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Panoptismo0508

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Panoptismo: almas delinquentes, desvio, ilegalidade e pânico moral 
 
1Ana Beatriz Vilhena 
 
O percurso analítico desenvolvido por Foucault em busca da compreensão da 
dinâmica social tem como substrato uma caracterização geral do poder e seus 
dispositivos. O autor acredita que para melhor compreender a dinâmica social faz-se 
necessário uma análise dos processos de transição entre os sistemas punitivos. 
De acordo com Foucault (1999) “o” poder deve ser entendido como: 1) múltiplas 
relações de força imanentes ao contexto nos quais operam e que se constituem enquanto 
sua própria organização. 2) como processos contínuos e permanentes de lutas, confrontos, 
resistências que fortificam e ressignificam situações; 3) como o apoio que sustenta as 
interações de força formando reações em cadeia. 
 E, por fim, como 4) cristalização estratégica nos aparatos estatais, na elaboração 
de leis e nas diferentes hegemonias sociais. Foucault faz uma distinção entre tática e 
estratégia do poder: nas palavras de Richard A. Lynch (2018, p.39) as táticas são 
racionalidades locais de poder em casos particulares e, em contrapartida, as estratégias 
são os padrões de poder maiores, sistêmicos ou globais. 
As estratégias do poder são construídas a partir de combinações e concatenações 
dessas táticas locais. As táticas são unidas umas às outras, porém, possuem seu apoio em 
outro lugar e, dessa maneira, formam sistemas abrangentes, evidenciando o caráter 
onipresente, invisível, incorpóreo do poder. O poder é, ele está em todas as menores e 
íntimas interações. 
Isso quer dizer que o poder deve ser entendido na esfera das microrrelações, pois, 
ali, estão seus mecanismos. O autor afirma serem essas relações de força são imanentes 
aos contextos em que operam, logo, nos informa sobre a historicidade do poder e, ao 
mesmo tempo indic que o poder é invisível, porém, concreto em seus efeitos. 
A última característica geral do poder é a resistência: não há poder sem resistência, 
pois, é através da relação de força entre duas variáveis, mentes ou corpos, é que o poder 
está em exercício. 
 
