura tende a nos controlar e fazer de nós suas criaturas. Em um sentido, ela define mesmo nossos objetivos na vida e dá forma aos padrões de nossos pensamentos. Por isso encontramos dificuldade em desaprender o que aprendemos no passado. E isso é especialmente marcante nas pessoas mais velhas. Por outro lado, é sempre possível uma adaptação consciente e deliberada a um novo ambiente ou a uma mudança cultural. Isso implica que processos de mudança cultural ocorrem e podem até ser controlados e mesmo planejados. Esse tema, o da mudança cultural, é especialmente importante na medida em que envolve o debate em torno das questões que dizem respeito às transformações da sociedade. Em geral, novos elementos culturais são acrescentados em uma base de continuidade. Em certos momentos ocorre o abandono de componentes culturais que são substituídos por outros novos. Se nós pensarmos nos vários instrumentos de comunicação utilizados através dos séculos nós teremos uma boa amostra das significativas mudanças culturais e das consequências dessas mudanças para a vida das pessoas. Mas muitas mudanças envolvem, ao mesmo tempo, continuidade, como é o caso do alfabeto que usamos há mais de três mil séculos, assim como o conceito de justiça que perdura desde tempos ainda mais antigos. Fonte: www.pt.slideshare.net BIBLIOGRAFIA BORDIEU, Pierre; PASSERRON, Jean Claude. A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2 eds. Tradução de Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982. CASTELLS, Manuel; RAMÓN, Flexa; FREIRE, Paulo; GIROUX, Henry; MACEDO, Donald; WILLIS, Paul. Novas Perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 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Nele, objetivamos, inicialmente, tecer algumas considerações gerais sobre os Estudos Culturais, para, em seguida, refletirmos sobre os processos de (re) construção de identidades no espaço escolar induzidos por avaliações institucionais. Dados empíricos que vimos analisando sugerem que a escola, enquanto espaço de aprendizagem e interação, promove inúmeras práticas sociais, dentre as quais se incluem as práticas avaliativas, que interferem diretamente na vida dos sujeitos, não apenas dentro do espaço escolar, mas também fora dele, expandindo-se também nos novos espaços de significação, como, por exemplo, em chats e blogs. Além disso, o estudo evidencia que esses novos espaços de significação revelam como o olhar do outro interfere nos processos de (re) construção indenitária muitas vezes não percebidos pelo professor em sala de aula. PALAVRAS-CHAVE: Estudos Culturais, identidade, escola, avaliação. INTRODUÇÃO Um episódio em sala de aula, ocorrido com um dos autores desse artigo, fez com que nossas inquietações, enquanto educadores, aflorassem. Certo dia um aluno disse que queria mudar de escola porque havia conhecido uma garota no MSN4 e ao 1 Juliana Menezes Cruciani, Mestranda. UNICAMP. E-mail: juliana.menezes@gmail.com 2 Juliana Menezes Cruciani, Mestranda. UNICAMP. E-mail: juliana.menezes@gmail.com 3 Marcelo El Khouri Buzato, Prof. Dr. em Linguística Aplicada. UNICAMP. E-mail: mbuzato@iel.unicamp.br 4 Software de bate-papo virtual que conecta pessoas em diferentes localidades simultaneamente através da internet. contar para ela que estudava na escola X, teve como resposta: “KKK FICOU EM ÚLTIMO! ” A garota fazia referência à classificação em que a escola se encontrava na Avaliação Geral da Rede, que havia ocorrido em novembro de 2007. De fato, a escola havia ficado em último lugar dentre as 48 escolas do município, embora aquela classe tivesse ocupado uma das primeiras classificações internas em Língua Portuguesa. Naquele instante, ficou claro que estar entre os primeiros internamente não significava nada se externamente os alunos eram os últimos colocados, bem como seus professores. A discussão girou, então, em torno de sentir ou não vergonha de dizer ao “outro” quem eram os alunos e o professor, de onde vieram e como as coisas aconteciam na comunidade local e na comunidade escolar em si. O foco maior foi dado para aonde se queria ir. Qual era o papel de cada um para mudar ou permanecer naquela realidade? O que ela significava para cada um de seus agentes? Como eles se identificavam ou não com a realidade da qual faziam parte? Nosso objetivo, aqui, é refletir sobre como a cultura escolar, induzida pelas avaliações institucionais reflete nos processos de (re) construção de identidades e como esses reflexos atravessam os muros da escola atingindo também na vida fora dela em todas as suas esferas. Para isso, nos baseamos, principalmente, nos estudos culturais. Hall (1997) e Veiga- Neto (2003), por exemplo, nos