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Programa Elementar da Oficina de Urbanismo Unitário, Attila Kotanyi & Raoul Vaneigem

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Programa elementar da 
oficina de urbanismo unitário 
Attila Kotanyi & Raoul Vaneigem 
Publicado no # 6 de Internationale Situationniste, 1961. A base para a presente tradução 
foi a tradução do francês para o espanhol de Julio González del Río Rams publicado em 
“creación abierta y sus enemigos: textos situacionistas sobre arte y urbanismo”, Madrid, 
La Piqueta, 1977 
 
1. Inexistência do urbanismo e inexistência do espetáculo 
 
O urbanismo não existe: nada mais é que uma "ideologia", no sentido marxista da 
palavra. A arquitetura realmente existe, do mesmo modo que a coca-cola: é uma 
produção envolta em ideologia, mas real, satisfazendo falsamente uma falsa 
necessidade. Enquanto o urbanismo é comparável a exibição publicitária que rodeia a 
coca-cola, pura ideologia espetacular. O capitalismo moderno, que organiza a redução 
de toda vida social ao espetáculo, é incapaz de dar outro espetáculo que o de nossa 
alienação. Seu sonho urbanístico é sua obra-prima. 
2. A planificação urbana como condicionamento e falsa participação 
O desenvolvimento do meio urbano é a modelação capitalista do espaço. Representa a 
escolha de uma certa materialização do possível, com exclusão de outras. Assim como a 
estética, cujo movimento de decomposição permanecerá, pode ser considerada como um 
ramo bastante negligenciado da criminologia. Entretanto, o que o caracteriza no nível de 
"urbanismo", com relação a seu nível simplesmente arquitetônico, é exigir um 
consentimento da população, uma integração individual na colocação em andamento 
desta condição burocrática do condicionamento. 
Tudo isso é imposto por meio da chantagem da utilidade. Se esconde que a importância 
completa desta utilidade é posta a serviço da reedificação. O capitalismo moderno faz 
renunciar a toda crítica pelo simples argumento de "faz falta um teto", o mesmo que 
acontece com a televisão com o pretexto de que "a informação é necessária" e a 
diversão. O que leva a esquecer a evidência de que esta informação, esta diversão, este 
modo de habitação, não são feitos pelas pessoas, mas sem elas e contra elas. 
Toda planificação urbana só pode ser compreendida unicamente como o campo da 
publicidade-propaganda de uma sociedade, ou seja: a organização da participação em 
algo no qual é impossível participar. 
3. Circulação: estágio supremo da planificação urbana 
A circulação é a organização do isolamento de todos. É nisso que ela consitui o 
problema dominante das sociedades modernas. É o contrário do reencontro, a obsorção 
das energias disponíveis para reencontros ou para qualquer tipo de participação. A 
participação, que se fez impossível, é compensada sob a forma de espetáculo. O 
espetáculo se manifesta no habitat e no deslocamento (status da moradia e dos veículos 
pessoais). Porque de fato não se mora em um bairro de uma cidade, mas no poder. Se 
mora em algum lugar da hierarquia. No cume dessa hierarquia, os graus podem ser 
medidos pelo grau da circulação. O poder se materializa mediante a obrigação de se 
estar presente cotidianamente em lugares cada vez mais numerosos (almoços de 
negócios) e cada vez mais afastados uns dos outros. Se poderia caracterizar o alto 
executivo moderno como um homem que se encontra em três capitais diferentes em um 
só dia. 
4. A distância diante do espetáculo urbano 
A totalidade do espetáculo que tende a integrar a população se manifesta também como 
a organização das cidades e como rede permanente de organizações. É uma estrutura 
sólida para proteger as condições existentes da vida. Nossa primeira tarefa é permitir às 
pessoas que cesse de se submeter ao meio e aos padrões de comportamento. O que é 