1 Doutoranda em Ciência da Religião no Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião da 
Universidade Federal de Juiz de Fora (PPCIR-UFJF) com ênfase em masculinidades, religião e prisão. 
Membro do grupo de pesquisa em Religião, educação e gênero (REDUGE-UFJF). 
No medievo, a punição ocorria no corpo através da tortura que levava a morte e 
enquanto espetáculo que atraía multidões. Assim, o soberano demonstrava seu poder e 
eliminava a ameaça que o infrator representava à sua figurava que era divinamente 
autorizada a governar. Com a ascensão da era moderna, iluminismo, humanismo e era 
industrial, muda-se o tipo de poder e, logo, de sistema punitivo. 
Essas intensas transformações sociais ampliaram o campo de atuação do poder: 
antes, soberano, agora, disciplinar. Agora, o poder possui domínios como o discurso 
científico, religioso, jurídicos ou econômicos. A “prisão é o único lugar onde o poder 
pode se manifestar em estado puro em suas dimensões mais excessivas e se justificar 
como poder moral [...]” (FOUCAULT, 2007, p. 73). Com essa afirmação, Foucault nos 
indica como as instituições prisionais modernas baseadas em sistema de encarceramento 
são contextos significativos no que se refere à compreensão da atuação plena do poder. 
Segundo Foucault (1999) a transição dos processos punitivos de espetáculo 
público, durante o medievo, para confinamento, com as prisões modernas, teve como 
objetivo central a proteção do corpo social. Com a entrada na era industrial e ascensão do 
humanismo o antigo modelo punitivo se mostrou cada vez mais inviável. 
A necessidade de otimizar o potencial produtivo dos infratores em vez de eliminá-
los através de tortura e morte públicas deu bases para o surgimento do panóptico, 
idealizado por Jeremy Bentham (2000). Materializado em uma construção arquitetônica, 
o modelo panóptico contava com uma torre central, circundada por celas posicionadas 
em menor altitude. 
 A arquitetura panóptica foi cuidadosamente pensada para que, entre a localização 
da torre e as janelas recobertas das celas, houvesse um jogo de luzes que impedisse aos 
condenados de perceber que estariam sendo vigiados. De acordo com leitura foucaultiana 
os resultados dessas disposições vão além da organização espacial das casas de correção 
modernas. 
Essa modalidade disciplinar abrange “todo um conjunto de instrumentos, de 
técnicas, e procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma “física” ou uma 
“anatomia” do poder, uma tecnologia” (FOUCAULT, 1999, p. 164). Em outras palavras, 
Foucault entende o panoptismo como a materialização de uma tecnologia de controle e 
disciplinarização. 
O mais significativo dentre os efeitos do panóptico é a indução do detento a uma 
condição permanente da consciência de sua visibilidade. Dessa forma, a vigilância é 
permanente em seus efeitos, mas intermitente em suas ações. Essa introjeção exercida por 
meio de uma realidade induzida cria um efeito disciplinar, ainda que irreal, em uma 
relação sólida e automática de disciplina e controle. Isso porque o condenado internaliza 
a disciplina, é induzido à percepção de que é constantemente vigiado e, 
consequentemente, passa a seguir as normas de forma espontânea. 
Não tanto pelo respeito ou medo às leis dos homens, nem, tampouco, receio de 
punições mais severas que o detento cumpre as normas de forma espontânea. Antes, é por 
um “trabalho de sua consciência, uma submissão profunda e não treinamento superficial; 
uma mudança de moralidade e não de atitude” (FOUCAULT, 1999, p. 267). 
 Segundo Foucault (1999, p.33), o panoptismo criou algo como uma “alma” que é 
produzida na superfície e no interior do corpo através de funcionamento de um poder que 
se exerce sobre os punidos ou, de forma mais geral, sobre os que são “vigiados, treinados 
e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares, os colonizados, sobre os que são 
fixados a um aparelho de produção e controlados durante toda a existência”. 
 Na prisão, não mais o corpo é o alvo último da punição, mas a alma. O corpo passa 
a atuar como veículo sobre o qual a punição se realiza e encontra seus efeitos. “À expiação 
que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o 
coração, o intelecto, a vontade, as disposições” (FOUCAULT, 1999, p. 3). 
Essa alma não é a mesma da teologia cristã cuja existência é faltosa e merecedora 
de punição diante dos pecados da matéria, mas, antes, a alma a que se refere o autor nasce 
de “procedimentos de punição, de vigilância, de castigo e de coação” (FOUCAULT, 
q1999, p.33). 
Sobre essa “alma” dialógica (in) corpórea e que cede lugar às relações de poder-
saber-fazer, “conceitos foram construídos e áreas e campos de análises demarcados: 
psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc.; sobre ela técnicas e discursos 
científicos foram edificados”. 
Essa alma é em sua realidade material e imaterial causa e efeito de relações de 
poder que produziram diferentes tipos de saber sobre identidades e corpos. 
Evidentemente, o projeto prisão fracassou em seu objetivo primeiro de potencializar a 
força produtiva dos infratores, punindo seus atos e reabilitando os sujeitos para o convívio 
social. 
Esse fracasso suscitou a necessidade de ressignificar a prisão e suas funções e foi 
a partir daí que o infrator passou a ser um objeto cognoscível pela ciência médica, forense, 
psiquiátrica, jurídica, dentre outras. 
 
Em resumo, a penalidade não “reprimiria” pura e simplesmente as ilegalidades; 
ela as “diferenciaria”, faria sua “economia” geral. E se podemos falar de uma 
justiça não é só porque a própria lei ou a maneira de aplicá-la servem aos 
interesses de uma classe, é porque toda a gestão diferencial das ilegalidades 
por intermédioda penalidade faz parte desses mecanismos de dominação. Os 
castigos legais devem ser recolocados numa estratégia global das ilegalidades. 
O “fracasso” da prisão pode sem dúvida ser compreendido a partir daí 
(FOUCAULT, 1999, p.300). 
 