mostram diferentes conceitos de cultura e sua evolução ao longo da história. Veiga - Neto (2003) propõe que não partamos do conceito de cultura como algo “desde sempre dado”, dessa forma alerta-nos que o fenômeno trata de processos socialmente construídos. Segundo ele, a definição de Cultura (grafada com C maiúsculo), surgiu no século XVIII e era idealizada, vista como única e universal, rejeitava toda e qualquer diferença e era imposta pela via educacional branca, machista e eurocêntrica. Dessa forma, entendemos cultura no sentido plural. Para nós, não há uma única cultura e sim culturas, visto que a pluralização da palavra demanda novo significado e novas relações de poder, em que as diferenças entre os povos e entre os diversos grupos sociais perpassam os mais diferentes discursos (COSTA, 2000 apud VEIGA- NETO,2003) não se resumindo mais aos discursos, tão e somente, da elite dominante. 1. MULTICULTURALISMO, IDENTIDADE E ESCOLA Se agora é mais prudente falarmos em culturas não podemos deixar de falar das “estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais” (HALL, 2006, p.68). A isso Hall chama de multiculturalismo. Nos trabalhos de 1997, Hall expõe os diversos sentidos de multiculturalismo que nos ajudam a compreender a problemática das identidades: Multiculturalismo Conservador, Multiculturalismo Liberal, Multiculturalismo Pluralista, Multiculturalismo Comercial, Multiculturalismo Corporativo e Multiculturalismo Crítico. Segundo o autor, cada grupo social defende um tipo de multiculturalismo. Parece-nos, porém, que os que mais têm ganhado espaço nos debates acadêmicos são o Conservador, o Liberal e o Crítico. Para o presente trabalho, focalizamos no Multiculturalismo Conservador que assimila a diferença às tradições e costumes da maioria. Para Maher (2007), aqueles que defendem o multiculturalismo conservador são permeados por práticas eurocêntricas e “deslegitimam tudo o que não seja hegemônico (crenças, valores, conhecimentos, línguas) ” e, além disso, “acreditam que o papel da escola é contribuir para a assimilação dos grupos sociais que julgam inferiores à ordem estabelecida”, ou seja, apenas reconhecessem a diferença, mas não têm a pretensão de efetivamente respeitá-la. Considerando a sala de aula, não podemos simplesmente dizer, como afirmam os defensores do Multiculturalismo Liberal, que os alunos, objetos de nossa reflexão e vítimas do fracasso escolar, sejam os únicos responsáveis por seus fracassos, não podemos dizer que se falharam foi porque não estavam suficientemente motivados, não se esforçaram o suficiente para aprender, mesmo porque ficaram no último lugar da rede, mas ocuparam os primeiros lugares da escola! Ainda que a garota do MSN, já citada, e o aluno estudassem no mesmo município, fazendo parte assim da mesma rede, podemos dizer que se trata de comunidades bem distintas, com culturas educacionais bem diferentes, em diferentes aspectos, dentre eles: a relação escola- comunidade, além disso, uma escola é mais central/ elitizada e a outra é periférica. Essas diferenças de cultura educacional não foram observadas no momento da Avaliação, bem como as diferenças de aprendizagem na mesma classe. Todos tiveram as mesmas oportunidades acadêmicas/ escolares, se considerarmos que todos pertenciam à mesma rede de ensino e tinham acesso ao mesmo material didático produzido pelo município, mas fatores sociopolíticos e econômicos mais amplos interferiram nos resultados, o que corrobora com a idéia de Maher (1997) de que os seres humanos não são totalmente livres para fazer suas escolhas: alunos e professores não escolheram ficar em último lugar!Isso nos leva a dizer que, embora os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)reconheçam e celebrem as diferenças regionais, de forma a valorizar as culturas locais, o Multiculturalismo Liberal, presente nas políticas de avaliações institucionais, herda do próprio Liberalismo a noção de que cada indivíduo é livre para fazer suas escolhas e progredir desde que receba as “mesmas oportunidades”. O que as avaliações institucionais não levam em consideração são os fatores sociopolíticos e econômicos que interferem nas condições, na qualidade de ensino e no resultado final. Dito de outra forma, a referida Avaliação Geral da Rede desconsiderou as realidades diferentes de cada escola. Além disso, a prova em si, não igualou as oportunidades, mas impôs um padrão que fornece a desculpa para dizer que a escola que ficou em última colocação, bem como seus alunos e professores, não foi capaz de aproveitar a oportunidade que receberam. Outro aspecto fundamental a ser destacado são as questões de interculturalidade (MAHER, 