inseparável de uma possibilidade de se reconhecer livremente em algumas zonas 
elementares delimitadas para a atividade humana. As pessoas estarão obrigadas ainda 
durante muito tempo a aceitar o período reificado das cidades. Mas a atitude com que o 
aceitarão pode ser mudada imediatamente. Deve-se sustentar a difusão da desconfiança 
para os jardins de infância ventilados e coloridos que constituem, tanto o Leste como o 
Oeste, as novas cidades dormitório. Só a desilusão estabelecerá a questão de uma 
construção consciente do meio urbano. 
5. Uma liberdade infragmentável 
O principal êxito da planificação atual das cidades faz esquecer a possibilidade do que 
nós chamamos urbanismo unitário, ou seja, a crítica viva, alimentada pelas tensões de 
toda vida quotidiana, dessa manipulação das cidades e de seus habitantes. Crítica viva 
quer dizer estabelecimento das bases de uma vida experimental: reunião de criadores de 
sua própria vida em terrenos dispostos para seus fins. Essas bases não poderão ser 
reservadas a "diversões" separadas da sociedade. Nenhuma zona espaçotemporal é 
totalmente separável. De fato, sempre existe pressão da sociedade global sobre as atuais 
"reservas" de férias. A pressão será exercida no sentido inverso nas bases situacionistas, 
que cumprirão a função de ponte para uma invasão de toda vida quotidiana. O 
urbanismo unitário é o contrário de uma atividade especializada; e reconhecer um 
campo urbanístico separado é reconhecer já toda a mentira urbanística e a mentira de 
toda a vida. 
É a felicidade aquilo que se promete no urbanismo. Portanto, o urbanismo será julgado 
segundo esta promessa. A coordenação dos meios de denúncia artística e dos meios de 
denúncia científica, deve levar a uma denúncia completa do condicionamento existente. 
6. O desembarque 
Todo espaço já está ocupado pelo inimigo, que domesticou para sua utilização até as 
regras elementares desse espaço (além da jurisdição: a geometria). O instante de 
aparição do urbanismo autêntico, será a criação, em algumas zonas, do vazio dessa 
ocupação. O que chamamos ocupação começa já. Pode-se compreender com a ajuda do 
"vazio positivo" forjado pela moderna física. Materializar a liberdade é em primeiro 
lugar diminuir de um planeta domesticado algumas parcelas de sua superfície. 
7. A luz do desvio 
O exercício elementar da teoria do urbanismo unitário será a transcrição de toda mentira 
teórica do urbanismo, desviando com um fim de desalienação: deve-se defender em 
todo instante da epopéia dos bardos do condicionamento; inverter seus ritmos. 
8. Condições do diálogo 
O funcional é o que é prático. Unicamente é prático a resolução de nosso problema 
fundamental: a realização de nós mesmos (nosso desvencilhamento do sistema do 
isolamento). Isso é o útil e o utilitário. Nada mais. Todo o resto não representa mais que 
derivações mínimas do prático; sua mistificação. 
9. Matéria prima e transformação 
A destruição situacionista do condicionamento atual é já, ao mesmo tempo, a 
construção das situações. É a libertação para as energias inesgotáveis contidas na vida 
quotidiana petrificada. A atual planificação das cidades, que se apresenta como uma 
geologia da mentira, cederá lugar, com o urbanismo unitário, a uma técnica de defesa 
das condições da liberdade, sempre amenizadas, no momento em que os indivíduos, que 
enquanto tais não existem ainda, construam sua própria história. 
10. Fim da pré-história do condicionamento 
Não sustentamos que se retorne a qualquer estágio anterior ao condicionamento; mas 
apenas ir além. Inventamos a arquitetura e o urbanismo que não podem ser realizados 
sem a revolução da vida quotidiana; ou seja, a apropriação do condicionamento por 
todos os homens, seu crescimento indefinido, seu fim. 
Attila Kotanyi & Raoul Vaneigem, 1961

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