 
Segundo Foucault (1999, p.304), o sistema de encarceramento e suas ramificações 
“investiu, recortou, penetrou, organizou, fechou num meio definido e ao qual deu um 
papel instrumental, em relação às outras ilegalidades”. Ao institucionalizar o poder 
punitivo na forma do encarceramento o dispositivo prisional estabelece uma “ilegalidade 
visível, marcada, irredutível a certo nível e secretamente útil [...] e que permite deixar na 
sombra as que se quer ou se deve tolerar” (FOUCAULT, 1999, p304.). 
Através da classificação, categorização, reconstituição biográfica dos infratores, 
dentre outras metodologias, o discurso cientifico produziu e foi produzido por uma 
realidade incorpórea: a delinquência e o delinquente. As tecnologias disciplinares “vêm 
aplicar-se seletivamente a certos indivíduos e sempre aos mesmos; no ponto em que a 
requalificação do sujeito de direito pela pena se torna treinamento útil do criminoso” 
(1999, p. 236). 
Resultante disso são processos de diferenciação não do ato cometido, mas dos 
próprios sujeitos. Dito de outra forma, a funcionalidade dos grupos alocados no polo da 
delinquência é, então, desviar o olhar de ilegalidades como crimes de colarinho branco, 
propinas e diversos tipos de corrupção diários. Antes, infrator, agora, delinquente. Ou, 
em termos contemporâneos, bandido. De delinquente inútil, à delinquente útil. Útil, 
também, por legitimar as instancias aplicadoras de poder e produtoras de conhecimento. 
Essa compreensão pode ilustrar o funcionamento do sistema penitenciário 
brasileiro. De 72% da população carcerária rankeada, entre homens e mulheres, 64% são 
negros, 51% não chegaram ao ensino médio, e possuem uma trajetória permeada por 
miséria profunda2. A criminalidade no Brasil tem cor, idade, cara e mora nas periferias. 
 
2 Esses dados são do INFOPEN de 2016/17. Este documento é feito pelos gestores das prisões e, portanto, 
não são completos. Em 2014, produziram um INFOPEN Mulheres, com as especificidades de gênero. 
Disponível em: 
file:///D:/Ana%20Beatriz/Meus%20documentos/Downloads/Relat%C3%B3rio%20INFOPEN%20Mulher
es.pdf. Acesso em: Janeiro de 2019. 
É interessante notar que, no que se refere aos dados de raça/ etnia, os gestores fazem uso das mesmas 
categorias que o IBGE, são elas: preto, pardo, amarelo, branco ou indígena. Entretanto, a pesquisa do IBGE 
é baseada na autodeclaração, já os dados colhidos para o INFOPEN, contam com a designação dos gestores 
file:///D:/Ana%20Beatriz/Meus%20documentos/Downloads/Relatório%20INFOPEN%20Mulheres.pdf
file:///D:/Ana%20Beatriz/Meus%20documentos/Downloads/Relatório%20INFOPEN%20Mulheres.pdf
Segundo Foucault durante o período e espaço em que as disciplinas exercem seu 
“controle e fazem funcionar as assimetrias de seu poder, elas efetuam uma suspensão, 
nunca total, mas também nunca anulada, do direito” (1999, p.234). O espaço da prisão e 
o período de aprisionamento podem ser considerados o tempo e espaço em que ocorre 
aplicação do poder disciplinar de forma mais assimétrica. 
A suspensão do direito, ou seja, da codificação das formas de punir e dos direitos 
que os punidos possuem enquanto sujeitos jurídicos encontra ilustração na rotina de 
procedimentos invasivos na prisão que se reveste do quesito “segurança” para se 
justificar. Seja de forma corpórea, como a obrigatoriedade de revista do preso nu que é 
obrigado a agachar-se e tossir, para verificar se há algum objeto proibido no interior do 
corpo. 
Seja através da humilhação a que são submetidos pelos funcionários em geral, 
principalmente por parte dos carcereiros que, sem generalizações, muitas vezes 
aproveitam-se das posições assimétricas entre quem pune e quem é punido, para 
promover chacotas, zombarias e diversos tipos de humilhação física e psicológica sobre 
os detentos em um show de exibição de masculinidades nocivas tanto para os que a 
realizam, quanto aos que estão submetidos. 
Os agentes penitenciários parecem, muitas vezes, sentir-se munidos de um poder, 
uma autoridade que pode extrapolar os limites aceitáveis pela lei escrita. Em suma, os 
carcerários misturam “a arte de retificar com o direito de punir, baixa o nível a partir do 
qual se torna natural e aceitável ser punido” (FOUCAULT, 1999 p329.). 
Por descentralizar o poder de punir e tornar suas aplicações invisíveis, o panóptico 
representou não apenas uma troca entre sistemas punitivos, mas a sofisticação de 
dispositivos de controle. Através desses processos de sofisticação dos dispositivos 
punitivos a relação de poder, soberania e punição se dissipou e entramos, a partir de então, 
em uma sociedade de incontáveis árbitros, todos fazendo vigorar a universalidade dos 
padrões normalizadores. 
Essa chamada sociedade disciplinar é estruturada por um sem número de 
micropoderes e micropenalidades que se exercem em relação dialógica. Professor-juiz, 
médico-juiz, educador-juiz, assistente social-juiz e seus olhos atentos, submetem e 
conformam corpos, gestos, condutas, desempenhos, aptidões e identidades 
 