2007, p. 265-266), por invocar como se dá a relação, os choques e os ajustes entre as culturas e seus agentes. Nessa perspectiva, Maher (2007) se preocupa com a educação daqueles que estão no entorno da comunidade. Para ela, não adianta se preocupar apenas com a comunidade em si, mas se faz necessário que outros agentes, que não são necessariamente da comunidade, mas interferem nela, sejam educados para lidar com a diferença, pois é com essa preocupação que se aprende a aceitar o caráter mutável do outro a partir de representações que não são verdades objetivas ou neutras, mas sim construções discursivas. Nesse aspecto, pode-se dizer que o ocorrido entre a garota do MSN e o aluno da escola que ficou em última colocação na Avaliação Geral da Rede não só coloca em xeque questões identitárias como também mostra, ainda que implicitamente, um choque entre culturas educacionais diferentes e seus agentes, além disso, mostra que o entorno não está preparado para lidar com a diferença. Compreender o conceito que se tem hoje sobre construção de identidade é fundamental para entender a situação que se formou após a avaliação. Além disso, vale destacar a relação que se estabelece entre cultura e identidade, conforme pontua Cuche (2002). Para o autor, “a cultura depende em grande parte de processos inconscientes”, já a “identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas” (CUCHE, 2002, p.176). Nesse sentido, chama-nos a atenção a atitude dos alunos no sentido de querer ou não pertencer àquela escola após os resultados da avaliação. Hall (2006) destaca que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (HALL, 2006, p.7). Deste modo, a chamada “crise de identidade” abala, num aspecto mais amplo, as estruturas e os processos centrais das sociedades modernas, de modo a nos fazer repensar o conceito de identidade única, fixa e inabalável. Para Mercer (1990, apud HALL, 2006, p. 9) “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”. Entendemos que foi isso o que aconteceu com aqueles alunos: algo estável foi deslocado pela experiência da dúvida, pela sensação de pertencimento e identificação ou não com a escola que agora era a última no ranking. Para Cuche (2002) a Concepção relacional e situacional de identidade é compreendida como algo que se constrói no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e orientam suas representações e escolhas, portanto é dotada de eficácia social, que produz efeitos sociais reais. Assim, ela se constrói e se reconstrói constantemente no interior das trocas sociais. Essa concepção parte do pressuposto que não existe identidade em si, ela só existe em oposição à outra, o que nos permite dizer que identidade e alteridade são ligadas e estabelecem uma relação dialética. Hall (2006, p.10-46) destaca a concepção de identidade do sujeito pós- moderno, que é o sujeito da atualidade, composto não de uma, mas de várias identidades, sendo elas algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Nesse aspecto, o autor diz que “o próprio processo de identificação, através do qual nós projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático” sendo isso o resultado de mudanças estruturais e institucionais. A identidade nessa perspectiva é “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”. (HALL, 2006, p. 38). Essas visões de identidade, bem diferentes das anteriores em que o sujeito era imutável, chegam a ser perturbadoras uma vez que descentralizam e deslocam o sujeito, mas abrem articulações para a criação de novas identidades e para a recomposição do sujeito em tempos de globalização. 2. O REENCONTRO: NOVAS IDENTIDADES REVELADAS É na perspectiva de identidade em construção e reconstrução que um ano depois, mesmo sem vínculo institucional/empregatício, mas incomodados com o episódio da avaliação e os reflexos dela dentro do espaço escolar e fora dele, voltamos à mesma escola e propomos um trabalho voluntário para se trabalhar questões de identidade mediadas pelo computador por termos consciência de que o olhar do outro interfere na constituição de identidades dos sujeitos. Os alunos, então, teriam acesso à Internet, aprenderiam novas ferramentas e novos gêneros e teriam um espaço para externarem o que pensam sobre si e sobre o mundo que os rodeia. A ideia era justamente que os alunos entrassem num diálogo de reflexão crítica sobre si e sobre o mundo do qual fazem parte. Num dos encontros, chamado pelos alunos de Reencontro, tomamos conhecimento de que a escola havia subido algumas posições na classificação geral da última Avaliação da Rede. A grande surpresa foi ouvir dos participantes (e documentar) que os resultados haviam sido