de cada prisão. Ou seja, é retirado do indivíduo privado de liberdade até sua identificação étnica, na medida 
em que quem designa sua raça/etnia são os gestores que, certamente, baseiam-se apenas em fenótipos. 
(FOUCAULT, 1999, p.). Ao lado das demais instituições modernas, a religião também 
desenvolveu papel preponderante. 
A sociologia interacionista do desvio de Becker (2008) pode ser interessante para 
pensar a figura do delinquente.O autor nos informa que o desvio depende da forma como 
os outros agem. O desvio é efeito de uma transação ocorrida entre um determinado grupo 
social e um indivíduo que, para essa parcela, infringiu uma norma. Becker, não procura 
pelas características pessoais e subjetivas do desviante, mas sim, quer compreender os 
processos através dos quais os indivíduos são considerados o “outro” pelo grupo. 
Continuando, Becker (2008, p. 153) nos informa que as “regras são produtos da 
iniciativa de alguém e podemos pensar nas pessoas que exibem essa iniciativa como 
empreendedores morais. Duas espécies relacionadas — criadores de regras e impositores 
de regras”. 
Os criadores de regras detêm sua atenção no conteúdo das regras, pois, as que já 
existem não dão conta de sanar o mal social. O empreendedor criador de regras opera 
com uma ética absoluta e o que ele vê é total e verdadeiramente mal. Os criadores de 
regras acreditam estar fazendo o certo para o bem do corpo social. 
Os impositores de regras surgem como consequência de um novo conjunto de 
normas. A partir disso, pode-se gerar novo conjunto de agências administrativas da 
imposição de regras, estes, são menos preocupados com o conteúdo da regra, apenas 
importa impô-la para justificar o seu trabalho. 
As regras impostas podem ter força de lei ou de tradição, ser resultado de consenso 
e ser aplicada por corpo especializado ou ser trabalho do grupo no qual determinada regra 
é consenso. Dessa forma, o processo de rotulação do desviante “é o resultado das 
iniciativas do outro, visto que ele encadeia um processo de intervenções colocado em 
prática para selecionar, identificar e tipificar os indivíduos” (LIMA, 2001, p.192). 
 
grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui 
desvio, e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como 
outsiders. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a 
pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de regras 
¢ sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi 
aplicado com sucesso. Ocomportamento desviante é aquele que as pessoas 
rotulam como tal (BECKER, 2008, p. 22). 
 