manipulados, uma vez que os alunos tiveram acesso às respostas durante a aplicação da referida avaliação. Tomando por base os trabalhos de Bakhtin como referencial teórico para análise do discurso, essa conversa, que será explorada um pouco mais adiante, mostra que por ser muito complexa e estar sempre se compondo e recompondo, além de ser influenciada pelas situações cotidianas e pela interação com o outro, a identidade é algo formado ao longo do tempo e das situações vivenciadas por cada um, de acordo com o contexto social em que o sujeito se encontra, o que não significa uma relação pacífica, pois “os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto” (BAKHTIN, 2006, p. 109). Diante da postura que adotamos em relação às identidades, vale ressaltar que elas sofrem influências diretas do processo de globalização, uma vez que esta causa impacto sobre a identidade cultural. Nesse contexto de globalização a relação tempo- espaço tem se transformado de um modo nunca visto antes, inclusive por conta do avanço da Internet nos últimos tempos (HAESBAERT, 2002). Prova disso, é o reflexo que o bate-papo no MSN causou na sala de aula. Antes dele discutiu-se na classe sobre a avaliação, mas a discussão não teve o mesmo impacto. Ou seja, o tempo para se falar sobre o assunto não se resumia mais ao horário escolar e o espaço deixava de ser fixo. Além disso, os envolvidos mostraram ter consciência sobre a proporção imensurável que o assunto poderia gerar na Internet. Assim o episódio do MSN interferiu no modo como os alunos passaram a enxergar a si e ao outro, visto que foi a partir dele que a alteridadeem relação ao outro (que não ficou em último lugar) provocou uma descentração dos sujeitos, emergindo uma crise de identidade. Sendo assim, salientamos que as formas pelas quais os alunos estavam imaginando e vivenciando ser vistos pelos outros, colocam-nos em crise consigo mesmos, representando uma crise de identidade a ponto de muitos terem desejado não fazer mais parte da escola e não quererem ter identificação nenhuma com ela. Nesse sentido, a Teoria Bakhtiniana da Enunciação nos ajuda a compreender o ocorrido, visto que entendemos que esse desejo de não querer mais fazer parte da escola ocorre porque a fala do outro “KKK FICOU EM ÚLTIMO! ” “Traz consigo sua expressão, seu tom valorativo” que é assimilado, reelaborado e reacentuado pelos sujeitos (BAHKTIN, 2003, p. 294 – 295). Além disso, o ocorrido no MSN adiciona um novo ingrediente na relação entre a cultura local de cada comunidade escolar e a cultural global que abrange todo o município, pois o olhar do outro, o de fora da comunidade escolar que ficou em última colocação, interfere na constituição de identidade daqueles que pertencem a ela, por passarem a ser vistos pelos outros e por si mesmos como “burros” e/ou incompetentes. A partir desse ocorrido a avaliação passa a ser sempre vista como uma ameaça: A15: E o Hopi Hari que falaram que ia ter no ano passado, da prova A2: É.... se toda escola tivesse bem... todo mundo ia pro Hopi Hari... (inaudível) ... estudei que nem uma condenada... P6: Estudou pra quê? A3: A gente foi quase escravizada... [Barulho todo mundo começa a falar ao mesmo tempo sobre ter sido “escravizado”] [...] A4: (...) uma chantagem. [...] P: E você A7...? Peraí. Que cê acha disso? A7: Num acho nada legal, não. P: Cê não acha legal por quê? A7: chantagearam a gente, num cumpriu o combinado. [...] é, levou (só) as oitavas. 5 Entenda-se todos os “A” seguidos de números como alunos-depoentes de acordo com a ordem das falas. 6 Entenda-se “P” como professor voluntário conforme especificado no início deste artigo. A situação vivenciada pelos alunos após a experiência da 1.ª Avaliação Global traz à tona temas relacionados ao conceito de escravidão e chantagem, por exemplo. O tema da escravidão é constitutivo da identidade de pobre e/ou subalterno no Brasil. Neste primeiro excerto da conversa, o Hopi Hari representa uma outra realidade ou a realidade de um outro brasileiro, à qual a escola promete fornecer acesso. A avaliação retoma aí o papel da chibata, do feitor que quer saber se a cana foi produzida nas quantidades e qualidades necessárias. Assim, o Hopi Hari, simbolicamente, representa algo como a abolição da escravatura, a lei áurea, a liberdade. É, na verdade, um empreendimento que simboliza a “Disney brasileira”, que cria um simulacro de felicidade pela via do consumo, no entanto ele se torna uma (des) ilusão porque a promessa de fazer parte da Disney brasileira não acontece, aliás, acontece só para um grupo seleto na escola, a 8.ª série/ 9.