 
O que Becker (2008) nos indica no trecho acima quando nos informa que o desvio 
não é uma qualidade do ato cometido, mas consequência da imposição de sanção 
normalizadora por determinado grupo social, é que não existe uma categoria homogênea 
de desviante. Então, as perguntas devem girar em torno de como a figura do “delinquente” 
se tornou um desvio passível de gerar medo coletivo, insegurança pública de diversas 
formas e inferiorização dos indivíduos. 
Devemos buscar a compreensão não dos motivos pelos quais alguém é 
“criminoso” subjetivamente, mas sim perguntar pelos processos que o transformam em 
um desviante para uma parcela da sociedade. Dessa forma, Becker (2008) é consonante 
com Foucault (1999, p.14) quando este nos informa que devemos analisar, não “os 
comportamentos, nem as ideias, não as sociedades, nem suas "ideologias", mas as 
problematizações através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser pensado, e 
as práticas a partir das quais essas problematizações se formam”. 
A partir do momento que um grupo de indivíduos é considerado desviante pelo 
grupo detentor de poder político e econômico ele se torna um problema social. E, a partir 
disso, métodos de regulação e controle surgem e estabelece-se a institucionalização de 
como lidar com as pessoas rotuladas. 
 Da mesma forma, pode-se usar a categoria “pânico moral” para analisar a situação 
da criminalidade no Brasil. Segundo Erich Goode and Nachman Ben-Yehuda (2009, 
p.37-43) os elementos que constituem o pânico moral são preocupação, hostilidade, 
consenso, desproporcionalidade e volatilidade. A preocupação é direcionada a grupos ou 
comportamentos considerados ruins para a sociedade, a hostilidade é a diferenciação 
negativa entre um eu que pertence a um coletivo legítimo e um “outro”. 
 O consenso ocorre quando uma larga parcela social está de acordo com a 
existência do suposto problema ou ameaça. A desproporcionalidade se refere às atitudes 
superdimensionadas tomadas para controlar e eliminar a dita ameaça. 
E a volatilidade ou instabilidade se refere à capacidade do pânico moral aparecer 
e desaparecer dependendo do contexto. A preocupação em relação à criminalidade no 
cenário brasileiro se evidencia pelas tentativas de implementação de medidas que 
enrijecem os sistemas punitivos, como a lei da maioridade penal. 
A hostilidade pode ser vista na fala do próprio atual presidente da República do 
Brasil, Jair Messias Bolsonaro, ao exclamar as frases que deram bases para um dos cernes 
de sua campanha eleitoral: “bandido tem que ser recebido com bala na testa [..] Nós temos 
que mandar esse pessoal pra onde eles merecem, ou seja, o cemitério” e “bandido bom, 
é bandido morto3”. 
O consenso pode ser compreendido como o resultado das eleições que elegeu esse 
discurso de ódio. A desproporcionalidade, se evidencia nos diversos casos de violentos 
linchamentos populares de jovens ou adultos que cometeram delitos e são pegos no ato. 
E a volatilidade ou instabilidade se refere à elasticidade das taxas de criminalidade 
que podem aumentar ou diminuir de acordo com diversos fatores, dentre eles, políticas 
públicas paliativas assistenciais e afirmativas. É intrínseco à esse contexto o fenômeno 
religioso e é, nesse sentido, que proponho análise interseccional que una 
masculinidades/gênero, religião e prisão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Referências 
BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. 1. ed. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2008. p. 9-231. 
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 
1999. p. 8-334. 
 
3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZJ-2R4bzkEI. Acesso em: 20 de Julho de 2020. 
https://www.youtube.com/watch?v=ZJ-2R4bzkEI
LIMA, R. D. C. P. Sociologia do desvio e interacionismo. Tempo Social, São 
Paulo, v. 13, n. 1, p. 185-201, mai./2001. 
REVELL, Judith. Michel Foucault: Conceitos essenciais. 1. ed. São Carlos: Claraluz, 
2005. p. 13-87.

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