º ano. Tanto o Hopi Hari, como o MSN, é a mediação de um “outro” distante. O contato com esse outro, em ambos os casos, está interditado/ distorcido por conta da referida avaliação. Bakhtin (2003) nos mostra duas maneiras de lidar com as palavras alheias: a autoritária e a internamente persuasiva. A primeira é “colada” as palavras do autor, que adquirem caráter monumental e intocável e, como tal devem ser assimiladas, repetidas. Já a segunda, admite réplica e interpenetração entre o discurso do autor e o do sujeito como vemos abaixo: A4: Eles sabe que todo mundo é doido pra ir no Hop-Hari a galera da escola, fizero uma chantagem emocional... pra mim isso num vale... vocês têm que estuda, tem que se empenha, tem que passa... eles podiam ter usado pelo menos um argumento melhor, porque foi chantagem isso daí. Ah, SE vocês tiverem nota maior (maior que 7,0) vocês vão, caso contrário não. Isso é o quê? Além de fazer uso da palavra internamente persuasiva o aluno A4 faz um julgamento de valor condenando atitude da escola (equipe de gestão) ao usar a expressão “pra mim isso num vale”. O aluno também mostra ter consciência que a condição para participar do parque de diversões, da “Terra Prometida” era necessário que os alunos alcançassem nota maior que 7,0, ou seja, 6,5 significaria não ter estudado o suficiente para fazer parte desse almejado grupo. Nesse trecho é possível observar o sujeito refletindo sobre os caminhos impostos pela escola para constituir essa identidade nova prometida (de incluído, de membro de uma sociedade almejada) e legitimada pela prova global elaborada pela Secretaria de Educação do Município, além disso, o uso de modalizadores deônticos (tem que, tem que…). Evidenciam a obrigatoriedade de aprovação imposta pela escola. Vale destacar também, neste trecho, o momento em que o depoente assume a voz da escola, fazendo uso de palavras próprias-alheias no sentido bakhtiniano, momento em que ele diz “vocês” - referindo-se a ele mesmo- "tem que estudá...”. Num segundo momento, o depoente assume sua própria voz, fazendo novamente uso do discurso internamente persuasivo, pois passa a falar sobre “eles” referindose aos gestores e, em seguida, qualificando o que fizeram como “chantagem”. A2: Ah, eu vo fala... o que a gente conversá aqui, fica aqui. A5: Por favor! A2: Os professores passaram cola pra gente A5: Pra escola inteira [Barulho todo mundo começa a falar ao mesmo tempo] A4: O professor de português deu todas as respostas de português, o de matemática deu todas as respostas de matemática A2: A de inglês que eu pensava assim que era toda certinha, bonitinha, gostosinha deu a resposta de todas pra gente A5: A prof.ª X, que era a professora mais séria, deu as respostas dela Ao “passar a cola” o professor sai da identidade e do papel que se espera dele como educador, por isso o depoente A2 explica que “vai falar” sobre o assunto, mas alerta que as revelações devem ficar reservadas apenas a aquele espaço e para enfatizar o depoente A5 usa a expressão “por favor” concordando com A2. Essas atitudes demonstram que os alunos têm consciência de que a prática de “passar cola” é ilícita. As escolhas linguísticas feitas pelos alunos demandam expressões valorativas negativas sobre o fato através de verbos/ expressões como “passar cola” e “dar respostas”. Além disso, A2 e A5 manifestam surpresa/ desapontamento na atitude de passar cola por parte de professores que eles julgavam “certinhos” e “sérios”. Ou seja, se houve “cola” abertamente é porque faltou seriedade. A6: Até os professores perceberam que nós távamos (inaudível)[...] távamos sendo chantageados. No excerto acima, o uso do advérbio “até” demonstra que num primeiro momento os “opressores”, os “chantageadores” não eram os professores da escola local porque até eles perceberam que os alunos estavam sendo chantageados, pressionados para que a posição da escola subisse na classificação geral. [...] P: E o que que vocês acham disso tudo? P: A6... o que você acha? Você presenciou essa situação? [aluno balança a cabeça como negativa ao mesmo tempo em que o professor faz a primeira pergunta] P: Num acha nada? A6: Não P: E você A7...? Peraí. Que cê acha disso? A7: Num acho nada legal, não. P: Cê não acha legal por quê? A7: chantagearam a gente, num cumpriu o combinado... P: Ah, mas então o que incomoda [barulho], o que te incomoda não é o fato dos professores passarem a cola, é o fato de chantagear e depois não cumprir, não levar pro Hopi Hari? A7: É, levou as oitavas Neste excerto pode-se observar que o depoente A6 não expressa opinião sobre o ocorrido ou porque, de fato, não a tenha, não tenha refletido sobre isso ou porque prefira não se manifestar. No
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